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  • All That Jazz, o espectáculo tem de continuar e outras coisas do tipo

    All That Jazz, o espectáculo tem de continuar e outras coisas do tipo

    Ao fazer zapping na plataforma Filmin, choquei de frente com um filme que já tinha visto há muito tempo intitulado All That Jazz. Tinha uma fugaz boa impressão, mas lembrava-me de muito poucas cenas. E, então, vi-o novamente.

    Surpreendeu-me, e, como acho que, numa certa perspectiva, tem os elementos para uma pertinente interpretação à luz dos nossos dias, fiz o trabalho de casa e decidi escrever.

    Se eu fosse dono de um cinema de reposições como ainda vai havendo, considerando também o Cinema Nimas, último bastião resiliente de cinema em salas com grandes ecrãs em Lisboa, seleccionava este filme para estar em cartaz uns tempos.

    Iria trazer certamente estilo à cidade porque antes os cinemas eram também os jardins das cidades. 

    All That Jazz é um filme de Bob Fosse que estreou em 1979 e ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes ex aequo com Kagemusha – A Sombra do Guerreiro, de Akira Kurosawa em 1980.

    É um filme magnífico, posso jurar pela alma do cinema.

    Bob Fosse foi dos realizadores mais singulares do sistema mainstream norte-americano, mesmo que possa não ser considerado como tal por alguns críticos mais radicais ou puristas e até ser visto como um intrometido que veio do teatro musical, constando na sua filmografia apenas quatro longas-metragens, entre as quais Cabaret, que recebeu um total de 10 indicações ao Oscar (vencendo oito delas), detendo o recorde de obra com mais prémios da Academia para um filme, que não venceu o Oscar de Melhor Filme.

    Casting 1#

    Fui ver o que alguns sites diziam do filme e aqui transcrevo o que o site agregador de avaliações Rotten Tomatoes diz: 87% das 46 avaliações dos críticos são positivas, com uma classificação média de 7,6/10.

    O consenso do site diz: O diretor Bob Fosse e a estrela Roy Scheider estão no topo neste drama de palco deslumbrante e auto consciente sobre um diretor-coreógrafo obcecado pela morte.

    Vale o que vale.

    Este é mais uma daquelas longas-metragens em que, não obstante ter 45 anos, podemos sempre encontrar traços da actualidade, sobretudo pela forma como teatro, cinema, vida, vida real, espectáculo, dança, showbiz, e autobiografia se misturam, parecendo tratar-se de um convite muito sério (mas a brincar) para se entender o espírito tempo em que foi produzido e também o que haveria de chegar, com algo de premonitório, até atendendo à esquizofrenia latente que navega por lá, que com o passar do tempo mais a continuação do Plano Marshall, no Ocidente, passando pela inevitável queda do Muro de Berlim, só teria tendência para piorar, no que à psicose diz respeito.

    O Directório de Saúde Mental com os seus excessos em conluio com a indústria farmacêutica, são disso exemplo para a construção de outros muros que, entretanto, apareceram e não são para aqui chamados.

    Se há coisa em que Bob Fosse não falhou, e talvez não fosse difícil, foi na premonição da sua própria morte por insuficiência cardíaca, que veio a acontecer algum tempo depois aos 60 anos.

    Premonição? Morte?

    Toda a arte, metaforicamente falando, que se envolve subtilmente com o tempo, terá de arriscar alguma coisa quanto à sua expansão no futuro que nunca estará privado de História e a morte é sempre o melhor dos temas, quanto a mim. Pois este filme vive da morte, como não poderia deixar de ser…  

    Mas aqui, nestes milhões de fotogramas é-nos transmitido por outro lado, que o tempo é de espectáculo permanente e que vida e morte, ficção e realidade, podem estar a querer dizer que são água da mesma fonte, integrados numa cacofonia delirante armadilhada por todo o tipo de “redes sociais” e intrigas malignas, dignas da realidade actual, que não é mais que uma continuação natural das outras redes e de outros tempos. 

    Sim, sim. O digital é o prolongamento do dedo.

    Está tudo ligado e desligado ao mesmo tempo. Neste estranho e atípico filme é nos dito que a vida é aquilo que tem de ser, e só vivendo no sonho ou na imaginação é que existem possibilidades salvíficas.

    Casting 2#

    Este filme polvilhado por anfetaminas, parece uma longa selfie feita por alguém que sabe filmar e dançar. É um filme-slalom que está constantemente a ver-se ao espelho. Ou mesmo pode tratar-se de um filme-espelho, para ser mais preciso, ainda que toda a arte deva espelhar, nem que seja espelhar-se a si mesma, como também acontece nesta película, uma vez que não deixa de ser uma obra com tiques pós-modernos, já que mantém alguma sinuosidade kitsch típica desse mundo colorido e stressado, o que até lhe fica bem e na altura recomendava-se.

    Como sintoma, este filme fechava o fim de um ciclo de musicais que alimentaram e sustentaram alguma Hollywood. Seria o último musical indicado ao Oscar de Melhor Filme até que A Bela e o Monstro da Disney fosse indicado em 1992, e foi o último musical live-action a competir na categoria, até Moulin Rouge de Baz Luhrmann em 2002.

    É contemporâneo de A Febre de Sábado à Noite que imortalizou John Travolta e se tornou filme de culto, embora nada lhe deva, sendo muito mais profundo e arty, que a sobrevalorizada fita de John Badham.

    Neste estamos sempre à espera de que o espelho parta e com ele o próprio elenco (técnicos e actores) que estão por lá reflectidos, como se isso fosse coisa pouca. No outro não há espelhos humanos, aqueles que interessam, e os que há, estão instalados nas bolas refletoras das discotecas e clubes, ou servem apenas para John Travolta se pentear enquanto se reflete neles, não trazendo nem expondo a fractalidade da qual muita arte se alimenta. Aqui, a suposta falsidade e futilidade das coreografias e canções, ajudam a decalcar o mundo profissional e os seus inerentes dissabores. Mas todas as salas de ensaio naturalmente têm um espelho. Será a vida uma longa e interminável sala de ensaio com um espelho a olhar para nós?

    The show must go on, n´est pas?

    O mundo é um espectáculo, e aqui não deixo de citar e invocar, mesmo que o realizador não o tenha lido, (não sabemos), o livro de Guy Debord intitulado A Sociedade do Espectáculo, de 1967 e que acertou em cheio no desenlace para o admirável mundo novo ao qual a sociedade se sujeitou, sem que alguém disso duvide, pode é ser bom para alguns. E mau para outros, como sempre acontece em sociedades divididas. Chamou-se a isso democracia.

    Dancing scene 1#

    Bob Fosse foi dos principais encenadores-coreógrafos da Broadway nas décadas de 50, 60 e 70, e um grande viciado em anfetaminas, sexo, cigarros e Dexedrine, já para não falar de ser um workaholic de primeira, aspectos que o filme autobiográfico realça bem, pelo menos o seu alter ego Joe Gideon está sempre em zona de perigo, ostentando permanentemente um Camel ao canto da boca como um cowboy solitário e aventureiro que tem a morte à sua espera no fim da linha e o show time na ponta da língua no inicio do dia, repetindo-o várias vezes ao longo do filme, mas sempre filmado e editado de formas diferentes ainda que sempre de frente ao espelho da casa de banho.

    O próprio filme, é um excesso, caracterizado pela montagem cheia de ritmo e cortes rápidos, trazendo daí flashbacks e flashforwards necessários para a compreensão da narrativa e para a sensação de pesadelo e desespero light que o filme parece pretender criar, percepcionando um certo cansaço, mas também um divertimento ligeiro ao mesmo tempo, acompanhado sempre de movimentos de dança e de música entretida, típica daquele género de espectáculos no qual  todas as personagens estão envolvidas.

    Era frequente naquela época abusar-se um pouco de efeitos como o de fade in/fade out, ou sobreposições e outras distorções visuais e/ou sonoras. All That Jazz peca um pouco por isso. Talvez seja também misógino já que tudo circula à volta de Scheider, e não deixa de ser verdade que as mulheres podem aparecer como objecto do seu vício, apalpando as enfermeiras na cama do hospital sem a sua permissão, por exemplo. À luz dos dias de hoje com cancelamentos e auto-censura, não sei se o filme aguentava num cinema sem umas sprayzadas de tinta nos cartazes. Quase me sinto obrigado a dizer isto, embora o filme, seja como for, o faça com arte e criatividade e não creio que veicule uma apologia de masculinidade tóxica. 

    A narrativa desloca-se pouco do mundo do espectáculo em que o jogo está mais legitimado e é sobretudo dado um mergulho profundo nesse mundo, por alguém que caiu desde cedo no caldeirão do showbiz.

    Nesse sentido, Bob Fosse torna-se único, fundindo com realismo o cinema e o espectáculo como se nos tivesse a dizer que se fosse bombeiro só faria filmes sobre incêndios, mas auto-indulgentes e negativos, ou em parte.

    Mas o argumento para dar contraste e mesmo paradoxo visual e narrativo, acaba também por magistralmente envolver o corpo clínico que mais tarde aparece como elemento salvador dos excessos de Gideon em ambiente hospitalar, e talvez seja essa a grande novidade conceptual apresentada, fazendo confluir dois universos completamente dispares, ou talvez nem tanto…

    É também um filme feito de luzes e de lantejoulas com chapéus de coco e cadeiras a voar por todo o lado, a darem-nos permanentemente a convicção de que a vida não só é um espectáculo ainda que triste, como também um cabaret.

    Bob Fosse fez apenas quatro filmes, mas umas dezenas de encenações teatrais e musicais pelas quais foi inúmeras vezes premiado. E em pelo menos três obras cinematográficas, retratam-se pessoas que existiram, não só no mundo real, como também no cosmos das Broadways norte-americanas andando em torno, como no caso de Star 80 (o seu ultimo filme), do destino trágico da modelo playmate Dorothy Stratten que estava envolvida com o realizador Peter Bogdanovich (no filme tem outro nome), sendo este e Lenny, dois biopics que expõem os perigos e as perversões do mundo do show business, que o próprio tão bem conheceu, e cujas consequências viveu na pele. 

    Dancing scene 2#

    Parece dizer-nos também sem grande lamento, que em tempos freneticamente instáveis de esquizofrenias paradoxais universalmente expandidas e fragmentadas, num mundo globalizado e americanizado, justifica-se pôr o dedo nas feridas abertas de um mundo deprimente também gerado pelo excesso e pela sua velocidade imparável, alicerçado em cidades sujas como a Nova Iorque daquele tempo pré Giuliani, que dizem tê-la “limpo” anos mais tarde, com métodos dúbios e obscuros de tolerância zero. Como se a asseptização vindoura não trouxesse ainda mais lixo, mas isso são mãos para outro piano, como dizem os eslovenos.

    A série Fame também contemporânea deste filme e que retrata o mundo das artes cénicas a partir de uma escola, mostra uma Nova Iorque que já não é a do sonho americano, parecendo mais um pesadelo, ilustrada pela crueldade, dureza e competição a que os artistas se submetem na tentativa de ganhar um lugar ao sol.

    Esses tempos cinematográficos e televisivos mostravam cada vez mais a neblina, e isso era muito patente em Hill Street Blues, uma série televisiva daquele período com grande êxito mundial, em que se acompanhava o dia a dia dos agentes numa esquadra de polícia.

    Nova Iorque era viciante e viciosa e realizadores como Jim Jarmush que lá viveu nessa altura, disse tratar-se do melhor sítio do mundo para viver, ainda que fosse das cidades mais perigosas do ocidente na década de setenta e oitenta.

    Essa Nova Iorque carismática com cheiro de vão de escada e muito frenesim impregnado de adrenalina estão muito presentes em All That Jazz, embora seja ilustrada mais pelos personagens e as suas inerentes fragilidades que pela visão da rua. Sente-se o lixo e o crime sem se ver, cheira a comida exótica fast food por todo o lado como em Blade Runner feito uns anos depois. E ambos os filmes têm semelhanças na forma como a morte e o medo aparecem e mergulham na metafísica, mas Gideon jamais poderia ser um replicant, para aproveitar o balanço da citação ao filme de Ridley Scott.

    Este All That Jazz não deixa de ter alguma violência contida, mas bem expressa por exemplo nas incapacidades técnicas e criativas dos bailarinos e na manifesta dúvida existencial permanente em Gideon, realçando assim a intransigência conhecida para se ser bem sucedido no mundo do showbiz.

    A dúvida e a sua inerente violência psicológica são um elemento que acompanha o filme pouco contido, algo lacónico, cáustico, penetrante, confrontante, e até imperativo.

    Esta longa metragem atípica confere visibilidade ao invisível através das percepções e interpretações sensoriais, emocionais e até intelectuais dos actores, resvalando um pouco em Cassavetes, já que era um dos realizadores mais interessantes e experimentais do cinema norte-americano e que ainda influenciava parte do cinema, sobretudo o europeu, germinando nas personagens processos mentais imaginativos, cognitivos, e até reflexivos, constituindo-se como veículo de auto-representação de um mundo desconhecido para a maioria, tendo conhecimento apenas como espectadores mas sem acesso ao seu background que não era tão feliz como os media faziam crer nas revistas.

    Dancing scene 3#

    All That Jazz funciona como um canal de expressão, comunicação e conhecimento, e responde de lâmina afiada cortante com solidez, objectividade e contundência a um mundo que mergulha por vezes na crueldade e é cada vez mais escravo e servil do gosto dos espectadores e produtores. Gideon sabe disso.

    Fosse sabe disso. Até eu disso sei.

    É, pois, um meta-filme, ou um meta-espectáculo dentro do filme que acaba ele mesmo por instalar-se definitivamente num hospital, fazendo confluir o mundo clínico e frio com o mundo espectacular das cores e das coreografias.

    Essa acidez com vontade de se alcalinizar, é sem duvida um dos pontos centrais do filme, trazendo singularidade ao mundo asséptico da bata branca, fazendo lembrar algum Fellini, (Oito e Meio de certeza, ou mesmo Ammarcord, arrisco eu), obras nas quais o tempo parece ter compactuado com o os 24 fotogramas por segundo, andando para trás e para a frente sem tropeçar, de forma a mostrar-nos a cabeça e os pensamentos por vezes fragmentados, por vezes claros, dos protagonistas, dizendo que aquilo que estamos a assistir vive ao mesmo tempo dentro das suas mentes.

    Em Fellini e Fosse há sempre uma vontade intrínseca de ser cinema próximo da vida, sem o realismo muitas vezes associado, ou então traduzindo uma realidade delirante, e aí sim realista, porque a própria vida também ela pode ser excessiva, e sendo assim, mais uma vez podemos viajar no tempo, e parar no presente, num contexto em que as ciências médicas têm tido um protagonismo pouco científico e a esquizofrenia generalizou-se com o fim anunciado do jornalismo e sabemos lá se do cinema.

    All That Jazz não deixa de ser um filme íntimo e perturbador, é a cabeça de Roy Sheider que transporta toda a emoção ou a carpição sofrida e introspectiva da aridez de solidões, desamores, frustrações, e até incompreensões, fazendo com que cada um de nós se identifique mais ou menos com a confissão vulnerável do autor que vai dialogando ao longo do filme com uma espécie de imagem feminina interpretada por Jessica Lange, pueril, bela e branca, fazendo acreditar por vezes ser a morte disfarçada de anjo, ao contrário da morte representada em Sétimo Selo de Bergman, por um cavaleiro vestido de negro e com uma máscara branca. Um anjo exterminador.

    Rehearsal

    Sem dúvida que All That Jazz está também imbuído de fé e crença, mesmo que alimentadas pela falsidade do mundo do espectáculo, que precisa de acreditar no teatro da vida para ser eficaz nas suas deambulações tanto intelectuais como emocionais, estando sempre à frente do olhar e da acutilância dos produtores para ganhar dinheiro, tentando passar por cima das fraquezas humanas, e das pequenas falhas de carácter, marca estúpida dos humanos.

    Esta película está sempre a ver se a luva serve na mão, usando palavras despidas, perspicazes e fortes de nos arrepiar a pele pela crueza e até pelo humor cáustico vindo da boca do actor que interpreta o stand-up comedian e que aparece quase sempre dentro de um monitor da sala de visualização enquanto parte integrante de um filme que Gideon anda a acabar, autocitando-se uma vez que já realizara anos atrás, Lenny, uma longa metragem a preto e branco que retratava a vida do cómico e trágico Lenny Bruce com Dustin Hofmann.

    All That Jazz é uma esponja auto-biográfica do autor. Absorve, processa e escorre, dá ideia que o copo foi enchendo com o passar dos tempos que imaginamos muito preenchidos enquanto observador de uma realidade mais abrangente que a da sua vida no trabalho, na família e nas mulheres, carregada de todo o tipo de excessos. É uma obra com sangue, suor e lágrimas onde o fantasma do Vietnam e dos filmes de guerra dessa época excessiva paira, mas talvez mais pelos fantasmas cinematográficos do que pela realidade do filme que andava preocupada com outros negócios. 

    É o filme que Kubrick disse ser o melhor filme que já tinha visto, pelo menos até à época, o que é uma excelente carta de apresentação e já agora o realizador de Shinning é citado numa das cenas a propósito… De filmes.

    Arrisco mais uma vez fazer uma analogia com o nosso presente pela necessidade de encontrar uma válvula de escape que ali é representada pela imagem da mulher e hoje é trazida pela cultura new age mais uma vez com Yogas e Krav Magás, passando pelos spas que jorram pelos ginásios, onde o suor é outro e as lágrimas vão secando ao ritmo de outra musica, iludido que está o publico de apaziguamento, tanto pelo controlo da ansiedade, como pelo controlo da violência intrínseca, com a tentativa de dar murros na mesa às incongruências do presente e incertezas do futuro que lhe (nos) entram pelos olhos dentro no quotidiano, e não podem, e não devem ser passivamente ignoradas.

    Uma palavra também de apreço a Roy Scheider que até aí era mais conhecido por filmes onde fazia de duro como French Connection, ou pelo grande sucesso comercial Jaws, realizado uns anos antes por Spielberg. Mas o seu desempenho mostra capacidades ecléticas bastante assinaláveis dando sempre uma energia, um entusiasmo e paradoxalmente um desgaste credível à personagem. Supostamente Gideon está sempre sobre o efeito de drogas e Scheider nunca cai no overacting em que muitos caíram em filmes limite do género, embora o argumento peça que estejam na fronteira subtil, tanto o actor, como o realizador e a personagem, ao mesmo tempo, e aí Roy Scheider é exímio fazendo de todos e talvez até de si mesmo, como é comum nos bons actores que têm coisas a dizer não se ficando pelo exibicionismo da técnica. 

    Queria terminar com uma cena do filme:

    Gideon está na maca dirigindo-se para a sala de operações. Acompanham-no de um lado a ex.  mulher e mãe da filha, e do outro a actual namorada. Olha para a primeira e convicto de que pode sucumbir na perigosa operação ao coração, diz: Se morrer peço já desculpa por todo o mal que te fiz!

    Ela chora. Depois Gideon olha para a namorada e diz: Se continuar a viver, peço já desculpa por todo o mal que te vou fazer!

    Ela ri

    Esperemos é que o cinema não sucumba na mesa de operações, por onde tem sido visto ultimamente, estando a precisar de uma válvula cardíaca nova para contrariar a sua morte anunciada.

    Mas pronto… All That Jazz continua a respirar sem a ajuda da máquina.   

    Ruy Otero é artista media

    Ilustrações de Manuel Silva


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  • Aquele (meu) querido mês de Agosto

    Aquele (meu) querido mês de Agosto

    Num destes sábados de Agosto, a RTP 2 emitiu um memorável filme de Miguel Gomes – Aquele querido mês de Agosto, de 2008, e revi-o.

    Com o passar dos anos, este filme ainda parece que ficou melhor, como se surgisse de uma boa casta cinematográfica, que com o tempo vai ganhando mais corpo e elegância (fazendo uma analogia com o vinho, e com os seus eternos segredos).

    Sem dúvida, que o tempo é amigo da boa arte.

    Ajusta-se e consagra-se nela e pode, no caso de ser compreendido, tornar-se no melhor ansiolítico para os artistas.

    De uma forma geral, os filmes de Miguel Gomes têm qualidade e são extremamente bem pensados por alguém que passou pela crítica de cinema e que se habituou a ver filmes para escrever sobre eles.

    Indubitavelmente, o cinema também é escrito, é palavra, e aqui temos um exemplo disso, fazendo, de uma forma muito sóbria, tudo encaixar em tudo, até Portugal lá está metido ao barulho, a fazer de Portugal. É um filme sobre o tempo, em que a espera e a falta de dinheiro verdadeiro ou não, contribuem e supostamente mudam a acção. Um filme que tem a urgência de ser cinema, mais do que a de agradar aos produtores. Isto podia ser a sinopse, ou mesmo a falsa sinopse, já que a longa-metragem vive dessa dicotomia entre realidade e ficção, elevando a arte a um ponto-chave, assinalado vezes sem conta por Jean-Luc Godard com as suas célebres afirmações acerca do documentário e da ficção, sendo que o ideal para o suíço é um integrar-se no outro.

    Lembro-me de outro singular filme de Joaquim Pinto Uma Pedra no Bolso –, cuja acção também se desenrola durante o Verão num Portugal específico, em Porto-de-Barcas, vila piscatória que conheço bem e onde também em tempos já pesquei imagens. Um filme talvez esquecido, que teve presença na RTP2 em Agosto, há um par de anos, mas que imaginamos o tempo a fazer o seu trabalho, para que estes fantasmas melancólicos ganhem corpo, já que alma têm de sobra, sendo mesmo essa alma a marca de uma boa parte do cinema português de autor.

    Vem-me à memória ainda Os Contos de Verão do super-francês Éric Rohmer, passado nas mágicas praias da Bretanha, em que a nostalgia e a palavra são iguarias do cardápio burguês e culto, tipicamente gaulês, como é hábito em Rohmer. Claro, há muitos outros filmes cujo calor contagia e derrete o ecrã. O Pecado Mora ao Lado de Billy Wilder é um deles e “queima” definitivamente o televisor sempre que aparece por aí, mas deste já se disse tudo e a Marylin Monroe tem direito ao seu descanso, uma vez que em vida não o conseguiu sem a ajuda de benzodiazepinas, imortalizando-se qualquer dia mais por elas do que pela sua presença nos fotogramas.

    Pessoalmente, adoro ver um bom filme de verão… No Verão. Mesmo se o céu não anda tão azul, chegando mesmo a não sair durante dias a fio dos tons cinzentos característicos desta época… Gris.

    Outra era virá, se o cinema, ao contrário de Deus, assim o quiser. A Cinemateca Portuguesa está lá para nos sussurrar ao ouvido, a doce melancolia da morte anunciada do cinema, que nunca mais chega.

    Em qualquer um destes quatro filmes que enumerei, é o amor que anda no ar, ao invés de drones. O filme de Miguel Gomes, como entidade própria que já é, percebeu que o cinema e a vida mais os sons que só existem na cabeça das pessoas sensíveis, têm mistério suficiente para não mais nos abandonarem os pensamentos. O cinema é um espírito com o qual os cinéfilos fazem telepatia. Porque o cinema também é memória, sobretudo memória futura para que a poética (seja ela qual for) nunca desapareça no meio da convulsão geral em que mergulhámos definitivamente, com guerras e ódio por todo o lado, tendo sido esta a marca destes últimos tempos bestiais.

    Aquele Querido Mês de Agosto vale e até “informa” mais do que um ano de telejornais e tem uma acção realisticamente climática sobre o espectador, coisa que a realidade vai paulatinamente abandonando, porque se transforma ela mesmo numa imitação de uma rede social.

    Neste filme ambicioso disfarçado de filme humilde, que tem a acção em terras da Beira Alta, durante o Verão, quando os emigrantes voltam para as férias e é tempo de bailaricos, procissões e incêndios, o povo não é só vítima ou testemunha, como habitualmente é tratado pelos media em geral. Aqui a realidade grita pela existência e saboreamos um documentário a fazer de ficção, senão mesmo de uma ficção a fazer de documentário, para citar o crítico Luís Miguel Oliveira a citar Godard.

    Aqui, o povo tem voz e canta a sua angústia através da lente justa e sonora do realizador e da sua equipa. Mesmo tratando-se da cruel realidade a que ninguém escapa, no qual se exalta o realismo mágico, mesmo que a ideia de terror sobrenatural parta mais de um trecho de um filme, que aparece dentro do filme, que da própria encenação de Miguel Gomes, trazendo para a sala uma preocupação estilística, participe de uma visão estética da vida que não exclui de todo a experiência do real.

    E alicerçado nesses degraus de continuidade, o fantástico filme vai cavalgando e surpreendendo por entre rituais em que até os próprios incêndios igualmente o são, como se vê nas cenas da torre de detecção e no plano dos botões luminosos no centro de controlo.

    Importante para a compreensão conceptual do filme, são travellings, como aquele em que a câmara acompanha de frente a carrinha de bombeiros com a música de Toni Carreira Sonho de Menino – a instalar-se paulatinamente na acção.

    Em poucos filmes, o som e o tratamento acústico estão tão singularmente presentes para habitar o campo narrativo, em que se ouve, mas pode não se ver, e escuta-se de “olhos bem fechados” (para citar Kubrick), devido às cinzas orgânicas que parecem sair do ecrã ou da tela. Esta é a poética do filme que arde, mas não se vê.

    A banda sonora assinalável é fundamental para o desenvolvimento das histórias fragmentadas, sobretudo da história central em que um pai, uma filha e o seu namorado-primo se relacionam, trazendo sempre novidades narrativas, até porque os próprios protagonistas fazem parte de uma banda musical que deambula pelas aldeias da zona, cantando-se e interpretando-se a si mesmos aludindo aos musicais clássicos.

    A banda sonora tem títulos como: ‘Escravo do teu encanto’, ‘Som de cristal’, ou ‘Passear contigo’, todas elas bastante reconhecíveis pelo público em geral.

    O verdadeiro e real(?) Vasco Pimentel que faz dele próprio a fazer dele próprio, dá-nos uma lição no fim da película acerca da eternidade e dos fantasmas que habitam os filmes, numa dimensão em que a imagem se apaga no som. A tecnologia desaparece perante tamanha grandeza e apenas prevalece aquilo que queremos acreditar ser a vida. A vida para lá de todas as vidas, a vida em que, como dentro dos filmes nunca nada morre. É sempre tudo a fingir. 

    Esta película não parou no tempo. Esta e outras obras cinematográficas feitas com arte, fazem, sim, parar o tempo. E como o Verão me torna melancólico, vou parecê-lo e dizer que o cinema também é amor e com ele mantenho uma relação de fidelidade amorosa ao longo dos anos, sabendo e aceitando a indústria e a sua artificialidade, e até reconhecendo a abundância de criminosos nefastos como o Harvey Weinstein que produziu filmes que hoje são autênticas elegias ao amor, como Shakespeare in Love, ainda que não seja grande filme.

    O cinema perdoa, daí a sua possibilidade de catarse. Se a vida fosse um filme, salvava-se, mesmo sabendo que o cinema foi o principal agente manipulador e transmissor de mensagens subliminares para o século XX e veículo de persuasão com sede em Hollywood. Mas a contradição é a flor e a pistola dos artistas e a realidade ganha sempre depois de vermos um bom filme.

    Ainda assim, sabemos que o cinema traz valor acrescentado e é muito mais do que isso, e esse cinema-muito-mais-do-que-isso é onde este filme se inscreve, e não será vítima do novo tecno-mundo, cujos realizadores são anónimos e não precisam de actores, podendo mesmo fabricá-los a partir da A.I. Isso não é Ser Cinema.

    Aqui o conteúdo de elementos mágicos ou fantásticos percebidos como parte da “normalidade” pelas personagens não é claro, mas existe, sim, a presença de elementos mágicos algumas vezes intuitivos, mas nunca explicados, ou mesmo a presença do sensorial como parte da percepção da realidade, trazendo uma singular distorção do tempo para que o presente se repita ou se pareça com o passado, baralhando-se cronologicamente. Como exemplo disso temos o “milagre” operado na personagem do pai do Fábio, quando fala na transformação que se deu no seu cativeiro impregnado de dor, ao cruzar-se com a Rainha Santa, feita de cerâmica, durante a procissão quando experimentava o auge da agonia, até ao triunfal cruzamento onde a dor desaparece definitivamente. Não conseguimos saber se aconteceu mesmo ou é produto do argumento ficcionado.

    Talvez pertença aos dois, e é isso que as novas tecnologias digitais inteligentes não percebem.

    Uma personagem inesquecível é o Paulo Moleiro, que não faz nada, segundo um amigo, mas todos os anos em fevereiro dá um salto da ponte para mostrar que está vivo.

    Aquele Querido Mês de Agosto é esse salto que nunca se vê.

    Ruy Otero é artista media

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  • Anthony Fauci, o artista

    Anthony Fauci, o artista

    Nos tempos que correm, passe a expressão coloquial, a Arte estende-se para muitas zonas, e uma delas é aquilo que se convencionou chamar de bioarte, que é o uso da biotecnologia como meio na produção de objectos artísticos, sendo por isso mesmo uma arte conceptual de difícil compreensão, como quase todas.

    Essa disciplina percebeu muito bem o comportamento humano e as sua engenharia associada, sendo por isso muitas vezes praticada por pessoas ligados à ciência e aos seus dúbios mercados.

    Ilustração de Alex Farac

    Especialistas acham mesmo que há uma relação directa em regime de parceria, entre os caminhos que a bioarte vai tomando e a galeria Tavistock. Já para não mencionar a ligação ao fantasma do sinistro projecto MK-Ultra levado a cabo pela CIA nos anos 60, ainda que considerado um projecto obscuro e perigoso principalmente porque não controlado por artistas.  

    Acredita-se que a primeira obra de bioarte foi criada em 1936 por Edward Steichen, e apresentada no Museum of Modern Art, em Nova York (Lipton, 2003), embora cientistas sociais mais contemporâneos contraponham essa moldura, dizendo que a bioarte é muito mais extensível à vida e aos seus sofismas que aos confins de galerias e laboratórios, uma vez que segundo princípios hodiernos muito em voga, a arte já saiu das galerias há muito tempo e foi dar uma curva até Big Billards (Bilhar Grande em português), para nunca mais voltar à casa de partida.

    E assim chegamos a A. Fauci, um artista de Brooklin, New York que devemos ter em conta e por isso acompanhamos o seu trabalho com interesse, pelo menos aquele que não está no segredo dos Deuses do Olimpo (MoMa).

    Ilustração de Alex Farac

    A Fauci é um criador e cientista ligado às artes performativas/visuais dos Estados Unidos há muito tempo. As artes aí nesse país, ao contrário do que muita gente pensa, são financiadas e produzidas em regime de co-produção com o próprio Governo, tendo tido um incremento e significativo avanço durante o legado do governo Obama, através de subsídios do Reserva Federal, pensa-se, não sendo um assunto muito claro para alguns especialistas. Ao contrário do que é comum pensar-se, os EUA não são um país de índole apenas capitalista ou mesmo liberal, como muitas vezes é eufemisticamente apelidado, e para o provar temos a obra pública deste renomado artista plástico, que não se deixa cativar só pelas feiras de Veneza e pelos Fóruns de São Paulo (ainda hoje controlados pelo curador Lula da Silva, outro artista de calibre magnum), mas também pela arte pública contemporânea já hegemónica em muitos países, com

    artistas revolucionários a ocuparem imensas fachadas locais e mesmo estações de metro e pastelarias.

    O mundo mudou definitivamente.

    Hoje sabe-se por exemplo, que a própria CIA financiou Jason Polock, mostrando não ficar à época atrás do KGB, que também financiou inúmeros artistas soviéticos, incentivando-os mesmo a brutais e magnificas performances para além de residências na Sibéria, que muitas vezes acabavam na morte dos próprios criadores naquilo que se chamou de Gulagart.

    Sabe-se hoje que a bioarte acarreta os seus perigos e não fossem os Estados a financiarem os criadores, seria uma arte de difícil expansão e aceitação, tendo mesmo na esfera pós-moderna ido para além da moral e até mesmo da ética como infelizmente adivinhamos que terá de ser, uma vez que esse é um dos apanágios da própria disciplina para que a evolução aconteça. Senão, como teríamos saído das cavernas?

    Ilustração de Alex Farac

    Michele Foucault e muitos outros legitimam teoricamente estas acções de intoxicação voluntária, pelo menos queremos acreditar, até mesmo pelas experiências corporais infringidas pelo próprio filósofo numa cultura sado-masoc, para se insurgir e desconstruir (e bem quanto a nós), a mediocridade e hipocrisia do poder dominante ainda elencado por pessoas e políticas conservadoras ligadas a Vichy. Também acreditamos que se trata de uma difícil tarefa para os artistas que não deixam também de ser vitimas de si mesmos, se olharmos para a psicanálise, ou mesmo para se tornarem mártires pós-modernos a quem muito temos de agradecer pelos seus sacrifícios a bem da humanidade e do progresso (não estando a ser cínico evidentemente mas sim clinico como mandam as regras do bom jornalismo).

    Podemos atirar as “culpas” também a outro vulto chamado Charles Darwin, apelidado por alguns dadaístas de monkey-artist (artista-dos-macacos), tendo sido a sua teoria da transmutação da espécie aceite pelo sistema depois de fortes polémicas.

    Não só as artes agradeceram a generosidade destes artistas, como também a própria ciência de onde provém inicialmente A. Fauci, vindo, no entanto, a doutorar-se mais tarde em Artes Performativas, sendo sempre agraciado pelos distintos governos, tanto democratas como republicanos, provando que a sua criatividade ultrapassa horizontes e fronteiras tanto horizontais como verticais.

    Fauci também tem ligações profundas a laboratórios de pesquisa na China onde tem feito e incentivado residências, nomeadamente na cidade de Huan, onde esfomeados morcegos se alimentam de ingénuos pangolins, tornando-se um terreno fértil de pesquisa no singular país dos dois sistemas.

    E por falar em fauna, sabemos também que o performer americano fez experiências com cães de raça com um exorbitante contrato federal de 1,8 milhão de dólares para performances científicas com cães de uma raça específico que por falta de dados não conseguimos apurar (tendo também em conta toda a desinformação que existe na Net).

    Ilustração de Alex Farac

    Este caso levantou sérias preocupações e questões a senadores conservadores que nada percebem de arte conceptual nos EUA, dedicando-se muitas vezes a doar fundos para igrejas e para “artistas” evangélicos. Naquele caso foi Joni Ernst do inefável e ignorante Estado do Iowa, que observou que experiências anteriores financiadas pelo Governo Federal, em cães sob a tutela de Fauci, incluíram cortar as suas cordas vocais, infestar os cães com pequenos aracnídeos ectoparasitas hematófagos, e ainda colocar os mesmos em gaiolas com moscas infecciosas em regime de co-habitaçao. Experiências artísticas com animais já tiveram melhores dias, mas Fauci não quer limitar-se a canídeos já que pretende fazê-lo também com humanos.

    Mas os caminhos já haviam sido abertos há muito pelo coelho de Beuyes, ou pelas ovelhas de Dolly, passando pelos tubarões de Damian Hirst ou pelos elefantes dos caçadores colonialistas. Temos pena.

    É preciso haver progresso.

    Sabe-se pelo Economist e, ainda que não tão detalhadamente, pelo New York Times, que A. Fauci prepara uma performance duradoura, arriscada, minuciosa e claro, como todas as geniais, sofrida, a nível mundial, em que os diferentes governos dos muitos países se propuseram financiar numa epopeia mais que transatlântica. Mas, devendo-se a um natural e aceitável segredo artístico-científico, sabemos apenas de alguns pormenores.

    Confirma-se, no entanto, a expectável excitação da maior parte dos artistas dos diferentes países, tanto conhecidos como menos, tendo já estes declarado o seu entusiasmo publicamente, chegando mesmo a voluntariarem-se uma boa parte para auxiliar na difícil tarefa performática a que o artista se propõe.

    Sabe-se também da anuência dos diferentes canais mainstream a nível global em que se incluem países diferentes como a Polónia, a Itália ou mesmo a Hungria do ditador Orban. O estranho aqui, mas digno de festejo, é a exuberância e entusiasmo dos diferentes quadrantes políticos desde a extrema-esquerda à extrema-direita que têm aderido ao quase-manifesto do artista norte-americano, provando que a arte esbate fronteiras sempre que seja o Humano a estar em jogo para nos unir nesta epopeia com contornos de novela gráfica.

    Ilustração de Ruy Otero

    Sabemos hoje que somos todos iguais, mas como diz Orwell ainda há uns mais iguais que outros. Ora é mesmo esse um dos paradigmas que o artista quer evidenciar criticamente.

    Temos conhecimento também que tem o apoio, entre outros monstros assinaláveis, da Bayer e mesmo da esquecida Pfizer. Ouvimos pela própria boca do artista que será na China onde a primeira performance terá lugar, o que só prova também a abertura democrática do país insular.

    Outro dos aspectos que se ouve falar em off é a do pedido especial às populações de todo o mundo, mesmo contando com a Tanzânia, para o uso prolongado da máscara hospitalar e da permanência em casa durante pelo menos quinze dias, de forma que o artista possa aplanar a curva em segurança.

    Ruy Otero é artista media


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  • 1984: uma exposição

    1984: uma exposição

    Estava a fazer scroll no meu iPhone quando o aparelho estremeceu. Para os metais roubados ao Congo que sustentam o telemóvel foi um terremoto de grau 9. Até me assustou. Era a Teresa e atendi.

    – Então man!

    Man? Sucumbiste aos estrangeirismos?

    Respondi, perguntando com maldade.

    – E tu! Que estás sempre a dizer layer em vez de camada!

    – Tens razão. Tás boa?

    – Estou. E tu? Já viste as notícias no telejornal?

    – Vai-se andando. Estás a ligar-me por isso? 

    – Não. Claro que não, mas repara que Paris está a arder. 

    Disse ela com leveza.

    – Paris já está a arder há muito tempo. 

    – Chamem os bombeiros! (Ri-se).

    – Agora não tenho aqui nenhum ecrã à frente. Quando chegar a casa, ligo a CNN. Eles sabem tudo o que não se deve saber sobre terror. 

    – (Interrompendo) E o meu texto para o PÁGINA UM?

    Perguntou à bruta.

    – Ah, então era por isso!..

    – Também. 

    A razão destas palavras  é uma exposição da Teresa que está a decorrer na Galeria da ZDB e que acaba dia 20 de Julho. Disse-lhe que escreveria um texto sobre ela. A exposição chama-se 1984.

    Continuei,

    – Não sou uma máquina de escrever Olivetti, calma! Não é fácil escrever sobre isso do controle e da lobotomia. Lobotomia vem de lobo?

    – Não. Vem de Nobel. Não sejas parvo!

    – Não posso escrever um texto parvo? Agora, ficaste séria?

    – Podes, podes. Os textos já não são escritos para serem lidos. Se calhar porque hoje, principalmente reescreve-se demais. Inventa-se pouco. 

    – De qualquer forma, vou fazer uma analogia com os media provavelmente, é inevitável, mas esses, em geral, não fazem lobotomia às massas, fazem outra coisa bem pior. Tornam tudo abstracto. As tuas peças não são abstractas, muitas vezes até são chapa 4 e aqui nesta exposição há uma impossibil… (Ela não deve ter ouvido esta parte, ficou sem rede). 

    – … Disseste o quê?

    – Fiquei sem rede. Estava num túnel e estava a dizer que posso também escrever sobre a ZDB.

    – Vais dizer mal da ZDB?

    – Não. Não vou dizer nada sobre a Galeria. Dizer mal não me fica bem.

    – É melhor. (Rindo)

    – És feminista? Ando há meses para te perguntar mas tenho-me esquecido. É para o texto. 

    – Feminista como? Tás a gozar comigo! É por aí que vais pegar? 

    (Não consegui conter o riso). 

    – Não. Estava a tentar ser contemporâneo. É que sou pela ig…

    (interrompendo)

    – Estou a ficar sem bateria. Aparece lá amanhã em minha casa à u… 

    Caiu a chamada. Deduzi que quisesse dizer à uma.

    Eu e a Teresa somos das pessoas mais pontuais que existem e, por isso, à uma em ponto do dia seguinte, a Teresa abriu-me a porta do sexto andar do seu apartamento em Benfica. Trata-se de um prédio dos anos 70 com e sem alma, nunca percebi. Subi de elevador e ía morrendo.

    Estava um calor normal para o mês de Julho e não deixei de pensar no aquecimento global. Mesmo quando o tempo é normal, pensamos no aquecimento global. Fui na minha Yamaha e percebi nesse dia que Lisboa ainda podia ter salvação. A Teresa e eu somos lisboetas a sério.

    Abriu-me a porta com aquele seu andar apressado. 

    – Então estás bom? O meu texto?

    – Não vim cá para isso propriamente. E isso é assim logo a abrir?..

    – Vieste porquê?

    – Tive de ir à Loja do Cidadão ali em baixo e prefiro falar ao vivo que na minha câmara de filmar.

    Menti.

    – Hã?…

    – Sim. O telemóvel é a minha câmara.

    Aqui não menti.

    – Ok.

    – De qualquer forma tínhamos combinado.

    – Não tínhamos não.

    – Tínhamos, tínhamos. Está escrito lá atrás quase no início. Isto aqui é como o Big Brother da TVI fica tudo registado.

    – Tás a ver. É por isso que nas minhas exposições falo do controle.

    – Percebo. Ontem estava com o Cabral ao telefone e enquanto íamos falando eu tirava notas acerca do que ele dizia da tua exposição. É uma táctica que uso muitas vezes. Ouve: (vou às notas do IPhone).

    “A artista está constantemente a fazer-nos uma pergunta, ou melhor a pôr-nos uma questão inextinguível: onde fica a fronteira, o traço que nos divide, que nos exclui/inclui da actividade artística face à esfera social’”…

    – Ele disse mesmo assim ao telefone? (Interrompeu com surpresa).

    – Não. Claro que não. Assim, assim não. Ninguém fala assim. Ele dizia coisas e depois eu ía anotando, depois compus mais ou menos nas notas. Mas ouve o resto. Não interrompas. “… Por entre a deriva em explicar a Arte, na sua quietude e finitude, alcançamos, como pressuposto, uma ideia, por vezes, muito simples – ou seja, na tentativa de a compreendermos melhor, tentamos avaliá-la, ainda, em torno da sua antiga e discutível dicotomia – figurativo/abstracto, do maior ou menor emprego de valores tidos como simbólicos ou do modo como determinados procedimentos são empregues, entre outros”.

    – Uau! Isso é tudo verdade. Estou a gostar man.

    – Sabemos lá o que é a verdade.

    – É o contrario da m…

    – Ouve o resto. Falta pouco. “Neste contexto, deveremos colocar a irrecusável tentação de recorrer a tendências ou a correntes nas quais se podem filiar os objectos, bem como a tudo aquilo que nos possa ajudar a situá-los para além de um plano meramente artístico.

    – Posso assegurar-te que esta parte disse-a assim tout court.

    E continuei:

    – “É o caso da Escultura da Teresa Milheiro, que nos oferece aquilo que é a génese artística, o paradoxal – como pode a Arte ser feita como se fosse uma jóia, um precioso adorno sem, no entanto, colocar esse ditame em causa? A escultura dela apresenta-se sob a forma de uma jóia, é certo, mas recusa disponibilizar-se enquanto tal, é a Arte, na sua justa luta, do dia-a-dia, a manifestar-se”.

    O telemóvel da Teresa toca.

    – Desculpa tenho de atender o telefone. Sou capaz de demorar um quarto de hora. É da Turquia. Mas está espectacular.

    – Ok. Está como se estivesses em tua casa.

    Gracejei sem que ela ouvisse e sentei-me no sofá da sala.

    Escrever para esta nova exposição da Teresa não é evidente! Ela engendra objectos cada vez mais estranhos e escultóricos e é uma constante perguntar-me acerca do que é que se pode e deve abordar num texto. Do método? Dos temas? De nada? Da vida do artista com uma nota biográfica? Do processo e dos materiais? Soa-me sempre quase tudo a falso e aparecem sempre textos a despachar. Hoje, há pouco tempo para tudo e o pouco que há, não é para mandar um cego cantar e ficar a ouvir. 

    Pego no meu iPhone e vou até às notas onde tinha apontado o texto do Cabral que para mim ainda não cobria o essencial. Tinha anotado alguns items depois de uma conversa com a minha amiga:

    Fragilidade/Paradoxo. Forte. Resistente. Aceitação. Fragilidade do vidro. 

    Agressividade. Metal. Leucotomia/Lobotomia. Controle.

    Notas de merda que não servem para nada. Pensei que mais valia estar quieto e ir até à praia.

    Tangas contemporâneas que não querem dizer nada. Vejam as peças e perceberão logo isso… Ou não. O vidro por exemplo não é só representativo da fragilidade, o metal não é forçosamente a resistência, a lobotomia não é necessariamente uma metáfora. No mundo da linguagem, a paleta de cores é muito mais vasta e diversificada. Mas sim, precisamos da palavra, hoje mais do que nunca, mas da palavra certa no momento errado, duma palavra que não se auto-banalize, que não se auto-destrua à primeira má interpretação. 

    As peças dela já são por si um organismo, é isso que a define. Acima de tudo, as peças são ela. Têm o seu carácter, falam por si a maior parte das vezes. São acutilantes e irónicas, por vezes delicadas como ela. As palavras podem estar a dizer outra coisa, podem estar a apontar noutras direcções, podem pertencer a outros mundos paralelos, podem ser só sons e podem não implodir com o que resta da vida. 

    A Teresa apareceu de rompante ainda com o telefone na mão e perguntou se já tinha almoçado.

    – Não. 

    – Queres vir almoçar?

    – Não. 

    – Estás chateado comigo?

    – Não. Claro que não. 

    – Só dizes não?

    – Sim. 

    – Estás a pensar em quê? Estás sempre entre paradoxos. Lê lá outra vez essa ultima parte do Cabral!

    Concentrei-me, levantei-me do sofá e olhei-a nos olhos. 

    – Tu e eu, as tuas peças, este texto, a nossa ligação, estar aqui agora e tu aí, a linguagem que usamos para nos entendermos, tudo junto, é que é a melhor obra. E pode já não haver palavras para a definir. Aquilo que nós sabemos ser a grande obra, a mais poderosa, aquela que está para além da morte. Aquela que é vida a toda a hora. Já somos a própria representação, as tuas esculturas já fazem delas mesmas, fazem de ti porque deitas para lá todo o teu sangue. 

    – Não fales em sangue que me faz logo lembrar… Sangue.

    – As tuas peças, se queres que te diga, são a maior metáfora disso. São meta. Pelo menos enquanto residirem aqui. Mas dizer metáfora está errado, não há folha de sala que não nos bombardeie com essa palavra que ficou oca de tanto a gritarem. Estas peças não têm nada a ver com a lobotomia, ou com o 1984. Têm a ver com uma certa linguagem, com uma certa crueza e transparência que há em ti e isso não é traduzível para texto

    – Estás acelerado. Pareces o Nico Rosberg.

    – Estou só concentrado.

    – Mas continua, estava a gostar 

    – A lobotomia pode ser a origem da inspiração, mas a lobotomia não tem beleza e isto não é uma ilustração da brutalidade. A violência em que a tua criatividade mergulha é que é assinalável. As melhores peças são aquelas que nos inspiram criatividade e a lobotomia faz justamente o contrário. Às vezes, penso que somos uma espécie de guerrilheiros urbanos que andamos por aí, pela rua, entre os inimigos e, nesse caso, as tuas peças são as minhas armas. Queres melhor? Tornas-te subjectiva e útil ao mesmo tempo. E, nesse caso, temos muitos combates ainda para fazer. De certa forma, a estética da violência une-nos. E há uma beleza contida na violência, mesmo na verdadeira. E tu não tens medo dela. Fazes uma guerrilha à própria violência. E eu escrevo-te assim. Não é giro?

    – Giro? 

    – Não vou escrever nada sobre os media tradicionais, nem fazer analogias com o Poder, nem com a fragilidade de seres mulher ou com o feminismo, pelo menos aquele que está em voga. Tu não tens nada a ver com isso. 

    E ela interrompe como se não estivesse a perceber partes:

    – Ainda estou atónita com essa tua conversa. Não queres mesmo ir até lá abaixo almoçar? Vamos ali à esplanada e vemos uns turistas a andar de trotinete para espairecer. Até Benfica já tem turistas.

    – Sim. Na tua cabeça. Ou melhor… Na minha.

    – Hoje, quando vinha para cá, ia sendo atropelada por uma. Nunca te aconteceu?

    Perguntou em tom irónico.

    – Claro que sim. Está sempre a acontecer-me. Hoje, quando vinha para cá, ia sendo atropelado por uma também. Ali, precisamente junto ao jardim Zoológico. Se não tivermos cuidado, somos sempre atropelados junto a qualquer coisa. Estou agora a lembrar-me que estava contigo quando íamos sendo atropelados por um turista. Se queres saber a verdade… não, não estava. É que eu não estou sequer agora aqui contigo; pensando bem, nem há pouco estava contigo e, pensando ainda melhor, nem muito menos me ligaste ontem. Pior, ontem não existiu e para complicar tudo ainda mais… Não existe tempo.

    – Estás a brincar comigo?

    – Talvez. Mas então é por aí que devo ir, que estou a brincar contigo, ou então dizendo que não há tempo e que as tuas peças são de alguma forma intemporais… Existem fora do tempo e até do próprio espaço. Estas palavras deveriam ser as tuas jóias, mas por outros meios como a guerra e a política. As tuas jóias, para mim, valem ouro, porque ao olharmos para elas, vêm-me palavras à cabeça. E as palavras acima de tudo precisam de ti. O mundo precisa de palavras. E os teus objectos são a possibilidade da palavra.

    – Mas eu estou aqui ou não?

    – Tu é que sabes.

    Respondi sem responder. 

    – Sou só palavras pensadas por ti?.. Ou isto é tipo um filme estúpido de terror do AXN em que a personagem está, depois não está, depois volta a estar… Desaparece… Aparece… Há tempo, depois não há tempo… 

    (NÃO) EPÍLOGO:  Este texto prescinde de um epílogo já que, enquanto o autor estava na iminência de o redigir, apareceu o Timóteo com uma bola na mão a chamá-lo para irem dar uns toques até à Alameda. Assim, por falta de tempo, marca da actualidade, o epílogo não foi escrito. A caminho do local onde a jogatana se iria dar e a pedido do autor, o Timóteo leu no smartphone o texto até este falso epílogo, e sugeriu que o texto acabasse justamente assim. Mesmo assim.

    Ruy Otero é artista media

    Fotografias de Eduardo Sousa Ribeiro


    1984 – exposição de Teresa Milheiro

    20.05.24 — 20.07.24

    Galeria Zé dos Bois

    Rua da Barroca nº 59
    1200-047 Lisboa, Portugal

    Horário ARCOLisboa:
    21 a 26 de Maio 12:00 — 22:00
    Entrada livre.

    Horário 27 de Maio a 20 de Julho:
    Segunda a Sábado 18:00 — 22:00
    Entrada: 3€

    Curadoria: Manuel Costa Cabral e Natxo Checa


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