Etiqueta: Michael Levitt

  • Prémio Nobel vítima de furto no Algarve faz apelo para recuperar portáteis e diários

    Prémio Nobel vítima de furto no Algarve faz apelo para recuperar portáteis e diários

    Laureado com o Prémio Nobel da Química em 2013, Michael Levitt foi vítima de um furto em Portimão, tendo ficado sem os seus portáteis, telemóvel e cadernos de apontamentos que se encontravam no interior do carro. O reputado biofísico, actualmente com 76 anos, fez um apelo na rede social X (antigo Twitter) numa tentativa de recuperar os bens roubados. Levitt reside na China com a mulher, mas tem dois filhos e cinco netos a viver em Lagos, no Algarve, visitando frequentemente a região portuguesa. Com quatro nacionalidades (britânica, israelita, sul-africana e norte-americana), Michael Levitt tem sido um dos cientistas de topo a analisar os dados da pandemia de covid-19 com a sua equipa da Universidade de Stanford. Em entrevista ao PÁGINA UM, em 2022, Levitt classificou Portugal como “um país belíssimo”.  


    O cientista Michael Levitt fez um apelo na rede social X (antigo Twitter) para tentar recuperar portáteis, diários e o telemóvel que foram roubados de um carro em Portimão, no Algarve.

    O biofísico de 76 anos reside na China com a mulher, revelou numa entrevista ao PÁGINA UM, em 2022, que tem dois filhos e cinco netos a viver em Lagos, no Algarve, pelo que ocasionalmente visita Portugal.

    Levitt começou por dizer, na sua mensagem publicada há poucas horas, que tem estado em “silêncio por um tempo”, estando “focado em escrever artigos sobre covid”. “Agora peço ajuda para rastrear preciosos laptops e diários roubados das nossas duas mochilas de um carro perto de Portimão, Portugal”, apela.

    Explica que a “última localização do telefone também roubado é Rua do Alto do Pacheco, 8500 Portimão, Portugal”.

    Na mesma entrevista ao PÁGINA UM, o biofísico classificou Portugal como “um país belíssimo” e comentou: “Tenho uma ligação muito forte com o vosso país”.

    Na altura, Levitt referiu conhecer Lisboa, o Porto, e o Algarve, o qual conhece “razoavelmente bem”. Disse também gostar “muito das pessoas” em Portugal, indicando que os filhos gostam de viver no país.

    Levitt tem quatro nacionalidades (britânica, israelita, sul-africana e norte-americana) e tem sido um dos cientistas de topo a analisar os dados da pandemia de covid-19 com a sua equipa da Universidade de Stanford.

    O reputado biofísico tem publicado diversos artigos científicos, inclusive com John Ioannidis, o epidemiologista mais conceituado e mais citado do mundo, do qual se tornou amigo durante a pandemia. Ambos publicaram artigos científicos durante a pandemia e foram vozes críticas sobre a forma como a Ciência foi politizada e instrumentalizada durante na covid-19, o que levou à imposição de medidas sem fundamentação científica em países como Portugal, as quais prejudicaram a saúde da população e a economia.

    Entre os artigos que Levitt tem publicado, contam-se artigos com a análise de dados sobre excesso de mortalidade, publicado na revista científica Environmental Sciences em Novembro do ano passado.


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  • ‘O comportamento da imprensa durante a pandemia é uma tragédia’

    ‘O comportamento da imprensa durante a pandemia é uma tragédia’

    Cientista de corpo e alma, Michael Levitt dá a sua visão sobre a influência da política na Ciência. E não duvida que hoje “tudo se resume a política. Nesta segunda parte de uma entrevista exclusiva ao PÁGINA UM, Levitt critica a gestão política e comunicacional da pandemia, lamentando que o resultado seja a “inflação e recessão e uma situação económica má, que vai afetar toda a gente”. Sobre o papel do jornalismo, defende que é sempre crucial, mas critica fortemente a actuação dos media mainstream durante a pandemia. Laureado com o Prémio Nobel da Química em 2013, o reputado bioquímico e biofísico fala ainda sobre as redes sociais e dois problemas que o preocupam: o envelhecimento da população mundial (mas sobretudo o poder dos idosos sobre os jovens) e as alterações climáticas. Esta é a segunda parte de uma entrevista a não perder. Veja a primeira parte aqui.


    Participou, na semana passada, no Congresso Internacional sobre a Gestão de Pandemias, mas por Zoom. Mas já conhece Portugal?

    Conheço um pouco, não muito bem. Conheço Lisboa e o Porto. Conheço o Algarve, razoavelmente bem, porque os meus filhos vivem em Lagos. É um país belíssimo. Gosto muito, muito das pessoas.

    Os seus filhos gostam de viver em Portugal?

    Gostam muito. Vieram de Israel. Tenho dois filhos e cinco netos em Portugal. Tenho uma ligação muito forte com o vosso país.

    Voltando ao tema das alterações climáticas, é algo que o preocupa?

    Sobre as alterações climáticas, há um livro que li de uma autora norte-americana, Naomi Oreskes, chamado The collapse of western civilization [O colapso da civilização ocidental, escrito em parceria com Erik Conway]. Ela escreveu este livro no género ficção: a história é escrita daqui a 300 anos por um historiador chinês. Ele questiona como é que as civilizações ocidentais colapsaram por causa do aquecimento global. A China ficou bem. É ficção. É provocador. Mas tem muito de censura e de não se debater… Também uma incapacidade para agir.

    Faz lembrar algo, não?

    Uma coisa que a China demonstrou durante a pandemia é que consegue tomar decisões difíceis muito facilmente. Nem pensar que se consegueria fechar Nova Iorque como a China conseguiu fechar cidades enormes. Conseguiu fechar Xangai. Não penso que fosse o melhor a fazer-se em nenhum dos locais. Mas imaginemos que subia o nível do mar a ponto de se ter de mover Xangai para um terreno mais elevado, e o mesmo em Nova Iorque. Em Nova Iorque iriam discutir politicamente e chegaria a calamidade. É um livro interessante. Mas depois fiquei desapontado com a autora, porque comuniquei com ela no Twitter, e também em privado, e vi que estava muito assustada com a covid-19. Não via que o seu livro fosse uma previsão do que aconteceu com a covid-19. Penso que tudo se resume a política. Tudo o que Trump tivesse dito, teria de estar errado. Não está certo.

    Michael Levitt com o seu filho David.

    Agora, há a questão do dinheiro que está envolvido na covid-19. Tornou-se num grande negócio, talvez um dos maiores de sempre.

    Mas o dinheiro já se foi, já se gastou. E agora temos a inflação e a recessão, e uma situação económica má, que vai afetar toda a gente. Nos Estados Unidos é interessante analisar, porque o governo mudou a meio da pandemia. Podia discutir-se que muito do dinheiro foi gasto pela Administração Trump. Tenho ligações com os dois lados da política norte-americana e não quero dizer nada. Não quero fazer política. Penso que a política é muito difícil. Penso que é muito mais difícil ser um bom político do que ser um bom cientista. As pessoas veem os políticos pelo que eles são e julgam-nos nas eleições. Vamos ver.

    E também vêem os jornalistas. Participou no Congresso Internacional sobre Gestão de Pandemias, em Fátima, e não houve cobertura do evento por parte de nenhum dos órgãos de comunicação mainstream. O que pensa disto?

    Aquilo que se passa com os media é uma tragédia. O comportamento da imprensa durante a pandemia é uma tragédia. Dei entrevistas à CNN, e depois à Fox. Não me importo de o ter feito. Mas assim que dei uma entrevista à Fox, já mais ninguém me quer entrevistar. Uma tolice. Não fazia sentido nenhum. O que acredito é que os jornais se tornaram muito radicais devido à concorrência dos media online. E os conteúdos online não são melhores. Gosto do Twitter, mas o Twitter mudou muito nas últimas semanas, não sei o que lhe vai acontecer. Penso que algo tem de acontecer.

    Na China, os media são censurados de forma assumida.

    Tenho uma visão global do Mundo. Nasci em África do Sul, vivi em Inglaterra durante muito tempo, vivi em Israel por muito tempo, nos Estados Unidos por muito tempo. Os últimos cinco anos, tenho vivido na China, devido à minha mulher. E questiono-me. Na China, os media são muito censurados, mas as pessoas comunicam, não é como se não comunicassem. Pode desaparecer (o conteúdo), mas ainda assim é dito. Na China as pessoas usam sobretudo o WeChat, que é como o Whatsapp. As pessoas escrevem-me em chinês e leio em inglês. Posso fazer compras com o WeChat. Nunca ando com dinheiro, nem com cartões de crédito. Nunca ando com carteira. Talvez seja porque não há concorrência, não sei. Tal como o WeChat tem o meu código de covid-19. De vez em quando, lá temos de fazer testes. (Tenho pena da coitada da senhora que tem de enfiar o cotonete na boca das pessoas mil vezes por dia.) Mas agora o grande sucesso nos media é o Tik Tok.

    Os media legacy têm afora muita concorrência, em termos de conteúdos e distrações online.

    Penso que ainda estamos à procura da forma certa de termos jornais. Eu ainda subscrevo três jornais: o New York Times, o Guardian, e o South China Morning Post, de Hong Kong, que tem visões muito abertas sobre a situação política na China. O Guardian é apenas uma cópia do New York Times – é aborrecido, tenho de parar de o subscrever. Também subscrevo, no iPhone, o Flipboard, que todos os dias me mostra notícias diversas, de esquerda e de direita, do ponto de vista político. Gosto disso, porque vejo as notícias diversificadas e decido o que gosto e o que não gosto.

    Sente falta de diversidade e de um jornalismo que não seja todo igual e monotemático. É isso?

    O jornalismo é incrivelmente importante. Há pessoas que escrevem no Substack, mas acho enfadonho. Pode discutir-se se jornalismo independente é algo bom de se fazer. Em mundo da Ciência, costumava ser muito importante estar integrado numa grande entidade – Stanford, Cambridge, publicar na Nature –; agora, é menos relevante, mas ainda é importante. Na imprensa, não sei como será no futuro. Vai mudar, mas não sei como vai ser o modelo seguinte.

    E há as redes sociais…

    Sobre o Facebook, acho que não é bom para o Mundo. Gosto do Google, mas acho que vão tentar impingir as suas coisas. Gosto do Twitter, mas preocupa-me o que lhe vai acontecer. Penso que a diversidade é muito importante. Ouvir as pessoas únicas, que pensam, que têm senso comum. E há muitas pessoas como essas. O problema é… Por exemplo, um jornal que me desapontou foi o The Economist. A sua cobertura da covid-19 foi extremamente desmazelada. Tinham modelos que exageravam as mortes em excesso.

    Michael Levitt mostra a sua Medalha do Nobel, em 2013.

    As redes sociais mudaram a forma de usar a Internet. Como vê isso?

    Penso que a maior mudança foi o facto de duas pessoas quaisquer poderem contactar uma com a outra, praticamente a partir de qualquer parte do Mundo, e falar gratuitamente. E isso é algo muito positivo. Nunca tivemos antes. Há 10 anos, teria custado talvez 1 euro por segundo fazermos esta entrevista por videochamada. Hoje, clicamos no Whatsapp ou outra tecnologia, e conversamos.  

    Sobre o futuro, o que é que mais o preocupa?

    Preocupa-me o poder das pessoas mais velhas. O número de idosos no Mundo nunca foi tão elevado. Preocupa-me que tenham demasiado poder. O número de pessoas com mais de 65 anos é muito maior do que o número de pessoas com menos de 30. Das pessoas com menos de 30, só as pessoas com mais de 18 podem votar. Preocupa-me. O futuro do Mundo depende apenas das pessoas mais jovens.


    Veja a primeira parte desta entrevista aqui.

  • ‘As pessoas têm sido assustadas para se tornarem estúpidas’

    ‘As pessoas têm sido assustadas para se tornarem estúpidas’

    Aos 75 anos, Michael Levitt mostra uma energia e entusiasmo contagiantes. Laureado com o Prémio Nobel da Química em 2013, o biofísico com quatro nacionalidades (britânica, israelita, sul-africana e norte-americana) tem sido um dos cientistas de topo a analisar os dados da pandemia com a sua equipa da Universidade de Stanford, apesar de residir agora na China. As conclusões dos seus cálculos e pesquisas, que contrariaram a narrativa oficial, levaram a que chegasse a ser “desconvidado” de eventos científicos. Em entrevista exclusiva ao PÁGINA UM, Michael Levitt lança críticas à ligação da Ciência à política e ao dinheiro. Lamentando os gastos excessivos em vacinas e, sobretudo em testes PCR, defende que essas verbas poderiam ter sido aplicadas no desenvolvimento de energias renováveis para ajudar o Mundo a lidar com a crise climática. A viver atualmente com a mulher em Xangai, Levitt falou ainda da sua forte amizade recente com o conceituado epidemiologista John Ioannidis, uma das “coisas boas” que ganhou desde 2020. E fala ainda da sua forte ligação a Portugal, um “país belíssimo”, ainda mais porque tem dois filhos e cinco netos a viverem em Lagos, no Algarve. Esta é a primeira parte de uma entrevista a não perder.


    Passaram dois anos desde que começou a estudar os dados da pandemia e a assumir posições contrárias às da “narrativa oficial”. Quais foram as consequências para si, para o seu trabalho, para a sua vida, tomar uma via fora do “consenso”?

    É mais do que dois anos. Estou envolvido com a covid-19 desde Janeiro de 2020. São mais do que 1.000 dias, está próximo de três anos. A boa consequência é que comecei a interessar-me muito pela Epidemiologia. O meu campo natural era o da biologia computacional, em moléculas, em sequências, a uma escala microscópica. Tem sido interessante aplicar agora isto a uma escala diferente. Esse foi um aspecto muito positivo. Provavelmente, trabalhei nestes anos mais do que em alguma outra altura da minha vida. É muito interessante fazer o que chamo de “Ciência em tempo real”. Normalmente, em Ciência, faz-se um cálculo, espera-se três meses, verifica-se. Mas para a covid-19 havia uma pressão real do tempo. Mas aquilo que mais me surpreendeu foi a atitude muito difundida de não se querer ouvir ideias diferentes. A Ciência é discordar; os cientistas discordam.

    Houve atitudes dogmáticas…

    Todas as novas descobertas são rejeitadas, inicialmente. Isto é natural, e eu tenho consciência disso; é basicamente assim que a Ciência funciona. E fiquei muito surpreendido quando, a partir de meados de Março de 2020 – estava a trabalhar no tema há quase três meses –, comecei a comunicar com cientistas ocidentais, e muitos não queriam saber. Achavam que eu estava errado ao fazer isto, e que não o devia fazer, não queriam saber dos dados. Basicamente, disseram-me: “não és um epidemiologista, não tornes a nossa vida perigosa”. Penso que havia muito medo. Sinto que essas pessoas estavam muito, muito assustadas.

    Havia muito medo.

    Fosse pelos media ou por epidemiologistas, eles sentiam que estavam assustados e tinham medo que, se eu dissesse às pessoas que deviam pensar mais cuidadosamente… eles pensavam que era pior do que a gripe de 1918. Mas eu compreendi muito cedo, no início, que as pessoas ricas e inteligentes não são prejudicadas. Os pobres, infelizmente, esses têm sido prejudicados, e isso perturbou-me, porque há uma injustiça aqui.    

    Estava sobretudo preocupado, então.

    Estava muito preocupado. Historicamente, primeiro olhei para a China, e inicialmente comuniquei com colegas chineses, e os resultados colocavam os modelos muito, muito bem. Depois houve o modelo do cruzeiro Diamond Princess – que foi como uma experiência com pessoas –, e em seguida vimos que a mortalidade era menos de 0,5% para as pessoas idosas. Tem de se compreender que as pessoas idosas têm sempre mortalidade elevada. Antes da pandemia, na maioria dos países ocidentais, menos de 1% da população morre num ano normal. Se a população for 10 milhões, há cerca de 70 mil mortes em situação normal, mas depende do país. Se tem uma população muito jovem tem cerca de 50 mil mortes; se tem uma população muito idosa tem 100 mil mortes [como era o caso de Portugal antes da pandemia]. Eu defendi que, com a pandemia, as mortes por covid-19 seriam o equivalente a cerca de um mês extra de óbitos. Seria algo como talvez 6.000 mortes extra, ou seja, 8% a mais. E isso acabou por ser verdade em grande parte dos país. Publiquei essas previsões na Medium [uma rede social de debate] em 22 de Março de 2020. Eu não estava a inventar os números! Precisavam ser discutidos. E não foram. Foi a coisa mais triste para mim.

    Ficou desapontado?

    Eu sempre vi a Ciência como algo muito puro. Não sou uma pessoa religiosa, não acredito numa religião em particular. Acredito na maravilha da Natureza; acredito que os seres humanos são a coisa mais fantástica, eu gosto de todas as pessoas. Mas, de repente, a Ciência não importava, e a Ciência é sobre a verdade. A Ciência é, realmente, sobre a verdade, a beleza. A verdade e a beleza: é a Ciência. Se a taxa de mortalidade é de 0,5%, não importa quanto se grite, nunca será de 5%. Não será 50%. E temos de saber qual é a resposta. Outras pessoas chegaram às mesmas conclusões que eu cheguei. A minha resposta foi baseada numa parcela de população muito pequena, 700 pessoas.

    Passou a estar mais em contacto com outros cientistas?

    Uma outra coisa boa que aconteceu foi que eu fiquei mais exposto à comunidade [científica]. Há um cientista em Stanford muito famoso, um epidemiologista, o John Ioannidis. Há agora um documentário maravilhoso sobre ele. Ele é meu amigo agora. Eu não o conhecia antes da covid-19. Ele foi uma coisa boa e importante durante esta pandemia, para mim. Publicámos já artigos científicos juntos. Penso que há pessoas que sabiam que a narrativa estava errada. O problema é que o mal já foi feito; o mal foi feito para pessoas que não estavam bem e para os mais novos. Os mais jovens sofreram imenso. Artistas sofreram; tudo foi fechado. Teatros…

    E era necessário fechar?

    Não era preciso fechar. Em muitos, em muitos países o número de óbitos devido à covid-19 foi similar à de uma gripe má. Talvez similar à gripe A, de 2009 e 2010. Penso que a gripe de 1957 foi muito pior, mas não há bons dados. Precisamos de ter bons dados.

    Michael Levitt com a sua equipa da Universidade de Stanford.

    Mas houve países onde o impacte foi grande…

    Os Estados Unidos são uma excepção. Nos Estados Unidos tem havido algo estranho, porque na maioria dos países europeus a esperança de vida tem aumentado. Nos Estados Unidos, atingiu-se um máximo em 2005 e, a partir daí, está em queda. E isso é estranho. E, nos Estados Unidos, as pessoas que estão a morrer de covid-19 também são jovens, não especialmente os mais idosos. Os Estados Unidos são um caso invulgar e não sabemos ainda porquê.

    Disse que lhe aconteceram-lhe coisas boas durante a pandemia, mas também foi “cancelado”.

    Sou muito resiliente. Um bom cientista está habituado a que discordem da sua opinião. Algumas das coisas que foram escritas não foram simpáticas. Mas, surpreendentemente, não fui afectado. Por exemplo, o John Ioannidis não queria ir, não queria escrever para o Twitter. Eu achei o Twitter muito estimulante. Fiz três ou quatro amigos, não apenas amigos, mas colegas com quem vou trabalhar. A minha personalidade é sempre retirar coisas boas de qualquer situação.

    Mas houve situações difíceis?

    Houve coisas más, e deixaram-me triste, porque foram o reflexo de uma mentalidade estreita e de uma mente fechada. Isso preocupa-me: não é assim que os cientistas devem ser. Nos Estados Unidos, e não só, também em Israel, o problema ficou muito politizado. Se Donald Trump tivesse dito: “temos de fechar tudo e todos”, então os democratas – a maioria dos académicos – teriam dito: “não, não, não, temos de analisar e não fazer confinamentos”. Porque a posição inicial de Trump foi de que “isto não é uma doença muito perigosa”. E eles tomaram a posição contrária. A Ciência não se mistura com a política. E penso que isto é um problema, porque a Epidemiologia é uma Ciência que se mistura com a política.

    Antes, era diferente?

    A Epidemiologia não teve tanta atenção no passado. Os modelos epidemiológicos são muito antigos. Alguns dos números que são calculados não são muito úteis. Toda a gente no Mundo ficou a falar no número de reprodução epidemiológico [Rt]. E esse número é apenas aplicável a crescimento exponencial. Se tem outro tipo de crescimento, o número não faz sentido. Os números de crescimento epidemiológicos são como as taxas de juro dos bancos. Se o dinheiro está a crescer exponencialmente, então vai querer saber se a taxa de juro vai crescer 1% ou 5%. Mas se o dinheiro está a seguir outro caminho, não faz sentido. Parcialmente, o problema é que os epidemiologistas, no passado, queriam assustar as pessoas, de uma boa forma. Queriam que as pessoas ficassem tão assustadas que se iriam portar bem. Não esperavam que o Mundo fosse para um lockdown [confinamento]. Ameaçaram sobre o Ébola, ameaçaram sobre o H1N1. Há um longo histórico de ameaças de epidemiologistas. Penso que se habituaram a fazer ameaças muito sérias, embora as pessoas não as levassem tão a sério.

    Agora, foi diferente.

    Desta vez, talvez. Por razões estranhas. Às vezes penso que, se o primeiro grande surto na Europa não tivesse sido na Lombardia, em Itália, e sim em Estocolmo [na Suécia], as coisas teriam sido melhores. A Itália tem população muito idosa naquela região, que é muito social. Muitas das pessoas mais velhas naquela região morrem todos os anos de gripe; talvez umas 25 mil. Não se vacinam, e vivem uma vida boa.

    Esse surto exacerbou a resposta política à covid-19?

    Uma das grandes lições a retirar é que as pessoas morrem. E morrem naturalmente. Morrer faz parte da vida. Penso que, algures na pandemia, surgiu a crença de que não temos mais de morrer. Mas isso não é verdade. As pessoas morrem, e é assim que a vida é.

    Quais as lições a retirar desta pandemia?

    Precisamos de aprender. Precisamos de aprender que o debate é importante.

    Está preocupado com aquilo em que a Ciência se tornou desde 2020?

    Sim, estou muito preocupado. Espero que seja temporário. Espero que os cientistas olhem para isto com muita atenção. O problema é que está agora tão ligada à política. Especialmente, nos Estados Unidos. A Ciência está ligada à política e ao dinheiro. Infelizmente, as pessoas que recomendaram certas coisas… Foi gasto muito dinheiro em vacinas, mas mais dinheiro foi gasto em testes PCR. Pode argumentar que talvez estejam a mudar a forma como estamos na Ciência. Talvez sejam úteis, mas o teste PCR não tem valor económico. Apenas diz quantas pessoas têm a doença. Se fizéssemos testes PCR todos os anos para a influenza [vírus da gripe] também seria um desperdício. São centenas de milhares de milhões de dólares, talvez mesmo biliões de dólares, que foram gastos em testes PCR. A pessoa que inventou o teste PCR tem um interesse. As empresas que fazem os testes PCR têm um interesse. Estas coisas têm de ser todas debatidas. Ainda espero que haja um ajuste de contas.

    Aguarda que o mundo caia em si e então perceba o que aconteceu?

    Penso que, em parte, as mudanças políticas a que temos assistido, no Reino Unido, agora no Brasil, talvez nos Estados Unidos, mostrem que o público não está contente com as respostas dos Governos à pandemia.

    Considera que a Ciência agora é uma fast science? Hoje, um estudo, um artigo científico leva menos tempo a ser publicado comparando com o passado? Parece-me que muitos foram rapidamente publicados e usados imediatamente por políticos e autoridades para anunciarem medidas…

    O problema é que… Bom, no meu caso, eu quero publicar os meus resultados e conclusões e tem sido muito difícil, ninguém os aceita. Mesmo em publicações onde eu costumava publicar com facilidade. Aquilo que acontece é que os artigos que se encaixam na narrativa são publicados mais facilmente.

    A Ciência é compatível com uma narrativa?

    Há uma narrativa. Preocupa-me que a Ciência não deve ter uma narrativa, porque isso implica que se sabe antes de tempo o que se quer. E tem de se ser muito seguro de si para consolidar uma narrativa. A narrativa forma-se, excluindo tudo o resto. Penso que a Ciência, por definição, não deve ser conduzida por uma narrativa.

    Mas é precisamente o que sucedeu com esta pandemia…

    Por exemplo, as revistas científicas que publicam pesquisa sobre covid-19 ficaram, de repente, muito populares. E depois querem que aqueles autores publiquem ainda mais, mesmo se a pesquisa estiver errada. E isto é muito mau. Talvez estas revistas se arrependam no futuro. Mas entretanto terão a receita da publicação e da publicidade. Se se concluir que a vacina contra a covid-19 tem efeitos adversos, então serão possivelmente processados, tal como os produtores de tabaco foram processados.  Mas continuarão com o dinheiro que já lucraram. Basicamente, no futuro, penso que teremos de ser muito mais inteligentes. As pessoas têm sido assustadas para se tornarem estúpidas.

    E estamos em 2022!

    Desde o início que se perdeu o senso comum. Estou impressionado com Portugal, porque os meus netos estavam em Lagos, mas as escolas estiveram fechadas na altura do Natal de 2020. Em alguns casos, Portugal teve uma atitude mais leve em relação a estas coisas. Na Áustria foi o oposto. As coisas eram muito restritas. Agora, todos desistiram. A China é a grande diferença, mas ali há razões políticas que não compreendo e não se justifica. Curiosamente, todas as pessoas com quem falo, sabem. Todos sabem o que se está a passar. Por isso, não sei o que vai acontecer.

    Publicou recentemente um artigo com o John Ioannidis sobre mortalidade excessiva num vasto conjunto de países de renda elevada. O que pensa que está a acontecer?

    Para se ver a mortalidade em excesso é medir… Se um hospital disser que uma pessoa morreu com covid-19, não sabemos se a morte se deveu 50% à covid-19, se tinha problemas cardíacos, se era idoso. Não sabemos. Imagine que todos os que morreram com covid-19 teriam morrido dois meses mais tarde automaticamente, de forma natural. Quando medisse a mortalidade, no final do ano, teria números normais. Imagine que morriam em Julho, e Julho teve muitas mortes em excesso, mas depois, em Agosto, havia menos mortes. Só se morre uma vez. Quando se morre com covid-19 não se pode morrer devido à idade. Depende de quem está a morrer. A mortalidade excessiva diz: não queremos saber do que se morre, não queremos saber se é de um acidente automóvel ou com covid-19 ou idade avançada; mas olhamos para as mortes de anos anteriores e, com isso, esperamos uma certa quantidade de óbitos. Porque há sempre mortes.

    Pode estimar-se quantas pessoas vão morrer no ano…

    Sim. Se os números forem superiores aos esperados, então deve haver uma razão. Pode-se medir para o ano inteiro. Também se pode medir para cada semana. Por exemplo, em Nova Iorque, na pior semana da covid-19, as mortes em excesso, mortes reais, não as reportadas, foi sete vezes superior ao esperado. Foi uma quantidade enorme. Quer dizer que, por cada pessoa que se esperava que morresse, morreram mais sete, extra. Depois disso, houve menos mortes. Se analisarmos o Estado de Nova Iorque, para todo o período da pandemia, é muito similar à Califórnia, à Flórida e a outros Estados. Os Estados Unidos têm um elevado excesso de mortalidade . Há excesso de mortalidade na Europa, mas é mais como o excesso de mortalidade por gripe em 2009-2010. Há coisas que não entendemos. Mas temos agora um outro artigo, que estamos a tentar publicar, mas está a ser difícil. Enviámos a outras publicações, e eles não gostaram.

    E é sobre o quê, em concreto?

    Mostramos uma forma de calcular as mortes em excesso. Geralmente, dizemos que a mortalidade esperada seria a média de 2017, 2018 e 2019. Isso dir-nos-ia o nível de morte que devíamos esperar. Talvez devêssemos ter escolhido anos diferentes. Assim, pegámos nos países com dados de mortalidade entre 2009 e 2021. E deixámos que o ano com excesso de mortalidade, em comparação, fosse qualquer ano. Só um ano, ou três anos ou cinco anos. Usámos 66 excessos de mortalidade diferentes. E olhámos para todos e encontramos resultados semelhantes. Mas também se vê o excesso de mortalidade que existe em cada ano, não apenas no ano de covid-19. Sabemos quantas mortes em excesso há em 2010, 2011; pode fazer-se comparações. E o que se vê é que, nos países desenvolvidos, na Europa e na América do Norte, o único país onde há excesso de mortalidade, que é pior em qualquer altura dos últimos 10 anos, é os Estados Unidos.

    Voltemos ao estado da Ciência. Quando espera que algo mude? Quando é que um cientista com um Prémio Nobel poderá publicar sem dificuldade?

    Em geral, em Ciência, uma coisa nova e boa não é aceite. Mesmo antes do Prémio Nobel, sempre que eu tinha algo que era novo, era rejeitado. Tem de se lutar. O John Ioannidis publicou, penso, 60 artigos durante a pandemia, mas lutou tanto… Ele é uma pessoa muito especial. Muito inteligente. E não se zanga. Fica chateado. Eu fico zangado, mas não fico chateado. Ele tem muita paciência. Para mim, é realmente um prazer trabalhar com ele. Ele lutou muito… Ele teve artigos durante nove meses a aguardar publicação numa revista científica, e acabou rejeitado. Ele é alguém que foi muito crítico, mesmo antes da pandemia. É alguém que olha para um artigo, e diz: “este artigo não devia ser publicado”. As pessoas estão zangadas com ele. Ele está certo. Felizmente, ele é muito cuidadoso… Enfim, não sei o que acontecerá na Ciência.

    Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford.

    Não vê então como será a evolução da Ciência, no futuro?

    Se olharmos para o futuro, por exemplo, para as alterações climáticas – e não me interessa se o aquecimento global é causado pelo Homem ou por explosões solares –, não há dúvidas de que temos um tempo estranho como secas, incêndios, ventos muito fortes, etc.; é uma crise, tal como a covid-19 foi uma crise. Então, aquilo que precisamos aprender é o que temos mesmo de aprender com uma crise. Uma crise, por definição, é inesperada. Mas, durante esta crise da pandemia , as nossas acções causaram mais danos – agora podemos dizer isso com certeza – do que se não tivéssemos feito nada. E isso é muito assustador, porque a quantidade de dinheiro que foi gasto no Mundo para cobrir vacinas, testes PCR, perda de salários e de produtividade, seria o suficiente para fazer uma enorme aposta na energia renovável. Podíamos ter tido um efeito enorme. E não o fizemos.

    Teme que a gestão da crise climática possa ser tão mal gerida como a covid-19, com medidas políticas e económicas erradas?

    Espero que não.

    E com censura?

    Espero também que não. Infelizmente, há dois campos: os que acreditam que tudo é uma fraude; e outros que acreditam que é o fim do Mundo. E eu gostava que estivessem a falar uns com os outros, em vez de dizerem: “nós somos os anjos e vocês são os demónios”. Isto é de loucos. Eu gosto mesmo de debater com pessoas que discordam de mim, porque é mais interessante. Falar com pessoas que concordam conosco… Gostar de falar com respeito e, se se zangar, sair da sala. Mas tentar compreender qual é a atitude do outro. Não convencê-lo daquilo que se está a defender, mas tentar entender o que eles estão a dizer. E, se conseguir entender o que o outro está a dizer, pode ajudar a explicar o que está a dizer de uma forma melhor. Não penso que haja um lado mau e outro bom. É uma mistura.


    Veja a segunda parte desta entrevista aqui.