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  • Dona da revista Visão usa “empresa de fachada” para assinar contratos públicos

    Dona da revista Visão usa “empresa de fachada” para assinar contratos públicos

    Luís Delgado, proprietário único da Trust in News, encontrou um expediente para contornar as regras de contratação pública que impedem pagamentos a empresas com dívidas ao Estado: criou uma empresa para assinar contratos e depois canalizar o dinheiro público para a esfera das suas revistas. A TIN foi criada em Setembro de 2020 e já fez 22 contratos públicos, até com o Governo, para pagar eventos e publicidade em diversos jornais e também para subsidiar o Jornal de Letras. Este é o quarto artigo de investigação do PÁGINA UM sobre a escandalosa situação financeira da empresa que detém, entre outras, as revistas Visão, Exame, Caras e Activa e ainda o Jornal de Letras, que inclui uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros.


    Para contornar a situação de um “calote público” da Trust in News – a dona das revistas Visão, Exame, Caras, Activa e Jornal de Letras –, que em quatro ano já chegou aos 11,4 milhões de euros, o empresário Luís Delgado está a usar exclusivamente uma “empresa de fachada” para continuar a fazer contratos públicos.

    O código de contratação pública exige que, mesmo em ajustes directos, seja apresentado sempre o comprovativo de situação regularizada relativamente a contribuições para a Segurança Social e a impostos devidos ao Estado no momento de pagamento de facturas.

    Luís Delgado (à direita), único dono da Trust in News, conseguiu o prodígio de comprar revistas que ainda não pagou, usando dinheiro do Novo Banco, que ainda não reembolsou, e aumentar a dívida ao Estado em 11,4 milhões de euros. Tudo em pouco mais de cinco anos.

    Ora, para que tal não sucedesse, Luís Delgado criou em meados de Setembro de 2020 – quando a dívida ao Estado estaria já acima dos 5 milhões de euros – a TIN Publicidade e Eventos, Lda., com um capital social de apenas 100 euros.

    A Trust in News investiu 80 euros, ficando a outra quota de 20 euros em Ana Luzia Delgado, uma provável familiar de Luís Delgado, eventualmente filha, por indicar a mesma morada e ser solteira. O objecto social desta empresa, sediada no mesmo sítio onde está a gerência da Trust in News e as redacções das suas revistas, é a “promoção de eventos, produção e organização de espetáculos, publicidade e serviços de marketing, venda de conteúdos, venda e reserva de ingressos para espetáculos, organização de feiras, congressos e outros eventos similares”.

    Apesar de todas as empresas de media possuírem departamentos comerciais e de marketing, foi a TIN, tendo como gerente único Luís Delgado, que passou em exclusivo a assinar contratos com entidades públicas, mesmo quando claramente tinha a ver com negócios das revistas da Trust in News. De acordo com o Portal Base, desde 2020 foram assinados pela TIN – e não pela Trust in News – 22 contratos envolvendo 14 entidades públicas, com um montante total de 756.364 euros. Aplicando-se a lei, a Trust in News não poderia aceder a estas verbas.

    Montantes (em euros) dos contratos assinados entre entidades públicas e a TIN Publicidade e Eventos, Lda. desde Dezembro de 2020

    No primeiro ano de existência, a TIN apenas assinou dois contratos, no valor de 81.099 euros, aumentando para 264.158 euros no ano seguinte. No ano passado, os seis contratos renderam 211.218 euros. No presente ano, em pouco mais de meio ano, a TIN já facturou praticamente 200 mil euros em seis contratos.

    O mais surpreendente é que uma dessas entidades é a Secretaria-Geral da Educação e Ciência – ou seja, com o Governo – que, quase se diria religiosamente, para oficializar uma compra anual acima dos 44 mil euros de assinaturas em papel e digital do Jornal de Letras. Nos últimos três anos, apenas para assinar esse contrato, a TIN facturou 133.291 euros.

    Mesmo assim, a Câmara Municipal de Oeiras – uma das autarquias nacionais que mais dinheiro distribuiu às empresas de media – lidera no montante dos contratos com a TIN, através de dois contratos para a organização do World Press Photo. Este evento, tradicionalmente organizado pela revista Visão, propriedade da Trust in News, já deu uma receita de 159.052 euros à TIN.

    Registo das contas da TIN que mostra que não tem trabalhadores nem gastos com pessoal. Serve apenas para assinar contratos, receber dinheiros públicos e canalizá-los para a Trust in News, que tem uma colossal dívida pública.

    A terceira entidade com maiores verbas envolvidas em contratos com a TIN é o Instituto Camões, envolvendo três contratos para encartes também no Jornal de Letras, no valor de 124.463 euros. Aliás, o Jornal de Letras é um dos jornais que sobrevive sobretudo à conta de apoios deste género por parte do Estado. E isso já sucedia mesmo quando integrava o portfolio da Impresa. Porém, também o Instituto Camões estaria legalmente impedido de fazer pagamentos se fosse a Trust in News a assinar o contrato.

    Além destas entidades, destacam-se também nos apoios duas entidades tuteladas pelo Governo: a Águas de Portugal – que pagou já 60 mil euros pelo polémico patrocínio dos Prémios Verdes da revista Visão, que envolve conteúdos comerciais escritos por jornalistas, que já mereceram a intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) –, a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, entidade que responde directamente a António Costa, que pagou 17 mil euros pela “aquisição de serviços para elaboração, produção e distribuição de uma revista” na Visão durante o Verão de 2021, e ainda a Imprensa Nacional – Casa da Moeda, que pagou nos últimos anos à TIN mais de 39 mil euros por publicidade nas revistas da Trust in News.

    De resto, nas outras entidades destacam-se sobretudo Câmaras Municipais, como a de Lisboa – que, com a EGEAC, assinou contratos de quase 69 mil euros –, de Sintra (11.050 euros), Aveiro (7.000 euros) e Torres Vedras (5.100 euros).

    Existem claras evidências de a TIN ser uma “empresa de fachada” para sobretudo facilitar recebimentos em contratos públicos que exigem situação fiscal e de segurança social regularizada. Com efeito, como se observa nas contas de 2022 desta empresa, consultadas pelo PÁGINA UM, não existem trabalhadores registados nem activos não correntes. Coincidindo com a sede da Trust in News, a TIN serve, na verdade, apenas para meter o nome no contrato. Por outro lado, a totalidade das receitas – até um pouco mais, no último ano – são desviadas para a rubrica fornecimentos e serviços externos. Ou seja, tudo indica que, sendo recebido o dinheiro dos contratos, a Trust in News apresenta uma factura de serviços à TIN para receber as verbas públicas.

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    Mafalda Anjos (à esquerda) e Natalina de Almeida (à direita) impedem o PÁGINA UM de usar fotografias de eventos públicos que divulgam nas redes sociais. O PÁGINA UM não conseguiu, apesar das tentativas, obter quaisquer comentários ou esclarecimentos de Luís Delgado.

    Em suma, este esquema permite que a TIN, que facturou em serviços e subsídios 586.634 euros em 2022, disponibilize todos os rendimentos para a Trust em News, mantendo um endividamento extremamente baixo e uma dívida ao Estado irrelevante, e apenas transitória. E a Trust in News pode continuar, livremente, a endividar-se. E, aparentemente, já com “carta branca” de Fernando Medina, uma vez que, ao longo de toda esta semana, foi-lhe pedido um comentário a esta situação, com envio de documentação, mas nunca se obteve qualquer resposta formal.

    Se assim continuar o silêncio, confirma-se que é possível uma empresa com um capital social de 10 mil euros continuar a funcionar sem problemas com uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros. E possível, sobretudo, se for uma empresa de media com determinado pedigree.


    N.D. O PÁGINA UM tem realizado esta investigação utilizando as demonstrações financeiras da Trust in News desde a sua criação em 2017, tendo feito essa aquisição junto da Base de Dados das Contas Anuasi. Por uma questão de transparência e de serviço públicos, disponibilizamos aos leitores esses relatórios financeiros relativos anos anos de 2017, de 2018, de 2019, de 2020, de 2021 e de 2022. Disponibilizam-se também as contas da TIN Publicidade e Eventos, Lda. de 2022.

  • Dona da revista Visão mente no Portal da Transparência dos Media. E ERC deixa

    Dona da revista Visão mente no Portal da Transparência dos Media. E ERC deixa

    Está tudo documentado pelo PÁGINA UM e é indesmentível. No ano de 2020, Luís Delgado, proprietário da Trust in News, até assumiu ter uma dívida de 5,1 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira. Mas nos dois anos seguintes, à medida que o calote ao Estado aumentava, até atingir escandalosos 11,4 milhões de euros (numa empresa com capital social de 10 mil euros), o proprietário da revista Visão (entre outras marcas adquirida à Impresa em 2018) começou a esconder da Entidade Reguladora da Comunicação Social a lista de entidades com maior peso no passivo: o Novo Banco, a Impresa e a Autoridade Tributária e Aduaneira, que deverá já ter um peso de 42%. Ou seja, o Estado tem, na prática, se assim desejar, um poder decisório. Apesar da gravidade da situação, a ERC e o Ministério das Finanças mantêm silêncio. E a Trust in News formalmente nem um ai diz. A impunidade aparenta ser total.

    Nota: Por “alerta” de pessoas com legitimidade, e reconhecendo a eventualidade de o uso de fotografias divulgadas livremente nas redes sociais poder ser considerado uma violação dos direitos autorais, mesmo se de figuras públicas, o PÁGINA UM decidiu retirar algumas fotografias e substituí-las por uma imagem alusiva à transparência. Em todo o caso, o PÁGINA UM alertou as ditas pessoas com legitimidade que o não pagamentos de impostos e taxas ao Estado constituem crimes, bem como concorrência desleal entre órgãos de comunicação social.


    Até finais de Junho, a Trust in News – tal como todas as empresas de media ou que detenham periódicos, o que inclui até partidos políticos – teve que entregar declarações no Portal da Transparência dos Media relativas ao exercício de 2022. E a dona das revistas Visão e Exame, entre outras, assim fez – mas pelo segundo ano consecutivo, com falsas declarações, omitindo intencionalmente a identificação das “pessoas singulares ou colectivas que representam mais de 10% da soma do montante do total de passivos no balanço e dos passivos contingentes com impacto material nas decisões económicas, incluindo a respectiva percentagem e as rubricas a que se referem”.

    Esta situação foi transmitida pelo PÁGINA UM à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) no passado dia 21, para comentários, tendo sido feita nova insistência esta semana. Sem sucesso: silêncio absoluto.

    Mafalda Anjos, directora da revista Visão, o principal activo da Trust in News, uma empresa com 10 mil euros de capital social e agora também com uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros. Mafalda Anjos é licenciada em Direito e experiente jornalista na área da Economia e foi ainda publisher de todas as revistas da Trust in News até finais de 2022. Na foto, há três anos, no Palácio de Belém, a convite do seu antigo professor, Marcelo Rebelo de Sousa.

    De acordo com a consulta do Portal da Transparência da ERC, tanto nos registos de 2021 como nos de 2022, a Trust in News – empresa unipessoal detida pelo ex-jornalista Luís Delgado, que não tem sido possível contactar nem respondeu aos e-mails – anotou os diversos elementos exigidos (activo total  capital próprio, passivo total e contingente, rendimentos totais, rendimentos operacionais e resultados líquidos), mas declarou que não tinha clientes relevantes (com mais de 10% da facturação) e que não havia entidades consideradas detentoras relevantes do passivos. Algo que é completamente falso.

    Com efeito, nas contas depositadas pela Trust in News respeitante ao ano de 2022 na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA), verifica-se que a rubrica “Estado e outros entes públicos”, no Passivo Corrente (ou seja, com obrigação de pagamento em menos de um ano), totaliza 11.428.292,79 euros.

    Como o passivo total ronda os 27,2 milhões de euros, significa que as dívidas ao Estado atingem os 42%. Sendo certo que essas dívidas podem não ser exclusivas à Autoridade Tributária e Aduaneira, certo é que deverá ser esta a entidade credora mais relevante. Até pelo que se conhecia até 2020 – mas já se vai a esse ponto.

    A situação da Trust in News é sui generis. No final de 2022, uma empresa de 10 mil euros de capital social e de pouco mais de 33 mil euros de capitais próprios, ostentava uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros, uma dívida à Impresa superior a 4 milhões de euros e financiamentos bancários de 5,5 milhões de euros.

    Além deste passivo, há mais duas entidades detentoras do passivo que deveriam contar do registo da Trust in News no Portal da Transparência, e que intencionalmente foram omitidas. Uma é o Novo Banco. Na página 13 da prestação de contas, a empresa de Luís Delgado refere que tem empréstimos de médio e longo prazo no Novo Banco, com início a 2 de Julho de 2018, com um saldo de 3.464.875 euros no final do ano passado.

    Contas feitas, o Novo Banco detém 12,7% do passivo da Trust in News, logo essa informação deveria constar da Plataforma da ERC. Já os passivos detidos pelo Millenium BCP, da ordem dos 1,9 milhões de euros (cerca de 7,1% do total), não tinham de ser referidos por não ultrapassarem os 10%.

    Contudo, já a dívida ainda não paga pela Trust in News pela aquisição do portfolio das antigas revistas da Impresa, Luís Delgado tinha a obrigação de também declarar no Portal da Transparência. Conforme ontem o PÁGINA UM revelou, o mais recente relatório e contas da Impresa, coloca a dívida nominal da Trust in News em 4.094.295 euros, ou seja, representa 15,1% do total do passivo.

    Luís Delgado (à esquerda), proprietário da Trust in News, aumentou a dívida ao Estado em mais de 9 milhões de euros

    Se observarmos as contas de 2021, também depositadas no BDCA, as lacunas intencionais de informação por parte da Trust in News mantêm-se, mas com valores ligeiramente diferentes. No exercício fiscal de 2021, o passivo da dona da Visão era então mais baixo (cerca de 23,6 milhões de euros), mas devia também ter declarado detentores relevantes, o que não fez.

    Nesse ano, a dívida ao Estado era de 8.228.121,09 euros – o que significa que, no ano passado, o Governo permitiu que Luís Delgado aumentasse o “calote público” em mais 3,2 milhões de euros. Contas feitas, o passivo ao Estado era de 34,8%. Quanto ao Novo Banco, a dívida era então de 3.584.875 euros, ou seja, 15,2% do passivo total. Devia ter sido declarado na Plataforma da Transparência, mas não foi.

    As dívidas ao Millennium BCP totalizavam então um pouco mais de 2,1 milhões de euros, ficando ligeiramente abaixo (9,1%) do limiar dos 10% que exigia declaração. Quanto à dívida à Impresa em 2021, o grupo liderado por Pinto Balsemão inscreveu direitos a receber ainda 4.321.513 euros, o valor nominal, algo que representava então 18,3% do passivo total da Trust in News. Deveria ter sido declarado à ERC, mas não foi.

    A dívida da dona da Visão não é para brincadeira. É um “elefante na sala” do Governo, que não quer explicar como uma empresa de 10 mil euros tem “autorização” para meter um calote de 10,4 milhões de euros ao Estado, com subida na ordem dos 3 milhões por ano no último triénio.

    Para não restarem dúvidas sobre esta obrigatoriedade – e sobre o intencional esquecimento da Trust in News, até por serem dados relevantes –, a empresa de Luís Delgado identificou, nos seus três primeiros anos de existência, os detentores do passivo (acima dos 10%).

    Conforme se pode confirmar no Portal da ERC, em 2018, quando o passivo ainda só era de cerca de 18,3 milhões de euros, a Trust in News apontava como detentor relevante do passivo o Novo Banco (15%) e a Impresa Publishing (34%). Nesse ano, não foi declarada dívida relevante ao Estado, porque, na verdade, não ultrapassava então os 10%. A rubrica “Estado e outros entes públicos” situava-se nos 942.819,75 euros, ou seja, era apenas de 5,2%. Portanto, entre 2018 e 2022, a dívida ao Estado da dona da Visão passou de 5,2% para 42% do total do passivo, sem qualquer intervenção governamental ou da máquina da Administração Pública.  

    Em 2019, a Trust in News também fez declarações correctas. A Impresa (24%) e o Novo Banco (22%) eram, efectivamente os únicos detentores relevantes do passivo. A dívida ao Estado, embora então tivesse subido para cerca de 1,58 milhões de euros, ainda ficavam aquém do limiar dos 10%, uma vez que o passivo da empresa de Luís Delgado situava-se, nesse ano, nos 16,8 milhões de euros.

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    Apesar das dívidas, a Trust in News consegue, através da organização de eventos, congregar figuras públicas de vários quadrantes políticos. Uma receita para não ser incomodada pelas crescentes dívidas?

    As dívidas ao Estado ultrapassaram os 10% – e, portanto, a obrigatoriedade de as revelar no Portal da Transparência da ERC – no ano de 2020, e logo com uma entrada de leão. Numa altura em que o passivo subira para os 20,46 milhões de euros, a dívida ao Novo Banco representava 17% e à Impresa 22%, mas as dívidas ao Estado eram assumidas pela dona da Visão como sendo à Autoridade Tributária e com um peso de 25%.

    Tendo em conta o então valor do passivo, significava que Luís Delgado deixara crescer as dívidas fiscais, no ano de 2020, até aos 5,1 milhões de euros, o que coincide, grosso modo, com a rubrica do Passivo Corrente identificada como “Estado e outros entes públicos”.

    O peso elevado, e dir-se-ia exclusivo, da dívida admitida pela Trust in News à Autoridade Tributária em 2020 leva a crer que grande parte, ou mesmo a totalidade, dos 11,4 milhões de euros de calote público em 2022 seja referente a dívidas fiscais.

    Apesar de manter um calote de 4 milhões de euros, num negócio (compra das revistas) que deveria ter sido pago na íntegra no final do primeiro semestre de 2020, a Impresa não aparente estar zangada com Luís Delgado. O proprietário da Trust in News contínua a ser comentador frequente da SIC Notícias.

    Somente o Ministério das Finanças poderia informar, mas apesar das tentativas do PÁGINA UM não se obteve qualquer resposta. Fernando Medina continua, assim, sem explicar como uma empresa de media com um capital social de apenas 10 mil euros, e que até tem tido contratos com entidades públicas, consegue manter-se a funcionar com uma colossal dívida fiscal que não tem parado de subir sobretudo nos últimos três anos.

    Quanto à ERC, que sobre algumas empresas de media se mostra muito zelosa – ainda esta semana, para irrelevantes acréscimos no relatório do Governo Societário solicitou informações ao PÁGINA UM –, continua sem responder às perguntas relacionadas com as falsas declarações da Trust in News. O PÁGINA UM colocou questões já por duas vezes à entidade reguladora dos media, incluindo na segunda vez um outro caso de extrema gravidade, que será revelado em breve, tendo esbarrado sempre com o silêncio. De facto, o silêncio parece mesmo ser a alma deste negócio de dívidas públicas, de falta de transparência e de ausência de legalidade.


    N.D. O PÁGINA UM tem realizado esta investigação utilizando as demonstrações financeiras da Trust in News desde a sua criação em 2017, tendo feito essa aquisição junto da Base de Dados das Contas Anuasi. Por uma questão de transparência e de serviço públicos, disponibilizamos aos leitores esses relatórios financeiros relativos anos anos de 2017, de 2018, de 2019, de 2020, de 2021 e de 2022.

  • Novo Banco usado para pagar compra da Visão e outras revistas, mas “torneira” fechou

    Novo Banco usado para pagar compra da Visão e outras revistas, mas “torneira” fechou

    Além da dívida astronómica de 11,4 milhões ao Estado, a dona das revistas Visão, Exame, Caras e Jornal de Letras (entre outros títulos) tem sistematicamente falhado os acordos de pagamento do negócio de compra em 2018 ao Grupo Impresa. Anunciado por um valor de 10,2 milhões de euros, o montante devia ter sido pago em dois anos e meio. E começou a ser, sobretudo com empréstimo do Novo Banco, mas a torneira fechou a partir de 2020 face aos fracos resultados económicos. Agora, várias renegociações da dívida depois, a Impresa ainda está para ver a cor a mais de 4 milhões de euros, prevendo-se agora que o pagamento pela Trust in News se estenda até 2036. Mas se o prazo de pagamento for cumprido, e o ritmo de crescimento da dívida ao Estado se mantiver sem intervenção do Governo, em 2036 os contribuintes terão já a haver da Trust in News mais de 50 milhões de euros. O Ministério das Finanças continua sem dar explicações.

    Nota: Por “alerta” de pessoa com legitimidade, e reconhecendo a eventualidade de o uso de fotografias divulgadas livremente nas redes sociais poder ser considerado uma violação dos direitos autorais, mesmo se de figuras públicas, o PÁGINA UM decidiu retirar algumas fotografias e substituí-las por uma imagem alusiva à transparência.


    Foi anunciado, no início de Janeiro de 2018, como um dos grandes negócios de media em Portugal: o Grupo Impresa vendia um conjunto de 12 títulos – onde pontificavam as revistas Visão, Exame e Caras e o Jornal de Letras – à Trust in News, uma empresa unipessoal fundada meses antes pelo ex-jornalista Luís Delgado. O montante, divulgado em comunicado à CMVM, era chorudo: 10,2 milhões de euros, embora, na altura, a Impresa tenha declarado que “o impacte contabilístico ainda não está totalmente avaliado”.

    Alguns anos depois – na verdade, cerca de cinco e meio –, e com meia dezena de exercícios fiscais em relatórios e contas, aquilo que resulta deste negócio é basicamente uma empresa, a Trust in News, com um gigantesco calote ao Estado e com a Impresa em vias de ter de assumir um prejuízo de pelo mais de 4 milhões nesta transacção. Sobretudo se o Estado intervir para recuperar ainda alguma parte dos 11,4 milhões de euros de dívidas acumuladas pela Trust in News sobretudo nos últimos quatro anos.

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    A Visão fez 30 anos em Março deste ano e é um dos principais títulos da Trust in News.

    Embora a empresa de Luís Delgado não tenha ainda dado qualquer resposta às perguntas do PÁGINA UM e a Impresa diga que “não se pronuncia sobre a situação económica e financeira de empresas exógenas”, o cruzamento de informação financeira permite concluir que só em 2018 a Trust in News terá pagado valores relevantes para saldar a compra das revistas.

    Com efeito, no relatório e contas de 2018 do Grupo Impresa surge a informação de que o acordo com a Trust in News estipulava o pagamento dos 10,2 milhões de euros “em dois anos e meio”. Porém, no final de 2019, de acordo com o relatório e contas desse ano da Impresa, a dívida ainda estava nos 4,55 milhões, acrescentando-se que em 31 de Dezembro de 2018 o valor nominal da conta a receber da TIN [Trust in News] era de 6.300.000 Euros”. Mais se acrescentava que se renegociara o plano de reembolso, pelo que Luís Delgado teria de pagar 2,15 milhões de euros em 2020 e 2,4 milhões em 2021.

    Não sendo claro se a renegociação implicou um abaixamento do valor do negócio, certo é que em quase dois anos – tendo em conta a realização do negócio em 2 de Janeiro de 2018 –, a Trust in News tinha pagado, no máximo, 5,65 milhões de euros à Impresa até finais de 2019. No acordo inicial – pagamento em dois anos e meio – teria de se pagar 8,16 milhões de euros até 2020 e o remanescente (2,04 milhões de euros) no primeiro semestre de 2021.

    Luís Delgado (à esquerda) comprou em 2 de Janeiro de 2018 à Impresa um conjunto de títulos, entre as quais a revista Visão, num negócio oficialmente envolvendo o pagamento de 10,2 milhões de euros a ser concrtizado em dois anos e meio. Em finais de 2022 ainda faltava pagar cerca de 40% desse valor.

    Mesmo assim, nesta fase, o pagamento da Trust in News não foi com verbas de Luís Delgado nem de qualquer investidor externo, porque a empresa é unipessoal (apenas detida por Luís Delgado), e tem um capital social diminuto (10.000 euros).

    No balanço de 2018 da Trust in News nota-se, aliás, que foi “herdado” um passivo significativo (quase 19,3 milhões de euros) à “boleia” de um activo onde se destacava um valor atribuído às marcas (activos intangíveis) da ordem dos 10,8 milhões de euros. Entre este passivo da Trust in News destacavam-se, então, os 6,2 milhões de euros ainda por pagar à Impresa e mais 2,7 milhões de um empréstimo ao Novo Banco.

    Em suma, mesmo intervencionado pelo Estado, o Novo Banco dispôs-se a emprestar a curto prazo pelo menos 2,7 milhões de euros a uma empresa com um capital social de 10 mil euros, a Trust in News, para saldar parte da compra das revistas à Impresa.

    Em 2019, o Novo Banco ainda emprestaria mais dinheiro à Trust in News. No final desse ano, a empresa de Luís Delgado já devia 3,7 milhões de euros ao Novo Banco, ou seja, a dívida para esta instituição financeira aumentara cerca de um milhão de euros. No entanto, globalmente, os financiamentos bancários à Trust in News já ascendiam aos 4,5 milhões de euros.

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    António Costa, primeiro-ministro, Mafalda Anjos, directora da Visão, e Luís Delgado, proprietário da Trust in News, num evento em Abril de 2018. Os contribuintes têm poucos motivos para rir: as dívidas ao Estado desta empresa já ultrapassam os 11,4 milhões de euros. E ninguém no Governo interveio.

    Foi a partir de 2020 que a Trust in News praticamente deixou de pagar a compra das revistas à Impresa, altura em que também começou a não pagar ao Estado. No relatório e contas da Impresa de 2020 refere-se que o valor nominal da dívida era ainda de 4,43 milhões de euros. Ou seja, Luís Delgado apenas pagou 120 mil euros à empresa de Pinto Balsemão durante todo o ano de 2020, quando tinha prometido pagar-lhe, nesse período, 2,15 milhões de euros.

    Resultado: a Impresa concordou em renegociar a dívida, remetendo o plano de reembolso para 2023, sendo que em 2021 Luís Delgado teria de pagar 300 mil euros, e depois 2,63 milhões em 2022 e 1,5 milhões em 2023.

    Se a Impresa tinha esperanças ou não na palavra de Luís Delgado, não se sabe, porque “não se pronuncia sobre a situação económica e financeira de empresas exógenas”. Mas os dados são indesmentíveis. Nas contas de 2021, a Impresa declarou que o valor nominal da dívida da Trust in News situava-se nos 4.321.513 euros. Ou seja, se o compromisso do ano anterior era o de Luís Delgado pagar 300 mil euros em 2021 (de um total de 4,43 milhões), na verdade saldou apenas 110 mil euros. Mais: a Impresa já admitia vir receber apenas cerca de 3,55 milhões de euros, por ser esse o valor inscrito na rubrica “outras contas a receber”.

    Antes da venda em 2018 do portfolio das revistas à Trust in News, a Impresa, fundada por Francisco Pinto Balsemão, teve de reconhecer imparidades (prejuízos de 22 milhões de euros). A venda por 10,2 milhões de euros, está afinal a ser difícil de finalizar.

    Na iminência de ter de assumir perdas por imparidade ainda avultadas, da ordem dos 4 milhões de euros – com consequências imediatas danosas para os resultados líquidos – a Impresa acabou por concordar em negociar a dívida da Trust in News. No relatório de 2021 da Impresa salienta-se que houve nova revisão do “plano de pagamentos do montante em dívida, estendendo o mesmo até 2036, prevendo o pagamento de prestações mensais de 25.000 Euros, a ser realizado pela cessão de créditos futuros da TIN [Trust in News] relativo à exploração das suas propriedades digitais, que se encontra a ser gerido por um terceiro.”

    Um pagamento mensal de 25 mil euros daria um total de 300 mil euros em 2022, mas mais uma vez Luís Delgado falhou. De acordo com o mais recente relatório e contas da Impresa, a dívida nominal da Trust in News situava-se, no final de 2022, em 4.094.295 euros. Ou seja, Luís Delgado pagou a Balsemão menos de 19 mil euros por mês.

    Não se pode dizer que o Grupo Impresa está, para já, a “arder” muito. Só no ano passado, em cada mês, a Trust in News aumentou a dívida ao Estado em quase 270 mil euros por mês, o que deu 3,2 milhões a mais ao longo de todo o ano. Mesmo assim, “apenas” uma parte do total de 11,4 milhões de dívidas ao erário público da Trust in News, sobretudo à Autoridade Tributária e Aduaneira. Nada que aparentemente incomode Fernando Medina que continua sem esclarecer o PÁGINA UM sobre se vai tomar alguma medida face à situação da Trust in News.

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    Mafalda Anjos, ao centro, é directora da Visão e foi publisher de todos os títulos da Trust in News até Dezembro do ano passado.

    Em todo o caso, se houver intervenção estatal para ressarcir a dívida da Trust in News, não é só a sobrevivência desta empresa de media que estará em causa, porque tal afectará, de forma indelével, a Impresa e também bancos. Por exemplo, nas contas de 2022, a dona da Visão diz ter também uma dívida de médio e longo prazo de quase 3,5 milhões de euros ao Novo Banco e uma de curto prazo de 752 mil euros ao Millennium BCP, além de um contrato de factoring com a mesma instituição bancária de quase 1,2 milhões de euros.

    Aliás, no actual cenário, até os trabalhadores poderiam sair bastante prejudicados, uma vez que o Estado, em caso de insolvência, detém primazia na alienação dos activos até ser saldada a dívida de 11,4 milhões de euros.


    N.D. Pelas 02:22 horas de 27 de Julho foi corrigida a referência à situação de Mafalda Anjos como publisher das revistas da Trust in News. Essa função foi desempenhada entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2022. Mafalda Anjos mantém-se agora apenas com directora das revistas Visão, Visão Saúde, Visão Biografia e A Nossa Prima, conforme consta da sua página no LinkedIn.

  • Censura nas redes sociais: juiz recusa recurso da Administração Biden

    Censura nas redes sociais: juiz recusa recurso da Administração Biden

    Um recurso que tentava reverter uma decisão judicial do juiz Terry Doughty que proíbe o Governo dos Estados Unidos de solicitar a censura nas redes sociais foi já rejeitado em Tribunal. Para o juiz da Louisiana, nenhuma entidade estatal ou governamental, incluindo a Casa Branca, podem ordenar eliminação de publicações apenas por serem opiniões diferentes, as quais estão abrangidas pela liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda. Apenas em questões de segurança interna ou externa muito concretas o Governo está autorizado a estabelecer esses contactos.


    É mais uma derrota para o Governo norte-americano e a sua intenção de continuar a aplicar censura nas plataformas que operam redes sociais.

    O juiz distrital dos Estados Unidos Terry Doughty rejeitou ontem um recurso do Departamento de Justiça da Administração Biden que visava reverter a sua ordem anterior que proibiu o Governo, incluindo 11 departamentos de Estados e o próprio Presidente, além de outros funcionários públicos, de contactarem com as tecnológicas para remover conteúdo postados nas redes sociais.

    Para o juiz, os conteúdos divulgados nas redes sociais estão protegidos pela Primeira Emenda – excluindo obviamente conteúdos relativos a actividades ilegais, como pedofilia, conspiração, extorsão, ameaças à segurança do Estado ou de infraestruturas no estrangeiro.

    Joe Biden e a sua Administração não vão poder continuar a censurar meras opiniões contrárias à sua.

    Segundo o juiz, “é provável que os autores da acção [onde se incluem o Estados da Louisiana e do Missouri] provem que todos os Réus [Administração Biden e departamentos de Estado, além de funcionários] coagiram, encorajaram significativamente e/ou participaram conjuntamente com empresas de redes sociais para suprimir publicações de cidadãos norte-americanos que expressavam opiniões que eram contra as vacinas da covid-19, contra confinamentos, publicações que deslegitimaram ou questionaram os resultados das eleições de 2020 e outros conteúdos não sujeitos a qualquer exceção à Primeira Emenda”.

    O juiz frisou ainda que “estes itens estão protegidos pela liberdade de expressão e foram aparentemente censurados por causa dos pontos de vista que expressaram”. Salientou que “a discriminação de pontos de vista está sujeita a um escrutínio rigoroso”.

    Recorde-se que a decisão anterior deste juiz “apenas proíbe algo que os Réus não têm o direito legal de fazer: entrar em contacto com empresas de redes sociais com o objetivo de solicitar, encorajar, pressionar ou induzir, de qualquer forma, a remoção, exclusão, supressão ou redução de conteúdo que contenha liberdade de expressão protegida publicada em redes sociais”.

    Terry A. Doughty, tomou decisão histórica.

    O juiz deu provimento parcial a uma providência cautelar e proibiu, com efeitos a partir do simbólico dia 4 de Julho, que a Administração Biden e várias agências e organizações estatais façam acordos com gigantes tecnológicas – como o Twitter, o Youtube e o Facebook – para que sejam censurados ou restringidos conteúdos nas suas plataformas – uma prática que se normalizou durante a pandemia de covid-19.

    Além de Joe Biden, a proibição abrange quatro dezenas de pessoas associadas à Administração Biden e ainda 11 entidades públicas, entre as quais o National Institute of Allergy & Infectious Diseases – que foi presidido por Anthony Fauci, durante a pandemia –, o Federal Bureau of Investigation (FBI), o Centers for Disease (CDC), o Food & Drug Administration (FDA) e diversos departamentos federais.

    Todos ficam agora impedidos de contactar as plataformas digitais com “o propósito de incitar, encorajar, pressionar ou induzir de qualquer maneira a remoção, exclusão, supressão ou redução de conteúdo que contenha liberdade de expressão protegida”.

    Martin Kulldorff, Sunetra Gupta e Jay Bhattacharya são três eminentes investigadores que, por se oporem às medidas radicais aplicadas pelos Governos durante a pandemia, foram difamados e alvo de restrições com a participação activa e empenhada da imprensa e redes sociais.

    Nessa medida cautelar (preliminary injunction), revelada na terça-feira passada num documento de 155 páginas, o juiz determinou ainda a proibição de as agências governamentais “sinalizarem publicações específicas às plataformas digitais, ou solicitarem relatórios sobre os seus esforços para banir conteúdos”. No entanto, ficam excluídos desta decisão eventuais notificações sobre “publicações que detalhem crimes, ameaças à segurança nacional ou tentativas externas de influenciar as eleições”.

    A ordem de Doughty surge no seguimento de um processo interposto pelo procurador-geral do Estado da Louisiana, Jeff Landry, e o antigo procurador-geral do Estado do Missouri, Eric Schmitt. Os queixosos alegaram que o Governo Federal norte-americano violou sistematicamente a Primeira Emenda, tendo invocado, entre vários exemplos, casos de censura de publicações que visaram Hunter Biden, ou que defendiam a teoria da fuga de laboratório do SARS-CoV-2.

    No leque de queixosos estava também o bioestatístico sueco Martin Kulldorff e o norte-americano Jay Bhattacharya. Tal como outras personalidades, estes conceituados investigadores – o primeiro é professor da Harvard Medical School e o segundo professor da Universidade de Stanford – foram alvo de intensas campanhas de difamação e de censura nas redes sociais por apresentarem, com informação científica, opiniões contrárias às da Organização Mundial da Saúde.

  • Administração Biden proibida por juiz de pressionar Big Tech para aplicar censura

    Administração Biden proibida por juiz de pressionar Big Tech para aplicar censura

    Ontem, no Dia da Independência dos Estados Unidos, um juiz federal do Estado da Louisiana colocou um travão à censura nas redes sociais e determinou que o Governo não poderá pressionar nem estabelecer parcerias com as gigantes tecnológicas para retirar ou restringir publicações e conteúdos nas suas plataformas. Esta conduta intensificou-se, nos Estados Unidos e na Europa durante a pandemia de covid-19, sob o pretexto do combate à “desinformação”.


    Um juiz federal do Estado norte-americano da Louisiana proibiu, com efeito a partir de ontem, que a Administração Biden estabeleça acordos com as gigantes tecnológicas – como o Twitter, o Youtube e o Facebook – para que sejam censurados ou restringidos conteúdos nas suas plataformas – uma prática que se intensificou durante a pandemia de covid-19.

    A decisão do juiz Terry A. Doughty – nomeado durante a administração de Donald Trump em 2017 – concedeu razão aos apelos, como queixosos, dos Estados da Louisiana e do Missouri e ainda a cinco particulares, entre os quais o bioestatístico sueco Martin Kulldorff e o norte-americano Jay Bhattacharya.

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    Tal como outras personalidades, estes conceituados investigadores – o primeiro é professor da Harvard Medical School e o segundo professor da Universidade de Stanford – foram alvo de intensas campanhas de difamação e de censura nas redes sociais por apresentarem, com informação científica, opiniões contrárias às da Organização Mundial da Saúde.

    Além de Joe Biden, a proibição abrange quatro dezenas de pessoas associadas à Administração Biden e ainda 11 entidades públicas, entre as quais o National Institute of Allergy & Infectious Diseases – que foi presidido por Anthony Fauci, durante a pandemia –, o Federal Bureau of Investigation (FBI), o Centers for Disease (CDC), o Food & Drug Administration (FDA) e diversos departamentos federais. Todos ficam agora impedidos de contactar as plataformas digitais com “o propósito de incitar, encorajar, pressionar ou induzir de qualquer maneira a remoção, exclusão, supressão ou redução de conteúdo que contenha liberdade de expressão protegida”.

    Nesta medida cautelar (preliminary injunction), revelada num documento de 155 páginas, o juiz determinou ainda a proibição de as agências governamentais “sinalizarem publicações específicas às plataformas digitais, ou solicitarem relatórios sobre os seus esforços para banir conteúdos”. No entanto, ficam excluídos desta decisão eventuais notificações sobre “publicações que detalhem crimes, ameaças à segurança nacional ou tentativas externas de influenciar as eleições”.

    Terry A. Doughty, tomou decisão histórica.

    A ordem de Doughty surge no seguimento de um processo interposto pelo procurador-geral do Estado da Louisiana, Jeff Landry, e o antigo procurador-geral do Estado do Missouri, Eric Schmitt. Os queixosos alegaram que o Governo Federal norte-americano violou a Primeira Emenda, tendo invocado, entre vários exemplos, casos de censura de publicações que visaram Hunter Biden, ou que defendiam a teoria da fuga de laboratório do SARS-CoV-2.

    A acusação de censura imputada por Landry e Schmitt à Administração Biden teve eco nas palavras de Terry A. Doughty, que concluiu que “se as alegações feitas pelos queixosos forem verdadeiras, o presente caso provavelmente envolve o maior ataque contra a liberdade de expressão na História dos Estados Unidos”.

    De entre as organizações com as quais o Governo Federal norte-americano deixa de poder comunicar com o intuito de suprimir publicações nas redes sociais, estão entidades externas, como o Virality Project e o Stanford Internet Observatory, que já tinham sido alvo de escrutínio mediático aquando da divulgação dos Twitter Files.

    Martin Kulldorff, Sunetra Gupta e Jay Bhattacharya são três eminentes investigadores que, por se oporem às medidas radicais aplicadas pelos Governos durante a pandemia, foram difamados e alvo de restrições com a participação activa e empenhada da imprensa e redes sociais.

    De facto, os documentos internos da rede social divulgados com a autorização de Elon Musk, aquando da sua aquisição do Twitter no ano passado, avolumaram o debate em torno de um aparente conluio entre funcionários governamentais e a Big Tech para limitar a liberdade de expressão no mundo digital.

    Esta decisão em defesa da liberdade de expressão foi contestada por alguns círculos, mas aplaudida por outros, sobretudo jornalistas, cientistas e académicos que foram alvo de censura pelas suas opiniões sobre a pandemia. Nesta lista, constam Andrew Lowenthal e Paul D. Thacker, que foram, aliás, recentemente entrevistados pelo PÁGINA UM.

    No Twitter, Thacker respondeu a uma alegação da Casa Branca, que rejeitou ter pressionado as plataformas tecnológicas para censurar conteúdos. O jornalista, que participou na divulgação dos Twitter Files, aludiu especificamente a um e-mail de Rob Flaherty, no qual o funcionário da Administração Biden reagia de forma acesa e autoritária à recusa do Facebook em restringir algumas contas. “Vocês estão a falar a sério, porra? Eu quero uma resposta sobre o que aconteceu aqui e quero-a hoje”, recorda Thacker numa publicação partilhada.

    Para além dos procuradores-gerais, o processo foi também encabeçado por dois epidemiologistas que contestaram a gestão da pandemia, Jayanta Bhattacharya e Martin Kulldorff, Aaron Kheriatv, um professor demitido da Universidade da Califórnia pela sua recusa da vacina para a covid-19, Jill Hines, da associação Health Freedom Louisiana, e Jim Hoft, do site Gateway Pundit.

    As reacções à ordem de Doughty foram mistas, demonstrativas das fortes clivagens ideológicas, com os democratas a serem mais favoráveis a um melhor controlo daquilo que se convencionou chamar desinformação, mas que se transforma em mera censura como arma de silenciamento.

    Certo é que o procurador-geral da Louisiana apelidou a decisão como “histórica”, enquanto o procurador-geral do estado do Missouri festejou efusivamente no Twitter: “Feliz aniversário, América! Tens a tua Primeira Emenda de volta!”.

    O New York Times, que adianta que esta decisão judicial pode ter “implicações significativas na Primeira Emenda”, tentou obter comentários das plataformas mas sem sucesso. E diz também que a Casa Branca deverá recorrer da decisão.

  • CMVM lança alerta sobre empresa polémica promovida pela TVI

    CMVM lança alerta sobre empresa polémica promovida pela TVI

    O “polícia” do mercado de capitais português alertou hoje, em respostas ao PÁGINA UM, que a suposta empresa dbl.pt, publicitada numa reportagem polémica emitida pela TVI, não está autorizada a operar em Portugal. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários deixa ainda um aviso aos investidores e recomenda cautela em relação a promessas de lucros até 40% em investimentos, como os que são feitos pela dbl.pt, apresentada na reportagem como uma empresa de investimentos em criptoactivos liderada por um “jovem milionário português”, Renato Duarte Júnior. O Banco de Portugal já tinha confirmado ao PÁGINA UM que a dbl.pt não consta da lista de intermediários de activos digitais autorizados a operar no país, mas ainda se aguarda uma reacção do supervisor liderado por Mário Centeno ao caso que tem gerado queixas e polémica e já levou o regulador dos media e analisar a reportagem.


    O “polícia” do mercado de capitais português alertou, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que uma suposta empresa publicitada numa polémica reportagem da TVI sobre um “jovem milionário português” não está autorizada para operar em Portugal.

    A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários sublinha que a dbl.pt não pode operar no país e recomenda ainda cautela aos investidores em relação a promessas de lucros de até 40% em investimentos.

    A reacção da CMVM surge depois de o PÁGINA UM ter questionado os supervisores financeiros sobre a polémica gerada em torno da reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável”, protagonizada pela jornalista Conceição Queiroz, emitida na passada quarta-feira no Jornal Nacional, em horário nobre.

    “A entidade [dbl.pt] não está registada ou autorizada a operar em Portugal e, consequentemente, não pode prestar serviços de investimento”, refere o regulador nas respostas enviadas ao PÁGINA UM.

    A CMVM informa “ainda que os investidores devem ser especialmente cuidadosos com promessas de rendimento de 40% numa data futura porque não são conhecidos da CMVM instrumentos financeiros com essas caraterísticas ou entidades financeiras sujeitas à sua supervisão que garantam o capital e o rendimento nesses termos”.

    O regulador da bolsa “considera que, perante decisões de investimento, os potenciais investidores devem ser especialmente cautelosos ou procurar aconselhamento profissional”.

    Reportagem da TVI apresenta o negócio de Renato Duarte Júnior como um caso de sucesso, sem verificar sequer a existência legal da sua empresa e se opera de acordo com o mercado já bastante regulado da cripto-economia.

    O programa da TVI gerou várias queixas que chegaram ao regulador dos media, levando a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a confirmar ao PÁGINA UM que está a analisar a reportagem.

    Nas suas respostas, a CMVM recorda que “os mercados de criptoativos não se encontram ainda sujeitos a regulação/supervisão”, os prestadores de serviços relacionados com ativos virtuais “já se encontram sujeitos a registo junto do Banco de Portugal, mas apenas na vertente relacionada com a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”. Ou seja, mesmo sabendo-se que a CMVM é o supervisor dos intermediários financeiros, este regulador considera que a responsabilidade de controlo cabe, por agora, em exclusivo ao Banco de Portugal.

    Apesar das insistências do PÁGINA UM, ainda se aguardava, à hora da escrita desta notícia (18h30) uma reacção formal do Banco de Portugal, a entidade responsável pelo registo dos intermediários de activos digitais. Ao PÁGINA UM, o supervisor liderado por Mário Centeno já tinha confirmado que a dbl.pt não se encontra na lista das 10 empresas de criptoactivos autorizadas a operar em Portugal.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.

    A reportagem da TVI causou indignação e tem sido alvo de fortes críticas na comunidade portuguesa de profissionais de criptomoedas e criptoactivos, enquanto nas redes sociais e fóruns de debate online chovem palavras de condenação e insultos ao canal de TV, junto com apelos a uma intervenção da ERC.

    Na reportagem, o canal de TV entrevista o português Renato Duarte Júnior, de 29 anos, que aparenta viver uma vida de luxo no Dubai, sendo apresentado como presidente-executivo (CEO) da empresa dbl.pt. Ao longo da reportagem, são feitas diversas entrevistas em iates e mostrados cenários compatíveis com uma vida de luxo.

    A reportagem, que está disponível na plataforma na TVI, dá o “jovem milionário” como “um exemplo de quem conseguiu singrar no mercado da moeda virtual”.

    Mas existem muitas dúvidas sobre a alegada empresa dbl.pt, que é apontada como tendo sede no Dubai e muitas das afirmações de Renato Júnior são lidas pela comunidade de cripto-economia como duvidosas, como a sua afirmação de que faz 18.000 dólares por segundo, por exemplo.

    Como noticiou anteontem o PÁGINA UM em exclusivo, a Federação das Associações de Cripto-Economia (FACE) alertou que o conteúdo da reportagem e a “imagem errada” transmitida de enriquecimento fácil e rápido, através de um suposto investimento em activos digitais, pode levar investidores ao engano.

    Num comunicado divulgado ontem, aquela Federação denuncia que “as associações da FACE receberam
    dezenas de mensagens que indicam uma procura elevada pelos serviços da DBL por parte dos
    espectadores – algo também evidenciado nas redes sociais – comprovando que, direta ou
    indiretamente, esta peça acabou por promover um negócio que exige uma investigação profunda”.

    Um e-email enviado pelo PÁGINA UM para o endereço info@dbl.com, que se encontra no site da suposta empresa, veio devolvido. A TVI ainda não respondeu e não foi possível até, ao momento, pedir um comentário a Renato Júnior, sobre o qual não se encontram contactos disponíveis, nomeadamente na Internet.


    Nota: Notícia actualizada aqui.

    ão aqui.

  • Federação das Associações da Cripto-Economia lança alerta sobre reportagem da TVI

    Federação das Associações da Cripto-Economia lança alerta sobre reportagem da TVI

    Profissionais do sector da economia baseada na tecnologia blockchain criticam e demarcam-se da reportagem emitida pela TVI na quarta-feira passada sobre um alegado jovem português milionário, Renato Duarte Júnior, apresentado como CEO de uma empresa de investimentos. A Federação das Associações de Cripto-Economia critica a reportagem, bem como a “imagem errada” de enriquecimento fácil e rápido dada, e teme que leve investidores ao engano. O “jovem milionário” é um desconhecido na comunidade de criptomoedas portuguesa e a sua empresa nem consta da lista de entidades de criptoactivos autorizadas pelo Banco de Portugal a operar no país.


    Uma reportagem da TVI sobre um “jovem milionário português” está a gerar uma forte onda de críticas sobre a estação de televisão por parte da comunidade de profissionais do sector das criptomoedas e criptoactivos em Portugal.

    A Federação das Associações de Cripto-Economia (FACE) alerta que o conteúdo da reportagem e a “imagem errada” transmitida de enriquecimento fácil e rápido, através de um suposto investimento em activos digitais, pode levar investidores ao engano.

    Para Nuno Lima Luz, presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas (APBC) – que integra a FACE –, a ideia passada pela reportagem “é perniciosa”. “Ficámos surpreendidos com a reportagem que passou em horário nobre. Na comunidade, todos nos manifestamos contra as ideias transmitidas pela reportagem, as quais não representam o sector”, disse ao PÁGINA UM. “Estranhamos este tipo de reportagem que promove este tipo de actividades em horário nobre”, afirmou. Acrescentou que a FACE está a preparar um comunicado à imprensa com críticas e alertas sobre a reportagem.

    Na reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável”, o canal de TV entrevista o português Renato Júnior, de 29 anos, que aparenta viver uma vida de luxo no Dubai, sendo apresentado como presidente-executivo (CEO) da empresa dbl.pt. Ao longo da reportagem, são feitas diversas entrevistas em iates e mostrados cenários compatíveis com uma vida de luxo.

    A reportagem, que está disponível na plataforma na TVI, é acompanhada de um pequeno texto de resumo onde se pode ler: “Tem 29 anos e é um exemplo de quem conseguiu singrar no mercado da moeda virtual. Deixou a escola para trás e aos 17 anos emigrou para o Canadá, onde foi trabalhar nas obras”.

    O texto da promoção da reportagem prossegue: “Com o dinheiro que amealhou investiu num computador e num telemóvel e esta foi a porta de entrada para o mundo do dinheiro digital.”

    Segundo a reportagem, Renato Júnior “começou com um investimento de 100 euros” e “atualmente, vive no Dubai e é de lá que gere um negócio de milhões”.

    O empresário e investidor apresenta-se assim: “Eu sou o Júnior. Venho de uma família humilde e aos 17 anos emigrei para o Canadá. Trabalhei na construção, mas sempre assumi que um dia ia fazer muito dinheiro.”

    A comunidade portuguesa de cripto-economia desconhece quem é Renato Júnior. Na reportagem, o único rosto familiar no sector em Portugal é o de Fred Antunes, CEO da RealFevr e ex-presidente da APBC, o qual foi entrevistado pela TVI para a reportagem, e que prestou comentários gerais sobre o sector.

    Consultado o site do Banco de Portugal, verifica-se que a empresa dbl.pt não consta da lista de 10 entidades que estão actualmente autorizadas pelo regulador para intermediar investimentos em criptomoedas e activos digitais no país.

    Pesquisando na Internet, encontra-se um site de uma empresa com o endereço dbl.pt, o qual não dispõe de contactos nem de informação sobre a sociedade, os seus proprietários ou gestores. Ao entrar na página, é mostrado um aviso relativo a phishing e é pedido ao utilizador que verifique sempre se está a usar o endereço dbl.pt.

    Na área de respostas a perguntas frequentes, a dbl.pt refere que tem dois tipos de produtos: um promovido como sendo “seguro”, estando o investimento alegadamente garantido e com promessa de lucros até 40%; e no segundo produto o capital investido já não é garantido, embora sejam prometidos lucros que, diz-se no site, podem ir até os 1.894%. Neste caso, no reverso da medalha, há a possibilidade de o investimento se perder na totalidade.

    O PÁGINA UM encontrou um outro site digitando www.dbl.pt, mas aqui surge uma mensagem de erro “503 – serviço temporariamente indisponível”.

    Ainda não foi possível obter um comentário de Renato Júnior ou da dbl.pt, nem da TVI.


  • Conteúdo comercial ilegal: Público diz que só destacou Tabaqueira como “promotora de inovação tecnológica e do desenvolvimento sustentável”

    Conteúdo comercial ilegal: Público diz que só destacou Tabaqueira como “promotora de inovação tecnológica e do desenvolvimento sustentável”

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concluiu que o jornal Público violou mesmo a lei que proíbe a publicidade ao tabaco, e arrisca um multa até 250 mil euros. Em causa estão conteúdos comerciais pagos pela Tabaqueira e publicados pelo jornal da Sonae no início de Outubro. A ERC também anunciou que vai informar a Direcção-Geral da Saúde sobre a ilegalidade cometida pelo jornal dirigido pelo jornalista Manuel Carlos Carvalho (CP 963), que se defendeu dizendo que o conteúdo comercial pretendeu apenas potenciar a Tabaqueira como “entidade promotora de inovação tecnológica e do desenvolvimento sustentável”.


    O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) abriu um processo de contraordenação ao jornal Público por violação da lei que proíbe publicidade ao tabaco, depois de o jornal ter publicado, no início de Outubro, conteúdos comerciais da Tabaqueira.

    A informação surge numa deliberação da ERC, tomada em 16 de Novembro, no seguimento de um processo de averiguações suscitadas por um pedido de esclarecimento do PÁGINA UM (vd. nota da direcção no final do texto). O jornal do Grupo Sonae arrisca assim uma coima que pode ir até aos 250 mil euros. A ERC anuncia também, na sua deliberação, que vai informar a Direcção-Geral da Saúde da violação da lei por parte do Público, como manda a legislação.

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    Em causa está a violação da Lei 37/2007, mais concretamente o artigo 14º-E, referente a publicidade e patrocínio dos cigarros electrónicos e recargas, e o artigo 18º, relativo ao tema do patrocínio, que a ERC considera susceptível de constituir “uma contraordenação económica muito grave punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas”.

    Como o PÁGINA UM noticiou no dia 14 de Outubro passado, o regulador abrira um “procedimento” para averiguar a eventual ilegalidade do Público por inserir um conteúdo comercial da Tabaqueira, que elogiava as tecnologias do tabaco aquecido e que coincidiu com um novo sistema daquela empresa.

    A divulgação da ilegalidade foi feita pelo PÁGINA UM, e não é caso único. Na mesma semana de Outubro em que a ERC indicou ao PÁGINA UM que tinha aberto um “procedimento” contra o Público, o regulador anunciou também a abertura de outro processo de contraordenação à Global Media pela inserção de quatro conteúdos patrocinados pela Tabaqueira: dois no Jornal de Notícias, um no Diário de Notícias e outro no Dinheiro Vivo, todos publicados este ano.

    Conteúdo comercial da Tabaqueira foi aceite pelo Público como “conteúdo comercial” três dias após o lançamento do IQOS Iluma. ERC diz ser publicidade ilegal a produtos de tabaco.

    A publicidade directa ou indirecta aos produtos de tabaco em toda a imprensa está proibida desde 2005. No caso das televisões e rádios, a proibição remonta a 1980. Foram, entretanto, sendo implementadas outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas.

    No caso concreto do conteúdo comercial pago pela Tabaqueira que foi publicado no Público, o texto termina mesmo com uma foto claramente de carácter publicitário, com a apresentação do novo sistema de tabaco aquecido por indução IQOS Iluma. Este equipamento é uma grande aposta comercial da Philip Morris neste sector, e que começara a ser comercializado três dias antes da inserção do conteúdo patrocinado no Público.

    Em resposta ao procedimento aberto pela ERC, que levou agora à instauração do processo de contraordenação, o jornal do Grupo Sonae defendeu que estes conteúdos, embora comerciais, “não traduz qualquer incentivo, publicidade ou mesmo promoção aos produtos de tabaco”.

    E diz mesmo que a intenção é mesmo a inversa, ou seja, que o conteúdo comercial, que coincidiu com o lançamento do IQOS Iluma, “teve por principal e único objetivo potenciar a notoriedade e posicionamento da marca ‘Tabaqueira’, enquanto entidade promotora de inovação tecnológica e do desenvolvimento sustentável, procurando o envolvimento da comunidade neste movimento transformacional, que visa promover soluções mais sustentáveis”.

    Porém, para a ERC, não existem dúvidas de que “o texto é inequivocamente promocional, sendo inclusivamente patrocinado por uma empresa que tem como atividade principal a venda e distribuição de produtos de tabaco, com ou sem combustão.

    O regulador deita por terra todos os argumentos utilizados pelo Público, o que pode, desde já, induzir à “condenação” no processo de contraordenação. Segundo a ERC, é completamente diferente escrever-se um artigo sobre os benefícios para a saúde da disponibilização de dispositivos de combustão sem nicotina patrocinada por entidades para fins de prevenção do consumo de tabaco e promoção de saúde. Ainda mais quando os conteúdos em questão são patrocinados por uma empresa de venda de produtos de tabaco.

    Assim, para a ERC, “estes conteúdos visam um posicionamento das marcas e dos produtos, através de uma prática social encapotada, que não revela os malefícios dos produtos”, assentando “numa mensagem claramente promocional, onde se reforça a imagem de uma empresa socialmente consciente e atenta aos potenciais consumidores”.

    Sede da ERC, em Lisboa.

    A ERC sustenta ainda que, apesar de não se tratar de publicidade tradicional, o conteúdo veiculado não deixa de ser patrocinado por uma empresa sob a qual é proibida a publicidade directa e indirecta, concluído que no conteúdo comercial do Público “existe a finalidade de promover uma marca, uma imagem, e, consequentemente, os produtos/ serviços por esta distribuídos, promovendo o engagement do leitor com a marca”.

    Por fim, o regulador também esclarece que, apesar de os conteúdos editoriais estarem separados dos comerciais, o Público “não pode desvincular-se da propriedade do espaço em que os mesmos se encontram publicados”.


    N.D. A deliberação da ERC refere que “em 12 de Setembro [na verdade, foi a 12 de Outubro] de 2022, com registo nº 2022/7327, deu entrada na ERC, um pedido de esclarecimento da publicação Página Um relativo à publicação periódica Público, nomeadamente à alegada publicidade/ patrocínio a uma tecnologia de cigarros electrónicos (…). Deve esclarecer-se que o PÁGINA UM pediu apenas um “comentário” à ERC sobre a situação detectada, pelo que se lamenta que, numa deliberação, a ERC deixe ficar a ideia de que o PÁGINA UM faz uma queixa contra o Público ou contra outro qualquer jornal. Aliás, acresce que o PÁGINA UM apenas contactou a ERC, para a obtenção do desejado comentário, após a indicação da Direcção-Geral do Consumidor, que tinha sido questionada pelo nosso jornal no dia 10 de Outubro.

  • Ricardo Araújo Pereira pode boicotar políticos no seu programa, mas SIC tem de encontrar formas de compensação

    Ricardo Araújo Pereira pode boicotar políticos no seu programa, mas SIC tem de encontrar formas de compensação

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social aceita que um humorista pode, em plena campanha eleitoral, convidar quem achar por bem, mas que o canal televisivo tem de compensar eventuais desequilíbrios em matéria de igualdade de oportunidades e de tratamento de candidaturas. A deliberação do regulador foi espoletado por duas queixas junto do regulador, uma das quais por causa da ausência de André Ventura no programa de Ricardo Araújo Pereira (RAP) em que entrevistou nove dirigentes políticos. RAP tem assumido que nunca convidará o líder do Chega para o seu programa por razões ideológicas. Mas o regulador também mostra que o tempo dedicado por RAP a cada dirigente foi muito distinto: António Costa foi aquele que teve mais “tempo de antena” em “Isto é gozar com quem trabalha”.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) aceita que um humorista pode, em plena campanha eleitoral, convidar quem achar por bem, mas que o canal televisivo tem de compensar eventuais desequilíbrios em matéria de igualdade de oportunidades e de tratamento de candidaturas. O caso foi espoletado por duas queixas junto do regulador, uma das quais por causa da ausência de André Ventura no programa de Ricardo Araújo Pereira (RAP) em que entrevistou nove dirigentes políticos. RAP tem assumido que nunca convidará o líder do Chega para o seu programa por razões ideológicas.

    Ricardo Araújo Pereira (RAP) pode ser um excelente comediante, mas a ERC não achou piada ao facto de o humorista ter beneficiado alguns partidos políticos no seu programa na SIC “Isto é gozar com quem trabalha” em plena campanha eleitoral das últimas legislativas.

    Por razões ideológicas, Ricardo Araújo Pereira recusa sentar André Ventura è mesa do seu programa.

    Entre 17 e 28 de Janeiro deste ano, o humorista decidiu, de forma explícita, excluir o líder do partido Chega, André Ventura, quando fez uma série de entrevistas diárias a dirigentes de partidos então com assento parlamentar (Bloco de Esquerda, PCP, PSD, Iniciativa Liberal, PAN, CDS e Partido Socialista) no seu programa especial dedicado às eleições legislativas.

    RAP apenas convidou dirigentes de dois outros partidos então sem assento parlamentar Rui Tavares, do Livre (que deixara de ter deputados com a “desfiliação” de Joacine Katar Moreira) e Vitorino Silva, do RIR). Já em 2020, RAP boicotara André Ventura nas Presidenciais de 2020, brincando com o facto de que o líder do Chega “não aguentaria a experiência”.

    Em deliberação divulgada na sexta-feira passada, a ERC até achou que RAP tem, como “célebre comediante” e “protagonista central” de um “programa de autor”, o direito a “uma maior discricionariedade na forma como é abordado o período eleitoral”, mas que não vale tudo em plena época eleitoral. E que, por isso, a SIC deverá, em futuras ocasiões, “compensar, na restante programação, os desequilíbrios gerados num determinado programa em matéria de igualdade de oportunidades e de tratamento de candidaturas”.

    António Costa foi o dirigente político com mais “tempo de antena” no programa humorístico de RAP em plena campanha eleitoral.

    Saliente-se, aliás, que de acordo com a contabilização da ERC, António Costa foi, nas entrevistas de RAP, o político com mais “tempo de antena” com 19 minutos e 16 segundos, enquanto Catarina Martins teve direito a apenas a 10 minutos e 52 segundos e Inês Sousa Real a 11 minutos e 12 segundos. Rui Rio teve menos 6 minutos e 4 segundos do que o líder do PS. Os restantes entrevistados (Vitorino Silva, Rui Tavares, João Oliveira, João Cotrim Figueiredo, Inês Sousa Real e Francisco Rodrigues dos Santos) estiveram sentados defronte a RAP entre 13 e 16 minutos.

    Na sua análise, a ERC considerou que “num programa em que a política se cruza com o entretenimento e em que os candidatos convidados para o programa beneficiam de grande visibilidade para apresentar os seus programas eleitorais, convicções e personalidade, a escolha de determinados entrevistados, com a exclusão de outros, deve ser objeto de especial ponderação, de modo a respeitar os princípios que enformam a atividade dos órgãos de comunicação social durante o período eleitoral”.

    O regulador não acolheu assim quaisquer dos argumentos da SIC que defendeu que o programa de RAP era “entretenimento de cariz humorístico” e que o autor tem “total independência”, pelo que, não se tratando de “um programa informativo, não está adstrito ao cumprimento das normas da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido e das leis eleitorais dirigidas a programas de atualidade informativa e serviços noticiosos”. O canal do Grupo Impresa advogou que “o critério de escolha dos convidados [era] também, por isso, do humorista, o qual tem total liberdade de conformação em relação a quem deseja [e a quem não deseja] receber no seu programa”.

    Catarina Martins teve pouco mais de metade do “tempo de antena” de António Costa.

    Admitindo que o boicote a Ventura e ao Chega foi intencional, a SIC defendeu RAP, dizendo que “o humorista tem total liberdade para não querer dar espaço, num programa de humor da sua autoria, à defesa de ideias que, do seu ponto de vista, atentem contra a dignidade da pessoa humana, igualdade e direitos, liberdades e garantias”.

    Esta defesa acabou mesmo por ser duramente criticada pela ERC: “O argumento aduzido pela SIC parece não ter cabimento, uma vez que, no que respeita aos vários partidos sem representação parlamentar, o programa apenas privilegiou o Partido RIR, não parecendo crível” que todos os partidos excluídos – num total de 12, uma vez que participaram 21 partidos nas legislativas deste ano – “atentam contra a dignidade da pessoa humana, igualdade e direitos, liberdades e garantias”.

    Quanto ao argumento de que o programa de RAP não é informativo, pelo que não tem de cumprir os mesmos preceitos legais dos programas informativos no que toca às campanhas eleitorais, a ERC também destrói a defesa da SIC, lembrando que a lei não circunscreve “o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas à cobertura jornalística da campanha ou a programas de atualidade informativa e a serviços noticiosos”.

    ERC defende que canais de televisão devem compensar desequilíbrios, mesmo se causados por programas de entretenimento.

    Assim, o regulador defende que “num programa em que a política se cruza com o entretenimento, em que os candidatos convidados para o programa beneficiam de uma visibilidade para apresentar os seus programas, convicções e personalidade, o operador não pode deixar de fazer uma reflexão sobre a escolha de determinados entrevistados, com a exclusão de outros, nos seus diversos programas”.

    Mais. A ERC frisa que “um programa de entretenimento, apesar de beneficiar de uma maior margem de discricionariedade na forma como aborda o período eleitoral, não pode – atento o seu potencial para conferir visibilidade aos candidatos e influenciar o sentido de voto –, deixar de ser objeto de avaliação de acordo com os princípios que enformam a atividade dos órgãos de comunicação social durante o período eleitoral”.

    O regulador recorda “que a SIC, enquanto serviço de programas televisivos, está obrigada a assegurar o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas e a garantir o pluralismo político-partidário”.

    Por isso, conclui que “o facto de se optar por não convidar determinadas candidaturas para o programa ‘Isto É Gozar Com Quem Trabalha’ imporia à SIC um especial cuidado em compensar desequilíbrios surgidos em virtude de opções editoriais no âmbito dos seus programas de entretenimento”.

  • Os protestos na China são contra uma estratégia de saúde pública ou contra a pura opressão autoritária?

    Os protestos na China são contra uma estratégia de saúde pública ou contra a pura opressão autoritária?

    O PÁGINA UM analisa uma recente notícia da Associated Press sobre as manifestações em Xangai e outras cidades chinesas. E aponta as falhas, agora recorrentes, da imprensa mainstream, desde a falta de contextualização política até à ausência completa e absurda de um enquadramento que tenha em consideração os mais actuais avaliações sobre a pandemia .


    A pergunta é legítima: por que motivo a imprensa mainstream e mesmo as grandes agências noticiosas, mesmo internacionais, publicam agora notícias importantes que apresentam falhas graves de informação e carecem de contexto?

    É por os jornalistas que as escrevem não deterem conhecimentos e ignorarem o contexto? É por negligência ou mesmo incompetência de editores? É propositado por indicação da política editorial ou comercial das empresas de media?

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    Esta semana, de novo, volta a repetir-se um cenário que tem sido comum desde o início da pandemia: notícias de agências noticiosas internacionais, divulgadas em massa pelos restantes meios de comunicação social, apresentam graves falhas de informação e de contexto.

    O caso de divulgação de notícias com falta de contexto, e até tendenciosas, por parte de agências noticiosas, é mais grave devido ao fenómeno das notícias recicladas – denominado como churnalism. Notícias são replicadas até à exaustão sem a devida verificação de factos e sem que os meios de comunicação social que as replicam assumam qualquer responsabilidade pela sua veracidade e qualidade.

    Saliente-se, desde já, que as agências noticiosas são cruciais e o seu trabalho é de fundamental importância. Habitualmente, é através das agências que os restantes meios de comunicação social conseguem rapidamente obter informação de todo o Mundo sobre conflitos ou catástrofes repentinas, mas também sobre todo o tipo de temas da actualidade, por terem correspondentes sempre presentes. Mas as redacções destas agências têm vindo a ser emagrecidas. Jornalistas com mais experiência são demitidos e, quando substituídos, surgem outros com pouca experiência.

    O advento da Internet e das redes sociais teve um papel relevante, já que hoje muita informação surge diretamente de internautas. O Mundo está muito mais rápido. Mas nada disto serve como justificação para as falhas que noticias cruciais continuam a apresentar. E ainda mais nos últimos anos.

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    Paradigmática desta situação é, por exemplo, a tendência crescente para uma certa complacência e falta de contexto propositado na cobertura de notícias sobre a China e sobretudo da sua abordagem à gestão da pandemia da covid-19. Mas esta tendência para a chinezisação dos media ocidentais será tema a abordar em análise futura.

    Foquemo-nos num exemplo de uma recente notícia de uma conhecida agência internacional para demonstrar como se falha na independência e isenção jornalística. Trata-se de uma notícia de ontem da Associated Press (AP), intitulada “Protests over China’s COVID controls spread across country”. Em tradução livre: “Protestos sobre medidas covid-19 na China alastram no país”.

    Primeiro, vale a pena sublinhar que esta notícia só foi divulgada pela imprensa mainstream quando já circulavam em abundância na Internet relatos, fotos e vídeos sobre a existência daqueles protestos, como se pode confirmar no canal China Uncensored. Ou seja, as agências noticiosas só acordaram quando se mostrou visível que estavam estranhamente a “dormir” sobre o assunto. Mas avancemos.

    Em causa, segundo a AP, e segundo a sua notícia, estão “os protestos contra as medidas de controlo antivirais na China, que confinaram milhões de pessoas nas suas casas” e que “espalharam-se para Xangai e outras cidades” após denúncias de que um incêndio urbano em Urumqi teria causado um número superior de vítimas face à contabilidade oficial. Naquela região, a política de confinamentos impede a saída das pessoas em quaisquer circunstâncias.

    Notícia da Associated Press analisada pelo PÁGINA UM.

    Continuemos com a notícia da AP que nos revela que “a polícia de Xangai usou spray de gás-pimenta contra cerca de 300 manifestantes, segundo uma testemunha”. A notícia acrescenta ainda: “Vídeos publicados nas redes sociais que dizem ter sido filmados em Nanjing, no leste, e em Guangzhou, no sul, e pelo menos cinco outras cidades, mostraram manifestantes a lutar contra a polícia vestida com fatos de proteção brancos ou a desmantelar barricadas usadas para selar bairros”.

    Ao fim da leitura de um título e dos três primeiros parágrafos, a primeira grande falha mostra-se óbvia: nenhuma menção ao facto de a China ser uma ditadura, um regime totalitário, tradicionalmente repressor e autoritário.

    Num regime ditatorial – que persegue minorias e opositores políticos e onde não existe liberdade de expressão –, o facto de se estar a aprisionar em casa milhões de pessoas deveria merecer dúvidas sobre a real justificação para esse acto. Além disso, convém recordar que um regime totalitário tem como principais instrumentos o controlo de informação e a manipulação de dados. Aliás, a propaganda é crucial em qualquer regime totalitário, como é o caso da China. Assim, contextualizando a situação chinesa, o leitor ficaria logo prevenido quanto à fiabilidade dos dados vindos do Governo chinês. 

    Protestos repelidos pela polícia chinesa, vestida com fatos brancos.

    Mas a segunda falta de contexto na notícia da AP é ainda mais perniciosa, porque remete para mitos criados em todo o Mundo relativamente ao controlo da pandemia. No quarto parágrafo da notícia refere-se que “o Governo do Presidente Xi Jinping enfrenta uma raiva crescente com a sua política de “zero-covid”, que tem encerrado o acesso a áreas em toda a China, numa tentativa de isolar todos os casos numa altura em que outros Governos estão a aliviar os controlos e a tentar viver com o vírus”.

    Naquele parágrafo está um dos erros básicos cometidos por jornalistas na cobertura do combate à pandemia da covid-19: escrevem acriticamente, como se fossem relações-públicas de Governos e autoridades de saúde.

    Assim, quando a notícia refere “tentativa de isolar todos os casos”, não está a ser isenta. Deveria antes referir “alegadamente, numa tentativa de isolar todos os casos”. Porquê? Porque é o Governo chinês que diz que as medidas drásticas – que incluem barricar casas, prédios e bairros inteiros – tem o objetivo de “isolar todos os casos” de covid-19.

    Não é o jornalista, nem a AP, que o dizem. É o Governo. E ainda por cima o Governo chinês – que comanda uma ditadura – a dar aquela justificação. Ao escrever aquela frase na notícia, a impressão que passa para o leitor é que se justifica barricar bairros e aprisionar milhões de pessoas nas suas casas; que é uma justificação “verdadeira” e essencial, apesar de tudo. Na verdade, o que o jornalista sabe, é que aquela é uma justificação dada pelo Governo. Apenas isso. Não é a verdade. Não é um facto.

    Mas, no parágrafo seguinte da notícia da AP, surge a grande machadada no jornalismo: “Isso [os confinamentos] manteve a taxa de infecção da China mais baixa do que a dos Estados Unidos e a de outros países”. Ora, afirmar isto, assim, é extremamente grave.

    Primeiro, porque os dados divulgados na China estão sempre ensombrados pela dúvida, porque se trata de uma ditadura, que controla e manipula a informação de forma sistemática. Aliás, todos deveríamos questionar como um país de quase 1,5 mil milhões de pessoas, e que conta 1,45 milhões de casos positivos – ou seja, 0,1% da sua população – e contabiliza oficialmente 5.233 óbitos por covid-19 – que assim matou 0,00036% da sua população –, pode justificar, por razões de saúde pública, medidas tão draconianas. Ou mente nos números da incidência e letalidade; ou então mente na justificação para as medidas, que nada têm de protecção da saúde pública.

    Segundo, em outros países os confinamentos falharam no propósito de reduzir os casos de covid-19, como comprovam diversos estudos científicos. Para a imprensa mainstream custa cada vez mais assumir que o país com o maior sucesso na redução de casos e na gestão da pandemia a médio e longo prazo foi a Suécia, que recusou, em geral, os confinamentos, bem como o uso de máscaras faciais – e preferiu uma política sustentável de saúde pública enquadrando a covid-19 num contexto global do ponto de vista sanitário e socio-económico. Ao contrário do que a notícia da AP veicula para o público, os confinamentos não reduzem o número de casos nem são um instrumento sensato de se usar em sociedade.

    Assim, com este tipo de notícias, a AP assume, mesmo que inconscientemente, o papel de porta-voz do regime chinês, porque “a taxa de infecção da China” é aquela que o Governo chinês quiser, e quiser que se saiba. Deve sempre um jornalista, por isso, na cobertura de temas de regimes que controlam a informação, ter o cuidado de mencionar que os dados são os divulgados por autoridades sem crédito, uma vez que num regime como o chinês os dados de uma pandemia podem ser verdadeiros ou ser fabricados para impor uma qualquer política. Aliás, nem só em ditaduras, diga-se: veja-se as dificuldades do PÁGINA UM em aceder a bases de dados em Portugal, que o obriga mesmo ao recurso a tribunal.

    Mas continuemos na análise. A notícia da AP prossegue então com a seguinte frase: “Mas o Partido Comunista no poder enfrenta crescentes queixas sobre os custos económicos e humanos à medida que as empresas se fecham e as famílias ficam isoladas durante semanas com limitado acesso a alimentos e medicamentos”.

    Finalmente, aqui temos a primeira menção de que se trata de um regime “comunista”. No quinto parágrafo, contudo. E acrescenta ainda a AP que “alguns manifestantes surgiram em vídeos a gritar para Xi se demitir ou o partido no poder resignar”, sem sequer se preocupar em contextualizar a relevância destas manifestações num país onde a liberdade de expressão e de manifestação é zero. Ou seja, haver manifestações deste género em Xangai é de uma relevância política e social sem precedentes desde Tiananmen.

    Mais à frente, a notícia informa que “os líderes partidários [chineses] prometeram, no mês passado, tornar as restrições menos disruptivas, facilitando a quarentena e outras regras, mas disseram que mantinham a política de “covid zero”. Como têm alertado cientistas e médicos, é impossível atingir “zero covid”, e começam a surgir estudos científicos independentes que demonstram o seu fracasso do ponto de vista económico e social. Mas esta informação de contexto não surge em lado algum na notícia da AP.

    A notícia continua com erros de análise e falta de contexto. Escreve ainda o jornalista da AP: “Entretanto, um aumento das infecções, que empurrou os casos diários acima dos 30.000 pela primeira vez, levou as autoridades locais a impor restrições que os residentes reclamam exceder o que é permitido pelo Governo nacional”. Primeiro, há aqui mais uma (habitual) falta de rigor na contabilização e contextualização dos números da pandemia, que foi erro grave mas corriqueiro desde o início de 2020.

    Na China, as actuais contagens de casos positivos variam diariamente, havendo dias em que se ultrapassaram efectivamente os 30 mil casos, mas nos dias anteriores os números foram muito mais baixos, da ordem dos poucos milhares. Em rigor, a média dos últimos sete dias na China anda agora pelos 25 mil casos positivos por dia, estando ao nível do pico de Abril deste ano. Mas atenção, 25 mil casos num universo de quase 1,5 mil milhões de pessoas é quase nada.

    Em Portugal, em Janeiro destes ano, chegámos aos 58 mil casos positivos (média móvel de sete dias) numa população de 10 milhões – ou seja, de menos de 1% da população chinesa. Haver 25 mil casos na China é como haver cerca de 173 casos por dia em Portugal. Actualmente, temos em Portugal uma média diária de 573 casos, o valor mais baixo do último ano.

    Onde está este tipo de enquadramento na notícia da AP?

    E depois, não acham estranho que em sete parágrafos da notícia da AP não surja nenhuma referência ao nível de vacinação contra a covid-19 na China? Não era suposto ser com a vacina que iria terminar com a pandemia e regressarmos à normalidade? Já agora, convém acrescentar que a vacinação contra a covid-19 na China é de 90,1%, segundo os mais recentes dados do Our World in Data. E mesmo assim justificam-se estes confinamentos atrozes? É tudo ainda por causa da covid-19? A AP nada questiona. A imprensa mainstream nada pergunta.

    Outra informação crucial ausente em toda a notícia da AP: o nível de letalidade da covid-19, a nível mundial e na China, antes e depois do surgimento das vacinas, antes e depois da dominância da variante Ómicron, e até por faixa etária, sabendo-se hoje, com Ciência, que os efeitos da pandemia foram praticamente nulos nas faixas mais jovens da população.

    Por exemplo, um artigo científico divulgado no mês passado, onde se destaca como autor John Ioannidis, o epidemiologista mais citado do Mundo, estimou, a partir de 31 estudos nacionais de seroprevalência sistematicamente identificados na era da pré-vacinação, que a taxa de mortalidade por infecção de covid-19 foi de 0,095% para os menores de 70 anos, sendo irrelevante nos grupos etários mais jovens. E apontou também que a taxa de letalidade global se situava entre 0,03% e 0,07% mesmo antes dos programas de vacinação e antes do surgimento da variante Ómicron.  Nada disto importou na notícia da Associated Press, bem como na generalidade das notícias da imprensa mainstream sobre a pandemia.

    Em suma, e sem prejuízo de relatar correctamente uma parte dos acontecimentos na China, a AP – tal como a generalidade da imprensa mainstream – continua a ser a imagem de uma comunicação social auto-sequestrada pela sua conduta durante a pandemia. E que justificou, mesmo no mundo ocidental, uma política de lockdowns nunca vista em tempo de paz, conduzindo a derivas totalitárias que hoje, com apreensão, vemos chegar a extremos na China. E que, a manter-se a falta de rigor informativo, exigível à comunicação social em democracias, podemos ver chegar à Europa um destes dias.

    Aliás, a mudança constitucional prometida pelo PS e pelo PSD, no que diz respeito à retirada de direitos civis em caso de supostas pandemias, não serve para fazer igual ao que se fez desde 2020; é para fazer bem pior. A China está ali para o demonstrar. E com a falta de rigor informativo, patente na imprensa mainstream ocidental, como aqui se demonstra, esse desfecho é não só possível como até aplaudido e comungado por jornalistas do regime.