No meio de críticas à gestão de conteúdos de produção externa, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) instaurou um processo contra a Cofina Media, dona da CMTV, por causa do programa “Falar Global”. Em causa está a emissão de conteúdos comerciais sem aviso ao telespectador, ainda mais feitos por jornalistas. A multa pode chegar aos 150 mil euros. Esta decisão veio no seguimento de uma notícia do PÁGINA UM, em Agosto passado, que revelou que o apresentador do programa, o jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida, é simultaneamente sócio único e gerente da Kind of Magic, tendo assinado contratos de prestação de serviços para o próprio “Falar Global”. A intervenção da ERC não teve, para já, quaisquer efeitos: nos mais recentes programas, até há uma secção de promoção de gadgets ao ‘estilo Calcitrin’ com a participação de uma jornalista.
Constitui um pequeno passo para acabar com a promiscuidade entre jornalismo e mercantilismo. No meio de muitas críticas, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) instaurou um processo de contraordenação à Cofina Media por causa do programa semanal da CMTV ‘Falar Global’, que transmite conteúdos comerciais num programa supostamente informativo com a participação de jornalistas e com uma ficha técnica onde surge o nome do director daquele canal televisivo e também do Correio da Manhã, Carlos Rodrigues.
A contraordenação, considerada grave, pode valer à nova dona da CMTV, que tem como sócio o futebolista Cristiano Ronaldo, uma multa entre os 20 mil e os 150 mil euros.
O caso foi noticiado pelo PÁGINA UM em Agosto passado, depois de se ter detectado no Portal Base que a Kind of Magic Unipessoal, uma empresa do autor do programa da CMTV, o jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida, assinara contratos de prestação de serviços de comunicação com entidades públicas, entre as quais a Universidade de Aveiro e a Câmara Municipal de Oeiras, para serem incluídos no programa semanal da CMTV.
Com a carteira profissional de jornalista 5887, Rodrigues Almeida também é administrador da Universidade Autónoma de Lisboa com os pelouros de Comunicação e das Relações Externas e de Acção Social, e tem a particularidade de se despedir efusivamente das pessoas com quem conversa durante o programa.
Note-se que o Portal Base apenas detecta contratos com entidades públicas, ignorando-se quais as parcerias comerciais que Rodrigues de Almeida terá estabelecido com empresas privadas. Por exemplo, numa das secções do programa, o Global Gadget, uma jornalista (Suely Costa) conversa sistematicamente com a mesma pessoa (Bruno Borges, da empresa iServices) sobre diversos gadgets, perguntando sempre pelas características e até pelo preço de venda ao público, e indicando mesmo um QR Code onde se pode fazer compra de imediato. Ao melhor estilo da ‘clássica’ publicidade dos programas da manhã ao Calcitrin.
De acordo com a Lei da Televisão, “os serviços de programas televisivos e os serviços de comunicação audiovisual a pedido, bem como os respectivos programas patrocinados”, devem ser “claramente identificados como tal pelo nome, logótipo ou qualquer outro sinal distintivo do patrocinador dos seus produtos ou dos seus serviços”. Algo que não sucedeu pelo menos nos casos de diversos contratos públicos revelados em Agosto passado pelo PÁGINA UM.
O primeiro em Agosto de 2015, no valor de 66.000 euros, para “aquisição dos serviços de produção de documentários e reportagens relativos à história dos edifícios que albergam os Centros Ciência Viva”; o segundo em Outubro de 2019, no valor de 15.000 euros, por “serviços para produção de conteúdos para jornal impresso, para newsletters digitais, co-gestão das redes sociais e realização de entrevistas no âmbito do Ciência 2019”; e o terceiro em Maio de 2020, no valor de 12.000 euros, para “aquisição de serviços de produção e comunicação de conteúdos no âmbito do Festival da Ciência Online 2020”.
No caso do segundo contrato, o caderno de encargos estipulou, entre outras funções incompatíveis com a função de jornalista, por serem da área do marketing, que a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida produzisse e editasse o jornal oficial do Encontro Ciência 2019 e realizasse 10 entrevistas diárias durante os três dias do evento. Um dos entrevistados foi o primeiro-ministro António Costa.
CMTV tentou convencer a ERC de que o programa Falar Global era uma produção externa com autonomia para evitar a contra-ordenação. A ficha técnica do programa não indica essa informação, constando a mesma ficha técnica da generalidade dos programas de informação do canal televisivo da Cofina Media.
Além desses três contratos, Reginaldo Rodrigues de Almeida ainda fez, a título pessoal, outro contrato em finais de Janeiro de 2021 com a presidente da Ciência Viva, Rosalia Vargas, para “aquisição de serviços especializados de apoio à estratégia de comunicação institucional da Rede de Clubes Ciência Viva na Escola”. O contrato nem sequer foi reduzido a escrito e ter-se-á executado em apenas dois dias a um custo de 17.500 euros, ou seja, 8.750 euros ao dia.
Num dos programas, Reginaldo Rodrigues de Almeida fez mesmo um papel duplo: jornalista e produtor de conteúdos para uma universidade. No programa ‘Falar Global’ que dedicou sobretudo ao evento Ciência 2023 realizado na Universidade de Aveiro em finais de Julho, através da sua Kind of Magic, sacou ele mais 24 mil euros num contrato com a Universidade de Aveiro para a “aquisição de serviços de gestão, realização e produção de conteúdos relativos ao plano de comunicação do evento Ciência 2023, a decorrer nos dias 5, 6 e 7 de julho”.
Ou seja, não tendo o dom da ubiquidade, Reginaldo Rodrigues de Almeida conseguiu estar no mesmo sítio – Universidade de Aveiro – a exercer duas funções, mas incompatíveis: jornalista, para o programa de informação ‘Falar Global’, e produtor de conteúdos para um plano de comunicação de um evento. Sem surpresa, o primeiro-ministro António Costa foi entrevistado, o mesmo sucedendo com Rosalia Vargas, presidente da Ciência Viva, e também Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, que também contratara a empresa Kind of Magic.
Carlos Rodrigues, director do Correio da Manhã e da CMTV. Mesmo depois do início do procedimento da ERC, nada foi alterado. O programa Falar Global continua exactamente como antes.
Na análise a apenas três programas de Reginaldo Rodrigues de Almeida na CMTV, a ERC começa por salientar que “a participação de jornalistas em conteúdos que resultam do pagamento de contrapartidas por entidades externas compromete não só o seu direito à autonomia e independência, como também o seu dever correspondente”, acrescentando também que “a salvaguarda da independência editorial implica a definição de uma clara esfera de proteção face aos interesses promocionais de entidades externas à redação”.
Salientando também que “daí decorre que a transparência e independência editorial não podem ser caucionadas de forma cabal em conteúdos pagos que são escritos por jornalistas”, o regulador destaca a singularidade de o jornalista, que é um dos autores do programa e que o apresenta [Reginaldo Rodrigues de Almeida] ser o proprietário da empresa (Kind of Magic) que celebrou os dois contratos com as entidades externas ao órgão de comunicação social, o Município de Oeiras e a Universidade de Aveiro, dos quais resultaram os conteúdos exibidos nas três edições do ‘Falar Global’ aqui em análise”.
Além de dar um conjunto de ‘recados’ críticos à CMTV, a ERC decidiu ainda remeter a sua deliberação para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) para “averiguação de eventual incumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas”, incluindo-se aqui também a jornalista Suely Costa, que se destaca nas conversas ‘amigáveis’ com um responsável da iServices onde se promovem comercialmente gadgets. Nos mais recentes programas, pode-se assistir a Suely Costa, que tem a carteira profissional de jornalistas 3519, a auxiliar a promoção da venda de auriculares com purificação de ar, de caixotes de lixo que fecham os sacos e até cotonetes electrónicos.
Saliente-se, contudo, que o envio do caso para a CCPJ tem uma elevada probabilidade de cair em saco roto. A ERC destaca que Reginaldo Rodrigues de Almeida e Suely Costa terão eventualmente incumprido dos deveres profissionais dos jornalistas, “previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, e na alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, do Estatuto do Jornalista”, onde se refere que “o exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias”, e que este tipo de profissionais deve “recusar funções ou tarefas susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade profissional”.
Mas a CCPJ tem argumentado que legalmente apenas pode agir do ponto de vista disciplinar se forem incumpridos os deveres previstos no nº2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalistas, razão pela qual outros escândalos de jornalistas a executarem tarefas comerciais têm ficado, até agora, impunes. Além disso, um dos três membros da secção disciplinar da CCPJ, Miguel Alexandre Ganhão, é editor de Política e Economia da CMTV e do Correio da Manhã.
N.D. No início do texto da deliberação da ERC refere-se, abusiva e lamentavelmente, que “deu entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (doravante, ERC), a 10 de julho de 2023, uma exposição de Pedro Almeida Vieira (Página Um), remetendo para a existência de dois contratos assinados pela empresa Kind of Magic, Unipessoal, Lda. (adiante, Kind of Magic), os quais anexa à sua comunicação“.
Não é a primeira vez que a ERC não responde a questões do PÁGINA UM (como foi o caso da missiva enviada a 10 de Julho para uma notícia que seria publicada apenas a 3 de Agosto) e as transforma em denúncias com os dados que são remetidos para enquadramento do (esperado) comentário. Não sou ingénuo: a ERC quer agir mas com a desculpa de ter sido ‘obrigada’ por um denunciante, ou seja, há um claro fito de me colocar no papel odioso de bufo. Pensava que isso seria uma má prática do Conselho Regulador do senhor juiz conselheiro Sebastião Póvoas, mas parece que está no DNA do regulador, porque se evidencia também logo no início do mandado da professora Helena Sousa.
Lamenta-se que o regulador dos media ignore, ou queira ignorar, no caso do PÁGINA UM, que o papel fundamental de um jornalista é descobrir situações irregulares, auscultar opiniões e revelar tudo como notícia. É isso que o PÁGINA UM fez, faz e fará, incluindo em matérias sensíveis para a imprensa e para o regulador como a promiscuidade de certos jornalistas que prestam serviços comerciais para entidades externas. Por isso, quando o PÁGINA UM se dirige à ERC a colocar questões, ainda mais dizendo para o que é, a ERC deve interpretar as questões como questões de jornalistas.
O director do PÁGINA UM quando quiser fazer uma exposição à ERC, identifica a exposição como sendo uma exposição. Ou seja, justifica ao que vai, como se sabe. Julgar-se-ia ser isto claro para o Conselho Regulador da ERC, mas parece não ser.
De resto, pessoalmente, considero que a ERC tem um papel fundamental na moralização do sector dos media, porque é evidente que a auto-regulação permitiu a ‘selva’ actual. Programas como o ‘Falar Global’, nos moldes apresentados, e a existência de pessoas como Reginaldo Rodrigues de Almeida a vestirem um fato (o de jornalista) que eticamente não se lhe encaixa, apenas contribuem para a degradação do jornalismo. Se o PÁGINA UM é odiado nos meios da imprensa por denunciar esses casos, não é por estar errado – é por estar certo.
Pode uma pequena ou grande empresa não pagar impostos ou taxas ao Estado anos a fio sem ser incomodada? Em princípio, não. Mas a Trust in News – a empresa de media que detém a Visão, a Exame e o Jornal de Letras, entre outros títulos – parece deter o “Santo Graal dos caloteiros”: com um capital social de apenas 10 mil euros, desde que se criou deixou de pagar grande parte (ou a totalidade) de impostos (e talvez também de contribuições à Segurança Social) e nem sequer consta da lista de devedoras ao Estado. O calote já vai em 11,4 milhões de euros, e só no ano passado subiu 3,2 milhões. O Ministério da Segurança Social cala-se e o Ministério das Finanças escuda-se no sigilo fiscal. A Trust in News mostra-se incontactável, ficando-se assim sem saber, por agora, quais as artes mágicas para um grupo de media funcionar com tamanha dívida ao Estado e com evidentes sinais de contabilidade criativa. Esta é a primeira notícia de um dossier de investigação.
Nota: Por “alerta” de pessoa com legitimidade, e reconhecendo a eventualidade de o uso de fotografias divulgadas livremente nas redes sociais poder ser considerado uma violação dos direitos autorais mesmo se de figuras públicas, o PÁGINA UM decidiu retirar algumas fotografias e substituí-las por uma imagem alusiva à transparência.
Na aparência, ninguém se apercebeu no Governo, mas a Trust in News – a empresa proprietária da revista Visão e de outras publicações como a Exame, a Caras e o Jornal de Letras, adquiridas à Impresa no início de 2018 – apresenta já, alegremente, uma dívida de 11,4 milhões ao Estado. A sua cobrança, a atender à situação financeira da empresa, mostra-se cada vez mais complexa, porque anda a subir vertiginosamente nos últimos quatro anos, conforme apontam as demonstrações financeiras analisadas pelo PÁGINA UM.
Só no ano passado, o calote ao Estado pela Trust in News aumentou 3,2 milhões de euros, o que dá mais de 12 mil euros em cada dia, mas os “esquecimentos” das obrigações fiscais (e eventualmente de contribuições à Segurança Social) da empresa unipessoal de Luís Delgado têm sido contínuos. De acordo com o balanço de 2018, o primeiro ano de actividade editorial, a Trust in News tinha “apenas” uma dívida ao Estado (e a entes públicos) de 942.820 euros, eventualmente ainda uma “herança” do negócio com o Grupo Impresa Pinto Balsemão.
Luís Delgado (à esquerda) comprou em 2 de Janeiro de 2018 à Impresa um conjunto de títulos, entre as quais a revista Visão, num negócio oficialmente envolvendo o pagamento de 10,2 milhões de euros. As dívidas ao Estado “dispararam” 10,8 milhões de euros desde a venda.
Em 2019, a dívida ao Estado subiu para quase 1,6 milhões de euros, e a partir de 2020 foi o descalabro. Luís Delgado conseguiu, contudo, o prodígio de não ser incomodado pela quase sempre inflexível máquina coerciva do Estado na cobrança de impostos e taxas, acumulando no último triénio, paulatinamente, mais de 3 milhões de euros em dívidas ao Estado em cada um dos anos.
O montante da astronómica dívida, que representa já 42% do passivo, não é assumida nem identificada quer pelo Ministério das Finanças quer pelo Ministério da Segurança Social. Este último, liderado por Ana Mendes Godinho, nem sequer respondeu ao PÁGINA UM. Quanto ao Ministério de Fernando Medina, embora tenham sido colocadas diversas questões específicas, o gabinete de imprensa decidiu apenas enviar uma frase, pedindo que deveria ser atribuída apenas à Autoridade Tributária: “A AT não se pronuncia sobre a situação tributária de contribuintes específicos, incluindo a tributação de operações concretas, pois estão protegidas pelo dever de sigilo fiscal, previsto no artigo 64º da Lei Geral Tributária”.
Mas esse sigilo fiscal não é absoluto. No artigo invocado pelo gabinete de Fernando Medina, refere-se que “não contende com o dever de confidencialidade a divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada, designadamente listas hierarquizadas em função do montante em dívida, desde que já tenha decorrido qualquer dos prazos legalmente previstos para a prestação de garantia ou tenha sido decidida a sua dispensa”.
Mafalda Anjos (primeira à esquerda), directora da Visão, foi também publisher de todos os títulos da Trust in News até Dezembro de 2022.
Ora, o PÁGINA UM tem consultado as listas de devedores tanto da Autoridade Tributária e Aduaneira como da Segurança Social, não aparecendo aí a Trust in News em nenhum dos escalões. A situação é extremamente estranha sobretudo porque, por exemplo, em 2021 a Trust in News até informou uma entidade pública de ter acabado o exercício fiscal do ano anterior com uma dívida de 5,1 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Mais estranho ainda é o facto de as publicações da Trust in News, como a revista Visão e o Jornal de Letras, assinarem com regularidade contratos de prestação de serviços ou de publicidade com entidades públicas. Somente com a situação fiscal e de segurança social regularizada se pode legalmente receber pagamentos de uma entidade pública. Recorde-se também que em Maio de 2020, o Governo pagou 406.088,99 euros à Trust in News por serviços de publicidade antecipada no âmbito dos apoios à comunicação social por causa da pandemia da covid-19.
A eventualidade de existência de um tratamento de favor à Trust in News por parte do Governo não merece qualquer comentário do Ministério das Finanças, mas certo é que a situação económica e financeira da dona da revista Visão – que durante a pandemia foi um dos grandes apoiantes da estratégia oficial – é assustadora.
Principais indicadores financeiros e económicos da Trust in News desde 2017 (ano de constituição)
A Trust in News – que tem apenas um capital social de 10 mil euros (semelhante à empresa do PÁGINA UM) – somava já, no final do ano passado, um passivo de quase 27,2 milhões de euros, um aumento de 48% face ao ano de 2018. Essa subida brutal do passivo (cerca de 8,9 milhões de euros) em apenas quatro anos de existência é inferior ao aumento de dívida ao Estado em igual período (cerca de 10,5 milhões), mas, em todo o caso, o endividamento a terceiros é absurdo face aos capitais próprios (pouco mais de 33 mil euros).
Nas contas de 2022, a dona da Visão diz também ter uma dívida de médio e longo prazo de quase 3,5 milhões de euros ao Novo Banco e uma de curto prazo de 752 mil euros ao Millennium BCP, além de um contrato de factoring com a mesma instituição bancária de quase 1,2 milhões de euros.
A existência de um passivo elevado não seria necessariamente mau, mas neste caso é por duas razões. Primeiro, porque as dívidas ao Estado não são propriamente “produtivas” – ou seja, não é um empréstimo para suportar activos geradores de receitas. Segundo, porque, do outro lado, o passivo tem, como contraparte, activos de valor real muito duvidoso.
Com efeito, analisando os balanços da Trust in News desde a sua existência, uma das rubricas mais importantes do activo são os activos intangíveis – ou seja, no caso de uma empresa de media, são sobretudo as marcas –, que a contabilidade de Luís Delgado atribui um valor de quase 11 milhões de euros. Basicamente, têm uma correspondência próxima da venda pela Impresa do portfólio das revistas há cinco ano (10,2 milhões de euros). Mas, na verdade, se o Estado penhorasse esses activos intangíveis para os vender no mercado – ou, pior ainda, se a Trust in News falisse –, o valor real seria praticamente irrelevante. Em termos práticos, os credores não recuperariam quase nada por uma alienação desses activos intangíveis.
António Costa, primeiro-ministro, Mafalda Anjos, directora da Visão, e Luís Delgado, proprietário da Trust in News, num evento em Abril de 2018. Nesta altura, a dívida ao Estado da empresa de media era inferior a um milhão de euros. No final de 2022 já ultrapassava os 11,4 milhões de euros. E ninguém no Governo se apercebeu.
Mais preocupante ainda é o aumento da enigmática rubrica “Outras contas a receber” no balanço da Trust in News, que estão separadas da rubrica de Clientes. Esta rubrica – que basicamente é dinheiro “empatado”, porque em princípio refere-se a serviços facturados mas ainda sem pagamento recebido – tem estado a crescer a olhos vistos. Em 2018 era de apenas 627 mil euros, subiu para 1,7 milhões em 2019, depois para 4,8 milhões no ano seguinte, e em 2021 situava-se já nos 7,6 milhões de euros. No final de 2022, esta rubrica já contabilizava quase 11,5 milhões de euros, ultrapassando os activos intangíveis. Estas duas rubricas – que em caso de falência podem resultar numa mão-cheia de nada – representavam, no final do ano passado, 82% do do total do activo. Em 2018 constituíam 63%.
Recorde-se que antes de vender o portfolio das revistas a Luís Delgado, oficialmente por 10,2 milhões de euros, a Impresa viu-se obrigada a assumir finalmente imparidades (ou seja, de uma forma simplificada, perdas por uma avaliação anterior excessiva) no valor de 22 milhões de euros. Como resultado, nesse ano (2017) de reconhecimento de imparidades, a Impresa apresentou um prejuízo recorde de quase 21,5 milhões de euros.
A somar a estes indicadores financeiros – acompanhados de uma redução significativa das vendas das revistas, que desceram de 17,5 milhões de euros em 2018 para 11,8 milhões de euros no ano passado – está o curioso facto de a Trust in News ter tido sempre lucros “à pele” em todos os anos de actividade.
Em Dezembro do ano passado, Mafalda Anjos entrevistou António Costa. A Trust in News estava, nessa altura, com uma dívida ao Estado acima dos 11 milhões de euros, mas sem surgir na lista de devedores.
Exceptuando 2017 – na fase de constituição e antes da formalização da compra das revistas à Impresa –, a empresa de Luís Delgado teve sempre lucros entre 10 mil e 20 mil euros nos anos de 2018, 2019 e 2020, baixou para 27 euros em 2021 e no ano passado apresentou um resultado líquido positivo de 1.061 euros. Em seis anos de exercícios fiscais, desde 2017 até 2022, a Trust in News conta com resultados positivos acumulados de pouco mais de 23 mil euros. Mas tudo isto graças ao brutal calote de 11,4 milhões de euros ao Estado. Como vai pagar – se é que Luís Delgado vai pagar –, ninguém tem, por agora, uma explicação.
O PÁGINA UM tentou por diversas vezes contactar a Trust in News, mas nunca obteve resposta. No site da empresa – que, ironicamente, controla 17 títulos da imprensa –, o único número de contacto telefónico que ali surge é o de um call center de atendimento a clientes (assinaturas de revistas), que somente após alguma insistência indicou um número da gerência (218705000).
Desde quinta-feira, o PÁGINA UM tentou esse contacto, sendo invariavelmente atendido por uma gravação com a seguinte mensagem: “Bem-vindo à Trust in News. A sua chamada encontra-se em fila de espera. Por favor, não desligue. Obrigado”. Depois de já ter aguardado, numa das chamadas, até 20 minutos, na última tentativa desligou-se, sem sucesso, ao fim de 10 minutos a ouvir-se a lengalenga com o bem-vindo e o pedido para se manter em linha. Nem sempre as chamadas foram efectuadas com o jornalista sentado.
N.D. Pelas 02:22 horas de 27 de Julho foi corrigida a referência à situação de Mafalda Anjos como publisher das revistas da Trust in News. Essa função foi desempenhada entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2022. Mafalda Anjos mantém-se agora apenas com directora das revistas Visão, Visão Saúde, Visão Biografia e A Nossa Prima, conforme consta da sua página no LinkedIn.
Não pára. E afinal havia mais. Anteontem, sexta-feira, houve nova emissão especial de notícias pagas na CMTV, desta vez para cumprir um contrato com a autarquia de Esposende, que desembolsou 19.900 euros, mais IVA. Mas as revelações do PÁGINA UM tornaram a “promoção” mais humilde: ao contrário dos outros 10 contratos, Esposende não teve Francisco Penim e Sofia Piçarra a servirem de mestres-de-cerimónia, mas apenas um jornalista (Manuel Jorge Bento) a falar duas vezes sobre “bolos” deste concelho nortenho. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas continuam sem reagir à mercantilização dos noticiários em Portugal.
Afinal, as comemorações dos 10 anos de CMTV – o canal por cabo da Cofina, associado ao Correio da Manhã – estão para lavar e durar, ou melhor dizendo, para pagar e durar, porque já não se restringem a 10 municípios portugueses, como inicialmente previsto. Na passada sexta-feira, Esposende foi palco de mais uma emissão especial da CMTV que incluiu reportagens jornalísticas ao longo do dia sobre este município nortenho em forma de “prestação de serviços” num contrato no valor de 19.900 euros, mais IVA.
Este contrato foi assinado na véspera da emissão, ou seja, na quinta-feira passada, e embora não esteja disponível o caderno de encargos no Portal Base, tudo deveria ter sido similar aos demais municípios onde a CMTV mercadejou jornalistas e notícias: apontamentos de reportagens durante a emissão do programa de entretenimento da CMTV, e depois coberturas noticiosas com reportagens e entrevistas conduzidas pelos jornalistas Francisco Penim e Sofia Piçarra.
Para aparecer na CMTV, Benjamim Pereira pagou 19.900 euros, mas Esposende acabou por ter uma cobertura mais “humilde” nos noticiários em comparação com outros 10 municípios, e sem a participação de Francisco Penim e Sofia Piçarra como mestres-de-cerimónia.
Pelo menos, até Esposende, foi assim que sucedeu em todos os 10 anteriores contratos, já revelados pelo PÁGINA UM que culminaram em emissões de reportagens, notícias e entrevistas de promoção de autarcas e dos municípios de Portimão (24 de Abril), Leiria (1 de Maio), Braga (17 de Maio), Beja (25 de Maio), Vila do Conde (mais propriamente em Caxinas, em 31 de Maio), Ourém (20 de Junho), Évora (25 de Junho), Coimbra (4 de Julho), Albufeira (8 de Julho) e Marco de Canavezes (13 de Julho). Em todos terão sido assinados contratos de prestação de serviços com um preço de 20.000 euros, cada, com excepção de Coimbra e de Leiria que pagaram 25.000 euros. Saliente-se, porém, que alguns não foram ainda inseridos no Portal Base.
Na última semana foi, aliás, colocado finalmente o contrato com a Câmara Municipal de Portimão, o município que inaugurou este ciclo de noticiários pagos com jornalistas a servirem também de mestres-de-cerimónia (MC). E, neste caso, em concreto, não são apenas as cláusulas que comprovam o mercadejar de jornalistas que arrepia; também as ilegalidades ao nível do código dos contratos públicos, que coloca este como ferido de nulidade.
Assim, apesar da emissão em Portimão ter ocorrido em 24 de Abril, este tem a data de 5 de Julho, ou seja, quase dois meses e meio depois. No documento denominado Convite salienta-se, por sua vez, que “a decisão de contratar [a Cofina] foi tomada por despacho do Sr. Vice-Presidente Álvaro Bila, datada de 10/5/2023”, ou seja, 17 dias depois de tudo feito. Outra evidência de um contrato forjado: a Cofina deveria entregar uma proposta “até às 17h00, do dia 15 de maio de 2023, através da Plataforma Eletrónica www.acingov.pt”, e teria de manter a respectiva proposta pelo prazo de 120 dias.
Os jornalistas Sofia Piçarra e Francisco Penim foram os mestre-de-cerimónias de 10 emissões pagas por autarquias, elogiando os concelhos e entrevistando autarcas e outras pessoas indicadas pelas Câmaras Municipais, que pagaram os programas de informação, onde ficaram explicitadas as horas dos directos. Já não estiveram presentes em Esposende, por coincidência após as revelações do PÁGINA UM.
Por fim, neste caderno de encargos assumido pelo município de Portimão salienta-se ainda que o contrato – que, na realidade, se executara no dia 24 de Abril – estaria em vigor até ao final do presente mês de Julho. Aparentemente, a única coisa não-falsa terá sido o pagamento de 25.500 euros pela Câmara Municipal de Portimão à Cofina. No meio de tudo isto, para um toque de Monty Python, a autarquia nomeou, como gestor do contrato, Pedro Poucochinho, chefe de divisão de Informação, Comunicação e Marca deste município algarvio.
No entanto, após as revelações pelo PÁGINA UM em redor do escandaloso mercadejar de notícias e reportagens pela CMTV, a prestação de serviços para Esposende acabou por se tornar mais “humilde”. Embora no programa de entretenimento da manhã, realizado na praia da Apúlia, tenha sido entrevistado o presidente da edilidade, Benjamim Pereira – que assim usou dinheiros públicos para se promover politicamente –, no resto do dia já não apareceram, desta vez, os jornalistas Francisco Penim e Sofia Piçarra, que sempre estiveram presente a louvar os outros 10 municípios e a entrevistarem autarcas e gentes locais.
De uma forma muito discreta, Esposende só teve “direito” a quatro pequenos blocos de reportagens conduzidos pelo jornalista Manuel Jorge Bento (CP 3955): duas com entrevistas a um técnico municipal, sobre moinhos e percursos dos Caminhos de Santiago, e duas a promover doçarias de duas pastelarias de Esposende. O autarca Benjamim Pereira vai desembolsar 19.900 euros por isto.
A cobertura noticiosa da CMTV em Esposende foi, desta vez, “mais bolos”. Duas das quatro aparições do jornalista Manuel Jorge Bento, para cumprir o contrato de prestação de serviços, foi a promover pastelaria naquele concelho nortenho.
Entretanto, recorde-se que a Cofina tentou, na última semana, apagar “vestígios” da mercantilização de jornalistas nos contratos de prestação de serviços com autarquias. Um longo best of dos noticiários pagos pelos municípios, incluindo as entrevistas a autarcas conduzidas pelos jornalistas Francisco Penim e Sofia Piçarra, que serviram de mestres-de-cerimónia, e que estiveram até à passada semana no canal do YouTube da Cofina Boost Solutions, o departamento comercial desta empresa de media, foi ostensivamente removido.
No total, a Cofina retirou do seu canal daquela rede social pelo menos 39 vídeos com trechos de diversos blocos informativos, nomeadamente do Jornal Portugal, Grande Jornal, Directo Notícias, Jornal das 6, Jornal das 7 e Grande Jornal, todos com conteúdos pagos produzidos por jornalistas acreditados da CMTV.
Além de Francisco Penim (CP 7364) – que foi director de programas da SIC e depois também da CMTV e só recentemente se tornou jornalista – e de Sofia Piçarra (CO 6024), já fizeram apontamentos de reportagem sobre os municípios pagantes os jornalistas Ana Inês Baptista (CP 8332), Aureliana Gomes (CP 5357), Mário Freire (CP 3723), José Lameiras (CP 7664), Isabel Jordão (CP 616) e a jornalista estagiária Débora Couceiro (TPE 470). Também surge, como jornalista, Ana Isabel Fonseca, embora não haja registo de possuir actualmente carteira profissional válida. Por norma, estas emissões eram coordenadas em estúdio por outros jornalistas, como foi o caso de Pedro Mourinho, curiosamente com a função de Director Novos Formatos da CMTV. Agora, a este lote, junta-se Manuel Jorge Bento (CP 3955).
Licínia Girão, presidente da CCPJ, ainda não se pronunciou sobre os contratos de prestação de serviços entre a Cofina e 11 municípios que culminou em jornalistas a fazerem reportagens pagas e a servirem de mestres-de-cerimónia.
Apesar das evidentes transgressões à Lei da Televisão, à Lei da Imprensa e ao Estatuto do Jornalista, nenhuma das entidades com responsabilidade na regulação e ética manifestou qualquer intenção de intervenção. Ou seja, até agora, nada em concreto fizeram a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Conselho Deontológico do Sindicato do Jornalista, o que constitui um sinal de impunidade, dando azo a que a Cofina continue a festejar os 10 anos de existência enquanto mercadeja jornalistas a troco de duas dezenas de milhar de euros por emissão.
Se assim for, aparentemente só haverá um problema: como ainda falta promover 297 dos 308 municípios nacionais, se o ritmo for apenas semanal, a CMTV demorará ainda mais de cinco anos e meio a executar a encomenda. A 20 mil euros por emissão, tem em todo o caso um potencial de encaixe próximo dos seis milhões de euros.
Absoluto e intencional. Na última semana foram removidos todos os trechos dos telejornais da CMTV que, no canal do Youtube da Cofina Boost Solutions, mostravam as polémicas emissões especiais dedicadas a 10 municípios que decidiram pagar entre 20 mil e 25 mil euros para “aparecerem” na televisão. Esta foi a forma expedita da empresa de media tentar “limpar” provas da comercialização de reportagem e entrevistas realizadas por jornalistas da CMTV como contrapartida pela “prestação de serviços” em contratos públicos. A Cofina terá recebido 200 mil euros de 10 autarquias, mas transgrediu normas da Lei da Televisão, da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista. Mas, para haver penalidades, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social terá de intervir, algo que, diz o regulador ao PÁGINA UM, não aconteceu, “até ao momento”.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) não viu ainda motivos para tomar qualquer medidas ou diligência para apurar as gravíssimas violações à Lei da Televisão, à Lei da Imprensa e ao Estatuto do Jornalista na execução dos contratos de prestação de serviços entre 10 municípios e a Cofina que culminou na emissão de programas noticiosos na CMTV onde as autarquias acabaram a definir os alinhamentos de reportagens e de entrevistas. Tudo com a participação de jornalistas.
Mas, entretanto, um longo best of dos noticiários pagos pelos municípios, incluindo as entrevistas a autarcas conduzidas pelos jornalistas Francisco Penim (CP 7364) e Sofia Piçarra (CP 6024), que serviram de mestres-de-cerimónia, e que estiveram até à passada semana no canal do YouTube da Cofina Boost Solutions, o departamento comercial desta empresa de media, foi ostensivamente removido. No total, a Cofina retirou do seu canal daquela rede social pelo menos 39 vídeos com trechos de diversos blocos informativos, nomeadamente do Jornal Portugal, Grande Jornal, Directo Notícias, Jornal das 6, Jornal das 7 e Grande Jornal, todos com conteúdos pagos produzidos por jornalistas acreditados da CMTV.
Pedro Mourinho, director de Novos Formatos da CMTV, no passado dia 8 de Julho, passando a emissão para Albufeira, onde Francisco Penim fez de mestre-de-cerimónias durante a prestação de serviços. Este e muitos outros vídeos que estavam na semana passada no canal de Youtube da Cofina Boost Solutions foram removidos.
Na semana passada, o PÁGINA UM fizera, aliás, um levantamento exaustivo desses noticiários, elencando dia e hora em que nove jornalistas da CMTV exerceram actividade que consubstancia execução de contratos comerciais, incluindo reportagem abonatórias sobre os municípios adjudicantes e entrevistas a autarcas e técnicos municipais. Todos foram removidos e os links indicam agora que “o vídeo já não está disponível”.
Além de Francisco Penim e Sofia Piçarra, fizeram apontamentos de reportagem sobre os municípios pagantes os jornalistas Ana Inês Baptista (CP 8332), Aureliana Gomes (CP 5357), Mário Freire (CP 3723), José Lameiras (CP 7664), Isabel Jordão (CP 616) e a jornalista estagiária Débora Couceiro (TPE 470). Também surge, como jornalista, Ana Isabel Fonseca, embora não haja registo de possuir actualmente carteira profissional válida. Por norma, estas emissões eram coordenadas em estúdio por outros jornalistas, como foi o caso de Pedro Mourinho, curiosamente com a função de Director Novos Formatos da CMTV.
Apesar destas evidências, a ERC apenas diz, passada uma semana dos factos revelados pelo PÁGINA UM, “que, até ao momento, não foi aberto procedimento relativamente aos contratos entre a Cofina e as autarquias mencionados”. Não foi adiantado o motivo nem se o caso cairá no esquecimento, tanto mais que a Cofina já apagou essas evidências públicas do canal do Youtube. Em todo o caso, como entidade fiscalizadora, a ERC pode exigir o envio dos noticiários que serviram para cumprir contratos comerciais com autarquias. O trabalho do PÁGINA UM facilitará o trabalho do regulador, se decidir não deixar incólume esta situação, uma vez que se registaram os dias e horas das reportagens e entrevistas feitas no âmbito da prestação de serviços por jornalistas aos 10 municípios.
Pesquisando hoje no canal da Cofina Boost Solutions confirma-se o “apagão” dos noticiários da emissão de 8 de Julho, que contou com a participação activa de Sofia Piçarra, Francisco Penim e Débora Couceiro. AS ERC pode, contudo, pedir as emissões à CMTV se desejar mesmo ter o papel determinado pela Constituição na regulação dos media.
Recorde-se que a propósito, ou com a justificação de comemorar os 10 anos de emissão da CMTV, a direcção de marketing da Cofina sondou autarquias pelo país para garantir apoio financeiro para emissões a partir da sede do concelho ou de outro local. A estratégia não é inédita em programas de entretenimento, mas já é proibida em programas de informação, mesmo se patrocinados. Quanto aos jornalistas, está vedado o desempenho de funções de apresentação de mensagens publicitárias, incluindo promoção, bem como funções de marketing, incluindo execução de estratégias comerciais.
Nos últimos três meses, com um modelo similar, a CMTV realizou emissões especiais de entretenimento e de programas de informação – tendo invariavelmente Francisco Penim e Sofia Piçarra como mestres-de-cerimónia – nos municípios de Portimão (24 de Abril), Leiria (1 de Maio), Braga (17 de Maio), Beja (25 de Maio), Vila do Conde (mais propriamente em Caxinas, em 31 de Maio), Ourém (20 de Junho), Évora (25 de Junho), Coimbra (4 de Julho), Albufeira (8 de Julho) e Marco de Canavezes (13 de Julho) . Em todos terão sido assinados contratos de prestação de serviços com um preço de 20.000 euros, cada, com excepção de Coimbra e de Leiria que pagaram 25.000 euros. Saliente-se, porém, que alguns não foram ainda inseridos no Portal Base. Hoje, o PÁGINA tentou fazer uma actualização, mas o servidor do Portal Base tem estado inoperacional para pesquisas.
Em todo o caso, entre os contratos já publicados no Portal Base (Marco de Canavezes, Ourém, Coimbra, Beja e Leiria), consultados e gravados pelo PÁGINA UM, ressaltam sobretudos as cláusulas detalhadas nos casos em que também estão publicados os cadernos de encargos. E é aí que deixa de haver margem para dúvidas sobre a promiscuidade e mesmo ilegalidade dos contatos: constam expressamente cláusulas que mostram que informação transmitida pelos noticiários da CMTV foram condicionados, e aceites pela direcção editorial, por uma entidade externa ao canal de televisão a troco de dinheiro. E mesmo que não houvesse dinheiro envolvido. Situações que violam, de forma marcante, a Lei da Imprensa, colocando também a questão se tal se verifica com entidades privadas cujos contratos não são públicos.
Os jornalistas Sofia Piçarra e Francisco Penim foram os mestre-de-cerimónias das 10 emissões, elogiando os municípios e entrevistando autarcas e outras pessoas indicadas pelas Câmaras Municipais, que pagaram os programas de informação, onde ficaram explicitadas as horas dos directos.
Por exemplo, no caso da emissão da passada semana em Marco de Canavezes, de acordo com o caderno de encargos, a CMTV comprometeu-se a fazer um alinhamento do programa de entretenimento Manhã CM, entre as 9 horas e as 11 horas, para encaixar “conteúdos dedicados ao território” daquele município. Neste programa foram já emitidas três reportagens, incluindo entrevistas, assinadas pelas jornalistas Ana Inês Baptista e Aureliana Gomes, bem como uma conversa com a presidente da edilidade, Cristina Vieira, que pagou todo o evento.
Já nos espaços informativos, iniciados às 11 horas, com o Jornal de Portugal, a CMTV comprometeu-se a fazer seis directos, com “pivots sénior” – Francisco Penim, que chegou a ser director de programas da SIC e também da própria CMTV – também no Grande Jornal da Tarde, na Rua Segura, no Directo CM, no Jornal às 7 e no Grande Jornal da Noite. No acordo comercial ficou estabelecido horário em que os jornalistas têm de entrar.
Nessa emissão, como em outras, conforme o PÁGINA UM já confirmou, o tom dos jornalistas é sempre encomiástico. Por exemplo, na sua entrada no noticiário das 11h30, Francisco Penim falou da “vista espectacular” a partir do Baloiço de Soalhães, na serra da Aboboreira, antes de entrevistar Gorete Babo, uma técnica superior da autarquia. De acordo com o caderno de encargos, a CMTV tinha de fazer um directo entre as 11 e as 13 horas. Depois disso, houve mais directos e entrevistas durante a tarde, incluindo a dois vereadores locais, Nuno Pinto e Pedro Pinto.
Cerca de duas dezenas de autarcas foram entrevistados em programas de informação das CMTV. Todos tiveram de pagar para “aparecer”. A entrevista com o presidente da autarquia de Albufeira, José Carlos Rolo, que pagou 20 mil euros para também aparecer no noticiário, foi agora apagado do canal de YouTube da Cofina Boost Solutions.
Pela leitura de outros contratos com cadernos de encargos fica-se também a saber que foram as autarquias que indicaram as pessoas a serem ouvidas pelos programas da CMTV, ou seja, não foram nem o director de programas nem o director de informação. Isso mesmo se observa no caderno de encargos do contrato com a Câmara Municipal de Leiria, onde se refere que “caberá ao Município de Leiria fazer os convites a individualidades/ empresas a fazerem-se representar no programa e proporem à produção.”
Além disto, as autarquias pagaram e também suportaram a logística das emissões e o sustento (comida e estadia) de 17 profissionais da CMTV, incluindo jornalistas e técnicos, durante dois dias. Em alguns casos, foram concedidas contrapartidas publicitárias, talvez com o intuito de justificar, eventualmente junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que a cobertura noticiosa não foi paga.
Em suma, as 10 autarquias substituíram-se à própria CMTV como produtores, a troco de dinheiro.
Não se diga, porém, que a CMTV tenha sido “forçada” a este tipo de contrato, uma vez que, pela leitura do caderno de encargos com o município de Ourém, terá sido a própria Cofina a seduzir as autarquias acenando-lhes com as benesses. Num e-mail enviado em 31 de Março por João Santana, director comercial da Cofina, ao presidente da autarquia de Ourém, propõe-se, “no seguimento da nossa conversa telefónica”, as condições para se conseguir “uma solução que assegure a prossecução da relação de parceria que entendemos existir entre a CM de Ourém e a Cofina”.
Mensagem do director da Cofina enviada à autarquia de Ourém combinando as condições contratuais, onde ficou claro que o município interferiria no alinhamento da informação e mesmo das pessoas a serem entrevistadas.
João Santana, que envia a comunicação com conhecimento de dois operacionais da Cofina Media, diz que a CMTV pretende, a pretexto dos seus 10 anos de existência, “dar visibilidade a 10 concelhos, divulgando localmente o que de melhor se faz nos pilares SOCIAL, AMBIENTAL, ECONOMIA, EDUCAÇÃO, CULTURA, SAÚDE” [sic], acrescentando que “esta é a forma de estar próximo de quem faz e de quem merece o protagonismo”.
Sobretudo, acrescente-se, também por quem esteja disponível, com dinheiros públicos, a “comparticipar a execução deste dia especial na CMTV”, para o qual o director comercial da Cofina solicita “um apoio de 20.000€, investimento esse que nos permitirá suportar uma parte dos custos das emissões ao longo do dia a partir da cidade de Ourém.”
O despudor com que os negócios da Cofina Media foram feitos, e depois executados por jornalistas da CMTV ao longo das emissões já transmitidas – com discursos constantemente elogiosos que tornam anúncios publicitários como algo pouco ousado –, é tamanho, que a própria Cofina colocou no seu canal do YouTube uma exaustiva sequência com os “best of” até dos programas de informação no âmbito dos contratos de prestação de serviços
Assim, a título de exemplos, no dia 25 de Maio, dedicado a Beja, o contato permitiu a emissão de três reportagens do jornalista Francisco Penim – duas das quais envolveram entrevistas com responsáveis da autarquia, incluindo Marisa Saturnino, vereadora da Câmara Municipal de Beja – e uma da jornalista Sofia Piçarra.
O contrato com o município de Vila do Conde, em 31 de Maio, envolveu sete directos em programas de informação, incluindo reportagens e entrevistas, nomeadamente com o presidente da autarquia, Victor Costa, a vice-presidente, Sara Margarida Lobão, dois vereadores e até a secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho. A cobertura “jornalística” deste “especial” esteve a cargo dos jornalistas Francisco Penim, Sofia Piçarra e Fátima Vilaça.
No dia 20 de Junho, na emissão especial paga pela autarquia de Ourém, houve direito a 10 peças “informativas”, incluindo entrevistas ao presidente da edilidade, Luís Albuquerque, à vice-presidente, Isabel Costa, a dois vereadores e uma técnica municipal. Além dos dois habituais jornalistas nestas emissões “especiais”, cobriu o evento a jornalista Isabel Jordão.
Cláusulas técnicas do caderno de encargos do contratos entre a Cofina e o município de Leiria, onde consta que caberia à autarquia fazer os convites a quem seria entrevistado.
Em Évora, numa emissão exclusiva no dia 25 de Junho, foi mais do mesmo. Foram entrevistados em diferentes “peças”, o presidente da autarquia, Carlos Pinto de Sá, o vice-presidente, Alexandre Varela, um historiador do município, Gustavo Val-Flores, e ainda Elsa Oliveira, técnica municipal da Divisão de Educação e Intervenção Social. Aqui, o jornalista José Lameiras juntou-se à dupla Piçarra-Penim, autênticos mestre-de-cerimónias e relações públicas, na cobertura da emissão em Évora.
Quanto a Coimbra, “estrela” da emissão especial de 4 de Julho, quase não houve quem não falasse na vereação. Nos oito directos, deu para entrevistar José Manuel Silva, presidente da Câmara Municipal, Francisco Veiga, vice-presidente, mais quatro vereadores e dois representantes de duas divisões da Câmara. O jornalista Mário Freire completou o trio de jornalistas que executou o contrato da emissão especial paga (25.000 euros) pela Câmara Municipal de Coimbra.
No dia 8 de Julho, na emissão a partir de Albufeira, contam-se no canal do Youtube da Cofina oito directos e reportagens que incluíram uma entrevista ao presidente da autarquia, José Carlos Rôlo, emitida no Grande Jornal, pouco depois das 21 horas. Débora Couceiro foi a jornalista que se juntou à dupla habitual desta emissão para executar o contrato com o município de Albufeira.
Depois da notícia da passada semana, o PÁGINA UM contactou, além da ERC, o director da CMTV, Carlos Rodrigues, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, presidida por Licínia Girão, e também o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, liderado por João Paulo Meneses. Somente esta última entidade reagiu, mas falando de “cebolas”, quando o PÁGINA UM tinha perguntado por “alhos”.
A Cofina, dona do canal televisivo CMTV, arrecadou mais de 200 mil euros para promover 10 municípios, através de programas de entretenimento e de informação. A troco de valores a rondar os 20 mil ou os 25 mil euros, as autarquias puderam assim indicar locais e pessoas a entrevistar, incluindo autarcas, de acordo com cadernos de encargos consultados pelo PÁGINA UM. Nas 10 emissões, incluindo a de hoje em Marco de Canavezes, foram entrevistados cerca de duas dezenas de autarcas e até a secretária de Estado das Pescas. O agora jornalista Francisco Penim, antigo director de programas da SIC e também da CMTV, foi o mestre-de-cerimónias das emissões, com a também jornalista Sofia Piçarra. Mas houve mais jornalistas envolvidos.
Se a Cofina cumprir detalhada e zelosamente o contrato de prestação de serviços assinado hoje, e colocado também hoje no Portal Base, entre as 19h45 e as 21h30, no Grande Jornal da Noite da CMTV, terão os jornalistas Francisco Penim (CP 7364) e Sofia Piçarra (CP 6024) concluído a execução de uma “encomenda informativa” feita pelo município de Marco de Canavezes, que viola, de forma escandalosa, a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Tudo ao preço, neste caso, de 19.900 euros, mais IVA, claro.
Mas este “episódio” de Marco de Canavezes não foi caso único. Pelo contrário, fez parte de um pacote. A propósito, ou com a justificação de comemorar os 10 anos de emissão da CMTV, a direcção de marketing da Cofina sondou autarquias pelo país para garantir apoio financeiro para emissões a partir da sede do concelho ou de outro local. A estratégia não é inédita em programas de entretenimento, mas já é proibida em programas de informação, mesmo se patrocinados. Quanto aos jornalistas, está vedado o desempenho de funções de apresentação de mensagens publicitárias, incluindo promoção, bem como funções de marketing, incluindo execução de estratégias comerciais.
Duarte Siopa e Ágata Rodrigues, apresentadores do Programa Manha CM, entrevistados por Francisco Penim. Mesmo nos programas de entretenimento foram introduzidas peças noticiosas da autoria de jornalistas sobre os municípios que pagaram a promoção, além de autarcas a serem entrevistados.
Nos últimos três meses, com um modelo similar ao de Marco de Canavezes, a CMTV já realizou emissões especiais de entretenimento e de programas de informação – tendo invariavelmente Francisco Penim e Sofia Piçarra como mestres-de-cerimónia – também para os municípios de Portimão (24 de Abril), Leiria (1 de Maio), Braga (17 de Maio), Beja (25 de Maio), Vila do Conde (mais propriamente em Caxinas, em 31 de Maio), Ourém (20 de Junho), Évora (25 de Junho), Coimbra (4 de Julho) e Albufeira (8 de Julho). Em todos terão sido assinados contratos de prestação de serviços com um preço de 20.000 euros, cada, com excepção de Coimbra e de Leiria que pagaram 25.000 euros. Saliente-se, porém, que alguns não foram ainda inseridos no Portal Base.
De entre os contratos já publicados no Portal Base (Marco de Canavezes, Ourém, Coimbra, Beja e Leiria), consultados pelo PÁGINA UM, ressaltam sobretudos as cláusulas detalhadas nos casos em que também estão publicados os cadernos de encargos. E é aí que deixa de haver margem para dúvidas sobre a promiscuidade e mesmo ilegalidade dos contatos: constam expressamente cláusulas que mostram que informação transmitida pelos noticiários da CMTV foram condicionados, e aceites pela direcção editorial, por uma entidade externa ao canal de televisão a troco de dinheiro. E mesmo que não houvesse dinheiro envolvido. Situações que violam, de forma marcante, a Lei da Imprensa, colocando também a questão se tal se verifica com entidades privadas cujos contratos não são públicos.
Com efeito, por exemplo, no caso da emissão de hoje em Marco de Canavezes, de acordo com o caderno de encargos, a CMTV comprometeu-se a fazer um alinhamento do programa de entretenimento Manhã CM, entre as 9 horas e as 11 horas, para encaixar “conteúdos dedicados ao território” daquele município. Neste programa foram já emitidas três reportagens, incluindo entrevistas, assinadas pelas jornalistas Ana Inês Baptista (CP 8332) e Aureliana Gomes (5357), bem como uma conversa com a presidente da edilidade, Cristina Vieira, que pagou todo o evento.
Os jornalistas Sofia Piçarra e Francisco Penim os mestre-de-cerimónias das 10 emissões, elogiando os municípios e entrevistando autarcas e outras pessoas indicadas pelas Câmaras Municipais, que pagaram os programas de informação, onde ficaram explicitadas as horas dos directos.
Já nos espaços informativos, iniciados às 11 horas, com o Jornal de Portugal, a CMTV comprometeu-se a fazer seis directos, com “pivots sénior” – Francisco Penim, que chegou a ser director de programas da SIC e também da própria CMTV – também no Grande Jornal da Tarde, na Rua Segura, no Directo CM, no Jornal às 7 e no Grande Jornal da Noite. No acordo comercial ficou estabelecido horário em que os jornalistas têm de entrar.
Aliás, na emissão de hoje, conforme o PÁGINA UM já confirmou, Francisco Penim foi pontual no compromisso, executando a preceito o clausulado no contrato: entrou às 11h30 para um discurso encomiástico sobre “a vista espectacular” a partir do Baloiço de Soalhães, na serra da Aboboreira, antes de entrevistar Gorete Babo, uma técnica superior da autarquia. De acordo com o caderno de encargos, a CMTV tinha de fazer um directo entre as 11 e as 13 horas. Depois disso, houve mais directos e entrevistas durante a tarde, incluindo a dois vereadores locais, Nuno Pinto e Pedro Pinto.
Mas houve mais, uma vez que o caderno de encargos exigia, “com conteúdos”, a realização de “entrevistas com vários representantes da cidade sobre temas de interesse para o concelho (ex: indústria do granito, vinhos verdes, gastronomia, artesanato) e reportagens em locais emblemáticos (Museu Carmen Miranda, Cais de Bitetos, Igreja de Santa Maria, Estação Arqueológica de Tongobriga, Igreja de Santa Maria).”
Cerca de duas dezenas de autarcas foram entrevistados em programas de informação das CMTV. Todos tiveram de pagar para “aparecerem”.
Pela leitura de outros contratos com cadernos de encargos fica-se também a saber que foram as autarquias que indicaram as pessoas a serem ouvidas pelos programas da CMTV, ou seja, não foram nem o director de programas nem o director de informação. Isso mesmo se observa no caderno de encargos do contrato com a Câmara Municipal de Leiria, onde se refere que “caberá ao Município de Leiria fazer os convites a individualidades/ empresas a fazerem-se representar no programa e proporem à produção.”
Além disto, as autarquias pagaram e também suportaram a logística das emissões e o sustento (comida e estadia) de 17 profissionais da CMTV, incluindo jornalistas e técnicos, durante dois dias. Em alguns casos, foram concedidas contrapartidas publicitárias, talvez com o intuito de justificar, eventualmente junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que a cobertura noticiosa não foi paga.
Em suma, as 10 autarquias substituíram-se à própria CMTV como produtores, a troco de dinheiro.
Não se diga, porém, que a CMTV tenha sido “forçada” a este tipo de contrato, uma vez que, pela leitura do caderno de encargos com o município de Ourém, terá sido a própria Cofina a seduzir as autarquias acenando-lhes com as benesses. Num e-mail enviado em 31 de Março por João Santana, director comercial da Cofina, ao presidente da autarquia de Ourém, propõe-se, “no seguimento da nossa conversa telefónica”, as condições para se conseguir “uma solução que assegure a prossecução da relação de parceria que entendemos existir entre a CM de Ourém e a Cofina”.
Mensagem do director da Cofina enviada à autarquia de Ourém combinando as condições contratuais, onde ficou claro que o município interferiria no alinhamento da informação e mesmo das pessoas a serem entrevistadas.
João Santana, que envia a comunicação com conhecimento de dois operacionais da Cofina Media, diz que a CMTV pretende, a pretexto dos seus 10 anos de existência, “dar visibilidade a 10 concelhos, divulgando localmente o que de melhor se faz nos pilares SOCIAL, AMBIENTAL, ECONOMIA, EDUCAÇÃO, CULTURA, SAÚDE” [sic], acrescentando que “esta é a forma de estar próximo de quem faz e de quem merece o protagonismo”.
Sobretudo, acrescente-se, também por quem esteja disponível, com dinheiros públicos, a “comparticipar a execução deste dia especial na CMTV”, para o qual o director comercial da Cofina solicita “um apoio de 20.000€, investimento esse que nos permitirá suportar uma parte dos custos das emissões ao longo do dia a partir da cidade de Ourém.”
O despudor com que os negócios da Cofina Media foram feitos, e depois executados por jornalistas da CMTV ao longo das emissões já transmitidas – com discursos constantemente elogiosos que tornam anúncios publicitários como algo pouco ousado –, é tamanho, que a própria Cofina colocou no seu canal do YouTube uma exaustiva sequência de “best of” dos programas de entretenimento e de informação no âmbito dos contratos de prestação de serviços.
Assim, a título de exemplos, no dia 25 de Maio, dedicado a Beja, o contato permitiu a emissão de três reportagens do jornalista Francisco Penim – duas das quais envolveram entrevistas com responsáveis da autarquia, incluindo Marisa Saturnino, vereadora da Câmara Municipal de Beja – e uma da jornalista Sofia Piçarra.
O contrato com o município de Vila do Conde, em 31 de Maio, envolveu sete directos em programas de informação, incluindo reportagens e entrevistas, nomeadamente com o presidente da autarquia, Victor Costa, a vice-presidente, Sara Margarida Lobão, dois vereadores e até a secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho. A cobertura “jornalística” deste “especial” esteve a cargo dos jornalistas Francisco Penim, Sofia Piçarra e Fátima Vilaça.
No dia 20 de Junho, na emissão especial paga pela autarquia de Ourém, houve direito a 10 peças “informativas”, incluindo entrevistas ao presidente da edilidade, Luís Albuquerque, à vice-presidente, Isabel Costa, a dois vereadores e uma técnica municipal. Além dos dois habituais jornalistas nestas emissões “especiais”, cobriu o evento a jornalista Isabel Jordão.
Cláusulas técnicas do caderno de encargos do contratos entre a Cofina e o município de Leiria, onde consta que caberia à autarquia fazer os convites a quem seria entrevistado.
Em Évora, numa emissão exclusiva no dia 25 de Junho, foi mais do mesmo. Foram entrevistados em diferentes “peças”, o presidente da autarquia, Carlos Pinto de Sá, o vice-presidente, Alexandre Varela, um historiador do município, Gustavo Val-Flores, e ainda Elsa Oliveira, técnica municipal da Divisão de Educação e Intervenção Social. Aqui, o jornalista José Lameiras juntou-se à dupla Piçarra-Penim, autênticos mestre-de-cerimónias e relações públicas, na cobertura da emissão em Évora.
Quanto a Coimbra, “estrela” da emissão especial de 4 de Julho, quase não houve quem não falasse na vereação. Nos oito directos, deu para entrevistar José Manuel Silva, presidente da Câmara Municipal, Francisco Veiga, vice-presidente, mais quatro vereadores e dois representantes de duas divisões da Câmara. O jornalista Mário Freire completou o trio de jornalistas que executou o contrato da emissão especial paga (25.000 euros) pela Câmara Municipal de Coimbra.
No dia 8 de Julho, na emissão a partir de Albufeira, contam-se no canal do Youtube da Cofina oito directos e reportagens que incluíram uma entrevista ao presidente da autarquia, José Carlos Rôlo, emitida no Grande Jornal, pouco depois das 21 horas. Débora Couceiro foi a jornalista que se juntou à dupla habitual desta emissão para executar o contrato com o município de Albufeira.
Para já, o PÁGINA UM identificou 10 jornalistas a exercerem actividade que consubstancia execução de contratos comerciais. E continuará a aprofundar este assunto, assente em factos, nos próximos dias.
O jornalismo costumava ser o watchdog da gestão pública, mas afinal, nos últimos anos, práticas ilegais e eticamente reprováveis foram cometidas pelas próprias empresas de media. A fiscalização da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – que até foi branda e deixou escapar demasiados responsáveis editoriais – não apenas detectou “jornalistas comerciais”. Também se apanhou 15 contratos públicos forjados, sobretudo com autarquias, entre as quais a de Lisboa, então presidida por Fernando Medina, e a de Viana do Castelo, então liderada pelo actual secretário de Estado do Mar. Mas a ERC também considera que padecem de nulidades um contrato do Ministério da Economia e até um assinado por uma associação empresarial que tem Marcelo Rebelo de Sousa como presidente honorário. Impresa, Global Media, Cofina e Trust in News deverão ser agora “condenadas” a devolver os montantes pagos em contratos forjados, e os gestores públicos multados.
Nulos – e como se nunca tivessem existido. São 15 os contratos assinados por quatro empresas de comunicação social “apanhados” pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que estarão feridos de nulidade por a data da sua celebração ser posterior às datas em que foram executados os serviços prestados.
As deliberações do regulador – que, neste caso em concreto, incidem sobre alguns dos contratos públicos assinados sobretudo nos últimos três anos pela Impresa, Global Media, Trust in News e Cofina – terão já sido enviadas para o Tribunal de Contas, a entidade com competência para declarar a nulidade do contrato. Por norma, nestas circunstâncias, o Tribunal pode mandar devolver as verbas às entidades públicas e aplicar sanções aos dirigentes públicos que assinaram os contratos.
Domingos de Andrade, durante um evento pago à Global Media pela autarquia de Setúbal, corporiza o “novo jornalismo” português: escreve notícias, dirige órgãos de comunicação social e estabelece parcerias comerciais para promover entidades, não se importando com o cumprimento de normas de contratação pública.
Pela leitura das sete deliberações da ERC, divulgadas na sua totalidade na semana passada, contabiliza-se um contrato ilegal assinado pela Impresa , dois pela Trust in News, cinco pela Cofina e sete pela Global Media.
De entre as entidades públicas que se disponibilizaram a forjar contratos encontram-se sobretudo autarquias – oito, no total, incluindo a de Lisboa, então liderada pelo actual ministro das Finanças, Fernando Medina –, mas também duas empresas municipais (de Gaia e de Lisboa), o Instituto Politécnico de Portalegre, o Instituto Camões, a COTEC (uma entidade empresarial, que tem Marcelo Rebelo de Sousa como presidente honorário) e até o Ministério da Economia, através da sua Secretaria-Geral.
De acordo com diversas deliberações públicas da ERC – que têm estado a ser analisadas pelo PÁGINA UM –, em relação à Impresa está em causa um contrato com a EMEL, assinado pelos seus administradores Luís Natal Marques e Francisco Ramalhosa. Assinado em 26 de Fevereiro de 2020, no valor de 13.500 euros, tem como objecto a “aquisição de serviços para publicação de editorial com conteúdos publicitários sobre os 25 anos” desta empresa municipal de Lisboa.
Contrato entre EMEL e Impresa, para um suplemento do Expresso, considerado ilegal pela ERC. O Tribunal de Contas foi chamado a declarar nulidade.
Porém, o dossier sobre mobilidade que o sustenta já tinha sido publicado no Expresso em 7 de Dezembro de 2019 – ou seja, 81 dias antes do contrato –, sob a coordenação do jornalista José Miguel Dentinho, que estará agora, se a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) decidir actuar, sujeito a um processo disciplinar por ter executado tarefas jornalistas em cumprimento a um contrato comercial.
No caso da Trust in News – a empresa que tem como título principal a Visão –, o regulador detectou dois contratos ilegais para pagar publicações na revista Exame
No primeiro caso, envolveu um pagamento de 50.000 euros por parte da COTEC Portugal à TIN Publicidade e Eventos. O contrato serviu para formalizar a “aquisição de serviços de elaboração, produção e impressão de duas revistas, em formato físico e digital, assim como de 6 (seis) newsletters a desenvolver para e com a COTEC Portugal, no âmbito do Programa Advantage 4.0.”
Saliente-se que a COTEC Portugal é uma associação privada sem fins lucrativos constituída em Abril de 2003 na sequência de uma iniciativa do então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, mas tem um estatuto que a obriga ao cumprimento das normas de contratação pública. Tem, actualmente, Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente Honorário.
Marcelo Rebelo de Sousa é presidente honorário da COTEC Portugal, associação empresarial que assinou um contrato forjado com a Trust in News. Foto: Rui Ochoa/ Presidência da República
O contrato em causa foi assinado pela então presidente da COTEC Portugal, Isabel Furtado, em 28 de Dezembro de 2020, mas um dos suplementos da revista Exame, enviado pela Trust in News à ERC, já tinha sido afinal publicado 10 meses antes, em Fevereiro daquele ano.
Embora a ERC não se tenha mostrado interessada em escalpelizar as newsletters e a outra revista, nem o caderno de encargos do contrato – onde, geralmente, se especificam em concretos as obrigações –, “apanhou” o director da revista Exame, Tiago Freire, a escrever o editorial desse primeiro suplemento, razão pela qual integra a lista de 14 “jornalistas comerciais” enviados à CCPJ pela ERC.
O segundo contrato ilegal da Trust in News foi assinado com o Instituto Camões em 15 de Dezembro de 2020 pelo seu actual presidente, o embaixador João Ribeiro de Almeida. Envolvendo o pagamento de 31.099,30 euros para a produção e publicação de um encarte editorial na edição quinzenal saída em 2 de Dezembro, ou seja, 13 dias antes da data do contrato. Apesar de a Trust in News até admitir que houve jornalistas envolvidos, não os identificou, e a ERC não se interessou em saber quem foram.
No caso dos seis contratos da Global Media, todos envolveram autarquias: Barreiro, Valongo, Lisboa, Aveiro (dois contratos), Setúbal e Estarreja.
Em relação a autarquia do Barreiro, o contrato está associado ao pagamento de 19.995 euros pela “aquisição de serviços de comunicação no âmbito dos 500 anos da autarquia do Barreiro”.
Câmara do Barreiro pagou quase 20 mil euros por um debate e cobertura noticiosa no Diário de Notícias. O debate foi moderado pela então subdirectora do DN e directora do Dinheiro Vivo, Joana Petiz (primeira, à direita). ERC concluiu que o contrato é nulo.
A ERC verificou que o contrato foi assinado em 30 de Agosto de 2021, mas afinal a cobertura noticiosa de um dos eventos contratualizados realizou-se em 25 de Junho. Saliente-se que a Global Media confessou que um desses eventos, uma conferência, teve a moderação da então directora-adjunta do Diário de Notícias, Joana Petiz, mas a ERC não considerou que estaria a executar um contrato comercial, ao contrário da jornalista que escreveu sobre o evento (Alexandra Costa), que integra a lista de 14 “jornalistas comerciais”.
Por sua vez, o contrato com a Câmara Municipal de Valongo teve um pagamento associado de 7.500 euros para “aquisição de serviços de comunicação e divulgação do evento ‘Switch to Innovation Summit’”, tendo sido assinado em 22 de Junho de 2021. Neste caso, a ERC acreditou que foi apenas publicidade, com um problema: foram inseridos no Jornal de Notícias uma semana antes da celebração do contrato.
Contudo, na verdade, o contrato envolveu a participação de jornalistas da Global Media no evento pago pela Câmara Municipal de Valongo, em tons encomiásticos. Foi o caso do jornalista Paulo Ferreira, também investigador no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, que participou activamente no evento, moderando um debate com o presidente da edilidade. Ferreira não poderia ser mais louvaminheiro de Valongo, agradecendo o facto de o Jornal de Notícias ter sido convidado a ser media partner “nesta excelente iniciativa”.
Jornalista Paulo Ferreira (primeiro à esquerda), do Jornal de Notícias, não poupou elogios ao presidente da autarquia de Valongo, José Manuel Ribeiro (segundo, à esquerda), que pagou o evento à Global Media, mas num contrato nulo.
“Temo-nos habituado a olhar para Valongo como um município provocador no sentido de elaborar um conjunto de iniciativas que, como se diz hoje, saem um bocadinho da caixa”, afirmou Paulo Ferreira na introdução ao debate, congratulando-se de o periódico da Global Media já ter feito outros eventos com esta autarquia. José Manuel Ribeiro, autarca que pagou o evento, foi classificado por este jornalista do Jornal de Notícias como um dos “convidados” de “alto gabarito” do debate, completado com mais elogios grandiloquentes.
No final do debate de 50 minutos, Paulo Ferreira despediu-se de José Manuel Ribeiro, e em nome “da direcção do Jornal de Notícias” agradeceu o convite e o desafio para “sermos media partner”, sem referir que houve um pagamento pela função. A ERC ignorou estes factos que consubstanciam a promoção feita por jornalistas a uma entidade pública pagadora.
Quanto ao contrato da autarquia de Lisboa com a Global Media, que nem sequer foi reduzido a escrito, envolveu o pagamento de 17.500 euros e foi assinado em 24 de Maio de 2021, para, segundo consta no Portal Base, a “aquisição de serviços de campanha de comunicação para divulgação e promoção do seminário ‘O investimento público no pós-pandemia’, a realizar nos Paços do Concelho”.
ERC analisou pela “rama” parcerias polémicas entre entidades públicas e empresas de media, mas não se importou com a participação dos directores editoriais, culpando apenas jornalistas que escreveram artigos abrangidos por contratos.
Neste caso, a ERC caiu no logro das justificações da Global Media, porque na sua deliberação diz que “trata-se de um anúncio publicitário a um evento organizado pelo Município de Lisboa, publicado numa edição eletrónica do Diário de Notícias”, e também na edição em papel de 19 de Maio, ou seja, cinco dias antes do contrato.
No entanto, bastaria a ERC fazer uma simples pesquisa na Internet para confirmar que a participação do Diário de Notícias num contrato de 17.500 euros foi mais do que publicar anúncios.
Na verdade, o evento foi transmitido pelo site do Diário de Notícias, “com abertura garantida pelo [então] líder do executivo municipal, Fernando Medina”, tendo marcado “presença o vereador João Paulo Saraiva e o economista Alfredo Marvão Pereira como keynote speakers”. Na segunda parte, houve um debate com António Saraiva, então presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), e Augusto Mateus, professor e antigo ministro da Economia, “numa conversa moderada por Rosália Amorim, diretora do DN”. O então ministro do Planeamento, Nelson de Souza, ministro do Planeamento, encerrou a iniciativa.
Assim, apesar da evidente participação activa da directora do Diário de Notícias numa prestação de serviços para a Câmara Municipal de Lisboa, envolvendo autarcas que pagaram o serviço à sua entidade empregadora, Rosália Amorim não foi identificada para a lista de “jornalistas comerciais” agora a contas, se assim o Plenário da CCPJ, com processos disciplinares por violação do Estatuto do Jornalista.
Seminário pago pela Câmara Municipal de Lisboa à Global Media foi moderado pela directora do Diário de Notícias, que depois publicaria uma notícia sobre o evento. Este artigo noticioso é da autoria do jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que embora detectado como “jornalista comercial” em conteúdos comerciais para o Expresso, não foi, neste caso, “fiscalizado” pela ERC.
Curiosamente, o Diário de Notícias até publicou uma notícia sobre o seminário, na data do contrato (24 de Maio), destacando sobretudo a intervenção de Fernando Medina, que pagou, através dos cofres autárquicos, a operação de promoção. O artigo noticioso foi escrito pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que não foi alvo de análise neste caso, pese embora tenha sido identificado pela ERC como “jornalista comercial”, mas por conteúdos escritos para o Expresso.
Em relação à autarquia de Aveiro, o primeiro contrato ilegal com a Global Media refere-se à “aquisição de serviços de organização da conferência “Aveiro no Centro da Resposta à Pandemia”, no âmbito do “JN Praça da Liberdade – Ciclo de Conferências”, contra o pagamento de 65.000 euros. O contrato foi assinado em 3 de Novembro de 2020.
Também aqui a ERC fez uma análise pela rama, acreditando que se tratou apenas de “um anúncio publicitário a um evento organizado pelo Município de Aveiro, publicado na edição impressa de 16 de outubro de 2020 do Jornal de Notícias”, em data anterior à da celebração do contrato. Mais uma vez, além do contrato assinado fora do prazo, houve mais factos irregulares não analisados pelo regulador.
Fernando Medina, então presidente da autarquia de Lisboa, pagou, em Maio de 2021, um total de 17.500 euros à Global de Notícias para promoção pública da sua acção política. O Diário de Notícias cobriu o evento, mas ERC diz que contrato é nulo por violação das regras de contratação pública. Foto: Luís Filipe Catarino/CML
Com efeito, a ERC nem sequer procurou saber o que era a “JN Praça da Liberdade” por pesquisa na Internet, não verificando assim que o contrato englobava a organização de uma conferência no dia 23 de Outubro de 2020 – ou seja, duas semanas antes da sua celebração por ajuste directo, também sem redução a escrito.
Na página do YouTube da Câmara Municipal de Aveiro até se pode visualizar a entusiástica abertura de Ribau Esteves, presidente da edilidade que pagou à Global Media, agradecendo ao jornalista Domingos de Andrade, também administrador da Global Media e director da TSF, por ser o “desafiador desta Praça da Liberdade”.
Embora a conferência tenha sido apagada entretanto do site do Jornal de Notícias, ainda se encontra no portal do YouTube da autarquia de Aveiro uma intervenção de 21 minutos e 4 segundos de Ribau Esteves a promover a recuperação e a saúde financeira da sua edilidade. A promoção do autarca, numa conferência apresentada como conteúdo editorial, foi feita afinal sob o pagamento de uma factura de 65.000 euros saídos dos cofres públicos.
A intervenção de Ribau Esteves tem, aliás um aspecto agora algo irónico. O autarca social-democrata aproveitou para lançar um forte ataque à intervenção do Tribunal de Contas, no controlo da corrupção, e está agora sujeito à acção do Tribunal de Contas que, com elevadíssima probabilidade, considerará nulo o contrato entre a Câmara Municipal de Aveiro e a Global Media.
Câmara Municipal de Aveiro fez dois contratos forjados com a Global Media. Num dos eventos, Ribau Esteves até chegou a criticar a acção do Tribunal de Contas, que agora deverá considerar nulos aqueles contratos.
Além deste, um outro contrato da autarquia de Aveiro, assinado em 19 de Dezembro de 2019 com a Global Media, estará também ferido de nulidade. A ERC diz que a Global Notícias lhe enviou um “anúncio publicitário” impresso na edição de 6 de Dezembro, ou seja, duas semanas antes da formalização do contrato. Mas, estranhamente, o regulador não foi mais longe para desvendar os contornos de um contrato com um valor significativo (110.000 euros) que não se poderia esvair num mero anúncio publicitário.
O contrato no Portal Base – no valor de 110.000 euros, repita-se – é completamente omisso sobre o âmbito do “evento ‘Sai pra Rua’ no âmbito do projecto ‘Boas Festas em Aveiro’”, porque tudo é remetido para um caderno de encargos não divulgado. Mas a ERC poderia exigir a sua entrega por via das suas funções fiscalizadoras. Não o fez.
Em todo o caso, o PÁGINA UM detectou um programa da Câmara Municipal de Aveiro sobre essa iniciativa, que decorreu entre 1 de Dezembro de 2018 e 14 de Janeiro de 2019.
Quanto ao contrato com a autarquia de Setúbal, foi assinado em 3 de Março de 2020 para uma conferência do Jornal de Notícias sobre regionalização, que também já desapareceu do site deste periódico, mas que ainda se encontra no site do município. Para promover a campanha a favor da regionalização, a conferência contou também com os então presidentes das autarquias dos Porto, Rui Moreira, de Oeiras, Isaltino Morais, e de Loures, Bernardino Soares, ficando estabelecido o pagamento de 19.997 euros.
O problema é que o contrato, não reduzido a escrito, estipulava um prazo de execução de 12 dias, mas o evento apenas se realizou em 25 de Novembro. Ou seja, está em incumprimento das normas de contratação pública, sendo nulo.
Maria das Dores Meira, então presidente da autarquia de Setúbal, pagou quase 20 mil euros por um evento organizado em 2021. Mas o contrato, assinado em Março, estipulava um prazo de execução de 12 dias. O evento só se realizou em Novembro. ERC defende nulidade do contrato.
Curiosamente, Domingos de Andrade, o jornalista e administrador da Gobal Media, teve um papel particularmente interventivo no evento, sendo até citado no site da Câmara Municipal de Setúbal. Segundo um artigo camarário, Domingos de Andrade “realçou o facto de a regionalização ser um processo ‘assombrado por contradições, avanços e recuos, cavando o aumento do fosso entre as regiões’”, e que defendeu que, “embora para os opositores da regionalização a situação económica e social em que a pandemia de covid-19 deixou o país ‘sirva de pretexto para novos adiamentos’, esta ‘mostrou a falta que faz um nível intermédio de legitimidade política’”.
Por fim, o sexto contrato ilegal entre autarquias e a Global Media ocorreu com a Câmara Municipal de Estarreja para a organização de eventos, no valor de 6.000 euros, de acordo com o Portal Base.
Segundo a ERC, tratou-se de anúncios numa edição electrónica do Jornal de Notícias e na edição impressa de 16 e 22 de Fevereiro de 2020 sobre o Carnaval, ou seja, antes da data do contrato, que ocorreu em 28 de Fevereiro. No entanto, no Portal Base, onde surge a referência ao facto de o contrato não ter sido reduzido a escrito, foi acrescentada a informação de uma redução do pagamento para apenas 4.000 euros, uma vez que “não foi realizado um dos eventos contratualizado – GARCICUP 2020 (COVID-19)”. A ERC não aprofundou estas incongruências.
Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias, é uma recordista na participação de eventos pagos à Global Media por entidades públicas e privadas. Passou “pelos pingos da chuva” na análise feita aos contratos públicos por parte da ERC.
Em relação aos cinco contratos da Cofina, estão em causa relações comerciais com o Instituto Politécnico de Portalegre, com a empresa municipal Gaiurb, as autarquias municipais de Viana do Castelo e Albufeira e ainda a Secretaria-Geral do Ministério da Economia.
De acordo com a deliberação da ERC, o Instituto Politécnico de Portalegre assinou um contrato de prestação de serviços com a Cofina, em 25 de Maio de 2022, no valor de 74.950 euros, para “prestação de serviços de informação e publicidade no âmbito do Projeto Guardiões”.
A ERC considerou aceitável que a Cofina justificasse um montante tão elevado (74.500 euros) através da inserção de apenas três comunicados de imprensa, devidamente identificados como tal, na Sábado e Jornal de Negócios. E apenas apontou como grave terem sido publicados antes da celebração do contrato, pelo que sinalizou o facto junto do Tribunal de Contas.
No caso da Gaiurb – a empresa municipal de urbanismo de Vila Nova de Gaia –, a ERC comprovou que se tratava exclusivamente de um contrato comercial, com conteúdos inseridos na secção C-Studio, mas com data de contrato posterior à execução dos serviços. Com efeito, o contrato foi celebrado em 10 de Novembro de 2021, mas a ERC confirmou que os vídeos feitos estiveram disponíveis a partir de Junho desse ano, ou seja, mais de quatro meses antes. Por quatro vídeos, a Cofina recebeu 53.000 euros da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que nos últimos anos tem sido pródiga a distribuir dinheiro pelos principais grupos de media.
A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, presidida pelo Eduardo Vítor Rodrigues, é uma das autarquias que mais dinheiro distribui pelos diversos grupos de media.
Quanto ao contrato com a autarquia de Viana do Castelo, em causa está a “prestação de serviços para organização de seminário e divulgação – Economia Azul”, assinado em 17 de Setembro de 2021, num valor de 13.500 euros. A ERC detectou, ou quis apenas detectar, que o contrato integrava a realização de um webinar (seminário) sobre Economia Azul (relacionada com os recursos económicos do mar), noticiado no Jornal de Negócios, que decorreu em 9 de Setembro daquele ano, ou seja, cerca de uma semana antes da celebração do contrato.
Mas, na verdade, houve mais do que isto no decurso do webinar propriamente dito. Por causa da pandemia, teve presenças físicas e online, durante cerca de duas horas, e que se encontra ainda disponível no portal do YouTube da autarquia de Viana do Castelo. E embora a ERC não se tenha debruçado sobre esta questão, o webinar teve a introdução da directora do Jornal de Negócios, Diana Ramos, que falou que o ciclo de conferência contava com “o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo”, agradecendo o “acolhimento”, e omitindo completamente a existência de um contrato de prestação de serviços e de pagamentos.
Através de uma mensagem transmitida em vídeo, a directora do Jornal de Negócios não foi, aliás, nada parca em elogios ao município, de “uma cidade ligada ao mar e aos princípios da sustentabilidade”, que pagou o evento à Cofina.
Em 9 de Setembro de 2021, Diana Ramos, directora do Jornal de Negócios, participou por vídeo num webinar pago pela autarquia de Viana do Castelo, tecendo um vasto rol de elogios. O contrato foi assinado uma semana depois. A ERC diz estar ferido de nulidade.
Diana Ramos opinou até que “Viana do Castelo está, aliás, a construir um percurso de centralidade na área da inovação e da nova Economia Azul, e que já tem reflexos cá dentro e lá fora”, e que “para esse caminho tem sido essencial a atracção de investimentos e de projectos de empresas estrangeiras na área das energias renováveis marinhas, a criação de uma plataforma multiusos de testes e ensaios com a participação de um conjunto de centros de investigação e desenvolvimento, e a presença de uma fileira industrial relevante na área da construção das embarcações e das plataformas off shore.
Ao concluir, Diana Ramos acrescentou que “este webinar pretende, por isso, destacar o conjunto de activos e dinâmicas que esta cidade [Viana do Castelo] apresenta no domínio da Economia Azul”. O discurso oral de Diana Ramos, um autêntico panegírico ao município que pagou o evento, evidenciava ter sido previamente escrito.
O Estatuto do Jornalista considera incompatível “a apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias”, algo que se mostra patente no discurso da directora do Jornal de Negócios, ademais sabendo-se da existência do contrato com a entidade que Diana Ramos elogiou. Aliás, o Estatuto de Jornalista também proíbe funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem.
Contudo, a ERC não se debruçou sobre esta matéria, e a directora do Jornal de Negócios não foi listada nos “jornalistas comerciais” identificados pelo regulador dos media para envio à CCPJ para eventuais processos disciplinares.
Filipe Fernandes, jornalista do Jornal de Negócios, foi “pau para toda a obra” em contratos da Cofina. Moderou um seminário em Viana do Castelo e escreveu conteúdos comerciais em cumprimento de, pelo menos, quatro contratos analisados pela ERC.
Menos sorte, em comparação com a sua directora, teve o jornalista Filipe Fernandes. Além de ter sido mestre-de-cerimónias do webinar – que contou, entre outros, com a presença de António Nogueira Leite, presidente do Forum Oceano, que co-organizou o evento, e do presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, António Cunha –, este jornalista ainda assinou textos de um suplemento impresso no Jornal de Negócios em 23 de Setembro. Daí constar como um dos 14 “jornalistas comerciais” identificados pela ERC.
Mas o maior absurdo deste webinar – ou melhor, a falácia junto dos leitores sobre um evento pago à Cofina pela Câmara Municipal de Viana do Castelo – observou-se, porém, na intervenção do então presidente da edilidade. Apesar de José Maria Costa, que agora ocupa a Secretaria de Estado do Mar, saber bem aquilo que se combinara – o pagamento de 13.500 euros à Cofina para a realização do evento –, não teve pejo de dizer o seguinte: “A minha primeira palavra é, naturalmente, de agradecimento ao Forum Oceano e ao Jornal de Negócios por nos darem a oportunidade de participar neste evento”.
Por seu turno, o contrato da Cofina com a autarquia da Albufeira envolveu uma verba bem superior (70.000 euros), mas com contornos que evidenciam uma clara aquisição de serviços de promoção de imagem sob a forma de notícias e utilização de jornalistas. O caderno de encargos não consta no Portal Base nem a ERC o solicitou à Cofina, pelo que apenas se sabe que o contrato serviu para aquisição de um “plano de comunicação, valorização e divulgação da marca Albufeira a nível nacional”, estando com data de 27 de Abril de 2021.
José Maria Costa, actual secretário de Estado do Mar, presidia à autarquia de Viana do Castelo em 2021, quando pagou 13.500 euros à Cofina. Chegou a agradecer publicamente ter sido convidado para o evento (que pagou). ERC diz que contrato é nulo.
Além de detectar que houve notícias escritas pelo jornalista Filipe Fernandes – que, aliás, foi um “pau para toda a obra” da Cofina, porquanto na deliberação da ERC é referenciado como autor de textos comerciais em quatro contratos (Viana do Castelo, Melgaço, Comunidade Intermunicipal do Cávado e Albufeira) –, o regulador verificou que houve notícias sobre Albufeira publicadas, no âmbito deste contrato, entre os dias 8 e 10 de Abril. Ou seja, mais de duas semanas antes da celebração do contrato, daí que o Tribunal de Contas irá agir.
Mas aquilo que mais surpreende, neste caso, acaba por ser o teor das notícias associadas ao contrato, que aparentam ser “normais”, isto é, não há vestígios aparentes (para os leitores) de se tratar de artigos comprados. Com efeito, uma dessas notícias, assinadas por Filipe Fernandes, aborda “a aplicação Albufeira Safe” que pretenderia ser “um instrumento de turismo responsável com todos os cuidados sanitários para visitantes e residentes”. A fonte da notícia era Délio Pescada, chefe de gabinete do presidente da autarquia de Albufeira, a adjudicante do contrato de 70.000 euros pagos à Cofina.
Outra notícia, também assinada por Filipe Fernandes, tratou de “vender o peixe” de uma empresa de venda de peixe de Albufeira, a Nutrifresco, mas num tom perfeitamente jornalístico. Ou melhor dizendo, sendo um produto comercial apresentada como publicidade redigida (por jornalista).
ERC demorou quase um ano a analisar contratos públicos com grupos de media, mas nem sequer analisou os cadernos de encargos.
Estas duas notícias tinham, contudo, ligação íntima a um seminário de três dias, que decorreu em Albufeira, nos dias 8, 9 e 10 de Abril daquele ano, no âmbito do denominado Albufeira 21 Summit. O evento foi transmitido ininterruptamente em directo pelas plataformas da revista Sábado e do Jornal de Negócios. Mas aqui a ERC nada quis ver sobre promiscuidades entre a autarquia de Albufeira e os órgãos de comunicação social da Cofina.
E houve muita. Muita cobertura supostamente noticiosa, sobretudo pela estação de televisão CMTV, como se pode confirmar numa síntese dos serviços noticiosos que consta no site da Cofina Boost Solution. Aí encontra-se referência da parceria com a revista Sábado, então dirigida pelo jornalista Eduardo Dâmaso, mas sem ser feita qualquer menção a pagamento por prestação de serviços.
Aliás, Eduardo Dâmaso, que esteve muito activo na conferência de promoção de Albufeira durante os três dias, nesse vídeo de síntese da cobertura do evento pela CMTV diz mesmo que “qualquer empresa de media tem, obviamente, a obrigação de acompanhar este tipo de discussões que são decisivas para um concelho como Albufeira mas também para o país”. A Cofina tinha então, na verdade, dupla obrigação, uma vez que estava mesmo obrigada contratualmente a honrar os compromissos para receber os 70.000 euros da autarquia algarvia.
CMTV fez cobertura noticiosa de evento pago à Cofina (70.000 euros) pela autarquia de Albufeira. ERC só decretou contrato nulo por violação de normas da contratação pública. O regulador não analisou promiscuidades que envolveram jornalistas da CMTV e até o antigo e actual director da revista Sábado.
Nas sessões do evento, que ainda constam na plataforma do Youtube da Câmara Municipal de Albufeira, visualizadas pelo PÁGINA UM, surge sempre como mestre-de-cerimónias uma jornalista e pivot da CMTV, Daniela Polónia, que esteve intensamente ao serviço da conferência. Mas detectou-se também a participação activa de mais jornalistas da Cofina, e com responsabilidades editoriais. Foram os casos de Eduardo Dâmaso – que, no último dia, numa intervenção de cerca de 15 minutos, teceu variados elogios à autarquia – e de Nuno Tiago Pinto, então chefe de redacção da revista Sábado e seu actual director, que moderou um debate no dia 9.
Nenhum destes três jornalistas foram listados pela ERC como “jornalistas comerciais”, uma vez que não terão escrito nada – como Filipe Fernandes –; só deram corpo e voz na execução de contratos comerciais.
Por fim, o contrato de prestação de serviço entre a Secretaria-Geral do Ministério da Economia com a Cofina tratou-se, na verdade, de uma encomenda para “produção de conteúdos e respectiva publicação no Jornal de Negócios”, através de diversos suplementos denominados “Negócios Iniciativas – A Indústria em Tempos de Pandemia”, tendo o IAPMEI como alegado parceiro.
Pelo menos uma parte dos textos de execução dos contratos foram assinados pelo director-adjunto do Jornal de Negócios, Celso Filipe, e pelo jornalista António Larguesa, de acordo com a deliberação da ERC.
Embora o regulador não tenha procurado pelo caderno de encargos, não disponível no Portal Base, o contrato no valor de 18.000 euros foi assinado em 1 de Julho de 2020, sendo que os suplementos foram publicados entre 30 de Abril e 21 de Maio, razão pela qual também o Tribunal de Contas terá sido também já chamado a intervir.
Contas feitas, os 15 contratos que correm forte risco de serem considerados nulos pelo Tribunal de Contas atingem um montante global de 568.041 euros.
N. D. Apesar de nesta nossa notícia já se apresentar o acesso a algumas das sete deliberações da ERC sobre contratos públicos com grupos de media (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público) – que, aliás, são públicos no site da ERC –, optou-se por aguardar a publicação de um terceiro artigo de investigação no PÁGINA UM, para então as listar no nosso servidor.
Demorou mais de um ano, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) analisou várias dezenas de contratos comerciais entre entidades públicas, incluindo Governo e autarquias, e as principais empresas de media. Para já, destacam-se, em sete deliberações, a identificação de 14 jornalistas que cumpriram tarefas para a execução dos contratos, algo incompatível com a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Nunca antes houve tantos casos suspeitos de “jornalismo comercial”, que agora ficam nas mãos da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, com funções disciplinares. Mas a ERC deixou na maior das impunidades os directores editoriais, mesmo se muitos são mestres-de-cerimónia em eventos pagos. Só o director da Exame e o director-adjunto do Jornal de Negócios foram “apanhados”.
ESTA NOTÍCIA MERECEU UM DIREITO DE RESPOSTA SOLICITADO POR CELSO FILIPE, DIRECTOR-ADJUNTO DO JORNAL DE NEGÓCIOS, PUBLICADO VOLUNTARIAMENTE PELO PÁGINA UM, QUE PODE SER LIDO AQUI.
Numa acção sem precedentes, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) identificou 14 jornalistas por escreveram conteúdos pagos em resultado de contratos assinados por grupos de media.
Em sete processos abertos em reacção a questões colocadas pelo PÁGINA UM em Junho do ano passado, no âmbito exclusivo da sua função jornalística, após uma notícia sobre o financiamento dos media, o regulador decidiu analisar mais de meia centena de contratos com entidades públicas assinados por sete grupos de media (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público), a análise do regulador foi feita de forma a inocentar as direcções editoriais dos órgãos de comunicação social.
ERC demorou quase um ano a analisar contratos públicos com grupos de media, mas nem sequer analisou os cadernos de encargos.
Com excepção de Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios (Cofina) e do director da Exame (Trust in News), nenhum outro director dos media analisados – entre os quais o Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF, Expresso, Visão, Público, SIC e TVI – foram identificados pela ERC como tendo participado activamente na execução de contratos comerciais, mesmo se, por exemplo, uma parte substancial deles participa regularmente como moderador de eventos pagos.
São, por exemplo, os casos já detectados pelo PÁGINA UM de Mafalda Anjos (directora da Visão), Rosália Amorim (directora do Diário de Notícias), David Pontes (antigo director-adjunto e actual director do Público), Manuel de Carvalho (director do Público até Maio deste ano), Inês Cardoso (directora do Jornal de Notícias) e Joana Petiz (antiga directora do Dinheiro Vivo, que foi agora dirigir O Novo).
Na esmagadora maioria das situações, estes directores editoriais participam como mestres-de-cerimónias de eventos patrocinados, ou seja, como moderadores. E, em última análise, são responsáveis pela cobertura noticiosa desses eventos, que em muitos casos estão previstos nos cadernos de encargos. Isto é, os directores são obrigados contratualmente a dar cobertura noticiosa, o que significa uma ingerência externa considerada ilegal pela Lei da Imprensa.
Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios, é o único jornalista a integrar equipas editoriais que foi apanhado na “teia” larga da ERC.
Além de processos de contra-ordenação que a ERC decidiu levantar às empresas gestoras dos órgãos de comunicação social por violação da Lei de Imprensa e de ainda outras consequências legais – matérias sobre as quais o PÁGINA UM se debruçará em detalhe ainda esta semana –, no conjunto das sete deliberações, agora disponíveis no site do regulador, destaca-se sobretudo o inusitado número de jornalistas com carteira profissional “apanhados” em funções incompatíveis com o Estatuto do Jornalista.
Note-se, porém, que a ERC não aprofundou muitos dos contratos, prescindindo de solicitar aos diversos grupos de media os cadernos de encargos dos contratos (uma vez que nem todos se encontram no Portal Base), onde constam cláusulas mais detalhadas, designadamente número de notícias e/ ou entrevistas a executar. O regulador também seleccionou contratos, cingindo-se quase só aos contratos que constavam num artigo do PÁGINA UM publicado em 6 de Maio do ano passado.
Recorde-se que o Estatuto do Jornalista considera incompatíveis as “funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias” e também as “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.
David Pontes foi mestre-de-cerimónias na execução de contratos comerciais pagos pelas autarquias de Vila Nova de Gaia e de Penafiel, onde participaram autarcas que estabeleceram estas parcerias comerciais. A ERC, porém, nem sequer se debruçou sobre eventuais incompatibilidades do actual director do Público.
E a ERC considera, como na generalidade das sete deliberações sustenta, que “a produção e publicação de conteúdos mediante o pagamento de contrapartidas por entidades externas, quando não devidamente identificadas, ameaçam seriamente a independência do órgão de comunicação social, bem como o livre exercício do direito à informação, contendendo com o princípio da transparência exigível” perante os leitores, ouvintes ou telespectadores.
No lote dos jornalistas considerados “comerciais” – termo que não surge na deliberação, mas que o PÁGINA UM considera adequado para tipificar as acções –, destacam-se três nomes relevantes.
O primeiro é, como já referido, Celso Filipe (CP 852), director-adjunto do Jornal de Negócios desde 2018, e que já se integra na equipa editorial deste periódico da Cofina desde 2006. A ERC aponta-lhe a produção de textos para a execução de um contrato assinado com a Secretaria-Geral do Ministério da Economia.
O segundo jornalista conhecido é Miguel Midões (CP 4707), que, além de uma das vozes da TSF desde 2014 é ainda professor de Comunicação Social na Universidade de Coimbra e do Instituto Politécnico de Viseu, além de vogal do Sindicato dos Jornalistas. A ERC analisou, entre outros contratos, o pagamento de 75.000 euros para a realização, por Miguel Midões, de 15 programas radiofónicos “Desafios do Urbanismo”, entre 1 de Julho e 7 de Outubro de 2021.
Miguel Midões, professor de Comunicação Social e vogal do Sindicato dos Jornalistas. Como jornalista da TSF está a executar um contrato comercial com uma empresa municipal de Vila Nova de Gaia sobretudo sobre… Vila Nova de Gaia. Já vai na segunda temporada, depois do “sucesso” de 27 episódios da primeira temporada.
O formato acabou por abranger, numa primeira fase, 27 episódios, e decorre agora uma “segunda temporada”, iniciada em Março, contando já com nove episódios, mas já não conduzidos por Miguel Midões. O PÁGINA UM não conseguiu ainda encontrar o contrato para estes programas no Portal Base, o que pode configurar, como em outras situações detectadas pela ERC, a execução dos contratos antes da sua celebração.
O terceiro jornalista com maior visibilidade é Luís Ribeiro (CP 3188), que trabalha desde 1999 na revista Visão, coordenador da secção de Ambiente, além de ser habitual comentador na SIC Notícias.
Neste caso, a ERC aponta-lhe a autoria de cinco textos jornalísticos (incluindo entrevistas) assinados para cumprimento de um contrato com a Águas de Portugal para apoio aos Prémios Verdes, mas que estabelecia a obrigatoriedade de cobertura noticiosa e a publicação de artigos de opinião de dirigentes daquela empresa pública tutelada pelo Ministério do Ambiente.
Luís Ribeiro (à esquerda), comentador da SIC Notícias sobre a Guerra da Ucrânia, e jornalista da Visão desde 1999. Coordena a Visão Verde, que é acusada pela ERC de ter conteúdos comerciais escritos por jornalistas, incluindo pelo próprio.
Curiosamente, este contrato – que teve repetição já este ano, com um caderno de encargos que até prevê penalidade à Visão se não publicar o número acordado de reportagens, entrevistas e artigos de opinião, além da possibilidade de a Águas de Portugal solicitar “a substituição dos elementos da equipa” da revista responsável pelos conteúdos – previa a realização de entrevistas. Uma dessas foi feita por Mafalda Anjos, directora da Visão, que entrevistou uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal.
Também o director da Exame, Tiago Freire (CP 3053), foi “apanhado” a escrever um editorial de um suplemento em cumprimento de um contrato coma COTEC. Apesar da própria Trust in News ter até admitido que ” o tratamento destes conteúdos foi realizado por colaboradores com carteira profissional e por jornalistas da EXAME, sempre, em qualquer um dos casos, com total autonomia editorial”, o director foi o único identificado pela ERC.
Além destes quatro, a ERC ainda identificou – para efeitos de averiguação, para eventuais processos disciplinares, por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – mais 11 jornalistas: Rute Coelho (CP 1893), Carla Aguiar (CP 739), Adriana Castro (CP 7692), Alexandra Costa (CP 2208) – por textos publicados em periódicos da Global Media –, Filipe S. Fernandes (CP 1175) e António Larguesa (CP 5493) – por textos publicados no Jornal de Negócios –, Mário Barros (CP 7963) – por um texto publicado no Público – e ainda José Miguel Dentinho (CP 882), Fátima Ferrão (CP 6197) e Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706) – por textos publicados no Expresso.
Mafalda Anjos, directora da Visão, entrevistou para o podcast da Visão Verde, uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal, que patrocina os Prémios Verdes, com cláusulas ilegais à luz da Lei da Imprensa. ERC não se debruçou sobre o seu caso.
Destaque-se que estes dois últimos jornalistas são um dos casos mais paradigmáticos das promiscuidades entre jornalismo e produção de conteúdos pagos sem qualquer fonteira, porquanto tanto publicam notícias em diversos órgãos de comunicação social como elaboram textos publicitários e até revistas institucionais, através da sua empresa Mad Brain, apresentando-se sempre como jornalistas. E nem escondem essa promiscuidade.
A ERC também encontrou casos de textos assinados por estagiários de curta duração, como foi o caso da cobertura de um debate sobre a pandemia patrocinado pela Câmara Municipal de Penafiel em Novembro de 2020. Ana Rita Teles esteve a fazer um estágio no Público entre Setembro e Novembro daquele ano – como parte do seu mestrado em Ciência da Comunicação da Universidade de Braga – e teve logo como tarefa de fazer a cobertura desse evento pago.
Só não tem agora um eventual processo na CCPJ porque não tem carteira profissional activa. Curiosamente, o moderador deste debate foi David Pontes, actual director do Público, jornal que recebeu 7.000 euros por uma conversa nocturna de uma hora e meia por parte da edilidade de Penafiel, cujo presidente (Antonino de Sousa, que Pontes até chamou, inicialmente, de António) teve oportunidade de fazer a abertura. A ERC não identificou David Pontes como jornalista a executar uma tarefa comercial, livrando-o também de qualquer processo.
Apresentada ora como jornalista do Diário de Notícias (ou de outros periódicos da Global Media) ora como do Expresso, Fátima Ferrão é também gerente de uma empresa de conteúdos. Foi agora identificada pela ERC, por um texto comercial no Expresso, mas a sua participação em conteúdos comerciais de elevada promiscuidade com a actividade jornalística são incontáveis.
Contactado pelo PÁGINA UM, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, considera que esta situação é preocupante, sobretudo quando abrange jornalistas em situação de precariedade, como são os freelancers. “Os jornalistas têm mecanismos legais, nomeadamente a cláusula de consciência, para evitar colaborar em tarefas que ponham em causa a sua independência”, salienta Simões, também jornalista de A Bola, mas admite que “os colaboradores externos se sintam pressionados a aceitar trabalhos desta natureza, o que não é admissível.”
Para o sindicalista, “é aceitável que haja formas distintas de financiamentos, mas tem de se garantir a independência do jornalismo”, pelo que deve haver uma maior intervenção dos conselhos de redacção, onde têm assento por inerência os directores editoriais. “Tenho a convicção que esse debate está a ser já feito”, acrescenta.
N. D. A pretexto das deliberações e da forma como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social enquadra os processos intentados contra os sete grupos de media, foi publicado o editorial intitulado “Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice“. Foi feita uma rectificação deste artigo pelas 19:40 horas do dia 6 de Julho por se ter constatado que o jornalista Tiago Freire é o director da Exame, e não jornalista da Visão, ambas as publicações da Trust in News. No dia 23 de Julho foi introduzida uma outra pequena rectificação: a segunda temporada do podcast na TSF “Desafios Urbanos“, iniciada a 8 de Março deste ano, já não está a ser conduzida por Miguel Midões. Este jornalista, também dirigente sindical, foi responsável “apenas” por 26 episódios, emitidos entre 15 de Abril e 7 de Outubro de 2021, pelo qual a autarquia pagou 75.000 euros.
O Banco de Portugal emitiu esta tarde, às 19:30 horas, um alerta formal informando o público que a empresa dbl.pt e o alegado empresário Renato Duarte Júnior, ambos promovidos numa reportagem da TVI, não estão habilitados a exercer qualquer actividade financeira em Portugal. Este aviso do regulador do sector financeiro surge após a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ter também já alertado, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que a dbl.pt, uma suposta empresa de investimentos em activos digitais, não possui qualquer autorização para operar no país. A polémica reportagem da TVI, integrada no Jornal da Noite do passado dia 21, gerou indignação e queixas, nomeadamente junto do regulador dos media (ERC), que está a analisar a peça noticiosa da jornalista Conceição Queiroz que promoveu, em horário nobre, um “jovem milionário português” e os seus alegados negócios.
A forte polémica e indignação geradas por uma reportagem da TVI obrigaram o Banco de Portugal a emitir hoje um alerta público formal em relação a Renato Duarte Júnior, apresentado como “jovem milionário português”, e a sua suposta empresa de investimentos, a dbl.pt.
“O Banco de Portugal adverte que a suposta entidade “Digital Bank Labs” e “Renato Júnior” (Silvério Renato Carneiro Duarte, NIF 253371341) que atuam através do endereço de internet “http :// dbl.pt”, não estão, na presente data, nem nunca estiveram, habilitados a exercer, em Portugal, qualquer atividade financeira reservada às instituições sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, nomeadamente, atividades com ativos virtuais e receção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis”, lê-se no aviso do supervisor colocado esta tarde, pelas 19:30 horas.
Conceição Queiroz, jornalista de investigação da TVI, fez a reportagem no Dubai, acompanhando a suposta vida de luxo e de sucesso de Renato Duarte Junior e os seus amigos e parceiros.
O regulador liderado por Mário Centeno junta-se assim à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e à Federação das Associações da Cripto-Economia (FACE) que também já tinham feito alertas em relação à dbl.pt. A FACE pediu mesmo uma investigação à empresa promovida pela TVI.
No centro da polémica, está a reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável”, protagonizada pela jornalista Conceição Queiroz, emitida na passada quarta-feira no Jornal Nacional, em horário nobre.
Reportagem da TVI apresenta o negócio de Renato Duarte Júnior como um caso de sucesso, sem verificar sequer a existência legal da sua empresa e se opera de acordo com o mercado já bastante regulado da cripto-economia.
Na reportagem, a jornalista do canal de TV entrevista o português Renato Duarte Júnior, de 29 anos, que aparenta viver uma vida de luxo no Dubai, sendo apresentado como presidente-executivo (CEO) da empresa dbl.pt. Ao longo da reportagem, são feitas diversas entrevistas em iates e mostrados cenários compatíveis com uma vida de luxo.
Ao longo da reportagem, a jornalista não questiona a legalidade das actividades de Renato Duarte Júnior – que o Banco de Portugal revela chamar-se, na verdade, Silvério Renato Carneiro Duarte, indicando também o seu número de contribuinte – e mostra o empresário como um caso de sucesso. A peça também apresentava várias declarações pouco plausíveis do ponto de vista económico e financeiro, e “prometia” alegadas valorizações que deveriam levantar suspeitas.
Alguns dos conteúdos emitidos na reportagem e o site da dbl.pt constituem alertas vermelhos que devem servir de aviso aos investidores, segundo detalhou a FACE. Aliás, nas redes sociais, não faltam publicações e vídeos a “desmontar” e a criticar afirmações que surgem na reportagem, a par de muitos insultos à estação de televisão da Media Capital.
Um e-mail enviado pelo PÁGINA UM para o endereço info@dbl.com, que se encontra no site da suposta empresa, veio devolvido. A TVI ainda não respondeu e não foi possível até, ao momento, pedir um comentário a Renato Júnior, sobre o qual não se encontram contactos disponíveis, nomeadamente na Internet.
O regulador dos media decidiu agir depois de receber queixas relativas a uma reportagem da TVI emitida no dia 21 de Junho, a qual promoveu um “jovem milionário português” que, alegadamente, fez fortuna através de negócios com criptomoedas. A Federação das Associações da Cripto-Economia alertou ontem que investidores podem sair lesados na sequência da reportagem e lançou fortes críticas à estação de TV pela “ideia errada” que passa ao público de se enriquecer facilmente de modo rápido no mercado dos criptoactivos. Num comunicado divulgado hoje, aquela Federação denuncia que há sinais de ter havido uma procura elevada pela dbl.pt por parte de telespectadores após a reportagem e pede uma investigação ao negócio publicitado na peça. Na comunidade portuguesa de profissionais de cripto-economia, são muitos os que condenam a TVI por ter permitido a emissão daquela reportagem que veem como danosa para a imagem do sector. Nas redes sociais e em fóruns de debate chovem os apelos à ERC para que actue.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) está a analisar a reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável”, protagonizada pela jornalista Conceição Queiroz, emitida na passada quarta-feira no Jornal Nacional, em horário nobre, após terem chegado diversas queixas ao regulador sobre a peça noticiosa.
Por norma, todas as queixas recebidas pelo regulador dão origem à abertura de um procedimento oficioso ou imediatamente a um processo que, neste caso, se concluir que se esteve perante uma operação de marketing e de promoção de um negócio, que ainda mais neste caso é de legalidade duvidosa, pode resultar numa contra-ordenação à TVI por incumprimento da Lei da Imprensa.
Reportagem da TVI apresenta o negócio de Renato Duarte Júnior como um caso de sucesso, sem verificar sequer a existência legal da sua empresa e se opera de acordo com o mercado já bastante regulado da cripto-economia.
A reportagem da TVI causou indignação e tem sido alvo de fortes críticas na comunidade portuguesa de profissionais de criptomoedas e criptoactivos, enquanto nas redes sociais e fóruns de debate online chovem palavras de condenação e insultos ao canal de TV, junto com apelos a uma intervenção da ERC.
Num e-mail em resposta a perguntas do PÁGINA UM, “a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social confirma que recebeu participações a respeito da reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável” que foi emitida, no dia 21 de junho, no serviço de programas TVI”.
Explicou que “estas participações encontram-se em apreciação pelos serviços da ERC” e que “quando houver uma decisão a respeito das mesmas, a ERC procederá como habitualmente à sua divulgação pública no seu sítio eletrónico”.
Na reportagem, o canal de TV entrevista o português Renato Duarte Júnior, de 29 anos, que aparenta viver uma vida de luxo no Dubai, sendo apresentado como presidente-executivo (CEO) da empresa dbl.pt. Ao longo da reportagem, são feitas diversas entrevistas em iates e mostrados cenários compatíveis com uma vida de luxo.
Conceição Queiroz divulgou a sua reportagem no Instagram. Desde a semana passada “chovem” críticas por se ter divulgado um alegado esquema de angariação de clientes que nada tem a ver com os criptoactivos.
A reportagem, que está disponível na plataforma na TVI, dá o “jovem milionário” como “um exemplo de quem conseguiu singrar no mercado da moeda virtual”.
Mas existem muitas dúvidas sobre a alegada empresa dbl.pt, que é apontada como tendo sede no Dubai e muitas das afirmações de Renato Júnior são lidas pela comunidade de cripto-economia como duvidosas, como a sua afirmação de que faz 18.000 dólares por segundo, por exemplo.
Como noticiou ontem o PÁGINA UM em exclusivo, a Federação das Associações de Cripto-Economia (FACE) alertou que o conteúdo da reportagem e a “imagem errada” transmitida de enriquecimento fácil e rápido, através de um suposto investimento em activos digitais, pode levar investidores ao engano.
Num comunicado divulgado hoje, aquela Federação denuncia que “as associações da FACE receberam dezenas de mensagens que indicam uma procura elevada pelos serviços da DBL por parte dos espectadores – algo também evidenciado nas redes sociais – comprovando que, direta ou indiretamente, esta peça acabou por promover um negócio que exige uma investigação profunda”.
Dá ainda conta de sinais de alerta na reportagem de quase 25 minutos: “o gestor é apresentado como “CEO da dbl.pt”, ou Digital Bank Labs, designada como DBL Group Investments, LLC, mas que não encontramos registada em nenhuma jurisdição”.
Outro sinal vermelho, diz, está no facto de a reportagem e o website referirem “que esta “companhia”, que é “algo equivalente ao banco tradicional e conseguiu atrair milhares de investidores”, é uma das maiores mineradoras de Bitcoin do mundo, e que minera cerca de 50 bitcoins por dia”, mas este é um “muito improvável”, sublinha a FACE.
Explica que “Renato Júnior afirma que a Digital Bank Labs minera cerca de 50 bitcoins por dia, que representa 5.5% do total de bitcoins mineradas diariamente no mundo todo”. “Este valor pode parecer pequeno, mas a maior empresa pública que minera bitcoin do mundo, a Riot Platforms Inc., listada na NASDAQ, minerou em Janeiro deste ano 740 bitcoins durante todo o mês, o melhor de sempre da sua história”, o que “dá uma média de 23.9 bitcoins por dia”. E questiona: “Será que a DBL, uma ilustre desconhecida no meio, sem registo verificável, minera o dobro? Será que a DBL vale mesmo biliões?”
ERC está a analisar queixas.
Outro dado suspeito é que a reportagem de quase 25 minutos caracteriza ainda a DBL como uma empresa que “faz dinheiro com esta volatilidade toda” e que consegue “lucros de 17 a 18 mil euros de lucro por segundo” através de um software desenvolvido internamente com “um mecanismo de controlo muito apurado do ponto de vista tecnológico.
A FACE desconfia também dos lucros prometidos pela dbl.pt no seu site, com a alegada empresa a assegurar que num dos produtos o capital investido é “seguro” e que tem um lucro potencial de até 40%.
Na Internet, encontra-se um outro site digitando www.dbl.pt, mas aqui surge uma mensagem de erro “503 – serviço temporariamente indisponível”.
Printscreen do site da Digital Bank Labs. Não consta qualquer informação da localização da sede ou detalhes da empresa.
Mas não é apenas a FACE a condenar a reportagem e a pedir uma investigação ao negócio promovido na peça da TVI. Nas redes sociais, incluindo na rede profissional LinkedIn, e nos fóruns de debate na Internet, incluindo no Reddit, multiplicam-se as críticas e insultos à TVI e também apelos para que a ERC actue.
O Banco de Portugal confirmou ao PÁGINA UM que não existe nenhuma empresa dbl.pt autorizada a operar como intermediário no sector de activos digitais no mercado português. Consultado o site do supervisor financeiro, verifica-se que a empresa dbl.pt não consta da lista de 10 entidades que estão actualmente autorizadas pelo regulador para intermediar investimentos em criptomoedas e activos digitais no país.
Nas redes sociais de índole profissional, como o LinkedIn, a reportagem da TVI tem sido muito criticada.
O PÁGINA UM questionou o Banco de Portugal, enquanto regulador que regista os intermediários de activos digitais, e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), enquanto supervisor de intermediários financeiros. O Banco de Portugal não respondeu às principais questões e a CMVM ainda não reagiu.
Também foi questionada a dbl.pt e a TVI, mas ainda não responderam. Ainda não foi possível pedir um comentário a Renato Júnior, sobre o qual não se encontram contactos disponíveis, nomeadamente na Internet.
A organização de uma conferência de dois dias para celebrar o primeiro aniversário da secção de Ambiente do jornal Público esteve assente num contrato de prestação de serviços, onde se estipulou não apenas a escrita de notícias e outros conteúdos como a possibilidade de uma empresa municipal do Porto poder avaliar o desempenho com base em oito critérios. Se o Público tiver entre 86 e 100 pontos no Índice de Qualidade do Fornecedor será “Aprovado” e considerado de “elevada confiança”. Não deve ser difícil: basta (continuar a) portar-se bem.
O Portal Base continua a espraiar, em todo o esplendor, a mercantilização da imprensa portuguesa, mas um contrato ontem divulgado naquela plataforma da contratação pública faz tudo ascender até níveis de bizarria jamais vistos: o jornal Público predispôs-se, através do estipulado no caderno de encargos de um contrato de prestação de serviços com a Empresa Municipal de Ambiente do Porto (Porto Ambiente), a ser “objeto de avaliação de desempenho” com critérios como qualidade, prazo, requisitos de facturação, flexibilidade, disponibilidade de contacto, capacidade de resolução de problemas, assumpção de código de conduta e promoção de requisitos sustentáveis.
O caderno de encargos do denominado “procedimento pré-contratual de ajuste directo, segundo o regime geral, para a participação da Porto Ambiente na Conferência Internacional Cidade Azul”, acompanha um contrato assinado em Maio, mas somente esta segunda-feira tornado público.
Empresa municipal do Porto pagou 15.000 euros ao Público para conferência que teve a abertura de Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto.
Em termos concretos, o contrato de prestação de serviços foi a forma de a autarquia do Porto apoiar uma conferência do Público para celebrar o primeiro aniversário do projecto editorial Azul, um suplemento supostamente jornalístico mas associado a polémicos contratos de prestação de serviços, conforme já revelado pelo PÁGINA UM. Mas, em vez de ser um patrocínio ou apoio com contrapartidas meramente publicitárias, a Câmara Municipal do Porto quis mais.
E assim, a empresa municipal Porto Ambiente pagou 15.000 euros para se associar, de forma dissimulada, à conferência organizada nos passados dias 11 e 12 de Maio, no Pavilhão Rosa Mota, mas com contrapartidas sob a forma de notícias. Com efeito, nos “requisitos técnicos” do caderno de encargos ficou estabelecido que o Público, além de diversas acções de promoção da autarquia do Porto, organizaria a conferência e teria a responsabilidade pela cobertura da conferência em vídeo e textos.
No caderno de encargos ficou previsto “1 (um) conteúdo alusivo à Porto Ambiente de forma institucional e 1 (um) conteúdo alusivo ao Pacto do Porto para o Clima”, além da “inclusão de artigos no suplemento encartado do jornal Público, sobre projetos da Porto Ambiente – Pacto do Porto para o Clima, bioresíduos e sensibilização” e ainda de uma “visita à ilha de compostagem em Paranhos”.
No segundo dia da conferência, esteve presente o Presidente da República.
Embora neste último caso, o texto tenha sido publicado na ambígua secção Estúdio P, mas sem referência a ser publicidade da Porto Ambiente, a cobertura do evento, pago com dinheiros municipais, foi feito na secção Azul pela jornalista Aline Flor. Na sessão de abertura estiveram presentes o então director do Público, Manuel Carvalho – que não fez referência ao apoio financeiro, como contrapartida de prestação de serviços, por parte da Câmara Municipal do Porto – e o presidente desta edilidade, Rui Moreira, o financiador, que não foi assim identificado. O autarca teve seis minutos de intervenção, sem referência ao contrato de prestação de serviços.
Na página da conferência, com a lista dos oradores, surge a referência à Porto Ambiente como co-organizadora apenas com um minúsculo logótipo, mas nenhuma referência é feita em duas notícias assinadas pela jornalista Aline Flor, tanto na do primeiro dia, como na do segundo dia, onde se destaca a presença do Presidente da República. No entanto, o “branding” estava implícito na associação entre a secção Azul, do Público, e a cidade do Porto, uma vez que a conferência foi baptizada de Cidade Azul.
Porém, cinco dias depois, a 17 de Maio, o Público colocaria, como um artigo noticioso normal, um texto da jornalista estagiária Maria José Coelho, mas editado pela jornalista Ana Fernandes, onde se elogiou o trabalho da empresa municipal Porto Ambiente na reciclagem de resíduos durante as festas académicas na cidade.
Caderno de encargos elenca oito critérios de avaliação do desempenho do Público na prestação dos serviços contratados pela Porto Ambiente, interferindo na linha editorial do jornal.
Contudo, onde efectivamente se mostra a bizarrice deste acordo comercial é na cláusula 7ª sobre a “avaliação de desempenho do Contraente Privado”, isto é, do Público, cujo resultado “será divulgado anualmente”, e do qual resultará um “Índice de Qualidade do Fornecedor”, utilizando os critérios ponderados. E, aparentemente, a Porto Ambiente exige elevada excelência.
Com efeito, para o Público ser “Aprovado”, precisa de uma classificação entre 86 e 100 pontos, de modo a ser considerado um “fornecedor de elevada confiança”, com um “risco de falha diminuto com base num histórico de desempenho isento ou quase isento de falhas”, Entre uma pontuação de 71 e 85, há lugar a um raspanete, com referência a “Sugestões de Melhoria”. Se o Público tiver esta classificação será considerado um “fornecedor de confiança”, com um “risco de falha baixo com base num histórico de desempenho regular”.
Extracto do caderno de encargos entre o Público e a empresa municipal Porto Ambiente com a fórmula de cálculo do Índice de Qualidade do Fornecedor.
Já se tiver menos de 70 pontos, então o Público ficará “Reprovado”, sendo considerado um “fornecedor de risco”, uma vez que o “risco de falha é elevado com base num histórico de desempenho irregular que não oferece confiança no cumprimento das obrigações”.
O contrato, que teve como gestora por parte da Porto Ambiente, a sua coordenadora de Comunicação e Imagem, tem outras cláusulas pouco ortodoxas para a linha editorial de um jornal, como seja a necessidade de reuniões com representantes da empresa municipal “sempre que necessário”, e através de uma “convocatória escrita” e como uma “agenda prévia contendo os assuntos a debater”.
Por outro lado, o Público ficou com o dever de “guardar sigilo sobre toda a informação e documentação, técnica e não técnica, comercial ou outra, relativa à Porto Ambiente, de que possa ter conhecimento ao abrigo ou em relação à execução do contrato”, excepto aquela que já for pública.