Etiqueta: Maria Afonso Peixoto

  • Os mais novos que façam

    Os mais novos que façam

    O ‘activista’ Sérgio Tavares publicou esta semana um vídeo no seu canal de Youtube onde inquiria os transeuntes nas ruas do Porto sobre as suas intenções de voto para as próximas legislativas. Ressalvando que a vox populi (ainda mais do que as sondagens) tem enviesamentos que, do ponto de vista de rigor, deixam muito a desejar, ouvir esta ‘amostra’ da ‘voz do povo’ mostra-se esclarecedora sobre a suposta ‘invencibilidade’ do Partido Socialista.

    Houve um excerto, em particular, que se tornou ‘viral’, atingindo centenas de milhares de visualizações e suscitando comoção nas redes sociais: uma senhora dizia que, no dia 10 de Março, tencionava votar para “manter o que está” (o Partido Socialista) porque já é reformada, e que os sucessivos escândalos a que temos assistido em Portugal também são comuns “nos outros países”. Questionada sobre a necessidade de haver um “grito de revolta”, retorquiu que, por ela, deixa-se andar, e acrescentou: “os mais novos que o façam”.

    E é nestas alturas que somos confrontados com o ‘lado negro’ do voto universal, tido como uma enorme conquista do mundo Ocidental.

    Note-se que a posição desta cidadã não poderia ser mais legítima. Com o avançar da idade, se não antes, é natural que se instalem o comodismo e o desejo de segurança. É normal, e expectável, que um reformado queira apenas assegurar a sua subsistência e não deseje alterações profundas ao status quo. Mais vale pouco, mas certo, do que o risco de perder o pouco que se tem.

    Na verdade, o insensato é exigir que os reformados – que, como sabemos, são muitos, neste país envelhecido – tenham ambição e uma visão de futuro para o país, e que se preocupem, por exemplo, com propostas no sentido de estancar a sangria de jovens para o estrangeiro (um dos muitos males com que nos debatemos).

    No final de Novembro, aliás, foi divulgada uma sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica que mostra, precisamente, que o PS tem nos maiores de 65 anos mais de um terço dos seus eleitores (35%). Em contrapartida, nos jovens entre os 18 e os 34 anos, colhe a preferência de apenas 6%. É, além disso, o partido mais favorecido pelos que apresentam níveis de escolaridade mais baixos.

    woman holding democracia signage

    Percebe-se assim que, se contássemos exclusivamente com os mais jovens, a composição da Assembleia da República seria muito diferente, e a hegemonia do partido agora liderado por Pedro Nuno Santos teria os dias contados. O mesmo aconteceria se privilegiássemos o voto de quem concluiu pelo menos o ensino secundário, ou o superior.

    Talvez por isso, diga-se a propósito, os partidos à esquerda tenham chumbado um projecto de resolução da Iniciativa Liberal para que se ensinasse literacia financeira nas escolas – e o Bloco de Esquerda até tenha dito que a proposta visava “doutrinar” os alunos. Aparentemente, ensinar os mais jovens a gerir o seu dinheiro é doutrinação, mas dizer-lhes que talvez fosse boa ideia mudarem de sexo, já não é.

    Na rubrica de Sérgio Tavares, vemos também portugueses ‘alienados’ da política; uns, por terem perdido a esperança, outros apenas por desinteresse. Mais uma vez, absolutamente legítimo e normal. E embora alguns possam atribuir a culpa aos agentes políticos por este alheamento, a verdade é que uma fatia significativa da população simplesmente não tem aptidão ou interesse em matérias políticas. Não importa quantos direitos políticos se ofereça; será sempre uma minoria a envolver-se e comprometer-se activamente com um desígnio maior para o país.

    hands formed together with red heart paint

    E é por isso que a visão de uma soberania popular plena expressa na possibilidade do voto para todos tem mais de romântico do que real. Como de resto já foi estudado, e como pudemos observar durante a pandemia de covid-19, as “massas” são altamente manipuláveis. Não são elas que fazem revoluções, ou que mudam os destinos de uma nação. Assim, em democracia, vence quem é mais hábil a manobrar o povo, e não necessariamente quem é mais competente ou idóneo.

    Em todo o caso, vale lembrar que hoje o “jogo” está de tal maneira viciado, que as fichas devem ser postas noutros sítios. O combate político deve fazer-se de outras formas. A cruzinha que somos convocados a fazer de quando em vez, e que faremos no dia 10 de Março, já se tornou quase uma mera formalidade. Sobretudo nestas circunstâncias em que o voto dos muitos que encolhem os ombros e dizem “os mais novos que façam”, tem o mesmo peso desses “mais novos” que estão sôfregos por fazer, e mudar, alguma coisa.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


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  • Portugal não é um país normal

    Portugal não é um país normal

    Esta é, por excelência, a altura de fazer os habituais balanços e traçar metas para o ano seguinte. Se fizermos esse exercício, enquanto país, provavelmente concluiremos que 2023 foi negro, em todas as dimensões. A menos, claro está, que partilhemos da opinião da redactora principal do Público, Bárbara Reis, para quem “Portugal é um país normal”, e os ‘rumores’ de que as coisas não estão nada famosas, mais não são do que mentiras para ganhos políticos. Curiosamente, ou por ironia, no encadeamento deste texto da antiga directora do Público surge a ligação para uma notícia do mesmo jornal, deste mês, revelando que o “preço das casas duplicou desde o início da governação de Costa” e “as rendas aumentaram em 56% desde 2017”.

    Enfim, adeptos da mediocridade, e acomodados com a miséria, sempre os haverá. Neste caso, compreende-se, pois o jornal que emprega Bárbara Reis também aparenta ser “normal”; se o “normal”, singelo até, é seguir o optimismo de quem está no poder.

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    Seja como for, não é aos concidadãos acomodados e confortáveis que me dirijo aqui, porquanto, quero acreditar, os leitores do PÁGINA UM, como sabemos, não se contentam com o “normal”.

    Dirijo-me sim àqueles que sonham com um Portugal melhor, e aproveito o elã tão característico desta época para recomendar um livro que considero ser de leitura obrigatória: As causas do atraso português, do economista e professor catedrático Nuno Palma, da Universidade de Manchester. Em resumo, a obra tenta explicar as raízes históricas da nossa divergência económica face aos países mais ricos da Europa Ocidental.

    Para que consigamos inverter esta acelerada marcha de empobrecimento, é vital procurar entender, primeiro, os motivos da nossa desgraça. O porquê de estarmos como estamos; um diagnóstico acertado. E a meu ver, tal só será possível se deixarmos os clubismos de lado (ou clubites, nos casos mais agudos), e os dogmas cristalizados (alguns com mais de um século).

    E esta é uma das razões por que destaco o livro: tanto quanto humanamente possível, trata-se de uma análise objectiva e bem suportada cientificamente. Ouvir o autor falar em entrevistas confirma a minha tese: critica com igual facilidade tanto as típicas propostas de esquerda como de direita (liberais incluídos); muitas delas “míopes”, embora por motivos diferentes.

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    De facto, dificilmente os acólitos das várias ‘seitas’ políticas (vulgo partidos) conseguirão metê-lo numa ‘caixinha’ – esta liberdade de pensamento é, quanto a mim, uma fantástica qualidade.

    Poderá dizer-se que é uma obra polémica, porque desfaz muitos ‘mitos’. Aconselha-se, por isso, uma leitura livre de preconceitos, e uma abertura para questionar até algumas “verdades” ouvidas repetidamente ao longo da vida. Não é tarefa fácil, mas diria que vale a pena o esforço.

    Prevendo-se um 2024 com desafios acrescidos, é urgente repensarmos ideias e fórmulas datadas, anacrónicas e mais do que experimentadas que, já vimos, não resultam.

    Como se diz por aí, loucura é repetir as mesmas acções, à espera de resultados diferentes. Há que abandonar esta insistência esquizofrénica nas mesmas práticas, na esperança de que algo mude.

    Assim, para levantar um pouco o véu, destaco aqui algumas ideias, que talvez surpreendam alguns, avançadas neste As causas do atraso português.

    –  É preciso recuar muito para se entender as origens do “atraso português”, havendo já, no século XIX, personalidades como Antero de Quental que tentavam apurar as causas do ‘fenómeno’. E, de facto, é uma questão antiga: foi logo a partir do século XVII que Portugal começou a divergir da Europa Ocidental.

    – Cada novo regime procura sempre desresponsabilizar-se dos resultados das suas más políticas, remetendo as culpas para os antecessores. Tal como António Costa agita o fantasma do “Passos Coelho”, e como a democracia culpa o Estado Novo, Salazar fazia o mesmo com a República, e por aí fora. Acredita quem quer…

    – De diversas formas, a escravatura não teve um efeito benéfico para o país, tendo até sido perniciosa, assim como foi a descoberta do ouro no Brasil. A este respeito, Nuno Palma fala numa “Maldição dos Recursos”.

    – A cultura portuguesa e o catolicismo “entranhado”, ao contrário do que muitas vezes se diz, não parecem factores revelantes para explicar o nosso crónico atraso; nem sequer a nossa localização “periférica”.

    – E last but not the least: os fundos europeus são, em grande medida, prejudiciais ao desenvolvimento do país.

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    Nuno Palma é pessimista: na sua óptica, caminhamos a passos largos para nos tornarmos no país mais pobre da Europa – da Europa Ocidental já somos – e pouco há a fazer quanto a isso, de tão acomodados que estamos. Poderia dizer-se que “estamos como a Bárbara Reis”. Vemos a Saúde, a Economia, a Educação e a Justiça em farrapos, com margem para piorar… e achamos “normal”.

    Sendo eu mais optimista, talvez por ser mais jovem, não deixo de sofrer de um medo aterrador que o vaticinado pelo economista se concretize; por isso, e porque não me conformo com esta podre ‘normalidade’, não poderia recomendar de forma mais veemente As causas do atraso português, ou a escuta das entrevistas dadas pelo autor. Não para que 2024 seja o ano em que finalmente saímos desta ‘cloaca’ (já estamos um bocado em cima da hora) mas para que comecemos desde já a trabalhar nesse sentido.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


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  • Notícias como armas de arremesso político

    Notícias como armas de arremesso político

    A semana ainda só vai a meio, e já fomos brindados com várias “notícias” feitas à medida para servirem de armas de arremesso político. Algumas, a roçar a propaganda: fiéis à habitual fórmula das meias-verdades desprovidas do devido contexto ou de qualquer contraditório. Assim, encaixam como uma luva nos amplos consensos que, para quem se senta no poder, dá jeito que continuem a ser difundidos e alimentados.

    Refiro-me, por exemplo, ao estudo que retratou Portugal como um país de reduzidos impostos (comparando com a União Europeia), e tentou colar àqueles que clamam pela redução da carga fiscal uma imagem de egoístas que não querem mesmo é contribuir, de maneira nenhuma, para a sociedade.

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    Na introdução do estudo, somos esclarecidos sobre o seu intento: não é “um estudo aprofundado sobre a fiscalidade em Portugal. A tributação de um país é um tema demasiado vasto e complexo, que requer investigações focadas e detalhadas a respeito de cada (tipo de) imposto. Aqui pretende-se fazer uma primeira análise de alguns aspetos importantes, com o objetivo de contribuir para o debate público e político sobre impostos em Portugal.”

    Portanto, não é, assumidamente, um trabalho exaustivo; nem poderia ser, atendendo à sua dimensão de apenas 30 páginas. Mas é um facto que contribuiu para o “debate”. Neste caso, serviu para ‘ilibar’ os últimos Governos socialistas da sangria fiscal a que nos têm sujeitado.

    O autor do estudo, Alexandre Mergulhão, assume-se como conselheiro económico especialista em Orçamento e Finanças Públicas no Ministério das Finanças desde 2017, acabado de sair do mestrado, embora não conste na lista de nomeados por Medina. Um prodígio, portanto. Não surpreende, por isso, que este seu position paper intitulado A Fiscalidade em Portugal tenha sido promovido (“encomendado” também se adequa) pela Causa Pública, uma associação “dedicada à produção de proposta de políticas públicas na área do centro-esquerda”.

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    Aquilo que talvez fosse menos provável, num país decente, é o facto de a associação ter o antigo governante socialista Paulo Pedroso (desfiliado do PS desde 2020) como presidente da direcção. Em todo o caso, podemos, com certeza, ficar descansados quanto à isenção do dito estudo, certamente livre de motivações políticas.

    Outra notícia bastante politizada – tanto que foi logo aproveitada para vários artigos de opinião – dava conta do lucro de mais de 1.600 milhões de euros que os estrangeiros deram à Segurança Social em 2022, com base num relatório do Observatório das Migrações. Perfeita para sustentar a política imigratória de “portas escancaradas” seguida pelo Governo ainda em funções.

    Houve quem se apressasse a dizer que este saldo positivo de 1.600 milhões – que resulta da diferença entre o valor das contribuições, que foi de 1.861 milhões, e as prestações sociais recebidas, de “apenas” 257 milhões – era a prova de que os imigrantes não procuram o nosso país com o objectivo de beneficiar dos apoios sociais. Estou de acordo. Quase todos, acredito, vêem em busca de melhores condições de vida.

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    No entanto, o peso das contribuições dos estrangeiros para a Segurança Social, e os “recordes” de que se falam, são apenas uma consequência directa e natural de vários factores que todos conhecemos. Ou seja, é um reflexo de uma comunidade estrangeira que continua a crescer a um ritmo acelerado, composta sobretudo por pessoas em idade activa – incluindo muitos homens solteiros. De facto, apesar de o relatório contabilizar 750 mil estrangeiros, há notícias que apontam para 800 mil.

    Assim, falamos de 8% da população, com a esmagadora maioria no mercado laboral. Não será de espantar que a sua fatia de descontos para a Segurança Social seja significativa. Além disso, para explicar o saldo ‘astronómico’, há que ter também em conta outras variáveis, como a subida dos salários – tanto o mínimo como o médio – e o aumento das pessoas empregadas nos últimos anos.

    Saliente-se ainda que, por cada trabalhador, cerca de 34% da remuneração vai para este fundo social. Num salário bruto de 1.500, por exemplo, estamos a falar de 510 euros por mês. Não é coisa pouca.

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    Portanto, é evidente que ninguém mente se disser que “sem os imigrantes, alguns sectores económicos entrariam em colapso”. Afinal, estamos a falar de quase 10% da população. Mas afirmá-lo não serve, por si só, de argumento para coisa nenhuma; é a simples constatação de um facto observável. É a realidade actual, é certo; mas não é uma realidade imutável nem irreversível.

    Enfim, está a ser uma semana produtiva para alguns órgãos de comunicação social, sempre prontos a dar destaque a notícias que sedimentam as narrativas oficiais. O poder político agradece.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


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  • O “quarto poder” deixou de ser poderoso. Adivinhem de quem é a culpa…

    O “quarto poder” deixou de ser poderoso. Adivinhem de quem é a culpa…

    É lamentável o estado a que chegou a imprensa em Portugal. Jornais centenários correm um risco real de desaparecer, com títulos emblemáticos, como o Jornal de Notícias, a sofrer mais um golpe brutal com o despedimento anunciado de 200 funcionários.

    Supostas peças do “quarto poder”, os principais órgãos de comunicação social do país são cada vez menos poderosos. Mas a situação crítica ainda tem margem para piorar e não se vislumbra qualquer sinal que prenuncie uma inversão da actual tendência de queda de vendas e de circulação.

    Business newspaper article

    Nada disto é assim tão surpreendente. Quando olhamos para os jornais, o que vemos? Salvo poucas (e honrosas) excepções, aquilo que o vulgo chama palha e mais palha. “Notícias” que apenas fazem eco da propaganda política, meras transcrições de discursos que, na melhor das hipóteses, são vazios e irrelevantes, quando não puramente desonestos. Por vezes, “notícias” com tons de press release de agências de comunicação. Sobre a crise política, jornais de referência titulam agora, por exemplo, que “Costa está “magoado” e questiona se hoje procuradora e Presidente “fariam o mesmo””. O primeiro-ministro coloca-se agora habilmente no papel de vítima, acolhida pela imprensa, quando na verdade apenas aproveitou o famigerado “parágrafo” para se demitir e abandonar o barco depois de o ter levado ao fundo. E a imprensa mainstream, em vez de chamar António Costa à pedra pelo lastro de destruição deixado, vê “valor-notícia” nos seus alegados sentimentos e colabora nestas tácticas de manipulação. Valerá a pena pagar por este material jornalístico?

    Já a entrevista de Costa à CNN, na segunda-feira, dispensa grandes comentários. Quando uma das questões colocadas ao principal responsável pelo estado do país é “sabe quem faz anos amanhã?” (referindo-se a Marcelo Rebelo de Sousa), sabemos que o circo está montado e os palhaços somos nós. Bem que podiam ter trocado o excelso jornalista Nuno Santos pelo apresentador do ‘Alta Definição’, Daniel Oliveira, já que a tónica da conversa se coadunou muito mais com este último programa do que com uma entrevista séria e incisiva ao primeiro-ministro cessante.

    Com mais de quatro milhões de portugueses que seriam pobres sem apoios sociais, a imprensa embarca no jogo do “fáctico poder” e põe-nos a discutir minudências, enquanto somos levados para o abismo, qual Orquestra do Titanic. O debate público resume-se ao superficial e acessório, como as sondagens e o “carisma” dos líderes ou a sua falta, em vez de se centrar nas políticas de cada partido, nas suas propostas e visões para o país.

    people playing violin inside dim room

    Nesta perspectiva, se a classe jornalística atravessa um momento difícil, parece-me evidente que os seus profissionais também fizeram a cama na qual agora se deitam – algo que ficou, aliás, bem patente na semana passada. Descendo mais um degrau na sua credibilidade, vários jornalistas consideraram de interesse público os ‘desabafos’ de Facebook do director de Neuropediatria do Hospital de Santa Maria, António Levy Gomes. O médico que, recorde-se, veio a público no âmbito da investigação da TVI sobre a alegada cunha presidencial no tratamento milionário das gémeas luso-brasileiras, e assegurou que a situação não tinha sido “normal”.  

    No entanto, talvez procurando descredibilizar o seu testemunho, vários jornalistas – um triste ramalhete onde se inclui a directora da Visão, Mafalda Anjos, Rita Marrafa de Carvalho ou Fernando Esteves (que já não escrevia no “insuspeito” Polígrafo desde Janeiro passado, onde supostamente é de novo director) – divulgaram publicações feitas pelo neuropediatra na sua página pessoal, onde o médico lançava críticas inflamadas (mas legítimas numa sociedade democrática) ao Presidente da República, a António Costa e o director-executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo.

    É consternador ver outros jornalistas, numa espécie de tentativa de assassinato de carácter, a difundir as opiniões políticas de um médico que denunciou uma situação irregular e grave que envolve o Supremo Magistrado da Nação. Mas é este o calibre dos profissionais que hoje fazem a ‘nata’ da classe.

    a man reading a newspaper while holding a fire

    Domesticados e acomodados, pouco mais fazem do que reproduzir comunicados e narrativas oficiais sem qualquer contraditório, desde a covid-19 até às alterações climáticas e pregações woke, e ainda fazem tábula rasa do direito à liberdade de expressão, tentando desacreditar um delator que – escândalo dos escândalos – não simpatiza com o actual Governo e atreve-se a criticá-lo de uma forma menos “polida”, sem medir palavras.

    Enfim, diria que a catástrofe que se tem abatido sobre a imprensa mainstream é indissociável da crise de regime em que nos encontramos. É, em simultâneo, causa e sintoma da falência das instituições. E é esta convergência de factores que torna urgente uma reflexão profunda e, em última análise, uma mudança estrutural no modo como se faz jornalismo.

    Mesmo neste cenário negro, mantenho a esperança de que o jornalismo português consiga renascer das cinzas, pela mão de uns poucos que ainda são dignos de serem chamados “jornalistas”.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


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  • Uma cura natural para uma doença fatal

    Uma cura natural para uma doença fatal

    Título

    Como viver sem diabetes

    Autor

    MANUEL PINTO COELHO

    Editora (Edição)

    Oficina do Livro (Outubro de 2023)

    Cotação 

    17/20

    Recensão

    Nas sociedades modernas, a diabetes mellitus (tipo II) é já uma verdadeira epidemia; ‘sintoma’ do nosso estilo de vida moderno, muito assente em hábitos alimentares prejudiciais à saúde e um sedentarismo endémico. Tão prevalente, esta doença é erradamente vista como uma sentença – uma vez diagnosticada, a única via possível, de acordo com a “Medicina Convencional”, parece ser o seu controlo através de medicação e injecções de insulina. Contudo, para Manuel Pinto Coelho, nada poderia estar mais longe da verdade, e explica-nos porquê no seu mais recente livro Como viver sem diabetes, editado pela Oficina do Livro.

    Com mais de 50 anos de prática clínica (como já aqui referimos numa outra recensão do mesmo autor), Manuel Pinto Coelho tem-se notabilizado por apregoar uma mensagem fundamental que de tão simples deveria ser seguida com naturalidade: precisamos de aprender a olhar para as causas das doenças, e a preveni-las através das nossas escolhas diárias, em vez de camuflá-las com medicamentos (a abordagem mais usual e convencional). E se esta visão se aplica à generalidade das possíveis afecções ou doenças, aplica-se também, naturalmente, à diabetes tipo II.

    Como se salienta neste livro, à escala global 537 milhões de pessoas padecem desta condição; um número que se prevê duplicar até 2050. Em Portugal, “a doença mata quase uma dúzia de pessoas por dia” (pág. 29). Apesar destas assombrosas estatísticas, a boa notícia que nos traz Manuel Pinto Coelho é que através de uma alimentação adequada, exercício físico regular, um sono reparador e algumas ferramentas adicionais – como suplementos alimentares adequados e jejum intermitente – é possível evitar, ou até mesmo curar, a diabetes. 

    Isto porque, como o médico sublinha, a diabetes é sobretudo uma doença “nutricional”, uma “filha indesejada do ‘desenvolvimento’” (pág. 35), que se instala quando o corpo se torna resistente à insulina – uma hormona segregada pelo pâncreas para “controlar o armazenamento de glicose dentro das células adiposas” (pág. 46).

    Manuel Pinto Coelho explica também em detalhe a “cura” por si sugerida: quais os alimentos a privilegiar, como fazer o jejum, e indica-nos um conjunto de suplementos nutricionais com “provas dadas” que poderão ser benéficos para quem se defronta com a doença, ou àqueles que se encontram em risco. Entre os suplementos naturais que mostraram resultados promissores em estudos científicos no controlo da glicemia, destaca-se a berberina, extraída através de uma planta (pág. 100).

    Além disto, embora por si só não seja suficiente, o médico sublinha a importância de controlar a qualidade e a quantidade dos hidratos de carbono ingeridos, nomeadamente o açúcar. Nesse sentido, fala-nos de 147 potenciais malefícios do açúcar; uma lista que assusta de tão comprida.

    Sobre este aspecto, devemos ter presente que o açúcar se “esconde”, com frequência, por trás de um sem-número de designações. Por isso, nas idas ao supermercado, recomenda-se atenção aos rótulos de modo a identificar estas outras formas que o açúcar pode tomar; e nas quais se contam, entre outras, a glucose, a frutose, a lactose, a dextrose e a maltodextrina. 

    Ainda assim, o melhor é que não seja necessário olhar a rótulos, privilegiando-se uma dieta à base de alimentos integrais, que não veem em embalagens. Até porque, infelizmente, nem os adoçantes comuns como o Aspartame e o Acessulfame K, são uma alternativa aconselhável ao açúcar: não são úteis no controlo do peso, e ainda “agravam o risco de cancro” (pág. 161).

    Manuel Pinto Coelho enfatiza a obesidade como o maior factor de risco para a diabetes mellitus, e mostra como esta doença, por sua vez, pode depois desencadear uma série de outras maleitas. Como estratégia de prevenção, explica também ao leitor como pode, através de análises ao sangue, perceber se está a desenvolver um quadro inflamatório ou de resistência à insulina, antes de chegar ao ponto de adoecer.

    Quanto à “cura” que a Medicina Tradicional tem para oferecer aos diabéticos, o médico mostra-se crítico: a insulina não resolve a questão, podendo até ser mais uma fonte de problemas. No seu entender, não são os doentes quem beneficia com esta abordagem, mas quem dela retira dividendos financeiros. E sustenta a tese com alguns dados, adiantando que “o mercado mundial da insulina humana deverá atingir os 29,9 mil milhões de dólares norte-americanos até 2025” (pág. 131).

    Escrito com base em evidências científicas, Como viver sem diabetes apresenta-se como um guia de leitura aprazível mas sobretudo de uma extrema utilidade para quem sofre desta doença ou para quem está em risco de a desenvolver ou para quem a quer evitar. Ou seja, potencialmente para todos. Afinal, quem pode recusar a possibilidade de uma cura natural, barata, e livre de efeitos adversos para um flagelo que assola tantas pessoas em todo o Mundo?

  • O ‘wokismo’ tem novo alvo: a sala-museu Marcello Caetano

    O ‘wokismo’ tem novo alvo: a sala-museu Marcello Caetano

    As universidades devem ser lugares livres, proporcionando um ambiente favorável ao debate aberto, ao pensamento crítico e à discussão de ideias, independentemente – ou apesar – das ideologias de cada um. Não devem nunca, e por nenhum motivo, converter-se em locais de pregação de correntes ideológicas, onde se alimentam dogmas, ou servir de instrumento para a expurgação ou reescrita do passado.

    Comparando com outros países, com os Estados Unidos à cabeça, a Academia em Portugal parece estar a manter-se imune às pressões de certos grupos que gostariam de a transformar num espaço subordinado às imposições do movimento woke. Mas, como se visto em diversas situações, os acólitos do wokismo não desistem de tentar impregnar as nossas universidades com a sua ‘mundivisão’.

    Isto a propósito da iniciativa de um grupo de alunos da Faculdade de Direito de Lisboa da Universidade Clássica que consideraram inaceitável a existência, naquele estabelecimento de ensino, de uma sala-museu “dedicada” a Marcello Caetano, constituída em 2006.  

    A questão foi debatida na Reunião Geral de Alunos, sujeita a votação, e terá sido até alvo de uma “discussão acesa”. E se a obsessão woke com a toponímia e o encerramento de museus pode tornar-se exasperante, deve deixar-nos optimistas que os novos ‘justiceiros sociais’, na tentativa de recontarem a História a seu gosto, tenham encontrado oposição.

    Mas olhemos para os argumentos dos alunos indignados com o espaço museológico em honra do sucessor de Salazar, mas que continua a ser considerado um dos pais do moderno Direito Administrativo, de onde foram ‘beber’ jurisconsultos como Jorge Miranda, Diogo Freitas do Amaral, Fausto de Quadros e até, hélas, Marcelo Rebelo de Sousa. Dizem eles, os alunos indignados, que “não pode haver lugar a celebrações acríticas do regime fascista e das suas figuras” e que “a sala ignora toda a outra faceta de Marcello Caetano, que perpetuou a ditadura, a censura, a repressão e o colonialismo durante o tempo que esteve no poder”.

    people in black shirts and black shorts sitting on bench during daytime

    Ora, ao contestarem “celebrações acríticas”, estão os alunos a defender, como alternativa, uma “celebração crítica”? O conceito soa algo paradoxal, mas parece que sim. Um dos activistas, João Moreira da Silva, que escreveu um artigo de opinião no Público intitulado “Ainda se celebra o Estado Novo na Faculdade de Direito”, queixara-se de que nem uma menção havia sido feita acerca dos males perpetrados pela mão do (no seu entender) facínora Marcello Caetano.

    Só que, sejamos claros, João Moreira da Silva & Companhia não fizeram todo este alarido apenas para pedir a introdução de uma ‘nota de rodapé’ dizendo que o antigo líder do Estado Novo, embora um destacado jurista, foi, enfim, um homem branco, opressor, tóxico, colonialista, autoritário, etc.. Assim, entende-se que a ideia de uma ‘celebração crítica’, mesmo se vingasse, não bastaria para os satisfazer. Eles querem, efectivamente, que o núcleo museológico seja encerrado.

    E querem-no porque não gostam de quem foi nem do que representa Marcello Caetano; e estão no seu direito. Mas recorrem a argumentos engenhosos para sustentar a sua tese, dizendo que “os homens não são apenas aquilo que escrevem, mas também o que fazem nas suas vidas”. Por esta ordem de ideias, resultará que só alguém com um historial impoluto e imaculado pode ser relembrado pelas suas virtudes – mas, é claro, tal pessoa não existe. 

    Se quisermos apagar das nossas referências históricas todos os homens (e até algumas mulheres) com passado pouco ‘honesto’ à luz dos olhos do presente, então podemos começar a lista pelo marquês de Pombal, e mais a sua estátua, que aliás foi erigida pelo Estado Novo. Podemos fazer isto, mas será apenas uma estupidez.

    It goes without saying, mas uma figura histórica não tem de ser consensual para ser celebrada ou homenageada; nem de agradar a gregos e a troianos, sendo que tal, é, em todo o caso, extremamente difícil. E, convenhamos, se existe alguma ideia consensual e generalizada sobre Marcello Caetano na sociedade portuguesa, ela não abona de todo a seu favor.

    Também é absurdo defender que uma homenagem seja acompanhada por um apontamento condenatório, ao estilo ‘fulano destacou-se por X, mas foi pródigo em malfeitorias, nomeadamente Y e Z’. É ilógico, sobretudo no caso em apreço: Marcello Caetano não é propriamente um desconhecido dos portugueses, e presume-se que quem chega agora à universidade não precisa que lhe expliquem qual foi o seu papel durante a ditadura.

    Marcello Caetano (1906-1980)

    Esta cruzada persecutória do passado, protagonizada pelos militantes woke, é exaustiva e assume mesmo contornos reminiscentes de um culto religioso – conseguindo, no entanto, a proeza de ser ainda pior, como sublinha o intelectual francês Jean-François Braunstein em A religião woke, editado em Setembro pela Guerra & Paz. Pior, porque é mais implacável, ao não admitir qualquer perdão nem salvação aos “pecadores”. Mas, tal como uma religião, assenta em crenças e é movida a emoções, não se deixando, por isso, contrariar pela racionalidade.

    No livro, Braunstein salienta o facto de o wokismo ter germinado nas universidades norte-americanas. Algo verdadeiramente espantoso, se pensarmos na academia como um reduto da ciência contra preceitos de fé e o obscurantismo. Mas se, nos Estados Unidos, alguns académicos foram responsáveis por impulsionar este maldito movimento, espero que, por cá, outros tenham a coragem de lhe fazer frente.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A censura legalizada e a distopia

    A censura legalizada e a distopia

    Ontem de madrugada, noticiava o Público que “Governo e PS querem criminalizar discriminação por convicções políticas”. O jornal referia-se, eufemisticamente, a uma proposta de lei que compreende alterações ao artigo 240º do Código Penal, ao qual se somariam novas adendas para combater o “discurso de ódio”. Esta era já a sexta alteração ao dito artigo, que foi votada esta semana na Assembleia da República. Mas algumas horas mais tarde, pela noitinha, o partido que sustenta o ainda actual Governo deixou cair as referências a ideologias ou instrução.

    Em todo o caso, mostra-se evidente que esta retirada foi estratégica, devido à polémica que traria para campanha eleitoral das próximas legislativas, porque a essência manter-se-á. As intenções do Executivo socialista – tituladas como foram pelo sempre amistoso Público – parecem, à primeira vista, muito aceitáveis e até benévolas. Mas o problema surge quando começamos a desmontá-las e a raciocinar sobre as implicações na sua implementação. E na prática, no reino do palpável, despindo-se-lhe o invólucro angelical, percebemos que se trata de uma medida tenebrosa por tão antidemocrática.

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    No Código Penal em vigor, o artigo que versa sobre a “Discriminação e incitamento ao ódio e à violência” já estipula uma pena de prisão de até oito anos para actos discriminatórios com base na “raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica”. Mas, com esta proposta de lei, a lista de ofensas criminalizáveis passaria também a incluir a discriminação por “convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou a pretexto de uma culpa colectiva baseada em qualquer um destes factores”.

    Com critérios tão nebulosos e ambíguos, a pergunta impõe-se: de que modo planearia o Governo fazer cumprir esta medida? Seria aberta uma caixa de Pandora, até porque quem fosse processado por atentar contra “convicções políticas e ideológicas” de uma determinada pessoa ou grupo, também poderia queixar-se de estar a ser discriminado (por o processo judicial ter a intenção de o castigar, ‘discriminando-o’ da sociedade) pelas suas próprias “convicções políticas ou ideológicas”.

    Havia ainda um outro aspecto igualmente escabroso: na linha do proposto, quem incorresse nestes “crimes”, poderá ser punido com a interdição de servidores informáticos, sem data limite, para o resto da vida. Ou seja, poderia ver-se privado de usar as plataformas digitais tradicionais com ‘pena perpétua’. Orwelliano quanto baste.

    Mas havia mais. O Público revelava, na notícia da madrugada de ontem, que “o texto inicialmente redigido pela Presidência do Conselho de Ministros e ao qual o PS propôs pequenas alterações aumenta o leque das pessoas que podem ser acusadas de discriminação porque já não abrange apenas as actividades de propaganda organizada, mas sim todas as actividades de propaganda em geral.”

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    E o jornal fornecia ainda exemplos mais concretos de como esta proposta de lei se poderá aplicar, dizendo que “não poderão ser transmitidas imagens e sons, assim como citações num artigo sobre declarações num comício de um partido discriminando outro”.

    Resumindo: critérios adicionais, e extremamente duvidosos, que permitem punir criminalmente alguém; visando potencialmente mais pessoas. Um golpe grotesco contra o direito à liberdade de expressão, com a conivência habitual da nossa imprensa mainstream. Note-se: a notícia do Público até soava muitíssimo bem; qualquer um concordaria. Alguém estará a favor de uma “discriminação por convicções políticas”?

    O problema é saber o que é, agora, discriminação. Agora, há uma enorme facilidade para classificar qualquer coisa como discurso de ódio, e feito isto, não se sabe bem por quem, logo se condiciona a liberdade de expressão e a censura de opiniões alheias. E isto deve fazer-nos olhar para a questão com muita cautela. Por estarem em causa linhas tão ténues, a censura e o condicionamento da liberdade de expressão são matérias sobre as quais é difícil atribuir a alguém em concreto o papel de polícia do discurso. E entregar esse papel a um Governo ou mesmo a um tribunal com um Código Penal feito por um Governo é assunto delicado numa democracia. Por via das dúvidas, será sempre mais prudente garantir que cada um possa dizer o que se lhe aprouver, correndo o risco de se ofender alguns (e até ser processado se ultrapassar limites a analisar em concreto), do que lesar um direito tão elementar como o da liberdade de expressão.

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    Vivemos tempos assaz perigosos, porque se mascaram intenções vis e perversas através de uma alegada preocupação com o “bem comum”. A censura continua a escalar a uma velocidade alarmante, sempre justificada pelo combate à intolerância e ao discurso de ódio – uma manobra que não passa de uma tentativa de cercear direitos e liberdades.

    O mais lamentável é ver autoproclamados democratas, da esquerda à direita, aplaudirem ou assentirem com esta medida, porque “o discurso de ódio é mau e urge combatê-lo”. Os mais cínicos, destilam, eles próprios, ódio nas suas redes. Os sonsos, fecham os olhos, quando não se divertem, com insultos e ataques lançados àqueles com quem antipatizam. É o ódio do bem, a par com a hipocrisia desmesurada.

    Por isso, nunca poderemos contar com a oposição de uma maioria que diz prezar a liberdade de expressão; um grupo no qual se incluem proeminentes jornalistas, políticos, comentadores, e que se estende aos demais cidadãos. Porquanto, eles mesmos apelam ao silenciamento de outras vozes, enquanto se banham na sua sinalização de virtude. Regozijam-se com a ideia de ver amordaçados os “odiosos” cujo único delito, amiúde, é destoar das convenções politicamente correctas. Projectam no outro uma pulsão ditatorial que, na verdade, está dentro de si. Entusiasmam-se com a prospectiva de ver enclausurados os seus concidadãos por um simples tweet, não compreendendo os distópicos contornos de tal punição.

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    Para eles, a liberdade de expressão deveria estar, na verdade, sujeita a vários condicionalismos. Liberdade de expressão, sim, mas com muitas cláusulas.

    Por isso, mesmo que agora o PS tenha deixado cair uma parte das suas propostas para instituir normas orwellianas, é necessário continuar alerta e relembrar: uma liberdade que quer condicionar previamente disparate, e até a injúria ou a mentira, não é liberdade alguma. É censura.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Javier Milei: a requentada ameaça do fascismo

    Javier Milei: a requentada ameaça do fascismo

    A Argentina está no centro da agenda mediática por causa de Javier Milei, o novo (excêntrico) presidente. Com a sua eleição neste domingo, a imprensa mainstream nacional mostrou-se mais comedida se comparamos com o retrato que lhe fizera quando candidato à primeira volta (algo que não agradou a alguma esquerda), mas vimos, ainda assim, uma tentativa de o colar à extrema-direita e de o apresentar como um perigo para aquele país sul-americano. Um pouco à semelhança do que aconteceu com Donald Trump ou Bolsonaro, nas redes sociais e nos jornais portugueses muitos reciclaram o fantasma do “fascismo” que se abateria sobre os argentinos com o resultado da eleição.

    Ora, este receio é um déjà vu; vimos levantar-se medos similares por diversas vezes no passado até se mostraram falsos. Muitas críticas poderemos apontar àqueles ex-presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, mas hoje é mais do que claro que nunca houve qualquer fundamento sólido para os receios da imposição de regimes autoritários e repressivos, com usurpação do poder. E, ainda assim, hoje há quem insista muito num mito exasperante de que alegados “fascistas” chegarão ao poder e quando tal suceder será o fim dos tempos.

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    Agora que Milei surge como uma realidade política, porque foi mesmo eleito Presidente da Argentina, ecoam vozes de ele vir a ser ‘pior’ do que Trump e Bolsonaro. E juntos! E anunciam que pior que um pavoroso fascista, é virmos assim a ter um fascista elevado ao quadrado…

    Vejamos como Milei surge no contexto político da Argentina, e como se posicionam os seus críticos. Então, por um lado, temos um país enterrado numa crise económica e social, com taxa de inflação acima dos 140% e cerca de 40% do povo vive abaixo da linha da pobreza, mas afinal será com a vitória de um assumido anarco-capitalista liberal que os argentinos está condenados? Ou seja, com o lastro de destruição deixado por políticos de esquerda – embora, já sabemos, “não era esquerda de verdade” –, há quem consiga pintar um monstro sobre quem ainda não governou.

    Não querendo defender os Governos de Trump, de Bolsonaro e, mais recentemente, de Georgia Meloni, é um facto que todos eles contrariaram a tese de que estas figuras de direita são o diabo em forma humana, o horror e desgraça das populações. Aliás, convém recordar que durante a psicose pandémica, vários políticos proeminentes da dita “extrema-direita” estiveram entre a minoria de vozes a insurgir-se contra medidas anti-covid que passaram por restrições de liberdades individuais e mesmo pela suspensão de direitos constitucionais.

    Mas os exemplos que desmontam esta oca narrativa do “fascismo” não acabam aqui.

    Ainda antes da pandemia, temia-se, entre outros cenários, que o destravado antecessor de Joe Biden começasse uma Terceira Guerra Mundial. Não deixa de ser irónico que, afinal, tenha sido com a Administração Biden – sempre vendido como sendo a todos os títulos melhor do que Trump –, que se iniciaram duas terríveis guerras ainda sem fim à vista. Contudo, incapazes de dar a mão à palmatória e não se deixando demover pelos factos, muitos ainda não alteraram em nada as suas ideias iniciais acerca de ambos os presidentes.

    Quanto ao Brasil, aqueles que dizem defender a liberdade artística e de expressão não se indignaram com a censura levada a cabo pelo Governo de Lula da Silva, e que inclui o silenciamento, por meios legais, de comediantes adeptos de humor negro, como Leo Lins. Talvez porque a liberdade que tanto preconizam apenas se aplica a certas ideias e pensamentos, sendo por isso muito condicional.

    É certo que não ser um temeroso fascista não basta para que um político mereça a nossa aprovação, mas aqueles que catalogam qualquer posição à direita do ‘nosso’ PSD como fascista deveriam repensar a sua argumentação – porque é enganosa, incoerente, e já roça mesmo a infantilidade.

    Seria mais proveitoso discutirem-se os evidentes sinais que indiciam uma democracia frágil, e tentar combatê-los. Sinais que, nos últimos tempos, crescem de forma alarmante com os partidos supostamente moderados, cujos Governos somos levados a apoiar precisamente pela sua moderação. Como se, nas suas mãos, as liberdades estivessem eternamente asseguradas, e só houvesse necessidade de despertar quando surge o papão da ‘extrema-direita’.  

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    As políticas “moderadas” trouxeram-nos ao ponto onde nos encontramos, e dizê-lo não serve para fazer apologia de políticas “imoderadas”, mas para apelar a um espírito crítico independente de rótulos superficiais e de facciosismo ideológico.

    Condenar um acto perpetrado por um político do lado adversário, e assobiar para o lado perante igual acto do nosso campo político, demonstra um tribalismo e um fanatismo que, na verdade, contamina o debate e corrói a democracia. Deixamos de falar em políticas e propostas concretas, e passamos só a trocar galhardetes clubísticos, recorrendo aos epítetos habituais como armas de arremesso.

    Posto isto, não sei se Javier Milei logrará algo de bom para a Argentina – tenho até sérias dúvidas, mesmo fazendo votos para que esta mudança radical acabe bem. Mas gostava, confesso, de ver algum decoro por parte de quem olha para um país a braços com uma inflação acima dos 140% e apenas consegue indignar-se com a hipotética ameaça da “extrema-direita”.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O futuro e os jovens ‘infantilizados’

    O futuro e os jovens ‘infantilizados’

    Tempos difíceis criam homens fortes; homens fortes criam tempos fáceis; tempos fáceis criam homens fracos; e homens fracos criam tempos difíceis – há quem conceba a existência deste ciclo perpétuo como um aspecto incontornável da vida.

    Mesmo sabendo que a realidade é sempre demasiado complexa para se resumir a rótulos ou frases pré-fabricadas, considero que este paradigma é aplicável a muitas situações e momentos históricos. E o que vivemos, os tempos mais recentes, são disso um exemplo.

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    Se tivesse de situar a fase em que nos encontramos, diria que nos estamos na parte que cruza os “tempos fáceis” com “homens fracos”, adivinhando-se – e desenhando-se já –, por isso, tempos desafiantes. Tempos fáceis construídos pela geração que corresponde aos nossos avós, os “velhos” de agora.

    Uma geração que viveu privações, guerras, e pobreza, foi a mesma que nos legou um mundo com substanciais avanços científicos e sociais e melhorias notáveis na qualidade de vida. Os jovens e crianças de hoje têm um mundo de possibilidades e oportunidades que os seus antepassados (não muito longínquos) não tiveram; muitas vezes, à distância de um clique, como se costuma dizer.

    Ao mesmo tempo, as camadas mais jovens, que tudo têm e tiveram “de bandeja” – e ainda bem –, parecem evidenciar, paradoxalmente, sinais gritantes de desorientação, insatisfação, falta de sentido e uma expectativa de que tudo lhes é devido, como e quando querem.

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    Aqui, não se pretende generalizar nem dramatizar, sendo certo que todas as gerações têm as suas especificidades, e vêm sempre com qualidades e “defeitos” conforme a época em que se inserem. Mas este artigo surge como uma reflexão acerca de uma notícia do Expresso, dando conta de uma crescente infantilização dos jovens no ensino superior – notada (e lamentada) pelos docentes –, e acompanhada de uma hiper-protecção por parte dos pais.

    Como alguém que nasceu na década de 1990, e que passou pelo ensino universitário em anos recentes, a minha experiência corrobora este artigo. É visível, nas universidades, remessas de alunos que parecem ter apenas um lema: “exigir, exigir, exigir”. A tolerância à frustração é nula, ou quase inexistente. A mais pequena adversidade serve de motivo para um protesto musculado ou para uma reivindicação. Receber um “não” de um professor, mais do que uma vez, é suficiente para enfurecer os alunos e levá-los a desfazerem-se em queixas aos coordenadores.

    Os alunos têm uma enorme dificuldade em manter-se concentrados, em tolerar uma aula mais teórica e expositiva. Alguns, choram se obtém nota menos boa, não obstante o seu esforço não ter merecido uma classificação melhor – e isto, mesmo no meio de um clima de facilitismo, onde os docentes tendem a “puxar” as notas para cima. Os professores têm de ceder às exigências dos jovens, corresponder às suas vontades e caprichos. As matérias, têm de lhes ser todas facultadas conforme acharem melhor, a “papinha” tem de estar toda feita.

    man in white shirt carrying boy

    De facto, o que se denota não é um espírito aguerrido ou contestatário dito “saudável”, de alguém que se rebela contra uma injustiça ou luta por causas ajustadas e pertinentes. Não. Aquilo que vemos é mesmo o que vulgarmente se denomina de “meninos mimados”, que fazem birras desproporcionais e creem não ter quaisquer deveres correspondentes aos seus direitos, que não toleram a mais pequena contrariedade ou obstáculo. É natural – é a geração que se habituou a ter tudo antes de sequer precisar de dizer “ai”.

    Este paradigma está nos antípodas do experimentado pelos que hoje são idosos. Foi proporcionado por pais que, felizmente, alcançaram maior estabilidade e prosperidade, e quiseram, como é lógico, dar aos seus filhos tanto quanto possível. Não existem culpas a ser apontadas: houve uma confluência de circunstâncias e de mudanças sociais por trás da juventude actual.

    Uma juventude com excelentes qualidades, mas que parte com uma certa desvantagem por ter crescido numa bolha de facilidades, fomentando a ilusão de que o mundo gira em seu redor. São também, amiúde, estes jovens que, por falta de sérias preocupações, se indignam, nas redes sociais, com as “causas da moda” – sejam as alterações climáticas provocadas pelo metano das vacas, o flagelo do misgendering (errar-se nos pronomes de alguém), ou a luta incessante contra o patriarcado, sem se aperceberem que, provavelmente, pertencem à geração mais afortunada a pisar a Terra desde que o Mundo é Mundo.

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    A este propósito, numa entrevista, uma comentadora canadiana mostrava-se complacente com estes jovens, tão abençoados como atormentados, dizendo que acha mais difícil esta ausência de sentido para a vida do que ter de se enfrentar guerras e fome, como foi o caso dos nossos avós. Se é mais difícil, não sei, mas também estou solidária com todos os jovens “infantilizados”, que cresceram com muito mais facilidades do que dificuldades – um grupo no qual até me incluo, em larga medida.

    Mesmo com receio dos tempos potencialmente difíceis ao virar da esquina, e que terão de ser, aliás, enfrentados e resolvidos pelos mais jovens, estou, naturalmente, a torcer por eles; e por todos nós, que somos o futuro.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


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  • Para variar, recordemos uma mulher ‘antifeminista’

    Para variar, recordemos uma mulher ‘antifeminista’

    Nos dias que correm, não faltam homenagens, odes e aplausos a mulheres feministas que, no passado ou no presente, se destacaram pela sua luta em prol dos “direitos das mulheres”. Há filmes e séries sobre as sufragistas e líderes de movimentos femininos retratadas como heroínas.

    Para uma boa parte das pessoas é um dado adquirido e inquestionável que o movimento feminista – geralmente dividido em três fases –, corresponde ao “lado certo” da História, e que as mulheres a batalhar pela ‘libertação’ feminina são as boas da fita. Eis o resultado da propaganda: revela-se apenas o lado “conveniente” da história, e varre-se para debaixo do tapete outros factos, outros posicionamentos, que têm também a sua legitimidade. Mas a verdade é que o movimento feminista nem sempre gozou de um apoio unânime entre as mulheres, tendo sido até alvo, em vários momentos, de uma energética oposição.

    Actualmente, parece estar a desenhar-se, por parte de algumas mulheres, uma tendência, crescente, de rejeição e questionamento sobre certos pressupostos feministas, mas a cultura mainstream continua a ostracizar por completo ideias “diferentes”, logo ditas “antifeministas”. E a diabolizar as mulheres que as trazem para cima da mesa.

    Este fenómeno não é, contudo, recente. No passado, já houve mulheres que torceram o nariz à propaganda feminista que prometia trazer consigo a “derradeira salvação”, convencendo as mulheres (ocidentais) que eram oprimidas, dizendo-lhes que a felicidade passava por se libertarem das amarras da maternidade e do trabalho doméstico – que algumas feministas tinham até a ousadia de comparar ao trabalho escravo!

    Essas mulheres viram o outro braço de quem lhe acenava com a cenoura da “libertação”. Viram que essa cenoura, na verdade, era como uma espécie de maçã envenenada que parecia apetecível e luzidia, mas poderia ser letal. Viram, de facto, que o feminismo foi, em grande medida, um “Cavalo de Tróia” para incutir aos poucos hábitos e ideias perversas – como a propaganda LGBT que assistimos hoje, cada vez mais agressiva –, e um instrumento para nivelar homens e mulheres de forma a serem mais fáceis de controlar e de “tributar”, educados para serem como hamsters reféns do trabalho e esvaziados do seu poder e influência no seio da família, já que a educação das crianças ficaria a cargo do Estado.

    woman spread hand

    Em resumo, era a fórmula perfeita para criar uma população facilmente manobrada, fragmentando e destruindo a família. E, já agora, vale a pena deixar a nota: o movimento feminista, sempre vendido como uma pedra no sapato do “patriarcado”, foi na verdade financiado e apoiado também por alguns dos homens mais poderosos do mundo, como os membros da família Rockerfeller.

    Uma das mulheres que alcançou maior atenção mediática pelo seu activismo contra o movimento feminista foi Phyllis Schlafly (1924-2016), uma advogada norte-americana conhecida por criar uma enorme onda de contestação à Equal Rights Amendment (ERA) nos anos 1970.

    Esta emenda queria, supostamente, tornar inconstitucional a discriminação com base no sexo, mas Schlafly contrapunha que, na verdade, poderia retirar às mulheres privilégios como o direito a serem financeiramente sustentadas pelos maridos e o costume de ficarem com a custódia dos filhos em caso de divórcio, ou de não poderem ser convocadas em caso de guerra.

    Phyllis Schlafly (1924-2016)

    A activista lançou, na altura, o movimento STOP ERA, com a sigla STOP a significar Stop Taking Away our Privileges [Parem de roubar os nossos privilégios], e conseguiu mesmo impedir que a emenda fosse ratificada. No fundo, Schlafly viu para lá do slogan muito agradável ao ouvido, mas que muitas vezes não passa de uma forma de manipulação dos “direitos iguais entre os sexos”.

    Aqui chegados, com várias décadas de feminismo em cima, é fácil, aos mais atentos, ver quais foram os verdadeiros intentos do movimento. Quando hoje vemos mulheres a serem silenciadas porque se insurgem contra a possibilidade de serem reduzidas a “pessoas com útero”, ou porque explicam que as “pessoas que menstruam” são mulheres, é difícil não acreditar que o feminismo foi apenas o “prefácio” da ideologia de género, ao afirmar taxativamente que “não existem diferenças entre os dois sexos”.

    Mas existem diferenças entre os sexos, e não são poucas. Homens e mulheres são muito diferentes, e ainda bem. A sociedade deve tirar partido dessas diferenças, que os tornam complementares, em vez de tentar aplaná-las de uma forma perversa, reprimindo a sua natureza. E, claro, reconhecer que ambos têm certas tendências naturais distintas não é o mesmo que dizer que as mulheres vão gostar todas de bonecas e os homens de jogar à bola. Só que o principal motivo pelo qual o movimento feminista é nocivo para as mulheres é mesmo esse: diz-lhes que são iguais aos homens e não tem em conta a sua singularidade.

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    Podemos apontar vários efeitos colaterais do feminismo – elencar e aprofundar cada um deles daria para escrever um livro –, como a banalização da pílula anticoncepcional, que acarreta uma lista infindável de consequências físicas indesejáveis, e a impossibilidade de as mulheres ficarem em casa a cuidar dos filhos se assim o desejarem, porque hoje, à excepção de umas poucas privilegiadas, a maior parte das mães não pode prescindir de um ordenado.

    É, portanto, em defesa das mulheres que se torna imperativo, várias gerações após o início do feminismo, apontar os seus malefícios e as suas falácias. A degeneração parece estar a atingir agora o seu auge, mas foi chegando em pézinhos de lã, sempre travestida de boas intenções, dentro de uma caixinha de eufemismos, mentiras e frases bonitas. Por terem percebido onde iria desembocar a ladainha da “libertação das mulheres”, e terem visto para lá da propaganda, mulheres como Phyllis Schlafly merecem ser relembradas.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.