Etiqueta: Manuel Matos Monteiro

  • A Velha Esquerda e a Nova Esquerda: de qual gosta mais?

    A Velha Esquerda e a Nova Esquerda: de qual gosta mais?


    A Velha Esquerda queria habitação e saúde para todos. A Nova Esquerda quer habitação e saúde para todes.

    A Velha Esquerda considerava a Disney um instrumento do imperialismo que promovia os valores do capitalismo e das classes dominantes. A Nova Esquerda acha a Disney fofinha e inclusiva, vendo nela uma aliada (ou aliade) dos grupos discriminados (ou grupes discriminades).

    A Velha Esquerda defendia as fábricas e quem nelas trabalhava. Para a Nova Esquerda, as fábricas são um grave problema quanto às alterações climáticas e constituem antros de repulsivos homens brancos heterossexuais cis que são racistas, misóginos, xenófobos, homofóbicos, transfóbicos, islamofóbicos e gordofóbicos.

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    A Velha Esquerda falava de operários e proletários. A Nova Esquerda fala em nome de conglomerados de minorias como se fossem monolíticas e como se lhe houvessem outorgado mandatos para as representar, excepto quando se trata da Palestina, porque nesse território não há mulheres nem homossexuais nem não-binários — há até os Queers for Palestine (não é piada), pelo que qualquer dia ainda veremos os Toureiros Veganos.

    Antes do apedrejamento: o autor destas linhas foi sempre favorável ao casamento homossexual e até é vegetariano.

    A Velha Esquerda queria que os trabalhadores tomassem conta dos meios de produção. A Nova Esquerda quer que haja diversidade de toda a espécie, mas apenas nos cargos mais remunerados, poderosos e mediáticos, porque os demais cargos estão cheios de «deploráveis», parafraseando a expressão («cesto de deploráveis») de Hillary Clinton.

    A Velha Esquerda era soberanista, antiglobalização e anti-EUA. A Nova Esquerda é anti-EUA, mas importa, sem traduzir para as realidades de cada país, todas as lutas e todos os conceitos do país que alegadamente detesta. Acresce que a Nova Esquerda é globalista.

    A Velha Esquerda lutava contra a existência de escravos no presente. A Nova Esquerda está mais preocupada com os escravos do passado, tendo até trocado o vocábulo «escravos» por «escravizados», e luta pela censura de palavras ofensivas em livros de autores mortos, por reparações históricas e pelo derrube de estátuas dos que pactuaram há séculos (na imaginação ou na realidade) com a escravatura, enquanto se aproveita dos escravizados dos TVDE para viagens de curta distância em que esses escravizados ganham cêntimos.

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    A Velha Esquerda falava de exploração. A Nova Esquerda fala de inclusão, empatia e discriminação.

    A Velha Esquerda chegou a ser acusada de homofobia em 2015 (concretamente: de agressões verbais e físicas por pura homofobia) na sua maior festa anual. A Velha Esquerda afirmou ser a homossexualidade uma «coisa mesmo muito triste» (aspas de citação, ouça-se a entrevista de Carlos Cruz, de 1991, ao então secretário-geral Álvaro Cunhal). A Nova Esquerda, felizmente! (zero ironia), não fala assim (fala até em «orgulho gay» e em «género atribuído à nascença», algo bem diferente da orientação sexual, e que muitos insistem em confundir) nem agride ninguém LGBTQIA+ — excepto quando estão em causa Israel e a Palestina, como se viu no Finalmente, em que houve conflitos entre membros LGBTQIA+ e activistas pró-Palestina.

    A Velha Esquerda via um homem de unhas pintadas e chamava-lhe depreciativamente «burguês» (entre outros impropérios hoje impronunciáveis num texto jornalístico), preferindo representar os homens de unhas sujas do trabalho. A Nova Esquerda não aprecia unhas sujas e, quando vê um homem de unhas pintadas, chama-lhe «minoria discriminada», «grupo oprimido». Algumas franjas da Nova Esquerda vêem até nisto o motor do progresso, como a Velha Esquerda via na luta de classes o progresso da humanidade.

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    Antes do linchamento: quem escreve estas linhas já foi, bastas vezes, com a cara e os lábios pintados a concertos dos The Cure, entre outros exemplos que poderia invocar (a vida privada não tem de ser transportada para os jornais), pelo que é inútil acusarem este escriba de perpetuar «papéis de género». Sim, os «papéis de género» podem ser castradores para muitos, designadamente para os homens, que foram mais limitados na sua socialização quanto à expressão de afectos e emoções (as mulheres são menos julgadas socialmente se se abraçarem, beijarem, chorarem na rua, se disserem que outra mulher é bonita, ainda que isto esteja a mudar), na indumentária, na maquilhagem, no que estupidamente se considera «roupa e coisas de mulher» (as mulheres usam calças e saias, pintam-se, e não são olhadas de lado por isso), no vasto rol de «profissões de mulher» (sim, também há quem entenda haver profissões de homem), etc., etc.

    É precisamente sobre a desconstrução de «comportamentos e emoções de mulher», ironicamente anunciada no título, que os supracitados The Cure se ocupam na música com que terminam muitos concertos: Boys don´t cry, canção que pretendia desmanchar a abstrusa ideia de que os homens a sério não deveriam chorar nem ter uma série de pensamentos e comportamentos considerados femininos.

    A Velha Esquerda queria agregar todos os que via como explorados. A Nova Esquerda quer segmentá-los e encontrar novas categorias identitárias até ao infinito, ou seja, até ao superlativo individualismo.

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    A Velha Esquerda falava de luta de classes, acidentes laborais e salários em atraso. A Nova Esquerda fala de escolher os espaços públicos em função do género com que cada um/e se identifica, de masculinidade tóxica, de descolonizar o pensamento (ela diz: «decolonizar», porque é colonizada pelo inglês, que suprema ironia) e da necessidade de novos pronomes para acomodar novos géneros.

    De quando em quando, a Nova Esquerda, tal como a Velha Esquerda, gosta de usar métodos fascistas para combater aqueles a quem chama «fascistas», seja queimar cartazes ou livros. Haja alguma similitude em tanta diferença.

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Palavras de todos os dias

    Palavras de todos os dias


    Agora

    Experimente ouvir uma pessoa na televisão, na rádio, num contexto público ou privado, a falar durante quinze minutos. Quantas vezes disse «agora»? Com o sentido de quê? De «mas», de «por outro lado», de elemento de ligação de raciocínios quando tacteia em busca das palavras, de coisíssima nenhuma.

    Exemplos deste (ab)uso que devemos evitar:

    «Concordo consigo… Agora… em relação à crise, eu não penso que haja crise alguma.»

    «Nada tenho contra a Paula… Agora… não me casava com ela.»

    «Os extremismos têm crescido. Agora… a melhoria da qualidade das instituições e da percepção que os Portugueses têm delas é importantíssima neste combate aos extremismos e populismos.  

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    Amigo

    Por preguiça, por macaqueação, por jactância («oh!, eu tenho muitos amigos, eu sou encantador»), por pudor em usar «um conhecido meu» (como se isso escondesse atritos e má vontade), por contaminação do mundo digital, em que aqueles que até podemos nunca ter visto na vida são «amigos» (repare-se que há tantas pessoas que têm milhares de «amigos» nas redes sociais e repare-se ainda na quantidade de vezes que ouvimos: «é meu amigo [nas redes sociais]», «não tenho a certeza, mas acho que somos amigos [nas redes sociais]»); por tudo isso, a palavra perde peso e solenidade — perde importância.

    Se tudo é especial, nada é especial.

    Se amamos tudo, não amamos nada.

    Se tudo está sublinhado, nada está sublinhado, porque o efeito diferenciador se perdeu.

    Se Fulano tem 50 mil «amigos», muito provavelmente não terá nenhum.

    Porque é o diamante um bem tão valioso?

    Porque é raro.

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    Arrasar

    É impressionante o número de ocorrências, na linguagem publicada, na oralidade (seja num contexto público ou privado), deste verbo. No jornalismo, no mundo digital (notadamente nos títulos dos vídeos), o verbo superabunda. Se a equipa ganhou confortavelmente a outra, a equipa arrasou. Se Fulano esteve melhor numa discussão do que Sicrano, Fulano arrasou. Se Fulano criticou outro ou alguma coisa, Fulano arrasou outro ou alguma coisa. Se uma pessoa publicou fotografias sensuais ou se escolheu uma boa indumentária, essa pessoa, claro está, arrasou.

    Evento

    Saberão os jornalistas que, antes do moderninho anglicismo «evento» (saco em que cabe tudo), não se sentia falta de vocábulos para descrever acontecimentos, iniciativas, certames, actividades, exposições, mostras, espectáculos? (Revisitem jornais «antigos».) Que a diversidade vocabular e a consequente precisão informativa eram outras?

    A lógica é esta:

    — Ó pá, não sei bem do que se trata…

    — Se não sabes bem o que é, põe aí que é um evento.

    Dá para jantares, encontros de antigos alunos, corridas, bailes, noites em discotecas, observação de aves, palestras, festivais da marmota, tertúlias, discussões, colóquios, simpósios, manifestações, acrobacias de golfinhos.

    Quando não sabemos bem o que dizer, como definir, vamos ao saco das palavras e expressões que dão para tudo.

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    Parafraseando Miguel Esteves Cardoso a propósito de outra expressão, quando dizemos «dentro do género», encerramos o assunto e o nosso interlocutor fica na mesma. O filme é bom? Dentro do género. Gostaste do professor? Dentro do género. Come-se bem lá? Dentro do género. Ele é giro? Dentro do género.

    Pecado mortal das traduções: passar sempre event para evento. Sim, é só acrescentar uma letrinha.

    Que dizer quando já temos os Grandes Eventos da Antiguidade e da Idade Média (colecção de DVD)? Que dizer quando lemos «eventos traumáticos», em lugar de «experiências traumáticas»? Etc., etc., etc.

    Expectativas e seus parentes

    «Anseio», «vontade», «desejo», «esperança», «previsão», «era o esperado»… alto lá! Tudo isso para quê? Hoje, bastam as «expectativas», que ainda têm os familiares «expectante», «expectável» e «expectar» a acompanhá-las diariamente.

    «O que nós expectámos aconteceu. Era o expectável.»

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    O horror, o horror.

    Repare ainda no seguinte: ora se usam as palavras «expectativas» e «expectável» com o sentido de aquilo que se desejava, ora com o sentido de aquilo que se previa. Amalgama-se tudo, é mais fácil. O que se transmite não vai ao encontro do que se pensa? Oh, purismos e preciosismos da treta.

    Impacto

    É oficial: já não há efeitos, consequências ou repercussões. Já não há choques ou embates. Só há impactos. Impactos que impactam. Impactos que são impactantes.

    Experimente passar um dia sem ler e ouvir esta praga. Um dia? Uma hora.


    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Do uso disparatado de quatro palavras muito em voga

    Do uso disparatado de quatro palavras muito em voga


    Tolerância

    Eis um dos valores mais enaltecidos.

    A tolerância enxameia o discurso dos habitantes do espaço público. Quase ninguém se insurge contra o conceito insidiosamente servido a toda a hora. Se perguntarem aos habitantes e frequentadores do espaço público se tolerar é algo inerentemente bom, ouvirão um enfático «SIM» de quase, quase, quase todos eles. Fora da esfera pública, também empregamos o substantivo/nome «tolerância» (e o verbo «tolerar») como algo que devemos, a todo o custo, promover.

    Que preferia ouvir sobre si: «respeito-o/a» ou «tolero-o/a»?

    Acaso gostaria de ser «respeitado/a», «aceite» ou «tolerado/a»?

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    Ninguém dirá: «Gosto dele, mas tolero-o.» Mas muitos dizem: «Não gosto de X, mas tolero-o.» O lugar da adversativa deveria dizer-nos tudo sobre o conceito insidioso.

    Ninguém terá garantido ouvido outrem dizer: «Ah, como gosto de ser tolerado!»

    Gostamos e precisamos de tolerar e ser tolerados, ou de amar e ser amados?

    Que será mais elogioso: dizer que amamos, respeitamos ou admiramos X, ou que toleramos X?

    Reflicta sobre os exemplos anteriores e convide outros a reflectir sobre eles: andaremos a difundir um desiderato que não desejamos?

    Etimologicamente, diz-nos o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, «tolerar» vem do latim com os significados «levar, suportar um peso, um fardo; aguentar, suportar, sofrer; aguentar-se; ficar, persistir; suster, manter, sustentar; resistir a, combater».

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    Sucede que tolerar é mesmo suportar um peso ou fardo. Assim como há pessoas com graus de tolerância maiores ou menores, há também pesos e fardos maiores ou menores.

    Agostinho da Silva, no programa televisivo Conversas Vadias, com a entrevistadora Alice Cruz: «Tolerar é já marcar uma superioridade. […] Tolerar é dar licença, com desprezo, que o outro seja assim. Coitado, oxalá se modifique.»

    Vai, pensamento crítico sobre a tão elogiada e proclamada tolerância, faz o teu caminho.

    Filosofia

    Quanto mais vezes usamos expressões como «a filosofia da empresa», «a filosofia de jogo da equipa», «a filosofia de jogo do treinador», «a equipa soube interpretar a filosofia do contra-ataque e da contenção de bola», «a filosofia de vendas», «a filosofia de atendimento ao cliente», mais trivializamos e abandalhamos Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, entre tantos outros, ou seja, a filosofia e os filósofos (pretéritos, actuais e futuros).

    Privilégio

    Como se abusa desta palavra!

    Uma coisa é saber que há pessoas sem emprego, sem tecto, que há quem morra à espera de cuidados médicos por falta de dinheiro, que há crianças que passam fome, que há quem não tire (nem possa tirar) férias, que há muitos escravos pelo mundo fora (sim, ainda há muitos, muitos, muitos, incluindo escravas sexuais), que há velhos que sofrem violência nos lares, que há pessoas que sofrem violência na sua própria casa.

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    Relativizarmos a nossa sorte, a nossa condição pode ser um refrigério para muitos e pode levar alguns a concluir que chega a ser indigno tanto sofrimento fútil, tanta amargura, quando há tanta gente com razões tão mais fundas para sofrer. Camões, num soneto, promete contar-nos a história dos seus longos males, porque, assevera, «grandes mágoas podem curar mágoas». Quatro séculos depois, Scott Fitzgerald, no confessional The Crack-Up, lembra a cura habitual para o desânimo e a melancolia: considerar aqueles que vivem em verdadeira pobreza material ou em sofrimento físico.

    Outra coisa, bem diferente do que explanei até aqui, são as moderníssimas e ubíquas proclamações de que se teve, por exemplo, o «privilégio» de passar férias, entre uma caterva de «privilégios» que o discurso bem-pensante vai acumulando. Direitos elementares, muitos deles conseguidos à custa de lutas de séculos, são hoje apresentados como «privilégios».

    As altas e obscuras hierarquias agradecem este nivelamento por baixo, consubstanciado na troca dos «direitos» pelos «privilégios». As pessoas adoram fustigar-se por fruírem dos direitos mais básicos, enxertando o inevitável «privilégio» na sua sinalização de virtude, com a sombra da expiação da culpa: privilégio de ter casa própria, privilégio de ter emprego, privilégio de ter contrato, privilégio de passar férias alhures, entre uma miríade de exemplos.

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    Esta autofustigação diz-nos que, no limite, ser homem é ter o privilégio de não ser violado. (Sim, também há homens violados, mas os números são incomparavelmente diferentes. Hoje, explicar tudo é sinal de prudência.)

    Olhe, tenho o privilégio de não ser espancado diariamente, tenho o privilégio de não ser escravizado, tenho o privilégio de não trabalhar quinze a dezassete horas por dia como motorista TVDE.[1]

    Combatamos a exploração sem chamar «privilegiados» a quem frui dos mais elementares direitos.

    Fascista

    De tão gasta e puída, a palavra deixou largamente de identificar aquele que perfilha determinada doutrina política. Hodiernamente, converteu-se no insulto fácil que, de tão utilizado e impreciso, já quase só significa: a expressão do Mal, com maiúscula inicial.

    Em bom rigor, o fascismo consiste, afinal, em quê?  Nem toda a «democracia musculada» (locução utilizada por muita comunicação social amalgamando regimes consideravelmente distintos) é fascista, nem todo o autoritarismo (que não é um sinónimo perfeito de «ditadura») é fascista, e nem sequer toda a ditadura é fascista.

    Se queremos que a palavra inquiete o leitor/ ouvinte, devemos usá-la com mais parcimónia — e, acima de tudo, com precisão semântica. Mas, para isso, é mister estudar (no caso, o que foi o fascismo, estudo que implica mergulhar no regime de Mussolini).

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    Uma palavra que transporta consigo supressão de liberdades, presos políticos, tortura (e conheçam-se, com pormenor, as torturas em causa) e sepulturas (e só estas quatro horrendas características não chegam para definir a especificidade do fascismo, até porque são encontráveis noutros regimes que não se enquadram historicamente no «fascismo») não pode perder capacidade de evocação, de representação mental da lista de horrores. Tal palavra deve ser usada, insista-se, com mais parcimónia — e, por conseguinte, com mais viço, força e acutilância.

    Conhece a história de Pedro e o Lobo? É isso mesmo.


    [1] Facto noticiado, entre outros órgãos de comunicação social, pela TSF em 17 de Março de 2021: https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/ha-motoristas-tvde-a-trabalharem-15-a-17-horas-por-dia-13466711.html

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


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  • Diálogos hodiernos: eu, eu, eu e mais eu

    Diálogos hodiernos: eu, eu, eu e mais eu


    Gosto de observar o comportamento humano.

    Gosto de anotar diálogos para os usar na ficção. Porquê? Porque gosto de que sejam o mais verosímeis possível.

    Ultimamente, noto que as pessoas interrompem mais as outras para pôr o seu ego em cima da mesa. Tem a minha amostra significância estatística? Não sei. Pelo que ouço e observo (actividades a que me dedico com suficiente interesse e entrega), mais pessoas sentem o mesmo que eu.

    woman using telescope

    Já ouvi um indivíduo contar, aflito, a experiência que tivera no fim-de-semana, a sensação de ver a morte a abeirar-se enquanto surfava, o medo e a sombra que ainda o acompanhavam, e ser subitamente interrompido a meio da história por outro:

    — Isso não é nada. Eu já estive em ondas de oito e dez metros. Uma vez, em África… [E começou uma longa história com decénios, matando a possibilidade de o outro fazer a catarse do seu medo.]

    Já ouvi pessoas a interromper outras que contam uma história cheia de mistério e drama a um grupo, para introduzir pormenores de absoluta irrelevância:

    — E a senhora estava a esvair-se em sangue na margem da estrada. Saí do carro, fui ver o que podia fazer, liguei para o 112, e saiu um tipo de um descapotável azul para me gritar que eu não podia estar ali parado, e então tive de…

    — Não, o carro não era azul, era cinzento. Tenho a certeza, porque tenho muito boa memória visual. Já na escola me elogiavam a memória visual. Com nomes, não sou tão bom.

    Já ouvi anedotas que não chegaram ao fim, porque foram interrompidas por aquele que tem de ser sempre o ocupante-mor do palco:

    — Eu conheço essa, é muito antiga.

    people having a bonfire

    Num ápice, abreviou a anedota e revelou o final. Acrescentou de seguida:

    — Muito melhor do que essa é aquela… [E daí em diante, substituiu o orador da anedota, desatando a contar anedotas em que ria mais do que todos os ouvintes e marcando o ritmo com a invariável frase: «Esta é muito boa, não é?»]

    Já ouvi pessoas dizer que fazem anos nesse dia, esperando receber, no mínimo, os parabéns, e que, em lugar de receberem umas palavras sobre o seu aniversário, ouviram:

    — Curioso, o meu filho também faz anos no dia vinte e seis como tu, mas em Outubro. E a minha filha faz três dias antes, no dia vinte e três, mas também faz noutro mês: faz em Janeiro. E o meu irmão faz no dia vinte e um de Maio. Fazem todos entre vinte e um e vinte e seis com dois, três e cinco dias de intervalo cada um.

    Recentemente, tomei nota do seguinte diálogo:

    — Estou doente.

    — Olha, eu estive doente há dois meses. Não foi bem há dois meses. Foi há um mês e meio. Mês e meio, dois meses. Sim, por aí. Estava com uma dor de cabeça, uma sensação estranha pelo corpo. Quando pensava que estava curado, baixei a guarda e… olha… tive uma recaída. Fiquei com a vida suspensa, ainda hoje tenho coisas atrasadas. Estou para aqui a tratar de coisas que deixei penduradas.

    white ceramic mug on white table beside black eyeglasses

    — Eu estou com…

    — Pois, agora há uma série de coisas, é só pessoas com vírus, gripes, alergias. Conheço tanta gente que está doente.

    — Nem me deixaste dizer com o que é que estou.

    — Não te irrites.

    — Dizer-te que não me deixaste dizer com o que é estou é a expressão de um facto.

    — Que raio de linguagem é essa com um amigo? «É a expressão de um facto»? Parece que estou no tribunal.

    — Tu não me deixaste dizer sequer o que tenho. Tu só falas de ti.

    — Bem, hoje decidiste sentar-me no banco dos réus. Só falo de mim? Até estava a falar de pessoas que conheço. Isso que disseste é bastante injusto. Olha, estou agora a tratar de uma série de problemas da vida dos outros. Estava a tentar animar-te, tu é que disseste que eu só falava de mim. Porque sentiste necessidade de me atacar? Compreendo, estás doente. Mas não é a atacares quem é teu amigo e te ajuda que vais melhorar. Quando eu estava doente, nunca ataquei ninguém. Antes pelo contrário! É que não adianta mesmo nada atacares quem te ajuda.

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    — Quem é amigo ouve, especialmente na doença, que ainda nem sabes qual é. Se eu te dissesse que me tinha morrido um ente querido, procurando desabafar contigo, também me dirias a lista de conhecidos teus a quem morreu um ente querido?

    — Tenho a paciência de um santo. É o segundo insulto e a segunda mentira. Só falo de mim, primeira mentira. Não sou amigo, segunda mentira. Estás a ser extremamente estúpido e extremamente injusto.

    — Isso não é um insulto?

    — Não. É a expressão de um facto! Além disso, quem é que começou a insultar? E outra coisa: o que eu disse é verdade, ao contrário do que tu disseste, que é mentira. E eu disse «estás», não disse «és»!

    — Não vou discutir mais, porque não adianta e porque estou com trinta e nove de febre.

    — Não adianta, não, sabes que tenho razão.

    — Mudando de assunto, para a semana, faço anos e vou celebrar o meu aniversário. Se melhorar, claro. Marca já na agenda o dia 10, O. K.?

    — Vê lá se queres um não-amigo na tua festa.

    Minions toy on railings

    Termino com uma nota para todos os escrevinhadores inflados que querem publicar a sua escrita sem nunca ter lido um livro, para os influenciadores de toda a espécie e pinta que usam «eu» em todas as frases, para os teorizadores que pensam que a sua vida permite extrapolar máximas e teorias para todos (que, coitados, não terão vida), para os egomaníacos que escoam a vida para as redes sociais, sejam as fraldas do bebé, os pratos que comem, seja o gato, sejam desabafos diarísticos: não é por ter acontecido a ti que isso é importante para o mundo.

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


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  • Dois ingredientes de combate aos problemas de saúde mental

    Dois ingredientes de combate aos problemas de saúde mental


    Estava num museu londrino quando uns girassóis de Van Gogh me fizeram parar. Eram belos, magníficos…

    Que porcaria de adjectivos que não comunicam nada do que senti.

    Recomecemos.

    Era muito, muito, muito mais do que isso — um arroubo estético‑espiritual em que senti que, por uma vintena de experiências assim, qualquer vida já valeu a pena. Já sentira isso na poesia, na literatura, na música, numa lagoa em São Miguel ao ver o Sol nascer, com o céu azul infindo e o Sol à distância de um mover de mão, mas aquela tela do museu londrino continha propriedades mágicas, porque o olhar e a coisa olhada se tornavam num só ente.

    O meu espírito flutuava por outras regiões, como se a existência tivesse umas brechas minúsculas que se abrem meia dúzia de vezes ao longo da vida. Estava completamente absorto e extático, completamente instalado no sublime, quando o meu amigo e a minha amiga que me acompanhavam me sacudiram:

     — Estás aí há mais de meia hora! Já vimos tudo. Que é que estás a fazer?

    Para mim, a experiência ainda estava no início, e eu morava ali havia dois minutos. Pedi que me deixassem contemplar a tela mais uns minutos e continuei imerso no quadro, enquanto pensava na palavra «gratidão» e dizia de mim para mim: «Por que raio estou a pensar nesta palavra?»

    Quando os meus olhos se moveram vagarosamente do quadro, li numas letras pequenas que o pintor havia feito aquele quadro para descrever pictoricamente a gratidão. Voltei a reler para concluir que não sonhara.

    Nunca mais deixei de olhar para um girassol sem lhe agradecer, e o mais curioso é que ele me retribui sempre.

    Bem sei que há vidas dificílimas, bem sei que há muita injustiça, bem sei que temos tendência para contabilizar mais o que nos falta do aquilo que temos, mas é preciso vasculhar a gratidão nas nossas vidas.

    a large field of sunflowers with a sky background

    Sem gratidão, definhamos e tornamo-nos pessoas-cactos, criaturas inaturáveis para os outros.

    Além da gratidão, é forçoso cultivar o acto da escuta. Poucos terão dado conta de que se aprende mais a ouvir do que a falar. Há pouco tempo, cruzei-me com uma amiga no metro. Ela falou sem parar, sempre e só sobre a sua vida, e, quando saiu na estação perto da sua casa, perguntou-me: «Contigo, está tudo bem, não está?» Antes de eu ter tempo de responder, ela respondeu por mim: «Está tudo bem, claro, é assim mesmo. Gostei muito da nossa conversa. Bom ver-te!»

    Ela ficara contente com a conversa, mas não houve conversa: houve monólogo, e isso satisfê-la.

    Noto crescentemente que as pessoas perderam a capacidade de escutar o Outro. Escutar… algo mais fundo do que ouvir.

    A cara do Outro tem escrita que está noutro lugar quando não estamos a ser escutados.

    Numa discussão, a maioria das pessoas, pura e simplesmente, não ouve, apenas fica a pensar no que dizer a seguir, enquanto o outro vai falando. Como as pessoas não se ouvem nas discussões, têm sempre de acrescentar que não disseram o que os outros disseram que elas disseram — têm, em suma, de rebater inúmeras falácias do espantalho. E há argumentos espantosos entre pessoas que se conhecem bem e se respeitam: «Mas, para ti, a vida das crianças do país x não vale nada?», diz uma. «Não te importas com o genocídio, já percebi», responde a outra.

    two women's sitting in front of sunflowers

    Se as pessoas se descentrassem do seu umbigo, praticariam mais o egoísmo altruísta, seriam mais felizes e fariam os outros mais felizes. Tudo isto soa a conversa pueril e livro de auto-ajuda? Talvez. A criação excede o criador, e eu limito-me a descrever o que a vida me apresenta. Sim, acredito no egoísmo altruísta, por ridiculamente trivial que possa soar este oximoro. Pelo que observo, sou obrigado a ter muita dificuldade em acreditar na felicidade (perdão pela rima) sem o verbo dar conjugado na primeira pessoa. (Que é isso da felicidade?, dirão muitos. É o pano de fundo, contraponho.) Tenho muita dificuldade ainda em acreditar no bem-estar de cada um se não nos interessarmos vivamente por outros. (Não escrevi «pelos», a abrangência seria maior.) E esse interesse acarreta escuta. Inevitavelmente.

    Em suma, que a conversa já vai longa, se as pessoas escutassem o Outro, os psicólogos e psiquiatras teriam um quarto dos clientes.

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Tullius Venenus e o poder

    Tullius Venenus e o poder


    «Proletários de todo o mundo, uni-vos!», escreveram Marx e Engels em 1848, frase que muitos repetiram e proclamaram.

    O sonho de Marx e Engels não poderia, no entanto, estar hoje mais esfarelado, apesar de um por cento da humanidade acumular quase o dobro da riqueza dos restantes noventa e nove por cento. Mas pronto… já não haverá salários em atraso, já não haverá acidentes laborais, evoluímos tanto que, parafraseando José Alberto Braga, em Pensamentos & Reflexões, os escravos até já têm Cartão de Cidadão.

    Nos dias de hoje, o mote é outro.

    O mote é o seguinte: «Proletários de todo o mundo, apartai-vos e dilacerai-vos, procurai o maior número de fragmentações entre vós!»

    pair of pink boxing gloves

    Jovens e velhos, guerreai uns contra os outros!

    Homens e mulheres, lutai encarniçadamente uns contra os outros!

    Trabalhadores do público e trabalhadores do privado, apartai-vos e insultai-vos!

    Nacionais e estrangeiros, lutai uns contra os outros!

    Brancos e não-brancos, lutai uns contra os outros!

    Imigrantes legais e imigrantes ilegais, lutai uns contra os outros!

    Descendentes de ex-colonizadores e descendentes de ex-colonizados, lutai uns contra os outros!

    Pobre, o teu inimigo é o miserável!

    Remediado, o teu inimigo é aquele que vai nu!

    Trabalhadores empregados, a vossa luta é contra os desempregados, contra a malta do RSI, que gasta o dinheiro em cidades cosmopolitas e hotéis de cinco estrelas, e contra esse grande saco a que se chama «subsídio-dependentes».

    Trabalhadores de todos os sectores, difamai as demais classes profissionais! Atacai todas as greves que não sejam da vossa profissão!

    a couple of dogs running across a lush green field

    Fura-greves, reclamai o vosso brio profissional e atacai os suínos grevistas! Quando há uma greve, os jornalistas são vossos amigos! Vejamos: há uma greve nos transportes públicos, e pergunta-se a quem não apanhou o transporte se está satisfeito. É esta a deontologia jornalística sobre uma greve: estar de microfone na mão a ouvir os que sofrem com a greve.

    Motoristas de táxi, lutai contra os motoristas dos TVDE!

    Motoristas dos TVDE, lutai contra os motoristas de táxi!

    Feministas cis e activistas transgénero, arranjai o maior número possível de divisões entre vós! Feministas brancas e feministas não-brancas, dividi-vos e canibalizai-vos!

    Trabalhador dos mil euros, luta mas é por mais impostos para o trabalhador dos dois mil euros!

    Pessoal do Ocidente, arranjai lutas identitárias, e, dentro de cada luta identitária, fragmentai-vos o máximo! Isto vai ser a loucura! Fora do Ocidente, esses direitos estão todos bem resolvidos, pelo que lutai apenas no Ocidente, berrai apenas no Ocidente… e contra o Ocidente, o grande caldeirão de todos os males. É certamente mais importante para o mundo que o «todes» vingue sobre o «todos» no Ocidente do que lutar (lutar?, piar…) contra regimes fora do Ocidente com ordenamentos jurídicos que punem com prisão e morte a mulher adúltera e os homossexuais.

    an owl is sitting on a tree branch

    As multinacionais que apoiam as ditaduras mais repressivas, que exploram África, que fazem tudo para fugir aos impostos, usam as bandeiras inclusivas quando se trata do mundo ocidental, e, portanto, está tudo bem. Só um exemplo: Elon Musk tem menos carga fiscal do que um comerciante no Uganda.

    Alguém nas altas e obscuras hierarquias sorri com o pagode cá em baixo, mas que importa isso quando se está em hipnose?

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Cristo e a hipocrisia (que nos rodeia)

    Cristo e a hipocrisia (que nos rodeia)


    Hoje é dia de Natal, e começo com uma obviedade: não haveria Natal sem Jesus Cristo. Um dos aspectos mais interessantes de Cristo foi mencionado por Chesterton: Cristo é tão rebelde (Chesterton não usou este termo) que, na Cruz, desafia a própria divindade que reclama para si: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?»

    Outro aspecto pouco falado e curiosíssimo em Cristo é a sua veemente repulsa da hipocrisia e, particularmente, do moralismo hipócrita, ele que tantas vezes usou as palavras «hipocrisia» e «hipócritas».

    Cristo condenou duramente a auto-sinalização de virtude e usou a palavra «hipócritas»: «Quando deres esmola, não te ponhas a trombetear publicamente, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, com o propósito de ser glorificados pelos homens.» Há mais citações de Cristo deste jaez.

    low angle photography of turned on lamp

    Quando condena os escribas e os fariseus, chama-lhes «hipócritas», que eu contasse, sem a ajuda do ChatGPT e consultando a Bíblia em papel, oito vezes. Apenas um trecho a título de exemplo: «Escribas e fariseus, hipócritas, que limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro estais cheios de ganância e cobiça! […] Sois semelhantes a sepulcros caiados, que por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a podridão.»

    No Inferno de Dante, os hipócritas são condenados ao castigo de vestir belos mantos que brilham como ouro, mas que, por dentro, pesam como chumbo e fazem os ossos ranger.

    Lembrei-me de tudo isto porque muito recentemente ouvi um indivíduo dizer que a coisa que mais asco lhe causava eram as pessoas que traíam as namoradas na noite, cinco amnésicos minutos antes de procurar a sorte com todas as que encontrava na noite, enquanto a namorada dormia a sono solto em casa.

    Dei por mim a reflectir…

    closeup photo of religious statue

    Oh, quantos pequenos aldrabões vi eu bradar contra os grandes aldrabões, o seu inimigo dilecto.

    Oh, quantos clamam pela criminalização do discurso de ódio enquanto o praticam com frequência…

    Oh, quantos se deslocam nos transportes mais poluentes para ir a grandes cimeiras pelo clima…

    Oh, quantos engraçadinhos vemos hoje a moralizar e policiar os outros por fazerem piadas não-inclusivas, e que faziam facécias mil vezes menos inclusivas quando os ventos do tempo eram outros… Desconfiai sempre daqueles que estão com os ventos do tempo… deles, a História não reza… nem nunca rezou.

    Oh, quantos são ardentes defensores da liberdade de expressão, mas apenas para as suas ideias…

    Oh, quantos adoram e se preocupam com os pobrezinhos e sofrem, contudo, de aporofobia, isto é, da fobia de pobres, de quem gostam muito… mas longe, bem longe. A demagogia com os pobres fica sempre bem, é fácil e dá palmas.

    Oh, quantas criaturas vi nas redes sociais a proclamar-se feministas e que, fora das redes, são precisamente as menos feministas que conheci…

    Oh, como tantos proclamam com sorrisos de plástico o multiculturalismo enquanto abstracção e têm nojo dele na prática…

    Oh, quantos patrões conheci que pagam menos de cinco euros por hora aos seus trabalhadores, que adoram ter estagiários não-remunerados por seis meses ou mais, e vão a colóquios e comícios proclamar-se anticapitalistas.

    Oh, quantos valentes que garantem que dizem sempre o que pensam, mas que, perante o patrão ou alguém com bons contactos, estão sempre a dar graxa e a perguntar com as costas curvadas e voz delico-doce:

    «Quer o chazinho mais quente? Quer mais um pacote de açúcar? Ou prefere adoçante? Deixe estar, que eu vou buscar. Veja lá se está bem assim.»

    Comecei com Cristo e termino com Cristo.

    Antes de citar Cristo, permitam-me citar Scott Fitzgerald: «De cada vez que te apetecer criticar alguém, lembra-te sempre de que nem toda a gente neste mundo gozou algum dia das mesmas vantagens que tu.»

    E agora, sim, cito novamente Cristo:

    «Como podes dizer a teu irmão: “Irmão, deixa-me tirar o cisco do teu olho?”, quando não vês a trave no teu próprio olho? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão.»

    Feliz Natal, caríssimos.

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.