Etiqueta: Lua de Papel

  • Da ganância e da gula: uma guerra vencida pela indústria alimentar

    Da ganância e da gula: uma guerra vencida pela indústria alimentar

    Título

    Pessoas ultra processadas

    Autor

    CHRIS VAN TULLEKEN (Tradução: Raquel Dutra Lopes)

    Editora

    Lua de Papel (Outubro de 2024)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    “A culpa não é dos consumidores. A epidemia de obesidade é fruto da inércia governamental e do trabalho implacável de algumas corporações internacionais que começaram a substituir alimentos naturais (como o açúcar, ou leite ou a manteiga) por alternativas sintéticas (gomas e emulsionantes). Os novos aditivos são propositadamente concebidos para nos viciar.” Este trecho que pode ser lido na contracapa da edição portuguesa de ‘Pessoas Ultra Processadas’ resume o tema da obra de Chris Van Tulleken, pai, cientista, doutorado e professor no University College de Londres. 

    A observação de um simples gelado que a filha, Lyra, lhe passou para as mãos certo dia, espoletou um caminho que levou Tulleken a investigar a história e os eventos que levaram a que diversos bens alimentares fossem transformados em ‘comida de plástico’, ou pior. Neste livro percebe-se a dimensão desta catástrofe sanitária e ambiental que tem dados lucros pornográficos a muitas multinacionais da indústria alimentar. Como tem sucedido com outras indústrias, como é o caso da farmacêutica, as empresas que produzem bens alimentares perderam a perspectiva e o foco (se é que algumas vez tiveram) na saúde e bem-estar humano e ambiental e concentraram-se num único ponto: viciar os consumidores para gerar lucros infinitos. 

    A receita é simples: criaram-se aditivos novos, feitos para viciar; juntou-se quilos de marketing irresistível; mais umas boas colheradas de cientistas vendidos, cujas ‘pesquisas’ são financiadas pela indústria alimentar. Adicionam-se umas pitadas de aprovações regulatórias e apoios de políticos e entidades de saúde e nutrição et voilá: saiu do forno a era das ‘Pessoas Ultra Processadas’. 

    Como acontece com a indústria farmacêutica, e outros sectores, a indústria alimentar, com os seus milhões, compram muita gente e até a ‘Ciência’ para servir um prato frio e estragado que envenena gerações e gerações de humanos. Pais, filhos e netos consomem comida que não é comida com efeitos devastadores, excepto para as as indústrias que beneficiam de consumidores viciados e doentes. 

    Com base na literatura científica, o autor apresenta as provas em como as acções da gananciosa indústria alimentar criaram um epidemia de obesidade, pessoas doentes, mortes prematuras e destruição ambiental. 

    Dividido em cinco partes, este livro conta os horrores de boa parte dos alimentos, designadamente bebidas, que são vendidos em todos os supermercados, sendo que o último capítulo sugere pistas sobre o que se pode fazer para tentar que a Humanidade consiga vencer a guerra que, para já, está a ser ganha, com larga vantagem, pelos magnatas industriais alimentares. E também aponta o que podemos fazer junto dos governos e, principalmente, o que podemos fazer para pararmos de consumir comida que mata, ainda que lentamente, com o tempo. Como o pior dos vícios.

  • Os segredos da fundadora da medicina holística

    Os segredos da fundadora da medicina holística

    Título

    Como construir um barco

    Autora

    ELAINE FEENEY 

    Editora

    D. Quixote (Julho de 2024)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    Peguei no livro e saí a correr. Só mais tarde, quando me sentei para o ler, me dei conta do equívoco. Pensava que era um livro sobre como construir um barco. Literalmente. Daqueles livros práticos sobre ‘como fazer sozinho’. Não era. Não sei porque me equivoquei. Afinal, bastava olhar para a capa com reduzida atenção para perceber que se trata de uma obra de ficção. A etiqueta que diz que a obra foi nomeada para o The Booker Prize de 2023 era outra pista esclarecedora. Não estou a ver um livro que ensine a construir um barco a ser nomeado para um prémio do género (por muito que adore livros práticos sobre como fazer coisas). Adiante, ultrapassado o meu espanto (parvo) causado pela desatenção, aceito a situação: tinha um romance pela frente para ler.

    A capa era auspiciosa. Além da etiqueta de nomeação para o tal prémio, tinha uma recomendação de um vencedor do The Booker Prize, Douglas Stuart. Diz que se trata de “um romance cheio de esperança e de humanidade”. Na contracapa, prossegue: diz que é uma “daqueles raros livros que nos fazem sentir menos sós” e que se trata de “uma história inspiradora sobre uma comunidade e as pequenas coisas que podem mudar uma vida.”

    Não consegui ler o livro sentada, sossegada. Mexi-me muitas vezes no meu lugar no sofá. Para alguns, será talvez menos fácil de ler. (Percebi, depois, que a autora publicou também obras de poesia e teatro, o que explica alguns dos caminhos que percorreu para contar esta história.) Alguns parágrafos ganham vida e as palavras escorregam para as linhas seguintes, em sequência, exigindo atenção e abertura mental. Reli algumas partes para ver se tinha compreendido bem (mas admito que possa ser, também, feitio meu e da minha ocasional parca concentração). Acredito que cada um, seja neurodivergente ou neurotípico, ‘ouve’ as palavras que lê de forma única e compreende (ou não) e vivencia de modo próprio cada história, cada linha. 

    Posto isto, acabei a marcar várias páginas para as mencionar ao leitor desta recensão. Só tinha o marcador que vem com o livro e uma caneta. Acabei por marcar as restantes páginas com as caixinhas compridas de incenso que tinha comprado e que ainda aguardavam na almofada do sofá para ir para o armário. O resultado foi um livro gordo (mas sem páginas dobradas) e com as páginas devidamente seleccionadas.

    A obra tem como personagem central um rapaz, Jamie O’Neill, com 13 anos, que tem dois desejos ou sonhos. Mas seria muito redutor dizer que é disto que o livro trata. Entre histórias de personagens paralelas e o percurso do rapaz, há muitas enseadas, ondas, mergulhos, marés baixas e altas e redemoinhos.  O leitor é confrontado consigo próprio e com a sua vida (eu, pelo menos, fui). Simples frases levam-nos em viagens por novos mares, que não os do enredo do livro. Como no parágrafo que fala que a construção de um barco não é um processo aleatório, “tem muitas fases, vamos eliminar todas as irregularidades” e, “se alguma coisa estiver mal feita, a camada seguinte vai revelá-lo”. Como a vida? Ou o parágrafo que diz que “tudo o que é bom começa com um bom impulso”. Ou aquele que garante que “para criar é preciso sentir-se e estar desconfortável, e por vezes sentir-te-ás desacompanhado”. (Fico por aqui e, afinal, não precisava usar todas as caixinhas de incenso como marcador.) 

    Concluindo, tirando-se os inúmeros “foda-se” e “merda”, que detesto (distraem-me na leitura como uma mosca a ziguezaguear junto aos olhos), é um livro a ler. Com calma e paciência, devagar. O ‘slow reading‘, que é avesso ao consumo de papa-livros de Verão para mostrar, depois, nas redes sociais, a foto da pilha de obras lidas). Mas também esses leitores o lerão bem. Com asneiras e tudo (ou, sobretudo, porque as asneiras talvez ainda estejam na moda, não só na capa de livros, como no seu interior).   

  • Histórias heroicas da vida real

    Histórias heroicas da vida real

    Título

    Um dia de cada vez

    Autor

    NELSON OLIM

    Editora (Edição)

    Lua de Papel (Outubro de 2023)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    Uma das melhores formas de descrever este livro, de forma simples, é dizer que é um “abraço” de 190 páginas. Por outras palavras, é um relato de esperança e humanidade e um testemunho de como os milagres acontecem nos cenários mais catastróficos e apocalípticos; de que quando o mundo parece desabar, há sempre quem se dedique a ajudar e a fazer de um desastre algo mais suportável.

    Em Um dia de cada vez, Nelson Olim, que tem no seu currículo várias missões de ajuda humanitária como médico cirurgião, partilha com o leitor algumas dessas histórias – são onze no total –, que certamente não deixarão indiferente quem as lê.

    Actualmente, Nelson Olim é Conselheiro Regional de Trauma para a Organização Mundial de Saúde (OMS). Fez parte do Comité Internacional da Cruz Vermelha em Genebra, e foi Conselheiro Regional da Rede de Equipas Médicas de Emergência da OMS no Médio Oriente e Coordenador de Trauma da OMS para Gaza. Já esteve em missões em várias zonas assoladas por conflito e desastres, como Gaza, Kosovo, Somália, Iémen, Iraque, Sudão e o Afeganistão.

    O livro começa por remontar à altura em que o autor trabalhava no INEM e atravessava Lisboa a toda a brida, mas rapidamente somos transportados para outros cenários e países longínquos. Em Um dia de cada vez, ficamos a conhecer a experiência de Nelson Olim em Banda Aceh, na Indonésia, no rescaldo do tsunami de 2004. Uma viagem que optou por fazer, adiando umas férias planeadas com a mulher num destino paradisíaco. Conhecemos, também, a tribo “Murley” com a qual se cruzou no Sudão do Sul e que fez o seu estômago “contrair”, ou a história sobre o “cerco” a que foi sujeito no Iémen.

    É particularmente interessante perceber os contratempos, as peripécias e até alguns sustos – enfim, os “bastidores” – envolvidos nestas missões humanitárias. Ou é o tempo que não está de feição para viajar de avião, ou são aterragens inesperadas, ou é uma mulher que entra em trabalho de parto em pleno aeroporto de Frankfurt, durante o trajecto de regresso a Portugal da sua equipa de médicos em missão, obrigando o autor a fazer, inesperadamente, o papel de cirurgião de serviço (neste caso, o obstetra) numa casa-de-banho. O inusitado e o cómico insistem em “dar o ar da sua graça”, não importa qual seja o contexto ou situação, e na vida de um cirurgião especializado em Medicina de Emergência, a imprevisibilidade é a norma.

    Enquanto se descrevem as histórias, vamos imaginando os cenários e sentindo as emoções inerentes a cada situação. Consternação, quando lemos sobre uma mãe que perdeu o bebé de quatro meses por engasgamento, que Nelson Olim e um colega não conseguiram salvar. Uma ansiedade expectante, com as cirurgias delicadas que fez, batalhando contra o tempo, para tentar que a morte não fosse o destino do seu paciente. Comoção, quando o “milagre” acontece pela medicina e uma vida é salva, contra todas as probabilidades.

    Embora se fale, por vezes, de situações que tipicamente fazem o coração acelerar e onde nos assola a curiosidade por descobrir o que vem a seguir, este livro revela-se aconchegante; porventura, devido ao amor e ao altruísmo envolvidos nestas histórias, e que passam para o leitor. Amor esse que a historiadora Raquel Varela, que assina o prefácio, sublinha e bem, quando salienta que o ofício escolhido pelo autor só pode dever-se a um prazer em cuidar dos outros – e à ocitocina, hormona do amor – mais do que à necessidade de adrenalina que o autor alega ter.

    Não seria favor nem exagero apelidar médicos como Nelson Olim, que efectivamente salvam vidas – muitas vezes em condições, no mínimo, pouco favoráveis, e até arriscando a própria pele – como “super-heróis” da vida real. E se, por isso, o autor teria razões para ter um ego inflamado, a verdade é que o oposto se verifica. E é isso que torna esta leitura ainda mais especial: a maneira despretensiosa e humilde como as histórias nos são contadas, sem vestígios de egocentrismo, megalomania ou “síndrome de salvador”.

    O autor, aliás, destaca um conselho de um cirurgião israelita, chamado “Dr. Best”, que no início da sua carreira o orientou num estágio no Rambam Medical Center, em Haifa: “O ego de um bom cirurgião deve ser assim pequeno, tão pequeno que caiba no bolso de trás das calças”. E é visível que o médico acatou a “deixa”.

    Escrito num tom simples e despojado, o livro deve o seu título ao propósito do médico de lutar contra a morte, que ameaça os seus pacientes, “um dia de cada vez”.

    Um dia de cada vez é uma leitura muitíssimo recomendável: uma obra sobre humanidade e a Humanidade, sem lamechismos ou lugares-comuns. Para os mais sensíveis, recomenda-se apenas “passar à frente” alguns parágrafos ocasionais em que o autor entra em maior detalhe sobre algumas das operações que efectuou.

  • Um manual para ter tudo sob controlo

    Um manual para ter tudo sob controlo

    Título

    Influência – A psicologia da persuasão

    Autor

    ROBERT B. CIALDINI (tradução: Isabel Predome)

    Editora (Edição)

    Lua de Papel (Julho de 2023)

    Cotação

    18/20

    Recensão

    Dr. Robert B. Cialdini nasceu, no Arizona, EUA, em 1945, e é Professor Emérito de Psicologia e Marketing na Universidade desse mesmo Estado. Desenvolveu o seu doutoramento na Universidade da Carolina do Norte e especialização de pós-doutoramento na Universidade de Columbia. Além disso, recebeu, por três vezes, o grau de Doutor Honoris Causa. Razões que justificam o Dr. antes do seu nome na capa do livro, ilustrando, assim, a maneira americana de se apresentar.

    Toda a sua formação e estatuto de especialista na área da psicologia social conferem-lhe autoridade no tema da psicologia social que este livro, editado em Portugal pela Lua de Papel, desenvolve: Influência – a psicologia da persuasão.

    A autoridade é, com efeito, um dos 7 princípios universais que o autor explica sustentada e minuciosamente ao longo de mais de 600 páginas. Em cada um dos capítulos, o autor tem uma série de notas que remete para um anexo, no qual menciona e descreve muitos dos estudos que fundamentam as ideias referenciadas ao longo do corpo do texto. Adicionalmente, no final do livro, estão indicadas todas as referências bibliográficas a que o autor recorreu para ilustrar, demonstrar e apoiar o que afirma.

    Este Influência pode, assim, ser entendido como um compêndio revisto e aumentado das edições anteriores que contemplavam 6 destes 7 princípios de influência. Os princípios, a que o autor designa como armas da influência, são os seguintes: – Reciprocidade, – Gostar, – A Prova social, – Autoridade, – Escassez, – Compromisso e a coerência, – Unidade, o princípio que, entretanto, incorporou nesta edição revista e aumentada.

    Um dos muitos aspetos positivos deste manual, chamemos-lhe assim, é o modo como o autor organiza a explanação de cada um dos princípios. A contextualização é seguida de uma explicação que ajuda à compreensão da sua força, como técnica de influência.

    Os exemplos e os estudos apresentados são casos concretos que contribuem para o entendimento dos princípios da influência. O autor também divulga situações e experiências vivenciadas por leitores de edições anteriores, como forma de comprovar o que vai sendo exposto, bem como de congregar e pôr em prática alguns dos princípios que propõe como universais, nomeadamente, o da reciprocidade, o da prova social e, até, o mais recente, o da unidade, como quem diz, “fazemos todos parte da mesma comunidade”.

    Antes de terminar cada um dos capítulos, o autor dedica um espaço à defesa do leitor, para que este saiba como se proteger da manipulação e do mau uso destes princípios, que o autor considera como respostas automáticas. Automatismo que, provavelmente, tenderá a exacerbar-se, dadas as características inerentes à sociedade contemporânea, designadamente, a pressão do imediatismo a que estamos cada vez mais sujeitos.

    No fim de cada capítulo, o autor resume as principais ideias do princípio em questão. O que se afigura como outra mais-valia, não só pela síntese recordatória, mas também pela possibilidade de se revisitar o princípio que for mais relevante para a situação prática que se prevê viver.

    É, pois, um livro vivamente recomendado para as pessoas empreendedoras, que se estão a iniciar numa carreira ligada ao marketing, ou a implementar o seu próprio negócio, qualquer que seja a área de intervenção. Com efeito, este livro de referência da psicologia social é, também, um guia antropossociológico que, seguramente, auxiliará a compreender como melhor cativar e manter clientes ou parceiros de negócios.

    As pessoas ligadas aos recursos humanos e relações-públicas, ou aspirantes à liderança encontrarão, igualmente, utilidade neste compêndio sobre o comportamento humano nas mais diversas situações de inter-relacionamento social.

    Por outro lado, como o autor termina cada um dos princípios com sugestões sobre como nos podemos defender daqueles que nos estão a tentar manipular, é, também, uma boa leitura para aprender a evitar a comprar ou a adquirir aquilo de que não precisamos.

    Depois de ler o manual, o leitor pode entrar no site Influence at work e testar as suas capacidades persuasivas.

    Tendo em conta a dimensão do livro, é natural que existam algumas gralhas. Mas dado o carácter didático da obra, no caso de reimpressão, sugere-se uma nova revisão a começar pela folha de rosto e o seu verso, onde se deverá corrigir o título original.

  • Estoicismo para totós

    Estoicismo para totós

    Título

    O obstáculo é o caminho – A arte intemporal de transformar percalços em triunfos

    Autor

    RYAN HOLIDAY (tradução: Maria Saraiva)

    Editora

    Lua de Papel (Junho de 2023)

    Cotação

    15/20

    Recensão

    Ryan Holiday descreve-se como escritor e estratega dos meios de comunicação social. Aos 19 anos, terá abandonado a faculdade para se tornar aprendiz de Robert Greene, um dos autores do livro As 48 leis do poder

    Fundador da agência criativa Brass Check, Ryan Holiday afirma-se como conselheiro de empresas como a Google, a TASER e a Complex, bem como de autores como Neil Strauss (Regras do jogo), Anthony Robbins (O poder sem limites) e Tim Ferriss (4 horas por semana).  

    É autor de 10 livros, entres os quais A quietude é a resposta (Lua de Papel), Estoico todos os dias (Lua de Papel) e O ego é o seu inimigo (em português do Brasil, pela Editora Intrínseca). Livros que se inspiram no estoicismo da Antiguidade clássica.  

    Só por isso, valerá a pena pegar neste O obstáculo é o caminho (publicado pela Lua de Papel), pois, tal como o autor sugere, mais do que ler livros sobre os clássicos, é melhor ler o que os próprios filósofos terão escrito, nomeadamente, Meditações de Marco Aurélio, ou Sobre a brevidade da vida, de Séneca.

    Será, portanto, natural que, no decorrer da leitura, a curiosidade vá aumentando, no sentido de se querer conhecer os princípios do estoicismo, a partir dos quais também este O obstáculo é o caminho se desenvolve. 

    De salientar que, para quem não conhece o estoicismo, as suas origens, tão-pouco os seus princípios, este pode ser, efectivamente, um ponto de partida interessante, dada a leitura fácil pela simplicidade da escrita. Além disso, na tradução do livro, optou-se por tratar o leitor por “tu”, o que poderá resultar numa sensação de proximidade.

    O livro está dividido em três partes: “perceção”, “ação” e “vontade”. As partes para compreender e agir sobre os obstáculos, e, finalmente, para persistir e perseverar nessa jornada. Para cada uma das secções, o autor recorre a exemplos de pessoas que ficaram famosas pelos seus feitos, identificando-as como personalidades com atitude e pensamento estoicos. A título de exemplo, o primeiro presidente dos Estados Unidos, George Washington, terá recorrido com frequência a Catão, o Jovem – um dos primeiros estoicos da Antiguidade clássica – nos seus discursos para as tropas, aquando da Guerra da Independência. Steve Jobs, Margaret Thatcher são outras pessoas referenciadas, entre muitas outras ao longo do livro. 

    Ainda que seja incerto que estas pessoas se tenham assumido como estoicas, Ryan Holiday consegue cativar aqueles que estejam em busca de uma orientação para alcançar os seus objectivos. É mais um livro de auto-ajuda que poderá ser útil a todos os que estão à procura de mudança na sua vida profissional, em particular aqueles que acreditam que basta desejar e visualizar o sucesso, como é apanágio de algumas correntes ‘New Age’.

    Pelo contrário, ao invocar alguns dos princípios do estoicismo, o autor está a mostrar que a vida é constituída por um conjunto interminável de obstáculos. Apesar de não ser nada de novo, é um bom lembrete de que a ilusão é apenas e somente isso mesmo: uma ilusão. Não basta acreditar que tudo se resolverá, que os astros se vão alinhar e que tudo será possível, que basta querer e seremos famosos ou pessoas de sucesso.

    Este livro tem essa vantagem: a de lembrar, aos mais ingénuos, que a vida, o mundo e a realidade são como são e não vale a pena perder tempo a desejar que fosse de forma diferente. É um livro prático nesse sentido, por recordar que os obstáculos, os percalços, as vicissitudes da vida são inerentes à existência e que quanto mais rápido se aceitar que assim é, mais rápido se aprenderá a ser prático e a ultrapassar ou a contornar cada obstáculo.  

    Além da mudança, esta pode ser outra constante da existência: nada é fácil e haverá sempre mais uma barreira antes de alcançarmos os nossos objetivos, sendo certo que depois de os atingirmos (se os atingirmos), outras adversidades se terão de enfrentar. 

    Por isso, o conselho do autor, repetido ao longo do livro – mesmo que inicie afirmando que não tem conselhos para dar –, é que se vejam as coisas como elas são, que se faça o que se pode e que se aguente e resista ao que for preciso. Tudo isto, cumprindo com o nosso dever: “trabalho árduo, honestidade, ajudando os outros tanto quanto podemos”. Em que a “ação certa – altruísta, dedicada, magistral, criativa – é a resposta” ao sentido da vida e é “uma maneira de transformar cada obstáculo numa oportunidade” (p. 108).  

    No caso de haver reimpressões futuras, sugere-se uma revisão do livro.