Etiqueta: Jorge Silva Paulo

  • Gouveia e Melo é só a carranca da barca

    Gouveia e Melo é só a carranca da barca


    Como atuará Gouveia e Melo, se for eleito Presidente da República (PR)?

    Ou, mais precisamente: Gouveia e Melo cumprirá a função de moderador no regime político semipresidencial que a Constituição (CRP) atribui ao PR?

    São estas as principais perguntas a que devem responder nas suas mentes, primeiro, quem planeia dar a sua assinatura para levar o Tribunal Constitucional a validar a candidatura de Gouveia e Melo e, depois, quem se inclina a votar nele para PR.

    A escolha em eleições, e sobretudo de políticos, é um processo individual, interior, subjetivo; mas é influenciado pela envolvente. E pode ser também um processo complexo; mas para a maioria dos cidadãos resume-se tipicamente a um ou dois critérios, ou talvez a um ou dois factos ou imagens, afastando tudo o resto – só uma pequena fração da população tem tempo ou disponibilidade mental na sua vida, ou sequer interesse, para considerar e refletir sobre um panorama abrangente e mais do que complicado, complexo. A popularidade da imagem de Gouveia e Melo mostra-o: a distribuição de vacinas levou os media a elevá-lo a herói (por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui) e após apenas 9 meses a promover uma campanha para ele ser PR; e como um herói não tem defeitos (se tivesse, era humano não era herói) editores, jornalistas e comentadores fizeram em uníssono tábua rasa do seu passado desalinhado com a narrativa mediática do herói-sem-pecado-exemplo-de-virtude – e quem duvidasse de tal imaculada conceção era negacionista, malandro ou detrator… A falta de reflexão das massas sobre as imagens e legendas que as TVs lhes dão, em geral a visar o entretenimento e simplistas, abriu espaço à aclamação generalizada.

    As perguntas acima expressas olham para o futuro. Todos projetamos o futuro a partir de pegadas do passado – e desejos. Justamente por isso, é simplista, senão mesmo irracional, que um eleitor selecione pegadas: o caminho é feito de todas as pegadas; ou melhor, o caminho é contínuo, como é a esteira de um navio a navegar.

    Como já notei, é espantoso que já haja pessoas a dizer que votarão em Gouveia e Melo; muitos não querem saber da ausência de formação ou experiência política, que reconheceu; e por o acharem um herói num cargo logístico e executivo acham que vai ser o máximo num cargo que não é executivo e é o politicamente mais sofisticado e mais complexo do regime. Poucos reconhecem que as TVs tiveram e têm um papel decisivo na imagem que formam do seu herói. Esta opção mostra que escolhem por símbolos e imagens em vez da substância e dos factos. Só “falta” depois serem muito críticos dos políticos eleitos…

    A fé no “homem-forte” ou na “mão forte” – para “endireitar o país”… – revela a preferência pela autoridade, e até pelo autoritarismo, pela firmeza e pela eficácia na governação sobre o respeito pelo Estado de Direito Democrático; alguns acham que a farda militar é decisiva e sonham com caudilhos. Mas esta visão estereotipada é uma generalização infundada que sobrevaloriza a farda, como símbolo de autoritarismo ou de virtude. Quem quer um “homem-forte” é pouco dado a mudar de ideias – até ser “atropelado” por um “homem-forte”…

    Gouveia e Melo não se fez rogado em “atropelar” o seu antecessor à vista de todos. E faz o que pode para alimentar a imagem de “homem-forte” (decerto orientado e apoiado por uma “agência de comunicação”, formal ou informal); ocasionalmente ensaia uma imagem menos radical (o que isso lhe custa! É que ele não é um português suave…) para ser aceite pelos moderados, e aumentar a popularidade – que alimenta a vaidade. Diz que não é político, e disse que não quer ser político; mas busca palco mediático, cargos e popularidade, como qualquer outro político. O poder seduz Gouveia e Melo; qualquer cargo lhe serve.

    Já citei o General Loureiro dos Santos quando disse que “O grande problema dos militares a partir de certa altura é que não sabem fazer mais nada.” Com 64 anos, Gouveia e Melo pode tentar mudar a sua imagem no palco mediático para a base de apoio alargar; só que com uma personalidade vincada e autoritária e vaidoso, as várias contradições, e com décadas a mandar, a controlar e a não gostar de ouvir quem dele diverge (os “malandros” e os “detratores”…), leigo sobre políticas públicas em democracia, pode impressionar os mais superficiais, mas dificilmente vai passar a ser um moderado e um moderador.

    Mais. É verdade que qualquer militar fora da efetividade de serviço pode concorrer a, e ocupar, um cargo político como qualquer outro cidadão. Porém, acredito que mais de 10 milhões de cidadãos em Portugal desconhecem a norma legal no Estatuto dos Militares das Forças Armadas que estabelece (desde 1990) que “Regressa ao ativo o militar nas situações de reserva ou de reforma que desempenhe o cargo de Presidente da República, […].” (nº1 do art.152º do decreto-lei 90/2015). Com esta base legal, eleito PR, Gouveia e Melo pode voltar a usar o seu uniforme militar, no cargo; estou convencido que o fará. Assim, não custa imaginá-lo a aparecer em cenários de inundações, abalos sísmicos, grandes acidentes, fogos rurais, etc. vestindo o camuflado e a mandar – para ele toda a crise é uma guerra e ele o comandante supremo!… O poder de uma farda é grande nestas ocasiões, e em ambientes de tensão e de incerteza; e poucos arriscarão contrariá-lo. Com a convicção amplamente exibida de que sabe de tudo, tudo aponta para que venha a exorbitar as suas funções e a dizer ou fazer asneiras irreparáveis. Pode não ser nada de novo no cargo; mas é indesejável.

    Pior: dada a fraca preparação para o cargo e a vaidade, será facilmente instrumentalizado nos bastidores por um grupo que o bajule – e pelos vistos há um grupo cuja “máquina está pronta para arrancar”; decerto que ela não funciona com pés descalços ou com uns quantos palradores nas redes sociais… Logo, com a “vassoura” ele não vai construir a maioria política dele: ele só vai dar cobertura ao poder fáctico da barca cuja “máquina” o governará a ele na prática. Gouveia e Melo é só a figura de proa desta barca; não dá ordens para a máquina.

    Mas há mais. Como já referi, o atual PR e o Governo já mostraram ter receio de Gouveia e Melo, como ficou claro por lhe permitirem violar o dever de isenção a que todos os militares na efetividade de serviço estão sujeitos (nº2 do art.27º da Lei de Defesa Nacional, reforçado no art.20º do Regulamento de Disciplina Militar). E acharão que o podem controlar se o reconduzirem no cargo de comandante da Armada e o levarem a comandante dos exércitos, impedindo a recondução do atual CEMGFA ou a elevação a CEMGFA do comandante da Força Aérea (como deve ser, pela rotação entre exércitos), sem qualquer facto válido ou outro motivo. Quiçá receiam que, se Gouveia e Melo não for reconduzido, seja logo contratado por uma TV para a liturgia dominical, e aí diga coisas populistas e muitos eleitores o apreciem. Não custa prever que a sua fragilidade nos temas que mexem com as massas será tratada pela “máquina”, que o preparará para a coreografada liturgia semanal. Mas acaba-se a farda e fica exposto à crítica; por exemplo, outros canais de comunicação já o podem atacar por já não ser uma figura de Estado e passarem a ver a promoção do produto de um concorrente. A TVI promoveu Marcelo Rebelo de Sousa e promove agora Paulo Portas; o Grupo Impresa promoveu de início Gouveia e Melo, e promove há anos Luís Marques Mendes; cabe agora ao NOW promover Gouveia e Melo, em linha com a promoção que o Correio da Manhã faz dele há muitos anos.

    A opção da recondução tem garantido o fracasso, porque Gouveia e Melo já percebeu que é impune; logo, continuará a usar os media como lhe aprouver. Além disso, a recondução e a elevação a CEMGFA não o impedem de se candidatar a PR: só lhe acrescentam margem para explorar o cargo e a farda para se promover nos media, e deixar o cargo quando lhe convier.

    Mas há mais e pior. Quanto mais tempo estiver a comandar a Armada, mais dirigentes fiéis a si vai promover; e enquanto CEMGFA vai escolher dirigentes dos outros dois exércitos que lhe sejam fiéis – e é de fidelidade, e pessoal, e não de lealdade que se trata. Tornando-se PR meses depois de ser CEMGFA, terá nos exércitos muitos dirigentes fiéis, subordinados até dias antes. Com as dívidas pessoais criadas, a prevalência das relações pessoais sobre o respeito por instituições como o Estado de Direito (frequente entre os militares), a fidelidade destes militares pode ser usada por Gouveia e Melo para fazerem o que ele quiser, incluindo pressão mais ou menos discreta (por exemplo, com humilhações públicas, que tanto aprecia, como o Caso Mondego mostrou) sobre o Governo e não só. Com legitimidade alcançada por uma vitória numa eleição direta, uma personalidade autoritária e vaidoso, o perfil executivo, o passado recente de impunidade, e a tendência das elites portuguesas para se acomodarem a poderes fácticos e não ao Estado de Direito nem à Democracia, Gouveia e Melo fará o que lhe aprouver sem que os mecanismos do Estado de Direito o moderem ou travem – como já mostrou. Com a criatividade e a eficácia de que se gaba, depressa moldará um regime (aparentemente) presidencial, à margem da CRP e do Estado de Direito. De facto, como não percebe o regime e o processo político, será só uma figura de proa de um grupo de “assessores” e “conselheiros”, a barca, que o manipulará através da sua vaidade.

    Este é um cenário de fugir. Os sinais estão à vista de todos.

    O cenário será improvável. De facto, não creio que Gouveia e Melo consiga ser eleito contra o PSD e o PS, cujos dirigentes já anunciaram não o apoiar para PR, e as simpatias noutros grupos e óbvias no CDS são pequenas e emocionais; de resto, a melhor sondagem no auge da sua popularidade e sem concorrentes assumidos revelava 30% de apoio – e vai descendo, em sondagens cujas taxas de resposta revelam que só ativistas se manifestam.

    Mas este cenário não é impossível – os portugueses até já reelegeram quem os prejudicou… Para o afastar é necessário que os órgãos de soberania percam o infundado receio que têm de Gouveia e Melo; que os eleitores saibam que a imagem idealizada e heroica dele é uma miragem, por mais que “a máquina” sem cara ande a tentar endeusá-lo perante as massas.

    E é necessário que, pelo menos os eleitores que refletem antes de votar, observem todos os sinais antes de ser tarde, e percebam que Gouveia e Melo não vai cumprir a CRP, não vai acabar com a corrupção, não vai melhorar o SNS ou a educação, não vai aumentar a riqueza, não vai resolver o problema dos fogos rurais, nem qualquer outro problema significativo dos portugueses. Não lhe compete; e não sabe como. Só vai servir “a máquina” que o apoia.

    Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Gouveia e Melo tem razão. E depois?

    Gouveia e Melo tem razão. E depois?


    Gouveia e Melo tem razão: qualquer militar fora da efectividade de serviço pode concorrer a um cargo político, e ocupá-lo, como qualquer outro cidadão. É assim em democracia. Então por que não largam os media esta questão?

    Se tantos comentadores se informassem antes de debitar, conheceriam as restrições ao exercício de direitos pelos militares estabelecidas na Constituição (art.270º) e na lei (art.25º a art.33º da Lei de Defesa Nacional). E então emitiam opiniões informadas e substantivas, em vez de só martelarem o tema. Claro que Gouveia e Melo pode ser candidato a eleições políticas, se deixar a efectividade de serviço; para quê insistir na questão? A insistência só dá palco mediático ao protocandidato; e assim se vitimiza (as massas “adoram” vítimas) e compensa o autoritarismo que o revela como aspirante a caudilho – algo tão apreciado pela direita sociológica e alguns membros da sua tribo corporativista. Os jornalistas sabem do seu ofício e não são ingénuos: martelar o tema é só um pretexto para manter a notoriedade. É a notoriedade que lhe garante números menos maus nas sondagens, e a ideia da candidatura.

    De notar que até o comandante de um exército está vinculado a um dever de isenção: “Os militares em efectividade de serviço são rigorosamente apartidários e não podem usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical, nisto consistindo o seu dever de isenção.” (nº2 do art.27º da LDN, reforçado no art.20º do RDM). Gouveia e Melo violou abundantemente este dever de isenção ao emitir opiniões sobre políticas públicas, até de defesa; basta destacar o debate que lançou sobre a conscrição, ou o excesso de elogios pelos quais o PS (que o colocou nos cargos que lhe deram mediatismo) o acusou de ir longe demais. Gouveia e Melo fala várias vezes como se representasse e comandasse as Forças Armadas, menosprezando o CEMGFA, seu chefe militar, que tem essas competências legais. Além disso, não é humanamente possível estar sempre no palco mediático (e reger cadeiras universitárias) e estar “110% ocupado com a Marinha”. A sua atuação revela bem que o comando da Armada é só (mais) um meio para a sua promoção pessoal – e a par se revela a sua vaidade e o seu messianismo, típicos dos caudilhos.

    Gouveia e Melo tem desproporcionada notoriedade mediática e promove a sua imagem pelo cargo que ocupa, sempre a dizer que não faz política. É óbvio que faz. Mas, sem contenção por cima, e mostrando-se sempre simpático para quem lhe pode ser útil, o Governo tem-no protegido (porquê?), em vez de o advertir publicamente (como fez o seu anterior chefe em 2023) ou de o exonerar com justa causa. Face à passividade dos órgãos de soberania ante flagrantes violações de deveres militares e do seu cargo, Gouveia e Melo tem razões válidas para achar-se invulnerável e impune. E os observadores, em todos os setores dos media, à política à justiça, percebem que a passividade dos órgãos de soberania face aos excessos de um funcionário seu subordinado revela fragilidade e receio. Mas têm receio de quê?

    Diz-se que exonerar Gouveia e Melo, ou não o reconduzir, torna-o mártir, e que a agência de comunicação, formal ou informal, que o promove exploraria esse facto; neste cargo pode ser contido. Errado: a promoção mediática resulta mormente do cargo público, que usa para ter palco formal e permanente nos media; mantê-lo em funções só garante que é ele que decide quando sai. A exoneração extemporânea no comando da Armada não deixam dúvidas que os órgãos de soberania exercem o seu poder sem receio; mas o Governo tem de explicar com objectividade a justa causa para o afastar, para esvaziar o “martírio”.

    Regressando ao ponto inicial, há uma apreensão legítima por trás do formalismo: Gouveia e Melo fora da efectividade de serviço não é um militar num cargo político, formalmente; mas a sua conduta substantiva seria ditada por aquilo que o moldou e foi durante 40 anos, chefe militar – não é um “sinal na testa”, é uma marca indelével na personalidade e na conduta. Desde 1979, Gouveia e Melo nunca foi outra coisa senão militar, sobretudo operacional, e submarinista. Nem formação tem noutras áreas. Como disse o General Loureiro dos Santos: “O grande problema dos militares a partir de certa altura é que não sabem fazer mais nada.”

    A comparação com o General Ramalho Eanes menospreza a diferença de idades (40s-60s) com que se colocou a mudança, o percurso académico e a grande flexibilidade e curiosidade intelectuais do PR eleito em 1976. Alguém consegue imaginar Gouveia e Melo, hoje com mais de 60 anos, a fazer, sem favores, investigação e um doutoramento seja no que for?

    Com a memória das massas sobre o vice-almirante das vacinas a dissipar-se, a “agência de comunicação” vai arranjando pretextos para ele ter frequente palco mediático, nos jornais e nas TVs, como já assinalei. Ele cumpre com gosto: exibe-se e debita slogans para fazerem manchetes. Há décadas que debita slogans; e tem êxito com tantos que preferem a imagem à substância. Por isso, não houve reações públicas à frase “Os chefes militares eram mais do tipo Português Suave”, que prova que rejeita as restrições legais ao exercício de direitos pelos militares, que os anteriores (em geral) respeitaram. Entre os quais estão o General Ramalho Eanes, que elogia, enquanto se refere a ele como indíviduo

    Merecem atenção as mais recentes ações de promoção mediática, duas entrevistas e três artigos de opinião. Na primeira entrevista, cumpriu o débito ritmado de slogans para aplauso das massas. O entrevistador parecia perdido, quiçá a fazer um frete; mas prestou-se a fazer um hino à superficialidade e à frivolidade.

    No primeiro artigo, uma jornalista (ligada ao CDS) usou técnicas subtis para disfarçar que ela também está, pelo menos, a promover a notoriedade de Gouveia e Melo. E também martelou o tema do militar na política. Realço ainda esta “pérola”: “São muitos os que informalmente têm insistido junto de Gouveia e Melo para que arrisque uma candidatura a Belém”. Se é verdade, por que razão não pôs nomes? Dizer só “muitos”, e citar afirmações sem as atribuir, sugere uma ideia diferente do que pode ser a realidade: serão “muitos” só a autora e os que sonham com caudilhos? Se queria excluir esta interpretação, devia ter sido clara, e devia atribuir todas as citações.

    Seguiu-se um artigo do director do Sol, com uma narrativa assente em desejos que tenta passar por factos, pretensamente determinista e sem considerar os pontos negativos deste protocandidato mas notando os dos eventuais demais. Calhou vir logo a seguir o relatório 3/2024 do Tribunal de Contas, que aponta falhas graves em processos de despesas da sua responsabilidade; logo o militar tratou de culpar os subordinados – enquanto reserva sempre para si os méritos quando as coisas correm bem. A desresponsabilização não é novidade. Mas onde está o exemplo de integridade, que alguns só pelas aparências lhe atribuem?

    Veio a seguir uma entrevista na RTP. Parecia aquelas conversas entre um funcionário de um clube e o presidente desse clube para a televisão do clube. O entrevistador martelou o tema dos militares na política; e omitiu tudo o que pudesse prejudicar a imagem do entrevistado.

    Por fim, destaco um artigo de opinião, que comentou esta entrevista. É patente a satisfação da autora com a entrevista e a candidatura presidencial. Como todos os anteriores, e outros, sustenta tudo em sondagens. Mas o número de contactos para obter uma resposta é crucial; hoje, longe das eleições, as sondagens representam quase só os ativistas e os que aceitam participar, uma fração cada vez menos significativa da população. Por isso, a notoriedade é decisiva: falar nele evita que a imagem nas massas se dissipe, e desapareça das sondagens, sobretudo face aos “pesos pesados” com um discurso alargado e profundo.

    Nas referidas peças mediáticas vem a ideia de congregar votos à esquerda, o que merece uma gargalhada depois do Caso Mondego, no qual Gouveia e Melo violou os direitos de todos os membros da guarnição do navio perante todo o país e não só.

    Mas o mais importante das referidas peças mediáticas é que nada dizem de substantivo, e ainda menos de negativo, sobre o protocandidato. Nada dizem sobre como alguém famoso por distribuir injeções e sem experiência política pode exercer bem o cargo mais político e menos executivo do regime. Nada dizem sobre o seu restante passado. Nada dizem sobre as virtudes e defeitos de Gouveia e Melo em geral, ou para o cargo de PR. Nada dizem sobre o seu programa. Nada dizem que justifique o voto numa figura com traços messiânicos e autoritários, e falhas graves na gestão pública. Nada informam; nada tentam esclarecer; nada escrutinam; nada acrescentam de substantivo. Parece que acham que se vota com base em slogans feitos manchetes, insistentemente debitadas pelos media. Assim como um cosmético…

    Enfim, são hinos à superficialidade e à frivolidade; não são peças de informação nem de comentário: são peças de propaganda. Têm todo o direito de fazer propaganda por quem quiserem; mas então assumam essa agenda. Em suma, o tema dos militares na política é irrelevante. A questão substantiva é: este militar está a fazer política e campanha política no ativo, violando os deveres militares; os órgãos de soberania fazem de conta que nada se passa; este militar não tem as virtudes que os media lhe atribuem, nem está isento de graves condutas reprováveis no seu passado, apesar de a maioria dos media as evitarem; e este militar é um aspirante a caudilho. Já é tempo de alguém o dizer: Gouveia e Melo não serve para Presidente da República

    Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Marinha portuguesa: o Polígrafo engana

    Marinha portuguesa: o Polígrafo engana


    O Polígrafo afirmou que a Marinha portuguesa é a mais antiga do Mundo. Informei-o que não é verdade. O Polígrafo não reconheceu o erro, e o texto continua ativo. Este caso prova que os factos e o rigor metodológico são alheios ao Polígrafo e à sua editora-executiva, Salomé Leal, em concreto. O Polígrafo não tem credibilidade como fonte de informação.

    Vejamos toda a sequência de factos, pois é ainda mais eloquente do que o resumo.

    Em 9 de Setembro de 2022, Salomé Leal fez um “fact-check” (dizer “verificou uma afirmação” é popularucho…) sobre a afirmação, que circula na Internet, de que a nossa Marinha é a mais antiga do Mundo: “Marinha mais antiga do mundo tem 705 anos e é portuguesa”, destaca-se nas redes sociais – Poligrafo (sapo.pt).

    brown wooden ship on sea shore during daytime

    Foi a Armada (designação mais rigorosa do que “Marinha”) que, em 2017, pela primeira vez, o proclamou, sem ter nem apresentar qualquer fundamento sólido: Cerimónia de encerramento das Comemorações dos 700 anos da Marinha (youtube.com). A Armada tem continuado a fazer esta afirmação, e continua sem ter nem apresentar qualquer fundamento sólido: 707 anos de Marinha Portuguesa.

    Esta matéria atravessou-se na investigação que venho fazendo desde 2007 sobre as origens do órgão administrativo de capitão de porto e das autoridades marítimas em geral. Deste alargamento da minha investigação resultou um artigo, submetido em Setembro de 2023, à crítica de especialistas e ao processo de revisão por pares. Nesse artigo mostro que há várias marinhas de guerra na Europa mais antigas do que a portuguesa; e noto que em 1317 foi feito um contrato com um almirante genovês, Manuel Peçanha, e que esse contrato não criou um serviço público, só se estendia aos seus herdeiros, cuja linhagem acabou um século e meio mais tarde. Assim, desmenti e desminto as afirmações da Armada, e o “fact-check” do Polígrafo, da autoria de Salomé Leal.

    Em 03-Jul-2024, contactei o Polígrafo e Salomé Leal, notando que a Marinha não tinha sequer 700 anos, nem era a mais antiga do Mundo. Por isso, o “fact-check” estava errado, e devia ser removido, porque estava a enganar os leitores.

    Salomé Leal respondeu-me em 8 de Julho de 2024. Destaco quatro aspetos dessa resposta:

    • “[…] O seu argumento menciona marinhas como as de Génova e Castela, que já não existem como entidades em serviço contínuo, o que é fundamental para a narrativa que está a contestar. […]

    A condição “em serviço contínuo” não consta da afirmação verificada, nem da verificação. Foi adicionada na resposta para validar o “fact-check”. Não o valida, mas isso é irrelevante neste contexto: adicionar condições depois do texto publicado revela falta de seriedade intelectual (pelo menos). Acrescento que, por exemplo, a marinha de Castela foi a base estruturante da marinha de Espanha, pelo que mesmo a condição adicionada não desfazia o erro substantivo e formal de Salomé Leal.

    • “[…] A nossa posição baseia-se em fontes amplamente reconhecidas, como o US Naval Institute e o Civil Services Examination (CSE) do Union Public Service Commission (UPSC), entre outras. Estas fontes, consideradas oficiais e respeitáveis, apoiam a tese de que a Marinha Portuguesa é a mais antiga em serviço contínuo. […]”

    As fontes que podem infirmar ou confirmar eventos históricos são os historiadores, através dos seus trabalhos publicados e sujeitos a revisão pelos pares. As organizações que Salomé Leal refere (no “fact-check” refere mais duas) não produziram investigação própria (e não deixam de ser responsáveis por isso; só não são referências na matéria); cingem-se a ecoar o que a Armada portuguesa afirmou e difundiu em 2017. Um evento histórico não se verifica por alguém, ou alguma organização, apoiar teses. Mais: uma investigação intelectualmente honesta busca divergências; e se há várias versões sobre um evento histórico, ele não se pode considerar um facto provado.

    • “[…] Repare que a sua abordagem é tão válida como qualquer outra. […]” Salomé Leal não percebe que um trabalho académico, sujeito a revisão por pares, não é uma abordagem equivalente a encontrar quem ecoa uma posição, não procurar quem a contrarie, e daí concluir que ela é verdadeira. A única coisa que Salomé Leal fez foi encontrar eco a uma posição; não apurou os factos nem se a afirmação era verdadeira. Isso dá mais trabalho, a que a senhora obviamente se quis poupar; mas sem a humildade que deve nortear quem busca os factos com rigor e seriedade.
    • “[…] assume que não há estudos amplamente aceites que possam desacreditar a narrativa de que a Marinha Portuguesa é, efetivamente, a mais antiga em serviço contínuo. […]” Esta afirmação é falsa: eu afirmei exatamente o contrário no meu estudo. A falta de rigor e de seriedade intelectual de Salomé Leal é chocante; mas mentir, voluntariamente ou por leitura enviesada, é repugnante.

    O Polígrafo anuncia que consulta “fontes de natureza documental que possam solidificar o processo de checagem”, conforme se pode let em O nosso método – Poligrafo. Admitamos que o texto quer dizer o que parece, embora esteja longe de ser claro e rigoroso. Este método é inadequado para avaliar eventos históricos. Para tratar deste tipo de eventos, não basta uma consulta; é necessário estudar e comparar, porque só é adequado o fundamento em fontes documentais acreditadas por especialistas (em geral, historiadores) através de estudos em publicações especializadas e com revisão por pares. E para fazer uma afirmação definitiva, como “a mais antiga”, não pode haver posições divergentes, ou dúvidas fundamentadas. Portanto, o método do Polígrafo é inadequado para o “fact-check” em causa; e por isso, errou a conclusão. Expliquei isto mesmo a Salomé Leal.

    Pior do que um método inadequado é que Salomé Leal e o Polígrafo não foram capazes de reconhecer o erro, e atuar em conformidade, como resulta de o texto em causa (ainda) estar ativo no mural do Polígrafo.

    E, como se fosse pouco, Salomé Leal recorreu a desculpas infantis para evitar reconhecer o seu erro, e que nada mais fizeram do que exibir com arrogância a sua ignorância sobre apuramento de factos. Este ponto é especialmente grave, pois informa-nos que se licenciou em Comunicação. Se erra os factos, não reconhece o erro, e ainda se desculpa infantilmente, não está a informar.

    Uma vez que Salomé Leal é a autora de vários “fact-checks”, e é editora-executiva do Polígrafo, está demonstrada a total falta de credibilidade do Polígrafo: não sei o que visa ou faz; mas sei que não informa e até engana, e nem reconhece os erros.

    Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.