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  • Covid-19: menos internados, mas risco de morte nos hospitais aumentou muito entre os 25 e os 64 anos

    Covid-19: menos internados, mas risco de morte nos hospitais aumentou muito entre os 25 e os 64 anos

    A vacina contra a covid-19 prometia milagres, incluindo a redução drástica de mortes mesmo com doença grave. A variante Ómicron, entretanto, surgiu como um game changer, com uma menor agressividade e letalidade. Porém, se efectivamente no primeiro semestre de 2022 se observou menos hospitalizações, porém aumentou o risco de morte dos internados com quadros graves de covid-19. Este paradoxo ainda se evidencia mais no período de Março a Junho, e nos adultos entre os 25 e os 64 anos. Qual o motivo? A Direcção-Geral da Saúde, como habitualmente, remete-se ao (seu comprometedor) silêncio.


    A probabilidade de morte de internados no grupo etário dos 25 aos 64 anos por covid-19 apresentou uma evolução paradoxalmente desfavorável no primeiro semestre de 2022 face aos períodos anteriores da pandemia, a despeito do programa de vacinação contra a covid-19 e da menor letalidade da variante Ómicron, de acordo com uma análise detalhada à base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar.

    Nos adultos entre os 25 e os 44 anos, segundo os cálculos do PÁGINA UM, o risco de morte durante uma hospitalização causada pelo SARS-COV-2 no período de Março a Junho de 2022 chega a ser o triplo face ao período homólogo de 2020 e 2021, e duplica naqueles com idades compreendidas entre os 45 e 64 anos. Comparando o primeiro semestre deste ano com o do ano anterior, o aumento é menor, mas mesmo assim bastante significativo entre os 25 e os 64 anos.

    Apesar da Ómicron ser claramente uma variante de menor agressividade e letalidade do que as anteriores – e, portanto, o risco da infecção se agravar até necessitar de hospitalização ser agora bastante menor, conforme o PÁGINA UM já comprovou –, há um aparente paradoxo, ainda não explicado pelas autoridades de Saúde: as hospitalizações diminuíram, é certo; a taxa de letalidade também, mas para quem evolui agora para um caso grave (que resulte num internamento) viu as suas chances de sobrevivência diminuírem se tiver entre 25 e 64 anos. Ou seja, a taxa de mortalidade em meio hospitalar da covid-19 aumentou.

    Com efeito, na faixa etária dos 25 aos 44 anos, no primeiro semestre deste ano foram apenas internadas 420 pessoas contra os 1.484 em 2021 – o que mostra uma redução da agressividade do vírus, tanto mais que o número de infecções (casos positivos) foi muito superior. Ora, mesmo se o número de óbitos para este grupo foi menor entre Janeiro e Junho deste ano (24) do que no período homólogo passado (42), a taxa de mortalidade hospitalar acabou por ser superior: 5,7% em 2022 e 2,8% em 2021. Comparando os dois semestres, duplicou.

    Evolução mensal da taxa de mortalidade hospitalar total (%) global (todas as idades). A vermelho apresenta-se a linha de tendência. Fonte: ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    De igual modo, no grupo etário dos 45 aos 64 anos, a taxa de mortalidade hospitalar no primeiro semestre de 2022 foi bastante superior à do ano passado, mesmo se o número de internados também desceu significativamente. Nos primeiros seis meses de 2022 contabilizaram-se nos hospitais do SNS um total de 1.167 doentes por covid-19, uma redução de 82% face ao ano anterior, mas a diminuição nos óbitos foi menor, apenas de 67% (190 vs. 578). Significa assim que a taxa de mortalidade hospitalar por covid-19 subiu de 8.9% no primeiro semestre de 2021 para 11,4% no primeiro semestre do presente ano. Noutra perspectiva, no ano passado, em cada 1.000 internados, morreram 89; este ano, 114.

    Apenas na faixa etária dos maiores de 65 anos, se observou uma redução global em todos os indicadores quando comparados o primeiro semestre de 2021 e 2022: o número de internados desceu de 17.240 para 9.599; o número total de óbitos reduziu-se de 5.836 para 2.531; e, em consequência destes valores, a taxa de mortalidade hospitalar diminuiu de 33.9% para 26,4%.

    Evolução mensal da taxa de mortalidade hospitalar (%) no grupo etários dos 25 aos 44 anos. A vermelho apresenta-se a linha de tendência. Fonte: ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Saliente-se que a mortalidade hospitalar nos menores de 25 anos foi sempre irrelevante do ponto de vista da Saúde Pública: desde Março de 2020 até Junho deste ano (28 meses) foram internadas 1.917 pessoas (69 por mês) e morreram sete, das quais cinco com idades entre os 15 e os 24 anos. A taxa de mortalidade hospitalar foi assim inferior a 0,4%.

    Se este exercício for feito por períodos homólogos nos três anos de pandemia – sendo possível comparar os meses entre Março e Junho de 2020, 2021 e 2022 –, excluindo assim o período de descontrolo do Serviço Nacional de Saúde em Janeiro e Fevereiro de 2021 –, constata-se de uma forma ainda mais marcante este paradoxal fenómeno. Ainda mais sabendo-se que, virtualmente, toda a população com mais de 25 anos está vacinada, sendo que uma parte significativa recebeu ainda reforço.

    Evolução mensal da taxa de mortalidade hospitalar (%) no grupo etários dos 45 aos 64 anos. A vermelho apresenta-se a linha de tendência. Fonte: ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    De facto, se no período de Março e Junho de 2020 e 2021, a taxa de mortalidade hospitalar se manteve muito semelhante tanto no grupo dos 24 aos 44 anos (1,44% vs. 1,51%) e no dos 45 aos 64 anos (5,59% vs. 6,11%), em 2022 agravou-se. E muito. Para o primeiro grupo subiu para 5,23% e para o segundo grupo para 11,70%.

    Observando a evolução mês a mês desde o início da pandemia, a tendência crescente no período mais recente mostra-se evidente em ambos os grupos, embora com uma maior variabilidade (também por os valores absolutos de internados e óbitos serem menores) entre os 25 e os 44 anos. Para este grupo, nunca até Dezembro de 2021 houvera um mês com taxa de mortalidade hospitalar acima dos 5%, mas em 2022 já se registaram três meses acima dessa fasquia: Fevereiro (8,9%), Março (6,5%) e Junho (8,8%).

    Evolução mensal da taxa de mortalidade hospitalar (%) nos maiores de 65 anos. A vermelho apresenta-se a linha de tendência. Fonte: ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    No grupo dos 45 aos 64 anos, a taxa de mortalidade hospitalar – que sempre apresentou uma grande variabilidade, embora até Dezembro do ano passado apenas por uma vez ultrapassara os 10% –, tem estado agora em níveis sempre acima dos 10%. No primeiro semestre de 2022, este rácio situou-se entre os 10,3% em Janeiro e os 12,6% em Fevereiro, havendo já três meses acima de 12%.

    Para os mais idosos, acima dos 65 anos, a evolução foi diferente, mas também paradoxal, sobretudo por se estar perante um grupo etário com reforços vacinais. Entre Março e Junho de 2020, quase um terço (31,6%) dos casos graves de covid-19 que levavam ao internamento acabaram em desfecho fatal. Nesta altura, não havia ainda vacina. Esse rácio diminuiu para cerca de um em cada cinco internados (20,96%) em 2021 – já com a vacinação aplicada e “beneficiando” da morte dos mais vulneráveis nos fatídicos meses de Janeiro e Fevereiro. Este ano de 2022, com vacina e Ómicron, subiu estranhamente para 24,80% (ou seja, uma morte em cada quatro internamentos).

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    A evolução mensal da mortalidade hospitalar no grupo dos mais idosos mostra, aliás, que os casos graves (que chegam, por isso, ao internamento) mantiveram um padrão relativamente estável. Se exceptuarmos o início da pandemia (Março e Abril de 2020) e Janeiro de 2021 – com taxa de mortalidade que atingiu os 40,6% – e um breve período de 2021 (meses de Abril e Maio com taxas abaixo de 20%), este rácio quase sempre esteve compreendido entre os 24% e os 32%. Ou seja, neste grupo vulnerável – e que contribui para a grande maioria dos óbitos por covid-19 –, apesar do menor risco de internamento, o risco de morte em caso de hospitalização continuou em níveis elevados.

    Nessa medida, aparentemente, os avanços médicos no tratamento desta doença, a menor agressividade da variante Ómicron e as vacinas não trouxeram impactes positivos substanciais em termos de probabilidade de sobrevivência em estados grave da doença.

    Relembre-se que esta taxa de mortalidade hospitalar da covid-19 – calculada em função do número de óbitos por cada 100 doentes (graves) que são hospitalizados – não deve ser confundida com a taxa de letalidade, que corresponde ao número de óbitos em função dos casos positivos (infecções). Nem tão-pouco ao risco de internamento, que constitui a probabilidade de um caso de infecção chegar a necessitar de internamento.

    Taxa de mortalidade hospitalar (%) nos grupos etários dos 25-44, 45-64, maiores de 65 anos e para a população portuguesa nos períodos de Março a Junho de 2020, 2021 e 2022, e ainda para o período de Março de 2020 a Junho de 2022. Fonte: ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Na verdade, tanto a taxa de letalidade como o risco de internamento baixaram em 2022 com o surgimento da Ómicron, como, aliás, o PÁGINA UM já demonstrou. Porém, fica por explicar um paradoxo: com uma menor pressão hospitalar (mesmo em termos absolutos), com um vírus agora menos agressivo (e letal) e ainda com as vacinas – apresentadas como um medicamento que prometia diminuir o surgimento de doença grave e de morte (no decurso de doença grave sujeita a hospitalização, pressupõe-se) –, quais então as razões para se estar com taxas de mortalidade hospitalar superiores às registadas em 2020 e 2021?

    O PÁGINA UM gostaria de, pelo menos, saber a opinião da Direcção-Geral da Saúde. E escreveu mesmo um longo e-mail no passado dia 9 à directora-geral Graça Freitas, incluindo gráficos e alguns dos cálculos que agora se apresentam, pedindo-se explicações. Não obteve resposta. Como habitualmente.

  • Evolução da pandemia: SARS-CoV-2 está agora muito mais transmissível, mas muitíssimo menos letal

    Evolução da pandemia: SARS-CoV-2 está agora muito mais transmissível, mas muitíssimo menos letal

    O PÁGINA UM pegou nos dados possíveis, aqueles poucos que o obscurantismo do Ministério da Saúde deixa escapar a contragosto, e revela como evoluiu a pandemia em Portugal, desde Março de 2020 até Junho de 2022. E mostra como não faz sentido andar a contar ondas (seis, dizem), e que é mais importante olhar para a forma como evoluíram as taxas de internamento e o risco de morte. E identifica ainda o momento exacto em que tudo mudou, para melhor: Novembro de 2021. Foi por causa das vacinas? Foi por causa da Ómicron? Não decida. Deixe a Ciência ter a palavra, embora seja conveniente que essa seja diferente daquela que maioritariamente se viu, desde 2020, a lançar “certezas” e conjecturar previsões à moda dos búzios e de relatórios-fantasma.


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) não responde nem comenta. O Ministério da Saúde luta, afincadamente, no Tribunal Administrativo de Lisboa para não ceder documentos e bases de dados, nomeadamente as do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) e do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO). As autoridades de Saúde e de Estatística manipulam dados, de sorte que o cruzamento da pouca informação disponível se mostra complexa ou mesmo impossível.

    Veja-se, por exemplo, o intencional desfasamento dos grupos etários em diversas bases de dados, para assim impedir o cálculos de indicadores epidemiológicos por entidades e pessoas independentes.

    person holding white plastic pump bottle

    E neste cenário, last but not the least, ainda tivemos a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) a expurgar, durante meses, a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar (BDMMH), por estar, a dita base de dados, a comprometer uma certa “narrativa oficial” sobre o desempenho oficial do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

    Entretanto, “regressou” a dita base de dados, há uns poucos dias, depois de muita pressão e denúncia do PÁGINA UM. Mas com dados estranhos, como a estranha diminuição abrupta dos internamentos e mortes hospitalares sobretudo nos últimos meses.

    Porém, acreditando que estamos perante dados oficiais credíveis – até prova em contrário ou admissão de “martelanço” –, a ressuscitada BDMMH permite, em cruzamento com alguns dados básicos da DGS relativos à covid-19, estabelecer uma evolução da pandemia em Portugal, desde Março de 2020 até finais de Junho deste ano, em diversos indicadores relevantes: incidência, risco de internamento, risco de morte (taxa de letalidade) e também de mortalidade hospitalar.

    Nesta análise deixaremos a mortalidade hospitalar associada à covid-19 para outra oportunidade.

    Uma questão relevante em Epidemiologia, sobretudo quando se trata de doenças causadas por vírus, é a assumpção de que um agente ou uma doença não são imutáveis. No caso do SARS-CoV-2, e pese embora todo o alarmismo que o rodeou – em que esteve sempre omnipresente o receio de sempre surgir uma variante pior do que a anterior, mesmo se a História mostrava o contrário noutras situações –, seria, na verdade, mais do que expectável que a sua transmissibilidade e letalidade do vírus evoluísse nestes dois domínios.

    E, nessa medida, a covid-19 de 2020 fosse diferente da covid-19 de 2021, e esta fosse diferente da covid-19 de 2022, até estabilizar numa fase endémica.

    Será que foi?

    Vejamos.

    Observando em detalhe a evolução mensal dos casos positivos – e sem prejuízo das sempre criticáveis políticas de testagem, que se tornaram um negócio –, mostra-se evidente que, do ponto de vista da incidência, e numa perspectiva holística, nunca se poderá falar de seis ondas – o número que a generalidade dos “especialistas”, políticos e imprensa contaram desde Março de 2020. Na verdade, nem cinco tivemos, nem quatro; quando muito, houve duas ou, no máximo, três.

    Evolução da incidência por mês (casos positivos) de covid-19 desde Março de 2020 até Junho de 2022. Fonte: DGS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Por exemplo, a dita “primeira onda” que começou em Março de 2020 e se estendeu até Maio daquele ano contou apenas um total de cerca de 33 mil casos, ou seja, pouco mais de 10 mil por mês. Ora, essa média mensal na, incorrectamente chamada, primeira onda é praticamente similar à média diária em Abril de 2022, o mês do primeiro semestre deste ano com menor incidência cumulativa.

    Se considerarmos os casos positivos de Janeiro de 2022 (cerca de 1,3 milhões), praticamente todos da variante Ómicron, verificamos também que foram em maior número do que os casos contabilizados em todos os longos meses em que dominaram as outras variantes.

    Nessa perspectiva, nem os surtos do Inverno de 2020-2021 – que se destacam dos períodos imediatamente anteriores e posteriores – se mostra comparável à verdadeira onda registada no primeiro semestre de 2022, onde cerca de 37% da população portuguesa foi “infectada”, o que dá uma média mensal de 6%. Só em Janeiro passado, chegou a mais de 12%.

    Nos 22 meses anteriores (desde Março de 2020 até Dezembro de 2021) tinha sido “infectada” cerca de 14% da população, dando assim uma média mensal de 0,6%. Mesmo as “infecções” registadas em Janeiro de 2021, que se destacou de todos os outros meses anteriores a 2022, somente “atingiram” 3% da população.  

    woman inside laboratory

    Deste modo, mostra-se difícil defender agora a existência de mais do que duas ondas de “casos positivos” (Inverno de 2020-2021 e primeiro semestre de 2022), e quando muito três, se se admitir que no primeiro semestre de 2022 se conseguem identificar duas.

    A evolução da pandemia veio, na verdade, demonstrar que olhar para “ondas de casos” – ou “pandemia de testes”, como se chegou a chamar, com propriedade – foi um absurdo, uma vez que nunca houve nem uma correlação entre casos e internamentos nem entre casos e óbitos (entre internamentos e óbitos, já lá iremos…)

    De facto, observando a evolução do número de internamentos por mês atribuídos à covid-19, de acordo com a BDMMH, a mediana rondou os 1.800 – ou seja, em metade dos 28 primeiros meses da pandemia (Março de 2020 a Junho de 2022) nunca se ultrapassou aquele número. Por outro lado, a média mensal ficou um pouco aquém dos 2.500 internamentos.

    Se considerarmos a fasquia dos 3.000 internados, somente no período de Novembro de 2020 até Fevereiro de 2021 se registou um fluxo muito mais significativo de internamentos: acima dos 6.000 nos dois últimos meses de 2020 e acima dos 10.000 nos dois primeiros meses de 2021.

    Evolução do número de internamentos por mês por covid-19 desde Março de 2020 até Junho de 2022. Fonte: BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Nessa medida, a definirem-se “ondas de internamentos” (que significam, além de um indicador da agressividade do vírus, picos de pressão hospitalar), então apenas houve uma em Portugal: iniciada em Outubro de 2020 (2.312 hospitalizações) e que findou em Março do ano seguinte (2.760), tendo causado hospitalizações acima dos 6.000 internamentos em Novembro e Dezembro e atingido o auge em Janeiro e Fevereiro de 2021 (com mais de 10.000 internamentos em cada mês).

    A essa onda única sucedeu uma relativa estabilidade nos internamentos, quase indiferente aos casos positivos. No último ano com dados, entre Julho de 2021 e Junho de 2022, contabilizam-se seis meses com internamentos entre os 1.700 e os 2.000, havendo apenas dois meses (Janeiro e Fevereiro) excedendo aquela fasquia.

    Convém, contudo, salientar que Janeiro e Fevereiro deste ano tiveram uma incidência de infecções por SARS-CoV-2 cinco vezes superior ao período invernal homólogo do ano anterior (1,97 milhões de casos positivos vs. 384 mil)

    No caso da evolução da mortalidade, embora ainda seja necessário a DGS esclarecer muitos aspectos – por exemplo, a elevada fracção de óbitos registados fora das unidades hospitalares (8.549 mortes, no total) e o contributo de comorbilidades relevantes para a causa de morte –, a covid-19 foi efectivamente uma causa de morte muito relevante em determinados períodos, se comparada, por exemplo, com as doenças respiratórias “associadas” à gripe.

    Evolução do número de óbitos por mês atribuídos à covid-19 desde Março de 2020 até Junho de 2022 nos hospitais do SNS e fora dos hospitais. Fonte: DGS e BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM. Nota: A DGS indica os óbitos totais e a ACSS os óbitos apenas ocorridos nos hospitais do SNS; pela subtracção obtém-se os óbitos fora dos hospitais. Em dois meses (Abril e Maio de 2021), o valor indicado pela ACSS (hospitais) foi ligeiramente superior ao indicado pela DGS (total), daí o valor negativo para os óbitos fora dos hospitais.

    No início da pandemia (Abril de 2020), a mortalidade atribuída à covid-19 pode ser considerada bastante relevante por ser superior à expectável face à pneumonia, mas foi no período de Outubro de 2020 a Março de 2021 que a situação assumiu um cenário mais grave.

    Neste último período, a mortalidade associada ao SARS-CoV-2 foi, sem dúvida, anormalmente elevada, em especial nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2021, mesmo tendo em conta a estação do ano (Inverno). Em todo o caso, dever-se-ia encontrar uma explicação plausível para se contabilizarem, naqueles dois meses, respetivamente 2.557 e 1.066 óbitos fora de unidades hospitalares do SNS.

    Após Março de 2021, a mortalidade atribuída à covid-19 não deve ser considerada anormal do ponto de vista da Saúde Pública, se atendermos que esta doença veio “substituir”, em grande medida, uma parte das doenças respiratórias – sendo disso prova a redução abrupta e persistente dos internamentos e óbitos associados a pneumonias e outras doenças similares.

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    Comparando o primeiro semestre dos três anos de pandemia (2020-2022) com o primeiro semestre dos três anos imediatamente antes (2017-2019), as mortes por doenças do aparelho respiratório diminuíram 24% (14.445 vs. 22.567 óbitos, ou seja, menos 8.131 mortes).

    Os óbitos atribuídos à covid-19 no período invernal de 2021-2022 – um total de 3.554 mortes entre Novembro de 2021 e Março de 2022 – já não parecem assumir valores anormais, considerando o quase desaparecimento da época gripal (e das mortes a si associadas). A mortalidade nos meses seguintes pode classificar-se como elevada em função da época do ano, mas, como já referido, deveria ficar esclarecida se a elevada fracção de óbitos atribuídos à covid-19 que ocorreram fora dos hospitais do SNS não “inflacionou” os efeitos do SARS-CoV-2.

    Em todo o caso, a evolução dos números da mortalidade atribuída à covid-19 (em meio hospitalar e fora dos hospitais) apresenta tendência para estabilizar, em termos absolutos, desde Dezembro do ano passado.

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    Contudo, nos quatros meses em que se mostra possível comparar três anos sucessivos (Março a Junho), verifica-se que 2022 (já com vacinação plena, incluindo reforços, em quase toda a população “vacinável”) foi aquele com maior número de óbitos por covid-19 (3.063), contrastando com os 750 óbitos em 2021 (contudo, após o morticínio de Janeiro e Fevereiro) e com os 1.579 óbitos de 2020 (no início da pandemia).

    Esta análise da evolução dos casos positivos, das hospitalizações e dos óbitos serve, na verdade, sobretudo como base para a criação de indicadores epidemiológicos que, de forma simples, ajudam a demonstrar que a covid-19 não é hoje, em 2022, a mesma de “antanho”. E também permite aferir, à falta de transparência do Ministério da Saúde em disponibilizar dados discriminados do SINAVE e do SICO, os momentos-chaves da mudança.

    Em suma, identificar os períodos em que a covid-19 deixou de ser um problema de Saúde Pública.

    Um dos indicadores mais interessantes que deveriam ser disponibilizados pela DGS – e nunca o foram – é o do risco de internamento, para o qual basta uma análise fina aos dados do SINAVE, de modo a saber, em cada período, a probabilidade de um infectado ser hospitalizado.

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    Perante o lamentável obscurantismo da DGS – e a demora do Tribunal Administrativo em responder à intimação apresentada pelo PÁGINA UM –, pode-se, em todo o caso, “caçar com gato”, e estimar um valor próximo através do cálculo da razão entre internamentos e casos positivos (infelizmente, apenas para a população em geral, uma vez que os grupos etários para os casos são diferentes dos que se referem aos internamentos).

    Referia-se que existe um enviesamento neste indicador calculado desta forma – fazendo com que não constitua um risco efectivo de internamento –, porque existe um deferimento entre a infecção e o internamento (e a eventual morte). Deste modo, os infectados de um período podem ser os internados do período seguinte. Ora, apenas com o SINAVE se poderá apurar esse indicador com rigor.

    Colocadas estas premissas, mesmo assim o indicador que se calcular constitui uma aproximação bastante interessante da realidade, permitindo identificar cinco períodos distintos ao longo da pandemia.

    Na primeira fase da pandemia, até Agosto de 2020, o risco de internamento dos “infectados” (medido pelo número de casos positivos) foi relativamente elevado, sobretudo em Abril e Maio, quando se atingiu um risco de 14,2% e 18,6%, respectivamente. Neste último mês atingiu-se o valor mais elevado de risco de internamento ao longo de toda a pandemia, embora se deva considerar que, neste período, se optava pela hospitalização, por prudência, mesmo em casos não demasiado graves.

    Evolução do risco de internamento (internados por casos positivos, em percentagem) por mês por covid-19 desde Março de 2020 até Junho de 2022. Fonte: DGS e BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Depois deste período, o risco de internamento situou-se entre os 3% e os 6% no período de Setembro de 2020 a Janeiro de 2021, aumentando depois, num terceiro período, para 13,2% em Fevereiro de 2021 e para 15,9% no mês seguinte.

    Um quarto período começou em Abril – ainda de transição, com o indicador a baixar para 6,1% –, estendendo-se até Outubro de 2021, com o risco de internamento a variar entre os 2% e os 5%. Tendo em consideração que, neste período de Maio até Outubro de 2021, a taxa de vacinação abrangia já praticamente toda a população mais vulnerável (acima dos 65 anos), parece evidente advir daí uma redução no risco de internamento: foi de 2,8%, que confronta com os 5,6% do período homólogo do ano anterior (ainda sem vacina). Porém, dir-se-á sempre que essa redução do risco entre estes períodos homólogos (com e sem vacina) é de 50%.

    De facto, somente a partir de Novembro de 2021, e especialmente a partir do mês seguinte, o risco de internamento diminuiu fortemente. Em Dezembro do ano passado situou-se apenas nos 0,7% – ou seja, em cada 1.000 infectados, somente sete necessitaram de internamento –, estando assim pela primeira vez abaixo de 1%. Ao longo de 2022, este rácio esteve sempre inferior a 0,6%.

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    Pergunta-se: foi por causa da vacina ou foi a menor agressividade da variante Ómicron? – eis a questão dos milhões de euros que a pandemia ainda faz rodar em negócios.

    Certo é que, se for a vacina, os seus benefícios custaram muito tempo a chegar; se não tiver sido a Ómicron a constituir o game changer, então foi uma coincidência extraordinária as vacinas se terem tornado eficazes (em evitar o risco de internamento) no exacto mês em que aquela nova variante surgiu e se tornou rapidamente dominante (e muito mais transmissível).

    Em todo o caso, a evolução da pandemia, mesmo antes do surgimento da Ómicron, evidencia que as vacinas contra a covid-19 tiveram um efeito benéfico, embora temporário, na redução significativa da letalidade.

    Com efeito, e com similares premissas às que se apresentaram para o risco de internamento – e face à impossibilidade, por causa da política de obscurantismo da DGS, de analisar a evolução por faixa etária –, pode-se estimar também a taxa de letalidade global (para toda a população), através do cálculo do rácio óbitos por infectados em cada mês.

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    Esse indicador permite confirmar, atendível a estratégia de testagem, que a taxa de letalidade – ou o risco de morte em caso de infecção – foi bastante elevada (acima de 1%) até Março de 2021, com alguns períodos com valores preocupantes: Março a Maio de 2020 e Dezembro de 2020 a Março de 2021.

    A partir de Abril de 2021, a taxa de letalidade ficou sempre abaixo de 1%, o que apenas sucedera no primeiro ano da pandemia num curto período (Setembro e Outubro de 2020).

    Contudo, a partir de Abril de 2021 – com o processo de vacinação em “velocidade de cruzeiro” –, assistiu-se, aparentemente, a uma progressiva redução do efeito protector das vacinas. Isto porque a taxa de letalidade aumentou sensivelmente a partir dos meses de Junho e Julho daquele ano (0,23% e 0,30%, respectivamente) a atingir os 0,86% em Outubro.

    E eis que a seguir, repentinamente, baixou de novo, quedando-se nos 0,49% em Novembro, e depois ainda se reduziu nos meses seguintes. Ao longo de 2022, a taxa de letalidade da covid-19 variou entre os 0,08% em Janeiro e os 0,22% em Junho.

    Evolução mensal da taxa de letalidade (óbitos por casos positivos, em percentagem) por covid-19 desde Março de 2020 até Junho de 2022. Fonte: DGS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Não havendo informação que permita, de forma expedita, calcular a taxa de letalidade por grupos etários, pode-se sempre dizer que para os mais idosos esse indicador será agora, certamente, inferior a 2%, quando nas primeiras fases da pandemia se situava nos 15%. Nos mais jovens continua irrelevante, porque sempre foi.

    Também para o risco de morte, a mesma pergunta: qual a causa desta favorável evolução? As vacinas – que começaram a ser administradas no final de Dezembro de 2020 e tiveram já vários reforços – ou a variante Ómicron, que surgiu exactamente na altura que a taxa de letalidade parecia ir disparar com a chegada do Inverno?

    Em tempos normais, a Ciência debateria essa questão de forma aberta, com base em hipóteses e com todos os dados (leia-se, informação oficial) em cima da mesa, sem truques, sem omissões sem necessidade de intervenção do Tribunal Administrativo para se aceder a informação oficial, sem tramoias de burocratas que “expurgam” bases de dados para satisfazer amigos governantes.

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    Mas, infelizmente, uma coisa esta pandemia nos demonstrou: a Ciência tornou-se maleável e submissa ao poder político, e, nessa medida, jamais desejará agora discutir abertamente alguns temas, que se tornaram tabu, porque comprometedores da sua independência e idoneidade.

    Quando se diz Ciência, estamos a falar dos cientistas que, por acção ou omissão, mandaram os seus princípios às malvas.

  • Paradoxo ou base de dados “martelada”: internamentos e mortalidade hospitalar caem a pique no primeiro semestre de 2022

    Paradoxo ou base de dados “martelada”: internamentos e mortalidade hospitalar caem a pique no primeiro semestre de 2022

    A Administração Central do Serviço de Saúde (ACSS) repôs a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar no Portal da Transparência do SNS, contendo já informação mensal até Junho deste ano, mas a análise do PÁGINA UM revela que os internamentos no primeiro semestre de 2022 desceram 30% face ao último quinquénio e os óbitos em meio hospitalar recuaram 27%. Enquanto isso, a mortalidade total este ano, dentro e fora dos hospitais, está bem acima do normal. Estará a base de dados do Ministério da Saúde a ser “manipulada” ou os portugueses moribundos estão agora a morrer longe dos hospitais? Uma incógnita. Até porque o Ministério da Saúde não comenta, como habitualmente.


    Os números de internamentos e de óbitos ocorridos em meio hospitalar nas unidades do SNS entraram em inexplicável queda abrupta no primeiro semestre deste ano, de acordo com uma análise detalhada do PÁGINA UM à base de dados de Morbilidade e Mortalidade Hospitalar (BDMMH), sob gestão da Administração Central do Serviço de Saúde (ACSS).

    Recorde-se que esta base de dados esteve inoperacional durante cerca de quatro meses, por iniciativa de Vítor Herdeiro, presidente da ACSS – e amigo de longa data da ex-ministra Marta Temido –, para impossibilitar assim a continuidade das análises que o PÁGINA UM estava a realizar ao desempenho do SNS durante a pandemia. Em 4 de Agosto passado, a ACSS colocaria, em substituição da BDMMH original, três bases de dados com informação completamente mutilada. As pressões do PÁGINA UM – que colocou, entretanto, um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para consultar também uma base de dados com informação mais vasta – levaram a ACSS a recolocar a BDMMH original, com dados até Junho deste ano. Quando da retirada desta base de dados da Plataforma da Transparência do SNS, em Maio passado, apenas estava disponibilizada informação até Janeiro de 2022.

    red vehicle in timelapse photography

    Assim, com a informação agora já disponível para o primeiro semestre de 2022 (Janeiro a Junho), um paradoxo ressalta de imediato, através, saliente-se, de fonte oficial: apesar da mortalidade total em Portugal no presente ano estar praticamente ao nível do ano passado (actualmente, observa-se uma redução de 1,5%) e 6,7% superior à média do último quinquénio (2017-2021), a actividade hospitalar, medida pelos internamentos e óbitos aí declarados, está aparentemente em contra-ciclo. Ou então a BDMMH, disponibilizada novamente ao público, foi falseada.

    Com efeito, comparando o primeiro semestre de 2022 com os períodos homólogos entre 2017 e 2021, bem como com a média deste quinquénio, mostra-se espantosa a descida no número de internamentos. De acordo com a BDMMH, entre Janeiro e Junho deste ano foram contabilizados 274.385 hospitalizações, o que contrasta com os 360.837 internamentos em 2021. No último quinquénio, 2017 tinha sido o ano com mais internamentos no primeiro semestre, com mais de 430 mil. Em termos relativos, a redução dos internamentos no primeiro semestre deste ano foi praticamente de 30% face à média do último quinquénio.

    Internamentos hospitalares no SNS no primeiro semestre (Janeiro-Junho) entre 2017 e 2022. Fonte: BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Para o período em análise, em todos os grandes grupos de doenças responsáveis pelos internamentos se constatam fortes decréscimos entre 2022 e o último quinquénio, exceptuando a covid-19 que apenas contabiliza hospitalizações desde 2020. As doenças do aparelho respiratório são aquelas que mais desceram, tanto em termos absolutos (-23.909 internamentos, embora quase em linha com 2021) como em termos relativos (-50,2%).

    Também muito relevante – até por ser o grupo de doenças que mais contribui para a entrada em hospitais – se mostra a redução dos internamentos por problemas de saúde relacionados com o aparelho circulatório. No primeiro semestre deste ano, a BDMMH contabilizou 35.002 internamentos, menos 20.893 do que a média do quinquénio. Face ao ano passado, o ano de 2022 contou entre Janeiro e Junho com menos 17.006 hospitalizações.

    Mesmo nas neoplasias – que muitos especialistas receavam vir a ter um recrudescimento face à gestão seguida pelo Governo em suspender diagnósticos e exames durante a fase pandémica –, a serem verídicos os dados da BDMMH, então algo inexplicável se passa. Comparando com a média do último quinquénio (39.861 internamentos), em 2022 registaram-se menos 14.711 hospitalizações, uma queda de 37%.

    Para os grupos de doenças com mais de 10 mil internamentos em média (no quinquénio 2017-2021) para o primeiro semestre, apenas as doenças do aparelho osteomuscular e do tecido conjuntivo registaram uma redução inferior a 20%.

    Na mesma linha, segundo a BDMMH, a redução de óbitos declarados nos hospitais do SNS ao longo do primeiro semestre de 2022 são significativos, e pouco compagináveis com um ano de excesso de mortalidade. No período em análise, enquanto no último quinquénio se contaram 25.900 mortes nas unidades de saúde do sector público, este ano registaram-se, segundo a base de dados do Ministério da Saúde agora novamente disponível, “apenas” 18.898 óbitos. Ou seja, uma descida de 27%.

    Confrontando 2022 com 2021 – e, sabendo-se que a mortalidade total em Portugal entre estes dois anos é quase similar –, observa-se, contudo, uma diferença de 10.324 óbitos a menos. Seguindo a mesma linha dos internamentos, em todos os grupos de doenças se observam descidas acentuadas entre 2022 e os anos transactos.

    No caso das doenças do aparelho respiratório, a variação é de 47% face ao último quinquénio e de 25% face a 2021, que já fora um ano pouco mortífero, uma vez que as pneumonias virais e bacterianas se reduziram com o surgimento da covid-19.

    Óbitos declarados nas unidades do SNS no primeiro semestre (Janeiro-Junho) entre 2017 e 2022. Fonte: BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Também nas doenças do aparelho circulatório, a BDMMH indica uma queda surpreendente no primeiro semestre de 2022 face aos cinco anos anteriores (-35%, correspondentes a menos 1.785 óbitos), o mesmo sucedendo para as neoplasias (-43%, correspondentes a menos 2.058 óbitos). Em nenhum grupo de doenças – de entre aqueles que, em média no último quinquénio, registaram mais de mil óbitos no primeiro semestre – se observou uma queda nos primeiros seis meses deste ano inferior a 20%.

    A estranheza suscitada pela comparação entre o primeiro semestre de 2022 e os períodos homólogos desde 2017 ainda aumenta mais quando se observa a evolução cronológica contínua tanto nos internamentos como nos óbitos.

    Em termos globais, verifica-se que, desde Janeiro de 2017 – a partir do qual a BDMMH disponibiliza informação –, o mês de Junho de 2022 é o mês que regista o menor número de internamentos (34.487) e o menor número de óbitos (2.394), segundo uma tendência fortemente decrescente a partir de Dezembro do ano passado.

    Total de internamentos (esq.) e óbitos (dir.) em meio hospitalar do SNS por mês desde Janeiro de 2017 até Junho de 2022. Fonte: BDMMH / ACSS. ACálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em relação aos internamentos, confirma-se mais uma vez, a considerar verídica a BDMMH, que a pandemia terá causado, indirectamente, um “esvaziamento” dos internamentos hospitalares. Com efeito, se antes do surgimento da pandemia praticamente todos os meses registavam mais de 65 mil internamentos, a partir de Março de 2020 nunca mais nenhum mês ultrapassou essa fasquia, mesmo quando o SNS colapsou no Inverno de 2020-2021.

    Contudo, mostra-se surpreendente que a queda do número de internamentos tenha sido em Maio e Junho deste ano mais baixo do que em Abril de 2020, quando, no início da pandemia, houve uma debandada dos hospitais públicos.

    Na mesma linha, e no caso dos óbitos totais em meio hospitalar, também os últimos meses apresentaram uma evolução atípica. Se o Inverno de 2020-2021 foi particularmente mortífero nos hospitais (com um recorde inédito de 8.438 óbitos em Janeiro de 2021), já o mais recente Inverno foi anormalmente pouco letal com o máximo a ser atingindo em Dezembro do ano passado com “apenas” 4.227 mortes.

    person walking on hallway in blue scrub suit near incubator

    Antes da covid-19, na época gripal geralmente o número de óbitos em meio hospitalar situava-se entre os 5.000 e os 6.000. Porém, a partir de Janeiro deste ano, a mortalidade hospitalar foi descendo sempre, em todos os meses, com Junho a ser o valor mais baixo: 2.394. De acordo com a BDMMH, antes da pandemia, o mês com menor mortalidade hospitalar foi Setembro de 2018 com 3.684 óbitos.

    Em concomitância com os dados globais, também a evolução mensal dos internamentos e mortes nos grupos de doenças mais letais em meio hospitalar apresenta um perfil atípico.  

    No caso das doenças do aparelho respiratório, a chegada da covid-19 resultou numa descida abrupta nos internamentos, sobretudo no período invernal de 2020-2021 e 2021-2022. Até neste último período, o pico de internamentos pouco suplantou o que era norma nos Verões pré-pandemia. Em todo o caso, a mortalidade no Inverno de 2020-2021 foi relativamente elevada (embora muito mais baixa do que o habitual antes da pandemia), porque a taxa de sobrevivência foi fortemente afectada pelo colapso do SNS em Janeiro de 2021. Mais estranha, porém, é a tendência contínua de descida dos óbitos a partir de Janeiro deste ano. No último mês de Junho, a BDMMH apenas registou 435 óbitos por doenças do aparelho respiratório.

    Doenças do aparelho respiratório – internamentos (esq.) e óbitos (dir.) em meio hospitalar do SNS por mês desde Janeiro de 2017 até Junho de 2022. Fonte: BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em relação às doenças do aparelho circulatório, se a pandemia não teve grande impacte no número de internamentos até finais de Dezembro de 2021 – com excepção de Abril de 2020, por causa da fuga dos hospitais –, já a partir de Janeiro a descida se mostra surpreendente, sobretudo porque contraria um padrão epidemiológico. Com efeito, antes da pandemia, os internamentos por doenças do aparelho circulatório – que incluem os enfartes e os AVC’s – situavam-se, por norma, entre os 8.000 e os 11.000, enquanto os óbitos variavam em função da época do ano: em Janeiro (geralmente o mês mais frio) ultrapassavam os 1.000, descendo até um mínimo próximos dos 600 no auge do Verão.  

    Contudo, no último Inverno, as mortes hospitalares “só” atingiram, segundo a BDMMH, um máximo de 786 óbitos (Dezembro do ano passado), descendo sistematicamente a partir daí. Em Junho passado, a base de dados do Ministério da Saúde aponta as 378 mortes por este grupo de doenças, o que não só se mostra anormal do ponto de vista epidemiológico como não aparenta fazer sentido num ano com excesso de mortalidade total.

    Doenças do aparelho circulatório – internamentos (esq.) e óbitos (dir.) em meio hospitalar do SNS por mês desde Janeiro de 2017 até Junho de 2022. Fonte: BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    No caso das neoplasias, a situação também se mostra anormal, mas aqui desde o início da pandemia. É certo que em 2020 e 2021 já se verificara uma redução com alguma relevância (sobretudo em determinados períodos) no número de internamentos e de mortes pelos diversos cancros, mas essa descida tornou-se colossal a partir de Dezembro do ano passado.

    Se antes da pandemia os internamentos por neoplasias rondavam, sem grandes flutuações, os 7.000 em cada mês, em Junho deste ano quedaram-se abaixo dos 3.000. No que diz respeito aos óbitos, antes da pandemia geralmente situavam-se, em cada mês, entre os 800 e os 1.000, durante os anos de 2020 e 2021 passaram a situar-se entre os 700 e os 800, para agora em Junho deste ano – depois de contínua retracção – se terem contabilizado apenas 326 óbitos por cancros em meio hospitalar.

    Neoplasias – internamentos (esq.) e óbitos (dir.) em meio hospitalar do SNS por mês desde Janeiro de 2017 até Junho de 2022. Fonte: BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Obviamente, deve-se salientar, mais uma vez que estas mortes se referem às contabilizadas nas unidades do SNS, podendo esta descida apenas significar que há muitos mais doentes terminais com neoplasias que morrem fora dos hospitais.

    A evolução das doenças do aparelho digestivo ao longo da pandemia teve um padrão quase normal até final de 2021, se se exceptuar duas quedas abruptas nos internamentos, em Abril de 2020 (devido à fuga dos hospitais) e no Inverno de 2020-2021. No entanto, a mortalidade até se manteve estável, e dentro dos padrões normais pré-pandemia, até Dezembro do ano passado. A partir desse mês, a mortalidade por este tipo de doenças caiu significativamente, tendo a BDMMH contabilizado “apenas” 125 óbitos. Antes da pandemia, o valor mais baixo, desde 2017, ocorreu em Setembro de 2018 (263 mortes).

    Doenças do aparelho digestivo – internamentos (esq.) e óbitos (dir.) em meio hospitalar do SNS por mês desde Janeiro de 2017 até Junho de 2022. Fonte: BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Por fim, no caso das doenças infecciosas e parasitárias – agrupadas no grupo A e B da classificação de doenças da Organização Mundial de Saúde –, o número de internamentos também desceu com a chegada da pandemia, mas quase regressou a valores pré-pandémicos no Verão de 2021. Porém, também para este grupo vasto de doenças – cuja taxa global de mortalidade hospitalar se situa geralmente acima dos 20%, mas que quase atingiu os 40% em Janeiro de 2021 –, o número de internamentos e de óbitos registados nas unidades do SNS quebrou a partir do início do presente ano.

    Segundo a BDMH, em Junho passado, apenas foram internadas 953 pessoas por causa deste grupo de doenças, registando-se 222 óbitos – os valores mais baixos desde 2017 para ambos os indicadores.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário do Ministério da Saúde sobre estas matérias, enviando mesmo o gráfico da evolução dos internamentos e óbitos em meio hospitalar relativo às neoplasias, de modo a ficar mais claro aquilo que estava em causa. Não obteve resposta.

    Doenças infecciosas e parasitárias (códigos A e B da CDI-OMS) – internamentos (esq.) e óbitos (dir.) em meio hospitalar do SNS por mês desde Janeiro de 2017 até Junho de 2022. Fonte: BDMMH / ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    O processo de intimação que o PÁGINA UM apresentou no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar a ACSS a divulgar documentos administrativos, incluindo a BDMMH, ainda decorre. A ACSS alegou, junto do juiz, ter já cumprido o solicitado pelo PÁGINA UM, mas tal não corresponde à verdade.

    No pedido, que recorde-se foi formalmente feito em 21 de Julho, além da BDMMH, solicitava-se o “acesso presencial e/ou eventual cópia digital da Base de Dados central do GDH (Grupos de Diagnósticos Homogénos), vem como do denominado BI-MH (Bilhete de Identidade para a Mobilidade Hospitalar.” Estas duas bases de dados são, na verdade, as “mães” da BDMMH disponibilizada pelo Ministério da Saúde no Portal da Transparência do SNS, sendo assim consideradas documentos administrativos se os registos dos doentes forem anonimizados.

    Contudo, ao contrário da BDMMH – que integra já um tratamento estatístico mais técnico (e eventualmente político) dos dados recolhidos por cada hospital –, a base de dados do GDH e do BI-MH não são tão facilmente manipuláveis, porque individualizados. Daí o interesse do PÁGINA UM em analisá-las para conferir o rigor e exactidão da BDMMH que se encontra no Portal da Transparência do SNS.

  • Metade dos óbitos atribuídos ao SARS-CoV-2 estão agora fora dos hospitais. Mortes são por ou com covid-19?

    Metade dos óbitos atribuídos ao SARS-CoV-2 estão agora fora dos hospitais. Mortes são por ou com covid-19?

    Apesar da elevada imunidade vacinal – por ser um dos países do Mundo com maior taxa de vacinação –, e também natural – por mais de metade da população ter tido contacto com o vírus –, Portugal apresentou nos últimos meses um número de óbitos muito mais elevado do que nos períodos homólogos de 2020 e 2021. Mas também ressalta uma percentagem absurda de óbitos atribuídas à covid-19 que se registaram fora das unidades hospitalares do SNS. A Direcção-Geral da Saúde não explica por que razão metade das vítimas da covid-19 dos últimos meses (que seriam, assume-se, casos graves desta doença) não mereceu tratamento hospitalar, morrendo aparentemente sem assistência médica adequada.


    Entre Março e Junho deste ano, metade dos óbitos atribuídos à covid-19 registados pela Direcção-Geral da Saúde ocorreu fora dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), de acordo com uma análise do PÁGINA UM, que cruzou dados oficiais da Direcção-Geral da Saúde (DGS) com a base de dados da Morbilidade e Mortalidade no Portal da Transparência, entretanto “ressuscitado” (ver N.D., em baixo).

    Esta situação recoloca assim mais dúvidas sobre se os certificados de óbito para os casos fora das unidades hospitalares fazem directa referência ao SARS-CoV-2 como causa de morte, ou se optam por outras causas mais relevantes e a contabilização para as estatísticas da covid-19 se devem apenas ao facto de as pessoas falecidas estarem com teste positivo ao coronavírus.

    person in white jacket wearing blue goggles

    Embora a percentagem de óbitos por covid-19 fora das unidades do SNS – por exemplo, em lares ou em residências – tenha sido sempre relevante desde o início da pandemia, e nunca explicado pela DGS, a informação retirada da mais recente versão da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, gerida pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), mostra uma subida ainda mais inexplicável nos últimos meses.

    Esta situação pode indiciar um de dois problemas; ou ambos: os óbitos atribuídos à covid-19 estão exagerados, por incluírem mortes fora das unidades hospitalares sem mais qualquer diagnóstico para além de um teste positivo ao coronavírus; ou há doentes-covid em situação grave a morrerem fora dos hospitais sem tratamento devido.

    Óbitos atribuídos à covid-19 em Portugal por mês, com certificado nos hospitais e fora dos hospitais. Fonte: DGS e ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    De facto, uma elevada fracção de mortes atribuídas à covid-19 fora dos hospitais não é aspecto despiciendo, uma vez que a esmagadora maioria dos casos graves desta doença, que resultam em morte apresenta previamente um quadro clínico de insuficiência respiratória ou outros sintomas que recomendariam um internamento hospitalar.

    Por outro lado, recorde-se que esta doença foi considerada de elevadíssima infecciosidade.

    Portanto, coloca-se aqui saber se estas mortes se deveram mesmo à acção directa e letal do SARS-CoV-2 – e, portanto, uma elevada percentagem de doentes graves não teve apoio médico especializado que pudesse evitar a sua morte – ou se as mortes em causa ocorreram devido a outras comorbilidades relevantes e os óbitos acabaram por ser atribuídos à covid-19 apenas porque a vítima estava positiva naquela altura.

    Certo é que, estranhamente, a mortalidade atribuída à covid-19 pelas autoridades de Saúde tem estado bastante superior em 2022 face aos períodos homólogos de 2020 (quando não existiam vacinas e a população estava naive) e de 2021.

    Entre Março e Junho deste ano, a DGS diz terem morrido 3.063 pessoas por covid-19, enquanto no período homólogo do ano passado foram 720 e em 2020 atingiram os 1.036.

    Ora, mas se se descontar aos óbitos atribuídos à covid-19 pela DGS entre Março e Junho deste ano aqueles que foram observados nos hospitais – pela consulta da base de dados da ACSS –, constata-se que terão morrido 1.531 pessoas fora dos hospitais, ou seja, 50% do total. No ano passado, no período homólogo esse valor tinha rondado os 6,4% (48 óbitos) e em 2020 atingiu os 34,4% (543 óbitos)

    Ao longo da pandemia, o rácio óbitos fora / dentro do SNS foi sempre bastante variável, mas apenas esporadicamente alto em Maio de 2020 e no Inverno de 2020-2021, quando então os hospitais do SNS colapsaram, mas não tão persistente e elevado como em 2022.

    Aliás, em Maio passado, o PÁGINA UM já noticiara que até Dezembro de 2021 uma em cada três vítimas atribuídas à covid-19 tinha falecido fora dos hospitais do SNS, mas esse rácio ainda aumentou mais este ano.

    Evolução mensal da percentagem de óbitos atribuídos à covid-19 e ocorridos fora das unidades do SNS. Fonte: DGS e ACSS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    A partir de Janeiro, somente em Março se registou uma percentagem de óbitos atribuídos à covid-19 fora do SNS abaixo dos 40%, chegando-se aos 57% em Junho (dos 999 óbitos, 429 ocorreram em hospital público e 570 fora dos hospitais públicos).

    Sobre estas matérias, o PÁGINA UM pediu comentários e esclarecimento à DGS, com conhecimento para o Ministério da Saúde, mas não obteve (ainda) qualquer resposta.


    N.D. O PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Administração Central do Sistema de Saúde por ter eliminado, e depois reposto de forma mutilada, a base de dados da Mortalidade e Morbilidade Hospitalar que constava no Portal da Transparência do SNS. Esta base de dados, que então tinha informação até Janeiro de 2022, servira para o PÁGINA UM publicar um conjunto de trabalhos de investigação sobre o desempenho do SNS durante a pandemia.

    Entretanto, sem sequer informar o PÁGINA UM, a AACS indicou ao Tribunal Administrativo de Lisboa que já repusera a base de dados da Mortalidade e Morbilidade Hospitalar no Portal da Transparência do SNS, indicando que o fizera no passado dia 12 de Agosto.

    Esta data, cuja prova da veracidade não foi apresentada, é em todo o caso posterior à notícia do PÁGINA UM a denunciar as ligações de amizade entre o presidente da ACSS, Vítor Herdeiro, e a ex-ministra da Saúde Marta Temido (12 de Julho), e à notícia sobre a apresentação das bases de dados “mutiladas” (5 de Agosto). Aliás, a ACSS apenas comunicou ao PÁGINA UM, por ofício de dia 4 de Agosto, que disponibilizara três bases de dados (as mutiladas), e nunca mais nada comunicou, e devia.

    O PÁGINA UM lamenta, aliás, a postura e a estratégia da ACSS, não apenas pela tentativa de persistir na mutilação (voltando agora atrás) como estar a convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que toda a informação requerida foi disponibilizada (foi feito um pedido de inutilidade superveniente da lide). Não é verdade. O PÁGINA UM tinha também pedido à AACS “a consulta presencial e/ ou eventual cópia digital da Base de Dados Central do GDH (Grupos de Diagnósticos Homogéneos), bem como do denominado BI-MH (Bilhete de Identidade para a Morbilidade Hospitalar”, porque servirá para a aferir se os valores divulgados agora no Portal da Transparência são reais ou “martelados”.

    Como o PÁGINA UM revelará a partir de amanhã, pelo menos “estranhos” são.

    Saliente-se que os processos judiciais do PÁGINA UM, que têm constituído uma “frente de combate”em prol da transparência da Administração Pública, são financiados pelos leitores através do seu FUNDO JURÍDICO, que já envolveu 12 processos de intimação e uma providência cautelar.

  • Pandemia foi período perigoso para as crianças? Não; pelo contrário: houve menos 51 mil hospitalizações e menos 233 mortes

    Pandemia foi período perigoso para as crianças? Não; pelo contrário: houve menos 51 mil hospitalizações e menos 233 mortes

    A base de dados da Morbilidade da Mortalidade Hospitalar foi “apagada” do Portal da Transparência, mas o ficheiro descarregado pelo PÁGINA UM antes deste acto anti-democrático permite revelar mais episódios sobre a real dimensão da pandemia até Janeiro deste ano. Hoje, demonstramos que o pânico lançado em redor da saúde dos mais novos não correspondia à realidade: globalmente, as crianças com menos de 15 anos necessitaram de menos internamentos e os desfechos trágicos em meio hospitalar foram largamente inferiores. Nos tempos em que só havia gripes e pneumonias, as crianças estavam sujeitas a muitos e maiores perigos, mesmo até baixos. E não havia quem se “alimentasse” do pânico à custa do crescimento saudável das crianças.


    Avós, pais e filhos andaram em pânico por causa do SARS-CoV-2, encheram-se as crianças de máscaras e muitas famílias correram a vacinar os mais novos. Contudo, na verdade, a época da pandemia da covid-19 foi, paradoxalmente, um período muito benigno para as crianças com menos de 15 anos.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM à base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar, a covid-19 foi responsável por 758 internamentos neste grupo etário, com um registo de dois óbitos, mas todos os outros grupos de doenças registaram uma fortíssima redução tanto ao nível das hospitalizações como das mortes.

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    Globalmente, em todas as 62 unidades hospitalares do SNS e por todas as causas contabilizaram-se, entre Março de 2020 e Janeiro de 2022, um total de 181.428 internamentos de crianças, havendo a lamentar 413 óbitos. Porém, no período homólogo imediatamente anterior à pandemia – entre Março de 2018 e Janeiro de 2020 –, tinham sido contabilizados 646 óbitos de crianças até aos 15 anos, resultantes de 232.287 internamentos.

    Recorde-se que a base de dados oficial usada pelo PÁGINA UM foi entretanto “apagada” do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que apenas se mostra possível aceder a um ficheiro descarregado em Maio passado, que continha elementos entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2022. Se não tivesse ocorrido o “apagão” já deveriam estar disponibilizados os dados de Fevereiro e eventualmente de Março deste ano.

    A redução global de 22% nas hospitalizações e de 36% no número de mortes observado no período pandémico face ao período pré-pandémico fez-se sentir mais em certos grupos de doenças, sobretudo nas doenças respiratórias e nas doenças infecciosas e parasitárias. Na verdade, se se excluir o grupo de causas de internamento classificado como “factores que influenciam o estado de saúde e o contacto com os serviços de saúde” – o código que classifica sobretudo, mas não apenas, os internamentos para exames sem um diagnóstico prévio –, a descida nas hospitalizações foi de 39%.

    Internamentos e óbitos de menores de 15 anos em unidades do SNS em pré-pandemia (Março de 2018-Janeiro de 2020) e pandemia (Março de 2020-Janeiro de 2022). Fonte: SNS (base de dados “apagada” da morbilidade e mortalidade hospitalar. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, não apenas pela menor agressividade do SARS-CoV-2 nos menores como, em parte, às medidas que afastaram fisicamente as crianças uma das outras, os hospitais portugueses receberam apenas 11.981 crianças com doenças respiratórias entre Março de 2020 e Janeiro de 2022, quando no período homólogo imediatamente anterior à pandemia contabilizaram-se 25.273 internamentos neste grupo etário. Uma queda de 53%, ou seja, menos 13.282 internamentos.

    No caso das doenças infecciosas e parasitárias, a redução relativa nos internamentos ainda foi maior: 62%. Entre Março de 2018 e Janeiro de 2020 – ou seja, antes da pandemia – tinham sido hospitalizadas 6.629 crianças; ao longo dos primeiros 23 meses da pandemia (Março de 2020 a Janeiro de 2022), por este grupo de doenças tinham sido hospitalizadas apenas 2.540.

    Em relação a outras doenças destacam-se as reduções nos internamentos por doenças da pele e do tecido subcutâneo (menos 51%), doenças do ouvido e aparelho mastóide (menos 43%), doenças do aparelho circulatório (menos 40%) e mesmo por cancros (menos 30%).

    child lying on bed while doctor checking his mouth

    Mesmo se a mortalidade por qualquer doença é, felizmente, bastante baixa nos menores de 15 anos, a base de dados agora “desaparecida” do Portal da Transparência permite concluir que o período da pandemia foi muito menos mortífera para esta faixa etária. Se é certo que se registaram em hospitais duas mortes atribuídas à covid-19 no certificado de óbito – no Algarve em Agosto de 2020 e em Lisboa em Agosto do ano passado –, do ponto de vista da Saúde Pública, e mesmo de receio dos pais, a pandemia foi muito mais “saudável”.

    De facto, confrontando os óbitos declarados nos hospitais, a redução da prevalência da gripe e de outras doenças respiratórias, entre as quais as pneumonias, levaram a uma fortíssima redução da mortalidade. Sem a presença da covid-19, seria expectável que as habituais doenças respiratórias levassem, entre Março de 2020 e Janeiro de 2021, um número de vidas próximo daquele que se observou no período homólogo anterior à pandemia (Março de 2018 a Janeiro de 2020): 646.

    Contudo, o saldo foi assim francamente mais favorável: nos primeiros 23 meses da pandemia morreram 413 menores de 15 anos nos hospitais, menos 233 do que no período homólogo pré-pandemia.

    Base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar foi “apagada” do Portal da Transparência. Ministério da Saúde não explica os motivos.

    O destaque, mais uma vez, vai para as doenças respiratórias: nos 23 primeiros meses de pandemia morreram, por estas causas, 20 crianças com menos de 15 anos, enquanto entre Março de 2018 e Janeiro de 2020 tinham falecido 50. Confrontando os dois períodos, nas doenças infecciosas e parasitárias, os óbitos passaram de 19 para 7, nas neoplasias de 54 para 41, nas doenças do sistema nervoso de 21 para 9 e nas doenças do aparelho circulatório de 22 para 12.

    Até mesmo em problemas relacionados com recém-nascidos, a situação melhorou durante a pandemia. No grupo das “condições originadas no período perinatal”, os óbitos no período pré-pandemia (Março de 2018 a Janeiro de 2020) foram 71, mas durante os 23 primeiros meses da pandemia apenas chegaram aos 39.

  • Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    O PÁGINA UM revela dados oficiais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que contam uma história bem diferente sobre os primeiros “passos” da pandemia da covid-19. O Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade mostra que, afinal, o primeiro internamento por covid-19 não foi em Março de 2020, mas no mês anterior. É apenas um pormenor? Pode ser que sim, mas há uma evidência: os dados da Direcção-Geral da Saúde não encaixam em nada nos dados do SNS.


    O primeiro doente internado com diagnóstico de covid-19 em Portugal registou-se afinal ainda em Fevereiro de 2020, de acordo com os dados do Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Tratou-se de uma mulher com mais de 65 anos que esteve internada em uma das unidades do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que integra os hospitais de São José, Curry Cabral, Santo António dos Capuchos, Santa Marta e D. Estefânia (pediatria) e a Maternidade Alfredo da Costa.

    Esta informação contraria os dados até agora conhecidos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que somente em 2 de Março de 2020 confirmou o primeiro caso de infecção por SARS-CoV-2 em Portugal: um médico de 60 anos que estivera no norte de Itália.

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    Recorde-se que a DGS começou a divulgar “boletins informativos” diários em 26 de Fevereiro de 2020, mas o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto relatório desse mês somente apresentavam o total dos casos suspeitos e os suspeitos nas últimas 24 horas. Nesta fase, os resultados dos testes PCR demoravam, por vezes, um dia. No dia 29 de Fevereiro daquele ano, o boletim analítico apontava um total de 70 casos suspeitos, dos quais 11 nas últimas 24 horas, mas zero casos confirmados.

    Porém, na verdade, seguindo os dados do SNS – que identifica os internados por covid-19 através do diagnóstico de doenças com “códigos para fins especiais” –, já estaria aquela mulher internada em Lisboa, cujo desfecho não é conhecido. Certo apenas é que não se registou qualquer óbito por covid-19 em Fevereiro desse ano.

    Com a confirmação da chegada oficial da covid-19 a Portugal, a DGS começou então a elaborar os famosos “relatórios de situação”, com o primeiro a surgir no dia 3 de Março, onde já surgiram quatro casos. Porém, segundo a DGS, todos os quatro eram homens: dois na faixa etária dos 30 aos 39 anos, um com idade entre os 40 e 49 anos e outro no grupo dos 60 aos 69 anos. A primeira mulher infectada surge apenas no relatório de 4 de Março, mas integrando a faixa etária dos 40 aos 49 anos. Nesse dia já estavam internadas nove pessoas.

    O mês de Março foi, porém, efectivamente o início da pandemia e de um alarmismo que parou o país, tendo sido registados 491 internamentos, dos quais 247 com mais de 65 anos, tendo-se contabilizado 138 óbitos certificados em hospital.

    Também aqui os dados do SNS começam a não bater certo com os da DGS, que apontou a existência de 187 óbitos atribuídos à covid-19, o que pode significar que houve, desde o início, uma inflação das mortes causadas pelo SARS-CoV-2 ou que houve muitas vítimas que faleceram fora de ambiente hospitalar sem receberem assistência devida.

    Recorde-se que o PÁGINA UM denunciou que, apesar de ter sido considerada uma doença de elevada infecciosidade – que obrigou, na esmagadora maioria dos casos ao internamento de casos moderados e graves –, “apenas” 68% do total dos óbitos contabilizados pela DGS em 2020 e 2021 foram certificados em unidades de saúde.

    Com efeito, até Dezembro de 2021, o Portal da Transparência do SNS aponta para um total de 12.837 pessoas falecidas devido à acção directa do SARS-CoV-2, enquanto que contabiliza, para o mesmo período, 18.974 óbitos por covid-19. Ou seja, um diferença de 6.137 mortes que, a terem mesmo morrido de covid-19, o desfecho observou-se fora de unidades de saúde; portanto, em lares ou nas suas residências.

  • Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    O PÁGINA UM analisou, com detalhe, e com os dados possíveis, a evolução da agressividade da covid-19 em Portugal desde o início da pandemia. E apurou que as taxas de internamento e de letalidade global agora com a variante Ómicron a dominar são já inferiores às que se registam em surtos gripais em países com estimativas para aquela doença, como os Estados Unidos. Só o risco global de morte para o pequeno grupo dos que são internados por covid-19 ainda continua a superar o da gripe, mas tal dever-se-á aos grupos vulneráveis. Apesar de haver muitos que insistem numa alegada 6ª vaga para vender antivirais experimentados com variantes mais agressivas, a pergunta coloca-se: vale a pena tal esforço financeiro quando o SARS-CoV-2 se mostra agora muito mais “sereno”? E mais outra: não há mais prioridades em Saúde Pública?


    Em Janeiro deste ano, a taxa de internamento de infectados com o SARS-CoV-2 foi de apenas 0,2%, e a taxa de letalidade da covid-19 situou-se somente em 0,04%, os valores mais baixos desde o início da pandemia. Ou seja, em cada 1.000 casos positivos detectados no primeiro mês de 2022 somente duas pessoas acabaram internadas.

    Como o risco de morte dos internados rondava então os 21%, significa que no primeiro mês deste ano, que correspondeu até a uma elevada incidência, morreu uma pessoa por cada 2.500 casos positivos. No período de maior agressividade da pandemia, a covid-19 chegou a apresentar uma taxa de letalidade global de 3,2% (Fevereiro de 2022), considerando os óbitos registados nos hospitais, ou seja, 16 vezes superior. Portanto, naquele mês, para cada 2.500 casos positivos houve 16 óbitos.

    Estas são as principais conclusões de uma análise exclusiva do PÁGINA UM, através do cruzamento dos casos positivos por mês, divulgados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), com a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

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    Saliente-se que, no caso dos óbitos, estão apenas incluídos os óbitos por covid-19 com registo em unidades do SNS. O Ministério da Saúde nunca esclareceu a razão pela qual cerca de um terço das vítimas do SARS-CoV-2 – que acabaram por morrer com graves insuficiências respiratórias – terem falecido sem tratamento hospitalar.

    Mostra-se, em todo o caso, evidente que, apesar do surgimento da variante Omicron ter provocado uma subida abrupta de casos positivos, a agressividade do covid-19 decaiu significativamente. Nas fases de dominância das variantes Alfa (Primavera de 2020) e Delta (primeiros meses de 2021), as taxas de hospitalizações chegaram a rondar, ou estar mesmo acima, dos 15%. Ou seja, por cada 1.000 casos positivos, 150 acabavam por ser hospitalizados.

    Número de casos positivos, internamentos, óbitos atribuídos à covid-19 e respectivas taxas (%) de internamento, mortalidade dos internados e letalidade global em Portugal por mês. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em Janeiro do ano passado – o mês com maior número de mortes atribuídas à covid-19 –, a taxa nem esteve exageradamente alta (3,3%), mas devido ao colapso do SNS e à vaga de frio a taxa de mortalidade hospitalar por esta doença atingiu um pico de quase 32%, como revelou o PÁGINA UM na semana passada.

    Contudo, desde o surgimento e dominância da variante Omicron, no final do ano passado, a taxa de hospitalizações por covid-19 começou a cair abruptamente. Em Novembro de 2021 foi de 1,6% (16 internamentos em cada 1.000 casos positivos), o que já era o valor mais baixo de sempre. Em Dezembro desceu para 0,7% (7 internamentos em cada 1.000 casos positivos) e em Janeiro passado – últimos dados disponíveis – já somente atingiu os 0,2%.

    Evolução da taxa (%) de internamento atribuída à covid-19 (internados por casos positivos) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Apenas uma análise mais fina, estratificada por grupos etários, permitiria apurar se esta diminuição abrupta foi homogénea para toda a população ou se se verificam diferenças distintas em função da idade.

    Porém, apesar desses elementos serem recolhidos e tratados pelo Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), a DGS tem manifestado uma sistemática atitude obscurantista, razão pela qual o PÁGINA UM intentou na semana passada um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Ministério da Saúde. Uma das bases de dados que o PÁGINA UM pretende aceder é, exactamente, o SINAVE.

    Evolução da taxa (%) de mortalidade hospitalar dos internados com covid-19 (óbitos por internados) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em todo o caso, mesmo com base nos dados globais, do ponto de vista epidemiológico os indicadores da covid-19 começam, cada vez mais, a assemelhar-se a um surto gripal. Com efeito, embora em Portugal não existam sequer estimativas razoáveis sobre a incidência da gripe, a taxa de hospitalização e mortalidade associada ao vírus influenza (também como “porta de entrada” das subsequentes pneumonias), indicadores dos Estados Unidos permitem uma comparação razoável.

    Evolução da taxa (%) de letalidade atribuída à covid-19 (mortes nos hospitais por casos positivos) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, de acordo com as estimativas anuais do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nas épocas de 2010-2011 a 2019-2020, a taxa de internamento associado à gripe situou-se entre os 0,7% (2018-2019) e os 2,0% (2014-2015), enquanto a taxa de letalidade esteve compreendida entre os 0,06% (2019-2020) e os 0,17% (2014-2015).

    Porém, a taxa de mortalidade hospitalar no caso das gripes mostra-se, em comparação com a situação dos internados-covid em Portugal (que ronda os 20%), substancialmente menor, situando-se entre os 5,4% (2019-2020) e os 12,6% (2010-2011).

    Número de casos positivos, internamentos, óbitos atribuídos à covid e respectivas taxas (%) de internamento, mortalidade dos internados e letalidade global em Portugal por mês. Fonte: CDC. ACálculos e análise: PÁGINA UM.

    Esta situação indiciará que os internados mais vulneráveis – que necessitam de internamento – terão um risco de morte superior no caso da covid-19 do que na gripe. Mais uma vez, o tira-teimas seria uma análise estratificada, mas somente se o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigar o Ministério da Saúde será possível retirar uma conclusão elucidativa.

    Porém, ninguém, para já, pode negar uma evidência: a covid-19 de 2022 claramente não é a mesma covid-19 do passado. E mais do que as vacinas, a “chave” da mudança aparenta estar na variante Omicron, que trouxe maior transmissibilidade mas muito menor agressividade. Um sinal do seu carácter (já) endémico.

  • Pandemia trouxe “pandemónio” aos hospitais mesmo nas alas não-covid. Janeiro de 2021 foi uma catástrofe em tudo

    Pandemia trouxe “pandemónio” aos hospitais mesmo nas alas não-covid. Janeiro de 2021 foi uma catástrofe em tudo

    O PÁGINA UM analisou o desempenho do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ao longo da pandemia, entre Março de 2020 e Janeiro de 2022, face aos períodos anteriores. Duas evidências: Janeiro de 2021 foi um descalabro inimaginável nos hospitais portugueses; e a culpa não foi apenas da covid-19. Houve “departamentos” hospitalares importantes que pioraram as taxas de mortalidade ao longo da pandemia, mesmo com muito menos doentes.


    O colapso do Serviço Nacional de Saúde durante a pandemia, sobretudo no Inverno de 2020-2021 – em que se assistiu a um recorde de mortes nos hospitais portugueses –, não se deveu somente aos casos de covid-19.

    Mais uma análise do PÁGINA UM à base de dados da morbilidade e mortalidade do Portal da Transparência do SNS revela, desta vez, que o incremento na mortalidade hospitalar, em especial em Janeiro de 2021, atingiu níveis elevados sobre os internados com covid-19. Mas também os internados por doenças do aparelho respiratório e por doenças infecciosas e parasitárias (códigos A e B da CID – Classificação Internacional de Doenças), e outras doenças, tiveram menores chances de sobrevivência do que aqueles que sofreram dos mesmos males antes da pandemia.

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    De acordo com os registos dos internamentos e dos óbitos por mês, desde 2017, para cada grupo de doenças, o mês de Janeiro do ano passado mostrou uma situação catastrófica nos hospitais portugueses, com uma taxa de mortalidade global de 14,1%. Em termos comparativos, o mês homólogo nos quatro anos anteriores situou-se entre 6,9% em 2020 e 7,6% em 2017. Este ano, este rácio “normalizou”, fixando-se em 7,5%.

    O peso da covid-19 para este descalabro foi importante, mas longe de ser único. Com efeito, em Janeiro de 2021, efectivamente a mortalidade hospitalar dos internados atingiu valores máximos (31,7%), muito acima do valor médio desta doença desde que surgiu em Portugal a partir de Março de 2020 (22,4%).

    Variação da taxa de mortalidade hospitalar (%) por mês para a covid-19 e para todas as doenças. Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Porém, sobretudo nas doenças infecciosas e parasitárias, e também nas doenças do aparelho respiratório, o mês de Janeiro de 2021 foi também de hecatombe. Ou seja, quem esteve internado com doenças daqueles tipos nos hospitais viu a sua chance de sobrevivência baixar significativamente.

    No caso dos internados por doenças do aparelho respiratório, a taxa de mortalidade em Janeiro de 2021 foi de 27,8%, muito mais do dobro dos valores registados no mês homólogo dos quatros anos anteriores.

    De facto, no ano imediatamente anterior – em vésperas da chegada da covid-19 e num período em que a gripe e subsequentes infecções respiratórias estavam pouco agressivas –, a taxa de mortalidade hospitalar situou-se apenas nos 11,8%. Nos anos anteriores foi um pouco mais elevada, mas longe do desastre de 2021: atingiu os 14,2% em 2017 (com um surto gripal de alguma agressividade), e foi de 12,7% e 12,9% em 2018 e 2019, respectivamente.

    Variação da taxa de mortalidade hospitalar (%) por mês para a covid-19 e para as doenças do aparelho respiratório. Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Este ano, a taxa de mortalidade hospitalar por doenças respiratórias foi de 16,1%, muito inferior ao valor do ano passado, mas mesmo assim bastante superior aos valores normais para esta época do ano.

    Relativamente às doenças infecciosas e parasitárias dos grupos A e B do CID, a situação em Janeiro de 2021 foi também dramática, tendo a taxa de mortalidade hospitalar atingido os 38,7%, ou seja, mesmo acima da covid-19 para aquele mês. No mês homólogo de 2017 a 2020, esta taxa situou-se no intervalo entre 24,5% e 27,0%. Em Janeiro deste ano, este rácio já se normalizou, tendo ficado nos 27,1%.

    Embora o mês de Janeiro de 2021 evidencie um agravamento colossal – na verdade, um colapso – da capacidade de resposta do SNS, apesar da redução de 270 mil internados em 2020 e 2021 face ao biénio anterior, ao longo da pandemia as taxas de mortalidade pioraram em quase todos os grupos de doenças.

    Variação da taxa de mortalidade hospitalar (%) por mês para a covid-19 e para as doenças infecciosas e parasitárias (códigos A e B). Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, de entre os grupos de doenças de prognóstico de internamento mais incerto – com taxa de mortalidade hospitalar acima dos 10% antes da pandemia –, apenas nas neoplasias se observou uma ligeira redução, passando de 12,5% nos 23 meses anteriores à pandemia (Abril de 2018 a Fevereiro de 2020) para os 11,9% entre Março de 2020 e Janeiro de 2022 (23 meses).

    Contudo, durante a pandemia, face ao período anterior, foram internadas menos 33.175 pessoas com doenças oncológicas. Ou, pelo menos, não foram internadas como sofrendo de cancros. Nem os óbitos, se ocorreram, tiveram essa causa apontada.

    Variação da taxa de mortalidade hospitalar (%) por mês para a covid-19 e para as neoplasias. Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Mas nos casos das doenças infecciosas e parasitárias dos grupos A e B e das doenças do aparelho respiratório a taxa de mortalidade média durante a pandemia foi substancialmente superior à do período anterior. No primeiro grupo subiu de 20,0% para 25,6%; no segundo grupo cresceu de 13,1% para 17,2%.

    Em termos globais, incluindo a covid-19, e confrontando os dois períodos acima referidos, a taxa de mortalidade hospitalar subiu de 6,1% para 7,3%. Significa que a taxa de mortalidade hospitalar sofreu um agravamento de 20%. Porém, se se retirar os internamentos e óbitos da covid-19, o agravamento para as outras doenças também se verifica, embora em menor grau (mais 9%), passando de 6,1% para 6,6%.

    Taxas de mortalidade hospitalar por grupo de doenças no período pré-pandémico (Abril de 2018 a Fevereiro de 2020) e pandémico (Março de 2020 a Janeiro de 2022) e variações de internados e de óbitos. Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Convém, contudo, destacar que, se se não contabilizar os internados-covid, os internamentos por todas as outras doenças entre Março de 2020 e Janeiro de 2022 decaíram 21,4% (menos 360.266 internamentos) face ao período entre Abril de 2018 e Fevereiro de 2020.

    Essa variação deve-se sobretudo à queda nos internamentos das doençasdo aparelho respiratório, em parte devido ao “desaparecimento”da gripe (e das pneumonias associadas) durante a pandemia.

    Mas assistimos asima um estranho paradoxo: uma menor pressão hospitalar nas áreas dedicadas a doenças não-covid acabou por resultar, afinal, num agravamento das respectivas taxas de mortalidade, o que mostra que nem todas as responsabilidades sobre o excesso de mortalidade se pode assacar ao SARS-CoV-2 e à covid-19.

    Existe, contudo, um aspecto que deverá merecer maior investigação.

    O agravamento das taxas de mortalidade nas outras doenças não se deveu a um maior número de óbitos – na maior parte dos grupos de doenças houve um decréscimo absoluto –, o que pode indiciar que tanto os internamentos como os óbitos em determinadas doenças estarão subestimados porque foram “endossados” à covid-19 apenas devido a, no momento da hospitalização, os doentes estavam com teste positivo.


    Nota: Nesta análise, as taxas de mortalidade foram calculadas em função do número de óbitos e de internamentos ocorridos em cada mês. Obviamente, este indicador mensal não reflecte a taxa efectiva de mortalidade durante cada um dos períodos (ou, se assim se desejar, o risco de morte por internamento), porque os óbitos ocorridos em determinado mês são também de doentes internados em meses anteriores. No entanto, este rácio, assim calculado, e na falta de dados mais discriminados, constitui um adequado indicador de desempenho do SNS.

  • Nos hospitais portugueses, durante a pandemia, a taxa de mortalidade da covid-19 foi 30% superior à das doenças respiratórias

    Nos hospitais portugueses, durante a pandemia, a taxa de mortalidade da covid-19 foi 30% superior à das doenças respiratórias

    Uma análise de dados oficiais feita pelo PÁGINA UM revela que dar prioridade máxima ao tratamento da covid-19 teve um efeito secundário inesperado (ou não): os internados por doenças respiratórias não-covid tiveram um risco acrescido de morte. E a grande surpresa é que, em determinados períodos, sobretudo na Primavera e Verão de 2020 e 2021, as doenças respiratórias até registaram taxas de mortalidade hospitalar superiores à da covid-19. E mais: a opção inicial de entubar doentes idosos terá sido catastrófica.


    Durante a pandemia, entre Março de 2020 e Janeiro de 2022, a taxa de mortalidade hospitalar dos doentes-covid foi apenas 30% superior à registada nos internados com doenças respiratórias. Esta é uma das principais revelações da análise feita pelo PÁGINA UM aos dados da morbilidade e mortalidade do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mas esta situação deveu-se também a um outro problema: com a pandemia, e uma priorização à covid-19, os doentes com doenças respiratórias não-covid viram a sua chance de sobrevivência diminuir.

    De acordo com a análise, a taxa de mortalidade hospitalar dos internados-covid – medida de uma forma simplista, face à ausência de informação mais detalhada, pelo número de mortes em cada mês em função dos internados nesse mês – foi de 22,4% entre Março de 2020 e Janeiro deste ano. Ou seja, em cada 1.000 internados acabaram por morrer 224.

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    Essa taxa é calculada face ao número oficial de internamentos por covid-19 nos hospitais públicos naquele período (59.916 pessoas) e ao número efectivo de óbitos nos hospitais do SNS causados por covid-19 (13.397 mortes).

    Convém referir que o Ministério da Saúde não explicou ainda como cerca de um terço dos óbitos por covid-19 anunciados pela Direcção-Geral da Saúde não ocorreram afinal numa unidade de saúde, face à infecciosidade da doença e ao facto de o agravamento do estado de saúde recomendar sempre um internamento.

    Em todo o caso, esta taxa de mortalidade hospitalar da covid-19 (22,4%) pode ser considerada bastante mais elevada face ao que se registava no período pré-pandemia para as outras doenças respiratórias, mas já não tanto naquilo que veio a suceder durante o período pandémico.

    Com efeito, segundo os dados do SNS, entre Janeiro de 2017 e Fevereiro de 2020 (38 meses), a taxa de mortalidade hospitalar em internados por doenças respiratórias foi de 13,2%, correspondente a 43.715 óbitos em 330.341 internados.

    No entanto, com o surgimento da pandemia – e a menor atenção concedida a todas as outras afecções –, a taxa de mortalidade hospitalar por doenças respiratórias deu um pulo, atingindo um agravamento de 4 pontos percentuais.

    Ou seja, se antes da pandemia, por cada 1.000 internados por doenças respiratórias morriam 132 pessoas, após Março de 2020 passaram a morrer 173 por cada mil. Este agravamento também se observa pela variabilidade da taxa de mortalidade.

    Taxa de mortalidade (%) geral dos internados nos hospitais do SNS por mês desde Janeiro de 2017 por doenças do aparelho respiratório e por covid-19. Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Se antes da pandemia, o risco de mortes nos hospitais por doenças respiratórias não sofria grandes variações ao longo do ano – variando entre os 11% e os 16% –, os “desarranjos” nos hospitais do SNS causaram oscilações caóticas, superando em alguns meses os 20%.

    Em determinados períodos, a taxa de letalidade das doenças respiratórias chegou a ser mesmo superior à da covid-19 em dois períodos longos: entre Março e Setembro de 2020 e entre Março e Agosto de 2021.

    Mesmo no pico da letalidade da covid-19 – Janeiro de 2021 –, em que a taxa de mortalidade desta doença atingiu um máximo de 31,7% (ou seja, quase uma em cada três pessoas internadas por causa do SARS-CoV-2 acabaram por não sobreviver), a taxa de mortalidade hospitalar por doenças respiratórias alcançou os 24%, isto é, o dobro da situação habitual num Inverno.

    Mas a análise do PÁGINA UM também conseguiu destacar os níveis diferentes de letalidade em função da idade dos internados, confirmando não apenas que o risco é incomensuravelmente superior nos mais idosos, mas também indiciando que, na fase inicial da pandemia, algo terá corrido mesmo muito mal nas decisões terapêuticas, sobretudo nos maiores de 65 anos.

    De facto, se se confrontar a taxa de mortalidade dos menores de 65 anos, a covid-19 não se mostrou uma catástrofe em termos efectivos nesta faixa etária: em cada 1.000 internados, 58 não sobreviviam. Se se analisar os mais jovens, então o risco de morte foi extremamente baixo.

    Taxa de mortalidade (%) dos internados com menos de 65 anos nos hospitais do SNS por mês desde Janeiro de 2017 por doenças do aparelho respiratório e por covid-19. Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Contudo, mesmo assim também a gestão hospitalar no período pandémico permitiu que as doenças respiratórias neste grupo etário se agravassem. Se antes da pandemia, raramente a taxa de mortalidade hospitalar por doenças respiratórias nos menores de 65 anos se situava acima dos 3%, com o surgimento do SARS-CoV-2 o panorama mudou.

    Em alguns meses, as doenças respiratórias não-covid registaram uma taxa de letalidade nesta faixa etária acima dos 5%, atingindo mesmo os 8,3% em Janeiro de 2021. Releve-se, contudo, que naquele mês a covid-19 atingiu um pico de 9,9% de mortalidade nos internados nesta faixa etária, mas esse foi um período de completo colapso do SNS.

    Quanto ao risco de morte por covid-19 nos internados com mais de 65 anos, a análise do PÁGINA UM apurou que foi mais de cinco vezes superior (12.178 óbitos em 38.797 internados, ou seja, 31,4%) ao da faixa etária dos menores de 65 anos. Neste caso, se se comparar com a letalidade das doenças respiratórias, a covid-19 teve, sem dúvida um impacte significativo, mas longe de constituir uma catástrofe inédita.

    Com efeito, no período de Janeiro de 2017 a Fevereiro de 2020, a taxa de mortalidade destas doenças rondavam os 192 óbitos por 1.000 internamentos. Significa, assim, que a covid-19 constituiu um acréscimo de risco de morte 64% face às doenças do aparelho respiratório para o grupo dos mais vulneráveis.

    Taxa de mortalidade (%) dos internados com mais de 65 anos nos hospitais do SNS por mês desde Janeiro de 2017 por doenças do aparelho respiratório e por covid-19. Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Porém, a pandemia trouxe também, como atrás referido, um agravamento significativo do risco de morte pelas habituais doenças respiratórias, uma vez que a taxa de mortalidade hospitalar subiu, nesta faixa etária, para 24,5%, quando antes da pandemia se situava nos 19,2%.

    Relevante também é observar que a taxa de mortalidade atingiu valores perfeitamente absurdos em dois períodos para os maiores de 65 anos: em Janeiro de 2021 (com uma taxa de 40,1%) e em Março de 2020 (55,9%). No primeiro caso, deveu-se, em grande medida ao enorme fluxo de internamentos, a par de uma vaga de frio e do colapso do SNS.

    Já quanto a Março de 2020 – o primeiro mês da pandemia em Portugal –, a elevada taxa de mortalidade hospitalar terá sido devido à opção, então seguida em outros países, como a Itália, de colocar todos os doentes com dificuldades respiratórias, mesmo idosos, em ventilação mecânica. A prática médica viria a revelar que esta foi uma opção com graves efeitos negativos.


    Nota: Saliente-se que a taxa de mortalidade hospitalar não deve ser confundida com a taxa de letalidade de uma doença, que se mede em função dos óbitos por caso positivo, e independentemente do grau de gravidade. Não deve ser também confundido com a taxa de internamento. Destaque-se que até Janeiro deste ano se registaram cerca de 2,7 milhões de casos positivos, pelo que, tendo havido 59.916 internamentos, se contabiliza apenas uma taxa de internamento de 2,2%. Ou seja, por cada 1.000 casos positivos, 22 são internados. Se 22,4% dos internados acabam por não sobreviver, a taxa de letalidade é, deste modo, de 0,5%. Ou seja, 5 óbitos por cada 1.000 casos positivos.

  • Paradoxos da pandemia: covid-19 internou 57 mil pessoas em 2020 e 2021, mas ‘tirou’ quase 280 mil doentes dos hospitais

    Paradoxos da pandemia: covid-19 internou 57 mil pessoas em 2020 e 2021, mas ‘tirou’ quase 280 mil doentes dos hospitais

    A gestão da pandemia, com a criação dos “covidários” e o adiamento de muitas intervenções cirúrgicas não aliviou apenas os hospitais; fez “desaparecer” hospitalizações em todas as unidades de tratamento de doenças. Se nas alas covid e nas unidades de cuidados intensivos se deu o ‘litro’, em muitos outros departamentos houve médicos e outros profissionais de saúde que tiveram vida folgada durante a pandemia. Um paradoxo, porque em 2020 e 2021 se registou um acréscimo de mortalidade de 23 mil óbitos em Portugal, dos quase 19 mil atribuída à covid-19, embora para estes casos aplicando-se critérios muito discutíveis.


    A covid-19 causou uma paradoxal redução generalizada dos internamentos em todas as valências hospitalares. De acordo com a análise do PÁGINA UM à base de dados da morbilidade e mortalidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), durante 2020 e 2021 – os dois primeiros anos da pandemia – registaram-se quase menos 280 mil pessoas internadas do que nos dois anos anteriores (2018 e 2019).

    Isto mesmo considerando que a covid-19 – a única doença que integra o grupo de “códigos para fins especiais” –, que só surgiu no final do primeiro trimestre de 2020 contribuiu com 57.227 internados entre Fevereiro de 2020 e Dezembro de 2021.

    Um dos aspectos mais surpreendentes destes dados, agora analisados pelo PÁGINA UM, é a forte queda de internamentos por todas as causas, e envolvendo mesmo áreas sem qualquer ligação directa à covid-19.

    Em certa medida, esta redução deveu-se à criação dos “covidários”, para onde seguiam, independentemente da gravidade, todas as pessoas a necessitarem de cuidados médicos, mesmo se sofressem de outros problemas de saúde mais prementes.

    Contudo, também se deveu muito à redução das intervenções cirúrgicas com internamento – que resultaram de uma estratégia política – e, de igual modo, ao medo incutido que afastou muitas pessoas de irem aos hospitais mesmo em caso de sintomas agudos de elevada gravidade. Muitos terão morrido por esta opção. Recorde-se que se registou um acréscimo de mortalidade no biénio 2020-2021, face a 2018-2019, de 23.017 óbitos, sendo que 18.974 foram atribuídos à covid-19.

    A queda no número de internados por todas as causas observou-se de forma marcante logo em Março de 2020. Com efeito, nos três anos anteriores à pandemia, os hospitais do SNS recebiam habitualmente entre 70 mil e 80 mil pessoas a necessitarem de internamento em cada mês, mas no início da pandemia, em Março de 2021, baixou para um pouco menos de 65 mil. Curiosamente, os dados do SNS indicam que houve um doente internado com covid-19 ainda em Fevereiro de 2020.

    Em Abril de 2020 ainda desceu mais: 46.558 pessoas foram hospitalizadas. Nos meses seguintes, e até Dezembro do ano passado, o número de pessoas hospitalizadas por mês nunca recuperaram para os níveis pré-pandémicos.

    Durante a pandemia, o mês com mais internados por todas as causas foi Outubro de 2020 com 67.080 pessoas. Em Dezembro do ano passado foram hospitalizadas apenas de 55.070 pessoas, um valor atípico. Por exemplo, no último Dezembro antes da chegada da pandemia tinham sido internadas 74.087 pessoas.

    Número de pessoas internadas por mês (entre Janeiro de 2017 e Dezembro de 2021) por todas as causas em hospitais públicos. Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    As unidades de tratamento hospitalar das doenças do aparelho respiratório não-covid foram as que mais “beneficiaram” com o surgimento da pandemia, sem prejuízo da covid-19 exigir uma logística e tratamento mais complexo. No entanto, tendo em conta que o SARS-CoV-2, a par com as medidas não-farmacológicas – uma redução substancial (ou desaparecimento efectivo) de vírus e bactérias causadoras de doenças respiratórias, os hospitais acabaram por beneficiar, nesse aspecto, de uma redução significativa da procura para tratamento.

    Com efeito, de acordo com os dados do SNS, no biénio 2020-2021 foram internadas por doenças respiratórias não-covid menos 76.119 pessoas do que em 2018-2019. Significa isto que se se juntar os internados por covid-19 em 2019 e 2020 (um total de 57.227) aos internados por doenças respiratórias não-covid nesse período, então conclui-se que em 2018-2019 as unidades de pneumologia do SNS tiveram um fluxo maior de doentes.

    Número de internados por mês (desde Janeiro de 2017 a Dezembro de 2021) de doenças do aparelho respiratório e de covid-19. Fonte: SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Na verdade, embora com taxa de letalidade maior do que a das pneumonias vulgares para as populações mais idosas, a covid-19 não implicou uma pressão descomunalmente superior nos hospitais do SNS, uma vez que se registou uma profunda queda no número de internados por pneumonias e doenças afins.

    Se no período de 2017-2019 o número de internados por mês devido a doenças respiratórias se situava entre os 5.000 e os 15.000 – com os valores mais baixos a ocorrerem no Verão e os mais elevados no Inverno –, este padrão modificou-se substancialmente nos últimos dois anos.

    Com o surgimento da covid-19, mesmo no Verão o decréscimo de doentes foi brutal. E no Inverno, as quedas foram completamente atípicas. Aliás, os dois piores meses da pandemia – Janeiro e Fevereiro de 2021, com 10.137 e 10.457 internados, respectivamente – coincidiram com os mais baixos números de internados por doenças respiratórias: para aqueles dois meses foram de apenas 4.396 e 3.558, respectivamente.

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    Se se comparar o número de internados por doenças respiratórias nos dois primeiros meses de 2021 – um total de 7.954 – com os internados nos meses de Janeiro e Fevereiro 2017 – com um surto gripal relevante, que levou à hospitalizações de 25.821 pessoas –, fica-se com uma ideia clara do impacte ao nível da pressão hospitalar do “desaparecimento” da gripe durante a pandemia.

    No entanto, a pandemia aliviou fortemente outras áreas hospitalares como foram sobretudo os casos das unidades de tratamento de doenças do aparelho circulatório e digestivo e também de neoplasias (cancros).

    Segundo os dados do SNS, confrontando o período 2018-2019 com 2020-2021, houve menos 37.800 internados (redução de 15,7%) por doenças do aparelho circulatório, menos 34.443 internados (redução de 19,5%) por doenças do aparelho digestivo e menos 30.759 internados (redução de 17,4%) por neoplasias.

    Número total de internados por grupo de doenças nos biénios 2018-2019 e 2020-2021. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    O cenário, contudo, foi generalizado para todas as doenças e afecções, mesmo até em internamentos por lesões, acidentes, transtornos mentais e doenças dos olhos. Na análise realizada pelo PÁGINA UM, observam-se nove grupos de doenças com reduções superiores a 20%

    Esse efeito observou-se mesmo nos internamentos relacionados com a gravidez (menos 12,4%), malformações congénitas e similares (menos 17,8%) e condições originadas no período perinatal (-29,0%), mas aí a causa foi outra: as opções da estratégia política do Governo que resultou numa incerteza económica que retraiu os casais na decisão de terem filhos.