É, para mim, um dos sinais de que estou a ficar mais velha: falo sem filtro, digo o que me apetece, sem o cérebro ter tempo para dar ordem à boca para que não saiam algumas frases. Isto tem-me acontecido, cada vez mais vezes. Se calhar, não tem nada a ver com a idade. Mas é a minha desculpa.
Isto vem a propósito das minhas gafes constantes. Atenção: sempre cometi imensas gafes. Tenho episódios da minha vida que servem para entreter os filhos e sobrinhos com boas gargalhadas, tais são as trapalhadas e embaraço que as minhas ‘falhas’ provocaram. (O já célebre episódio do garfo espetado num tomate, a meio de um almoço chique, continua a ser o preferido na família).
Isto vem a propósito da minha entrevista com a porta-voz do partido PAN-Pessoas Animais Natureza, Inês Sousa Real, e de uma grande gafe que cometi, depois de desligados os microfones e após as fotografias.
Estava eu a conversar amenamente com os três membros de topo, a cúpula do PAN, quando me sai a expressão “ando há muitos anos a virar frangos”. Ora… falar com vegans ou vegetarianos usando estas expressões não será a coisa mais inteligente. Mas saiu-me.
Rapidamente, me dei conta da falha. Estava ainda a minha boca a dizer a palavra “virar” e já eu me estava dar conta da trapalhada. (O emoji da mulher com a mão na cabeça veio-me à mente).
Rapidamente, expressei o meu sincero arrependimento pela expressão muito mal escolhida.
Valeu a boa disposição da cúpula do PAN que, rapidamente, sugeriu substituir a expressão “virar frangos” por “andar há muitos anos a virar tofu“. “Ou virar seitan” – acrescentei eu, na tentativa de salvar a ‘pele’ e a imagem.
Mais tarde, fiquei feliz por não ter usado também a expressão “puxar a brasa à minha sardinha”. Mas foi por mera sorte, acredite.
Eu, que até fui vegetariana durante mais de 15 anos, sei perfeitamente quais são as regras de ‘etiqueta’ nestas matérias. Respeito muito e admiro – e escrevo a sério – todos os que promovem a causa animal.
Valeu a capacidade de ‘encaixe’ e compreensão da direcção do PAN. É que os meus filhos e os meus sobrinhos já sabem das minhas gafes e trapalhadas. Mas o PAN não.
A entrevista sem gafes (espero) a Inês Sousa Real será publicada a 24 de fevereiro.
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Criado formalmente, em 2015, pelo antigo bastonário da Ordem dos Advogados António Marinho e Pinto, o Partido Democrático Republicano passou a denominar-se ADN – Alternativa Democrática Nacional em Setembro de 2021. Bruno Fialho, 48 anos, sucedeu a Marinho e Pinto na liderança do partido em Janeiro 2020. Foi vice-presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, mas este advogado e antigo chefe de cabine na companhia aérea SATA ficou mais conhecido pelo seu papel de mediador do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas no conflito com a ANTRAM, em 2019. Assumindo-se como partido humanista e conservador, o ADN ganhou protagonismo pelas suas posições sobre a pandemia de covid-19. Nestas eleições legislativas, o ADN concorre pelos 22 círculos eleitorais. Esta é a nona entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE BRUNO FIALHO, PRESIDENTE DO ADN – ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA NACIONAL, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Enquanto profissional no sector da aviação civil e advogado, o que o fez abraçar a causa política, quando muitos fogem precisamente da política?
Estive 20 anos a ajudar vários partidos políticos em causas. Nunca aceitei integrar um partido político, e tive muitos convites ao longo da minha vida. Sempre rejeitei porque não acreditava na questão da meritocracia. Não existe meritocracia na vida política portuguesa e, só para fazer parte ou para estar a ganhar dinheiro através da política, não faz parte do meu ADN. Portanto, sempre rejeitei. Mas ajudei, da esquerda à direita, partidos em causas que, em determinadas alturas, eles defendiam e precisavam de ajuda. Sempre disponibilizei a minha vida para as causas políticas.
Depois, em 2019, tive um convite por parte do doutor Marinho Pinto para integrar as legislativas do PDR. E aceitei, com a condição de que teria total liberdade de expressar as minhas convicções. De seguida, ele abandonou a presidência do partido e, visto que todas as pessoas tinham gostado da minha actuação nessas legislativas, pediu-me para concorrer a presidente – o que eu rejeitei, porque julguei que era a impróprio, passados três meses de integrar o partido, fazê-lo. Mas, mais ninguém quis concorrer, daqueles que apoiavam o doutor Marinho Pinto, e eu concorri com a condição de que iríamos reestruturar todo o partido, inclusive o nome. E foi o que aconteceu: em Março de 2020, assumi a presidência, e em Setembro de 2021 deu-se a alteração dos estatutos.
(Foto: PÁGINA UM)
Hoje, é um novo partido, com convicções e bases muito enraizadas e até devo dizer que, na minha humilde opinião, apenas existe outro partido em Portugal com a militância do ADN, que é o PCP. São partidos que, independentemente das suas convicções políticas, têm verdadeiros militantes; pessoas que acreditam nas causas que defendemos, sejam elas erradas ou certas [risos].
Mas, neste momento, na minha opinião, apenas existem dois partidos em que realmente as pessoas estão por amor à camisola, e o ADN é um deles. E é com orgulho que digo que temos militantes e não apenas apoiantes, simpatizantes ou pessoas que querem subir na política, trocando até de camisolas a meio do jogo, para conseguir ter lugar como deputados, quando nem sequer – e com todo o respeito pelas pessoas que trabalham nessa área –, para lavar escadas serviriam. Mas conseguem integrar partidos para depois conseguir ser deputados.
O ADN não se assume como um partido de esquerda ou de direita, mas daquilo que li no vosso programa, é um partido que pode ser considerado conservador. Como é que classifica o partido?
Acima de tudo, somos humanistas; um partido humanista. E somos contra a dicotomia esquerda/direita, não porque não tenhamos políticas de esquerda ou de direita, mas porque consideramos que essa situação serve apenas para afastar as pessoas da política e dividi-las. É evidente que temos 80% de políticas de uma certa ideologia, mas não porque acreditamos que seja essa a ideologia correcta, é porque consideramos que essas políticas são as correctas. Podiam colocar outro nome, chamar-lhes políticas de cima, de baixo, do centro, era-nos indiferente. O que interessa é que aquela política, em determinado momento, é o melhor para o país e para as pessoas. Se querem conotar como direita ou esquerda, de centro, de cima ou de baixo, é indiferente. Isso, já é uma conotação que as pessoas dão, e que nós consideramos que está a prejudicar a política e o país, porque divide as pessoas. Temos na Assembleia da República partidos de esquerda que apresentam boas propostas e que são liminarmente rejeitadas pelos partidos da direita. E o oposto também acontece: partidos de direita que apresentam excelentes propostas e são liminarmente rejeitadas só porque vêm do quadrante da direita.
E isso não é positivo para o país?
Não, isso é muito negativo. Queremos retirar essa carga ideológica e assumimo-nos unicamente como partido humanista que defende o que está certo, em determinado momento, para o país.
E o que é o ADN hoje? Quantas pessoas é que o integram, qual é a sua dimensão? O que nos pode dizer sobre a sua evolução?
Antes de mais, também posso dizer que efectivamente somos um partido conservador. Não antiquado, mas conservador na questão das tradições dos costumes. Valorizamos isso. E temos vindo a crescer como nenhum outro, garanto. Porque eu falo com os presidentes de partidos e não tenho quezílias com nenhum. Falo da esquerda à direita, porque acho que o diálogo é a arma essencial para podermos fazer algo pelo país, independentemente de haver até grandes fossos entre as próprias posições que o ADN tem. Mas acreditamos que esse diálogo pode levar a outras ideias e soluções. E temos vindo a crescer. Tenho falado com outros presidentes, e o ADN é o único que continua reiteradamente a conseguir fazer entrar militantes novos, o que, para um partido que não tem representação parlamentar, é algo extraordinário.
Tem um número mais ou menos aproximado, actual?
Entre cerca de um a dois por semana. E as pessoas podem dizer que é um pouco ridículo, mas não é – nem o PSD nem o PS neste momento, conseguem uma situação dessas. Porque uma coisa é as pessoas apoiarem, outra coisa é a pessoa inscrever-se como militante, é um passo gigantesco para as pessoas. É mais do que ser sócio de um clube de futebol. Imaginemos, por exemplo, o ‘meu’ Sporting, que tem ‘xis’ milhares de sócios. Actualmente, não sei, porque tivemos a fazer agora um rastreio do número de sócios. Mas não chegam aos 100.000 sócios. E, somos milhões de portugueses. Para se perceber, em termos políticos, o PS e o PSD também têm pouco mais de 20 ou 30 mil militantes, e quando vão a votação têm entre 1 a 2 e tal milhões de eleitores. Portanto, para o ADN, termos neste momento entre 400 a 600 militantes é algo extraordinário, sendo que todas as semanas entram novas pessoas. E, não tendo nós espaço na comunicação social, é extraordinário.
(Foto: PÁGINA UM)
O ADN vai concorrer às eleições legislativas? Quais são os vossos objectivos?
Vamos concorrer às eleições legislativas, e se tudo correr bem, vamos aos 22 círculos eleitorais. Estamos só à espera de uma última resposta de um círculo eleitoral, e devo dizer que, provavelmente, o escrutínio que foi feito ao ADN não foi o mesmo que a outros partidos é um pouco estranho. Mas conseguimos lutar sempre contra as essas situações. E foi fácil, a nossa candidatura. Devo também dizer que somos o único partido sem representação parlamentar em território nacional que está a concorrer, no dia 4 de Fevereiro, às eleições regionais dos Açores – o que demonstra a capacidade que hoje o ADN tem, porque existem cerca de 24 partidos, e estão 10 a concorrer às eleições dos Açores; sendo que todos eles têm representação parlamentar, seja a nível da Assembleia da República, seja a nível das regiões autónomas, e o ADN é o único que não tem.
Como é que tem sido possível, para um partido com esta estrutura, entregar as listas para as legislativas, concorrer também para as regiões autónomas, e concorrer agora em 22 círculos eleitorais?
Militância e pessoas que acreditam, que se voluntariam, e que dão muito do seu tempo para conseguirmos criar estas situações em que asseguramos a nossa candidatura. Dinheiro, não há, portanto, é graças à militância.
Falou na questão do diálogo, e nos anos recentes, ganhou algum protagonismo nos anos quando foi o mediador num protesto dos motoristas de matérias-primas perigosas. É esse tipo de postura de mediação que pretende trazer para a política?
Sempre, porque independentemente das nossas convicções, e de a pessoa que esteja à nossa frente ter ideias totalmente contrárias, se nós não conseguimos dialogar, ou parecemos dois maluquinhos a debater assuntos ou, como acontece normalmente, a situação não se resolve e quem fica prejudicado é o povo. Nós temos de aprender a dialogar, mesmo com aquelas pessoas em que não acreditamos, ou que até consideramos ‘falsas’, ‘trafulhas’ ou corruptas, como infelizmente, hoje, verificamos que é a grande maioria dos políticos. Mas temos de dialogar, porque só assim é que conseguimos avançar. E temos também de ter a capacidade de convencer a outra pessoa de que está errada, porque se nós estamos a defender uma outra posição, temos de justificar e dizer “estás errado, por causa deste ponto ou daquele”. E isto é melhor para o povo, porque há uma coisa que ninguém diz: independentemente do que a outra pessoa que está à nossa frente pensa, em princípio, ela irá sempre pensar que está certo e que defende o melhor para o povo.
Portanto, eu não posso começar, logo à partida, a julgar. E sendo que quem tem mais posições contraditórias relativamente ao ADN é a extrema-esquerda e a esquerda, eu não posso considerar, à partida, que eles estão completamente errados. Porque eles julgam que estão correctos e, por isso, eu tenho de dialogar e tentar convencê-los de que aquilo que eles pensam, não é correcto. E principalmente, ao eleitorado, tenho de fazê-los perceber que a nossa posição é melhor. Mas o nosso único problema é, realmente, não termos tempo suficiente para conseguir demonstrar essas situações; porque os jornais do ‘mainstream’ dão mais atenção a tricas e querelas políticas, em vez daquilo que é melhor para o povo.
Como é que vê essa postura dos grandes grupos de comunicação social relativamente a partidos mais jovens ou pequenos, que não têm representação parlamentar? E, sobretudo, tendo em conta esta crise que atravessam?
É dinheiro; esses grupos de grandes grupos de comunicação social dependem maioritariamente dos investimentos feitos pelo governo através de publicidade. E se não é pelo governo, é através de empresas comandadas pelo governo. Basta ver os anúncios que são pagos a esses jornais e verificar que é tudo dependente do dinheiro. Portanto, não querem mudar esse status quo.
Acredita que se os partidos mais pequenos ou mais jovens tivessem meios financeiros para pagar a jornais, teriam mais espaço?
Não. Entendo que a lei deveria ser mudada e dar oportunidade igual todos – só assim é que conseguiríamos mudar este país. Não é através de pagarmos mais a quem não merece; é obrigar essas pessoas a estabelecer parâmetros médios para todos os partidos poderem expor as suas ideias.
Apresentação do programa eleitoral do ADN. (Foto: D.R./ADN)
Então, entende que a imprensa de hoje não contribui para uma saudável democracia?
Há décadas que não contribui. Pelo contrário, tem sido nefasta, e tem apoiado grupos empresariais. Basta ver quem é que são os donos das empresas e as conexões que têm com a política.
Nos últimos anos, temos tido um crescimento de grandes plataformas, a Internet. Há um espaço que permite a partidos e outras entidades poderem passar as suas mensagens, mas também já começa a haver alguma regulação, e na Europa foi aprovada regulamentação que condiciona até a liberdade de imprensa. Acha que as redes sociais podem substituir a imprensa, para fins de promoção?
Não substitui a imprensa. E também não é melhor, porque, por exemplo, o partido ADN está sempre a ser censurado nas redes sociais. Ultimamente, o Twitter [X] é a única que permite um pouco mais de liberdade e, depois, temos o Telegram, em que efectivamente há uma grande liberdade, mas são poucas as pessoas que a utilizam. E temos de ver outra situação: ou se gasta muito dinheiro para promover as publicações, e o ADN não faz isso, ou, organicamente, fica complicado alcançar uma grande visibilidade.
Refere-se às subscrições e aos pagamentos que nas redes sociais é necessário fazer para haver uma promoção?
É publicidade, e o ADN não faz isso. Mas se a lei para a comunicação social fosse alterada… Agora vamos observar um debate repartido entre partidos sem representação parlamentar para as legislativas e partidos com representação. Se debatêssemos todos juntos, as pessoas poderiam ver a incapacidade que existe naqueles sujeitos que nunca trabalharam na vida, que são 90% dos candidatos de partidos com assento parlamentar, e que não sabem sequer pagar o telemóvel, porque provavelmente, é o partido que lhes paga. Foram ‘jotinhas’ a vida inteira, não sabem o que é pagar as compras de casa, ou seja o que for.
São os ‘carreiristas’ da política…
Infelizmente, conheço muitos, e que depois são os governantes deste país. Mas a culpa é dos eleitores porque continuam reiteradamente a votar nos mesmos. Ao menos, deem oportunidade àqueles que não têm representação parlamentar, seja da esquerda à direita. O país ficava muito melhor se efectivamente todos tivessem um representante. As pessoas iriam ver que nós, os chamados “pequenos”, iríamos lutar efectivamente pelo que o povo quer, e os eleitores exigem. E os outros ficariam amarrados às suas promessas. Porque isto é outra coisa; a lei eleitoral também devia mudar: se promete, tem de cumprir, e se não cumpre, então perdia deputados.
E, hoje, o que temos muito é sempre promessas de partidos que depois, formando governo, já não é bem assim.
Até já vi um ‘meme’ de Pedro Nuno Santos a prometer que ia encontrar a McCann…
Ou seja, já não é credível a política?
Zero. Só um louco é que vai acreditar na política. Só um louco é que acredita que pessoas incompetentes, que não conseguiram trabalho em mais lado nenhum, têm capacidade de governar o país. Destes candidatos todos, dos que têm assento parlamentar, quais é que tem capacidade objectiva para governar o país?
(Foto: PÁGINA UM)
Mas têm muita exposição nos media e muitos cartazes pelas ruas… Olhando para o vosso programa, quais são, em linhas gerais, as medidas que destacaria para mostrar aos portugueses que o ADN pode contribuir para melhorar a condição de vida da população?
A primeira é a defesa da liberdade intrínseca, que muitas pessoas hoje não dão valor. Mas se tudo correr como os grandes partidos desejam, vão depois verificar, e arrepender-se de não ter votado no ADN.
Fala da revisão constitucional?
A revisão constitucional é uma delas, mas não é a única, existem outras. Mas a revisão constitucional, que todos os partidos sem excepção querem que fique previsto que uma pessoa pode ser detida sem sequer ser ouvida por um juiz e ficar presa muito tempo sem ser ouvida por um juiz. Isto é pior do que a ditadura que houve antes do 25 de Abril.
Pode haver detenções arbitrárias.
Irá haver. Como é que se pode dar poder a um funcionário público de mandar prender alguém, e esse alguém não é ouvido por um juiz? E depois, o que acontece na prisão? E todos os traumas que essa pessoa sofre… Isto é um perigo iminente. Até dou um exemplo: esse funcionário público está apaixonado pela mulher de outra pessoa, e manda prender o marido porque quer conquistar essa pessoa. Isto pode chegar a este extremo. Já nem estou a falar de coisas ainda mais perigosas, como calar as pessoas por oposição ao governo, roubar heranças, património, etc. Isto é a abertura ao descalabro social e as pessoas depois irão ver, se continuarem a defender estes partidos que só pensam no grande capital, nos grandes grupos empresariais, e naqueles homens que efectivamente governam o país. Porque não são os partidos que governam, é o chamado grande capital, no sentido em que os grupos financeiros é que comandam o país.
Não são os políticos?
Estes fantoches que estão na Assembleia da República [AR] – que metade deles, quando vemos o canal da AR… Até já tivemos deputadas a pintar as unhas, e outros a ver filmes pornográficos ou ler os jornais do futebol. É um desrespeito total pelo povo.
Sobre a revisão constitucional, o ADN, ou o Bruno Fialho, avançou com uma queixa no Ministério Público relativamente aos deputados que pretendem que haja esta privação da liberdade, correcto?
Foi o ADN, comigo como representante legal do partido, e contra o grupo parlamentar do PS e o grupo parlamentar do PSD. Lá está: em determinados momentos, não nos interessa a esquerda ou a direita, mas o que está certo. Nós avançámos com duas queixas separadas, para conseguir obter uma melhor resposta do Ministério Público. A primeira resposta foi referente ao grupo parlamentar do PSD, e o Ministério Público considera que não existem indícios suficientes para prosseguir com a acusação, o que, na minha opinião, é ridículo, porque dizem que o único instrumento, que é Constituição da República Portuguesa, não é suficiente para demonstrar que eles têm a intenção de fazer aquilo que querem fazer. Dou-lhe um exemplo: você compra uma pistola, mete balas e diz que quer usar, mas depois isso não é prova suficiente que há indícios de que vai querer usar. Mas enfim, como sabemos, hoje o poder judicial e o poder executivo estão corrompidos. E para além da incapacidade que existe, muitas vezes, nos nossos magistrados, a separação de poderes que deveria existir e que não existe, torna as coisas muito ambíguas.
E a segunda resposta à segunda queixa?
Ainda não houve, continuamos a aguardar.
Vou deixá-lo prosseguir, estava a falar na defesa da liberdade…
Sim, a defesa da liberdade, que é algo que as pessoas só sentem falta quando a perdem. Também as questões da Educação, têm de sofrer uma mudança total. Primeiro que tudo, estes sindicatos que sobrevivem à custa dos professores, e também dos contribuintes, com líderes que não são professores há mais de 30 anos, e com estas lutas ignóbeis… Será muito fácil mudarmos a Educação: primeiro, os professores têm de ser respeitados nas escolas. Não podemos ter um Ministério da Educação em que alunos mandam cadeiras à cabeça dos professores, e são tratados com uma gentileza inaceitável.
Bruno Fialho e Luis María Pardo, presidente do movimento espanhol Iustitia Europa assinaram, em Novembro de 2023, em Lisboa, um acordo que une as duas organizações com o foco na eleição de deputados para o parlamento Europeu, nas próximas eleições europeias de 2024. (Fotos: D.R./ADN)
Pensa que houve um exagero na autoridade que tem vindo a ser retirada aos professores?
Os professores já não têm autoridade, foi-lhes totalmente retirada. E depois, foi dado um protecionismo inqualificável aos alunos. Tanto que hoje, vemos alunos que deveriam já estar a trabalhar, e ainda continuam na escola diurna; nem sequer é na escola nocturna. E isso prejudica também os outros alunos. Depois, acabar com esta fantochada que o PS conseguiu impor, que é os alunos não ‘chumbarem’ em determinados anos e terem sempre a sua mudança de ano escolar garantida, independentemente de terem nove negativas! Estamos a passar um atestado de estupidez a esses alunos, e os outros continuam a ser prejudicados porque durante os anos seguintes vão estar impedidos de receber toda a matéria; porque os outros, por terem ‘chumbado’, não compreendem nem a anterior, nem a próxima, e continuam ali num limbo, em que ‘desaguam’ na passagem administrativa com a escolaridade mínima obrigatória conseguida sem saberem somar 1+1. E, provavelmente, depois vão ser secretários de Estado ou alguma coisa similar…
Portanto, o partido defende que sejam revertidas algumas dessas medidas?
Quase todas. Temos de voltar a ter uma escola pública. Defendemos muito a escola pública, mas também defendemos a escola privada. A escola privada é essencial porque – e quero deixar bem vincado – é inadmissível que uma pessoa hoje seja obrigada a colocar os filhos na escola privada, seja por questões de segurança, seja para os filhos terem uma melhor educação escolar. Porque, actualmente, metade das vezes, os alunos da escola pública não têm aulas devido às greves e são muitas horas de matéria que não são dadas. E, mesmo assim, o pai e a mãe que colocam o seu filho numa escola privada, têm de pagar a privada e a pública, não estando a usufruir da mesma. Portanto, deveria existir um cheque escolar para aqueles que têm os filhos na escola privada, para conseguir apoiá-los, numa situação em que eles, no fundo, pagam duas vezes. Isto é imoral, porque já não há uma opção.
Devia haver uma opção, uma escolha?
Já não existe opção. A pessoa hoje se quer proteger o seu filho tem de, infelizmente – e eu sou um grande defensor da escola pública – colocá-lo numa escola privada porque a escola pública foi arruinada por essas políticas demagogas do PS – temos de dizer que foi o PS –, em que os burros passam, e eu volto a repetir a palavra: os burros passam. E os criminosos podem circular livremente nas escolas. Nunca vimos tantos assaltos, crimes, facadas e até violações e mortes, nas escolas, como vemos, hoje. E olhe que eu nasci num bairro pobre que, na altura, era mesmo considerado o pior em Lisboa. Andei nas chamadas “piores escolas” de Lisboa. Acho que, agora, teria muito mais medo se o meu filho andasse não nestas escolas, que foram transformadas – porque os bairros ‘maus’ transformaram-se em bairros ‘bons’ –, nas ‘más’ escolas de hoje do que naquelas em que eu andei, e com tudo aquilo que eu vi e passei. Portanto, o PS destruiu a Educação em Portugal.
(Foto: PÁGINA UM)
Depois, a Saúde: também aqui, temos questões ideológicas. Temos de saber trabalhar com os privados; não podemos dar tudo ao privado, mas também não podemos retirar aquilo que o privado sabe fazer. E o que sabe fazer? Um funcionário público, como um médico ou enfermeiro, ganha o mesmo quer atenda um paciente ou 30 pacientes. No privado, isso já não acontece. E porque é que existem listas de espera no público? Em grande parte, é devido a isto: não existe uma meritocracia. Porque existem os bons médicos e bons enfermeiros que atendem aqueles pacientes que conseguem, efectivamente, durante o seu dia de trabalho; e depois existem os outros, que estão a fumar um cigarro à janela ou vão passear até ao refeitório e atendem apenas um paciente, enquanto o seu colega, atende 30. Mas recebem os dois o mesmo no fim do mês. Agora digam-me: acham que o médico que atende 30, tem motivação para continuar a atender 30, se vai ganhar o mesmo? Não; vai passar a atender 20 ou 10, até chegar a um. Portanto, nós temos de mudar também o sistema retributivo desta área da função pública – médicos, enfermeiros, profissionais de saúde – para que os melhores sejam melhor remunerados. E pode perguntar-me, “então, mas isso não pode levar a que existam mercenários?”. Não, porque até a própria leges artis da Medicina vai proteger dessa situação em que os médicos nos vão atender à pressa só para ganhar mais dinheiro. Se assim o fizerem, depois serão confrontados em tribunal.
Portanto, não é uma questão de falta de meios ou de financiamento, mas é de gestão?
Tem a ver com a gestão, somente. Depois, os gestores hospitalares… Vimos agora há pouco tempo no Beatriz Ângelo, em Loures – que é o caso mais dramático a nível nacional –, que quando tinha uma gestão privada, funcionava tudo às mil maravilhas, e quando passou a ter uma gestão pública… Claro, com aqueles alunos ‘burros’ que passam de ano sem notas positivas, mas depois vão para secretários de Estado ou para directores disto e daquilo da função pública. E o que aconteceu ao Hospital Beatriz Ângelo? Está arruinado, com listas de esperas imensas. E não tinha listas de espera. Portanto, isto tem a ver só com gestão. Colocar os piores à frente dos cargos, quando deveriam ser os melhores. E depois, também com uma questão ideológica portuguesa, muito enraizada, de uma esquerda bafienta. Para termos os melhores, temos de pagar aos melhores. Até pode receber mais do que o Presidente da República, porque um bom economista, um bom gestor, um bom engenheiro, um arquitecto ou um bom médico, ganha muito mais do que o Presidente da República. Temos de largar esta questão ideológica de que, na função pública, ninguém pode ganhar mais do que o Presidente da República. Mas porquê? Se eu quero melhor, e o melhor vai fazer com que as coisas andem celeremente e vai beneficiar o povo, pague-se ao melhor.
O que é certo é que os portugueses, sobretudo nestas alturas do pico de Inverno, onde há mais doenças do foro respiratório, têm mais dificuldade em conseguir ter o acesso a cuidados de saúde.
Mas há falta de gestão, e hoje, metade da população já tem seguros de saúde. É inadmissível o que está a acontecer no Serviço Nacional de Saúde, mas é simplesmente uma questão de gestão e de ideologia, porque o orçamento do SNS aumenta de ano para ano. O SNS não é gratuito, todos nós pagamos o SNS através dos nossos impostos. E temos também de verificar que deveriam existir – e o ADN defende isso –, no que é o tendencialmente gratuito, responsabilizações às próprias pessoas.
Quando saímos do hospital público com alguma situação, deveria haver uma factura para discriminar o que é que foi gasto, quanto é que custou a gaze, o papel, os comprimidos, a diária… Para a pessoa também se autoresponsabilizar. Muitas vezes, há pessoas que vão e utilizam o hospital como um mecanismo terapêutico para obter baixas ou para simplesmente perceberem se estão a sentir-se menos bem ou menos mal. E isso iria responsabilizar as pessoas mais conscientes; as mais inconscientes, não.
Apresentação pública do coordenador regional do ADN nos Açores, Rui Matos. (Foto: captura a partir de imagem da RTP Açores)
Falou em impostos, e tem sido algo que os partidos, em eleições, abordam sempre. Entende que Portugal tem uma elevada carga fiscal, não só sobre as famílias e os trabalhadores, mas também sobre as empresas?
O Estado é um vampiro, suga tudo. Os impostos apenas servem para continuar com os ‘jotinhas’, os meninos secretários de Estado e os governantes a receberem subsídios. Aliás, tivemos agora umas grandes polémicas com um candidato a primeiro-ministro que recebeu 212.000 euros por supostamente não viver em Lisboa. E pedem aos professores para fazerem 500 quilómetros, para ganharem um vencimento miserável. Mas os senhores deputados têm de ter um subsídio de deslocação – isto é inadmissível. É o contrário de tudo o que é razoável. Portanto, defendemos a carga fiscal mínima possível, porque neste momento o povo não recebe como retribuição nada do que paga impostos. E bastava acabar com todas as mordomias que existem a nível do Estado: as festinhas, os jantarzinhos, as inaugurações. Tudo o que é superficial, que são muitos milhares de milhões de euros anuais, e canalizá-los para aquilo que efectivamente deve ser canalizado. Demitir, se calhar, metade dos gestores da função pública e os dirigentes, e colocar lá pessoas competentes lá. O país funcionava às mil maravilhas. É exactamente o que fazem, por exemplo, nos países do Norte da Europa, em que, a carga fiscal até é elevada, mas as pessoas têm tudo acessível: uma boa Educação, Saúde e Justiça. Um dos nossos pontos, por exemplo, é a Justiça. É inadmissível as pessoas terem de continuar a pagar para ter Justiça. Hoje, só quem tem dinheiro é que tem acesso à Justiça; o pobre não tem.
Vocês dizem que, apesar da elevada carga fiscal, os portugueses não têm acesso como deve ser à Saúde, à Educação, e à Justiça.
Nada, não tem acesso a nada. Hoje, apenas uma pessoa com dinheiro é que tem acesso. Os outros, comem, calam e consentem porque votam sempre nos mesmos. Reitero: se uma pessoa tiver um problema e colocar uma acção em tribunal, vai ver quanto é que custa, entre custas judiciais, mais taxas de justiça, pagamento de honorários aos advogados… Em 90% das vezes, a pessoa pensa que é preferível não se chatear e não avançar com a acção.
É uma forma também de dificultar o acesso das pessoas à Justiça, não é?
Começou pelo desfasamento dos tribunais de comarca. Existem pessoas que têm de fazer 90 quilómetros para ir a uma audiência de julgamento, em que 50% das vezes é adiada por incompetência dos juízes. Eu já não vou muito longe, nem falo de programas informáticos, mas bastaria uma folha em papel a fingir que era Excel, e quando marcam as audiências, pelo menos marcar desfasadamente; porque o é habitual é vermos um juiz a marcar as audiências todas para as 9h da manhã. Para as cinco sessões que ele tem marcadas todas, tem de ir toda a gente às 9 da manhã para o Tribunal. Isto, quando podia ir, por exemplo, a primeira às 9 da manhã, a segunda às 11h, e por aí fora, porque já sabemos que cada sessão vai demorar entre uma hora ou duas. E assim, não se prejudicaria o funcionamento que é necessário para as pessoas poderem ir trabalhar.
Há falta de organização?
Infelizmente, o poder judicial está pelas ruas da amargura, também devido à educação, porque parte tudo da educação. Não tendo umas boas bases, as pessoas depois não têm capacidades para fazer melhorias nos trabalhos onde estão.
Portanto, podemos deduzir que o ADN é crítico relativamente ao funcionamento dos sectores da Justiça, à Saúde e à Educação. Há aqui subjacente uma ideia de que tem de se mudar bastante a forma de fazer as coisas em Portugal?
Temos de mudar radicalmente. Mas nós apresentamos soluções, não dizemos apenas que está errado.
(Foto: PÁGINA UM)
Mas na questão dos impostos, quando diz que tem que ser o mínimo possível; o que é certo é que vemos jornais a colocar no topo o Ministro das Finanças, pelo excedente orçamental. E a carga fiscal tem estado a subir porque também temos um aumento forte dos preços e o Estado tem estado a beneficiar com isso. E também é com esses impostos que depois se paga a Educação, a saúde, o ensino público…
Que educação? Que saúde? Isso não existe. A saúde pública é uma fantochada, não existe. A a escola pública é outra fantochada. Temos de mudar radicalmente tudo isso. Temos de pagar muito bem aos professores para que eles não se sintam desacompanhados nem desmotivados no que têm de ensinar aos alunos. Temos de dar mais poder aos professores, e responsabilidade também. E temos de ter o mínimo de interferência nas questões ideológicas, porque a escola serve para ensinar; não serve para estar a colocar ideologias nas cabeças dos miúdos. E eu pergunto, pela questão da ideologia: foram 406 milhões de euros para a propaganda ideológica do governo para a Educação. Todos sabemos que é a fantochada da ideologia de género. E quantas habitações é que dariam 406 milhões de euros? Quantas milhares de casas é que poderiam ser colocadas no mercado, a preços acessíveis? Este é outro problema, o da habitação. Construindo mais casas, iriam fazer descer os preços astronómicos que temos hoje, unicamente por culpa do Estado.
Permita-me aqui fazer já esta transição – mas é devido a esta falta de apoio do Estado na construção de habitação a preços acessíveis. E acessíveis, mas não é para dar a pessoas que não querem trabalhar. Falo de “dar” a várias estirpes de pessoas, de várias classes sociais, a preços acessíveis. Depois, temos as câmaras municipais. Eu falo com os construtores civis e com os arquitectos, e é impossível construir em Portugal. Demoramos o triplo do tempo a autorizar e a confirmar as construções de habitações – quer seja para prédios, quer seja habitação individual própria – em relação a todos os outros países da União Europeia. É evidente que isso também faz aumentar o preço das casas. E, por último, a lei do arrendamento é uma lei de loucos: ninguém quer arrendar casa e ninguém vai arrendar sabendo que, se as pessoas não pagarem, têm de as manter lá, e sabendo que se destruírem a casa, também não vale a pena colocarem os inquilinos em tribunal.
Mas depois vêm os lunáticos da extrema-esquerda dizer que as casas têm de ser dadas a quem eles quiserem, quando a pessoa tem uma casa a mais. E este é outro ponto muito importante para o ADN: a defesa da propriedade privada. A propriedade privada não pode ser tomada de assalto só porque sim, pelo Estado. Já existem algumas situações onde a propriedade privada, em troca de indemnizações, é para o Estado. Quando se quer construir grandes obras públicas, etc. Mas isso aí, já está até devidamente fundamentado na lei. Mas só porque o Estado não fez aquilo que lhe competia… Se há falta de habitação, então o Estado tem de construir, porque tem capacidade para tal e consegue fazer descer os preços e garantir habitação para quem não a tem. Mas faz o contrário: como não consegue garantir habitação, rouba aos privados.
Então, para resolver a crise grave que se vive na habitação, o ADN quer mudar um pouco as regras e reduzir as taxas e os custos para que seja possível construir? E a solução passa também pelas autarquias?
Exacto. E os prazos que as autarquias são obrigadas a dar. Agora, por acaso, saiu uma lei que não veio melhorar muito, mas melhorou certos pontos, e que vai mudar os prazos de autorizações das câmaras municipais para construção de habitação. Mas, na prática, continuará tudo igual. Isto tem de ser ao contrário: se a câmara não responde, está aprovado. Mas, para não ver também os compadrios que nós já sabemos, em que depois vão construir em situações que não é permitido, a câmara tem de ser responsabilizada se não tiver respondido a tempo e, se por causa disso, o outro começou a construir. Isto são soluções muito simples e fáceis, que mudavam completamente o país. E só não se aplicam porque quem trabalha nas câmaras não quer que a coisa se modifique. Há cerca de 20 anos, um amigo meu, que neste momento está a trabalhar há em Londres, foi ‘obrigado’ a emigrar. Está muito bem na vida. Mas quando ele acabou o seu curso de gestão, foi fazer um estágio numa repartição de finanças. E na altura, era comum o recebimento do IRS em papel, e até se ajudava aquelas pessoas que não sabiam preencher. Ele, no primeiro dia de estágio, chegou ao fim da hora do almoço e tinha feito, salvo erro, 100 e tal papéis de IRS. E foi chamado ao chefe da repartição, que lhe disse que podia ir para casa, e que no dia seguinte, teria que descer esse número porque os seus colegas só tinham feito entre 15 a 20. E isto é o que acontece em Portugal: os melhores são obrigados a emigrar. Quem quer ser responsável e sério, é obrigado a ser medíocre, porque os medíocres mandam no país; mais uma vez: vejam as pessoas que estão à frente dos partidos, e vejam mediocridade que existe. E depois, observem o ADN e vejam as pessoas que estão à frente do ADN: pessoas com valor já conseguido e alcançado na sociedade civil, que não precisam da política para nada. Estão aqui de alma e de coração a tentar fazer o melhor para o país.
O médico Gabriel Branco e a médica Margarida Oliveira integram o Conselho Nacional do ADN. Os dois médicos fizeram parte da organização Médicos pela Verdade. Gabriel Branco faz parte da lista de candidatos por Lisboa do ADN enquanto Margarida Oliveira é cabeça de Lisboa do partido por Setúbal.
Há pouco, falou na ideologia de género. Para esclarecer: o ADN é contra o ensino da ideologia de género nas escolas?
A nossa postura é: a escola não é para se ensinar ideologias, é para se ensinar a Ciência. Ideologia não é Ciência. Até temos um cartaz que diz isso. E principalmente a crianças – que não sabem se são o super-homem, o Homem-Aranha ou o Dartacão –, dizer-lhes que podem ser aquilo que quiserem é criminoso. Hoje, Portugal está-se a aproximar de países como o Canadá ou Espanha, em que crianças de 12 anos já podem decidir se fazem operações de mudança de sexo. Essas crianças nem sequer podem decidir se se deitam às 22h ou à meia-noite, mas já podem decidir se fazem operações irreversíveis e que as traumatizam. E depois, esta cegueira ideológica de uma extrema-esquerda que quer impor uma nova sociedade mundial, omite que cerca de 90% das pessoas que fazem alterações de sexo, ou suicidam-se ou ficam loucas, ou entrou numa depressão tal que não conseguem continuar a viver como seres humanos.
O que temos de fazer é voltar atrás no tempo. Crescemos como sociedade com milhares de anos muito bem. Esta loucura que querem impor às pessoas… Se uma pessoa chega aos 18 anos e quer ser um Pikachu, pode ser um Pikachu à vontade. Não podem é impor que 10% da função pública tenha de empregar Pikachus, que a polícia aceitar Pikachus, que as Forças Armadas aceitem Pikachus, ou que todas as pessoas sejam obrigadas a dizer que aquilo que está à sua frente é um Pikachu, quando não é: é um homem ou uma mulher. A pessoa tem direito a ser aquilo que quiser, não pode é impor e não pode mudar o que é a Ciência. Já somos obrigados a levar com homens a ganhar concursos de beleza femininos em Portugal. E somos obrigados, neste momento – porque as pessoas não se revoltam e não percebem o perigo que isso é para as crianças – a ter professores a imporem ideologias extremistas, defendidas por um lobby LGBT, que nada tem a ver com orientações sexuais. Eu quero deixar isto bem claro: este lobby LGBT é terrorista e criminoso – e não defende os direitos de gays e lésbicas, pelo contrário. Temos muitos gays e lésbicas no partido que são contra esta ideologia, exactamente porque não tem nada a ver com orientação sexual. Tem unicamente a ver com criar ‘soldados’ para terem, no futuro, eleitores. E é evidente que uma criança aos 9, 11, ou aos 14 anos, se lhe dão liberdade para escolher aquilo que quiser ser… E é natural uma criança ter questões acerca da sua própria sexualidade, não vamos fazer disso um bicho de sete cabeças. As pessoas podem ter dúvidas, mas deixem-nas percorrer essas dúvidas naturalmente, e desfazê-las naturalmente. E naqueles casos mais graves de disforia de género, que é um problema de ordem psicológica, é uma doença mental que necessita de ajuda.
Portanto, não entende que não estão a ser protegidas também as pessoas LGBT?
Não. Mas não é pessoas LGBT. Quem tem uma orientação sexual gay ou lésbica, não está a ser protegido. O resto é, como eu digo, o lobby das letrinhas, e são pessoas que têm problemas psicológicos que têm de ser ajudadas. Porque ninguém pode dizer que acha normal que alguém se considere como um dos 212 géneros que dizem existir. No outro dia eu… Eu rio-me, porque isto, realmente, ou se chora ou se ri. Li que há alguém que se considera homem de manhã e mulher à noite: é o género fluido. Quer dizer, esta pessoa tem graves problemas mentais, tem de ser ajudada. Não se pode é dizer que a pessoa tem o direito, e que todos os outros da sociedade civil têm de assumir que a pessoa tem um género fluido, e que de manhã é homem e à noite é mulher. E questiono: e aquelas crianças de 12 e 13 anos que subitamente querem ter relações sexuais com um adulto? Onde é que está a linha para dizermos que elas têm direito a decidir sobre uma operação que vai mudar a sua vida totalmente com uma operação de sexo, não podem ter direito a fazer sexo com adulto?
Bruno Fialho ao lado de Miguel Pita, candidato do ADN Madeira. (Foto: D.R./ADN)
Acha que houve um exagero nessa matéria?
O lobby da pedofilia –, e eu digo bem claramente –, o lobby da pedofilia, está inserido nisto exactamente para que daqui a uns anos as pessoas digam que as crianças 12 têm direito a fazer sexo com quem quiserem. Aliás, já tivemos uma ministra espanhola a dizer isso. Portanto, eles não estão a proteger ninguém, pelo contrário. E isto também tem outro objectivo: se atacarmos a base de qualquer sociedade, que é a família, deixamos de ter contestação. Porque a família é a primeira contestação a qualquer governo. Os filhos ouvem os pais, até podem depois pensar de maneira contrária, mas ouvem, e principalmente, respeitam. E defendem os pais, independentemente de terem opções oposições diversas. Se não houver família, está tudo dividido e o Governo consegue impor medidas ditatoriais se não houver famílias. A família é a base de qualquer sociedade. E uma pessoa tem direito a não querer ter família, com certeza. Mas a família tem de ser protegida e assegurada; a sua sobrevivência tem de ser motivada e apoiada. E sim, devemos fazer tudo para que a família cresça, e não o que fizeram ao longo destas três últimas décadas; porque que nós tínhamos famílias com três a quatro filhos, e agora, se têm um ou dois, já é muito. Isto tudo tem a ver com uma agenda globalista que é defendida pelos fantoches que estão no Governo; porque, repito, quem manda não são eles.
E temos a Europa a ‘ferver’ com os agricultores nas ruas, e em Portugal também, numa altura pré-eleitoral, e temos também protestos das forças policiais. Como alguém que foi mediador em protestos, como é que vê a evolução da situação?
Primeiro que tudo: espero bem que os agricultores não parem, e que desmascarem toda esta agenda, principalmente na Europa. Infelizmente, em Portugal a situação é um pouco diferente, mas dou os meus parabéns aos agricultores pelo que conseguiram fazer. E digo, infelizmente, que em Portugal, metade deles é subsídio-dependente, porque o que interessa é a agricultura particular e familiar; essa é que tem que ser defendida com unhas e dentes, porque essa é que vai garantir subsistência e alimentos no futuro – não é aquela que é patrocinada pelos grandes grupos empresariais e as grandes colectividades. Na Europa, já é mais problemático, porque as leis que foram impostas – principalmente na Holanda e na Alemanha –, em que o cocó das vacas também parece que altera as condições climatéricas, foi uma das razões para proibirem, ou fazerem descer, as percentagens autorizadas para a agricultura. Portanto, eles já inventam tudo. Já inventaram os carros elétricos, que eram os bons para as alterações climáticas, quando um carro eléctrico polui 10 vezes mais do que um carro a combustão. Eles já inventam tudo para conseguirem aprisionar as pessoas, e fazê-las acreditar que qualquer coisa que seja emanada, seja da União Europeia, seja dos Governos de cada país, é verdade.
Mas estes protestos também têm visibilidade e, apesar de às vezes não terem um bom acompanhamento por parte dos grandes grupos de media, o que é certo é que estão a ter algum impacto e as pessoas estão a ver esses protestos.
Não, não estão; discordo. Eu há duas semanas e meia que recebo de jornalistas independentes, tal como o PÁGINA UM, recebo, filmagens de Holanda, da Alemanha e de França, e só desde ontem ou anteontem é que, em Portugal, começou a passar na TV generalista as imagens do que está a acontecer em França. Paris já está cercada por tractores, e Paris não é do tamanho de Lisboa, é 10 vezes maior.
Carrinha com publicidade ao ADN na Madeira. (Foto: D.R./ADN)
Mas em Portugal, por exemplo, os media passaram as imagens dos polícias nas ruas.
Foram ‘obrigados’, porque as pessoas comentam e aí já é fácil de verificar.
Mas pensa que existe uma censura propositada relativamente aos protestos?
Claro! Porque um protesto motiva as outras pessoas a protestarem. Isto depois é uma reacção em cadeia, as pessoas deixam de ter ou vergonha e passam a ter coragem de protestar. E para os governos, quanto menos pessoas a protestar, melhor. E quanto menos se souber as verdadeiras razões disto… Eu não quero comer insectos, como querem impor na União Europeia. Não quero andar a comer aquilo que eles querem, nem produtos totalmente alterados. Eu quero uma agricultura saudável. E a Europa neste momento acabou, se continuar neste registo.
Já que fala no futuro da União Europeia, está a ser tratado, ao nível da Organização Mundial de Saúde [OMS], alterações ao Regulamento Sanitário Internacional que, em conjunto com o novo Tratado pandémico, levanta muitas preocupações relativamente ao reforço dos poderes da OMS, inclusive para condicionar a acção dos países. Qual é a vossa postura sobre isto?
É simples: sair da OMS. A OMS é uma corja de políticos corruptos. Quem está à frente da OMS nem sequer é médico, portanto, isso já diz tudo. A OMS serve exactamente para controlar os países e aquilo que é determinado. Agora, já foi noticiado que vai existir, daqui um ou dois anos, uma doença “X”, e já estão a fazer uma vacina para a doença, que ainda não existe. É o contrário de tudo o que é Ciência. E o Tratado pandémico é totalmente rejeitado pelo ADN. Combatemos isso há três anos.
Mas os políticos em Portugal não têm noção do que está a ser tratado e negociado… Entende que é desconhecimento ou que Portugal está a aderir a estas medidas sabendo bem o que está a acontecer?
Alguns, é desconhecimento, porque nem sequer estão preocupados com o que votam no Parlamento. Ou julga que os deputados de cada partido sabem o que estão a votar em determinado momento? Não sabem. E, portanto, é-lhes como devem votar para o Tratado de Pandémico, e eles nem sequer precisam de saber o que o Tratado pandémico. Votam cegamente no que o líder do partido diz. Mas isto é muito perigoso para Portugal e para todos os países que estão na OMS. Se bem que as constituições de cada país proíbem exactamente essa situação. Não sei como é que vão conseguir impor essa ditadura irracional, e sem qualquer fundamento científico, aos países que, como Portugal, têm uma Constituição que não lhes permite impor.
Durante a pandemia, os três tribunais vieram confirmar que as leis fundamentais portuguesas foram violadas e, nesse aspecto, foi dada razão ao ADN. Não teme que isso volte a acontecer, e desta vez, se forem aprovadas estas alterações ao nível da Regulamento Sanitário Internacional, seja uma situação em que os países fiquem reféns da OMS?
Eu não acredito, por uma questão: conseguiram enganar 90% da população durante o primeiro ano. Hoje, como se vê pela taxa de inoculações daquela coisa – que não se pode falar, senão somos censurados nas redes sociais, portanto não vou referir aqui o nome – que acaba em 19. Já ninguém acredita nas palermices que foram ditas pelo Governo, em que se a pessoa fosse ‘anã’, podia entrar num restaurante e sentar-se à vontade, e não tinha que usar máscara. Se tivesse 1,80 metros, tinha de usar máscara depois tirá-la para se sentar, ou andar pela praia de máscara, etc. Foram coisas em que as pessoas já não acreditam e vê-se pelas taxas de inoculação. Eu odeio este nome porque foi usado exactamente para nos qualificar como nazis, mas agora são todos “negacionistas”… Porque já ninguém tem a quarta ou a quinta dose da inoculação. Portanto, hoje já são todos negacionistas. E o Governo já não conseguiria impor essas medidas, porque as pessoas já não iriam aceitar.
Bruno Fialho no Congresso do ADN em 2023. (Foto: D.R./ADN)
Há uma desconfiança relativamente às autoridades?
Sim, muito, porque provou-se, e vê-se. Já não existe o “coiso”? Já não é necessário inocular-nos? As pessoas já perceberam que foram enganadas. Só que o pior que há é assumir que foram enganadas; é como aquele marido ou mulher que é atraiçoado, e o melhor amigo vai dizer-lhe, e quem leva é o melhor amigo. Porque não admite que foi enganado. E o ADN sofreu desse trauma: o ADN foi quem disse a verdade, quem avisou, e as pessoas bateram no ADN, em vez de baterem no Governo e nos partidos que propagaram essas mentiras.
E agora já têm um feedback diferente de algumas pessoas em relação a esse tema da covid-19?
Como o ADN não é um partido extremista nem radical, aceitou sempre todas as pessoas. E principalmente, aceitou aquelas que muita gente de uma chamada “resistência”, que está sempre a dizer que os outros são a resistência controlada, mas eles é que são. Dessa resistência que “ou eras dos nossos desde o início, ou então não mereces estar aqui”. Não; as pessoas têm direito a errar e a mudar a sua visão e dizer que erraram e agora querem prosseguir.
A conciliação, o diálogo?
O ADN continua a ser o conciliador de todas as pessoas, porque não radicalizamos nada. Isto foram opções; as pessoas foram enganadas pelo Governo, tal como são enganadas na questão da Saúde, da Habitação, da Justiça e em tudo. Agora, as pessoas têm é de abrir os olhos e perceber quem é que as defende.
Militar, investigador e presidente do partido Nós, Cidadãos desde Novembro de 2020, Joaquim Rocha Afonso, 6o anos, já viu muito e não tem ‘papas na língua’. Crítico da forma como se faz política em Portugal e de como se gerem os recursos públicos, o líder do Nós, Cidadãos defende uma maior participação de independentes na vida política do país e no acesso à Assembleia da República. Nas eleições europeias de 2019, o Nós, Cidadãos teve como cabeça de lista Paulo de Morais, um dos rostos do combate à corrupção no país. O partido, fundado em Junho de 2015, concorre nestas legislativas em cinco círculos eleitorais: Porto, Braga, Madeira, Europa e fora da Europa. Esta é a oitava entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE JOAQUIM ROCHA AFONSO, PRESIDENTE DO NÓS, CIDADÃOS, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Joaquim Rocha Afonso é militar, investigador e, desde Novembro de 2020, presidente do partido Nós, Cidadãos.
Sim. Eu não gosto muito da palavra “partido”, porque considero que somos um povo inteiro, que quer devolver a cidadania aos cidadãos que estão cansados dos partidos. E uma coisa que está partida, já não se endireita [risos].
Aliás, o Nós, Cidadãos foi um bocadinho “obrigado” a ser partido, não é?
Sim, porque ninguém pode concorrer à Assembleia da República sem ser através de um partido político. Qualquer cidadão independente pode ser eleito fora dos partidos: desde o presidente de uma junta de freguesia até ao Presidente da República, passando pelo presidente de uma câmara; mas, ser deputado, não pode.
(Foto: PÁGINA UM)
Essa é uma das áreas que o Nós, Cidadãos gostaria de mudar e têm essa iniciativa no vosso programa.
Sim, foi a principal razão por que criámos o Nós, Cidadãos. Porque é antidemocrático que os cidadãos que não queiram ter uma veia partidária, não possam participar na política; nem sequer contribuir para as decisões dos destinos do país. Vemos, inclusivamente, entre os nossos jovens, que eles mais depressa preferem fazer voluntariado numa associação humanitária ou de apoio social – até eventualmente ligada a uma agremiação religiosa e uma IPSS – do que envolverem-se em actividades políticas. Porque quem vai para as juventudes partidárias, fica logo rotulado como “jotinha” e acaba por ficar descredibilizado. É triste, mas infelizmente é a realidade, e já era assim quando eu andava no liceu.
Entende que essa mudança no sistema político no país poderia ser fundamental para mudar outras coisas que são urgentes mudar?
Está tudo interligado. Porque como eu estava a dizer, quando andei no liceu, fui delegado de ano – ou seja, representante do meu ano no Conselho Pedagógico – por método electivo, e queriam também que eu fosse para a associação de estudantes, e aceitei. Mas depois vieram os meninos das ‘jotas’ todas, da JC, da JCP, da JS… E disseram-me que tinha de escolher com qual eu queria ir. E eu disse que não queria; ia como Joaquim Afonso, e não queria nenhuma “cor” – nem rosa, nem laranja, nem azul, nem vermelho, “sou independente”. E eles “não, porque o conselho directivo diz que tens de ir com uma cor dos partidos”. E eu não fui. Entretanto, passado pouco tempo, entrei para a Armada, para a Escola Naval, e nunca mais me pude envolver na política activa.
Se calhar, alguns portugueses, e portugueses de mérito, são afastados da política também por causa deste fechar de portas a independentes.
É deliberado. Na altura em que fui capitão de porto em Caminha, fui a um debate sobre a revisão da lei eleitoral para se poder permitir círculos uninominais, em Viana do Castelo, em 1997, se não me falha a memória. Na altura, António Costa era ministro dos Assuntos Parlamentares e andava a fazer umas sessões de esclarecimento pelo país sobre os círculos uninominais, que é cada pessoa saber quem é o seu deputado. E eu, já nessa altura, portanto, há quase 30 anos, deixei toda a gente falar e, no final, perguntei porque é que não se fazia uma experiência-piloto de democracia directa em que as pessoas, com um cartão ou um bilhete de identidade – ainda não havia cartão de cidadão – numa determinada povoação ligada a uma universidade de estudos sociais, decidiam directamente, sem precisar de serem representadas, os destinos dos assuntos que lhe dizem respeito.
Um pouco como fazer-se referendos sobre determinados temas?
Sim. Todas as questões mais importantes deviam ser referendadas, o mais possível. Isso acontece em vários países. Toda a gente sabe, por exemplo, da actividade referendária da Suíça. Não se percebe porque é que esta gente dos partidos tem medo dos referendos. O referendo é a coisa mais democrática que há.
Têm medo da democracia, estes partidos que têm governado o país?
Têm, porque isto é uma democracia muito musculada e descaracterizada. E agora, toda a gente está cheia de medo deste partido novo que está aí com bastante pujança. O Chega, para mim, não é mais perigoso do que o Bloco de Esquerda. São ambos, um da extrema-esquerda, outro da extrema-direita. Aliás, nunca tivemos sequer partidos de direita em termos ideológicos. Foram todos ilegalizados, pouco tempo depois do PREC – Processo Revolucionário em Curso. Mas acho que sobre a história destes 48 anos, toda a gente sabe e toda a gente está triste. Houve coisas muito boas, mas infelizmente também houve coisas menos boas. E acho que devíamos falar é sobre o que podemos fazer para dar esperança aos portugueses de que Portugal é viável, é possível e pode ser uma coisa muito bonita.
(Foto: PÁGINA UM)
Então vamos falar sobre isso. Mas antes de falarmos sobre o vosso programa, fale-nos um pouco do que é o Nós, Cidadãos actualmente, em termos de organização e da sua participação nas eleições legislativas de 10 de Março. Têm listas, vão ter candidatos?
A nossa força maior é apoiar os movimentos independentes a nível autárquico. Ninguém em Portugal sabe: nós tivemos uma câmara municipal só do Nós, Cidadãos, entre 2017 e 2021, a Câmara de Oliveira de Frades, que infelizmente perdemos porque o nosso presidente não concorreu às freguesias todas. Só concorreu a quatro das oito e perdemos por 241 votos. Mas ganhámos outra câmara ainda mais importante, mas aí foi em coligação. Embora o presidente da câmara seja independente – e estou a falar do doutor José Manuel Silva – todos os eleitos como vereadores e deputados municipais do movimento Somos Coimbra entraram como identificados pelo Nós, Cidadãos. Temos também uma vereadora em Évora e mais seis vereadores pelo país inteiro. Aliás, com a quantidade de vereadores do Chega que já se demitiram, neste momento podemos estar já à frente do Chega em termos de eleitos autárquicos. Temos deputados municipais em imensos sítios e, portanto, a nossa maior força é a nível autárquico. E porque é que nestas últimas eleições nós crescemos tanto? Porque o PS e o PSD uniram-se para acabar com os grupos de cidadãos eleitores. Na altura, Rui Rio e António Costa, à socapa, fizeram uma lei para praticamente inviabilizar as candidaturas dos cidadãos eleitores independentes.
Porque estariam a ver o crescimento e a vontade da população de participar activamente?
Sim. E aí, o Nós, Cidadãos, contactou com a Associação Nacional de Autarcas Independentes, inclusivamente com o doutor Rui Moreira, também independente da Câmara do Porto, e disponibilizámo-nos a abrir completamente o Nós, Cidadãos à cidadania, porque é essa a nossa vocação. Somos fundados por pessoas vindas de movimentos de cidadania independentes, e mantemos essa característica. Ou seja, não nos podem rotular nem de direita, nem de esquerda. Aliás, esses termos estão completamente obsoletos. Isso é uma coisa que vem com 200 anos, desde a Revolução Francesa. E hoje, quer se queira quer não, aqui em Portugal não se decide nada, porque é tudo decidido em Bruxelas. Fazemos parte de uma comunidade que, na minha perspectiva, devia ser só económica, mas querem que seja também política. Em termos políticos, unificar muitos países com culturas diferentes demora séculos. Na Europa, a única altura em que se conseguiu fazer isso foi durante o Império Romano, e demorou séculos. Havia regiões que demoravam séculos a ‘romanizar’. Portanto, vai ser muito difícil. Eu acredito que é possível, mas não pode ser à bruta; não pode ser de cima para baixo. Tem de se divulgar as coisas boas da União Europeia junto das bases da população, através da cultura, do bem-estar social e económico. E isso até tem acontecido, mas infelizmente está a ser esboroado por uma série de más práticas a que assistimos em alguns países.
E na própria Comissão Europeia, que tem tido algumas investigações e suspeitas. Mas então, voltando a Portugal e às legislativas, qual é o vosso objectivo para estas eleições?
Olhe, antes de falar do meu objetivo, deixe-me dizer-lhe que estou muito zangado. Porque já sou meio velhote, sou preguiçoso, não gosto de trabalhar e estava aqui descansadinho a pensar que só íamos ter legislativas outra vez daqui a quatro anos, porque estes senhores tinham uma maioria absoluta e, bem ou mal, estavam legitimados pelo voto. Mas pronto, não são capazes de se portar bem, de ser gente decente, de trabalhar a bem do país e do bem comum das populações. E lá vamos nós outra vez ter de ir votar.
Portanto, vem contrariado?
Contrariado, não, porque senão demitia-me e iria outra pessoa para a presidência. Mas simplesmente não estávamos preparados. Um pequeno partido não tem os mesmos meios nem os recursos – tanto humanos como económicos – que têm os grandes partidos. E depois, andámos a ver se conseguíamos fazer uma coligação alargada com os partidos pequeninos todos. Mas infelizmente, há muitos pequeninos que são ainda piores que os grandes – as pessoas têm os seus egos, as suas coisas, e não conseguimos. E depois houve outro pormenor, que foi o facto de se ter demorado a dissolver o Parlamento. Porque, primeiro, marcou-se o dia das eleições e depois demorou-se imenso tempo a dissolver o Parlamento, e isso deu só 10 dias para fazer as listas. E não tivemos tempo para fazer listas nos círculos eleitorais todos, por isso não vamos a todos.
Paulo de Morais foi o candidato do Nós, Cidadãos nas eleições europeias de 2019 (Foto: Imagem capturada a partir de imagem do Porto Canal/2019)
Quais são os círculos em que vão?
Vamos em cinco círculos: Porto, Braga, Madeira, Europa e fora da Europa. Já nas últimas só tínhamos ido em nove, e agora ainda vamos a menos. Vamos começar já a trabalhar para as autárquicas, para ver se conseguimos nas próximas legislativas ir a mais círculos eleitorais. Porque infelizmente, também observamos uma coisa: os movimentos e os cidadãos independentes que nos abordam e que nós apoiamos para as eleições autárquicas, quando chegam as legislativas… Isto é como ser do Sporting ou do Benfica – já não querem saber do Nós, Cidadãos para nada. Porque já veem o Nós, Cidadãos como mais uma cor partidária, enquanto, a nível autárquico, veem como uma cor de cidadania. E nós, o que gostaríamos que passasse para a população civil em geral e nomeadamente para os nossos eleitos autárquicos, é que a cidadania tem de entrar no Parlamento como cidadania, não é como uma cor política partidária. Infelizmente, temos de ser um partido por imposição legal, mas gostaríamos de levar a cidadania para dentro do Parlamento para começar a virar as coisas por dentro.
Mas isso, para já, não é possível.
Possível, é sempre. Nós, aliás, apresentámos um enormíssimo protesto muito bem fundamentado juridicamente. Mas lá está, o sistema funcionou, e não conseguimos; nós estivemos pertíssimo de eleger um deputado no círculo fora da Europa, logo na nossa fundação, em 2015, por causa de o nosso candidato de Macau ser uma pessoa muito forte e muito querida e acarinhada em Macau, o doutor Pereira Coutinho. Mas, enfim, inutilizaram-nos uma série de boletins de voto – aquelas manigâncias que se fazem.
Na secretaria. Portanto, de forma burocrática, conseguem travar isso.
Sim. É completamente injusto, antidemocrático e indecente, que havendo mais de um milhão de eleitores registados no círculo da Europa, só elegem dois deputados. E no círculo de fora da Europa, que são cerca de 610 mil, também só elegem dois.
Ou seja, não há uma verdadeira representatividade.
Não. Setúbal tem muito menos eleitores do que o círculo da Europa, e elege 19, por exemplo.
Ainda para mais quando há mais portugueses a emigrar, e muitos jovens, era bom olhar para essa questão.
E há outra coisa: porque é que não se deixa as pessoas votar electronicamente? Isto continua tudo a funcionar na base do papel. Mesmo agora, para entregar as listas e estas coisas todas, não pode ser nada por e-mail. Tem de ser com papel com carimbo, com presença, com procurações, com delegações… Quando é para fazer coligações, vou directamente com os outros líderes partidários ao Tribunal Constitucional e assinamos presencialmente, porque senão tem de ser com assinatura reconhecidas. É um dispêndio de dinheiro que para os grandes não faz grande diferença, mas para nós é importante.
O vosso programa também fala muito nesta questão da burocracia e da forma como tudo funciona. Para além da carga fiscal, este é um aspecto que trava muito o avanço da sociedade e da Economia em Portugal?
E não só. Quanto mais papel há, menos as coisas avançam. Quando eu estive na NATO em 1993-94, fui ajudante de campo do comandante-chefe. E nós criámos, já nessa altura, um sistema informático, e foi o primeiro quartel-general da NATO, em todo o mundo, sem papel! E isto foi há 30 anos. Portanto, não se percebe porque é que toda esta burocracia do Estado continua assente em papel. Fala-se muito das novas tecnologias, dos ‘data centers’ – às vezes não pelas melhores razões –, mas temos de desburocratizar e descentralizar. Algumas estruturas têm de ser hierarquizadas e piramidais, nomeadamente aquela onde eu estive praticamente toda a vida. A estrutura militar tem de ter uma hierarquia definida, algumas empresas também, mas cada vez mais, as estruturas que funcionam melhor, funcionam em rede. Voltando ao Nós, Cidadãos, a nível de estruturas nacionais, funcionamos em rede. Estatutariamente estão previstas, tal como a lei obriga, as distritais e as concelhias, essas coisas todas. Mas, na prática, funcionamos com células independentes que comunicam entre si, muitas vezes, sem dar cavaco nem à presidência, nem à Comissão Política. Chega o reporte das actividades – isto é verdadeira independência e democracia. E, por outro lado, quando nos querem eliminar uma célula, as outras controlam e tomam conta do assunto. Já aconteceu.
Portanto, é uma organização também flexível, ágil e mais numa lógica de comunidade.
Sim, e muito ligada às populações locais, porque é isso que é cidadania. As pessoas têm de sentir a proximidade de quem os representa. Por exemplo, o nosso cabeça de lista para o círculo fora da Europa é um jovem de 31 anos que nasceu na Venezuela, filho de imigrantes venezuelanos com origem na Madeira, e conhece perfeitamente o mundo da emigração de fora da Europa. E é assim que deve ser. Os nossos candidatos do Porto, de Braga, da Europa e da Madeira são pessoas conhecidas a nível local e a nível regional. Não é só porque é uma pessoa importante… Eu sou mirandês, de Miranda do Douro, e nas primeiras eleições fui cabeça-de-lista pelo meu distrito, por Bragança. E acho que é assim que deve ser; devem ser pessoas conhecidas localmente e até sugerida pelas estruturas informais que nós temos. Mas, como digo, vamos preparar as autárquicas que são daqui a dois anos, e daí nascer uma lista como deve de ser, para ir a todos os círculos a nível nacional nas próximas legislativas – que eu esperaria que fossem daqui a quatro anos, mas alguém já me disse que se calhar serão lá para Novembro [risos]….
Então, tem pouca fé de que as coisas corram bem, nesse aspecto…
Eu não sou analista político, mas nós aprendemos a fazer análise, análise operacional, táctica, estratégica e também política.
E como militar, também a estar preparado antecipadamente.
Sim, e antever todos os cenários possíveis. E, infelizmente, o cenário que me parece mais plausível não tem nada de estabilidade como tínhamos agora com este cenário que ruiu por indecente e má figura – como disse o doutor Passos Coelho. Não se prevê que haja uma maioria de esquerda, e provavelmente o PS será o partido mais votado. Mas na minha percepção da rua, ou me engano muito ou o segundo partido mais votado não vai ser o PSD, mas, sim, o Chega. Porque muitos dos votos dos indecisos são pessoas que têm vergonha de dizer aos tipos das sondagens que vão votar no Chega. É aí, temos uma situação problemática, porque havendo uma maioria de direita, e se o partido mais votado for o PS, o Presidente convida o Pedro Nuno Santos, mas chega ao Parlamento e não passa, com uma moção de censura. A seguir, o Presidente tem de convidar o segundo partido mais votado. Quem é que ele vai convidar? E eu não sou daqueles que diz que é o ‘papão’ do fascismo. É tão papão como o Bloco ou o PCP. São iguais, são extremistas, nunca deveriam ser convidados a formar Governo.
(Foto: PÁGINA UM)
Mas temos alguns países, nomeadamente a Itália, em que também entrou um partido que era supostamente de extrema-direita, rotulado pela tal “Internacional Socialista”, e que nem tem estado a fazer muito má figura. Mas a Itália tem uma coisa e isso é um dado importantíssimo. E nós temos de fazer todos um esforço para obrigar estes nossos políticos a deixarem de ser indecentes e corruptos… É que a Itália pode funcionar com base na estrutura técnica do Estado, porque até um director-geral, as pessoas são nomeadas por competência técnica, há uma progressão na carreira técnica. E nós, infelizmente – isto já começou há mais de 20 anos –, temos directores-gerais nomeados politicamente e agora já é assim com os chefes de serviço, e qualquer dia também será com os chefes de secção. E isto é totalmente desmotivante para quem tem competência, ambição de progredir e motivação. Depois, como já sabe que se não tiver um cartão cor-de-rosa ou cor de laranja, não sobe, e as pessoas marimbam-se, vão para as suas repartições e não querem saber. Como sabem que nunca vão chegar a chefes se não quiserem ter um cartão, pensam, então, “que se lixe”.
Aliás, essa é uma das propostas que o Nós, Cidadãos tem de mudança para Portugal: este ‘despolitizar’ do que ser deve ser o funcionamento do Estado, das suas estruturas e da administração pública.
Sim. E emagrecer o Estado, que o Estado está muito gordo. O Hospital de São José, há 40 anos, se não me engano, tinha cinco administradores. A última vez que fui ver, tinha 56. Agora não faço ideia, mas se calhar já tem mais. Para quê? E depois, faltam médicos nas urgências. E depois, os administradores, se calhar, a maior parte são uns ‘jotinhas’.
O Nós, Cidadãos propõe reformas de fundo. Esta, por exemplo, é uma delas. Os partidos do arco da governação a quererem ceder a esse poder de nomear tantos cargos; os tais “jobs for the boys”.
Sou um optimista, um homem com esperança. E a principal razão por que eu aceitei este repto de vir para a presidência do Nós, Cidadãos, é porque tenho quatro filhos e espero deixar-lhes um mundo melhor do que aquele que eu encontrei, e que não era nada mau. E nós temos assistido a tantos casos e casinhos, que qualquer dia, eles começam a ter medo de ir parar ao “xilindró” – para falar numa linguagem mais coloquial – e começam-se a encolher antes de fazer porcaria. E aí, talvez os mais aptos, capazes e mais sérios, pode ser que consigam chegar à frente dos partidos grandes, ou supostamente grandes. É uma esperança que eu tenho e que tem de acontecer, porque o povo não é burro. E eu sempre tive essa convicção e mantenho-a. E dizia-me um senhor que foi meu professor, que eu estimo muito, o Professor Adriano Moreira: “em Portugal, nunca tivemos uma transição política pacífica; nós aguentamos é mais que os outros, mas ao longo dos nossos 900 anos de história, nunca houve uma transição política pacífica, como houve em Espanha, por exemplo, quando morreu o Franco”. Em Portugal, foi sempre um regicídio, um golpe de Estado, ou guerra civil… E dizia-me um cabo GNR, meu compadre, que isto de 50 em 50 anos, vira. Portanto, está quase. Eu gostaria que assim não fosse. E por isso, o nosso lema, que está nos nossos cartazes e nossos panfletos, é uma “revolução da cidadania”. Aliás, temos um grupo de WhatsApp com cerca de 200 pessoas em que provavelmente só 10% é que são filiados, mas que são simpatizantes e amigos desta corrente da cidadania, e o nome do grupo é mesmo “A revolução da cidadania”. Porque é isso que faz falta. Uma revolução, não de cravos, mas de cidadãos independentes, livres e sem medo.
Imagem de campanha do Nós, Cidadãos nas legislativas de 2024. (Foto: D.R.)
Então, sente que essa mudança pacífica e a bem deste regime, vai acontecer?
Poderá não ser já no imediato, mas só tem de acontecer. Porque senão, o país acaba! Infelizmente, o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 aconteceu pela falência política, social e económica da Primeira República. Andava tudo à ‘bulha’ no Parlamento, alguns, andavam mesmo ao ‘sopapo’. Mataram um Presidente da República, que foi o Sidónio Pais…. E depois, há alguns movimentos subversivos, que no século XXI não fazem qualquer sentido, numa sociedade plural e organizada, que continuam a querer mandar nisto. E o povo não pode deixar. Mas o povo, infelizmente, cada vez é mais velho. E aí, também faz parte do nosso programa, os incentivos à natalidade, e à família; ter uma sociedade normal e viável. Há 15 dias, vimos nas notícias que 30% da população tem mais de 65 anos, e não pode ser. Não podemos ficar à espera de que sejam os imigrantes a resolver os problemas de Portugal; porque nunca assim foi nem será. Eu tenho imenso respeito pela imigração, aliás, Portugal foi o país que mais se miscigenou ao longo do último milénio.
Mas caso haja mesmo necessidade de ir novamente para eleições, como referiu, será um período conturbado que pode abanar as estruturas no país, nomeadamente sociais…
E é bom que abane. Nós, neste momento, já temos polícias na rua. Os agricultores, também. Eu faço parte de alguns grupos, e andam há uma semana a preparar-se.
Em outros países, já estão a bloquear capitais.
Já. E isto tem a ver com uma coisa que ninguém sabe, do dinheirão que a União Europeia tem no seu orçamento… Já na altura em que eu andava por Bruxelas, nas guerras do Ambiente, cerca de metade era para financiar a Política Agrícola Comum [PAC]. E, neste momento, a PAC está dependente de uma série de normativos, alguns muito difíceis de implementar, que têm a ver com esta parte do Ambiente e das regras de consumo. Recordar-se-á perfeitamente de quando nós deixámos de ver fruta mais pequenina nos escaparates. As padarias foram todas obrigadas a deitar para o lixo as masseiras de Madeira! Isto são regras estúpidas, impostas de uma forma sobranceira por Bruxelas, mas em França eles não cumpriam. Porque eu ia visitar padarias em França e eles continuavam a amassar o pão em cima da madeira, que fica muito mais saboroso. E ainda ontem o novel primeiro-ministro de França estava a dizer que têm um poder tal, que podem alterar as regras da União Europeia [UE]. Mas se isto é uma União, então como é que há um tipo que pode falar mais alto que os outros e falar grosso?
Mas, no fundo, são regras muito favoráveis à industrialização de todas as actividades, não é?
São favoráveis a quem paga mais são, que são os franceses e os alemães. Por isso é que os ingleses se foram embora. Não tiveram para aturar isto. É certo que não deviam ter ido, mas eles nunca concordaram com esta “União Política”. Alguém lhe perguntou se queria fazer parte de uma União Política da Europa? Ninguém lhe perguntou, e a mim também não. Essas coisas perguntam-se.
(Foto: PÁGINA UM)
E estamos todos a vivê-lo, com a implementação destas políticas.
E a perder soberania. Nós chegámos a fazer uma campanha muito forte – também ligada com outros países – que em Portugal foi patrocinada e acarinhada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, contra o artigo 13º da Constituição Europeia. E chegou-se depois a uma altura em que nunca mais falou em Constituição Europeia, morreu o assunto. E esse artigo 13º, o que ia fazer? Ia tornar como área de gestão da responsabilidade de Bruxelas, a coluna da Água e o fundo das áreas marítimas portuguesas. E eu fiz, durante muitos anos, fiscalização da Pesca. E quando nós entrámos para a UE, nos primeiros 15 dias, como havia ainda incerteza e não tenham sido completamente negociadas as derrogações de os outros países poderem aceder às nossas águas, os espanhóis e os franceses começaram a pescar à ‘fartazana’ nas nossas águas, e nós tivemos de os começar a aprender. E mesmo assim não foi muito mau, porque eles também foram para a Irlanda, que entrou ao mesmo tempo que nós, e os irlandeses mandaram algum espanhol ao fundo; afundaram um pesqueiro. E, mesmo assim, voltaram lá uma segunda vez, e afundaram o segundo, e nunca mais lá puseram os pés.
Agora, até já se fala de um exército europeu…
Esqueça lá isso. Nós temos de fazer com que as populações sintam vontade de ser europeias, e para isso, os espanhóis não podem ter medo dos portugueses; os portugueses não podem ter medo espanhóis; nós não podemos ter medo dos franceses. A única coisa que nós temos em comum é esta herança judaico-cristã, que é uma cultura bastante antiga, e daí todas as reacções que tem havido em relação à entrada da Turquia na UE, porque não é um país de cultura judaico-cristã. Apesar da sua vertente europeia, nomeadamente Istambul, que é a sede da Igreja Ortodoxa. Mas isso são questões geoestratégicas e geopolíticas, e infelizmente, mesmo a nível internacional, as nossas perspectivas não são nada boas. Temos um Putin, temos o da Coreia do Norte, e temos mais o outro maluco da China…
E os Estados Unidos.
Pois. Esta candidata do Partido Republicano [Nikki Haley] tem toda a razão: então os dois tipos que estão a concorrer à Casa Branca são velhinhos, um com 81 anos, que quando sair de lá tem 87, e o outro com 77…
E muitos congressistas no Senado.
Tudo! A Nancy Pelosi, quando foi para a frente do Congresso, já tinha 82 anos. Epá, vão para casa tomar conta dos netos, dar banho ao cão… Eu próprio, para político, com 60 anos, já devia estar fora disto há muito tempo. Nós temos de dar oportunidade aos jovens. É politicamente incorreto isto que eu vou dizer: quando foi feito o golpe de Estado para manter o país na ordem, a 28 de Maio de 1926, foram buscar um professor de Finanças muito competente a Coimbra, que se chamava António Oliveira Salazar – primeiro, foi Ministro das Finanças, depois é que foi Presidente do Conselho de Ministros. E era novíssimo! E os ministros que ele escolheu tinham todos menos de 30 anos. O engenheiro Duarte Pacheco, quando faleceu, depois de uma hemorragia grave que teve num acidente de automóvel, tinha 34 anos e veja-se a obra toda que ele deixou. Agora, estes tipos são os mesmos que andavam cá há 48 anos; eram novos quando foi o 25 de Abril, mas agora estão todos muito velhos.
Aliás, nós entrevistámos recentemente um economista português, professor na Universidade de Manchester, Nuno Palma, que desmontou, com dados, tudo aquilo que se diz de desinformação relativamente àquilo que era a Economia portuguesa no Estado novo. Obviamente, contudo, de negativo, que também houve e que há numa ditadura. Mas, em termos económicos, ele explica como o grande problema tem sido as últimas décadas…
Como comecei por lhe dizer, não sou um saudosista, nem do Estado novo, nem do regime democrático pós-25 de Abril. Houve coisas muito boas, tanto num como no outro. Mas o que temos sempre de perceber e sentir, de uma forma isenta, objectiva, prática, é: o que podemos fazer, cada um nas suas funções e no seu dia-a-dia, para ajudar o próximo, para ajudar o país a andar para a frente, e para acabar com este rame-rame de corrupção e de compadrio. Porque este dinheiro todo que tem vindo da Europa não se traduz no bem-estar das populações. Ainda ontem, estavam os polícias a dizer que têm muito menos poder de compra do que tinham quando entraram para a Polícia. E nos militares é igual, porque não têm poder reivindicativo.
(Foto: PÁGINA UM)
Mas este desinvestimento nas forças policiais, nos militares, na Educação, na Saúde, porque se gasta muito, mas investe-se pouco.
O problema da Saúde não é um problema de investimento, é pura e simplesmente um problema de gestão pura e dura. Ideologicamente, por questões de regime – lá está, por imposição da tal extrema-esquerda – acabou-se com as parcerias público-privadas na Saúde. Todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde que estavam a ser geridos por parcerias público-privadas, estavam a ser geridos com critérios de gestão; é isso que significa “gerir”, aplicar a gestão. Não podem ser geridos com critérios políticos, de compadrio ou de amiguismo. É a mesma coisa que lavar a cara com as mãos abertas.
Entende que é um retrocesso o que aconteceu?
É, e esta reforma que estão a fazer agora é ainda pior. Isto de juntarem os centros de saúde com os hospitais, não dá. Quem é que consegue gerir um orçamento de um grupo desses, que pode ser mil milhões de euros?
Mas entende que este tipo de medidas favorece essa falta de transparência e de escrutínio e o reforço do poder por parte de alguns grupos que têm liderado o país?
Claro. Mas isso, o povo é que tem de perceber e tirá-los de lá. Porque esta gente faz-me lembrar alguns chefes que nós tínhamos… Em geral, tive chefes bons, mas de vez em quando apanhávamos um mais fraquito. E esses mais fraquitos, o que faziam? Nada, não decidiam, porque ao não decidir, não correm o risco de decidir mal.
Então fica tudo na mesma.
Exactamente. Chama-se a isso “despacho-gaveta”. E é o que nós assistimos: ninguém decide, ninguém faz. Andam agora a querer aprovar estas obras milionárias, porque têm lá os ‘grupelhos’ económicos das rendinhas. Aliás, basta ver o programa de ontem à noite do José Gomes Ferreira, em que ele focou isso. Estava lá o meu amigo Paulo Morais, e o Fernando Pereira, também meu amigo. A cidadania tem de se impor a esta corja de gente que não presta! E tem de ser o povo português a escolher os mais competentes, os mais aptos e os mais sérios. E nós temos gente muito boa. Só que não estão para se ligar aos partidos políticos. No Nós, Cidadãos, eu sinto isso.
Tenho imensos amigos inteligentes e competentes, e muito bons profissionais, mas que não querem ter uma conotação político-partidária. E é este tipo de coisas que está a destruir a democracia. E que está a ser cavalgado por aquilo que eles chamam a “extrema-direita”, que é apenas e só um movimento de contestação. E digo-lhe mais: em termos ideológicos puros, para mim, é muito mais perigoso um partido como a Iniciativa Liberal do que um partido como o Chega. Agora vou ser um bocadinho sobranceiro, mas, para mim, o Chega é o partido dos taxistas e das cabeleireiras. Porque quando andamos num táxi ou vamos ao cabeleireiro, são todos muito bons a dizer o que está mal. Mas quando lhes perguntamos o que faziam se fossem para lá, não apresentam soluções. E depois, aquilo é um saco de gatos. Se alguma vez esta gente tiver de governar, o Chega implode, vai cada um para seu lado. Mas, têm uma coisa muito boa: um líder, que eu tenho imensa pena que ele se tivesse apaixonado, porque ele teria dado um padre de excelência. Aquele senhor nasceu para falar em público, e é, de longe, o melhor parlamentar que nós temos no Parlamento português. Tem jeito para aquilo, sai-lhe! Eu não tenho. Eu falo, fui treinado, mas não tenho aquele à-vontade que tem o André Ventura para falar em público. E parece que aquilo lhe sai sempre bem.
Outra pessoa que eu admiro imenso porque escreve muito bem – e que o pai dele também era oficial da Marinha –, e que pode estar a escrever sobre o maior absurdo que aquilo faz sempre sentido, é o Miguel Esteves Cardoso. Adoro ler os textos dele. E ele, às vezes de propósito, defende absurdos, mas entrelaça lá as coisas de uma maneira, que aquilo faz sempre sentido [risos]. Mas dizia eu: o Iniciativa Liberal, ideologicamente, é muitíssimo mais perigoso. Porque tem aquilo que nós consideramos, em termos de cidadania, o pior da direita, que é o liberalismo total na Economia, e não pode ser. Há sectores essenciais que têm de ter intervenção do Estado e controlo por autoridades independentes. E tem também o pior da esquerda, que é o liberalismo total nos costumes. Uma sociedade não pode ser totalmente liberalizada em termos de costumes, porque há as tradições, as famílias e os sentimentos das pessoas, que não podem ser adulterados por estas agendas “woke”, como se fala agora. E, todos nós, como pais de família ou mães de família, sentimos que isto não é normal. Temos de respeitar quem é diferente, sim, senhor, mas não é tornar a diferença no “normal”, porque não é. E, portanto, para mim, a Iniciativa Liberal é muito mais perigosa do que o Chega. Agora, também não acredito que com este novo líder vão muito longe. Não tem nada a ver com o Cotrim Figueiredo, que tinha outra ‘estaleca’, outra postura.
Mendo Castro Henriques, anterior presidente do Nós, Cidadãos. (Foto: PÁGINA UM)
E vende-se muito este medo relativamente à extrema-direita, e na Europa fala-se muito nisso, na própria Comissão Europeia, mas não deixa de ser curioso que é com os governos actuais, nomeadamente em Portugal, o governo socialista, que temos assistido a um enorme recuo na democracia. Não será que a população também sente que há uma maior tendência para medidas mais totalitárias, e reage?
Não precisa de ir mais longe. Olhe para o que está a acontecer em Espanha. Esta gente agarra-se ao poder e vem com as agendas todas ao mesmo tempo, e normalizam terrorismo de Estado… Imagine o que seria eu agora criar um movimento de mirandeses, porque até temos uma língua e uma cultura diferentes, e queríamos ser independentes. Vamos fazer a República de Miranda do Douro, se calhar era maior que Andorra. E depois, ter os socialistas a perdoar, porque eu fiz um referendo e todos os mirandeses quiseram ser independentes. E em vez de eu ir parar à cadeia, sou perdoado. A principal razão por que Espanha continua a ser um reino – para além de ter havido uma guerra civil entre republicanos e monárquicos em que ganharam os monárquicos – é porque se fosse uma República, eram cinco países, não era só um. São cinco nações completamente distintas umas das outras. A Espanha nunca reconheceu a independência do Kosovo. Porquê? Não lhes dá jeito. Mas, por outro lado, querem voltar a tomar conta de Gibraltar. Enfim.
Já falou um bocadinho do Serviço Nacional de Saúde, e todos os anos se repete, no pico das doenças do foro respiratório, há sempre uma crise. Já deu algumas pistas, mas para vocês, que soluções podem existir? Porque quem tem mais meios financeiros, mantém sempre a Saúde nos privados, mas quem não tem fica com o que resta…
Aí, eu penso um bocado diferente daquilo que acabou de dizer. Não está escrito em lado nenhum que os médicos do privado são melhores que os do público. Para mim, os melhores profissionais e com mais saber acumulado por muita experiência, estão no público.
Sim, mas a questão é que muitas vezes as pessoas nem chegam a ter acesso a esses médicos no SNS.
O que tem de haver aqui é equilíbrio, bom senso e não haver demagogia. É não deitar fora aquilo que até funciona bem, só porque não está de acordo com o nosso programa do socialismo. Sendo eu raiano e da província de um distrito muito envelhecido… Por todo o interior de Portugal, quem estava na proximidade das populações eram as IPSS, os hospitais das Misericórdias. Porque é que deixou de haver postos médicos nos Bombeiros? Qualquer associação de bombeiros tinha um posto médico onde as pessoas iam tomar uma injecção, ou medir a tensão. Agora, as farmácias começam a fazer isso, mas havia muitos centros de enfermagem. E depois, são regras para aqui e para ali… Maternidades a fecharem nas capitais de distrito, não pode ser. E é a mesma história com a Educação, e as escolas. Cada aldeia deste país tinha uma escola e agora – eu vejo isso no concelho de Miranda do Douro –, há um autocarro da Câmara que vai buscar os meninos para a escola, e eles desde que saem de casa até que chegam às aulas, às vezes são duas horas. Coitadinhos. Vêm de muito longe, quando dantes iam a pé com as botinhas de bezerro a pisar nas poças de lama, todos contentes, iam para a escola. E agora nem meninos há, que é outra coisa. Se os nossos reis há 500 e há 700 anos fizeram a Leis das Sesmarias, para retirar poder económico à Igreja porque ficavam com muitas terras… Tem de haver reformas de fundo para o país ser viável e ser uma coisa harmoniosa.
Acção de protesto do Nós, Cidadãos junto ao Museu Berardo. (Fotos: D.R./Nós, Cidadãos)
E para fixar população nas zonas do Interior?
Claro. Porque é que deixou de haver as casas de função do sistema judicial, do sistema de saúde? Os médicos, quando iam para as capitais de distrito ou para as cidades mais importantes, tinham uma casa atribuída pelo Estado. Os juízes, a mesma coisa, e os delegados do Ministério Público. As pessoas não têm que ter vergonha de ir viver para a casa que o Estado lhes dá; é a casa de função, está preparada para isso. E quem diz isso, diz, entre outras coisas, incentivos financeiros.
E habitação, que hoje, mesmo no Interior, às vezes está ainda mais cara
A Habitação é um dos temas que mais tem revoltado, principalmente a classe jovem e a população activa que trabalha e não consegue comprar uma casa nem pagar uma renda. E nós concordarmos inteiramente com a Federação Portuguesa de Cooperativas de Habitação, que foi o regime que se esqueceu deliberadamente. E em que a construção, através de cooperativas, ‘curto-circuita’ completamente o sistema das mais-valias de quem quer ganhar muito dinheiro com este assunto. E, portanto, o Estado tem de incentivar, por um lado, a bonificação dos juros aos jovens. O primeiro apartamento que eu comprei foi com juro jovem bonificado, e comprei-o com 22 anos. E na altura, os juros estava muito acima do que estão hoje. Aliás, nós colocámos nos nossos cartazes de rua, que são poucochinhos, mas já há mais de dois anos que nós estamos a pedir o juro bonificado. E só agora é que começam alguns partidos a falar nisso, nomeadamente o PAN. E porquê? Porque o juro bonificado não dá lucro aos bancos. Nós andámos aqui a salvar os bancos da bancarrota. Sabe quantos é que eu tinha salvado se fosse primeiro-ministro na altura? Nenhum. Tinha feito como fez o primeiro-ministro, apoiado pelo Presidente da Islândia. Se a Elisabete tiver uma mercearia ou a sua mãe tiver uma loja de rua de retrosaria ou uma coisa qualquer, e não for uma boa gestora e aquilo for à falência, então as pessoas todas da rua têm de estar a contribuir para que a loja lá fique, só porque a menina não sabe gerir? Foi mal gerido, paciência, temos pena, vai à falência, como qualquer outra estrutura comercial ou industrial. Uma empresa que não for bem gerida, entra em insolvência, e fecha.
Entende que o sector financeiro tem sido demasiado protegido pelo poder político?
O poder político está lá dentro! É o tal ‘corrupio’ que eu falo, entre as grandes sociedades de advogados, as grandes empresas oligárquicas, os bancos, os governos e o Parlamento. É tudo a mesma gente, andam a saltar de um lado para o outro.
Agora, os grupos de media também estão a precisar de salvação e têm prejuízos, nalguns casos, são mal geridos têm dívidas a grandes grupos. Por exemplo, a dona da Visão deve ao Estado mais de 11 milhões de euros, infelizmente a Global Media também, e que é algo que também não se percebe, como é que podem ter dívidas tão grandes ao Estado.
Eu aí sou muito pragmático e tenho a mesma teoria, tal e qual que tenho para os bancos. Há grupos de media que já estão adaptados ao século XXI e às novas tecnologias e às novas tendências. Vocês são um deles, a rádio Observador, o grupo Cofina… E não quiseram os subsídios do Costa, lembra-se? Nem o Observador nem o Correio da Manhã. Aliás, o Sócrates quis à viva força dominar financeiramente o Correio da Manhã, e não conseguiu. Manteve a independência. Agora, temos 10 jornais diferentes, que todos juntos vendem menos que o Correio da Manhã, e depois andam aqui, só porque têm 400 jornalistas que vêm do tempo dos botequins do Bairro Alto, em que eram todos filiados no PCP e passavam o dia e a tarde nos copos e depois a seguir foram dar aulas para a Escola de Jornalismo? Mas que jornalismo é este? É jornalixo! Jamais alguém me vai convidar para dar uma entrevista, mas paciência, já estou habituado.
(Foto: PÁGINA UM)
Portanto, não concorda que haja, como alguns dizem, apoios do Estado?
Nada! Por acaso tenho pena é do Fafe, coitado. Eu por acaso conheço-o pessoalmente. Se calhar, ele entrou um bocado a matar demais, e caiu-lhe o Carmo e a Trindade em cima. Demitiu-se, não tinha condições. E agora, se calhar, como ele já não vai estar lá, aquilo vai-se resolver tudo… Enfim.
Em relação aos media, também é crítico da actuação e da cobertura que fazem, por exemplo, nas eleições?
Sou muito mais crítico, por exemplo, de não haver controlo nas redes de sociais dominadas pelas multinacionais e pelas grandes tecnológicas. A Meta e a do Elon Musk, o X… Aí sim, tem de haver controlo e regras, e felizmente na Europa já estamos menos mal do que os americanos. Mas inclusivamente, essas sim, deviam ser taxadas brutalmente. Nós somos invadidos por publicidade deles, somos escutados… A minha filha Maria do Mar, no outro dia estava na praia com as amigas e estavam a conversar sobre uma determinada marca de roupa, e começaram todas a receber notificações no telemóvel de publicidade a essa marca de roupa! Isto é completamente pidesco, e tem de ser proibido.
E são grandes tecnológicas que já têm também financiamentos e um pé nos media. Portanto, há um controlo grande de informação por parte dessas empresas.
Isto é transformar as populações em carneiros.
Há pouco falou na questão das forças de segurança, e também dos militares, que é algo que também tem proximidade, naturalmente. Que estratégia é que deveria haver para estas áreas? Porque estamos a falar de sectores que são fundamentais para o país e que, de facto, não têm condições, muitas vezes, para operar.
O problema das forças de segurança e dos militares é que não têm poder reivindicativo. E estes nossos políticos das últimas décadas seguem aquela norma ‘foleira’ que é “quem não chora, não mama”.
Têm de ir para as ruas?
Não podem, os militares não podem, é proibido. Eu ajudei a fundar o Nós, Cidadãos já depois de ter saído do serviço activo. E nós temos um juramento de bandeira que nos impõe manter, em todas as circunstâncias, um rigoroso apartidarismo político. Este articulado faz parte do juramento de bandeira e eu mantenho-me fiel a esse juramento, e por isso estou no Nós, Cidadãos, e não noutro partido qualquer. Mas os militares não têm poder reivindicativo, o seu poder reivindicativo é fazer um golpe de Estado. Só que também não queremos ir por aí, nem se pode ir por aí. Portanto, tem de haver sensibilidade e bom senso, e o Senhor Presidente da República tem demonstrado algum.
Mendo Castro Henriques e José Roquette numa acção do Nós, Cidadãos no Dia Nacional da Água, em 2019. O conhecido empresário foi Presidente da Comissão Honra do partido nas últimas eleições europeias. (Fotos: D.R./Nós, Cidadãos)
Mas o problema não é só de Portugal. Tem havido um desinvestimento atroz em Defesa porque pensávamos que estávamos no mundo da paz. Então e agora que vem o Putin por aí abaixo, o que é que fazemos? Nas televisões russas, já estão a dizer que só param em Lisboa! Não sei se viu essa. Num debate numa televisão russa, com os mais radicais, diziam que agora só param em Lisboa, quando chegarem ao mar. E isto são questões que não são de agora. Eu dei uma entrevista, uma semana antes de começar a guerra da Ucrânia, no “Isto é o Povo a Falar”, em que disse uma coisa que vou repetir: esta guerra começou porque as pessoas não leem a história. Há 170 anos, houve uma guerra na mesma zona, que ficou conhecida como Guerra da Crimeia, em que a Rússia perdeu. Na altura, a Crimeia não era ucraniana, era do Império Otomano. E houve uma coligação internacional da Turquia com a Inglaterra, a Alemanha, e a França, para ‘malhar’ nos russos. Porque o problema dos russos é sempre o acesso ao mar, nomeadamente, naquela região, ao Mar Negro. E a Marinha russa ficou desde essa altura proibida de ter navios militares no Mar Negro. Ainda hoje, isso mantém-se. E ainda hoje, o Estreito do Bósforo é controlado pela Turquia, e quando há conflitos na região, só a Turquia – que são os descendentes do Império Otomano – é que autoriza, ou não, a passar navios militares. Por isso, é que, quando os ucranianos afundaram o Kursk, aquele navio-almirante não foi rendido por mais nenhum, porque não pôde passar para dentro do Mar Negro. Podia andar pelo Mediterrâneo, como eles quisessem, mas para o Mar Negro não passava mais nada.
Eu julgo que o desfecho terá de ser obviamente uma derrota da Rússia, mas vai-nos custar muito caro, porque andamos décadas a desinvestir. Ninguém sabe que as ‘batotas’ que se têm feito, e não foi só o PS, mas também o PSD… Nós, em termos de compromissos com a NATO, temos de ter 2% do nosso PIB investido em Defesa – faz parte do acordo da Aliança Atlântica. E isto foi uma das coisas que o Trump exigiu a todos os membros da NATO, ameaçando que os Estados Unidos podiam sair da NATO. E em Portugal, o que se anda a fazer há 40 anos, é integrar nesses 2% todo o orçamento da GNR! Consideram que a GNR se trata de militares, e de facto eles são militares, mas não têm missões de Defesa, têm missões de segurança pública. E mesmo assim, com o orçamento todo da GNR, não chega aos 2%, chega a 1,2%. Porque de Defesa “pura”, é 0,6%! Não pode ser. Depois, há aqui uma questão que estávamos a falar, da estrutura do Estado: nós temos tido ministros de Defesa que vão para lá, pura e simplesmente com as agendas que trazem… Esta actual ministra, a agenda dela é “woke”, fez um doutoramento em igualdade de género… Uma estrutura que tradicionalmente tem regras muito claras, não se pode ter uma ministra que vai pôr uma bandeira arco-íris na janela do gabinete, na Avenida da Ilha da Madeira. Porque isto cria ‘sururu’.
O conhecido empresário Henrique Neto integrou a Comissão de Honra da candidatura do Nós, Cidadãos nas eleições europeias de 2019. (Foto: D.R./Nós, Cidadãos)
E perde-se o foco.
E não só: a liderança tem de ser exercida com um exemplo, com competência.
E a inclusão pode ser feita de outra forma…
É o que eu disse há bocadinho: não pode ser imposta. Senão, cria revolta. Infelizmente, tivemos um almirante – não sei se na altura do Cabo Nogueira – que cortou o orçamento da Marinha. E o Almirante sitiou os navios e disse que então não saiam para o mar, porque não havia dinheiro para combustível. E isto, tendo anteriormente falado com todos os chefes da Marinha, para estar “calçado”. O Governo tirou-o de lá, e pôs lá outro. Passados dois meses, estava resolvida a crise. E no Exército e na Força Aérea, é a mesma coisa. Porque infelizmente, as próprias promoções a altos cargos de chefia, normalmente estão ligadas também a correntes políticas vigentes. E nas forças de segurança, a mesma coisa. Aliás, saiu de lá o Magina da Silva como director-nacional da PSP e aquilo estava pacificado, e a seguir foi o descalabro. Porque provavelmente, esta malta não se revê no actual director-nacional. Não tenho a certeza; estou a falar um bocado ‘de cor’.
Portanto, falta aqui também um bocadinho de ânimo nesse lado.
Tem de haver sentido de Estado e responsabilidade, e bom senso. E não haver aquela ânsia do “sou, quero, posso e mando” e “não precisamos de tropa nem de Polícia, precisamos é de arco-íris e de passadeiras arco-íris”, e de “o meu filho é presidente da Junta e a seguir vai ser Presidente da Câmara, e depois o meu neto vai para embaixador não sei da onde”… Epá, menos! Sejam decentes!
Para além daquelas histórias dos submarinos, que é sempre o que os portugueses também se lembram.
Mas essa história está mal contada. Os “submarinos” é a arma dos pobres. O facto de nós termos submarinos é muito mais dissuasor do que se tivéssemos 10 fragatas ou um porta-aviões. Eu se fosse primeiro-ministro também… Estava num submarino que, quando estávamos a entrar no Estreito de Gibraltar, tinha um comandante maluco que encostou o submarino ao fundo para não ser detectado, e nem os helicópteros, nem os aviões de profundidade variável, nem as fragatas. Passou a escolta toda. E, quando o porta-aviões estava a passar por cima de nós, largámos dois feixes verdes, que é como se o porta-aviões tivesse sido atingido com dois torpedos. E o desgraçado do comandante americano, assim que chegou a Nápoles, foi demitido. Não tinha culpa nenhuma do comandante do submarino português ser maluco. Percebe? O submarino é uma arma terrível. Nós tivemos de ter três forças navais permanentes no bloqueio à Jugoslávia, só porque a Jugoslávia tinha dois submarinos. Nós tínhamos de saber permanentemente onde é que estavam os submarinos deles. Foi uma força da NATO, uma força da União Europeia e uma força multinacional.
Imagem de campanha do Nós, Cidadãos. (Foto: D.R./Nós Cidadãos)
E entende que Portugal pode dar um contributo, apesar da sua dimensão, para que haja maior segurança na Europa?
Portugal, a nível da Aliança Transatlântica, sempre teve muito boas prestações. E a nível das forças internacionais – quer de imposição, quer de controlo da paz –, as forças portuguesas sempre foram muito boas, muito bem cotadas e muito reconhecidas. Mesmo nas forças europeias ou, por exemplo, uma força naval, em que também os nossos militares sempre foram muito bons, porque sempre conseguimos manter o treino e o desempenho. Até mesmo os nossos fuzileiros, paraquedistas… Todos.
E temos o mar, que é algo que não falámos aqui, mas que também está muito presente no vosso programa.
Devia ser obrigatório na escola uma cadeira sobre mar. Porque as crianças são educadas desde pequeninas que mar é praia, e o resto não se vê. E o mar português é de facto infindável, felizmente, ainda se mantêm. As nossas áreas de responsabilidade passam a Sul de Cabo Verde, nomeadamente nas áreas de busca e salvamento. É uma área muito vasta. E agora com a expansão da plataforma continental, ainda mais vasta vai ficar.
Portanto, é bom que haja políticas.
Se calhar. Depois, recomendo-lhe um capítulo que eu escrevi a convite do meu antecessor no Nós, Cidadãos, que foi o Professor Mendo Castro Henriques, que pediu 40 perguntas sobre a pandemia, quando ela apareceu. O livro chama-se “Ressurgir”, e eu escrevi o capítulo sobre Economia Azul.
O Partido Unido dos Reformados e Pensionistas, fundado em Julho de 2015, está em profunda transformação. Rui Lima, gestor, 38 anos, é presidente do PURP desde Abril de 2023. O número dois do partido é Pedro Girão, médico anestesista. Ambos tiveram um papel na pandemia, tendo sido vozes na defesa da democracia, dos direitos civis e dos direitos humanos e também falando em prol de medidas baseadas apenas na evidência científica – e não na política. O tempo deu-lhes razão. Nesta entrevista, Rui Lima fala dos objectivos do partido, cujo futuro está nas mãos do Tribunal Constitucional, o qual está a analisar os novos estatutos, bem como uma nova denominação – ATUA – e um novo símbolo. Esta é a sétima entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE RUI LIMA, PRESIDENTE DO PARTIDO UNIDO DOS REFORMADOS E PENSIONISTAS (PURP), CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
O Partido Unido dos Reformados e Pensionistas, conhecido pela sigla PURP, está em transformação. Este é um partido que foi criado em Julho de 2015, e que teve, em Abril de 2023, a eleição de novos órgãos sociais. Teve também, mais recentemente, em Outubro, num Congresso extraordinário, onde foram aprovadas muitas alterações que estão agora a aguardar aprovação por parte do Tribunal Constitucional. Que transformação é esta? É um partido novo que está a nascer?
Sim, exatamente. O PURP tinha um objeto, que era relativamente aos reformados e aos pensionistas, que é importantíssimo e cada vez mais é importante. Aliás, é a base de um dos problemas que achamos que tem que ser discutido na praça pública e é preciso ação. Porque, daí, nasce realmente um problema e outro conjunto de problemas que achamos que são graves, que se passam, hoje, não só na sociedade portuguesa, infelizmente, mas internacional. Mas vivemos aqui em Portugal, temos de atuar naquilo que é a nossa sociedade como membros ativos da sociedade. São problemas sérios que, infelizmente, de todos os partidos que têm assento parlamentar ou até que não têm assento parlamentar, não abordam, não tocam, porque é tabu, por não quererem entrar nesse tipo de debate, porque são assuntos muito “populistas” ou assuntos em torno dos quais existe já uma narrativa na cabeça das pessoas que é muito difícil de sair, neste momento. Acreditamos que são de elevada prioridade e que é preciso haver um grupo de cidadãos como é este o caso – somos um grupo de cidadãos, não temos qualquer ligação política ou qualquer carreira política no passado –, mas um grupo de cidadãos que quer, realmente, tocar em pontos que achamos que são muito importantes e que, infelizmente, ninguém fala.
Já nos conhecíamos, nomeadamente de debates sobre democracia e direitos individuais, direitos civis, direitos humanos. Há aqui pontos que o vosso partido quer endereçar. Em 15 de Outubro, no vosso congresso extraordinário, aprovaram, na ordem de trabalhos, propostas de alteração dos estatutos. Também a alteração da declaração de princípios e também uma proposta para um novo nome e símbolo, propostas que foram, de resto, aprovadas e submetidas ao Tribunal Constitucional. O que é que é este novo partido, o que vai defender? É de esquerda, de direita, vai defender os pensionistas, vai também defender os jovens?
Pegando no tema da esquerda e da direita, acho que esse é um tema, hoje, já completamente desactualizado. Não somos nem de esquerda nem de direita. Uma coisa também posso garantir: não somos socialistas, nem populistas, nem nacionalistas, portanto, não temos essa posição. Queremos tocar em temas que são prementes, temas que estão ligados ao peso elevado que o Estado detém sobre as nossas… E queremos tornar num partido que, nos vários temas, incluindo, por exemplo, os temas das pensões e daquilo que é o sistema de Segurança Social actual, e outros temas, em que [se] dá autonomia às pessoas e liberdade às pessoas. É um partido centrado na liberdade individual das pessoas. Nos últimos anos – isso tem acontecido cada vez mais – vemos cada vez mais esses direitos, liberdades e garantias serem violados, constantemente.
É um partido que tem aqui um cariz muito vincado em termos de ser composto e ser liderado por cidadãos, ou seja, sem ligação à política. Tem novos órgãos sociais, incluindo tu próprio.
Posso falar de mim e, neste caso, dos outros órgãos… Ninguém teve uma carreira política. Estamos a falar de pessoas como eu, que sou gestor. Estamos a falar de pessoas que são, por exemplo, um médico, ou pessoas comuns, que têm funções normais do dia-a-dia. Como a maioria de nós, portugueses, queremos tocar realmente em pontos e achamos que a sociedade está muito passiva e queremos tentar mudar isso. Queremos que as pessoas comecem a tocar em temas que achamos prementes e queremos mostrar isso através do facto – e acho que é importante – de ter pessoas comuns, pessoas da sociedade que acham que tem que se fazer alguma coisa e que precisamos de tocar em temas que são urgentes.
Mas qual é o português que se mete na política, hoje? É preciso ter algum tipo de coragem ou um misto de loucura, digamos assim, para se meter na política. O que é que leva um Rui Lima… E quem é o Rui Lima?
Sou um cidadão comum. Não sou, nunca tive, nem tenho ambição política, portanto não tenho passado político. Tenho o meu trabalho, tenho o meu negócio, tenho as minhas coisas, dedico um tempo da minha vida à parte social, pelo simples facto de achar que há temas, como estes que vamos abordar, que ninguém aborda. E, hoje, é muito difícil – então na política – ter uma atividade cívica. Porque está tudo tão embrenhado já num poder que está instalado, em que são sempre as mesmas pessoas, são sempre os mesmos, que as pessoas já desistiram, em parte. E é isso que temos de tentar mudar ao longo do tempo. As pessoas já desistiram de ter uma voz ativa. Já assistimos a entrevistas a pessoas na televisão ou nas redes sociais a dizer que isso já é um problema das gerações futuras. E “que eu não vou conseguir fazer nada”. É a atitude da maior parte das pessoas, hoje. E “eu sou mais um, no meio deste emaranhado de pessoas, e não vou conseguir fazer nada, não vou mudar nada”. E, se todos pensarmos assim, realmente – e essa é que é a realidade actual –, estamos entregues a um conjunto de pessoas. Estamos entregues a uma elite que domina e temos de continuar a cada vez a pagar mais impostos, cada vez mais a ver as nossas liberdades e as nossas garantias a serem violadas constante. E olhamos para o futuro e vemos as gerações futuras, ou a terem de ir lá para fora, porque não veem futuro, não veem oportunidades. Os portugueses estão estagnados a nível de rendimentos e ao nível de crescimento, há décadas. Já estamos a falar de décadas, estamos a falar nos últimos 20 anos, Portugal não cresce, tem um crescimento residual. Estamos a ser ultrapassados por vários países da Europa, mesmo com a Europa a ter um conjunto enorme de problemas. E isto tem sido uma constante ao longo do tempo.
Aliás, numa entrevista ao PÁGINA UM, Nuno Palma, economista e professor na Universidade de Manchester, aconselha os jovens a votarem com os pés, a saírem do país, porque o país não lhes vai dar nada, nenhum futuro decente. Acreditas que estes pequenos partidos de cidadãos, em Portugal, podem ainda fazer a diferença? Podem ainda causar a mudança ou criar aqui uma transformação do país?
Podem, mas temos que sair um bocadinho dentro do habitual, temos que começar a falar de temas que não são populares, mas que precisam de ser mexidos. Um deles, que afeta os jovens, indirectamente, é o sistema da Segurança Social actual, ou seja, há para os reformados. Actualmente, já é mau porque estamos … O nosso sistema de Segurança Social, é um esquema em pirâmide puro, não tem sustentabilidade a longo prazo. E ainda conseguimos viver porque ainda temos uma grande fatia da população que está a contribuir ainda para a Segurança Social. Nos próximos 20 anos vamos ter o grande bolo da população a reformar-se. Vamos ter um problema, vamos ter um problema grave para essas pessoas que contribuíram. O que vão fazer? Não [se] tem outra hipótese: é aumentar impostos, adiar a idade da reforma ou cortar-lhes a reforma. E os jovens vão viver presos para sustentar uma geração e, depois, no futuro, eles próprios não vão usufruir de nada disso. É um exemplo de um dos temas que ninguém quer tocar, mas que é algo que nos vai explodir na cara mais tarde ou mais cedo, aos poucos. Não pode não ser uma explosão logo imediata, mas vai escravizando a sociedade para um problema futuro que, se não for discutido e se não pensarmos noutra saída, este sistema habitual… Temos um problema gravíssimo para as gerações futuras.
Ou seja, não está a ser visto o país numa lógica de médio e longo prazo de planeamento, mas sim, apenas está a tocar-se tudo “pela rama”, naquilo que é o curto prazo e a gerir sempre o país um bocadinho nessa base.
Em todos os temas, seja na Segurança Social, especialmente neste, que tem efeito a longo prazo, só se olha a curto prazo. Ninguém quer olhar, ninguém quer tocar neste tema, neste problema. É um problema que vamos ter. Os reformados actuais vão ter esse problema, mas os futuros reformados e os jovens vão ter um problema gravíssimo pela frente. Vão ser escravos desse sistema. E a saída disto vai ser muito difícil e quanto mais se adiar, quanto mais tempo passar, estamos a avolumar. Já está um lixo enorme debaixo da carpete e vai-se avolumar cada vez mais.
Ou seja, o país tem vivido um bocadinho a “apagar fogos” e tem de deixar de ser esse tipo de país.
O nosso grande problema é esse. Só se olha para jusante. Só se olha para o problema quando estamos ali, quando o rio já está no fim. Quando o problema é muito anterior. Quando não se não se toca nos problemas … Note-se, andamos sempre a apagar fogos. Os outros países da Europa também vão pelo mesmo caminho. Portugal não é único. Uns mais tarde, outros mais cedo, mas nós é que vamos sempre a correr atrás do problema. Vamos ter aqui, obviamente, um problema grave na Saúde, na Segurança Social… Vamos ter, mais tarde ou mais cedo, um problema grave e, se não fizermos nada, vai ser pior para todos.
Voltando aqui ao partido, não estão a concorrer às eleições legislativas. Têm planos para o futuro? Qual o novo nome do partido e qual é o símbolo?
É difícil mostrar por rádio [podcast], obviamente, mas tem a ver com acção. E o nosso objetivo é sensibilizar os portugueses, em geral. Podemos ter uma voz ativa, todos. O insucesso é sempre garantido, portanto, temos de fazer com que tudo seja um pequeno ou grande sucesso. E achamos que é necessária a acção na mão das pessoas e dar autonomia às pessoas para terem uma voz activa, que é isso que nos falta, hoje. Queremos que as pessoas, em todas as áreas, na acção cívica política, seja o que for, que podem ter uma voz activa novamente e não ficarem dependentes daquilo que é o status quo e só um conjunto de pessoas que decide sobre nós e ficamos remetidos… “Olha, eu não consigo fazer nada”. É isso que queremos.
O PURP aguarda a aprovação, por parte do Tribunal Constitucional, do seu novo símbolo e da sua nova denominação, ATUA.
Mudar, meter a “mão na massa” não é só votar. Haver um envolvimento maior dos portugueses naquilo que é a acção cívica, mas também política.
Exatamente. E haver debate. E esse é o papel dos media e da comunicação social que, infelizmente, passou a ser … Porque é financiado [com apoios, parcerias comerciais e publicidade estatal] pelo próprio Estado. E o Estado mete a mão na naquilo que é a comunicação social, o que é um perigo e é algo que tem de acabar. Mas tem um papel fundamental de pôr em debate e não ser simplesmente uma comunicação social copy-paste uns dos outros. Sou muito crítico [sobre] o atual estado da comunicação social. É uma comunicação social de agência e de copy-paste uns dos outros, neste momento. Há outros perigos que isso traz: há uma narrativa, há um tema, e todos copiam. É tudo igual. E, mesmo que às vezes possa haver ideias que são incómodas, têm de se dar voz a essas ideias e também ao contraditório, para se poder também desmanchar essas ideias. Não é através da censura ou fingir que esses temas não existem.
Até pelos perigos de desinformação. Porque, quando há um órgão de comunicação social a espalhar desinformação ou notícias falsas, e todos os outros passam essas notícias falsas e essa desinformação, passam a ser dadas como verdadeiras e não são. Há também há esse risco. Como jornalista, tenho observado isso. Mas, voltando à questão do partido: quais são os objetivos? Quando é que o ATUA vai concorrer a eleições? Estão à espera de haver uma resposta do Tribunal Constitucional?
Estamos. Acho que, nessa altura, será o ideal. Porque, aí, já podemos publicar tudo, os princípios. Acho que as coisas têm que ser bem feitas, a seu tempo. Infelizmente, não foi a tempo das legislativas, é impossível. É preferível fazer as coisas bem feitas, do que tudo atabalhoado. Mas, assim que houver oportunidade, e assim que estiver aprovado, penso que aí é a altura ideal para se começar a divulgar mais amplamente os objetivos. Até lá, queremos ter as coisas já aprovadas e publicadas para, depois, começar a fazer a nossa comunicação.
Há alguma perspetiva? Qual o ponto de situação relativamente a uma resposta do Tribunal Constitucional?
Como é algo que depende do Tribunal, tudo depende do tempo de resposta do próprio Tribunal, que pode ser amanhã, como pode ser daqui a uns meses. É muito difícil dar datas. Depois disso, então as pessoas e todos ligados ao partido podem ter o plano para comunicar e lançar e concorrer a eleições. Até lá, é sempre mais difícil, obviamente. Primeiro, tem de ter esta parte [concluída], é o primeiro passo. Tem de aprovada, obviamente. Neste momento, ainda está numa fase muito, muito embrionária.
Pedro Girão, médico e vice-presidente do (ainda) PURP, futuramente ATUA. Foi em Abril de 2023 que foram eleitos os novos órgãos sociais do partido, que conta com Bruno Monarca como secretário-geral. (Foto capturada a partir de vídeo da Plataforma Cívica Cidadania XXI)
Tens defendido, sobretudo desde 2020, os direitos humanos, os direitos civis, a democracia. Porque os países ocidentais, incluindo Portugal, tiveram um retrocesso no nível de democracia. Houve um aumento forte de mecanismos de censura, a aprovação de leis que vêm limitar e condicionar a liberdade de imprensa. Houve violações de leis fundamentais, já comprovadas também por tribunais, e a violação dos direitos dos cidadãos. És uma pessoa tem sido uma voz em defesa da democracia. Entendes que a democracia está em risco?
Está, neste momento. Está paulatinamente a perder liberdade. A censura tem sido sempre um pretexto para “proteger” as pessoas de desinformação ou para “proteger” as pessoas de notícias falsas. Têm, sucessivamente, criado mecanismos de censura, seja nas redes sociais, seja nos órgãos de comunicação social, em Portugal e lá fora. E vemos a tendência daquilo que se passa lá fora e nos Estados Unidos. Tem sido publicado e tem sido debatido. Infelizmente, aqui nem se fala no tema na nossa comunicação social, da censura e da pressão de governos para censurar jornalistas independentes e pessoas comuns, médicos ou outros que tenham uma opinião divergente daquilo que é a política do governo. Isto é extremamente grave. Está-se a verificar também cá, ao longo do tempo. Muitos dos que falavam que eram contra a censura no tempo da ditadura, antes do 25 de Abril. Hoje, vemos isso a acontecer e parece que está tudo a amorfo relativamente a uma sucessiva censura e de pressão, seja nos órgãos de comunicação, seja até nas pessoas comuns, nas redes sociais.
Em Portugal, tem estado na ordem do dia a crise no nos media, com o Grupo Global Media no centro, Mas também a Trust in News, que é a dona da Visão. A própria Impresa, que também não tem as suas contas muito famosas. Mas tem havido também algumas vozes a tentar puxar para que haja um apoio dos contribuintes ao setor dos media, dizendo que a apoiar os grupos grandes grupos de comunicação social, está-se também a defender o jornalismo e a democracia. Tens essa visão, de que os grandes grupos de comunicação social têm estado do lado da defesa da democracia e do jornalismo?
Não, pelo contrário. Opomo-nos totalmente a qualquer tipo de apoio, seja subsídio, seja em geral, a qualquer empresa privada, seja ela qual for, especialmente da comunicação social. A partir do momento que o Estado e que os governos apoiam a comunicação social, estamos a pôr a mão da comunicação social ligada ao poder e ao Estado. É exatamente o oposto. Jamais o Estado deve intervir ou apoiar e financiar qualquer órgão de comunicação social. E nisso opomos totalmente, assim como nos opomos a qualquer outra empresa privada ou pública. Especialmente, nessa situação, é uma situação muito perigosa. É o oposto. Financiar e estar a apoiar os media, numa ideia de estão em dificuldade e que precisam de apoio, estamos a pô-los na mão do poder que está instalado, num determinado momento. Isso é um perigo para a democracia.
Mas eles já não estão, de certa forma, na mão?
Já já estão. E vamos pôr ainda mais, se vamos ainda dar mais apoio. É ainda por mais na mão do poder que está instalado. Isso é um perigo. Opomo-nos linearmente a qualquer tipo de apoio que o Estado possa ter em empresas privadas.
No entanto, num país como Portugal, que sabemos que têm poucos leitores e são poucas as pessoas que pagam para ter acesso a informação, como é que pode sobreviver o jornalismo? Não só em Portugal. As pessoas estão a começar a estar habituadas a ter acesso a conteúdos gratuitos – pensam elas que são gratuitos, porque normalmente isso implica ceder dados. Como é que o jornalismo pode sobreviver?
Tem de se reinventar. Tem de sobreviver no mercado, tal e qual como outro privado. O jornalismo tem de mudar. Há uma tendência crescente de jornalistas independentes que conseguem, através das redes sociais, através do Twitter, através de outros [meios e plataformas] financiar-se. Os órgãos de comunicação vão ter de se reinventar. É a lei do mercado. A partir do momento que há uma mudança do paradigma, vão ter de se reinventar. Não é um Estado “papá” que vai ter de ajudar e vai ter de meter a mão nos media para os manter. São eles que vão ter de mudar a forma de estar. Hoje, apoiados pelo Estado [publicidade estatal, apoio em 2020, parcerias comerciais], são uns media de agência, basicamente em que fazem copy-paste uns dos outros. O resultado é o que temos à vista. Se estão nesta situação, vão reinventar-se.
E, nesta altura que estamos praticamente em campanha eleitoral, vemos que os media têm de facto um papel muito importante naquilo que é a difusão de informação de todos os partidos e na imagem que a opinião pública pode ter determinados líderes. Qual é a tua posição relativamente àquilo que tem sido o trabalho dos mass media em divulgar informação dos pequenos partidos?
É inexistente. Os media preocupam-se com os partidos que têm assento parlamentar basicamente e, nomeadamente, os dois principais – PS e PSD. E, agora, o Chega, que é um bocadinho mais popular e que os media lhe põem toda a atenção em cima. Mas tudo o resto, aos media não lhes interessa. Até porque ainda não existe a cultura cá em Portugal, infelizmente, de política de actuação cívica, de olhar também para as outras propostas e para os outros pequenos partidos. Obviamente, os media não dão cobertura ao aparecimento de novos partidos.
Isso também afecta a democracia e a possibilidade de haver maior diversidade de ideias e o maior debate de ideias.
Afecta, porque as pessoas confiam ainda muito na comunicação social, naquilo que dá na televisão e naquilo que aparece na televisão. E se aumentarmos a idade, as pessoas não conhecem a outra realidade, não conhecem outras propostas, não conhecem quem possa apresentar outras soluções ou até ideias para debate, para o público, que devia acontecer e que não existe. E depois, ainda por cima, como quem financia os media são os partidos que estão no poder [publicidade estatal, parcerias comerciais, apoio em 2020], obviamente a tendência dos media é dar atenção aos partidos que estão no poder e vão jogando entre um lado ou outro e obviamente nunca dão atenção. Portanto, é “uma pescadinha de rabo na boca”. Sei que isto é muito difícil, mas aquilo que é a nossa posição em muitos temas. Apoiar privados e a comunicação social, nem pensar. É um perigo.
Há temas que estão na ordem do dia, como a crise na Habitação, na Saúde. A eterna crise no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Todos os anos, no Inverno, temos um pico e temos um problema no SNS, que está sempre em ruptura. A cada pico de doenças do foro respiratório…
E todos os anos parece uma novidade e todos os anos parece uma novidade.
(Foto: PÁGINA UM)
Mas, começando pela Habitação, têm propostas? Qual é a vossa visão relativamente à situação que se existe em Portugal, em que um português com um salário mínimo ou até com um salário médio dificilmente tem acesso, hoje, a habitação, seja por via da compra, seja pela via do arrendamento, sobretudo quando falamos nos grandes centros urbanos.
Não somos nem socialistas, nem de esquerda, nem direita, nem populistas. Portanto, ações populistas de o Estado mexer nas rendas ou actuar sobre os preços, nem pensar. Lá está, novamente, caímos sempre no mesmo erro. Pois surge-nos o problema e depois “ai ai ai” – é preciso fazer alguma coisa. E, depois, vêm com estes remendos, que é para piorar ainda mais a situação. O grande problema da Habitação é que Portugal está inserido no mercado internacional. Há uma procura por imobiliário, por casas cá em Portugal e isso faz aumentar os preços. Mas o problema não é o aumento dos preços das casas. O grande problema é que os portugueses há décadas – e já estamos a falar de décadas, não é anos – estão estagnados a nível de crescimento. Os portugueses, pouco ou nada têm aumentado os rendimentos nas últimas décadas. O rendimento dos portugueses não acompanhou o aumento do preço das casas. Este é que é o grande problema. O problema está muito antes do que é o preço. Quando falamos do preço das casas, estamos já no fim do problema. Vamos fazer o que é costume. Vamos andar a fazer remendos. O problema está na criação de riqueza e está no facto de que os portugueses não crescem. Infelizmente, é muito devido ao papel que temos do Estado, que é o principal elemento que bloqueia o crescimento em Portugal através de impostos, taxas, burocracia e todo o conjunto de problemas e toda a estrutura que cria ineficiente à volta de todos os portugueses. Isso prende-nos a esta situação e vamos continuar a viver assim, cada vez mais do Estado e de uma situação grave destas que é um português comum não conseguir comprar uma casa. Vai ser muito difícil comprar uma casa devido ao facto de estarmos sempre a fazer estes remendos e não olhar para a raiz dos nossos problemas.
Como é que se pode resolver isso? Ou seja, como é que os portugueses podem ter acesso… O que é que o vosso partido vê que é possível ajudar os portugueses que estão com dificuldades, sobretudo as muitas famílias que não têm acesso à habitação?
Qualquer solução populista, ou qualquer solução de cortes de rendas ou no valor das rendas ou mexer nos contratos de rendas ou créditos bonificados com o apoio do Estado, qualquer situação que se possa criar, não vai resolver o problema. Vai atenuar durante um período curto para piorar ainda mais. Para o futuro, a única solução possível, é cortando naquilo que são os impostos e o peso que as pessoas têm todos os dias. Porque as pessoas não têm noção. A maior parte dos portugueses está metade do ano a trabalhar para o Estado e, só depois a outra metade está a trabalhar para si própria. E enquanto nós não conseguimos mudar isto, enquanto isto não deixar de estar estagnado, não há solução. E, às vezes, é difícil porque isto não é populismo, porque populista era dizer que a solução é cortar nas rendas e resolver o problema das rendas. Ou dizer que vamos aumentar o salário mínimo já para 1.200-1.500 euros, para 2.000 ou 3.000 euros. Todos falam em aumentar o ordenado mínimo como se fosse a solução. Não é solução, não vai resolver o problema das pessoas.
Até porque esse aumento de salários vai implicar também maior carga …
E desemprego diretamente. Portanto, é das tais soluções populistas. Todos falam o óbvio, o que todos nós … Eu gostaria de dizer aos portugueses: vamos todos ganhar 2.000 euros ou 3.000 euros por mês. Era fantástico. Eu adoraria poder dizer isso, mas não é assim, não é por decreto que as pessoas vão ter um aumento, rendimentos. Impossível. É por facilitar-lhes a vida e dar-lhes a liberdade de poder escolher, poder lutar pelos seus objetivos e não terem uma carga fiscal e um Estado burocrático em cima. Só assim é que os portugueses vão conseguir ter, ao menos, rendimentos para o futuro. Não há outra hipótese.
O que defendes é, no fundo, um aumento do rendimento das famílias por via de menor carga fiscal, menores custos com questões burocráticas.
Custos e peso burocrático! Porque o peso burocrático não é só na questão do custo e dos impostos. É todos os bloqueios que cria aos empresários e toda a estrutura que existe, neste momento. Não é um problema só português. Na Europa também é um problema. Mas, em Portugal, também somos óptimos a amplificar os problemas lá de fora. Não é uma solução a curto prazo, não é um resultado imediato. Podíamos ir por populismos e por dizer às pessoas “olha, a solução é esta”. Não há soluções milagrosas, são soluções que levam tempo. Mas aquilo também podemos dizer às pessoas, é que quanto mais tempo demorarmos a fazer uma mudança, pior ainda para o futuro, porque vamos estar a criar sempre remendos e ter um problema ainda maior ainda no futuro.
Fernando Loureiro, fundador do PURP (ao centro), e cabeça de lista do partido nas Europeias 2019. (Foto capturada a partir de imagem da RTP/2019)
Entendes que essas medidas a serem implementadas iriam poder ser um incentivo para reter jovens e travar a fuga de “cérebros” que tem acontecido?
Não vai ser logo, no imediato. A libertação de carga fiscal e de peso do Estado não é imediata. Porque, obviamente, os jovens precisam de ver, ter objetivos também a curto prazo. Mas sim. Depois, acredito – e acho que é importante que as pessoas saibam – que, com crescimento e com perspectivas de futuro, os jovens deixam de fugir e ter que olhar lá para fora para sobreviver. A realidade é esta. Os jovens cá, infelizmente, – e dada a situação actual –, vivem em casa dos pais até aos 20 e tal, 30 anos, qualquer dia até aos 40 anos, porque a realidade é esta. Eles não têm rendimento sequer para conseguir viver, na grande maioria, com uma casa própria e conseguir auto sustentar-se. Não conseguem. A única solução é olhar lá para fora. Porquê? Porque é muito difícil, hoje, começar uma carreira. Muito difícil. E – lá está –depois, cria-se subsídios e às empresas para contratar jovens, mas isto não é a solução, nunca vai ser a solução.
Tem havido manifestações pelo direito à Habitação em várias cidades. O que parece estar subjacente é de estarem a ser pedidos apoios e subsídios à habitação, o acesso à habitação, através de mecanismos públicos. O vosso partido o que defende é que não é essa via. Deve resolver-se o problema um bocadinho mais…
Muito antes. Num caso extremo, até Hitler prometeu casa e carro para todos os alemães. Quer dizer, todos podem prometer. Todos podem prometer mundos e fundos. A situação da maior parte das pessoas, é uma situação muito difícil. A primeira solução de pedir apoios é sempre a solução mais fácil, só que não vai resolver o problema das pessoas. Vão ficar cada vez mais presas a um problema, sem perspectivas de crescimento e com um problema no futuro ainda maior. Não é por aí e nunca iremos ir por populismos ou ações populistas que sabemos que à partida nunca irão resolver o problema das pessoas. Nunca.
Também se tem falado de aumentar o rendimento das famílias por via de haver uma espécie de rendimento básico universal ou algo do género. Contemplas uma solução dessas, a nível europeu, que possa beneficiar também os portugueses?
Nem pensar. Essa é das tais ideias que nos parece muito bonita e utópica. Ter um rendimento que cai na minha conta todos os meses. Parece uma coisa fantástica. Mas isso é tornar as pessoas ainda mais escravas do sistema actual. O vai acontecer é que, depois, isso gera outros problemas a seguir. Parece resolver um problema à partida. Poderá resolver a questão burocrática do próprio sistema actual de Segurança Social, parte desse problema. Mas não vai resolver problema nenhum. Vai tornar as pessoas cada vez mais escravas ainda do sistema de apoios do Estado.
E debilitar a democracia, eventualmente.
Exatamente. Depois, as pessoas que estão no poder, vão ter sempre os votos garantidos das pessoas que vão estar sempre dependentes deste sistema. Isto é “uma pescadinha de rabo na boca” e nunca vamos sair disto, se continuarmos a apoiar e continuar a falar de ações dessas, que são utópicas e que vão criar uma escravatura da população atual, mas mais ainda nas gerações futuras. Portanto, isso nunca vai resolver o problema.
Tem havido protestos, nomeadamente das forças policiais, mas também houve protestos de professores e auxiliares. Entendes que é preciso uma mudança em diferentes áreas, em Portugal, e que já chega desses remendos? Como é que vês estes protestos?
São legítimos porque a situação dessas pessoas, em geral, é precária. No caso da polícia, da PSP, da GNR, é uma situação difícil para aquilo que a responsabilidade que têm. É uma situação muito precária. Aliás, normalmente estas pessoas têm poder até acho que devem ganhar bem. Mas, ao mesmo tempo tem haver escrutínio. Quem tem cargos de poder e quem tem cargos de autoridade tem de ser altamente escrutinado. Porque não são cidadãos comuns. Há um problema de rendimentos com estas pessoas. Mas têm de ser altamente escrutinados e muito bem selecionados para este tipo de cargos.
No caso da Educação, como o vosso partido vê a questão das problemáticas que têm sido levantadas e os protestos que ocorreram durante vários meses?
O problema da Educação é que está muito dependente do Ministério da Educação e de toda a doutrina que está criada. Depois vivemos um tabu. Pensamos que a educação tem que ser a imagem actual pública normal do Estado e não podemos olhar para outros meios ou outras formas. E há outras formas. É tema tabu, em Portugal. Porque não temos um sistema privado que até pode sair mais barato ao Estado pagar a educação, e que as pessoas possam escolher. Isso é que é importante, dar autonomia às pessoas para escolher as escolas. Para onde vão os seus filhos. E o Estado pagar essa escola, pode ser mais barato do que ter a estrutura toda, o “monstro” que tem, desde o Ministério da Educação à própria educação atual.
O PURP em campanha para as eleições europeias de 2019. (Foto capturada de reportagem da RTP)
Mas sentes que esse é um tema tabu?
É um tema tabu. Não se pode mudar neste tema porquê? Porque, obviamente, depois existe um conjunto de interesses. Porque os professores, infelizmente, estão na mão, dentro do Ministério da Educação …
Iriam perder votos se avançassem com esse tema…
Iriam perder votos, obviamente. Óbvio. Porque é uma alteração muito grande e que deixam também aos professores incertezas. É normal. Porque é uma mudança, causa incerteza e desconforto. Mas, se vamos continuar tal e qual como está… E achamos que é só um bocadinho de aumento de salário aqui, uma atualização ou uma regalia ali, que vai resolver o problema. Não vai resolver o problema. E, enquanto não discutirmos a fundo reformar, seja a Saúde, seja a Segurança Social, seja o sistema de educação, nunca mais vamos…
Sair disto… O que é certo a elite, incluindo política, os líderes políticos, têm os seus filhos a estudar em colégios privados e no ensino privado.
Claro, claro. Aliás, vemos isso, seja na Educação, seja na Saúde. Assim que uma família ou uma pessoa individual, seja quem for, tem a possibilidade de poder pagar – mesmo continuando a pagar os impostos, que paga ter a possibilidade de pagar saúde ou educação privada – vai para o privado. É logo a primeira opção que faz. Portanto, reparem nisto. Estamos a pagar uma estrutura brutal. À primeira oportunidade que um português tenha de poder pagar o ensino privado ou uma educação privada, foge logo. Foge do ensino ou da saúde pública. Criámos um monstro e não queremos reformar.
Não se assumindo, acaba por ser quase uma sociedade de castas, em que uma casta tem acesso a determinados serviços de uma qualidade superior porque têm meios financeiros e, depois, tens toda uma outra casta inferior, que não tem meios financeiros e, portanto, não tem acesso à habitação, não tem acesso a saúde com qualidade ou ensino com qualidade. O SNS também tem profissionais com enorme qualidade, que depois não tem …
São os serviços. Os serviços não funcionam. Mas, a partir do momento que temos o SNS como temos, e o sistema de educação como temos, atualmente… O que tem de se tentar é dar a possibilidade às pessoas de poder escolher.
Escolher o serviço.
Quando digo privado, estamos a falar de possibilidade e de algo que deve ir a discussão pública. Mas, mesmo que seja privado, não estamos a falar aqui de contratos com privados, com a escola. Não. As pessoas têm de escolher e têm e podem escolher entre as escolas, não é com contratos de parcerias público-privadas, em que estou a dar garantias a um privado. É as pessoas poderem escolher e o Estado, em vez de ter a estrutura… Sai mais barato e já se fez essas contas e sabemos que sai mais barato.
Portanto, o vosso partido ATUA defende é que haja esse debate, ou seja, que haja esse debate em torno de haver uma mudança profunda naquilo que tem sido a forma de termos o sistema de ensino e do Orçamento de Estado, que é aplicado a várias áreas, incluindo não só na Educação, mas também a Saúde.
Sim.
Na Saúde, como é que o vosso partido vê estas crises constantes no SNS? É típico, já é sazonal. Chegamos ao Inverno, no pico das doenças do foro respiratório, e há sempre as notícias com os hospitais a abarrotar, as filas de espera, pessoas a falecer nas urgências. Há uma solução?
Continuamos sempre a olhar para o para o problema e depois temos o problema nas nossas mãos. Os hospitais estão cheios de pessoas e temos problemas com as camas e há falta de camas. E o problema repete-se durante anos, durante décadas. Sempre foi assim todos os anos, e todos os anos parece que é sempre uma novidade. De facto, aqui a solução não é fácil, mas só é dando a possibilidade … Reparem numa coisa: isto bate no outro problema, que é outro dos grandes problemas, porque cada vez temos mais … Cada vez há mais gastos e a estrutura, seja da saúde, seja da Segurança Social, seja de educação, é enorme. Existe aqui um outro problema, que é, para onde é que vai esse dinheiro, o dinheiro público, daquilo que é para os hospitais públicos. Sabemos de situações sobre os ajustes directos e concursos públicos. Por essa gestão ser pública, e por acreditarmos que ser uma gestão feita por privados é mais eficiente do que por públicos… Grande parte dos recursos que são gastos, através dos hospitais e do Estado, são logo gastos. O dinheiro é gasto de forma ineficiente e leva a que o Estado e os hospitais a terem muito menos recursos do que aquilo que têm, atualmente.
(Foto: PÁGINA UM)
Há muito desperdício e desorganização?
Há imenso, imenso. Seria bom fazer uma auditoria global àquilo que são as contas da saúde, aquilo que é gasto. Porque, o que estamos a falar é de um conjunto de pessoas, muitas delas infelizmente ligadas a governos, opções governamentais, que estão ligadas ao Estado e que é gerido desta forma, e que não é a mesma coisa que gerir com o seu próprio bolso. É totalmente diferente. A partir daí, as ineficiências acumulam-se. Temos um gasto brutal em saúde, continuamos a gastar na saúde, imenso, e continuamos a ter cada vez pior serviço.
Não se investe tanto nos meios humanos, se calhar.
Gastamos cada vez mais em saúde e estão a abrir cada vez mais privados e as pessoas a fugir o mais possível do público. E os privados estão cheios. Isto vai-se agudizando ainda mais. Temos um SNS cada vez mais gigante, com um gasto brutal, cheio de problemas e um privado a crescer cada vez mais. E nós, a pagar, como cidadãos, logo dos dois lados. Estamos a pagar um serviço SNS nem uso ou nem usamos, porque depois que vamos ao privado porque não queremos estar à espera e não queremos ter um serviço que temos no SNS. Isto é dramático.
Estamos a pagar os dois lados, portanto o que defendem é que haja também um olhar para esta ineficiência.
Fundamental. E não algo populista de falar contra a corrupção, porque todos falam contra a corrupção há décadas, mas a corrupção é um problema claro e evidente que temos, pelo facto de o Estado ter o poder e estar metido em tudo. Logo, isso dá azo a que haja pessoas que se aproveitam dessa situação para benefício próprio. Mas a corrupção é um problema, a falta de escrutínio, a falta de avaliação. Ainda por cima, com os media cada vez mais dependentes do Estado e que se demitiram daquilo que faziam antigamente, que era o jornalismo de investigação, que morreu em Portugal, deixou de haver. Estamos a falar de um conjunto de problemas … Se formos ver todos os outros partidos, ninguém aborda estes problemas, mesmo que não seja popular, haja solução, mas nenhum aborda.
Um relatório recente apontou que Portugal desperdiçou dinheiro em testes durante a pandemia. Mas há também o caso da compra de milhões de euros de um medicamento, o Remdesivir – e poderíamos mencionar outros, patrocinados por médicos, os quais têm ligações à indústria farmacêutica. São medicamentos, que depois vão para o lixo, ou pior, que acabaram por prejudicar portugueses, nomeadamente com resultados fatais, quando deveria ser o contrário.
E a comunicação social a chamar essas pessoas [médicos pagos por farmacêuticas]. Não fazem a devida [verificação]. As pessoas podem dar opinião que quiserem, mas os media – ou as próprias pessoas que lá vão e que dão a sua opinião acerca de medicamentos onde gastamos milhões… Qual foi a utilidade da quantidade de testes que fizemos? Mas aquilo que se gastou dava para abrir vários hospitais. A própria comunicação social nem a advertência faz de que aquela pessoa que pode dar a sua opinião, mas que recebe, seja pela sua consultoria, seja pelo que for, recebe dinheiro dessas farmacêuticas, e está a dar uma opinião favorável desse medicamento.
Portanto, em alguns especialistas, não houve a devida declaração de interesses que trabalhavam também para farmacêuticas.
Claro que não. Se publicarem um estudo científico, por obrigação têm de pôr no estudo uma declaração de conflitos de interesse. E devem pôr, tal e qual, nos media. Não sendo um estudo, deviam dizer: “atenção, esta pessoa recebe”. É impossível ter uma opinião isenta, não é?
Entendes que os portugueses iriam ver certos “especialistas” com outros olhos se os media divulgassem para que farmacêuticas é que eles também trabalham?
Criava desconfiança e não era o que queriam que se criasse. Porque também se viveu um ambiente de narrativa única e de discurso único durante esse período de tempo [pandemia].
Mas depois, isso levou também estas ineficiências e estes gastos que …
Brutais. E muita coisa que aconteceu nesse período – na saúde ou fora da saúde – que se deixou de ver. O gasto foi enorme, mas na saúde, então nem se fala. Estamos a falar de testes e de outras coisas que se fez sem qualquer avaliação. Não houve qualquer avaliação sobre o que se passou e, no entanto, sabemos…
Conferência de apresentação do PURP, na sua fundação, em Julho de 2015. (Foto: D.R.)
Temos que haver essa investigação aprofundada, até para se tirar ilações e lições para o futuro do que aconteceu em Portugal, como está a acontecer até noutros países? Deveria haver essa investigação mais detalhada sobre o que é que aconteceu em Portugal, para onde é que foi o dinheiro, quem ganhou, quem lucrou? Até porque temos um problema que é o elevadíssimo excesso de mortalidade, que mostra que a gestão da pandemia em Portugal, ao contrário do que se tem vendido, foi um redondo falhanço.
Foi e continua. Temos tido excesso de mortalidade, ao contrário do que os próprios media… No início, diabolizaram, e depois deixaram de falar, do país que teve menos excesso de mortalidade, que foi a Suécia, que, [em geral], não fez confinamentos, não obrigou a uso de máscaras, nem nada disso.
Mas os portugueses nem souberam disso…
Para eles, sabem o que ouviam dizer, no início, que morreram muitas pessoas na Suécia. Morreram naquilo que os suecos imitaram, aquilo que nós também fizemos e que não há, até hoje, nenhuma investigação sobre isso – ouviu-se falar de Reguengos –, que foi o que aconteceu nos lares. Muitas pessoas morreram nos lares. A grande parte da mortalidade foi nos lares, na Suécia, tal e qual como em Portugal, foi nos lares, só no início, de pessoas que morreram – como ouvimos no caso de Reguengos – com desidratação, com escaras. Foram isoladas nas camas e não tinham pessoas suficientes para tratar das pessoas, por causa das baixas que tinham com testes positivos, na altura. Nunca houve investigação sobre isto. Nunca houve sobre nada. Morreram imensas pessoas, morreram imensos idosos em situações que nós nem imaginamos. Se estivermos a falar dos muitos lares ilegais que existem em Portugal, sem terem pessoas para tratar deles, completamente abandonados… Mas claro, o rótulo de morte covid deu muito jeito para escamotear também muitas situações gravíssimas que aconteceram nos lares. Claro que isso não é tema, é tabu. Ninguém quer abordar esse tema porque correu muito mal e há muitos responsáveis por essa situação.
Portugal está com enorme excesso de mortalidade e não está a ver a devida investigação. O Ministério da Saúde anunciou, já há um tempo, que iria fazer uma investigação sobre as causas deste excesso de mortalidade. Mas, o que é certo, é que não vemos nada e, nos media, o que vai saindo, também acaba por não ser muito elucidativo. Era importante perceber o que é que aconteceu, até porque muitos portugueses deixaram de ter acesso a poder fazer diagnósticos a determinadas doenças, portugueses fugiram dos hospitais. A própria Direção-Geral da Saúde aconselhou a isso mesmo. Era importante perceber o que está a acontecer e ajudar os portugueses a perceber para travar o que continua a causar este excesso de mortalidade?
Era importantíssimo. Mas isso vai levantar… Ninguém quer pegar nesse tema. Vai levantar imensas responsabilidades. Muitos agentes que estiveram envolvidos, desde a comunicação social, pelo papel que teve nalgumas situações, muito negativo, relativamente a esses temas e relativamente ao Estado e às autoridades, durante esse período de tempo. Porquê? Porque houve muitas pessoas que deixaram de ter acesso a saúde, ao contrário do que muita gente diz, durante o período da pandemia, ou em termos de afluência às urgências. Esteve muito abaixo do normal. As pessoas deixaram de ir ao hospital por medo, por “n” razões.
Então que dizer que não se quer saber, não se quer investigar agora por uma questão política. Ou seja, está-se a fazer uma gestão política para tentar esconder um bocadinho…
Está. Ninguém quer falar. Se calhar, é preferível – e já tem acontecido – pôr a responsabilidade do excesso de mortalidade nas alterações climáticas. É muito fácil, pronto. É um argumento. É um argumento vazio, completamente vazio. É mais fácil de fazer do que pôr a mão na massa e perceber exactamente o que se passou. Porque o que se passou, especialmente naquilo que aconteceu nos lares…
Em vez de identificar responsáveis por…
… Que foi investigado lá fora e que sabe que se passaram coisas muito graves nos lares. Aqui ouvimos a tal história Reguengos, porque houve uma médica que teve a coragem de dizer e de contar o que se tinha passado. Eu imagino os casos e a multiplicação de casos que levou à morte de milhares. Estamos a falar de milhares de idosos.
E, em Portugal, também têm estado a ser escondidas bases de dados que poderiam facilmente… Era possível saber, com pormenor. do que é que estão a morrer os portugueses. Como é que vês isso? Como sabes, o PÁGINA UM tem ações em tribunal para forçar o Governo, o Ministério da Saúde, a permitir o acesso a essas bases de dados. Elas deveriam ser facilmente acessíveis, visto que os dados são anonimizados. Como é que vês essa manipulação, que está a haver de se esconder informação que deveria estar acessível?
É gravíssimo. Vai tocar naquele ponto que falámos da falta de escrutínio que existe e que isso nem devia ser discussão.
Mas é uma gestão política…
Essa informação devia ser automática e pública. É anonimizada. Não tem dados pessoais das pessoas, devia ser uma informação pública, seja para investigação jornalística, seja para investigação científica, seja o que for ou até um cidadão comum. Vão dar sempre a desculpa, que é só para determinadas pessoas deverão ter acesso, a tal questão do especialista que deve aceder àquilo. Estamos a pôr nas mãos só pessoas que interessa ter acesso a essa informação para não haver o escrutínio. O escrutínio do Estado deve ser uma coisa automática, livre, e nem sequer deve ser discutida. Aquilo que vocês têm feito, e bem, não deviam sequer ter de estar a fazer. O trabalho devia ser uma coisa automática. Qualquer jornalista devia ter acesso aos dados públicos anonimizados na mortalidade. Isso tem de ser sistemático, porque, ao não darem, é crime. Isso para mim é um crime, porque o Estado está a abusar do poder que tem.
O futuro do PURP está nas mãos do Tribunal Constitucional, que está a analisar o pedido para a alteração dos estatutos do partido, da sua denominação e símbolo. (Foto: D.R.)
És dos poucos líderes partidários a quem podemos fazer esta pergunta, sabendo que estás perfeitamente a par do que é que tem estado a acontecer. A pandemia foi aproveitada como uma oportunidade para haver mais restrições e mais censura. Uma das medidas que tem estado a ser discutida e que tem sido bastante controversa é a das alterações ao Regulamento Sanitário Internacional, junto com a criação do chamado Tratado Pandémico. Poucos portugueses conhecem o que está a ser discutido. Teme-se que esteja a ser criada uma estrutura dando poderes à Organização Mundial de Saúde para que nenhum país possa fazer o que a Suécia fez, que foi aplicar as suas próprias medidas independentes das decisões ou de estruturas internacionais ou de políticos. Como é que vês estas alterações que estão a ser discutidas e o facto de em Portugal não estar a haver debate? Portugal está a alinhar completamente com essas alterações.
Sempre o que era de esperar. Estamos a falar de organismos e de políticas de pessoas não eleitas. Logo aí, à partida, é uma violação total daquilo que é o princípio democrático e o princípio de uma sociedade livre, de facto.
E há uma ressalva. Porque o líder da OMS tem vindo a tentar “pôr água na fervura” e dizer que não está em causa a soberania, mas fala na questão do Tratado Pandémico, o que nós estamos a falar é das alterações ao Regulamento Sanitário Internacional que, em conjunto com o Tratado Pandémico, aí é que está o risco, e daí haver essa polémica e controvérsia.
Claro. É poder aplicar aquilo que tentaram fazer durante este período [pandemia de covid-19] de uma forma ainda mais eficiente, com todos os conflitos de interesse.
Mais eficiente, mas não para a saúde..
Dentro daquilo que é a perspetiva deles – que é absurdo – de uma doença futura que nem sequer sabe qual é, como vai se comportar. Nada. Zero. Como também não sabiam desta, não sabiam minimamente. Com um conjunto de medidas que todas elas tiram liberdades, garantias às pessoas.
E terão alguma proteção na saúde ou não o irão fazer com que países, como, por exemplo, a Suécia, que deixem de poder fazer…
O objetivo é poderem controlar. Lá está, ainda por cima, seja líder da OMS, seja outro, por pessoas não eleitas, pessoas com os seus devidos conflitos de interesse. Porque não são anjos, nem são puros. Há muitos interesses, obviamente. Mas é preciso que as pessoas saibam isto: a Organização Mundial de Saúde é financiada por privados. Não é totalmente isenta.
Os portugueses têm noção do que é a Organização Mundial de Saúde, como é financiada?
Não têm. Infelizmente, não têm. Infelizmente não é falado. Há de vir o órgão de comunicação social que tenha falado nos últimos três anos daquilo que tem sido o financiamento da…
Porque é que achas que existe de facto esta indisponibilidade para falar sobre estes temas de forma aberta?
Se a própria comunicação social é financiada, no caso da pandemia, para ter um determinado discurso e para ter uma determinada posição, é óbvio que nunca vai abordar esses temas. Vai continuar a fazer o mesmo trabalho de sempre. É aquilo que é financiado, é aquilo que é apoiado e vamos falar sobre este tema. “Vamos apoiar uma determinada narrativa e vamos abafar tudo o que seja o resto, porque não nos dá jeito” – infelizmente, esta é a realidade da comunicação social, hoje.
Havendo uma aprovação daquilo que tem estado a ser debatido na OMS, porque ainda não está fechado, das alterações ao Regulamento Sanitário Internacional junto com o novo Tratado pandémico, estamos ou não perante uma grave crise, uma grande ameaça às democracias ocidentais?
Estamos. É mais uma. Mais um grave problema que temos e uma ameaça à democracia por aquilo que implica, em termos de autonomia e liberdade das pessoas, pela violação total daquilo que são os princípios dos direitos humanos, inclusive.
E a capacidade dos países de gerir crises sanitárias de acordo com aquilo que é…
Autonomamente. Acho que é a ideia é que todos juntos fazemos melhor, quando vimos, perfeitamente, no que isso deu, muitas vezes.
Mas faz sentido haver uma coordenação ou colaboração. Agora, é diferente de haver uma imposição.
Claro e, neste caso, o objetivo é ter uma imposição e por um órgão não eleito. Não elegemos. Estamos a falar de organismos não eleitos.
O vosso partido está disponível também para defender e trabalhar nestas áreas da defesa dos direitos civis, da democracia, neste âmbito Internacional?
É a base fundamental deste partido. Aliás, opomo-nos a tudo o que seja ideias de federalismo europeu. Apoiamos aquilo que é a União Europeia, aquilo que foi a sua base, que era a livre circulação de bens e pessoas, de serviços, o Tribunal Europeu, naquilo que era a base e não o monstro burocrático em que se tem tornado a União Europeia e que perigosamente estamos a caminhar a mesma coisa com organismos internacionais. Não apoiamos entidades supranacionais com poder sobre as pessoas. Queremos defender a autonomia do indivíduo e a liberdade do indivíduo. E essas entidades são uma ameaça à liberdade de cada um de nós.
Pode consultar AQUI a página do PURP, a qual está em reconstrução.
Assumiu a presidência da Iniciativa Liberal em 2023, sucedendo no cargo a João Cotrim de Figueiredo. Aos 53 anos, Rui Rocha é o rosto do liberalismo em Portugal. Licenciado em Direito, gestor e antigo ‘enfant terrible’ no Twitter, o presidente da Iniciativa Liberal acredita num crescimento no partido nestas legislativas, fruto do descontentamento dos portugueses perante os casos de corrupção e degradação das condições de vida no país. Atacando o ‘barulho’ do Chega na campanha eleitoral, aponta o caminho para melhorar a vida dos portugueses, que passa por ‘menos Estado’ em diversas áreas. Esta é a sexta entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE RUI ROCHA, PRESIDENTE DA INICIATIVA LIBERAL, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
É um político relativamente jovem, e está num partido que também é relativamente jovem. Há muitos desafios nesta altura, não só no país, e desafios que são conhecidos, como a crise na Habitação e na Saúde, mas temos também problemas estruturais que já vêm de trás. Como um partido jovem, a Iniciativa Liberal tem trazido propostas diferentes do habitual. E começo a entrevista por aqui: quais são algumas das principais propostas que têm para os portugueses nestas eleições?
Eu concordo que a Iniciativa Liberal [IL] tem propostas diferentes, muito diferentes mesmo, daquelas que outros partidos apresentam. A primeira proposta é mesmo a do crescimento económico. Para a IL, o crescimento económico é determinante, e nós, sem entrar ainda no detalhe, vemos que o primeiro passo para esse crescimento económico passa por duas áreas fundamentais: primeiro, a descida de impostos para as pessoas, e uma descida significativa no IRS – a mais ambiciosa que os partidos políticos põem sobre a mesa é nossa.
(Foto: D.R.)
E, depois, uma outra parte virada para as empresas, onde temos uma abordagem que passa pela simplificação dos licenciamentos de actividade, a eliminação ou redução daquelas taxas e taxinhas e as burocracias e mesmo as taxas que se pagam. E ainda uma terceira, que diz respeito ao próprio IRC e às derramas, também com uma descida significativa. Porque propomos isto? Porque entendemos que este é o primeiro passo – não é o único, mas o primeiro passo – para que consigamos, por um lado, que as empresas portuguesas cresçam. Isso é muito importante para nós, porque precisamos de mais produtividade, de mais capital investido, de mais é ciência, mais tecnologia, mais inovação. Isso faz-se libertando capital às empresas e precisamos de atrair capital estrangeiro, investimento estrangeiro que ajude também a produzir esses efeitos que pretendemos com o objetivo final é que os salários em Portugal cresçam, nomeadamente o salário médio. A única forma que conhecemos deste salário poder aumentar é com a economia a funcionar, portanto, isso é uma primeira prioridade. É uma abordagem muito ambiciosa da IL.
Depois, a área da saúde, e aí também nos distinguimos por ser a única proposta que implica uma reformulação estrutural do acesso à saúde. Aquilo que temos hoje, diria que há um sistema de acesso universal a listas de espera. A IL quer um sistema de acesso universal a cuidados de saúde, pondo a decisão no utente e não numa decisão pré-definida, nomeadamente pelo poder político. O utente, quando tem necessidade de um tratamento, consulta ou de uma urgência, deve decidir qual é o prestador que mais lhe convém: se é público, perfeito; se é privado, ótimo; se é do setor social, excelente. Mas é ele que sabe, ele deve saber qual é. A singularidade disto é que estamos a propor coisas que já têm provas dadas que funcionam. Funcionam na Alemanha, funcionam na Holanda. Queremos que o acesso à saúde dos portugueses tenha esse mesmo nível de qualidade e de rapidez que encontramos em países como esses. Isso implica uma reflexão sobre a função do Estado no que diz respeito à saúde.
Para nós, é uma mudança muito grande na forma de estar. Há uma mudança grande. O Estado deve ser financiador deste acesso, deve ser regulador, mas não tem de ser – nem deve ser – o único prestador. O objetivo final é que haja um acesso à saúde mais rápido, de maior qualidade para as pessoas, sem que elas paguem mais.
(Foto: D.R.)
Terminando – falando de alguns temas fundamentais neste momento –, temos também uma abordagem muito clara para habitação. São precisas mais casas em Portugal. Precisamos de mais casas e temos que trazer mais casas para a disponibilidade, para a oferta. Temos também uma proposta baseada em três pontos, que vou simplificar, que são os da celeridade nos licenciamentos… Mais uma vez, a burocracia. Esse é um ponto que está sempre presente nas nossas propostas: simplificação; desburocratização. A questão dos impostos também [está] muito, muito presente nas nossas propostas. Estamos a falar, sobretudo, de baixar o IVA da construção. Porque aquilo que se paga em IVA de construção, hoje, para determinados fins, é o mesmo IVA que se paga para a compra de um iate. Isso não faz sentido. Se a habitação é um bem essencial, não pode ter uma tributação de bem de luxo. A eliminação do IMT na aquisição de habitação própria e permanente… Por exemplo – que, infelizmente é um exemplo já mais comum – se comprar uma habitação por 250.000 euros, o IMT vale 7.000 e tal euros. Quando estamos a falar de comprar por de 300.000 euros, vale já 11.000 e alguns euros. Apesar de tudo, [é] um peso grande num momento em que as pessoas já estão a fazer um esforço para a aquisição de habitação. Esse, que é o imposto mais estúpido do mundo – nas palavras de António Guterres –, pois cá persiste passados 30 anos. É preciso eliminá-los também para baixar o custo da habitação.
Depois, uma coisa que nos parece elementar: justiça. Se a habitação é um bem essencial e se estamos num momento de crise, os devolutos do Estado, os edifícios do Estado, as habitações de que o Estado é detentor – que estão ou abandonadas ou não se sabe exatamente onde estão ou para que servem – deviam ser postos ao serviço das populações, permitindo que privados pudessem licitar esses devolutos do Estado e pudessem colocá-los à disposição de quem procura habitação, através de um sistema de renda acessível.
Aqui está o sumário de uma visão que é muito diferente da IL, daquela que todos os outros partidos apresentam para pontos essenciais da vida dos portugueses.
Em resumo, também há aqui menos Estado. Há aqui um tentar que o Estado deixe de estar tão presente.
(Foto: D.R.)
O Estado, em várias áreas – e mencionou aqui, por exemplo, também a questão da habitação – tem lucrado com o facto de haver uma crise na habitação e com esta alta dos preços, tem lucrado com a inflação… Esse é um aspeto que não tem havido uma grande justiça para os portugueses, visto que “levam” com a crise, mas há quem esteja a lucrar, nomeadamente o Estado.
Pois. Há quem fale muito de lucros extraordinários. Na verdade, o Estado tem tido – chamemos-lhe assim –, se não lucros, mas, pelo menos, receitas absolutamente extraordinárias. A receita de IVA anual, por exemplo, aumentou nos últimos anos 7.000 milhões de euros. Estamos a falar de muito, muito, muito dinheiro, mas acho que o problema é fundamental. É até para lá da questão do esforço fiscal a que os portugueses são sujeitos. E é verdade que são sujeitos a um esforço fiscal grande. Portugal tem o quarto o esforço fiscal mais alto da Europa, que resulta de impostos que estão, em termos absolutos, na média da União Europeia, mas a riqueza que temos é bastante abaixo. O esforço que estamos a pedir aos portugueses é bastante mais alto. Não é a mesma coisa a pagar 500 euros de impostos em Portugal ou pagar 500 euros de impostos na Alemanha, com o nível de rendimento que a Alemanha tem por contraposição com Portugal. Há um esforço fiscal muito grande para os portugueses. Mas ainda é pior do que isso. Porque à medida que esse esforço fiscal cresce e que essa arrecadação fiscal cresce, o que se passa é que vemos uma degradação dos serviços públicos. Portanto, esse esforço fiscal quer os portugueses estão a fazer, não é compensado por serviços públicos que, de alguma maneira, pudessem compensar esse esforço que está a ser feito. Olhamos para a Saúde e vemos que está cada vez mais complicado. Não será por acaso que temos agora a 3.700.000 portugueses com seguro de saúde. Há poucos anos eram 2.200.000. Subiu muito nos últimos. [Há] uma procura cada vez mais pronunciada de soluções privadas de educação, colégios e está a haver aqui um abandono daquilo que são os serviços públicos porque não se lhes reconhece, qualidade e celeridade. Qual é o problema disto? É que ficam nos serviços públicos os mais desfavorecidos que não têm o poder económico para contratar um seguro de saúde ou para pôr os filhos num colégio privado, e isso condiciona muito o desenvolvimento da sociedade. Temos ainda índices de pobreza, infelizmente, muito elevados. Não fomos capazes, nos últimos anos, de os contrariar. Cerca de 20% das crianças portuguesas correm risco de pobreza.
Se cobramos muitos impostos, se os serviços públicos não correspondem, o que estamos é a criar as condições para que essa pobreza estrutural acabe por não ter condições para a combatermos ou não poder ser combatida. Porque quem não tem condições para recorrer a um serviço privado fica com uma saúde que não corresponde às suas necessidades. E quem está na escola pública também não reconhece que a escola pública esteja a funcionar. Aliás, temos, infelizmente, evidência disso com resultados dos últimos instrumentos de avaliação, o Pisa, e os próprios resultados das provas de aferição.
João Cotrim Figueiredo, antigo líder da Iniciativa Liberal e cabeça de lista do partido para as Europeias de 2024, apoiou a candidatura de Rui Rocha à liderança da IL. (Foto: D.R.)
Na Educação tem havido também algumas fragilidades. Na escola pública, por exemplo, também muitos alunos sem professor, os professores também a viverem, muitas vezes, sem as mínimas condições, terem que se deslocar para outras zonas do país. Na Educação, quais são as vossas propostas?
Fazemos um diagnóstico de que continuarmos a ter milhares de alunos sem professor durante… Termos maus resultados nestes instrumentos de avaliação, como o Pisa, que saiu recentemente, ou as provas de aferição que foram divulgadas há menos dias. Temos professores, milhares de professores deslocados, desmotivados. Temos muito poucos jovens que querem ser professores. Os cursos de formação de professores ficaram praticamente desertos nos últimos anos. Tudo isto condiciona muito a tal ideia da educação como elevador social, como a preparação para a vida e como forma de eliminar essas desigualdades, essas dificuldades, essas carências de base, que uma parte da população das nossas crianças ainda enfrenta todos os dias. Todas as nossas soluções são o decorrer da análise que fazemos que isto não pode continuar. Depois, temos um conjunto de soluções de curto prazo de emergência, digamos assim, depois uma visão estrutural para a educação.
Ou seja, também há uma a ideia na IL de que na Educação há que fazer uma reforma grande e as coisas têm de mudar bastante.
Sim, é isso que nos distingue. Em cada tema que falamos, vamos encontrar a visão da IL de reformas estruturais, de que isto já não vai lá com remendos, que precisamos mesmo de mudar o país em muitas áreas, de forma muito significativa. A Educação é uma delas, do ponto de vista daquilo que são medidas de emergência. O que estamos a trazer para o debate político… Há a possibilidade de recorrermos a professores reformados, uma vez que já se alargaram os critérios que permitem leccionar. Isso não é suficiente. Continuamos a ter evidência de milhares de alunos sem aulas a disciplinas. Entendemos que, de forma voluntária, os professores interessados, que se tenham reformado, mas que ainda se sintam com energia –, se calhar não para fazer um horário completo, mas para fazer um horário de oito horas, um horário 10 horas –, possam acumular a pensão com uma remuneração pré-determinada, para que possam contribuir para este esforço de recuperação daquilo que é a escola pública. É uma situação de emergência obviamente. Segunda medida: a questão dos planos de recuperação de aprendizagens. A governação socialista avançou com planos nessa matéria, mas o Tribunal de Contas veio dizer que a execução desses planos ficou muito aquém daquilo que seria esperado, entre outras coisas, porque não foram fixados objetivos, não foram determinadas estratégias. É quase como se tivéssemos pegado em dinheiro e tivéssemos atirado mais uma vez para cima do problema. Mas os resultados estão à vista e o Pisa, como disse, é um bom exemplo. Adicionalmente, entendemos também que é preciso reintroduzir as avaliações de final de ciclo que elas contêm para a nota, porque só isso motiva. Já vimos que as provas de aferição não motivam os alunos para o esforço de tentarem [ter] melhores notas. E, se não tivermos avaliações que são credíveis, não sabemos como é que o sistema está e corremos o risco de andar anos com o problema a agravar-se, sem podermos actuar sobre ele. Isto é a visão de emergência que temos para a Educação.
Depois, estruturalmente, baseámo-nos no princípio da autonomia e da liberdade de escolha na autonomia das escolas. Em nosso entender, as comunidades educativas são quem melhor conhece as condições locais e faz todo o sentido que sejam as escolas a fazer o recrutamento dos professores. Bem sei que, para ser completamente transparente, sou casado com uma professora do ensino público e a nossa família viveu as deslocações. A minha mulher esteve em Faro, esteve em Mirandela. Nós moramos em Braga. Portanto, na adolescência dos meus filhos, ela esteve deslocada vários anos, seis, sete anos. Deu aulas em Lisboa, em Loures. Sabemos bem que os professores, de alguma maneira, estão escaldados com as colocações feitas localmente, porque foram os critérios em determinado momento, foram pervertidos, foram criadas injustiças, mas é possível que o recrutamento seja local. Complementando critérios mais objetivos com avaliações específicas, nem todas as pessoas têm a mesma vocação para trabalhar em diferentes contextos socioeconómicos e a escola sabe melhor os alunos que têm e o perfil do professor mais adequado a cada um, a cada uma das escolas. É importante que as escolas tenham a possibilidade de estabelecer, dentro de determinada base, conteúdos curriculares também mais adequados àquilo que são os alunos, os interesses dos alunos e das suas famílias, a gestão da escola, dos horários, quando é que o ano lectivo começa. Dentro sempre determinados limites, mas há zonas do país onde, se calhar, começar um pouco mais tarde, faz mais sentido. Áreas onde há, por exemplo, muito turismo, onde os pais estão menos disponíveis para acompanhar um determinado momento: se calhar, atrasar 15 dias o começo do ano lectivo não é mau ou antecipar noutras regiões onde, por exemplo, o clima é mais adverso. Depois, as condições são adaptáveis, mas é a escola e a comunidade escolar conhece melhor as necessidades dos alunos e das suas famílias e devia haver uma grande autonomia da escola.
Adaptado, portanto.
Portanto, a nossa visão, mais uma vez, uma visão bastante diferente daquela que outros apresentam. Até porque parece haver aqui um fenómeno estranho que é de Portugal ser conhecido até por ter boas escolas, boas faculdades e dar uma boa formação ao nível universitário. Mas depois, em termos de ensino público, também os testes e os resultados estão muito aquém daquilo que poderiam ser e os últimos anos, com as medidas da grande regressão – sim, houve uma regressão, houve uma regressão nos últimos anos… É óbvio que uma parte da regressão tem a ver com a com a pandemia, com a perda de aprendizagens, mas regredimos mais comparativamente do que outros países da Europa e essa devia ser a nossa preocupação. E, independentemente de haver uma causa que pode ser a pandemia, devemos estar preocupados em como é que recuperamos agora essa perda de aprendizagens que tivemos. Não é seguramente com falta de professores e com conflitualidade laboral permanente nas escolas, que esse esforço de recuperação é viável.
E há uma questão também que depois acaba por afectar aqui mais os jovens, que é a saída de jovens e dos chamados ‘cérebros’. Recentemente, o PÁGINA UM entrevistou, Nuno Palma, economista, professor na Universidade de Manchester, que deu um conselho aos jovens de votarem com os pés e saírem do país. Partilha deste tipo de visão? Imagino que talvez não, mas…
Percebo o contexto em que isso é dito, mas acredito que podemos fazer mais, que Portugal pode fazer mais. E a luta fundamental da IL é construirmos um país, a partir de 10 de Março, em que possamos dizer aos jovens que já saíram que há uma oportunidade para voltarem, e aos que, neste momento, ponderam sair, um bocadinho com base nesse pensamento, que é possível fazermos mais, é possível termos um país diferente e é possível que haja aqui uma oportunidade para eles terem a opção de ficar. Não há nenhum problema especial na emigração de jovens quando ela é desejada, quando faz parte de um percurso de vida, quando se quer ter uma experiência, quando se quer diversificar conhecimentos. Tudo isso é ótimo, que uma ida ao estrangeiro, num contexto profissional, se faça, mas porque é uma opção, não porque é uma condenação. Aquilo que temos, hoje, os números… Ainda há relativamente pouco tempo, em 2022, mais 60.000 portugueses emigraram. É um movimento contínuo de perda de qualificações, de competências que não estamos a conseguir parar. É por isso que falamos do crescimento económico. É por isso que falamos das questões da habitação que afetam, sobretudo, os jovens, e dos salários. Tudo isso faz parte dessa economia que funciona, que tem remunerações mais altas… Também somos capazes de ter empresas com mais valor acrescentado, mais produtividade. Tudo isso faz parte dessa visão que queremos transmitir ao país, porque não desistimos dos jovens, dos salários.
Temos de lutar por um país onde os jovens podem ficar. Tenho uma visão mais otimista no sentido de dizer, é possível. Mas só é possível se mudarmos de governo. Porque, como é óbvio, a IL considera que isso é absolutamente essencial. Mas não basta mesmo mudar de governo. É mesmo preciso fazer as tais transformações estruturais de que a IL fala.
É possível fazer essas alterações estruturais e mantendo no poder esta rotatividade que tem existido entre dois partidos?
Esse é o ponto quando dizemos que é preciso alterar, mudar o governo, porque é essencial. Estes nove anos não mudaram nada de essencial no país, pelo contrário. Foram anos, em muitas áreas, perdidos ou em que tivemos até regressão. Por exemplo, no caso da Educação, como vimos, ou da Habitação ou da Saúde. Não basta mudar o governo. É preciso mudar políticas. É por isso que dizemos uma coisa que foi muito discutida em determinado momento… Porque é que a Iniciativa Liberal se apresenta com os seus candidatos e com as suas listas nas eleições? Porque é que fazíamos questão de não fazer uma coligação pré-eleitoral e de irmos com as nossas ideias? Isso era fundamental, porque não há mais nenhum partido que apresente a reforma da Saúde tal como apresentamos. Não há mais nenhum partido que apresente a reforma da Educação como apresentamos. A reforma do sistema eleitoral, que também já apresentámos aqui na Assembleia da República – [em] que vamos insistir. Não há nenhum partido que ponha o crescimento económico no centro da ação política como a IL põe, e que ponha esta ambição do país – que pode ser mais essa insatisfação com aquilo que vivemos, hoje, e essa vontade de mudar e de mudar, de mudar a série…
A IL no Carnaval de Torres Vedras. (Foto: D.R.)
Mas está disponível para entrar e colaborar, participar em coligações que surjam para viabilizar um governo?
Somos também muito claros. Da mesma maneira que dissemos que não iríamos com mais ninguém, não prescindíamos das nossas ideias, do nosso programa e das nossas listas nesta eleição, somos também muito claros sobre os cenários em que admitimos algum tipo de entendimento. Admitimos entendimento – temo-lo dito – com o PSD, será o parceiro natural para um entendimento eleitoral, com determinadas condições – as condições, mais uma vez, são fáceis de entender. Ou seja, queremos mesmo que haja uma descida de impostos para as pessoas e para as empresas e isso tem que estar assegurado, porque entendemos que é o motor da recuperação e do desenvolvimento económico e social do país. Esta visão da Saúde, que tem que ser também uma visão estrutural na reforma estrutural à Habitação, a Educação…, portanto, é mais ou menos fácil. Já sabemos que num entendimento não haverá lugar para todas as nossas medidas com um nível de ambição que possibilitem que sejam integralmente cumpridas. Mas, quer destas medidas, quer destas áreas, quer de que se trate de uma visão ambiciosa, não conformista, que não seja mudar só por mudar, só para mudarem as caras. Isso não é suficiente, tem de ser mudar a sério.
Na prática.
Depois, estes casos que aconteceram na Madeira também evidenciaram o porquê da IL ter mantido essa intenção de apresentar as suas próprias ideias e programa. Também não prescindimos de uma visão de exigência no exercício das funções públicas das responsabilidades públicas e não prescindimos de ter o mesmo critério. Portanto, dois pesos e duas medidas. Com a IL não funcionarão. Sabemos que nos sistemas humanos há situações indesejáveis que acontecem. É preciso preveni-las, mas sobretudo, depois, quando elas acontecem, é preciso agir sobre elas de forma determinada. O que não aceitamos é que se apliquem dois pesos e duas medidas a situações que são, em bom rigor, bastante semelhantes e isso fará parte das nossas exigências para a participação em qualquer tipo de entendimento.
No caso do PSD, está também aqui em coligação e, portanto, aí essa abertura, essa disponibilidade da IL também abrange…
Sim. Relativamente aos partidos que integram, a coligação AD, temos mais proximidade com algum deles, depois temos uma menor proximidade a outros. Mas creio que o fundamental é mesmo a posição que, numa eventual negociação, se possa alcançar, que tem que respeitar estes princípios, além daqueles outros óbvios que a IL não prescinde… não é de só a questão da exigência ética no exercício das funções públicas e das funções políticas de responsabilidade, são também as questões fundamentais da liberdade de expressão da liberdade individual, da autodeterminação do indivíduo, a separação de poderes. Tudo isso faz parte das ideias liberais. Seremos muito exigentes nessa matéria, mas creio que só cumprimos as nossas responsabilidades perante os eleitores e perante os membros da IL e [perante] as pessoas que votam em nós e que confiam em nós se tivermos essa exigência. Não se trata de fazer uma exigência absurda. Trata de fazer uma exigência de responsabilidade, de compromisso com aquilo que são as nossas propostas. E uma exigência, sobretudo, com os portugueses que nos apresentamos com esta visão transformadora e diferente de todos os outros partidos. Portanto, o resultado de um eventual entendimento tem de reproduzir essa visão transformadora que temos.
(Foto: D.R.)
Falou na questão dos casos na Madeira, há mais espaço dedicado a estes casos de corrupção, a casos de polícia, do que propriamente àquilo que são as propostas e as soluções para o país. E falo aqui também da questão da cobertura mediática que tem existido numa época que já é pré-eleitoral.
Defendemos, sem nenhuma reserva, a liberdade de imprensa e o critério final tem de ser mesmo um critério de quem faz a cobertura destes acontecimentos, e de quem acompanha a atividade política. Na medida em que valorizem mais as reações e as posições relativamente a estas questões, enfim é um critério jornalístico. Creio que faz parte depois da nossa responsabilidade como políticos ter uma posição sobre os factos relevantes que acontecem, mas depois de ter a capacidade também de apresentar propostas, medidas, ideias que também despertem o interesse. É um trabalho mais de quem está do lado da responsabilidade política, que eventualmente dos órgãos de comunicação social, porque esses seguem os seus critérios que são, obviamente, legítimos, absolutamente legítimos.
Existe pluralismo verdadeiro, ou seja, existe uma capacidade de os grandes grupos de comunicação social de ouvirem as propostas dos partidos, em geral?
Sei, por experiência própria, que se me pronunciar sobre um daqueles factos do dia, que suscitam um interesse momentâneo, instantâneo, se na mesma intervenção falar de um programa estrutural para a Saúde, há mais probabilidade de essa posição sobre o tema do dia ser ouvida e ser reproduzida do que o tal grande programa de reestruturação da Saúde. Há aqui uma preferência, muitas vezes, dos órgãos de comunicação social, sobre as questões que também, provavelmente, geram depois mais audiência e mais interesse. Mas é o que eu digo: creio é que tem que estar mais do lado da responsabilidade política dar corpo a essas ideias, a esses programas, essas iniciativas, de forma a gerar o interesse que equilibra aquilo que é o natural de interesse do momento, que é que nós temos também em Portugal, nesta altura infeliz. É que, de facto, têm acontecido muitas coisas, não é? Têm acontecido muitas coisas. Quer dizer, se nós olharmos, um governo caiu. Mas a pergunta é: o governo podia continuar em funções depois do círculo próximo do primeiro-ministro estar envolvido em questões que são, hoje, conhecidas e isso não é relevante? Não é relevante, do ponto de vista do interesse dos portugueses, o interesse dos órgãos de comunicação social, do interesse político, perceber como é que aquilo acontece, em que condições? Isso não revelará uma menor, uma menor exigência no exercício das funções e não deverá ser objeto de reflexão? Dois meses depois, ou pouco mais de dois meses depois, cai um governo regional. Porquê? Porque são identificados um conjunto de práticas no círculo próximo, muito próximo do presidente do governo regional. O caso Sócrates teve aqui um desenvolvimento. Ou seja, acontecem muitas coisas, mas não devemos desvalorizar isso agora. Mas isso, mais uma vez, é responsabilidade do poder político. Como é que se combate este estado de coisas? É com barulho, é com indignação, que depois não tem consequências que não sejam a de ruído que se faz e da chamada de atenção que se faz por alguns actores políticos, ou é com uma visão concreta que possa ajudar a que este tipo de situações não aconteça tão regularmente? Eu vou mais por esta segunda possibilidade. Como? Primeiro, aquilo que falávamos há pouco, não aplicando dois pesos e duas medidas a estas situações. Isso é fundamental, porque às vezes isto envolve pessoas que estão do outro lado do espectro político e é mais fácil tomar uma posição de crítica. Mas, quando envolve quem está um pouco mais próximo, temos de ter a mesma isenção, acho que é fundamental.
Tem de haver o mesmo…
O mesmo critério. Porque, senão, aí é que as pessoas não percebem. Se tivermos critérios divergentes, então é que isto fica tudo em crise, crise de valores. Isso é o que devemos evitar. Não creio que as questões da corrupção se possam combater com ruído, com vozes mais altas, com indignações inflamadas. Acho que se combatem, por exemplo, com coisas que estamos a propor: simplificação; desburocratização. Quanto mais complicado é um processo… Por exemplo, hoje, um investimento em energia fotovoltaica em Portugal implica a intervenção de 30 organismos do Estado. E, por isso, demora três anos. Num processo tão longo, é muito fácil imaginar que possa quem se queira aproveitar deste excesso de intervencionismo do Estado, excesso de processos, excesso de burocracia, para instalar um conjunto de práticas que são práticas de corrupção ou lá próximas e absolutamente indesejáveis. O que é que é melhor? A indignação inflamada, não é olharmos para os processos e ver como é que podemos simplificar como é que pode…? Como podemos pôr isto mais ágil, com menos intervenções, com menos meandros que, depois, só quem domina certos circuitos e consegue pôr em causa. Penso que é muito mais útil esta reflexão que fazemos sobre a simplicidade e a desburocratização do que uma indignação inflamada, que, no final do dia, tem muitos decibéis, mas não tem soluções.
(Foto: D.R.)
Ou seja, esta questão de alguns dos casos que temos vindo a assistir também se trata no fundo, da forma como os processos estão a decorrer e como as coisas funcionam.
Sim. Isso também nos leva a uma outra … Há a evidência de que há muita complexidade das coisas, muita, muita falta de transparência. É aí que devemos actuar. Depois leva-nos a outra consideração que também [está] associada a essa, que é a questão da Justiça. E vemos também discursos, pois é a tal história dos dois critérios ou dos critérios diferentes quando toca à porta de uns. E porque a Justiça tem uma agenda, mas quando toca à porta dos do outro lado, não. Nesse caso, a Justiça já está a funcionar. E qual é o final disto? É que os portugueses, depois, também já não acreditam na Justiça. Isso é um discurso muito perigoso. Obviamente, a Justiça tem as suas críticas ou deve sofrer também crítica. Quando olhamos para um processo como o de José Sócrates, que se prolonga por décadas, isso não é aceitável. Não é, não pode ser, mas quando a relação? Se pronuncia e diz que José Sócrates deve ser levado a julgamento por actos de corrupção, isso é ou não é a Justiça a funcionar? Eu digo que é e não vou criticar isso quando estiver num quadrante político que de que eu tenha mais proximidade. Vou dizer: a Justiça próxima é a justiça a funcionar.
Como é óbvio, quando há uma investigação que abrange as pessoas que estão no círculo muito próximo do primeiro-ministro, isso é a Justiça a funcionar. Ou não? Eu digo que é. O que é que preferíamos: que a Justiça não avançasse, que não fizesse investigação. Quando vemos a Justiça na Madeira investigar situações como aquelas que resultaram na demissão de Miguel Albuquerque, isso é a justiça a funcionar. Ou não é? É. Ficávamos mais contentes se estas investigações não acontecessem, se houvesse este tipo de práticas e não fossem investigadas? Por mim, não. Portanto, quero acreditar que, infelizmente, há uma acumulação de casos destes no tempo muito próximo, com situações graves, que implicam a queda de governos regionais e nacionais. Mas quero crer que tudo isto é feito porque a Justiça está a funcionar e é o poder político que tem que se questionar sobre o nível de exigência ética que está a colocar na condução das coisas públicas. Penso que essa reflexão é fundamental.
Na questão da Justiça, também algumas empresas, nomeadamente multinacionais, muitas vezes, um dos travões que as leva a não entrar em Portugal, a não investir, é a morosidade na Justiça e imprevisibilidade nesse campo. Tem alguma proposta sobre o que pode ser feito para minimizar esta situação?
Creio que, quando uma empresa estrangeira olha para um país, avalia três coisas fundamentalmente. Avalia a rapidez dos licenciamentos da atividade. Ninguém quer estar três anos ou quatro anos à espera de poder iniciar uma atividade. Se estiver, provavelmente vai olhar para outro país para fazer o seu investimento. Tem também, obviamente, uma preocupação com a questão dos impostos. Por isso é que queremos baixar o IRC de base para 12%. Depois, será de 15% para as multinacionais por imposição Europeia, mas o IRC de base para nós será de 12%. Precisamente, porque queremos atrair grandes empresas e empresas em geral para trazerem capital para Portugal. Precisamos muito de capital, somos muito deficitários de capital.
Depois, a questão da Justiça, obviamente. Porque se for um investidor estrangeiro e me disserem que, se tiver um problema com o Estado, posso demorar 10 anos, 12 anos a ter uma decisão no Tribunal Administrativo… Isso faz com que … Se olhar, os impostos são os que são, a Justiça tarda como tarda, os licenciamentos são também tão demorados, como são… Provavelmente, é melhor levar este investimento para outro lado. Isso tem acontecido ao longo dos anos, muitas vezes, demasiadas vezes. Na Justiça. o que temos são propostas muito concretas para a justiça administrativa. Hoje, uma decisão em primeira instância num tribunal administrativo pode demorar mais de 850 dias, em média. Estamos a falar de dois anos e meio.
Isso é uma eternidade para os negócios.
Claro. E é a primeira instância. Ainda estamos, depois, à espera depois da conclusão. Isso é uma eternidade. Na Europa conseguem fazer isto abaixo de 400 dias. Um dos cinco objetivos transformadores que apresentamos para Portugal é que as decisões em primeira instância, nos tribunais administrativos, passem para menos de um ano, reduzindo em mais de metade da duração atual. Como é que isto se faz? Por um lado, com a simplificação de que falávamos, porque quanto menos burocracia houver, menos dúvidas de interpretação se geram menos complicações, menos complexidade, portanto, o contencioso tente a diminuir.
Segunda medida importante: a introdução de um mecanismo que faça com que a arbitragem passe a ser uma solução. Quando um processo em tribunal administrativo demora mais do que um tempo determinado, passando esse tempo, o processo vai para arbitragem, permitindo às partes que tenham uma solução mais rápida. Uma outra medida para além de outras, temos no programa a criação de tribunais especializados, de competência especializada. Por exemplo, em matéria de urbanismo, que é uma matéria que tem uma complexidade grande, que gera muito contencioso, hoje, em Portugal. É preciso haver competências especializadas nessa área. Temos outras medidas no programa, todas neste sentido, mas o objetivo final é reduzirem mais de metade o tempo de tramitação de um processo em primeira instância, em termos médios.
(Foto: D.R.)
Ao nível da Comissão Europeia e da União Europeia, tem havido questões relativamente a casos também, infelizmente, de corrupção, de suspeitas, de falta de transparência. A elevada burocracia é também algo que se fala muito. Pensa que há muito trabalho a fazer também nesse campo?
Creio que há trabalho a fazer na União Europeia enquanto tal e há trabalho… Portugal também, na transposição daquilo que são, quer em termos legislativos, quer em termos da legislação que Portugal depois incorpora nas questões que dizem respeito à União Europeia. Na União Europeia, creio que temos um excesso de complexificação. Vemos que os Estados Unidos, em muitas matérias, são muito mais ágeis. A União Europeia tem uma sempre uma grande preocupação de regulamentação, de regulamentar muito cedo todas as questões. Isso é bom, até determinado limite, porque cria um contexto regulatório conhecido estável. Mas quando há excesso de regulação, também estamos a condicionar o crescimento económico.
Por exemplo, a inteligência artificial é um bom tema. A União Europeia avançou com uma regulação da inteligência artificial. Os Estados Unidos estão, neste momento, preocupados em desenvolver, e não tanto em regular ou limitar. O equilíbrio… Também não defendo a desregulação total, obviamente, mas creio que que há um desígnio de contenção no excesso de regulação que a União Europeia muitas vezes acaba por desenvolver. E uma das vantagens da presença de deputados liberais da IL, a representação dos liberais portugueses no Parlamento Europeu nas futuras eleições, é precisamente trazer esta visão, que é uma visão dinâmica que acredita muito na regulação, mas que não acredita numa regulação que condiciona totalmente a atividade económica. Na transposição, quer da visão, quer depois da legislação, Portugal tem às vezes também, estado mal.
Falávamos da corrupção. Ainda agora o GRECO [Grupo de Estados Contra a Corrupção] , a entidade que acompanha a implementação do desenvolvimento das medidas anticorrupção, veio questionar Portugal e desafiar Portugal. Porque, na verdade, há uma estratégia anticorrupção que o Governo socialista aprovou. Mas a implementação concreta das medidas, todas as medidas que dizem respeito à transparência, aos processos, e à sua estruturação, ficamos muito aquém na execução e depois somos sancionados de alguma maneira por essa visão menos abonatória que estes organismos têm. Depois, os investidores conhecem esses relatórios e entendem que Portugal tem custos de contexto demasiado elevados para a rentabilidade que podem aqui encontrar.
Ou seja, há anúncios que é “para inglês ver”…
Sim. Agora já não inglês, porque os ingleses já saíram, já abandonaram a União Europeia, mas para europeu ver. Creio que isso é verdade. Devemos evitar o excesso de regulação, mas devemos também evitar esses anúncios proclamatórias que depois não se concretizam em medidas concretas em áreas fundamentais.
Tem havido uma percepção, não só em Portugal, mas ao nível da União Europeia, há uma predominância em termos de ideologia de esquerda e uma forma de estar que não é tão próxima daquilo que é a visão da Iniciativa Liberal. Num mundo em mudança, em transformação, com cada vez maior presença da tecnologia, com o mundo em que podemos trabalhar a partir de qualquer lado, fazer negócios e investimentos a partir de qualquer lado… faz falta um pouco mais de visão liberal?
Olhando para Portugal, claramente. Depois, para a Europa, creio que falta mesmo esta ideia de dinâmica. Acho que nós perdemos, na Europa, nestes últimos anos… E fomos deixando que essa ambição esmorecesse. Fomos fazendo conquistas, obviamente muito importantes. Não é do ponto de vista da qualidade de vida e dos valores que perfilhamos, da liberdade. E isso, de alguma maneira, pode ter nos tirado esse ímpeto reformista que é verdadeiro na Europa. Essa ambição transformadora e que é ainda mais aguçada em Portugal. Essa energia liberal que nós fizemos questão de ter presente nestas eleições com os nossos programas e as nossas ideias. É algo que faz parte também dessa necessidade de revitalização da ideia Europeia. Porque parece que entrámos aqui numa espiral depressiva em alguns momentos. Tem a ver com todo um contexto, mas essa revitalização, essa energia adicional, creio que é muito necessária nesta altura.
Deixe-me só dizer um ponto que tem a ver com esta ambição ou com esta perda desta ambição, que é muito, muito importante. É que na Europa estamos num momento em que, ao contrário do que acontecia nas últimas décadas, não estamos em condições de garantir que a próxima geração vai ter o mesmo nível de vida que as gerações anteriores tiveram. Isto é um momento marcante. Porque, até agora, nas últimas décadas, foi sempre possível pensar e assegurar que a geração seguinte tinha uma vida melhor, um melhor nível de vida e melhor qualidade de vida. Isso, hoje, está em causa. E isso tem de convocar o poder político, quem tem responsabilidade política, para retomar essa energia, essa ambição. Porque não podemos aceitar como bom esse cenário em que deixamos à próxima geração uma dúvida ou até uma certeza, em muitos casos, de que vão ter pior qualidade de vida do que aquela que a geração anterior teve.
(Foto: D.R.)
Mas há correntes de pensamento, e têm saído até alguns artigos sobre isso, que defendem que até para se implementarem algumas medidas, as sociedades democráticas não são a melhor opção. E tem havido regulação aprovada ao nível da União Europeia que vem, por exemplo, condicionar a liberdade de imprensa, o que veio surpreender muitos jornalistas por se poder condicionar a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão. Também algumas medidas que foram tomadas durante a pandemia foram vistas como atentados àquilo que é até a visão liberal do mundo e de uma sociedade democrática. Começa a haver correntes que defendem que, para se implementarem certas medidas, é melhor viver em regimes não democráticos. Como é que vê estas ideias, inclusive entre partidos políticos?
Sim. Nós defendemos, sem reservas, o princípio da liberdade individual. É o princípio fundador da nossa proposta política. Assentamos toda a nossa visão política, social, económica, no princípio da liberdade individual. Na pandemia, por exemplo, a IL foi o único partido que nunca votou a favor de um Estado de emergência. Porque é que não o fez? Porque entendeu que estávamos perante situações que abriam a porta ao abuso do Estado. Creio que esse abuso do Estado aconteceu em vários momentos da gestão da pandemia, com medidas que eram francamente excessivas, que violavam de forma desnecessária aquilo que era a liberdade individual. Nós votámos sempre contra os Estados de emergência, ou melhor, nunca votámos a favor. Abstivemo-nos na primeira vez e, depois, tivemos uma posição contrária, enquanto o Chega, por exemplo, queria implementar confinamentos obrigatórios para doenças respiratórias. Estamos do outro lado desta visão do mundo que, em Portugal, pode ser corporizada por um Chega, com essa visão iliberal da sociedade.
Para nós, na dúvida, mais liberdade, mais liberdade individual. Na dúvida, mais liberdade de expressão. Na dúvida, mais liberdade económica. Na dúvida, mais liberdade social. É essa a nossa visão, claramente. Estamos sempre do lado oposto dessas visões mais iliberais que dizem que é preciso regimes mais musculados, que algumas das liberdades podem ser controlo. Porque, depois, quem paga são sempre os mesmos. Começa a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, por aí… E quando, depois, não se corta no início este tipo de vertigem ou tentação, é sempre muito mais difícil recuperar as liberdades que se perderam. Nós estamos sempre do lado que defende mais liberdade.
A pandemia trouxe a oportunidade para certas organizações poderem reforçar os seus poderes. Neste momento, Portugal e os restantes países estão a ter de discutir alterações ao Regulamento Sanitário Internacional, que vão implicar, junto com o chamado Tratado Pandémico, mais poderes para a Organização Mundial de Saúde (OMS), que é uma entidade também financiada por privados e que é vulnerável a influências de privados, alguns deles com interesses em negócios, indústrias, etc. Como pode Portugal dar esse reforço de poderes, mas manter a sua capacidade e a sua flexibilidade para poder, por exemplo, fazer como a Suécia fez na pandemia? A Suécia rejeitou algumas das medidas da OMS e geriu a pandemia com muito mais sucesso, visto que é o país com a menor taxa de excesso de mortalidade, enquanto Portugal é dos países que tem mais.
Respondo a isso dizendo que defendemos na Revisão Constitucional. Uma das questões que estava em cima da mesa nesta Revisão Constitucional e que, quer PS quer PSD mostraram disponibilidade para avançar, era que pudéssemos ter aqui confinamentos decretados por entidades administrativas, sem intervenção prévia de quem a deve ter, do poder político, a Assembleia da República, sem sequer questões de validação judicial ou constitucional. A IL tomou uma posição muito clara. Não aceitamos esse tipo de limitações à liberdade. Não se trata de não termos preocupação com a saúde, com o bem-estar das pessoas. Obviamente, não é disso que se trata. Mas, no momento em que começamos a ceder princípios fundamentais da liberdade e a permitir que decisões que são gravosas para a vida das pessoas, depois que sejam tomadas por entidades administrativas, sem nenhum tipo de validação política, manifestámos imediatamente a nossa oposição. Se isso, por acaso, avançasse, seria um daqueles casos em que faria todo o sentido que a IL fosse para a rua, convocasse os portugueses, em defesa da liberdade. Aí está a nossa posição e é uma posição que tem expressão na nossa visão constitucional.
Então esperemos que Portugal tome uma posição também nesta altura, antes de aderir as estas alterações que estão a ser feitas ao Regulamento Sanitário Internacional. Ainda há tempo. Mas, não falámos ainda de um tema que também é importante, e abrange a União Europeia, porque acaba por ser algo que é feito no espaço comunitário, que é o da imigração. E, depois, temos jovens a emigrar, a sair do país. Temos uma questão de demografia que tem que ser endereçada e da sustentabilidade da Segurança Social. Contudo, também há os desafios trazidos pelo facto de haver um grande fluxo de entrada de pessoas que não falam a língua, que vêm de outras culturas. Há países na Europa que já estão a lidar com problemas graves devido a esta esta questão. Como é que Portugal pode ter a receita certa, equilibrada, para recebermos imigrantes, mas, ao mesmo tempo não entrarmos no desequilíbrio, como acontece já em alguns países?
No que diz respeito ao fluxo que leva portugueses para o estrangeiro, as nossas propostas de que falámos, como o crescimento económico, o aumento dos salários, as questões ligadas à Habitação, também as apostas que temos em termos de transportes, para dotar Portugal de um sistema de ferrovia mais avançado… Fazem parte da nossa proposta virada para tornarmos Portugal o tal país onde quem saiu, pode regressar e quem está, pode aqui construir a sua vida. No que diz respeito ao fluxo inverso de entrada em Portugal, a primeira nota é fundamental: vemos esse fluxo de imigração como um fluxo bom para o país. Temos um país envelhecido, temos um país que tem perdido, pelas circunstâncias que conhecemos, jovens.
Temos uma visão favorável à imigração, estruturalmente, porque é uma questão de dignidade. É uma questão de respeito pelos direitos humanos e pelo direito de circulação. E isso é um princípio liberal. Mas temos também uma preocupação de que essa migração seja feita com dignidade e que as pessoas tenham condições para estar com dignidade no nosso país. O aspecto fundamental que identificamos nesta matéria é o funcionamento daquilo que era o SEF, AIMA e todas as entidades criadas nesta matéria. Porque, quando recebemos as pessoas e não há nenhum tipo de controlo, nem de estrutura administrativa, que faz o enquadramento destas pessoas em Portugal, o que temos é que as pessoas ficam numa situação de clandestinidade ou semiclandestina e vulneráveis a todo o tipo de exploração, de abuso. Isto é algo que não que nos parece desejável e que não podemos aceitar. Acho que a primeira prioridade, depois podemos discutir outro tipo de políticas, outro tipo de abordagens, mas essas abordagens partirão sempre desse princípio de sermos favoráveis a que Portugal receba a imigração. Somos um país de emigrantes e, portanto, isso faz sentido.
(Foto: D.R.)
Mas a estrutura administrativa tem de funcionar. E podemos aceitar que, depois, faça uma discussão à volta disto, mas sem que isto esteja assegurado, não há nada que funcione. Tem de haver um reforço, se calhar dessas estruturas, para que funcionem.
A governação socialista falhou em muitas áreas. Falámos delas. Falámos da Educação, da Saúde, da Habitação, mas esta não é uma das áreas que tenha falhado menos. Tudo aquilo que aconteceu à volta do SEF, a implosão dos serviços, a demora na reestruturação, a ideia que ainda não ninguém percebeu bem se era mesmo uma necessidade ou se era a necessidade do governo inventar qualquer coisa para desviar atenções daquilo que foi a implosão do SEF. Tudo isto demorou demasiado tempo. Quando dizemos que temos centenas de milhares de pessoas com processos, que estão na tal situação de semiclandestinidade, porque não conseguem que administrativamente lhes deem seguimento aos seus processos é uma área gravíssima de falhanço do Governo socialista. Depois, tem as consequências para todos, sobretudo para aqueles que estão nessas situações sujeitas a abusos e a todo o tipo de exploração, que é francamente indesejável.
Já falou em medidas, mas quais são os objetivos da IL nestas eleições? O que é que espera? Há sempre muitas sondagens… Quais são exatamente as vossas metas?
Definimos essas metas há, relativamente, pouco tempo, há pouco mais de uma semana, e essa meta é para nós muito clara. Queremos mais de 50% relativamente ao resultado que obtivemos nas eleições anteriores, de 2022. Porque é que nós entendemos que temos este potencial? Precisamente, por aquilo que fomos falando ao longo desta entrevista. Temos uma posição muito diferente. Temos uma posição muito diferente na Saúde, na Educação, na Economia, no crescimento, na Habitação. E entendemos que os eleitores, à medida que o tempo for passando e que nos formos aproximando daquilo que são as eleições, compreenderão melhor porque é que tínhamos que ir com as nossas listas, com os nossos programas e com as nossas propostas e valorizarão essa capacidade de desafiar o país, essa ambição, essa vontade de mudar, mesmo mudar o país. É um processo que vemos como sendo de crescimento ao longo desta campanha eleitoral, por diferença daquilo que são as propostas e a visão dos partidos concorrentes. Cremos que teremos a capacidade de desafiar o país, de apresentar esta ambição e de crescermos. Porque, se queremos que o país cresça e se temos a ideia de que as nossas propostas são as propostas que fazem falta ao país, então temos que acreditar que a IL vai mesmo crescer eleitoralmente.
E já é uma preparação para as europeias?
Bom, tudo é uma preparação para tudo, não é? Obviamente que, tendo esta capacidade de comunicar intensamente nesta campanha eleitoral com os portugueses, dando a conhecer a nossa visão, temos esta convicção de que isso vai ajudar todos os atos eleitorais que vierem a seguir. Esta afirmação das ideias liberais no país vai contribuir depois para os actos eleitorais seguintes.
(Foto: D.R.)
O ruído nos media na questão dos casos que têm ocorrido pode ser uma oportunidade para outros partidos, que não os do chamado arco do poder, apresentarem as propostas e os portugueses olharem agora com outros olhos, se calhar com maior atenção, para as propostas dos outros partidos?
Creio que sim, porque estamos, quer naquilo que diz respeito às condições essenciais do país, ao crescimento económico, que tem sido medíocre, aos salários, que são baixos. à emigração de jovens que continua, à natalidade, que cresce muito pouco… Com tudo isto, revela um Estado de estagnação do país que temos que combater. Isto associado a todas as questões mais ligadas aos casos, alguns casinhos, mas outros que não são casinhos, são casos graves, que temos constatado. Eu creio que isso traz aos portugueses primeiro, talvez um momento de estupefacção perante tudo isto. Mas espero, depois, que essa estupefacção seja transformada em energia para mudar. Aí uma escolha muito clara é que não vale a pena mudar para ser mais do mesmo. É aquilo que o Partido Socialista, que esteve no poder praticamente 20 e tal anos nas últimas três décadas, tem trazido. Também não creio que o PSD, por si, tenha essa capacidade de se diferenciar de forma pronunciada. Portanto, faz falta um partido com uma Iniciativa Liberal que tenha essa ambição, tenha essa capacidade, tenha isenção e esse distanciamento de tudo aquilo que foi a governação até esta data e que tem essa energia transformadora. Confio muito é que isto, esta estupefacção que os portugueses podem sentir em determinado momento, se transforme depois em energia para a mudança, mas mudança com soluções, mudança com propostas mudar. Porque alguém faz mais barulho? Tudo bem, estamos no momento de campanha eleitoral. O barulho pode até ser importante, mas e, no dia seguinte, quando for mesmo para concretizar? Soluções, onde é que estão as soluções de quem faz muito barulho? Nós temos, acabámos de falar delas. Temos uma visão concreta de medidas concretas para transformar o país.
Até porque o grande adversário dos partidos acaba por ser a enorme abstenção.
Certo, e é isso. Quem estiver em casa e olhar para tudo isto que tem acontecido no país e se não vir um partido com uma Iniciativa Liberal, com propostas concretas, com visão transformadora, com reformas estruturais, com coragem e energia, o que é que pensa? Mas vou votar nos mesmos de sempre? Vou votar naqueles que fazem muito barulho? Mas, quer dizer, o barulho não resolve. Quem é que tem as soluções para, a partir de 11 de Março, começar realmente a mudar o país?
Pode consultar AQUI o programa da Iniciativa Liberal para as Legislativas de 2024.
Antigo presidente da ‘jota’ social-democrata, Jorge Nuno Sá desfiliou-se do PSD, no qual fora deputado, e seguiu as pisadas de Pedro Santana Lopes na fundação do Aliança em 2018, ‘herdando’ depois o partido quando o actual autarca da Figueira da Foz se cansou em não conseguir capitalizar em votos a sua popularidade mediática. Aos 46 anos, o líder do Aliança vai a votos, desta vez, coligado com o Movimento Partido da Terra (MPT), sob a denominação de Alternativa 21, e apresentando como ‘trunfo’ em Lisboa o antigo número 2 do Chega, Nuno Afonso, clamando, em simultâneo, por uma racionalização do debate político e por medidas de direita sem estarem baseadas em mitos. Esta é a quinta entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE JORGE NUNO SÁ, PRESIDENTE DO ALIANÇA, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
É antigo líder da Juventude Social Democrata (JSD), também antigo deputado do PSD e é deputado municipal em Lisboa, pelo Partido Aliança, que integrou a coligação que deu a maioria [na lista de Carlos Moedas] à Câmara de Lisboa. Muito obrigada, Jorge, por ter aceitado este convite do PÁGINA UM.
Obrigado eu. Essa espécie de currículo, tendo em conta a opinião que as pessoas têm, é quase um cadastro [risos]. Com tanto cargo exercido… Mas também tenho, além disso, uma vida profissional que eu gosto sempre de dizer e de realçar, pois não vivo exclusivamente da política, o que é muito importante para mim.
Em todo o caso, os nossos ouvintes e leitores poderão consultar a sua biografia através de um link, para fazer ‘justiça’ e não haver o risco de pensarem que é aquilo que se chama o carreirista, ou ter os sucessivos “jobs for the boys” [risos].
[risos] Exactamente, agradeço.
Para ficar esclarecido, até porque, de facto, é importante, e estar a dar esta tónica mais na actividade política não é correcto. Sobretudo, como disse, pela percepção que existe…
Correcto é, porque tenho esta vida política e não a escondo. Mas eu gosto muito que as pessoas vejam isso, porque fico admirado quando às vezes… Não quero fulanizar, mas ultimamente, até há aí uma política que tem muito jeito e tal: nunca trabalhou na vida, nunca fez mais nada. Só vivem naquele circuito fechado. Eu contra mim falo – e desculpe já ter aqui começado a falar –, fui eleito deputado com 23 anos; era um miúdo. Não é que isso seja defeito. Nem acho que não deva haver deputados com essa idade. Mas, evidentemente que tinha uma visão da vida muito diferente da que tenho hoje aos 46 anos; e já tendo exercido outros cargos e trabalhado noutras funções e ter pagado ordenados, e ter empresas que correram bem e que correram mal, porque isso nos dá uma experiência de vida que é impossível ter aos 23 anos. O único defeito é quando se entra na bolha da política aos 19, 20, ou 23 anos, e não se sai dela; porque se vive num mundo artificial. E começa-se a falar das pessoas como um objecto, e que não se sabe muito bem qual é a vida deles. Quando eu era deputado, costumava dizer aos meus colegas – porque eu sou um bocadinho desbocado, para quem me conhece – que as alcatifas do Parlamento são muito grossas; e se as pessoas se habituam a andar só nelas, perdem o contacto com o chão e com a realidade. E muitas vezes, nos debates, fazem-se aquelas perguntas de algibeira: “sabe quanto é que custa o passe?”, ou “sabe quanto é que custa a refeição na cantina?”. E eles estudam só aqueles números para poderem responder à primeira. O problema é que não sabem a vida real das pessoas. E essa é que é a grande dificuldade. Isso acontece muito, e é generalizado, da esquerda à direita. Não vou dizer que isto é um problema da esquerda, da direita ou do centro, porque é generalizado; um problema da nossa classe política. Muitas vezes, desligada da realidade. E nós assistimos, às vezes, aos debates e parece que estão a falar de um mundo que não é aquele em que nós vivemos. Esse é que é o defeito.
Também há uma certa diabolização da política. Hoje, sente-se um grande divórcio entre a classe política e a população.
Sim. A vida política tem funcionado muito em circuito fechado. Contra mim falo. Às vezes, não se prioriza o contacto com as pessoas, ou só se prioriza quando é preciso ir buscar votos ou na campanha eleitoral. E, no intervalo, falha-se nisso. Eu, modestamente, tento combater um bocadinho isso. E quem tem lidado comigo – principalmente agora aqui na Assembleia Municipal e noutros cargos que desempenhei –, sabe que sou uma pessoa que vai ao terreno, que fala com as pessoas. Aliás, um dos princípios fundadores do Aliança era o princípio personalista, humanista, do contacto das pessoas. O nosso primeiro slogan era “das pessoas para as pessoas”. E tinha um bocadinho a ver com isto: com colocarmos a pessoa no centro da acção. Porque quando nós nos limitamos à macroeconomia… Eu não estou a dizer que não seja importante. Mas, e no caso concreto de Portugal neste momento, os índices macroeconómicos até são simpáticos. Nós temos uma redução da dívida pública abaixo dos 100%, que é uma coisa quase inédita. Temos temos tido superavits orçamentais, coisa que não existia, e a vida das pessoas está melhor. Esse é o problema; porque eu sei que nós temos de cumprir critérios internacionais, e quando nos pusemos de joelhos a pedir dinheiro para pagar contas, tivemos de nos sujeitar – em de 2011 a 2015, tivemos de pedir dinheiro emprestado para viver. E aí, temos de nos sujeitar às condições que nos impõem. Mas quando temos estas folgas, como temos neste momento, é preciso perceber se a vida das pessoas está melhor.
E de 2011, já vai um tempo.
Exacto. Mas há pessoas que gostam de ‘cristalizar’ em algumas épocas históricas para dizer que têm sempre razão. E os tempos mudam, e já mudaram muito; de 2011 até hoje, o mundo mudou. Aliás, nos últimos dois anos, o mundo mudou em muitas dimensões. Às vezes vemos debates na televisão, e falam na dívida pública e no PIB per capita… E em que é que isto se reflecte na vida das pessoas?
Até porque essas questões, como a dívida pública ou a questão do défice, também estão ligadas a outros factores que não têm propriamente a ver com a governação…
Claro. E não só com as opções políticas; têm a ver sobretudo com as próprias questões técnicas e tudo o que é a burocracia do Estado. Aliás, outra coisa muito interessante de se ver, é olhar para onde têm sido investidos os valores do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]. O PRR é dos maiores investimentos no país de sempre. É quase o segundo ouro do Brasil. Perto de 90% das verbas têm sido investidas na máquina do Estado. Portanto, continuamos a ter uma perspectiva de que o Estado comanda a vida. Isto tem chegado ao bolso das pessoas? Tenho dúvidas. Tem melhorado a qualidade dos serviços? Tenho dúvidas. Muitas vezes, perde-se na burocracia dos níveis intermédios de serviços e etc., e não chega àquilo que é o objectivo. Estamos a investir mais do que nunca na Saúde, como se tem dito muito, desde a pandemia. Há investimentos acima da média; e continua a haver filas de madrugada à porta dos centros de saúde e portugueses sem médico de família – eu sou um deles. Tudo isso se mantém. O problema não é só dinheiro. Eu lembro-me de, há muitos anos, quando o doutor Durão Barroso foi candidato a primeiro-ministro, fez-se uma Convenção no Coliseu. Eu era, na altura, da JSD [Juventude Social Democrata]. E na Convenção, o doutor Roquete, que tinha sido Presidente do Sporting, disse uma frase que é capaz de não ser original, mas foi a primeira vez que a ouvi e ficou-me gravada: “quando se deita dinheiro para cima dos problemas, há uma coisa que desaparece e não são os problemas”. Porque quando é um problema que não se resolve do ponto de vista estrutural, e só se atira dinheiro para o problema, o dinheiro desaparece e o problema não se resolve. E na Saúde, é isso que estamos a ver. Está-se a atirar dinheiro a rodos para o Serviço Nacional de Saúde. E se não houver reformas estruturais, e organização e reorganização de serviços, não adianta de nada; o dinheiro desaparece, os serviços continuam fracos, os profissionais desmotivados e as pessoas continuam sem terem os seus problemas resolvidos. Este é um paradigma de sociedade que temos de começar a pensar mudar. Não só do ponto de vista do investimento, mas muito e acima de tudo, do ponto de vista organizacional, e do ponto de vista “ao serviço de quê”. Porque os serviços públicos não podem estar ao serviço das estatísticas, mas sim ao serviço das pessoas. Se não estiverem, não servem para nada.
E daí, se calhar, também haver esse ‘divórcio’ da população, a sentir-se insatisfeita e a afastar-se da política. Aliás, vê-se sempre na elevadíssima abstenção.
Certo; porque, a certa altura, há a resignação, “para que hei-de votar, se isto não serve para nada?”
Olhando para soluções. O Aliança está, nestas eleições legislativas antecipadas, numa coligação com o movimento Partido da Terra [MPT], com o nome Alternativa 21, e a sigla “MPT.Aliança”. Estão a concorrer a quase todos os círculos eleitorais. Quer falar um bocadinho sobre isso?
Sim. Nós apresentámos candidaturas em todos os círculos eleitorais do país, também nas regiões autónomas e nas comunidades imigrantes. Tivemos um outro problema em alguns círculos eleitorais, alguns recursos que temos, porque coincidiu com a greve judicial e havia os problemas da entrega das listas. Mas tivemos candidatos em todo o país. Vamos ver como é que isto resulta, sendo certo que temos a noção de que, mesmo sendo uma coligação, a probabilidade de eleição em círculos pequenos é muito reduzida. Vamos apostar nos maiores círculos nacionais, como é evidente. Quando um partido concorre a eleições, o principal objectivo é a eleição, obviamente. “Viemos para participar”, ninguém acredita nessa história. Claro que queremos apresentar as nossas ideias, o programa, e manifesto eleitoral, mas o objectivo essencial é a eleição – não vamos escamotear. Houve aqui uma conjugação de sinergias de dois partidos, que estão presentes em muitas coligações autárquicas pelo país – é uma experiência que começou há dois anos –, entre os quais Lisboa, onde estamos inseridos na coligação Novos Tempos, que inclui também o PSD, o CDS e o PPM. Mas nós, na Aliança e MPT, acreditamos no projecto Novos Tempos. Achamos que esta AD agora criada é de outros tempos; mas isso é outra conversa, não quero estar a falar nisso. Mas achámos que devíamos criar sinergias de um centro-direita, [juntando] o Partido Aliança – um partido de cariz mais personalista e humanista – e o MPT – um partido que foi criado por Gonçalo Ribeiro Telles, muito no âmbito do ambientalismo, da Ecologia. E juntando estas vertentes num projecto de centro-direita, sem vergonha de o ser, que defende princípios de organização do Estado, de primado do humanismo e de Ambiente, que às vezes são associadas a outras áreas políticas, mas que nós defendemos sem qualquer receio; conjugando esforços e tentando a representação parlamentar, porque achamos que vale a pena. E falando agora num assunto que que devia ser discutido seriamente: há uma abstenção desmesurada. Mais de metade dos portugueses não vota, e é preciso perceber porquê. Neste momento, há 20 e tal partidos inscritos no Tribunal Constitucional. Da extrema-esquerda à extrema-direita; há N soluções onde as pessoas se podem rever. Porque é que ainda não se reveem? Se calhar, por culpa nossa, das nossas mensagens não chegarem; ou por culpa da comunicação social, porque entrevista sempre os mesmos. E honra seja feita, estamos aqui com uma excepção. Mas vê-se na televisão o tempo de antena que é dado é completamente díspar, ao contrário de outras democracias consolidadas. Porque, em rigor, quando começa uma eleição, é como num campeonato de futebol: estamos todos com zero pontos. Só que isso não acontece, as oportunidades não são iguais.
(Foto: Américo Coelho)
Mas por algum motivo, também há um certo divórcio entre a população, os telespectadores, os leitores e os órgãos de comunicação social.
Certo. Mas deixe-me só dizer uma coisa. Se calhar, seria interessante, na reforma do sistema político, que se começasse a pensar qualquer coisa deste género… Na abstenção, não concordo que deva ter reflexo no resultado eleitoral; mas nos votos em branco, sim. Se uma pessoa vai à cabine de voto, e diz que nenhum dos partidos lhe serve, e vota em branco, é uma manifestação política – não é pura e simplesmente não votar porque não lhe apetece. Se os votos em branco começassem a ser cadeiras vazias no Parlamento, se calhar, começávamos a aprimorar algumas coisas. Se por 10% de votos em branco, ficarem 20 cadeiras vazias no Parlamento, talvez fosse uma possibilidade de começar a resolver. E poupava-se em ordenados e em subvenções públicas aos partidos. Era uma questão de pensar nisso. Dificilmente os partidos com assento parlamentar aprovarão uma coisa deste género, mas era uma proposta para começarmos a desbravar alguns caminhos. Quando se fala de abstenção, e uma parte é de quem não quer saber… Mas outra coisa também importante é, às vezes, as dificuldades no acesso ao próprio voto. Nós vivemos no século XXI; o nome da nossa coligação Alternativa 21 é precisamente por isso. Mas nós ainda votamos como se votava no século XIX: temos de ir à Junta de Freguesia, fazer aquele todo aquele ritual. Não faz sentido nenhum. Mesmo o próprio processo eleitoral: a entrega de listas em papel, não sei quantos duplicados serem pendurados na porta dos tribunais, quando temos tecnologia, e-mails, Internet, divulgação pública; até para maior escrutínio, maior facilidade, e maior compreensão das pessoas e dos eleitores. E isto não existe porquê? Porque é que se cria barreiras? Aliás, normalmente as abstenções até estão mais nas classes mais jovens. Depois, daqueles que votam, as opiniões podem divergir. E actualmente, há uma tendência mais para a direita, enquanto que há 10 ou 15 anos, era mais para esquerda. Mas muitos dos que não votam, maioritariamente é porque sentem que estão distantes, que estão inacessíveis. Porque é que não se quebram estas barreiras? Continuamos a funcionar como funcionavam as eleições da Primeira República, e já se passaram 100 anos. Porque é que tem de continuar a ser assim? Se eu estiver a passar o fim-de-semana no Algarve, porque é que tenho de fazer 600 quilómetros para votar em Vila Real ou em Bragança? Agora, já há o voto antecipado, que tem alguma procura. A forma de voto antecipado na semana anterior poder ser onde queremos, e que levou a muitos inscritos, devia ter feito soar campainhas, do género: “epá, fizemos uma coisa diferente e as pessoas aderiram”. Será que é por não haver estes métodos que as pessoas não votam tanto? Mas depois, não há nenhuma reflexão… Porque é que o voto antecipado foi um sucesso? Porque facilita. Eu sou licenciado em Viana do Castelo porque é a terra onde nasci e onde vivi grande parte da minha vida. Se eu estiver em Lisboa e fizer voto antecipado, voto em Lisboa; mas se for ao dia, tenho de fazer 400 km para votar. E isto acontece aos estudantes deslocados, aos profissionais deslocados. Porque é que não se facilita o acesso ao voto electrónico? Eu não digo que se desvalorize o voto ao ponto de ser uma coisa absolutamente banal.
Não está a dizer que é para criar uma aplicação no telemóvel, como se fosse um jogo?
Sim, tipo o voto da “Máscara” da SIC ou coisas desse género… Não, não vamos por aí. Mas por exemplo, como as Pole Station, na Inglaterra, onde uma pessoa pode estar em qualquer ponto do país, dirige-se a um boletim de um ponto e vota lá. E o seu voto é encaminhado para o seu círculo. Porque é que as coisas não podem ser assim? A democracia parece… Nós estamos a comemorar os 50 anos do 25 de Abril, e isto não deixa de ser curioso, porque notamos que há um imenso divórcio das pessoas com a participação democrática. Isto não preocupa ninguém? Aliás, qual a melhor forma de comemorar os 50 anos de democracia e de liberdade do que com três parlamentos dissolvidos, dois regionais e o nacional?
É simbólico?
Quando é baseado em casos de corrupção, de eventuais desvios de dinheiro… É este o estado da arte: os 50 anos da democracia são brindados com três eleições antecipadas nos três parlamentos. Ninguém acha isto estranho? Continuamos a seguir assim, deixamos o discurso dos problemas para quem berra, para os populismos fáceis?
Jorge Nuno Sá, como líder do Aliança, durante o debate dos ‘pequenos partidos’ na RTP para as eleições legislativas de 2022.
Ou para debates de 20 minutos…
Sim, debates de 20 minutos, onde se debate muito a espuma dos dias. Tivemos eleições há dois anos, com uma maioria absoluta que não se previa durante a campanha. E passados dois anos, estamos novamente em eleições. Quem for rigoroso e sério na análise – apesar de haver, como dissemos há pouco, níveis macroeconómicos que estão aparentemente melhores –, quando falamos dos problemas concretos das pessoas, as classes profissionais mais sacrificadas, como enfermeiros, polícias, professores… As questões nacionais para a Agricultura, as questões relacionadas com a Habitação, a inflação, eram as mesmas de há dois anos, numa escala pior. Pouco mudou. No entanto, houve uma maioria absoluta. O segundo maior partido, líder da oposição, continua a ser o mesmo, com grande votação. Aumentou-se os que berram muito no Parlamento, mas que pouco resolvem, e as coisas no país ficaram na mesma. Portanto, mesmo para o eleitor comum, devia pensar: “mas valerá a pena continuar a votar neste sistema ou nos mesmos”? A reflexão deve ser profunda, porque os problemas são os mesmos. Há dois anos, tive a oportunidade de participar num debate na RTP, com os partidos sem assento parlamentar, e fui o único que falei disto. Porque irrita-me um bocadinho perder tempo na vida. Gosto de fazer coisas, e irrita-me muito perder tempo. E mais de metade do tempo dos debates de 20 minutos entre os líderes de partidos era o “quem quer casar com a carochinha?”, “quem vai fazer coligação com quem?”. Quer dizer, passava-se metade dos debates nisto. Estamos quase a chegar ao mesmo ponto, sobretudo depois das eleições dos Açores. E, na altura, eu dizia que ninguém fala de duas coisas. Por exemplo, da crise inflacionista. Os bens de consumo – o arroz, o açúcar, o óleo, a farinha – estavam com aumentos de 25% a 30% há dois anos. Hoje, há aumentos de 100%, ou seja, os preços destes produtos duplicaram. Eu falo disto porque, tal como muitos outros, vou ao supermercado fazer compras; e já se sabia há dois anos, e não era por causa da guerra da Ucrânia, que ainda não tinha começado. Era mesmo por causa da sequência, evidentemente, das crises internacionais, da crise da covid-19, etc. As guerras na Ucrânia e em Israel agora só vêm agravar e acentuar o problema, mas isto já existia. E como é que se permite que os partidos que são responsáveis por elaborações de orçamentos no Parlamento, passem mais de metade do tempo a discutir com quem se vão casar ou de quem se vão divorciar, do que discutir estes problemas concretos? Na altura, eu lembro-me bem, quando ia a caminho desse debate, que havia por Lisboa espalhadas uma série de vacas em cartão, onde falavam dos preços… Em Dezembro de 2020, fiz um tempo de antena do Partido Aliança, onde falava precisamente do aumento dos custos de produção dos agricultores, e que não era esse o reflexo do aumento dos preços de consumo; antes pelo contrário. Continuavam a ser preços baixos pagos aos agricultores, enquanto continuava os aumentos do preço ao consumidor. Portanto, havia qualquer coisa que estava mal. Mas ninguém ligou nenhuma. Tivemos a ministra da Agricultura, se calhar, mais incompetente do último século. As coisas continuaram assim, e temos os agricultores nas ruas, e com razão. Só que não é nada que não se soubesse, não é nada de hoje! Eu não sou propriamente um ‘expert’ em agricultura, mas era uma coisa evidente: o aumento dos combustíveis, o aumento dos adubos, com a guerra da Ucrânia, o aumento dos preços da água, a manutenção do preço de compra ao agricultor por parte das cadeias distribuição… Alguma coisa tinha de rebentar um dia.
Em termos de propostas, o que é a Alternativa 21? No âmbito das próximas eleições. que propostas têm para algumas dessas questões, nomeadamente os baixos rendimentos das famílias, os problemas do custo de vida, a crise na Habitação e na Saúde?
Por uma questão de respeito institucional, não queria adiantar muitas medidas. Não é que não as tenhamos, mas à hora e dia que estamos a gravar – não sei se posso dizer, mas estamos a gravar na sexta-feira de manhã [dia 9 de Fevereiro] –, e temos hoje à tarde a reunião para aprovação do programa eleitoral. Sendo que estão envolvidos dois partidos e personalidades independentes, seria muito deselegante da minha parte estar a avançar algo. Se quiser falar comigo para a semana, terei todo o gosto em voltar a falar sobre isto.
Falemos no caso do Aliança. Que propostas gostaria de apresentar aos portugueses?
Sim, sobre isso posso falar com mais propriedade, porque estou mais à vontade sobre isso.
Que soluções e medidas podem ser tomadas?
Evidentemente; coisas muito simples. Há [por aí] um ‘leilão das pensões’, que se tem falado em coisas completamente irreais, de dizer que têm de ser de 1.000 euros. Aliás, como a questão do salário mínimo. Há uma coisa muito importante que eu aprendi há muitos anos, que é básica e que toda a gente percebe: só se pode redistribuir o que se ganha. Se não se conseguir colher na Economia, em impostos, que é daí que vem o dinheiro… O “dinheiro público” não existe. Margaret Thatcher dizia isto há 40 anos e parece que muita gente ainda não percebeu. Aquilo que existe é dinheiro dos contribuintes e dos impostos. E, portanto, o que nós temos de saber é como se aplica esse dinheiro, e onde se vai buscar. Para existir redistribuição, tem de haver riqueza. A doutora Manuela Ferreira Leite dizia, com graça, quando era ministra das Finanças: “eu não me importo nada que haja ricos que comprem iates; quando eles forem comprar iates, eu tenho é de os taxar para ir lá buscar as taxas suficientes para poder reintroduzir no sistema de Saúde, da Segurança Social, etc.”
Mas sabemos que quem tem mais meios financeiros, aquilo que acaba por fazer é colocar a sua riqueza noutras regiões onde sai favorecido em termos fiscais.
Mas tem a ver muito com isso… Também não adianta, e isto existe particularmente à esquerda, a ideia de que se pode estar sempre a aumentar impostos. E chega-se a um momento, está estudado – eu não sou propriamente fiscalista nem economista, nem especialista na área, mas sei que do que conheço e do que vejo – que se chama “exaustão fiscal”. Ou seja, a partir de certa altura pode-se aumentar o que quiser, que não se faz mais receita. Porquê? Porque quem tem meios foge com o dinheiro para outras paragens, e estar sempre a sobrecarregar a classe média não resolve problema nenhum, porque se está a criar dificuldades. Mas, evidentemente, os aumentos de rendimentos, de reformas e apoios sociais, custam dinheiro. Não temos de escamotear isto. Assim como também custa dinheiro, por exemplo, meter 3 mil milhões de euros na TAP. O que estamos aqui a falar é de prioridades.
Ou seja, de gerir bem o dinheiro dos contribuintes?
Sim, e de saber quais são as prioridades de investimento. E aqui coloca-se muito a questão: qual é o papel do Estado? E aí há uma divergência substantiva entre esquerda e direita. Quando a esquerda entende que o Estado deve ter um papel de actor económico, à direita entende-se que não, que o Estado pode ter um papel fiscalizador e regulador, mas não de actor económico. E eu sou de direita, sem qualquer ‘trauma’ nem dificuldade em assumi-lo. Sempre fui, aliás.
Portanto, pensa que foi mal aplicado o dinheiro da TAP? Aliás, já tornou público que acredita que o dinheiro poderia ter sido aplicado noutras circunstâncias.
Sim; durante a campanha, há dois anos, falava-se só de 400 milhões na TAP. Esta verba podia ser aplicada, por exemplo, a aumentar as pensões mínimas para um índice igual ao IAS.
Mas esse dinheiro da TAP já desapareceu…
Certo. E ao contrário da fantasia de que o vamos recuperar, o melhor é esquecer, acreditar que a TAP continuará a ser uma grande companhia, e desejar-lhe bom futuro. Não sendo eu propriamente um cliente da TAP, mas acreditando que é a companhia pode ter um papel… Vamos cá ver uma abordagem sobre a TAP, enquanto papel estratégico para Portugal. É um bocadinho o que se passa com a comunicação social, com a RTP: interessa-nos ter uma companhia pública, ou um serviço público? É que as questões são diferentes: porque se nos interessa, na TAP, ter a ligação aos países de língua oficial portuguesa, e às nossas comunidades imigrantes, nomeadamente Venezuela, Canadá, parte dos Estados Unidos, Extremo Oriente, nós precisamos de ter uma companhia pública ou de ter um serviço público que o faça? Isto faz muita diferença. Uma questão é estarmos a atirar dinheiro para uma companhia pública que teve buracos sucessivos por má gestão. E não estou aqui a falar dos profissionais da TAP; temos grande tradição na manutenção e engenharia da TAP, grandes pilotos, etc. Não é isso que está em causa. Mas é o serviço que a companhia presta. Sobre a ligação às regiões autónomas, que hoje é muito falada: não é mais barato viajar na TAP. Muitos dos nossos concidadãos dos Açores e da Madeira não optam pela TAP para viajar. E o que interessa ao Estado: que o serviço exista ou que seja feito por uma companhia pública? É como a RTP. O que interessa é haver serviço público de informação ou haver uma empresa pública que o faça? Tem muito a ver com definirmos aquilo que queremos, porque eu não acho mal haver financiamento público para as ligações aos PALOP, às comunidades emigrantes portuguesas e às regiões autónomas, porque, de facto, temos de assegurar que estas ligações existem. Mas já me faz um bocadinho mais de confusão que tenha de ser uma empresa pública a fazê-lo.
Jorge Nuno Sá, o primeiro à direita, integrou a coligação Novos Tempos nas eleições autárquicas de Lisboa em 2021, sendo eleito deputado municipal.
Portanto, o que diz é que esta visão tem estado a retirar muito dinheiro ao país que poderia ser aplicado noutras coisas. Porque além da TAP, podemos falar de muitas outras empresas na esfera pública e muitos outros projectos.
Sim. Eu lembro-me quando houve a primeira intervenção de grandes privatizações de empresas diversas. Nós vivemos de crise em crise, mas falo da crise de 2001, em que o engenheiro Guterres saiu devido ao “pântano”. Havia dificuldades orçamentais, défice orçamental excessivo, e até uma salsicharia o Estado tinha, algures na região de Santarém, se a minha memória não me atraiçoa. Mas lembro-me que até uma salsicharia tínhamos! Que sentido é que faz? Isto não é Cuba, em que até os cafés são do Estado.
Já que está a tocar nesse ponto, e antes de avançarmos para outras medidas concretas, penso ser bom esclarecer isto: sente-se muito, sobretudo na comunicação social, uma certa diabolização da direita e um olhar para a ideologia liberal como sendo algo mau. E eu vejo muito isso em debates, e em artigos na imprensa. Faz algum sentido, nos dias de hoje?
Não faz, e até há um erro de percepção. A direita, nem toda é ultraliberal. Vamos lá ver se nos entendemos: a nossa raiz é conservadora. E isto pode parecer contraditório, mas estudar Ciência Política às vezes dá jeito. A raiz do liberalismo e do conservadorismo vem dos ingleses, de conservadores liberais. Eram conservadores nos valores, no Estado, e eram liberais na Economia. E depois houve algumas divergências de caminho. Mesmo em Portugal, a Iniciativa Liberal tenta ser um partido liberal puro, mas muitas vezes tem dificuldade em definir se é de direita ou de esquerda. É difícil para um partido de direita dizer que defende a eutanásia, por exemplo. Nem sempre a leitura pode ser tão simplista como pôr liberais à direita. Mas aquilo que, de facto, se mostra uma marca distintiva da direita é a intervenção do Estado na Economia, que deve ser mínima. Deve ser regulador, fiscalizador, e não actor; esta é a diferença principal.
Portanto, a gestão dos bens públicos deve ser feita numa abordagem mais racional.
Certo. E a gestão da TAP foi muito sintomática nos últimos anos. A Comissão de Inquérito e os WhatsApps da vida, e as indemnizações… Notou-se que havia um dirigismo do ministro de então, hoje candidato a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos, em que ele próprio quase dirigia a empresa como se fosse, não um CEO formal, mas, se calhar, uma espécie de chairman, que dava orientações para a empresa. E isto é completamente errado!
Mas aí tem a ver com aquilo que falava há pouco: a diferença entre pensar-se que o dinheiro é público, e quem está no poder controla as empresas como se fossem suas; ou se é o dinheiro dos contribuintes.
É exactamente a mesma base ideológica. E eu percebo que à esquerda se pense assim; que as empresas públicas têm de ser dirigidas pelos governos – como se viu em Portugal nos últimos 50 anos, com péssimos resultados, e com défices acumulados, com uma injecção de dinheiros públicos. Dinheiros públicos, que, tal como disse, saem do bolso dos contribuintes. Não sei se todos atentaram a isto, mas, num comentário bastante boçal, um dos agora acusados desta operação da Madeira, numa inauguração, uma jornalista pergunta-lhe, não sei se de uma forma ingénua ou propositada: “mas quem é que vai pagar isto?” E o senhor aponta para ela e diz: “é você”. E isto é sintomático daquilo que se pensa da gestão do dinheiro público; porque, de facto, é cada um dos contribuintes que o paga. E esta desresponsabilização da administração do dinheiro público é, para mim, assustadora. Eu não tenho nada contra a TAP…
Há medidas que se podiam fazer, nomeadamente este aumento das reformas mínimas para um nível mínimo – o IAS, que é o indexante de apoios sociais e ronda os 500 euros para as pessoas –, que é considerado pelo Estado como bitola de cálculo para atribuição de apoios sociais. Não devia haver nenhuma pensão mínima abaixo disto. E não falo do salário mínimo, porque é um crescimento que os dinheiros públicos não aguentam.
Mas sem aumentar impostos, como se faz essa ‘ginástica’?
Esta é possível. Já propusemos, em tempos, aumentar em 50% o subsídio de alimentação dos funcionários públicos. Estas duas medidas somadas rondarão os 400 milhões de euros, que é menos de metade da primeira injecção de capital feita na TAP. Portanto, não me digam que este dinheiro não existe; é uma questão de gestão do dinheiro.
Ou seja, se quisermos, ele aparece. Nos Estados Unidos há o mesmo problema, porque também se criam milhares de milhões para determinados fins, mas para outros…
O dinheiro não se produz; não se imprime notas conforme precisamos. Mas é uma questão de saber onde podemos cortar, e onde podemos investir. Essa nossa proposta de aumento de 50% do subsídio de refeição dos funcionários públicos não é um aumento salarial. Mas além de ser um aumento que se sentiria mais directamente no bolso das pessoas, é também um dinheiro que se sente imediatamente na Economia. Porque estamos a falar de as pessoas usarem-no para consumo porque precisam, e também injectam directamente na Economia. E estas contas devem ser feitas. Eu tive o privilégio de estar na comissão municipal que acompanhou a Jornada Mundial da Juventude e falou-se muito de dinheiros públicos – muito, e mal.
Até houve um artista, Bordalo II, que fez aquela intervenção bastante polémica.
Sim, aquele artista que recebe pipas de dinheiro em ajustes directos nas suas obras pagas por entidades públicas; e, para os seus ajustes directos, ele não tem problema nenhum, só para os dos outros… Portanto, estamos a falar de coerência. Mas voltando à questão da Jornada. Antes, falou-se muito da Jornada, mas depois de serem apresentadas contas, tem-se falado muito pouco. De facto, foi investido dinheiro, mas o retorno económico e financeiro da Jornada é enorme. E parece que há vergonha de dizer isto. Eu não tenho nenhum problema: fui um grande defensor da organização da Jornada, porque eventos deste género trazem mais-valias tangíveis e intangíveis. As intangíveis têm a ver com o crédito do país. E já podemos voltar a isso. E as intangíveis têm a ver com o dinheiro que reverte directamente da iniciativa. Eu fartei-me de fazer contas nesta área. Houve uma série de inscritos internacionais e nacionais que vieram a Lisboa para a Jornada que pagaram à organização um valor, e desse direito a dormida, alimentação, etc. A alimentação foi fornecida por restaurantes locais, cadeias de supermercados, etc. Teve de se recrutar, inclusivamente, porque a oferta de Lisboa não chegava; estamos a falar de ter triplicado a população de Lisboa durante aquela semana. Só o valor do IVA das refeições pré-pagas é superior ao investimento, por exemplo, no famoso palco; que não tem a ver com o palco, mas com toda a infraestrutura que existia em Beirolas, do aterro que existia, que foi todo reformulado, e que hoje é um parque urbano ao serviço das pessoas na cidade. Mas só o IVA das refeições pré-pagas, paga isso. Sem falar de todo o resto da dimensão de gastos. Fale-se com os comerciantes. Claro que não foi nessa semana que as marcas de luxo da Avenida da Liberdade ganharam dinheiro, porque teve até a Avenida fechada, muita confusão na rua e esses clientes de gama altíssima desapareceram da cidade. Mas os pequenos comerciantes venderam tudo o que tinham e o que não tinham, desde água a bebidas e comida. Houve uma movimentação económica, aliás, como tem sido vista em todos os relatórios, muito superior ao investimento. E isso é um bom investimento público.
Mas não houve também alguns ataques que poderiam ter a ver com questões de ideologia, e o facto de ser a religião católica?
Sim, claro que teve a ver com o radicalismo jacobino, anticlerical e anti-Igreja Católica. Eu sou cristão apostólico romano. Mas acima de tudo, sou um grande defensor da liberdade religiosa. Se amanhã me disserem que as igrejas evangélicas querem fazer um grande evento em Portugal, eu acho que pode ser apoiado, na medida em que o Estado deve apoiar as religiões, desde que traga uma contrapartida. E a Jornada foi um grande negócio público. Aliás, que eu me recorde, e não sou assim tão velho, mas das últimas quatro décadas, foi a primeira vez que houve um grande evento que deu lucro. Nós já investimos milhões em estádios de futebol para estarem às moscas. Investimos em muitos equipamentos para vários eventos que dão prejuízo… Este foi tão criticado e foi um evento altamente lucrativo, e sem contar, depois, com aquilo que é intangível. Não sei se acompanha esta área, mas eu gosto muito de exposições e vou muito, até por questões profissionais. A Alimentaria, que era uma feira bi-anual para a área profissional do ramo alimentar, mudou de nome há dois anos ou três. E eu achei estranho; numa visita institucional que fiz à FIL, passou a ser “Lisbon Food Affair”. E a Alimentaria era de dois em dois anos para não conflituar com outra que existia, também bi-anual, em Barcelona. Portanto, eram complementares. Quando alteraram o nome para Lisbon Food Affair, começaram a ser concorrenciais com Barcelona; um passo arrojado, a fazer concorrência e a atrair os melhores. E eu perguntei aos responsáveis: “não acham arriscado ao fim de tantos anos, mudar a marca, deixar de ser Alimentaria e passar a ser Lisbon Food Affairs?”. E disseram que não, que foi o melhor investimento que fizeram, porque tinham de pôr o nome de “Lisboa” na Feira. Porque Lisboa e Portugal neste momento são marcas por causa da Web Summit. E a Web Summit foi trazida por governos que nunca foram apoiados por mim. Mas por causa da Jornada Mundial da Juventude e por uma série de eventos, Lisboa atrai investimento e capital. Este património e benefício intangível não é directo dos eventos, mas é um proveito para o país, e nós temos ganhado muito à conta disto. Claro, com alguns problemas, que depois temos de resolver. Mas não nos podemos esquecer, nem podemos ‘matar’ as nossas galinhas dos ovos de ouro, que depois se podem repercutir precisamente naquilo que falávamos: em apoios aos mais carenciados, aos mais desprotegidos, aos nossos profissionais. Nós temos classes, aliás, altamente desprestigiadas, precisamente por serem maltratadas pelo Estado – falo concretamente de professores, polícias, forças de segurança no geral – que têm estado nas ruas com toda a razão; como já estavam há dois anos, pelos mesmos motivos.
Foto de 2019, Jorge Nuno Sá com Pedro Santana Lopes, fundador do Aliança.
E se é verdade que Lisboa mudou, também houve uma questão que tem afectado bastante os lisboetas e os portugueses, em geral: o custo da Habitação, que está completamente incomportável. Que soluções o Aliança vê para esta questão?
Aqui, queria começar por dar um exemplo pessoal, mas o meu exemplo pessoal é verdadeiro, não é como a doutora Mariana Mortágua que falou de uma avó que parece não existir [risos]. E eu próprio fui vítima disso: tinha casa em Lisboa, o meu senhorio faleceu e os herdeiros opuseram-se à renovação e puseram as pessoas mais antigas na rua – eu já vivia lá há 12 anos – para poderem duplicar preço das rendas sem fazer qualquer investimento. Criou-se, na Habitação, aquilo que pode ter sido a tempestade mais perfeita nas crises, porque se juntaram várias dinâmicas ao mesmo tempo. Primeiro, a chamada “Lei Cristas”, sobre a qual eu tenho algumas reservas, mas não me oponho, globalmente, ao seu significado. Não fazia sentido termos rendas congeladas há 40 e 50 anos por um motivo simples: temos sempre a ideia de pensar nos senhorios como especuladores, gente com muito capital… Em alguns casos, é verdade; não são todos santos. Mas, como em todas as classes, não se pode estigmatizar e dizer que são todos uns vigaristas. Ver manifestações a dizer “morte aos senhorios” é inqualificável. Aliás, podemos falar também da radicalização e das fracturas sociais a que o discurso político tem levado nos últimos anos, que é uma coisa que eu não tolero em momento algum. Admitir-se a frase “morte aos senhorios” é entrarmos numa escalada irreversível. Houve muita gente – e nós sabemos disto – que, nos anos 1960-70, o aforro que faziam não era a poupança nos bancos, como hoje se usa, mas era comprar propriedade para depois terem ali a sua reforma. Muita gente que veio do interior do país para Lisboa trabalhar, em cafés e restaurantes, investiu em imobiliário para depois pôr a render para as suas reformas. E isto não pode ser esquecido, porque é uma vertente importante, e não compete a essa gente fazer caridade social. Isso compete ao Estado. E esta primeira parte da questão das rendas tinha de ser resolvida. O problema é que coincidiu com uma tempestade perfeita: um ‘boom’ de turismo, a questão dos vistos Gold nas áreas urbanas e uma diminuição na construção. Portanto, estes factores, todos conjugados, levam a um brutal aumento de preços, sem ter sido acompanhado de medidas que o prevenissem.
Para além de problemas estruturais, como por exemplo, os baixos salários, até para os jovens e as famílias, que não têm meios até para comprar uma casa…
Certo. Não houve capacidade – e aqui estamos a falar principalmente a nível municipal – de criar mecanismos que permitissem contrariar algumas destas tendências.
Neste caso, e concretizando, o Aliança também pensa que pode passar pelas autarquias a resolução do problema?
O Plano Especial de Erradicação de Barracas [PER], do Governo do Professor Cavaco Silva, faz agora 30 anos. Não sendo eu um cavaquista, acho que o PER é, talvez, a par de muitas outras iniciativas, a maior marca de política social do Professor Cavaco Silva.
E para quem não sabe, Lisboa tinha muitos bairros de casas muito degradadas.
Sim, as pessoas viviam as pessoas em condições degradadíssimas e houve um salto qualitativo brutal nos anos de 1990, de um Governo que teve coragem, e das câmaras que o acompanharam. A Câmara de Lisboa era liderada pelo doutor Jorge Sampaio, na altura secretário-geral do Partido Socialista. Algumas outras câmaras da região de Lisboa eram socialistas, do PSD… O PCP teve mais relutância, principalmente na Margem Sul, em aderir ao PER, e por isso fenómenos como o bairro da Jamaica se prolongaram até agora. Com muita culpa de quem gosta de viver da miséria e o Partido Comunista nisso tem algumas culpas no cartório. Mas é preciso um novo plano, corajoso. E não é com medidas que nós vemos serem anunciados com pompa e circunstância que depois resultam em pouquíssimos casos. As primeiras medidas da habitação do plano de rendas apoiadas, quando se ia fazer as contas por cada concelho, dava meia dúzia de casas por concelho. Estas medidas, além de não terem efeito, depois diluem-se de tal forma que não tem qualquer significado. Dou um exemplo concreto de Lisboa: Lisboa está a fazer, e o presidente Carlos Moedas bem, ao libertarem uma série de casas que estavam desocupadas, para poderem ser ocupadas de imediato. São quase um milhar de casas que estavam em condições degradantes, e estão a ser reabilitadas e repostas no mercado; e está a fazer o maior investimento de sempre em imobiliário. Isto faz sentido. Lá está: não sendo eu um defensor do Estado enquanto actor, o Estado tem de intervir no mercado quando há falhas; e neste momento tem. Não só criando condições de habitação pública, como tirando algumas barreiras à construção privada para que ela possa existir. E não estamos a falar de rebentar com tudo que é espaços verdes para construir prédios. Há muitas coisas que podem ser feitas, preservando uma qualidade de vida. E aí, em homenagem ao nosso parceiro de coligação MPT: visionários como Gonçalo Ribeiro Telles, que explicaram isto há muito tempo, da manutenção dos corredores verdes e das linhas de água, etc. Mas corrigindo erros, por exemplo, como construções em cave, que são inadmissíveis, mas criando condições para urbanização. Dou um exemplo concreto: terrenos vendidos pelo Estado para urbanização. Um exemplo paradigmático são os terrenos em Alcântara, que estiveram ali debaixo da ponte, durante anos esventrados a céu aberto e agora foram construídos prédios de serviços, essencialmente. O Estado vendeu aqueles terrenos para serem urbanizados, e demorou mais de 20 anos a licenciar as urbanizações – isto não pode acontecer. Este ‘monstro’ burocrático. Ainda por cima há quase uma questão de má fé, de ser o próprio Estado a vender para urbanizar, e depois não autorizar os licenciamentos. Como é possível um investidor privado gastar uma fortuna a comprar um terreno para urbanizar, e depois ter de esperar 20 ou 30 anos para poder concretizar o projecto? Ninguém aguenta isto.
Há também a pressão turística e das casas que são utilizadas para alojamento local…
Certo; se bem que aí há alguns mitos urbanos. E a forma como tem sido gerida esta ideia, de um dia para outro, proibir tudo, que leva a uma corrida às licenças, e que é pernicioso… Não nos podemos esquecer que o alojamento local e o turismo permitiram a reabilitação das nossas cidades em grande medida, e nós não podemos ser ingratos. O Estado tem de ser uma pessoa de bem e não pode usar os actores económicos à sua mercê, como bem apetece. Tem de saber controlar a amplitude das suas acções, e parece-me haver alguma leviandade em algumas decisões, e depois há um retrocesso quase histérico de dizer: “isto é que é o mal do mundo”, e não é. O mal foi não se saber programar as coisas. Na Habitação, tem de haver pacotes de medidas que fomentem a habitação pública, por um lado. E a possibilidade da construção da habitação privada; dar condições aos jovens, nomeadamente com a redução da carga fiscal, e aceleração de processos de licenciamento. Actualmente, o acesso ao crédito está muito dificultado, e não é só por uma questão da possibilidade do pagamento. É por uma questão, também, do próprio mercado financeiro ter evoluído de uma forma que não é possível a um jovem aderir ao crédito. Quando se exige 20% ou 30% de uma entrada inicial, se não forem os pais a pagar, qual é o jovem de 20 ou 25 anos que conseguiu aforrar para ter 20% ou 30% do valor de uma casa para poder investir de um momento para o outro? Isto não existe. O Estado podia aqui até ser garantia para alguns destes casos. Não tinha mal nenhum.
Jorge Nuno Sá, em 2019, no primeiro congresso do Aliança.
Até porque o mercado de trabalho também está diferente. Os contratos de trabalho são diferentes.
Claro. Como é evidente, vivemos num mundo cada vez mais flexível e não podemos criar regras que se tornem inflexíveis. Isto não é deitar dinheiro ao desbarato. Por exemplo, mais importante do que dar garantias à banca para poder continuar a fazer investimentos loucos e depois ir à bancarrota, se calhar era mais rentável o Estado dar garantias aos jovens que depois um dia vão pagar aquelas casas, e o que pagam em impostos e em outras matérias, revertem logo para o Estado. É sempre uma questão de prioridades e de investimento. E, neste momento, a Habitação é um problema nacional grave e não pode continuar a ser adiado.
E jovens vão saindo do país, enquanto temos um fluxo migratório que, aliás, faz parte também da política europeia de integração e de acolhimento. E aí, queria também ver se é verdade que existe um mito relativamente àquilo que são as posições dos partidos ditos conservadores ou de direita: de estarem contra a imigração, a inclusão e a tolerância e tudo o que tenha a ver com questões de género. São mitos?
São, em larga medida. E basta conhecer as pessoas. Isso tem muito a ver com a polarização da sociedade. Já há bocado abordámos, e vamos agora a esse tema. Mas quero dizer isto claramente sobre a imigração: eu tenho vida partidária pública há quase 30 anos, e sempre disse o mesmo. Nós temos de ser rigorosos na entrada para ser generosos no acolhimento. Não há aqui xenofobia nenhuma, nem racismo, nem treta nenhuma que queiram colar. Aliás, quem me conhece e sabe a minha vida pessoal, sabe perfeitamente que sou o último discriminador. Sou a última pessoa que podem chamar discriminador do que quer que seja. Agora, não adianta ter uma política de portas 100% abertas para depois ter as pessoas na miséria em Portugal. Houve aqui um movimento que foi travado em larga medida… Quando houve agora esta revolução dos transportes na Área Metropolitana de Lisboa, e criada a Carris Metropolitana, havia anúncios de muitas empresas fornecedoras de serviços a pedir motoristas de língua oficial portuguesa. De forma um bocadinho irresponsável, disseram aos ditos PALOP: “venham que temos trabalho”. Isto não pode ser assim. As pessoas não podem vir ao engano; porque depois tivemos a questão dos timorenses que foram todos dormir para tendas para o meio da cidade de Lisboa, porque não tinham os empregos prometidos. Não podemos enganar as pessoas. Evidentemente, precisamos de imigrantes. Isso, penso que toda a gente sabe, porque temos precisado de mão-de-obra. Eles pagam impostos. Temos de saber o que precisamos e para o que precisamos; e não temos de ter um controlador à porta a dizer: “este pode entrar, porque é branco, este não pode entrar, porque é amarelo”. Não podemos criar uma clivagem. Nós estamos aqui na Avenida de Roma, a fazer esta gravação, e do outro lado da rua existe um supermercado, e não digo a marca para não fazer publicidade, eu assisti, na semana passada, a uma cena que me chocou e indignou e fez pensar no país que estamos a construir com esta polarização política: uma senhora mais velha, uma funcionária não-branca, do estabelecimento, vira-se a certa altura com alguns palavrões, e diz: “volta para a tua terra, estás aqui à minha conta”. E a outra senhora responde-lhe: “sua velha, eu é que pago impostos para pagar a tua pensão”. Isto é uma sociedade que nós queremos? Aquela senhora mais velha de certeza que ganhou uma pensão por uma vida de trabalho, e tem todo o direito; e a outra senhora, nem sei se é imigrante ou se é uma portuguesa tão de gema como qualquer um de nós… a cor da pele não pode caracterizar, porque não é por aí… Mas esta agressividade, esta polarização da sociedade, não nos leva a lado nenhum. Eu sou de direita, e há um partido de direita em franco crescimento, não questiono, que consegue federar o descontentamento como ninguém. Para quê? Para ter 12 deputados que berram no Parlamento? Eu vou dizer isto, e é a primeira vez que vou usar esta frase: o PAN, com um deputado, foi mais eficaz ao longo desta legislatura do que o partido de extrema-direita Chega ao longo desta legislatura com 12 deputados. Por um motivo simples: o PAN com a sua deputada conseguiu aprovar algumas medidas legislativas – boas ou más, não estou sequer a discutir o mérito das mesmas –, conseguindo dialogar e conversar com outros partidos. Conseguiu levar para o seu eleitorado algumas conquistas. A direita radical não levou nada. Aquele tipo de discurso de ódio, de berro e de insulto permanente… As pessoas podem ficar muito satisfeitas, podem bater muitas palmas e delirar com isto. O problema, a consequência, é [que vale] nada. Qual é o resultado prático? Nenhum.
Mas nesta vossa coligação, na Alternativa 21, têm como cabeça de lista por Lisboa um fundador do partido Chega, Nuno Afonso, antigo braço-direito de André Ventura. E é candidato independente. Espera com isso que vá roubar alguns dos votos que eventualmente poderiam ir para o Chega, até por via desse ruído que normalmente existe?
O Nuno Afonso, que é vereador na Câmara de Sintra, é um quadro altamente qualificado. E é com muito gosto que o apresentamos a eleições, e que pode ser eleito deputado. E é uma direita de confiança e de diálogo, como já demonstrou na sua acção na Câmara de Sintra. Ele foi fundador do Chega, certo. Tal como eu, foi militante do PSD, e acreditava num projecto de direita que conseguisse construir uma alternativa. E ele chegou a uma conclusão simples e óbvia: com o berro e o grito constante, não se constrói nada; destrói-se. Cria-se esta sociedade polarizada na qual eu não quero viver. Não quero viver numa sociedade de permanente insulto, parece-me um jogo da bola Benfica-Porto todos os dias.
Como observadora, vejo também muito um instigar de polarização por via de partidos da esquerda. E bullying também.
Claro. Os cartazes ofensivos do Chega não ficam nada a dever aos cartazes do PSR do princípio dos anos 1990. Estamos a falar do mesmo tipo de abordagem.
E, aliás, só aqui uma nota: há jornalistas e comentadores que, apenas por questionarem determinados temas, são apontados logo como extrema-direita e outros termos depreciativos.
Claro. Precisamente. Os extremos são iguaizinhos, tocam-se. Eles são tão extremos que acabam por se tocar. Aliás, o próprio Partido Socialista tem beneficiado muito desta polarização da sociedade, porque faz insuflar o Chega e depois grita: “vêm aí os fascistas; nós somos os salvadores”. Na Biologia, há um ser que eu aprecio muito: o líquen, que vemos nas árvores, de manchas coloridas nos troncos das árvores. É um fungo e uma alga juntos; não é um ser, são dois seres completamente diferentes, mas não vivem um sem o outro. Neste momento, a extrema-direita e o Partido Socialista são quase um líquen; alimentam-se um do outro para sobreviver. E o Partido Socialista vai pagar com língua de palmo esta atitude. Deste diálogo não nasce nada, apenas se polariza a sociedade e se criam estes conflitos. Isto não leva a lado nenhum. Aliás, temos um mundo cada vez mais intolerante e o estado a que estamos a chegar é evidente: guerras a rebentar por todo lado, crise económica, pessoas a serem atiradas para as franjas, para a pobreza e para a miséria, porque se perdeu a capacidade de dialogar.
Mas a própria Comissão Europeia, e saindo um pouco do país, tem dado também alguns maus exemplos. E durante a pandemia, fez isso: puxar pela polarização, colocar pessoas e cidadãos uns contra os outros, e encetar por medidas que são muito pouco democráticas.
Isto é aquela velha clássica que vem dos romanos, que era juntarmo-nos contra o inimigo externo. E criar um inimigo externo muitas vezes para lutar contra ele, para reforçar o poder. É o princípio errado da política. A política, a polis, é a construção da cidade, ainda com os gregos. A cidade só se faz em diálogo, em conversa; evidentemente, com divergência. E essa divergência pode ser dura. Quando eu falo sobre a intervenção económica do Estado, sei que tenho divergências de princípios fundamentais com a esquerda, com o Partido Socialista, o Partido Comunista, evidentemente, e mais com o Bloco [de Esquerda]. Mas as coisas têm de ser feitas em diálogo, para construir alguma coisa. Se a nossa luta é só de destruição, chegamos ao fim e não temos nada.
Estamos nos 50 anos da democracia, e já se vê até algumas correntes, e tenho lido artigos no estrangeiro, que até dizem que, se calhar a democracia não é o melhor para os governos poderem aplicar determinadas medidas e políticas que, na visão dessas pessoas, são urgentes. Acredita que a democracia está num ponto de viragem, mas no sentido de ser melhorada, ou entende que a democracia está em risco, por via de um recuo grande nos seus princípios nos últimos anos?
Não lhe sei responder de forma taxativa. E passo a explicar. Eu gosto muito da obra do doutor Francisco Sá Carneiro. Não sou como outros, que acham que o reencarnam; mas ele dizia uma frase que ainda hoje devemos ter atenção: “a democracia é difícil e exigente, mas dela não abdicamos”. Evidentemente, hoje, com as formas de participação directa, com os canais mais directos de comunicação, tornou-se ainda mais exigente a forma de comunicação transparente e límpida daquilo que são as opções democráticas. Isso é um facto. Não podemos continuar a assentar, com todas estas novas tecnologias, em modelos de séculos passados. Isso parece-me evidente. Mesmo os modelos eleitorais, e saindo de Portugal: os Estados Unidos têm um modelo eleitoral, que foi da Confederação, onde se arrisca que um candidato possa ter mais um milhão de votos, e o outro é que ganha as eleições… Isto não faz sentido nenhum nos tempos que vivemos.
E também há questão de quem pode votar…
Sim, ainda há essa dificuldade nos Estados Unidos, de quem pode votar, que nós não temos. Mas isto devia fazer-nos rever profundamente os mecanismos. A democracia esgota-se em si própria? Não acho. Aliás, quando se tenta criar limites à democracia, normalmente sai sempre asneira. A nossa Constituição, que é democrática, tem algumas coisinhas que não são democráticas. Toda a gente diz: “Ah, o preâmbulo é só simbólico”… Então, por que continua lá? Nós temos um preâmbulo de uma Constituição que diz que caminhamos rumo ao socialismo. Eu não me sinto minimamente revisto naquilo. Temos outra pequena questão: impedirmos constitucionalmente o referendo à reforma republicana de Governo. Porquê? Não há, neste momento em Portugal, uma questão aberta sobre Monarquia e República.
Portanto, é um optimista no sentido de ver que há espaço para melhorar a democracia.
Sim. Este referendo à forma republicana de Governo, não é que isso seja muito importante, mas por que tem a nossa democracia esta barreira? Temos medo de quê? Eu, não sendo republicano fervoroso, nem monárquico fervoroso… Países como a Suécia e a Inglaterra, que são monarquias, não se têm dado mal. E quando se diz que a coroa espanhola é mais barata que a Presidência da República Portuguesa para o bolso dos contribuintes, também é um argumento. Se daí depreendo que devíamos referendar a República? Não estamos nesse estado. Mas pergunto. por que é proibido?
Estamos num contexto em que as políticas feitas em Portugal têm um peso forte de Bruxelas…
Certo. A União Europeia é talvez a organização menos democrática em que participamos.
E também em outras organizações, Portugal está envolvido em tratados internacionais, como os da Organização Mundial de Saúde.
Certo. Nós, desde o nosso nascimento, gostamos de nos considerar como euro-críticos. Ou seja, não somos contra a integração europeia, mas há muitas coisas… Nós temos um Parlamento Europeu que é o único órgão ‘democratizado’ das decisões europeias, mas que deixa muito a desejar em termos de competências de facto, ou de representação. Temos todo um conjunto de burocratas que decidem o tamanho da sardinha que podemos pescar ou se podemos ter o saleiro na mesa ou não, que ninguém os elegeu para coisa nenhuma e que não prestam contas perante ninguém, mas que, de repente, nos alteram a vida de cima a baixo. E que nos custam dinheiro. Na área da Agricultura, esse é um dos problemas fundamentais; muitos dos custos à produção são altíssimos por causa das regras da União Europeia. Se elas estão bem, se calhar estão; mas têm de ser aplicadas também ao que vem de fora. Não podemos exigir a um produtor que produz maçãs na Beira que cumpra determinados padrões porque somos muito desenvolvidos e muito preocupados, e depois pomos a sua maçã a concorrer com a que vem da América do Sul sem qualquer controlo e taxação ou sem qualquer exigência no processo de produção. Isto é condenar a nossa agricultura a uma indigência absoluta e à falência dos produtores agrícolas.
Mais uma vez, aquela visão do burocrata que está em cima e que não olha para a realidade.
E que não pisou o chão, não sabe o que é que custa produzir uma maçã, nem o que custa engarrafar uma garrafa de vinho. Vive num mundo de Excel, de folhas, de planeamento e não vive o mundo real. E, portanto, nós, mesmo sendo pró-europeus – e não só pela geografia, mas isso condenava-nos a ser europeus, estarmos na Europa –, não é a qualquer preço. Andamos longe daquilo que é o federalismo. Aliás, muito longe dessa tendência. Temos muito orgulho em ser portugueses. No outro dia, o doutor Durão Barroso dizia que achava estranho, e eu concordo com ele, as pessoas de direita terem às vezes vergonha de dizer que são patriotas e falarem em palavras como família. Eu sou um patriota, e gosto da minha pátria, não tenho medo de o dizer com as letras todas. Isto não me leva a ter de dizer que para isso tenho de ser contra imigrantes, contra isto ou aqueloutro. Não tenho de ter um discurso de ódio associado ao meu patriotismo.
Mas tem havido uma diabolização de determinados termos.
Certo. E depois terminamos naquelas discussões fantásticas, como a discussão das casas de banho. Quer dizer, o país não tem mais problema nenhum do que estar a discutir se as casas-de-banho são para homens, para mulheres ou para todos? Olhe, acabe-se com estas casas de banho colectivas, casas de banho individuais e qualquer um entra e usa. São discussões esotéricas que, às vezes, nos fazem perder 70 e 80% dos debates, e depois as pessoas continuam a ter dificuldade em pagar a conta da farmácia, da comida e ir ao supermercado. Às vezes têm de fazer opções entre alimentos e medicamentos. E perde-se só 10 minutos a discutir esses problemas, e depois passa-se uma hora a discutir as casas-de-banho e outras realidades. Temos tido os debates dos maiores partidos, e falam de tudo e mais alguma coisa e das coligações, para a extrema-direita e para a esquerda. O mundo está com duas guerras abertas, com a possibilidade de abrir uma terceira, e ninguém fala disso? Ninguém fala do enquadramento de Portugal no mundo, na nossa dependência externa? Não se discute isso porquê? Os cidadãos não podem ter opinião sobre isso… Os portugueses não podem saber com quem é que o seu país está metido e com quem está aliado, com quem é que está alinhado? Não pode ter uma palavra sobre isso, ou só vai discutir quem é que se casa com quem? Isto é o absurdo para onde estamos a levar o debate político.
É também muita ‘infantilização’ no debate público, não é?
Sim, é um bocadinho o jogo da claque. Vivemos quase numa claque deste e daquele. Eu desfilei-me do PSD ao final de 25 anos de militância. Por um motivo simples: um partido não é um clube de futebol. Eu sou adepto de alguns clubes da minha juventude, de Viana, porque os meus pais e os meus tios eram, e foi fundado pela minha família; porque há ligações afectivas e irracionais. Mas a política não é uma irracionalidade; são pessoas concretas sobre a vida das pessoas. E, portanto, não se pode basear em “são dos meus, são bons; são dos outros, são maus”. Tem de ser um debate sobre as questões concretas, e não é só pelos alinhamentos, porque é de um bom partido ou é do partido contrário. Se entrarmos nesta dicotomia, estamos no jogo de clubes. Isto deixa de ser política, e passa a ser clube. E um clube não tem lugar nesta discussão.
Pode consultar AQUI o programa do Alternativa 21 para as Legislativas de 2024.
Nas suas terceiras eleições legislativas, o partido fundado por André Ventura em 2019, quase de um homem só, promete agora ‘revolucionar’ o sistema político nacional no próximo mês, talvez mais do que o ‘fenómeno’ efémero de 1985 com o PRD. Consciente da capacidade de ser uma surpresa (maior do que a já esperada) nas eleições de Março, e despindo o cunho nacionalista e até xenófobo de outrora (onde o discurso contra os ciganos desapareceu e o tema da imigração se ‘moderou’), o líder do Chega assume agora já não querer ser apenas uma voz anti-sistema; está já a lutar pelo poder. E garante que não quer perder a identidade, embora já comece a ser difícil discernir quais das suas propostas são de direita e quais de esquerda. Esta é a quarta entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE ANDRÉ VENTURA, PRESIDENTE DO CHEGA, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
O Chega é um partido, fundado em 2019, que se assume como nacionalista e conservador. Actualmente, é a terceira força política. Pode vir a ser a segunda, em breve?
Obrigado pelo convite e parabéns pelo trabalho que têm feito, que tenho acompanhado e que, de facto, faz muita falta, sobretudo pela ausência de algumas amarras, que não se vêem em todos os órgãos de comunicação. [O Chega] pode chegar a ser segunda, de facto. Não vou dizer que é uma tarefa fácil. Em 2022 estávamos a lutar para ser a terceira força política; na altura, as sondagens punham-nos taco a taco com o Bloco de Esquerda. Ficámos bastante à frente do Bloco de Esquerda, mas numa votação que, diria, ainda de segunda divisão. Ou seja, ficamos em terceiro lugar, é verdade, hoje somos a terceira força do Parlamento, mas temos de reconhecer que havia dois partidos que ainda estavam numa divisão a frente. Penso que esta legislatura nos foi favorável, no sentido que conseguimos globalmente, mesmo cometendo erros – um partido, como disse, tem cinco anos, ainda não amadurecemos totalmente – e algumas precipitações, uma legislatura muito positiva. Conseguimos marcar a agenda política e mediática, o que é muito difícil em Portugal, até os nossos parceiros europeus nos dizem isso. E depois todo o contexto que vínhamos denunciando e que levou à queda do Governo também colocou o Chega um pouco, não diria como o anfitrião destas eleições – que essa expressão não existe – mas como charneira nestas eleições. E, portanto, é possível ficarmos em segundo, mas é importante que todos saibam que, enfim, o Chega está com sondagens que são muito variáveis, para ser honesto: vão desde os 16% aos 21%. Em política, as pessoas não têm noção disso, mas 16% e 21% são coisas completamente diferentes.
D.R./Chega
Mas revê-se nessas sondagens?
Sim. Vamos lá ver, eu gostava de vencer as eleições e estou a lutar para isso, mas temos de ser realistas, não é? Neste momento sente-se na rua um apoio que nunca senti, sente-se um apoio a nível das estruturas sociais e do tecido social, mas reconheço ser muito difícil quebrar o domínio dos partidos que estão há 50 anos incrustados no poder. Não é no poder; é incrustados no poder. Eu acho que é possível ficar em segundo se conseguirmos que uma parte significativa do eleitorado do centro-direita se transfira para o Chego. Penso que já agregamos, na sua maioria, o eleitorado de direita; há pequenos ‘focos’ que não, mas na sua maioria agregamos. A grande disputa – e, por isso, os debates com Luís Montenegro também vão ser importantes – vai ser [atrair] o eleitorado do centro-direita, porque o Chega está a conseguir não só ir buscar votos a esse centro-direita, à direita e à abstenção, mas curiosamente também está a conseguir buscar votos a alguma esquerda pouco ideológica, ou seja, que votavam à esquerda, mas estão a transferir-se para o Chega. Portanto, acho que é possível ficar em primeira à direita, digamos assim. Se é possível, nesse contexto, vencer o Partido Socialista, vamos ver. Eu esperarei pelas eleições. Na Holanda foi possível, por exemplo. Todos diziam que não era possível e acabou por ser. Estou a lutar para vencer. São as primeiras eleições que o Chega está a lutar para vencer, reconhecendo que é um caminho muito difícil e que temos muito contra nós, ainda. Vamos tentar quebrar essa bipolarização, mas também gostava de deixar, a todos, os pés na terra: temos de fazer o caminho, temos de ser exigentes. Estou a apontar para um resultado entre os 15% e os 22%, que é um resultado muito elevado. Mas em relação a rankings, vamos esperar. Eu gostava de vencer, mas vamos esperar para ver.
Já foi muito claro naquilo que disse em todo o caso, mas olhando para o número de deputados, qual o patamar? Neste momento, têm 12…
Temos 12, somos 12 deputados, tivemos 7,18% nas eleições [de 2022]. Há sondagens que dão 55 deputados, outras 60, outras 40, outras mais modestas, 35. Penso ser consensual na sociedade portuguesa que vamos crescer bastante. Isto é uma dose também de responsabilidade; não só de felicidade, mas também de responsabilidade. Eu acho que nós podemos ‘vencer’ [formar] o grupo parlamentar decisivo no Parlamento. Entre o PS e o PSD, podemos ser o grupo parlamentar que decide se há Governo ou não há Governo, que tipo de Governo é que há. E isso também nos dá uma margem de manobra forte, mas também nos dá muita responsabilidade. Significa que teremos de poder orientar o próximo Governo em decisões fundamentais, desde a Fiscalidade à Saúde, à reforma da Justiça, à luta contra a corrupção, à censura – enfim, à censura digital. Todas estas matérias. Portanto, eu não tenho números na cabeça, um número de deputados. Se me vão perguntar quantos deputados, se acha que vai ter 55, 40 ou 70? Eu gostava de ser o partido mais votado, e isso significa sempre ter acima dos 70 e qualquer coisa de deputados, atendendo à média dos últimos anos. Próximo dos 80 deputados. Neste momento, as sondagens não nos apontam ainda para aí; apontam-nos nos 50 e muitos. Falta ainda um mês de campanha, sensivelmente, um bocadinho menos, e eu penso que ainda é possível chegar aí, nomeadamente com os debates e com a campanha, mas penso que vamos ter mais do que 30 deputados, isso teremos.
Antes de avançarmos para algumas das vossas propostas, uma questão: neste momento, parte da imprensa e alguns comentadores apontam o Chega quase como um bicho-papão na política em Portugal. E falando sempre um bocadinho da extrema-direita e da xenofobia. O que tem a dizer sobre isto, até porque na imprensa parece haver uma relação um pouco estranha, porque a imprensa acaba…
De amor ódio…
D.R./Chega)
… exactamente; porque a imprensa acaba por lhe dar muito palco.
É uma relação, enfim… Eu, no início, compreendia; havia uma certa estupefação pelo crescimento do Chega. E também foi uma novidade no sistema político português; não havia nenhum partido como o Chega. Eu compreendia um pouco, e até mesmo nas eleições presidenciais de 2021, onde eu tive 12%, já se notava que havia um eleitorado que estava a crescer muito, mas percebi: havia uma certa estupefação da imprensa, dos comentadores, do tecido institucional, digamos assim. Depois, honestamente, acho que agora se caiu num certo exagero, e digo isto porquê? Os programas do Chega, uns melhores, outros piores – como eu digo, temos cinco anos – têm amadurecido, têm crescido, têm recolhido apoios. Isto é o normal de todas as instituições. Tem [agora] uma história parlamentar de defesa dos serviços públicos, de defesa dos órgãos públicos, da defesa da liberdade, de defesa da democracia. Eu acho que já não se justifica ter criado esta ideia que o Chega vem aí para acabar com o Serviço Nacional de Saúde, com a Educação, com a democracia. As nossas propostas parlamentares falam por nós. O Chega agora tem uma vantagem: tem um património parlamentar que fala por ele, na Saúde, na Educação, na liberdade, na informação. E é só ir ver. O Chega esteve ao lado, penso eu, de propostas que são discutidas e aprovadas por toda a Europa. Portanto, eu acho que o Chega tornou-se numa arma de arremesso dentro do sistema político. E acho também, honestamente, que estamos a evoluir no sistema político, e até os comentadores que não gostam de nós dizem isso. Havia um sistema político bipolarizado, ou bipartidarizado, e penso que caminharemos para um sistema tripartidarizado. Digo isto porquê? Não é por falta de respeito aos partidos – eu também já fui um partido pequeno –; é por as sondagens, os números e as movimentações, mostrarem cada vez mais que há três partidos numa escala de valor, e os outros numa escala de valor mais baixa. Estou a referir-me aos partidos parlamentares. Mesmo as últimas sondagens, está o PS e o PSD nos 25 ou 26%, o Chega nos 21 ou 19%, e depois os outros dos 5% para baixo, o que significa que já há uma décalage muito grande entre estes dois blocos. Portanto, eu acho que o sistema vai caminhar para uma espécie de tripartidarização, com todos os riscos que isso acarreta, mas também com todas as vantagens. E as vantagens é haver uma quebra neste sistema de interesses que se instalou ao longo dos últimos anos. Como é que o sistema vai funcionar a partir daqui? Não sei, vai depender muito da relação com os outros. Por exemplo, nas regiões autónomas, onde o Chega tem tido um crescimento – duplicou os votos nos Açores –, quer ao nível da República, vai depender muito da relação com os outros partidos. Quer dizer, com o Partido Socialista é muito difícil o Chega vir a ter qualquer relação, porque estamos nos antípodas de pensamento, prática política. Vai depender um bocadinho se o centro-direita aceita dialogar com o Chega e começa a construir um novo paradigma [connosco]; ou se, como na França, acabará por ser engolido pelo Chega. Ou se o Chega será derrotado por esse centro-direita, que também pode acontecer, e temos de pôr essa hipótese também, embora eu não ache muito provável. Portanto, eu acho que os próximos anos deste sistema tripartidarizado vão ser decisivos para perceber se o Chega se consegue assumir como grande pólo da direita; se volta a diminuir perto do que era CDS antes de existir o Chega; ou se consegue dominar o espaço do centro-direita, como aconteceu em França com a Rassemblement National [de Marine Le Pen], e dominar essa parte da oposição. Em todo o caso, neste momento, aquilo que eu sinto é que o Chega é usado como arma de arremesso entre os dois partidos, e usam-no para fins político-partidários. Portanto, vai depender muito do resultado eleitoral. Eu tenho muita esperança que as pessoas compreendam – e hoje temos novos meios – o PÁGINA UM é um exemplo, mas as redes sociais também. Graças a Deus, os cidadãos conseguem-nos ouvir em múltiplas formas, não é só nas principais televisões ou nos principais jornais; ouvem-nos, diretamente. Ouvem e criticam diretamente. Todos os dias, eu sou criticado no Instagram, no Facebook, no TikTok ou no Twitter, por propostas nossas. Tento responder, quando não consigo, alguém tenta responder. E há aqui uma ligação directa que favorece a democracia, e favorece a aproximação ou o afastamento. Durante anos, vamos ser francos, os principais meios [de comunicação social] estavam focados em pôr o PS e o PSD como reis do sistema e era impossível chegar lá perto. Como isto está a mudar, eu acredito que a imagem do Chega também está… eu não diria a institucionalizar, no mau sentido, mas está a tornar-se uma grande instituição política nacional. Acho que vai acontecer isso nestas eleições, e temos condições de chegar ao Governo a curto prazo. Não sei se esse curto prazo será já, se será daqui a uns meses, se daqui a uns anos, mas acho que tudo aponta que esse caminho vai ser feito.
DR/Chega
E agora vou olhar mesmo para aquilo que o Chega está a propor aos portugueses. Tem referido um aumento do salário mínimo para 1.000 euros até 2026, um aumento das pensões, salvar a Segurança Social, reformar a Constituição. Nesta altura, resumindo, o que é mais importante, o que quer o Chega dar aos portugueses?
Ainda bem que me faz essa pergunta, porque acho que temos de desmistificar um pouco. O Chega arriscou fazer uma coisa que nunca ninguém tinha feito: deixar um bocadinho de lado o especto direita-esquerda e passar a dizer que está a fazer propostas para os portugueses, independentemente do seu cunho ideológico. Por isso, nos debates que [já] tive com Paulo Raimundo, com Inês Sousa Real, com Rui Rocha [a entrevista foi realizada em 12 de Fevereiro, antes do debate com Luís Montenegro], fui tentando explicar que temos de deixar de olhar para medidas e dizer assim; “Ah, isso é tipicamente socialista; isso é tipicamente liberal; isso é tipicamente de direita”. Honestamente, eu acho que as pessoas não querem saber disso. Vim de uma terra, Mem Martins, que é um subúrbio de Lisboa, onde, enfim, onde vive a classe média baixa, que é quem maioritariamente vota, que é quem sustenta o país. E eu não via as pessoas preocupadas se os combustíveis aumentavam ou diminuíam, se a casa aumentava ou diminuía, ou se havia creches ou não havia para os filhos, ou se as escolas tinham condições ou não tinham – eu nunca via as pessoas preocupadas se as medidas eram de esquerda ou direita; era se tinham ou não impacto. Aumentar o salário mínimo é claramente uma medida que hoje me acusam de ser de esquerda. Num cenário macroeconómico normal, eu até compreenderia isso; agora, num cenário macroeconómico, em que a inflação – fruto da guerra que tivemos na Ucrânia –está a aumentar brutalmente (e hoje, no dia em que estamos a gravar esta entrevista voltou a aumentar a inflação em Portugal), em que os custos da habitação já estão ao nível dos maiores do Mundo (que é uma loucura), como é que podemos dizer que aumentar o salário mínimo é uma de esquerda? Eu acho que é uma medida de razoabilidade, para não permitirmos que haja cidadãos a viver neste país caro e a ganhar 800 e tal euros por mês.
E a sair do país…
Um jovem a quem lhe dizem que vai ganhar 1.000 euros, e ele sabe que a com a formação que tem pode ganhar 2.000 ou 3.000 euros em França ou na Suíça, ele vai. Ainda por cima, hoje falam línguas, estão perfeitamente integrados no mundo digital. Portanto, eu acho que aumentar o salário mínimo é um desígnio nacional; é como as pensões, um bocadinho, quer se diga que é de esquerda ou de direita.
Mas consegue fazer tudo isto sem aumentar os impostos?
Essa é a verdadeira questão. Nós temos apostado em cinco eixos de receita para contrapor. Obviamente, partimos de uma premissa de ter um crescimento acima dos 3% ao ano. Eu mão sou economista, mas daquilo que ouvi, e tenho reunido com vários [economistas], se o país for bem gerido, nomeadamente aos níveis do desperdício e da reorganização, facilmente crescemos 3% ao ano. A partir dos 5% é que já será difícil. Baseando-nos num crescimento desses, com limites ao nível do desperdício – no âmbito do combate à corrupção e à economia paralela e com uma taxa sobre os lucros da banca, das distribuidoras e das petrolíferas –conseguiremos uma margem financeira para três grandes desígnios: o aumento do salário mínimo; o aumento da pensão mínima, para que em se anos se aproxime do valor do salário do salário mínimo; e, ao mesmo tempo, embora seja a jusante, a diminuição dos impostos sobre o património e sobre as pessoas. E por que lhe refiro os impostos sobre o património? Por exemplo, o IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis] é um imposto que não tem grande peso na estrutura fiscal portuguesa. Se não me engano, mesmo nos impostos indiretos, depois pode confirmar, são cerca de 4,4%. Isso significa que o IMI, tal como o IUC [Imposto Único de Circulação], não dão grande receita ao Estado, mas é um imposto que tem um impacto significativo na vida das pessoas, para além de ser um imposto teoricamente estúpido. Como eu já disse na televisão, quando compramos uma casa, pagamos um imposto; quando vendemos a casa, pagamos um imposto; para fazer obras na casa… quase todos pagamos um imposto, mas o IMI pagamos pelo simples facto de ter a casa. Portanto, queríamos dar aqui um sinal às pessoas de que é possível, gerindo melhor… Eu dei um exemplo que me parece evidente: o Ministério da Saúde tem tido médias de mil milhões [de euros] de desperdício todos os anos. Gerindo um bocadinho melhor, conseguimos também reduzir a carga fiscal, que é elevada. A direita fala só em carga fiscal, e eu compreendo isso; é importante. Os países mais modernos do Mundo têm uma reduzida carga fiscal, mas há uma dimensão social que não se resolve com a carga fiscal. As pensões não se resolvem com a carga fiscal. Pode diminuir o IRS, mas quem recebe 200 ou 300 euros numa pensão não vai conseguir ter uma vida melhor por causa de se diminuir o IRS. Pode diminuir o IRS, mas quem recebe salário mínimo não paga IRS, portanto, não vai sentir o efeito. Infelizmente, como deixaram isto chegar a este ponto, temos de atuar nas duas dimensões do rendimento e da carga fiscal. Vamos ter de ser mais tímidos na carga fiscal. Por exemplo, a direita liberal propõe uma redução muito mais radical da carga fiscal; é legítimo. Só que nós, como temos medidas sociais, temos de ser mais tímidos, porque senão não é possível fazer tudo, não é?
DR/Chega
Para a Habitação também tem algumas medidas…
Olhe, até vi o PS copiar este [nosso] programa eleitoral, o que achei uma coisa incrível. Nós somos atacadíssimos por uma proposta inovadora que, em nome da honestidade, não é minha, foi estudada lá fora, que é o Estado assumir-se como garante no primeiro empréstimo dos jovens. [Disseram] que era socialismo, que era estar a pôr o Estado na vida das pessoas. Para os jovens, é evidente que há um problema de rendimentos, mas há outro, que não é de rendimentos. Os jovens até podem ganhar 1.500 ou 1.600 euros, mas ao preço que as casas estão, o banco diz: “muito bem, garantias, ou têm pais ricos ou tem património”. Mas vamos lá ver: quem de nós tinha património, quando tinha 21 ou 22 ou 23 anos? Ninguém. Portanto, o Estado dá aqui um passo arriscado, assumindo-se como uma espécie de fiador daquela habitação. E vi ontem o PS apresentar exactamente a mesma medida para os jovens no crédito da habitação. É uma medida arrojada, e mais uma vez, eu não me importo como me chamem socialista, de esquerda ou de direita.
Mas essa medida resolve o problema na habitação, pelo menos para os jovens? Se calhar não terão à mesma rendimentos também para pagar os empréstimos…
Obviamente, estabelecemos limite quer na idade, quer no valor do imóvel. Se um jovem quiser ir ver para o Palácio de Seteais, é evidente que tem de ter dinheiro para isso. Para muitos jovens, que até já conseguem receber um valor razoável – não é um valor elevado, porque infelizmente em Portugal isso é muito raro –, conseguem um estímulo para adquirir a sua casa, o que os prende até mais ao país, porque repare: se um jovem tiver a sua casa e estiver a pagá-la, sentir que pode [aqui] viver com a sua namorada ou com o seu namorado, ou com o seu marido ou a sua esposa e terem filhos, há logo uma ligação ao país muito maior do que se não têm nada, e que facilmente se desliga e vai embora. Ora, tivemos há pouco tempo o número: 30% dos jovens portugueses decidiram emigrar para países onde pagavam mais. Então, temos de ir por caminhos de os fixar mais ou de os deixar ir mais? Há uma lógica liberal que diz que se baixarmos os impostos, isto vai funcionar tudo. Eu não sou economista, confesso, mas duvido de uma lógica que diz que se simplesmente baixarmos os impostos, isso vai resolver os problemas. Muitos dos problemas não têm a ver com impostos; têm a ver com a falta de liquidez e também com falta de capacidade de acção do mercado. E se o Estado der aqui um apoio [aos jovens], eu tenho a certeza de que 90% [dos que saíram] preferia estar em Portugal se tivessem condições. Qual é uma das grandes condições que as pessoas se queixam? É a habitação, porque em Lisboa, no Porto, em Faro, em Braga e no Funchal as nossas habitações estão ao nível do mais caro do Mundo. Nem da Europa, já é do Mundo – só que os salários não estão a nível do mais elevado do Mundo. Portanto, eu acho que este sinal era positivo; e lá está, não me importa se é direita ou se é de esquerda.
DR/Chega
A Saúde é outra das questões que os portugueses também se queixam.
Talvez até onde há mais queixas maior. Aí são dois modelos completamente diferentes.
Já falou nos desperdícios
Os desperdícios são uma parte evidente, mas aqui questões que eu não quero fugir, que são difíceis de resolver. Por exemplo, os médicos. É evidente que até temos estudos que mostram temos médicos a mais, mas que ou foram embora ou estão no setor privado. Por outro lado, também sabemos que há hoje um gestão deficiente do Serviço Nacional de Saúde, e que o Governo socialista a aumentou muito ao criar super, macro, micros e superestruturas em todo o lado, ao querer desdobrar estruturas, não para serviços, mas para nomear pessoas. E também o grande problema é não conseguir gerar uma carreira atractiva. E não é só para médicos; émédicos, enfermeiros, profissionais de saúde. Defendemos que haja um regime de horas extraordinárias, que seja efectivamente pago, porque muitos destes médicos queixam-se que, sobretudo nas urgências, fazem horas e horas extraordinárias, e que a partir de um certo limite deixam de receber. Isto era importante resolver para se sentirem presos ao Serviço [Nacional] de Saúde. O mesmo com os enfermeiros. Mas também era importante permitir que o sector privado e o setor público criem uma interacção, que não temos. A esquerda diz sempre: “temos de manter o Serviço Nacional de Saúde público. Nós já não temos um Serviço Nacional de Saúde. Cerca de 40% das diligências já são feitas no sector privado, seja análises, seja procedimentos de natureza de diagnóstico, seja cirurgias. Portanto, já temos um sistema complementar, só que a cegueira ideológica dos últimos anos levou-nos a querer retroceder esse caminho, acabando com PPPs [parcerias público-privadas], desprezando o sector privado, espezinhando médicos que foram para o privado, ao ponto de o secretário-geral do PS – posso estar enganado, mas foi o que li ontem – até quer obrigar os médicos que saem do Serviço Nacional de Saúde a compensar o Serviço Nacional de Saúde, uma espécie de indemnização por irem para outra outra vida. Acho que a chave do sucesso aqui é a articulação. Não vamos ter mais médicos para o ano, ou seja, não vamos resolver este problema em seis meses. Os médicos demoram tempo a formar. Eu acho que faz falta, mesmo assim, desdobrar os focos de ensino, os pólos de ensino de Medicina em Portugal, como aconteceu com o Direito, com a Engenharia, com a Economia, nos anos 80. Acho que faz falta mais faculdades de Medicina, mas sobretudo temos de criar uma boa sinergia entre o privado, o público e o social. Uma dessas manifestações são as parcerias público-privadas [PPPs], mas não só. É possível criarmos protocolos e sinergias entre um sector e outro, garantindo que mesmo quando a pessoa escolha o público – e a liberdade é importante –, mas não consegue ser atendida em tempo, ou porque não há profissionais ou porque não há condições naquele momento, pode [então] ir ao privado, gastando o mesmo gastaria no público. portanto, garantindo uma cobertura do Estado também ao sector privado e ao setor social.
DR/Chega
Isso já vai ajudar que, por exemplo, nos picos do Inverno, quando haja saturação, haja uma maior eficácia…
Enquanto não fizermos o reforço dos centros de saúde, porque isso é decisivo para desimpedir as urgências… Reconheço que há uma cultura em Portugal que pode promover o sufoco nas urgências, mas o verdadeiro problema – e eu vejo isso até na terra dos meus pais –, o verdadeiro problema é que as pessoas sentem que não têm uma rede de cuidados de proximidade que lhes permite ser essa a primeira porta. Portanto, sentem que se vão para o centro de saúde, ou não está aberto, ou o médico só está lá duas horas por dia, ou então se for para alguma coisa mais importante, vou mandá-lo, no fim, para o hospital. E então ela pensa: “vou já para o hospital e resolvo já tudo”. Portanto, temo de garantir que esta rede de cuidados de proximidade dá, de facto, resposta, e dá uma resposta completa, dentro do possível, a estas exigências. A maior parte das pessoas que, no pico do Inverno, vão para [os hospitais] do Sistema [Nacional] de Saúde não estão com problemas absolutamente graves, graças a Deus. Estão com problemas temporários. Precisam de apoio ali. Se o centro de saúde conseguir dar isso, nós aliviaremos as urgências e conseguiremos funcionar melhor. E aí o público e o privado têm de se entender.
Há no seu programa medida de combate à corrupção, que é um tema de bandeira, mas outros ainda, como o ensino e a retirada da ideologia no ensino. Tem também a questão da imigração. Estamos numa altura em que Portugal está muito dependente de decisões tomadas em Bruxelas, e muitas destas políticas implementadas a nível comunitário. E até a outro nível, como o que está a ser negociado na Organização Mundial de Saúde que vai reforçar ainda mais os poderes desta entidade. E, de facto, há países que estão já a debater esse tema. Como vê ser possível implementar todas estas medidas, incluindo o combate à corrupção, quando surgem impostas de fora?
Já agora, sobre esse tema da Organização Mundial de Saúde, eu acho um erro permitirmo-nos que essa entidade, com todas as competências que tem, e que são louváveis, possa arvorar-se numa espécie de organização vinculativa, com poderes quase de aplicação directa sobre os ordenamentos jurídicos a que pertencem, restringindo as liberdades dos cidadãos de forma imediata. Parece-me um exagero, e acho que, se adotarmos, vamos acabar por recuar. E pior: vamos estar pior do que estamos agora. Tem razão, em Portugal não estamos a discutir esse tema, ainda, mas há países que já estão a discutir, e alguns até com grande intensidade.
Quanto à questão da imigração, é de facto paradigmático o que refere. Muitos me têm dito que a emigração hoje não pode ser feita sem o acordo da União Europeia e sem as regras comunitárias. Vamos lá ver. Há uma parte que sim, relacionado com a fronteira externa, porque somos uma fronteira externa da União Europeia, mas há uma parte que também temos a nossa responsabilidade nessa matéria. E vou-lhe dar um exemplo: este regime de vistos da CPLP, que criamos – eu percebo que os socialistas possam achar que lhes vai dar muitos votos –, é um sistema absolutamente anacrónico. A pessoa chega, não tem de ter trabalho, não tem de ter casa, não tem de ter nenhuma subsistência, diz apenas que vai procurar trabalho e durante um ano fica aqui à solta.
DR/Chega
E pode também depois ser explorado e ficar à mercê de redes de exploração…
Evidente. Pode ser explorado ficar à mercê de redes ou pode simplesmente tornar-se uma espécie de indigente dentro do espaço da União Europeia. Eu estive recentemente na Estação do Oriente [em Lisboa] e é assustador o número de sem abrigos que estão a crescer, muitos deles fruto desta imigração desregulada. E, portanto, a Comissão Europeia abri um processo [contra Portugal] por causa deste regime da CPLP, que é absolutamente anacrónico. Isto não quer dizer fechar fronteiras, nunca quisemos fechar fronteiras. Acho que Portugal não deve fechar as suas fronteiras, mas acho que devemos ter uma imigração consistente, regulada; que possa ser controlada para sabermos que, quem vem, vem por bem. A nossa economia precisa destas pessoas [mas tem de] as conseguir integrar no seu espaço económico, institucional e comunitário. E também [temos de] conseguir o controlo necessário. A extinção do SEF [Serviços de Estrangeiros e Fronteiras] foi um erro por isso, porque ao mesmo tempo que abríamos portas, quisemos quebrar quem controlava a porta, e isso então é uma mistura explosiva, é uma tempestade perfeita. Conseguimos regressar a esse controlo, por isso, nós dissemos que uma das primeiras coisas que vamos fazer é a reversão da extinção do SEF. Vamos voltar a colocar as nossas fronteiras com uma polícia de controlo, e vamos reverter – também não quero esconder – este regime de vistos da CPLP. É um absoluto anacronismo estar a permitir que qualquer pessoa entre sem meios nenhuns, sem visto, simplesmente andando por aí durante um ano. Cedo ou tarde, vamos pagar caro isto.
Este este tipo de controlo de que está a falar tem sido muito criticado por ser quase xenófobo. Revê-se nesse tipo de críticas?
Não, é evidente que não é. Quando a esquerda não tem argumentos, é esse a discussão que tem. Ainda agora vimos a França, que é um país que ninguém pode acusar de ser xenófobo, reverter as suas leis de imigração e reforçar novamente o controlo da sua fronteira, obrigando a que quem entre tenha meios de subsistência, que tenha contrato de trabalho ou a perspetiva de encontrar trabalho e conheça minimamente a cultura e a língua. Nós não. Nós deixamos de entrar toda a gente de qualquer maneira, conheçam ou não conheçam [a cultura e a língua], tenham trabalho ou não tenham. Acho que isto é um erro, e mais: vamos pagar um preço elevado. Já não será, se calhar no nosso tempo, [embora] ache que a esta velocidade, com este tipo de imigração desorientada, é bem provável que dentro de uma década, ou menos, estejamos a pagar um preço elevadíssimo, semelhante ao da Bélgica ou da França.
Mas há estudos que apontam que estes imigrantes, depois, também contribuem para a Segurança Social, para os impostos, para para a taxa de natalidade…
É evidente. Não ponho isso em causa… Mas também era o que faltava: que não pagassem segurança social, só faltava estarem isentos de segurança social. Claro que se vêm e trabalham, pagam Segurança Social. Eu estou a um ponto antes. a Economia precisa deles. Eu conheço muitos empresários que me dizem: eh, pá, nós precisamos de mão de obra, de imigrantes no sector do turismo, da agricultura, da restauração, da hotelaria, dos serviços”. Isso é uma coisa. Outra coisa é não ter absolutamente nenhum controlo. E eu acho que nós podemos ter as duas coisas: podemos ter uma migração bem acolhida, bem recebida, que contribua para a Segurança Social, para o trabalho, etc., mas ao mesmo tempo não temos as fronteiras completamente escancaradas ao ponto de até termos casos que nos criam constrangimentos, como terroristas que passaram por Portugal e que nunca foram apanhados; acabaram por ser apanhados noutros países, e que aqui viveram alguns até com apoios da Segurança Social. Portanto, eu acho que conseguimos ter o melhor dos dois mundos nesta matéria. Precisamos é de coragem política e a coragem dizer: “sim, queremos acolher bem, mas queremos acolher com controlo, queremos acolher com regras e queremos acolher sem falsos humanismos”. Aquilo que leva à [situação da] estação do Oriente cheio [de imigrantes sem-abrigo] é o falso humanismo, é o dizer: “não, não, nós recolhemos toda a gente, venham que haverá condições para isso”, só que depois não há. Aos preços a que a habitação está em Portugal, é muito fácil a alguém que chegue sem nada ficar a dormir na rua, porque não consegue desenvencilhar-se. Precisamos de uma imigração controlada, regulada e, nesse sentido, bem integrada. Acho que podemos ter o melhor dos dois mundos neste caso.
DR/Chega
Nos últimos tempos tivemos protestos, agora dos agricultores, mas também das forças de seguranças, antes dos professores. Ou seja, há aqui também um grito de parte da sociedade a pedir algumas mudanças em determinadas áreas. Como vê o Chega este tipo de protestos sociais que muitas vezes tentam colar à extrema-direita?
O Chega sempre teve a perspectiva, desde que estes protestos começaram, de se desligar deles politicamente, ou seja, de permitir que a sociedade também faça o seu caminho. Há um espaço para os partidos; há um espaço para organizações da sociedade civil. Estes protestos, estes movimentos, estas manifestações, até perdem às vezes se os partidos se juntarem, porque tornam-se partidários, e não espontâneas. O Chega, obviamente pela proximidade que tem com a causa dos polícias, desde sempre acompanhou muito de perto a questão, sem termos sido nós que organizámos ou incentivamos [os protestos], mas acompanhámos de perto uma coisa que era justíssima [suplementos de risco], e que eu continuo a achar que foi só uma tentativa do Governo de espezinhar estes profissionais; podendo ter tomado uma decisão justa, não o fez. Vimos que os agricultores sentem o mesmo. Nos últimos três anos, fiz imensas visitas a feiras agrícolas, à CAP e a organizações agricultores; e sabe que nos últimos anos, pelo menos no último ano, em muitas daquelas grandes feiras que assistimos – em Santarém, na Golegã, etc. –, o Governo já nem sequer era convidado para estar presente. Ou seja, convidavam os líderes dos outros partidos, mas nem sequer convidavam a ministro da Agricultura, tal era o ambiente crispado que se estava a criar. Porquê? Porque os apoios não chegavam. Eu conhecia agricultores que ainda no tempo da covid-19 não tinham recebido os apoios. E, portanto, têm de pagar salários, têm um conjunto de taxas em Portugal que eu penso que não existe em nenhum país da Europa – na CAP disseram-me uma vez que as taxas agrícolas em Portugal ascendem a 1.200. Só para as pessoas terem noção: 1.200 taxas sobre isto, sobre aquilo, sobre o trabalho aqui, sobre o gasóleo… Ou seja, uma confusão e um peso enorme, e os apoios nunca lhe chegam, eles não têm uma palavra do Governo. Tinha de acabar assim; se não fosse agora, era daqui a seis ou sete meses. Isto não tem a ver com extrema-direita nem com extrema-esquerda; isto tem a ver com os Governos terem-se aburguesado ao poder, terem achado que o poder nunca mudaria e, por isso, deram-se ao luxo de ignorar, de espezinhar, de desconsiderar sectores profissionais vastíssimos: as polícias, as forças armadas, a agricultura, as pessoas ligadas à justiça, os pequenos empresários, porque se entendeu, tal como sentir no século XIX, que o poder bastava a si próprio neste equilíbrio perpétuo. Aquilo que está a acontecer na Europa mostra bem que o poder e o equilíbrio de poder não são perpétuos, que há uma dinâmica permanente e que as pessoas, quando começam a querer falar, não há como controlá-las. Nós temos de lhes dar espaço e voz. Este tipo de movimento vai-se acentuar ao longo dos próximos anos na Europa e nos Estados Unidos, embora sejam dinâmicas diferentes.
DR/Chega
E vê que a Europa vai ter de mudar?
Evidente. O panorama político europeu vai mudar muito nos próximos anos. As eleições europeias já vão ser um sinal disso, agora em Junho. Mas acho que [também] ao nível dos governos. Na Holanda, vimos o [Geert] Wilder vencer as eleições [com 37 dos 150 lugares da Câmara dos Deputados]. Eu conheço-o bem; era impensável há quase anos ele pensar em vencer as eleições. Em Portugal, nós não sabemos se o Chega vai vencer, mas terá pelo menos com resultado histórico. Muitos colegas europeus dizem-me que nunca acharam que Portugal pudesse ter um movimento deste tipo, com este peso. Em Espanha, o Vox está com uma expressão um pouco mais frágil, mas está em crescimento acelerado. Em França [também]. Na Alemanha, o AfD [Alternativa pata a Direita, conotado como extrema-direita] está em primeiro em algumas sondagens.
Mas existem tentativas de bloquear estes partidos até; até ilegalizar alguns…
Imenso. Ouça: às vezes queixo-me em Portugal, mas o que eu vi na Alemanha foi assustador. Há até tentativas de quebrar a subvenção que eles recebem – como nós recebemos, quando se tem X deputados e X votos – para quebrar, ou seja, para não receberem nenhuma verba de funcionamento. Só que, geralmente, isto não funciona; tem um efeito contrário. As pessoas sentem que é a democracia que está a ser posta em causa. Ora, se as pessoas votam no Chega, e hoje, com a pluralidade de meios que existem… Eu ainda acredito que possa haver algumas pessoas que votam ao engano, mas hoje a grande maioria da população sabe em quem está a votar; quer votar e tem consciência a quem está a votar, não é?
Houve um recuo ao nível de democracia com estes partidos actualmente no poder…
Evidente, evidente. Houve nas restrições de direitos, liberdades e garantia. Há uma tentativa de condicionar a Justiça nesta matéria, também para que a Justiça não actue de determinadas formas. Por isso, uma das prioridades [do nosso programa] é despolitizar a Justiça. Despolitizar aqui não é dizer que os magistrados ou os polícias estão dominados pelo poder político. Eu conheço muitos, e sei que são independentes e pessoas sérias, mas há uma tentativa institucional de condicionar. Quando o poder político é que nomeia algumas destas pessoas, é difícil depois pedir a estas pessoas que venham investigar esse poder político que os nomeou. Temos de caminhar para uma maior autonomia e para menos politização [da Justiça].
Mas isso não é quase uma tarefa impossível? É como retirar, por exemplo, a ideologia do Ensino…
Ainda hoje publiquei, no Instagram e no Facebook, um vídeo também com alguma polémica a mostrar o que foi a contratação de um artista para animar uma escola com conteúdos absolutamente aberrantes e sexuais, para [perguntar] aos pais se sentem confortáveis com aquilo. Qual é o problema? Isto não passa nas televisões, não chega ao grande público e nós temos de andar aqui a trabalhar com muita força nos meios alternativos. Eu tenho a certeza de que muito disto que acontece, quer na corrupção, quer na ideologia de género no ensino – olhe, esta coisa das casas de banho mistas, a cultura woke em geral –, se as pessoas vissem isto com os olhos, isto mudava.
André Chega com Marine Le Pen ( RN) e Tino Chrupalla (AfD). DR/Chega
Se houver então propostas para ajudar os grandes grupos de media que estão a precisar de financiamento, o Chega é a favor?
Reconhecemos duas coisas. A importância de haver meios independentes. O que hoje temos dúvidas é que estes meios sejam verdadeiramente independentes. Mesmo no caso da RTP, que é um meio público, há muitos que defendem que deve ser privatizada. A questão é: nada nos garante hoje que, mesmo privatizada, a RTP não ia parar às mãos de grupos próximos do poder político. Reconheço que há meios de comunicação em muita dificuldade, também temos reunido com alguns. Alguns trabalhadores, jornalistas, recebem mal, alguns com muitos salários em atraso. E uma sociedade com mau jornalismo também não é uma sociedade democrática. Por outro lado, temos de ter aqui a ponderação de perceber se é o Estado ou o Governo a salvar alguns grupos, ficará no ar a suspeita de que estes grupos ficarão adstritos à política que o Estado quer impor. Salvar o jornal não é o mesmo que salvar uma indústria têxtil ou salvar um banco. Um, banco, em princípio, enfim, pode depois também ter as suas coisas, na compra de publicidade, mas um jornal ou uma televisão tem um impacto muito grande porque pode gerar a suspeita de que está agora a trabalhar para o ‘dono’. Portanto, temos de reagir com alguma cautela, reconhecendo que é importante apoios quer à imprensa independente, quer à imprensa regional, quer à imprensa nacional, mas queremos garantias de que há uma independência real, e que não há aqui canais escondidos, em que o poder político está a tentar orientar estes meios de comunicação social.
O Chega é um partido que se assume antissistema. Com mais poder, vai continuar a ser um partido antissistema ou vai passar a fazer parte desse sistema?
Eu compreendo a questão, e até me colocaram essa questão a propósito dos deputados que vêm do PSD ou da Iniciativa Liberal e de outros partidos, e que de autarcas, alguns até do PS. Vamos ver: o Chega é um partido que cresceu muito rápido, e isto foi uma dificuldade para todos. Para mim, em primeiro lugar, mas para os dirigentes. Em quatro, cinco anos, e com um facto que eu acho que nunca tinha acontecido em Portugal: recebeu pessoas das mais diversas orientações políticas. Por exemplo, no Alentejo e em Setúbal recebemos uma série de novos militantes e dirigentes que vinham do PCP, alguns tinham sido funcionários do PCP. Funcionários! No norte e centro do país estamos a receber, naturalmente, pessoas que vêm do CDS e do PSD, e aí a integração é mais fácil. Em Lisboa estamos a receber o voto não ideológico; muitos votaram no PS, outros no Bloco de Esquerda, outros no PSD, mas sem convicção. Aquilo que o partido vai ser nos próximos anos dependerá muito da nossa capacidade de manter os fios unidos e de manter também uma liderança focada, unida, falar a uma voz e manter um quadro de valores estável, porque se o partido se desintegra na sua identidade, também corre risco de tornar-se mais um partido do sistema igual aos outros.
Até pela tentação de formar uma coligação e ceder em algumas alguns aspectos…
Sim, exactamente. São dois riscos, e um deles está muito presente, se não houver condições para uma maioria absoluta. Depois do dia 10 [de Março], pode acontecer ter de haver aqui convergências. Aliás, eu tenho falado muito nisso. Quero acreditar, embora não tenha uma bola de cristal, que em Itália temos um bom exemplo do que conseguiu funcionar, mantendo a identidade. A Giorgia Meloni [primeira-ministra italiana e líder dos Irmãos de Itália] e o [Matteo] Salvini [líder da Liga Norte, e actual vice-primeiro-ministro] e na altura [Silvio] Berlusconi [então líder do Força Itália], que já faleceu, conseguiram juntar três partidos muito diferentes, e dizer: “nós somos muito diferentes, queremos manter a nossa identidade, mas temos um propósito comum, afastar o socialismo do poder e garantir um governo de centro-direita, democrático e livre”. Estão a conseguir. O Governo não terminou. O Liga Itália [Notte], que é da minha família política, está a fazer um trabalho incrível na questão da imigração, na questão das infraestruturas; a Giorgia Melloni, apesar de não ser da minha família política, está a fazer um bom trabalho como primeira-ministra. E o PSD de lá, que é o Força Itália está a suportar esse Governo. Portanto, acho possível, mas reconheço, como lhe disse, e no sentido da sua pergunta, que o grande desafio vai ser manter face do Chega como antissistema, firme na defesa de questões fracturantes. Agora numa lógica de poder, porque o Chega também não se pode eximir ao poder, porque, repare, se com estes valores o Chega dissesse: ”nós não queremos governar, nós queremos manter-nos fora do Governo”, o que diria o eleitorado? Também diria disto que, afinal, o Chega é um partido totalmente irresponsável, quer só estar perto, mas também não quer aceitar o ónus da responsabilidade. Eu diria que o grande desafio dos próximos anos vai ser conseguir manter um partido anti-corrupção e anti-sistema com um forte pendor nacional, pela liberdade, mas ao mesmo tempo ser um partido de poder. Vai ser o desafio da nossa vida. Eu costumo dizer que é o desafio da minha vida aquilo que vai acontecer nos próximos anos. Mas acho [também} que vai ser o desafio da vida do Chega, porque pode transformar o partido para sempre. E a História mostra que, se os partidos perdem identidade, desaparecem. O PRD em 1987 [N.D. 1985] teve 17 e tal por cento [17,9%], elegeu um grupo parlamentar enorme [45 deputados], mas desapareceu [N. D. existiu até 2020, mudando de nome para Partido Nacional Renovador e denominando-se agora Ergue-te]. O CDS quando começou a perder a identidade, e a ser a muleta do PSD, desapareceu. E é uma lição para nós. É uma lição para nós, realmente. Já não serei eu, enquanto líder do partido, mas é uma lição para o futuro.
André Ventura com Geert Wilders, líder do PVV (Partido pela Liberdade), o mais votado nas eleições na Holanda em 2023. DR/Chega
E o Chega sobreviverá sem o André Ventura?
Terá de sobreviver, porque o André Ventura não vai durar para sempre. E também porque hoje os líderes políticos estão a durar cada vez menos. Essa é a verdade. Olhamos para os anos 70 e 80, e os líderes duravam 10 ou 15 anos, porque o Mundo não estava à velocidade que está hoje. Agora, estamos a uma [grande] velocidade social, política, mediática. Os líderes tendem a durar menos. Sou Presidente do Chega há cerca de cinco anos, gostava de fazer mais este ciclo, mas reconheço que um dia o meu ciclo também vai terminar, e eu também gostava de fazer outras coisas na vida. Tenho 41 anos, gostava de fazer outras coisas, e acho que o Chega tem todas as condições para sobreviver depois de mim. Nós temos hoje bons deputados, acho que temos valores, pessoas já reconhecidas pela sociedade, até mediaticamente. Não deve ser uma tarefa fácil, no sentido em que o partido ficou muito ligado à imagem do fundador – neste caso, fui eu –, mas acho que vai acontecer e terá de acontecer.
Então não se vê um dia Primeiro-Ministro?
Eu vejo-me, mas isso depende dos portugueses, não depende de mim. Se eu algum dia entender que eu já levei o partido ao máximo que poderia levar, terei a capacidade de perceber que, se calhar, outros agora podem pegar e fazer esse caminho que, enfim, eu não consegui fazer. Por vezes, a chegada ao poder depende de muitas circunstâncias, e se eu reconhecer um dia já não sou o indicado, e outra pessoa pode ser, eu sei o caminho. Não preciso que me tirem. Espero que consiga sair pelo meu próprio pé.
Pode consultar AQUI o programa do Chega para as Legislativas de 2024.
Advogada de 45 anos, Márcia Henriques tem, desde 2022, a tarefa de substituir o célebre Tino de Rans (Vitorino Silva), fundador há oito anos do partido Reagir Incluir Reciclar (RIR), depois de uma experiência nas Presidência de 2016, em que obteve 3,3% dos votos. Embora não completamente afastado – o mediático fundador do RIR é o cabeça de lista pelo círculo do Porto – Márcia Henrique é agora a líder de um partido de alma ‘centrista’. Nesta entrevista, critica a falta de pluralismo nos principais media, que não dão visibilidade aos partidos mais pequenos. Apesar disso, mantém a esperança do partido poder vir a ter um deputado eleito. Esta é a terceira entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE MÁRCIA HENRIQUES, PRESIDENTE DO PARTIDO REAGIR INCLUIR RECICLAR, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
O RIR é um partido relativamente jovem. Foi fundado em 2019 por Vitorino Silva, mais conhecido por Tino de Rans. Visto que era um partido que também se apresentava, na altura, como uma alternativa ao sistema político tradicional, o que é hoje o RIR?
O RIR é o que sempre foi desde o início. O RIR foi criado pelo Vitorino Silva, o famoso Tino de Rans. E foi criado porque percebemos que há uma grande parte da sociedade que não se identifica com os partidos que existem e com os chamados partidos do arco da governação. Da esquerda à direita, PS, PSD, e o CDS estão aqui um bocadinho em crise. Foi-lhe dada agora uma grande ajuda com a coligação AD mas, de facto, a história da ideologia à esquerda e à direita deixou de fazer sentido. Começa a deixar de fazer sentido. Porque estamos em crise é já estamos em crise há alguns anos. Crise de valores, crise na sociedade, crise em várias áreas. E a própria democracia está em crise. E isso leva a que apareçam outros partidos com um discurso mais extremado. Isto deve-se ao facto desta bipolarização de esquerda e direita que já não responde às necessidades da sociedade e dos portugueses. E que leva, por outro lado, a que a abstenção cresça, que as pessoas não queiram saber, que ignorem. É o deixar andar e quem lá estiver que se resolva. “Eu tenho o meu ordenadozito e chega-me”… E não pode ser.
(Foto: PÁGINA UM)
Não há confiança na classe política?
Não há. Há uma descrença enorme, e eu posso dizer por mim, o meu exemplo. Eu cheguei a fazer parte da JSD há muitos anos. Portanto, eu tenho 45, faço 46 este ano, e nos meus 18-20 anos, cheguei a fazer parte de uma juventude partidária. E apercebi-me na altura – cheguei a ser deputada municipal na Assembleia Municipal de Peniche, de onde sou e onde nasci – que aquilo não era política. Não se defendia os interesses, naquele caso, da cidade do concelho, mas defendiam-se os interesses partidários, os jogos partidários. E afastei-me. Até que o Tino teve a ideia: “vou criar um partido”. Porque pensa exactamente como eu. E eu, pronto: “então, vamos embora”! E aqui estou.
E ele criou uma dinâmica de trazer também para a política pessoas que não estão propriamente tanto no meio dos partidos.
É como ele diz: o povo. O que é o povo? O povo é a pessoa normal, do doutor ao agricultor, uma pessoa normal. A pessoa que trabalha, que paga impostos, que gere a sua vida, que cria os seus filhos. Quando me dizem “mas descreva lá o RIR”, fico assim um bocadinho… Descrever como? Somos pessoas normais, é o que eu digo. Somos pessoas normais, com bom senso, que gostaríamos muito que, na política, os governantes tomassem decisões como nós governamos a nossa casa. Nós, se na nossa casa ganhamos 500, não podemos gastar 1.000, não é? E dos 500 que ganhamos, temos de ter as nossas prioridades. Há os bens essenciais e, se tivermos de ter um gasto mais supérfluo ou acima do orçamento, temos de gerir bem as prioridades. Eu estou certa que, se os governantes agissem desta forma e com este pensamento, a coisa seria melhor, e, se calhar, o RIR não existia.
E é um partido também que se assume como mais moderado e centrista?
Centrista, porque nós no fundo… Há uns anos, tínhamos o CDS, que se assumia como centrista, mas tinha aquela conotação cristã. Nós não temos essa conotação, nem exigimos que as pessoas sejam desta ou daquela religião para se assumirem como apoiantes, militantes ou simpatizantes do RIR, nada disso. Mas somos centristas. Nós vamos beber tudo o que é bom da dita esquerda ou da direita.
Defende uma racionalidade naquilo que é a gestão do país, e não tanto a questão de se é de esquerda ou de direita?
Um bom senso, sim. E muitas das vezes, se existisse bom senso, equilíbrio, moderação nas decisões a tomar, tudo seria tão mais fácil. Existiria muito mais consenso entre todos os partidos, e a sociedade evoluía e Portugal já estava no topo e não estava a ser ultrapassado por outros países que nunca pensámos que tal seria possível.
(Foto: PÁGINA UM)
No entanto, colocam-se também muitos obstáculos aos partidos mais pequenos… O facto é que o vosso partido está a concorrer às eleições legislativas por todos os círculos.
Vamos por todos os círculos. Aliás, sempre temos ido. Em 2019, foram as primeiras eleições, fomos a todos os círculos, 2022 também, e agora também. Porque temos muitos apoiantes. Aliás, revela-se na expressão do voto, apesar de nas últimas eleições termos descido um bocadinho. Mas foram uns resultados um bocadinho atípicos. A história de voto útil dá-me ideia que deu a maioria absoluta ao PS, mas muita gente se arrependeu. E, daí, estarmos em eleições, novamente. Eu estou convencida que não temos mais expressão, porque, efectivamente, não somos tão conhecidos, porque não nos dão essa oportunidade. Posso dizer que todas as semanas envio comunicados de imprensa aos órgãos de comunicação social, à LUSA – que deveria fazer serviço público –, a todos os meios de comunicação social, e são raras as notícias que saem sobre o RIR e sobre as posições que tem a tomar sobre este ou aquele problema.
Entende que há um problema de falta de diversidade e pluralismo em termos da cobertura que a comunicação social faz de todo o processo eleitoral e da democracia em Portugal?
No processo eleitoral e na campanha eleitoral, não podemos dizer que somos afastados. Não podemos dizer isso. Apesar de, por exemplo, nos debates televisivos… E temos de ter em conta que muita gente consome aquilo que a televisão lhes dá e não questiona sequer a existência de outras ideias e de outros partidos. E, nesse aspecto, sim, nós somos atirados ali para um debate de partidos sem representação parlamentar, que, pelo número de intervenientes, nos dá ali cinco minutos para podermos falar, não mais. E, aí, sim, somos discriminados, claramente.
Partidos de segunda?
De resto, durante o período de campanha, não podemos dizer que somos totalmente postos de parte. O problema é durante o resto do período, fora de campanha eleitoral.
Desaparecem?
Desaparecemos, e por isso as pessoas dizem: “ah, mas vocês só aparecem em tempo de campanha”. Não, não é bem assim. Nós existimos: temos o nosso site, as nossas redes sociais, e acaba por ser a única forma que nós temos para comunicar. Porque os órgãos de comunicação social que nos deveriam ajudar nesse sentido, não o fazem. Há uma grande discriminação. Por exemplo, nas sondagens, também. Não acredito que não haja ninguém nenhum entrevistado que não responda que votou no RIR. Aliás, até lhe posso dizer que, há cerca de três semanas, foi a primeira vez que recebi um telefonema de uma sondagem, sobre a intenção de voto e tudo mais. E respondi: “sim, senhora, eu vou votar, e vou votar no partido RIR”. [E ela respondeu] “Ah pois, mas é só sobre estes que aqui estão na minha lista”. [E eu disse] “Pois, olhe, então ponha aí que eu nesses não vou votar”. [E ela respondeu] “Ah, vou ter que pôr que não vai responder”. Pronto, está bem. Portanto, [isto] é para ver como está tudo enviesado.
Tino de Rans na entrega da lista da candidatura pelo Partido RIR do círculo eleitoral do Porto (Foto: D.R./RIR)
As sondagens também acabam por nos influenciar, sabermos as intenções de voto.
Influencia, claro que sim. Há uma dificuldade.
No vosso caso, por exemplo, utilizam também muitos materiais amigos do ambiente na vossa campanha, com cartazes que acabam por reutilizar, reciclar. Também não têm aqueles meios para fazer os grandes outdoors ou grandes campanhas públicas.
Não temos, nem concordo com isso. Porque essas verbas são financiadas aos partidos que têm representação parlamentar, e são dinheiro dos nossos impostos.
Pensa que poderiam ser melhor aplicados?
Muito melhor aplicados. São esbanjados em campanhas com outdoors gigantes, com frases feitas, com chavões. Os outdoors, as canetas, as viagens, as excursões… Isso a mim tira-me um bocadinho do sério, porque é o nosso dinheiro! As pessoas têm que compreender que tudo o que o Estado gasta vem do nosso dinheiro, do nosso trabalho. Nós trabalhamos, descontamos, e é com esse dinheiro que se paga isso tudo.
Ou seja, não vem de uma entidade abstracta, que é o Estado…
Não, é nosso! E essa é uma das razões de eu ter ido para a política desde muito cedo, porque tenho a noção de que tudo o que é gasto, é do nosso esforço.
Ouvimos, muitas vezes, os ministros, o primeiro-ministro, autarcas a dizerem: “demos isto, ou já demos não sei quanto, ou vamos dar, não sei quanto”. Como se fosse o Governo ou a autarquia a dar…
Exactamente. Mas não. Porque o Governo gere o dinheiro dos nossos impostos, o dinheiro que, eventualmente, vem da União Europeia (UE), mas que a comunidade europeia paga com o dinheiro dos impostos dos europeus. É o nosso trabalho. Por isso é que as pessoas deviam ter mais interesse nesta parte política. Costumo dizer: uma junta de freguesia, ao colocar o banco do jardim naquela esquina e não na outra – isto é política. A política não é um bicho-papão.
É tomar decisões.
É o que gere a vida, o quotidiano das pessoas. Nisso, eu, pelo menos em casa, acho que tenho feito um bom trabalho [risos]. Aos meus filhos, tenho-os educado assim e vejo que realmente são interessados, e perguntam e questionam as matérias.
Márcia Henriques no seu gabinete na sede do RIR, em Lisboa. (Foto: PÁGINA UM)
Mas ainda agora há pouco tempo, grandes partidos com assento parlamentar acabaram por rejeitar uma proposta que visava criar programas de literacia financeira nas escolas, por exemplo.
Isso é um handicap que existe, que não é admissível. Não é admissível que um aluno que termine o 12º ano e que vá trabalhar… E isto mesmo já depois da faculdade acontece. Mas pronto, vamos pensar que quem faz a faculdade tenha um bocadinho mais de capacidade ou de vontade de estudar esses assuntos. Mas, alguém que saia da escola secundária e que vá trabalhar, no primeiro ano de trabalho não sabe fazer uma declaração de IRS. Não sabe. Não sabe que despesas pode deduzir, não sabe o que é retenção na fonte. Não sabe analisar um recibo de ordenado, porque é que aqueles 11% são para quê, de desconto para a Segurança Social, se tem desconto de retenção na fonte… As pessoas pensam, por exemplo, que quando recebem o reembolso do IRS, é o Estado que lhes está a dar alguma coisa, quando não é!
Mais uma vez, o Estado, essa entidade abstracta…
Pois. E sim, faz muita falta, e isso deveria ser ensinado na cadeira de Cidadania, por exemplo.
Mas essa ignorância também não favorece o baixo escrutínio?
Sim, favorece os do costume. O PS e o PSD vivem também um pouco à conta da ignorância das pessoas, isso é visível.
Falando em números, em termos de dimensão, o que é que nos pode dizer do partido hoje, em termos de apoiantes?
Somos poucos militantes, mas também nós não exigimos que haja aquela militância e pagamento da quota. E, até há bem pouco tempo, o nosso Estatuto dizia que a quota é livre de ser paga: paga quem quer. Agora, num dos congressos mais recentes, é que dissemos “não, vamos lá mudar isso”, porque temos despesas e vamos ver se os militantes passam a contribuir com uma quota”. Mas temos. E agora, por exemplo, na campanha, é que começámos a ver que nos chegam. Porque lançámos a ideia… E isto ainda retomando um bocadinho o assunto dos outdoors e dos cartazes. O que é que fazemos? Não temos verbas para gastar, para esbanjar. As despesas que temos de fazer, saem um pouco dos nossos bolsos. É o nosso hobby, digamos assim. E [pensámos]: “somos” reciclar, temos “reciclar” no nome e, portanto, vamos aproveitar materiais. E temos feito com papelões. Temos um colega nosso que se predispôs a recolher papelões, a pintar “Vota RIR”, e a espalhar por aí. E é engraçado que temos recebido fotografias de todo o lado do país, de pessoas que já estão a fazer o “Vota RIR”, no papelão, para pôr na janela ou para pôr no portão… E isso dá-nos algum alento. Porque mal ou bem, a nossa mensagem acaba por passar.
Agarraram na iniciativa e replicaram-na.
Exactamente. E tem de ser mesmo por aí. Porque, para já, não faz sentido gastar o dinheiro que gastam. E digo-lhe uma coisa: as pessoas também ficam cansadas… Aqui, em Lisboa, então, em cada rotunda que passemos, há outdoors por todo o lado, com as caras de todos e mais alguns. Já cansa, porque tivemos eleições há dois anos, e é repetitivo. E se começarmos a ver, são frases que não nos dizem nada. Onde é que estão as soluções? Afinal de contas, o que é que andaram lá a fazer este tempo todo? Discutem, discutem, discutem… “Apalhaçam” a Assembleia da República, e no que é que se traduz, em termos de soluções? Temos agora o PS congratular-se, que realmente baixámos a dívida pública. Muito bem, excelente. Mas à custa de quê?
Mais uma vez, também a fraca literacia financeira ajuda a não escrutinar essa afirmação?
Exactamente. À custa de quê? À custa de um péssimo funcionamento de todos os serviços públicos. Todos. É generalizado. Quando me perguntavam há dois anos: “então, mas as propostas do RIR?”. Eu provavelmente caminhava mais para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), porque tivemos a pandemia há pouco tempo, e estava com problemas. Talvez fosse o sector com mais problemas. Mas, neste momento, é transversal. Temos problemas em todo o lado: na habitação, na saúde, na justiça – que é um tema que quase ninguém fala, mas, como sou advogada, vivo com esse diariamente. É um problema muito grave e que impede o país de evoluir.
O mediático fundador do RIR, Tino de Rans, ao lado do humorista Herman José. (Foto: D.R./RIR)
Até pelos custos, os cidadãos não têm um acesso propriamente fácil à Justiça.
A justiça está com um problema. Não sei, está tudo mal. Já sou advogada há muitos anos e posso-lhe dizer… Converso com outros colegas meus que, há meia dúzia de anos a esta parte, temos vindo a assistir à decadência do sistema judicial. Os funcionários de justiça estão permanentemente em greve, e com razão, porque recebem uma miséria de ordenado. Acho que são os únicos neste país que fazem horas extra e não recebem pelas horas que fazem. Há poucos procuradores, há poucos juízes. E depois, há taxas de justiça muito elevadas. Para o comum do cidadão – que receba 700, 800 ou 1000 euros de ordenado –, que queira socorrer-se a um tribunal para fazer valer um direito que tenha, ter de pagar 300 ou 400 euros de uma taxa de justiça inicial é um absurdo. E dizem-me assim: “mas pode socorrer-se do apoio judiciário e da segurança social”. Será que pode? Não pode, porque um cidadão ou vive abaixo do ordenado mínimo nacional para ter esse apoio, ou não o tem. E, muitas vezes, as pessoas pensam: “para que é que eu me vou chatear? Para que é que eu vou para tribunal? Para que é que eu vou lutar por isto?”. Porque não podem dispor desse dinheiro.
Não há justiça.
E quando dizem que há justiça para ricos e para pobres, é verdade. É a pura das verdades. “Mas não é politicamente correcto dizer-se”… Mas tem que se dizer, porque é verdade. Quem tem dinheiro para pagar um advogado e taxa de justiça, consegue um resultado diferente.
Temos, no jornal PÁGINA UM, essa experiência, esse contacto com a realidade da Justiça. Porque somos o jornal com mais pedidos de acesso a informação, a bases de dados, a informação pública e com recurso à CADA. Percebemos que, pelos custos, a Justiça não é para todos.
Pois não. E, por exemplo, se a pessoa tiver que socorrer-se de um tribunal administrativo ou fiscal, uma penhora das finanças que a pessoa considere… Não pode. Isto não está correcto. Vai socorrer-se no tribunal administrativo e fiscal, e daqui a 10 anos tem uma decisão. Isto não é justiça. Não é. Portanto, as pessoas preferem pagar e esquecer.
E há aqueles casos que prescrevem, de corrupção…
Sim, há casos que prescrevem. E prescrevem porquê? É engraçado. Dizem que temos de alterar a lei. Não, as leis já existem! E até temos um ordenamento jurídico, nesse aspecto, bastante aceitável.
Faltam os meios, os recursos?
Sim! Os megaprocessos de investigação criminal: não temos capacidade humana para fazer face a esse tipo de processos. Não há funcionários suficientes para tramitar o processo, não há procuradores suficientes, não há juízes… E, portanto, claro que prescreve.
Também falou na questão do SNS. Mesmo antes da pandemia, já assistíamos a um padrão: no Inverno, naquele pico em que há um aumento de doenças do foro respiratório, começam aquelas notícias de que as urgências estão um caos. Isto é cíclico. Como vê esta situação e que soluções é que poderiam ser adoptadas para colmatar ou minimizar o problema?
O grande problema do SNS, nesse aspecto das urgências e de estarem sempre a colapsar, como vemos nos jornais, as 20 horas de espera… Se formos analisar quem é o português que vai à urgência, muitas vezes não é uma situação de ir à urgência. Mas não podemos dizer à pessoa “olhe, não pode estar aqui”. Temos de dar uma solução. E a pessoa vai à urgência porquê? Porque não tem médico de família. Se precisar de ir ao centro de saúde, se calhar, só daqui a 15 dias é que tem uma consulta. E a pessoa está doente, não quer faltar o trabalho. E, portanto, vai à urgência para ser tratada. Falta reforçar a rede primária nos cuidados de saúde, os médicos de família, ter um serviço de maior proximidade, e mais eficiente na resposta ao cidadão. E, para isso, claro, é preciso manter os profissionais cá. E não é com os ordenados baixos que os médicos de família recebem, que conseguem fixar profissionais: os médicos emigram, os enfermeiros emigram. Toda a gente vai à procura de melhor, porque estamos a tornar-nos no país do ordenado mínimo. O ordenado mínimo subiu. Excelente! Está a subir, toda a gente concorda com isso. O problema é que os ordenados médios estão a colar ao ordenado mínimo. Nós temos de encarar o país. E eu não vejo um político de carreira a falar num projecto a 20, 30, 40 anos. Daqui a 50 anos, como é que queremos ver Portugal? Porque, depois, os problemas acumulam-se todos.
(Foto: PÁGINA UM)
E vai-se reagindo e resolvendo só os que surgem no momento, com remendos.
É. E não pode ser assim.
Mas, depois há outros projectos: o novo aeroporto, agora, também o TGV…
E pode ter certeza que daqui a 10 anos vamos estar a falar na mesma, porque não há ninguém que vá tomar uma decisão. Vamos andar eternamente nisto. E pagam-se estudos e mais estudos, sabe-se lá para que empresas. E o dinheiro vai-se gastando, e as obras não se fazem. Nem se vão fazer.
Estava a falar dos salários. De facto, pode ter subido o salário mínimo, mas o custo de vida também disparou. E temos aqui uma situação que está a levar portugueses a sair do país, o que depois também levanta outras questões. Como é que vê este desequilíbrio entre os rendimentos mínimo e médio dos portugueses e aquilo que é hoje o custo de vida?
Temos de reforçar a nossa economia. Só assim é que vamos conseguir. Com uma economia mais forte, e mais investimento de empresas que venham dar mais postos de trabalho, é que poderemos começar a aumentar impostos. Mas isto está tudo encadeado, porque não podemos ter uma carga fiscal tão grande. Não podemos exigir que as empresas, para pagarem um ordenado líquido a um trabalhador de 1500 euros, gastem 2000 e tal. Não dá. E as empresas vão para outro lado, e levam os nossos melhores. Acho um disparate, mas há quem se orgulhe de exportamos quadros e jovens, os “melhores” portugueses. Isto devia ser um alerta de que alguma coisa está errada. Devíamos era conseguir fixá-los cá, mas para isso precisamos de atrair as empresas.
O problema não está só na questão da atracção do investimento, mas também na enorme carga fiscal?
Sim. Depois, está tudo relacionado, novamente, com a Justiça. Não há nenhuma empresa que venha para Portugal que, por exemplo, queira cobrar uma dívida e que demore três ou quatro anos para conseguir fazê-lo, e que no meio do processo, o devedor apresente insolvência e que se perca tudo.
Para além de todos os custos que têm que de ter, com as taxas, de que falou há pouco.
Pois, porque é muito simples: uma empresa tem um crédito espalhado na rua, não lhe pagam, metem uma injunção. Primeiro, que uma injunção se torne título executivo, pode demorar um ano ou dois. E nesse espaço de tempo, o devedor apresenta insolvência. E não há empresas que venham para cá arriscar numa economia e num sistema judicial que não lhes dá garantias, nem respostas. E é a mesma coisa com a habitação. O problema da habitação e das rendas, no meu entender, tem vários pontos. Primeiro: o negócio dos quartos tornou-se atractivo, principalmente nas cidades onde há pólos universitários. Há muitos alunos deslocados e uma pessoa que tenha um T2 ou um T3, tem ali um bom negócio para arrendar quartos. E esse negócio só existe, porque ouvimos os governos a prometer residências universitárias, que não saem do papel. Se essas residências universitárias existissem, o negócio dos quartos descia para metade. Já ficavam mais imóveis livres para arrendar. Depois, temos outro problema, novamente, com a Justiça: um senhorio que tenha uma casa a arrendar e tenha a pouca sorte de ter um inquilino que não lhe pague a renda, para meter uma acção de despejo, pode ter que esperar dois ou três anos para que o inquilino saia da casa. E ainda pode correr o risco de o inquilino sair da casa e deixá-la completamente destruída. Depois, o que recebeu de rendas nem sequer chega para pagar as obras. E depois, as pessoas põem à venda. E vêm grupos económicos grandes que compram e fazem negócio disso.
Portanto, entende que há soluções, não é um caso perdido, e que há mecanismos que podem ser postos em prática para resolver parte do problema?
Há. Não vejo que seja tabular rendas, isso não. Porque uma pessoa se trabalha, e consegue comprar um imóvel que daqui a uns anos lhe vai servir para complementar o rendimento da reforma – que não será muito alta –, não se pode impedir que isso aconteça. Ou alguém que herde dos pais, que trabalharam e deixaram uma casa. Não pode herdar o que os pais, que pagam impostos e contribuições, deixaram? Não vamos limitar.
Então, defendem que haja um incentivo para colocar mais habitação no mercado?
Sim, mas tem de haver mais habitação no mercado e tem de haver também construção pública. Claro que há muitos agregados que não podem pagar as rendas que actualmente estão a ser praticadas. Tem de haver uma resposta pública nesse sentido. Mas, ao mesmo tempo, tem que haver fiscalização, porque, infelizmente, a ‘casinha’ pública serve para muitos anos e passam por ela muitos descendentes. E pagam rendas de cinco euros. Não pode ser. Tem de haver regras e fiscalização. E claro que se isto tudo existir, os preços acabam por reduzir, porque obrigatoriamente é a lei do mercado a funcionar, não estamos aqui a inventar nada de novo.
O RIR promove a reciclagem na criação dos seus posters e cartazes de campanha. (Foto: D.R./RIR)
E já que estamos a falar destes temas que têm estado na ordem do dia, há um outro que também foi agarrado pelo vosso partido: a Educação. E fizeram alguns alertas para o facto de haver problemas naquilo que é a alimentação escolar. Daquilo que tem tido conhecimento, é uma situação que deve ser alvo de forte escrutínio por parte das autoridades?
Sim. É uma situação grave. E eu tenho tomado conhecimento disso, porque a minha filha anda no 9º ano, numa escola pública, e tem a sorte de só ter que almoçar na escola uma vez por semana. E, coitada, eu tenho pena. Porque a semana passada ela mandou-me uma fotografia do prato de comida, e posso dizer-lhe que os meus cães comem melhor do que aquilo. E, depois, começo a ouvir relatos de pais de tios, de avós, de várias partes do país. O problema aqui é igual. E se virmos, qualquer pessoa consegue ir ao Portal Base e ver os contratos que as câmaras municipais fazem com as empresas que fornecem as refeições… E não é barato. Gastam-se milhares de euros na contratação dessas empresas para fazer refeições. Não há fiscalização? Então fiscalizem, mas não podem dar de comer aquilo às crianças. Aquilo influencia claramente o rendimento escolar dos jovens que têm menos apoio em casa e que têm de comer na escola porque é, muitas vezes, a única refeição que poderia ser mais equilibrada. E não acontece isso. Portanto, há que ter os olhos abertos. E isso nem é tanto um problema do Governo. Será um problema das câmaras municipais, porque isto é gerido pelos municípios. Os presidentes das câmaras, façam o favor de aparecerem de surpresa, sem avisar! Porque já me disseram a mim: “a mãe pode vir cá comer à escola, mas tem é que marcar”. Pois, claro, tem de se marcar para nesse dia a refeição ser melhor… Se perguntarem aos professores de todas as escolas se comem nas cantinas, todos lhe vão dizer que não. Por alguma razão será.
Portanto, as crianças também não deveriam ter essa alimentação…
Não pode ser. E depois gastam milhares de euros em campanhas de alimentação saudável, espalhadas por todo o lado. E depois, aos miúdos, dão a comer aquilo. Não pode aparecer na ementa “frango estufado com massa de esparguete”, e ser um prato só de massa e a carne ser um ‘fiozinho’. Arroz de peixe, é só arroz, e onde é que está o peixe? Refeições deslavadas, não há saladas, não há as sopas, não há sobremesa… Não pode ser. Os meus filhos não têm escalão de apoio social. Pago 1,46 euros, salvo erro, por cada refeição. Eu compreendo que, com 1,50 euros, talvez não seja fácil ter uma refeição por aí além. Compreendo que há muitos alunos que beneficiam do escalão e que nem sequer 1,50 euros paguem. Mas prefiro pagar mais – e, de certeza que, como eu, há outros pais que conseguem pagar mais –, mas que deem uma refeição em condições às crianças.
E os próprios contratos que mencionou, no Portal Base, devem prever um determinado critério de qualidade.
Sim, e não está claramente a ser cumprido, pelo país todo.
Ao nível da educação, esse infelizmente não é o único problema. Aliás, tivemos protestos, precisamente devido às condições de trabalho também dos professores, e aos seus rendimentos. Como é que vê isso, já que é apoiante também da escola pública?
Sou apoiante da escola pública porque sempre estudei em escolas públicas. Inclusivamente, a faculdade, fiz na pública, e os meus filhos também. O meu filho mais velho está a acabar a faculdade também, na pública. Portanto, apoio, e sou apoiante do SNS também. Posso dizer que sempre que precisei, mesmo em casos urgentes, fui bem tratada e fui até salva pelo SNS. Não tenho seguro de saúde. O meu marido tem, eu não tenho, nem quero. Porque eu pago impostos suficientes para receber, em troca, do Estado, alguma coisa.
Muitos políticos dos partidos com assento parlamentar têm os filhos em colégios privados ou faculdades privadas. Parece haver um sistema de castas. Um distanciamento.
Há, e esse é um dos grandes problemas da política, porque os políticos de carreira vivem numa bolha. Não conhecem a realidade, porque têm ordenados acima da média que lhes permitem fazer face a todas as despesas. Não passam por dificuldades. Conseguem ter os filhos em escolas privadas, têm o melhor da educação, o melhor da alimentação na escola, conseguem ter acesso a seguros de saúde e são tratados pelos melhores médicos especialistas. Não têm noção da realidade da pessoa normal que o RIR quer representar. E quando me dizem: “mas aquele partido tem quadros”… É uma expressão que me deixa com os nervos à flor da pele [risos]. Porque “são pessoas importantes, têm quadros”… Nós, no RIR, também temos quadros. Bastantes! Para começar, temos quadros técnico-profissionais: do agricultor, ao calceteiro e ao pescador. Esses, então, são essenciais. Depois, para os mais “esquisitos”, também temos os quadros de que eles falam: temos advogados, médicos, professores, filósofos, escritores, contabilistas. Temos tudo; o cidadão normal que trabalha, recebe o seu ordenado, que enfrenta as dificuldades e conhece realidade. E isso faz falta ao político, ao governante. Não é só daquilo que lhe dizem. Nós sabemos da dificuldade. Precisamos de ir levantar uma certidão a uma conservatória, sabemos que temos que esperar horas na fila para conseguir uma certidão. Eles não, o secretário trata de ir buscar por eles. Se há um português que quer cancelar uma matrícula no IMT, porque há uns anos vendeu um carro para a sucata, e afinal, a matrícula não foi cancelada e anda ali todos os anos a pagar IUC, experimentem fazer uma marcação no IMT para cancelar a matrícula… Não conseguem.
(Foto: PÁGINA UM)
Ou tentar ser atendidos na Saúde 24, por exemplo. Muitas vezes, tem que se carregar em algumas teclas para se chegar a algum lado.
E será uma situação grave: quando se liga para a Saúde 24 é porque se está doente ou tem o filho doente, e precisa de apoio urgente. E quando a própria linha de apoio não sabe qual é o hospital mais próximo? Ainda na semana passada, uma colega me contou que a filha estava com febre, que ligou para a Saúde 24 – ela é residente em Peniche, o hospital mais próximo de pediatria é em Caldas da Rainha – e queriam mandá-la para Coimbra! De Peniche a Coimbra?! “Mas vocês têm noção do que estão a fazer”? Não pode ser.
A Márcia é de Peniche. Sabe que o país não é só Lisboa, nem só Porto, é muito mais vasto do que isso, e tem muitas realidades diferentes.
Exacto, e esse também é um dos grandes problemas. Governam a pensar na Área Metropolitana de Lisboa. Sobre a história dos transportes públicos: dizem que as pessoas têm que utilizar para transportes públicos, aceito. Eu trabalho em Lisboa, tenho o privilégio de ter uma profissão que permite não vir todos os dias e não ter que cumprir horários de entrada e de saída. Mas vim estudar para cá, morei cá muitos anos, entretanto, voltei às origens, mas continuo a ter contacto, e por vezes venho a Lisboa de autocarro. E eu moro a 15 km do centro da cidade de Peniche, onde tenho que apanhar o autocarro. Eu não tenho como ir de minha casa para essa paragem de autocarro de carro. Tenho que ir de carro. Portanto, pelo menos 30 km tenho que fazer por dia. Num trajecto que se faz em menos de uma hora, demoro cerca de duas horas e meia.
Quem tivesse de fazer esse percurso diariamente, seria quatro a cinco horas por dia.
Exacto. Não é compatível com uma vida familiar, por exemplo.
Ou seja, há de facto um défice em termos da disponibilidade de transportes públicos fora dos grandes centros urbanos.
Completamente. E depois temos valores de combustíveis alucinantes, em comparação com Espanha. São 20 e 30 cêntimos de diferença, que não se compreende. Tudo bem que nos digam que é da guerra. São tudo justificações aceitáveis. Mas quando olhamos para o vizinho ao lado, então como é que eles podem e nós não podemos?
Pois, a fatura acaba por ser muito diferente se pagarmos em Portugal ou em Espanha.
Sim, e estamos todos na mesma comunidade europeia. Como é que os espanhóis conseguem pagar o gasóleo a 1,40 euros e nós temos aqui a pagar a 1,80 euros? Há aqui qualquer coisa que não bate certo.
Hoje, os políticos gostam de falar nas alterações climáticas. E eu, que sou de 1974, sempre ouvi muito falar em ecologia, em protecção do ambiente. E o que é certo é que parece que caiu em desuso falar-se na proteção ambiental e, agora, só se fala em alterações climáticas. Qual é a vossa posição relativamente a isto? Até porque vamos conhecendo casos de problemas, precisamente de não se proteger o ambiente em Portugal, em várias zonas?
Sim, há grandes problemas; e com fábricas, sempre existiu, com descargas poluentes.
Pensa que há uma distração dos políticos relativamente a esse tema, e que não há um investimento naquilo que é a proteção ambiental?
Não sei se será distração, se será um empurrar com a barriga… Sinceramente, não quero saber, mas a proteção ambiental não tem sido uma prioridade. Vivo num concelho que tem praias por todo o lado. E não vejo atenção na limpeza das praias, no recolher do lixo. Muitas vezes, são iniciativas particulares de associações de pessoas que se juntam que vão fazer limpezas à praia. Não há esse interesse dos políticos. Acho que isso não traz votos e, como não traz votos, pode ficar para o lado. Quem quiser que vá, dá-se uns subsídios a umas ‘associaçõezitas’ que fazem o trabalho por nós. E depois, temos indústrias completamente poluentes. Aliás, Lisboa, há umas semanas que cheira a azeitonas, dizem. Não sei se será bem azeitonas, mas que realmente há aqui um cheiro. Tenho ouvido teorias de que será da Margem Sul, de um aterro sanitário. Mas afinal, de onde é que vem? É poluição certamente, mas não se vê isso na agenda de campanha de ninguém. Não traz votos. As alterações climáticas agora estão na moda. Isso leva à história da transição energética que, por um lado, serve para aumentar preços da electricidade e justificar o negócio que existe. Ninguém me tira isso da ideia.
(Foto: D.R./RIR)
Até porque o vosso partido defende as energias renováveis…
Sim. Mas não pode haver uma imposição, de uma forma que não seja, na prática, compatível com a vida das pessoas. Esta imposição das pessoas de terem de optar por carros eléctricos… Podem dizer que é uma grande teoria da conspiração, mas ainda ninguém me convenceu que o carro eléctrico é menos poluente que um carro de combustão. A exploração de lítio também é prejudicial ao ambiente. Não é só o petróleo.
E quando o veículo já está em fim de vida, como é que se faz?
Como é que vai ser com a reciclagem das baterias? Alguém explica isto?
Nas turbinas eólicas, as pás, têm havido essa questão…
Pois, e isto não está a ser contabilizado. E eu, sinceramente, tenho grandes receios de que isto seja um grande embuste, e que no final de contas, os veículos eléctricos não sejam menos poluentes.
Acaba por ser mais um negócio?
Sim.
A questão ambiental, defende que deve ser vista, neste caso, desde o que é necessário para a sua produção até ao seu fim de vida, e não apenas aquilo que acontece enquanto o veículo está a circular.
Exactamente. E depois também temos outro problema: se todos os portugueses agora optassem por comprar um carro eléctrico, nós não tínhamos capacidade para abastecer, não tínhamos uma rede. Colapsava tudo. Portanto, há que haver um bocado de bom senso e de equilíbrio nas propostas; não podem só impor e obrigar. Eu não gosto que obriguem a fazer.
Mas tem havido muito esse “caminhar”. E começámos por falar do recuo do nível de democracia a que temos assistido nos últimos anos. E tem havido essa imposição de medidas, uma forma de estar na política e na gestão da vida pública no caminho de imposição. Medidas que muitas vezes nem sabemos bem de onde vêm, nem com que objectivo, e impostas também ao nível comunitário, algumas positivas, outras um bocadinho mais duvidosas.
Exactamente. Pelo menos expliquem às pessoas o racional, justifiquem a razão de ser desta ou daquela medida. E o que me deixa mais triste no meio disto é que a maioria das pessoas não questiona a razão de ser das coisas; não querem saber. É por isso, também, que eu ando nisto: para alertar, tentar abrir as mentes das pessoas, porque não se podem resignar desta forma que se vê.
Praticamente sem meios para a campanha, o RIR apela ao voto no partido usando os meios que tem ao alcance. (Foto: D.R./RIR)
Mas tem havido uma crescente imposição de políticas que vão muito para além daquilo que é o espectro económico, digamos assim, da UE. E mesmo agora, depois da pandemia, tem estado a ser negociado ao nível da Organização Mundial de Saúde, um novo Tratado Pandémico. Não vemos muito na política, e nos portugueses, noção de como na esfera internacional já há uma grande influência naquilo que são as medidas políticas, das alterações climáticas à gestão da saúde.
Sim, em tudo. Estamos agora o ter o exemplo dos agricultores, que estão em protesto. Mas se as medidas são todas tomadas pela Europa, nós temos de ter ministros que se tentem impor e defender os nossos interesses um bocadinho mais. Como as políticas de pesca, que também são todas implementadas a nível europeu.
Ou seja, haver cooperação, mas também haver um cuidado com a realidade do país.
Exactamente. Temos de ter noção que também temos a nossa soberania e temos o nosso interesse. Portugal é o país que mais mar tem; toda a gente vem cá buscar, e não nos podemos impor? Há aqui qualquer coisa que não está bem. Temos de valorizar aquilo que somos e os nossos interesses. Claro que, depois, passam todos por uma negociação, mas nós não podemos ser o típico bom aluno do “sim, senhor professor” e aceitarmos o que nos dão, e apenas ‘mendigar’. E atenção, que eu sou europeísta; não me vejo fora da União Europeia, acho que não fazia sentido absolutamente nenhum.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra.
Sim. Temos de ter noção que não somos assim tão insignificantes. Toda a gente gosta de Portugal, vêm todos cá passar férias, temos um clima fantástico. E, portanto, temos que nos saber impor um bocadinho.
Uma das políticas que existe e também tem estado na ordem do dia, também ao nível europeu, é a questão da imigração. Qual é a vossa postura relativamente àquilo que deve ser a política de Portugal de receber imigrantes de os proteger e de os integrar bem, visto que uma das vossas bandeiras é também o combate à discriminação?
Sem dúvida. Não somos nada contra imigrantes. Aliás, Portugal sempre foi conhecido como um país de emigrantes. Os portugueses sempre procuraram melhor lá fora, desde muito cedo. Portanto, venham, mas venham cumprir regras e cumprir a lei. E o que notamos, neste momento, é que a imigração está descontrolada. E isso traz-nos, obviamente, problemas a nível europeu, e Portugal acompanha. E isso nota-se nos cuidados de saúde. Se nós formos procurar um médico, há muito estrangeiro e muito imigrante a fazer a mesma procura: no acesso aos serviços públicos, conservatórias, juntas de freguesia…
(Foto: D.R./RIR)
Ou seja, não está a ser acautelada a vinda de imigrantes e a capacidade de resposta dos serviços?
Não está. Não estamos a conseguir dar resposta. Primeiro que tudo, não está a ser fiscalizada a entrada dos imigrantes em Portugal. Tem condições para vir, cumpra as regras. Tem contrato de trabalho? Se não tem, vai morar onde? É o mínimo que se pode fazer.
E em que em condições…
Sim, porque senão depois é o que nós assistimos: temos 20 pessoas a morar no T1.
E muitas vezes, infelizmente, a ser alvo de redes de exploração.
Sim! É isso que nós queremos em Portugal? Temos, espalhados pelos campos do país, milhares de estrangeiros que trabalham a 3,50 euros à hora. E dizem “os portugueses não querem fazer o trabalho”; pois, claro que não! Mas ninguém deveria fazer por esse valor! É a mais pura das explorações. Mas toda a gente sabe isto. Aliás, há presidentes de junta que têm explorações agrícolas, que contratam esses serviços, e sabem isto.
Aproveitam a vulnerabilidade.
Sim, é negócio. Isso não pode ser. Claro que a imigração faz-nos falta, até para equilibrar a segurança social, porque nós estamos a envelhecer. A sociedade está a envelhecer, e precisamos de reformas, e alguém tem de sustentar isso. Mas não pode ser como estamos a ver. Acabaram com o SEF, porque existia corrupção. Criaram a Agência para a Integração, Migrações e Asilo [AIMA], mas está a ser um autêntico desatino. Um estrangeiro que queira renovar a autorização de residência não consegue uma marcação em nenhuma conservatória do país. Não dá, o sistema não funciona.
Ou seja, mesmo que queira seguir as regras, não há resposta.
Sim, mesmo que queira continuar legal, arrisca-se a que o cartão perca a validade e que deixe de ser um cidadão exemplar, porque o sistema português não dá resposta. Venham, são todos bem-vindos, mas cumpram regras e a lei. Nesse aspecto, eu sou muito legalista. Se todos cumprirem a lei, conseguimos mais ou menos conviver saudavelmente dentro da sociedade portuguesa. E tem de haver um respeito. Os meus sogros foram imigrantes no Canadá e eles dizem, tiveram de se adaptar à realidade deles e de cumprir os seus hábitos. E tudo correu bem. E isto é o que milhares de pais e de avós também fizeram. Portanto, não temos de ser contra, não temos de discriminar; pelo contrário. O que vemos agora é os nossos filhos a emigrarem, à procura de algo melhor noutro país. Portanto, ser contra a imigração é completamente descabido.
Imagem de campanha do RIR. (Foto: D.R./RIR)
Tem é de haver regras?
Sim, e também cabe ao Estado controlar o que se passa, e não permitir que negócios paralelos sobrevivam à conta disto. Porque depois, isto beneficia quem explora campos agrícolas, quem tem barcos de pesca. E com os salários que são pagos… Nas habitações, é muito mais atractivo arrendar a 100 euros por pessoa e ter 20 numa casa, do que arrendar a uma família a 500 ou 600 euros de renda. E já é uma renda alta. Portanto, isto tudo está a desequilibrar a sociedade. Faltam regras, falta fiscalização, falta tudo. Mas porque é que não fazem? Não sei.
Em termos de objectivos do partido, o que é que pode nos dizer, não só sobre estas eleições, mas para o futuro? Como é que vê o RIR? O que é que gostariam de alcançar?
Gostava muito, ficava muito contente, se conseguíssemos eleger um só deputado. Era o suficiente, porque eu tenho a certeza que a partir do momento em que lá chegássemos, já não saíamos.
Seria uma voz activa?
Sim, de bom senso e de equilíbrio, de tentar construir consenso. Porque se formos ver, neste momento, as mensagens de todos os líderes dos partidos são exactamente iguais. As promessas… “Temos de melhorar isto e aquilo”. Todos dizem o mesmo. E a pessoa fica a pensar: então, quais são as diferenças? O problema é que depois, na prática, não o fazem. Temos o factor favorável de, efectivamente, viver a realidade, de termos pessoas de várias áreas nos órgãos do partido. As nossas reuniões partidárias são verdadeiras tertúlias. E temos consciência da realidade, porque são pessoas de todo o país. E isso faz falta dentro do Parlamento. Nem tinha de ser eu, qualquer um deputado eleito pelo partido RIR era importante.
Imagem de campanha do RIR. (Foto: D.R./RIR)
Sente que a democracia em Portugal sairia reforçada se houvesse uma maior diversidade e um maior número de partidos representados?
Sem dúvida. Nesse aspecto, a Iniciativa Liberal [IL] foi o partido que tentou dar algum contributo, com o círculo de compensação nacional, que não é nenhuma invenção. Nos Açores têm e funciona. Portanto, não era nada de extraordinário. E fazendo um círculo de compensação nacional, muitos dos votos não seriam desperdiçados. Acabava a história e a propaganda do voto útil. Porque eu não posso aceitar que o voto seja diferente – quando votam no partido do poder, é um voto útil. O voto no RIR é um voto “inútil”? Não é. É um voto igual ao outro e, portanto, são todos úteis. Há que transparecer na Assembleia aquilo que as pessoas escolhem, e que querem que se faça sentir. E, se isso tivesse sido aprovado – a proposta da IL – o RIR estava no Parlamento desde 2019.
Portanto, é algo que defende que deveria voltar a estar em cima da mesa?
Devia. Aliás, todo o sistema deveria ser revisto, porque eu tenho a certeza absoluta que nem o líder do PS, nem o líder do PSD, sabem montar uma candidatura eleitoral. Não sabem que passos têm que dar e a burocracia que existe. São processos da Idade da Pedra, tudo em papel. E basta falarem com o escrivão de um tribunal, com um juiz, e vejam como é um sistema totalmente ultrapassado. Isso, e o voto: porque é que não existe o voto electrónico, se nós temos nos nossos telemóveis o banco, as Finanças, os nossos documentos oficiais? Já assinamos digitalmente tudo e mais alguma coisa, porque é que não podemos votar electronicamente? Portanto, há muito para evoluir.
Pode consultar AQUI o programa do RiR para as Legislativas de 2024.
Ana Carvalho e Duarte Costa partilham a liderança do Volt Portugal, um partido de cariz federalista, que defende a criação de uma União Europeia mais forte, a funcionar a uma só voz. Ana Carvalho, tem 27 anos, é engenheira electrotécnica de formação e faz investigação na área das energias renováveis. Entrou no Volt em 2018, quando estudava na Alemanha, e teve um papel-chave no lançamento do Volt Portugal, tendo, em 2022, sido eleita co-presidente do partido. Duarte Costa, tem 35 anos, é especialista em alterações climáticas. Juntou-se ao Volt em 2021 e já foi candidato à Assembleia da República pelo círculo da Europa nas eleições legislativas de 2022. Actualmente, é também candidato às Europeias de 2024. Esta é a segunda entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE ANA CARVALHO E DUARTE COSTA, CO-PRESIDENTES DO VOLT, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Como é que o Volt Portugal vê o seu potencial para crescer no país, numa altura em que existem muitos partidos, mas que também há muito destaque que é dado a alguns mais do que a outros, em termos daquilo que é a percepção do público, nomeadamente nos media?
ANA CARVALHO: Desde já deixe-me começar por agradecer ao PÁGINA UM o vosso convite. É óptimo, de facto, darem esta visibilidade aos partidos sem assento parlamentar. É um pouco o combater esta inércia democrática que há, de dar sempre a visibilidade aos mesmos. Só ouvimos falar dos mesmos partidos, não damos oportunidade aos portugueses de saberem que há alternativas àqueles que já lá estão.
Quanto ao Volt, e a como nós estamos a planear crescer, a verdade é que nós temos aqui uma vantagem, porque o Volt é um partido europeu e, portanto, já somos um partido enorme. Somos um partido com mais de 30.000 membros em toda a Europa. Estamos presentes em 31 países, já temos eleitos a todos os níveis, desde o Parlamento Europeu, desde o Parlamento nacional, por exemplo, da Holanda e da Bulgária. E a nível municipal, também temos vários por toda a Europa. Mais de 100 eleitos, na verdade. E, portanto, o Volt Portugal – nós chamamos-lhe este “capítulo” do Volt Europa – também ganha com este crescimento.
Ana Carvalho, co-presidente do Volt Portugal (Foto: PÁGINA UM)
Em Portugal, há quatro anos éramos menos de 50 pessoas e já estamos na ordem de grandeza dos 500, por exemplo. Este crescimento tem sido exponencial. Agora, na altura das eleições, temos tido também imensa atenção, muito graças a podcasts e a iniciativas como a vossa, as quais agradecemos. E a verdade é que bebemos desse crescimento europeu. O movimento progressista está a crescer muito e aqui os portugueses estão a aderir a ele também. O Volt Portugal está a crescer um pouco por todo o país. Por exemplo, nestas eleições legislativas, vamos pela primeira vez participar em círculos eleitorais a que não tínhamos participado antes, como é o caso da Madeira.
Participam em quase todos.
ANA CARVALHO: Participamos em quase todos. Tivemos ali um azar e por falta de tempo não conseguimos ir ao círculo eleitoral de Bragança. É o único que nos falta; em todos os outros apresentámos lista. E, portanto, nos Açores, Madeira, fora da Europa… Em todos os distritos de Portugal continental, os portugueses vão poder votar no Volt.
Vão aparecer no boletim de votos nesses círculos. E quais são as vossas ambições para estas eleições? Preveem que possa haver, de facto, um espaço para eleger candidatos?
ANA CARVALHO: Sim, a resposta é clara. Nós queremos eleger a nossa candidata nacional, a Inês Bravo Figueiredo. Estamos a trabalhar para isso e até agora temos tido resultados muito bons.
O partido, sendo um partido jovem, em Portugal já existe desde 2017, embora em termos oficiais exista desde 2020. Mas é um partido também que, pela sua liderança e não só, tem bastante jovens. Também as profissões e as áreas de formação… Estamos a falar, no caso da Ana, de engenharia e investigação e, no caso do Duarte, é um especialista em alterações climáticas. Estamos a falar de um partido, como diriam os jovens na minha época, “muito à frente”, face aos restantes?
DUARTE COSTA: Sem dúvida. De novo, parabéns por esta iniciativa. Eu acho que o Volt é a maior inovação política desde o 25 de Abril em Portugal. Ou seja, em Portugal, e, já agora, também no resto da Europa. Nunca tivemos na Europa e em nenhuma parte do mundo europeu, pessoas de vários países a fazerem política em conjunto. A grande novidade que o Volt traz a Portugal é de termos políticas que foram pensadas por europeus de toda a Europa; e termos por aí a possibilidade de trazer boas práticas para Portugal. Acho que, estamos a um mês das eleições legislativas, esta é uma grande sede dos portugueses.
Ana Carvalho e Duarte Costa, co-presidentes do Volt Portugal (Foto: PÁGINA UM)
Temos problemas crónicos do século XX ainda no século XXI: a questão da desigualdade, a questão dos baixos salários, o tema da habitação que agora está ao rubro, porque não temos acesso à habitação para o poder de compra que temos, e uma série de outros problemas também de burocracia de um Estado ineficiente, a somar aos problemas do século XXI. O caso das alterações climáticas, que é um tema que me trouxe ao Volt e à política, mas também os outros temas do nível global, como a ameaça de guerra na Europa… A questão da economia global, que está a alimentar desigualdades e que temos grandes corporações que conseguem fugir aos impostos.
Para nós darmos resposta a tudo isto, achamos, no Volt, que as estruturas tradicionais dos partidos nacionais e até de um modelo muito baseado nas fronteiras territoriais nacionais de soberania nacional, para dar resposta, é insuficiente. E essa insuficiência está à vista, porque não estamos a conseguir, na Europa, dar resposta a estes problemas. As pessoas estão incomodadas e desconfiadas até dos partidos tradicionais e isso leva ao quê? Ao crescimento dos populismos, que é outra das grandes marcas desta eleição em Portugal e que tem sido uma das grandes marcas das eleições nacionais que temos visto por toda a Europa, nos últimos anos. E é justamente para isto que o Volt quer ser uma solução, mas para isso precisa do apoio das pessoas em Portugal, em toda a Europa, que querem essas soluções, que querem essa mudança.
Digamos assim, então, que o vosso adversário nestas eleições são os grandes partidos ou a abstenção? Ou ambos?
DUARTE COSTA: Nós começámos esta campanha com uma ideia, como disse há pouco, muito para a frente. E que foi: nós propusemos uma frente progressista, ou seja, nós propusemos aos partidos novos progressistas que têm uma base, que são plurais… Não são próximos necessariamente uns dos outros, mas têm uma base comum.
(Foto: PÁGINA UM)
Fala da Iniciativa Liberal, do Livre …
DUARTE COSTA: E o PAN e o Volt. Estes quatro partidos são os partidos mais recentes em Portugal e, de facto, têm aqui uma forma de fazer política diferente. Querem mudar, querem trazer uma agenda própria, seja de baixar os impostos e simplificar o Estado, seja nas causas ambientais, seja nas causas sociais. O Volt fala muito bem com todos estes e queria, desta forma, que colaborássemos na nossa polaridade e nos apresentámos em conjunto para termos um peso eleitoral que possa, por um lado, romper com este bipartidarismo do PS e do PSD, que não está a dar resposta aos problemas dos portugueses e, por outro lado, ter um peso de travão ao crescimento do populismo, em especial da extrema-direita. E achamos que é nesta união, neste diálogo e nesta cooperação que nós podemos – progressistas e, como nós dizemos na nossa campanha, cidadãos de bom senso – ter peso nas matérias.
Mas, infelizmente, essa frente progressista não foi avante porque nenhum dos três outros partidos quis avançar com ela. Alguns nem sequer nos responderam de todo. E, portanto, estamos aqui a lutar pelo nosso lugar na Assembleia da República, para ser essa força no Parlamento que coloca os outros partidos a colaborar e a fazer frente a estas duas ameaças, que é, obviamente, a extrema-direita e o populismo que ameaça mesmo as estruturas da democracia. Mas isto é só um sintoma; a extrema-direita é só um sintoma de um modelo bipartidário PS-PSD. E nós podemos tratar os sintomas ou podemos tratar a doença. E nós, neste caso, queremos tratar a doença.
Também temos boas relações com o PS e com PSD, também temos um sentimento de gratidão porque são dois partidos responsáveis por trazerem a democracia a Portugal, porque foram os primeiros partidos do centro moderado no pós-25 de Abril. Mas não estão à altura dos desafios e mesmo as novas lideranças mudaram, e nós vemos, não somos só nós, acho que os portugueses em geral… Vemos nas ruas, nas redes sociais, que não há grande vontade de continuar com estes dois partidos. E nós estamos aqui para justamente começar a criar uma nova alternativa política a tudo isto, ao bipartidarismo, e ao populismo e radicalismo de direita. Também um pouco de esquerda, mas esse não está a ter tanto crescimento como o da direita. Portanto, o da direita é mais preocupante.
Inês Bravo Figueiredo e Luís Almeida Fernandes, representantes nacionais do Volt Portugal nas eleições legislativas de 2024 (Foto: PÁGINA UM)
Tem havido um recuo grande no nível de democracia nos países do Ocidente, incluindo ao nível comunitário, com políticas que têm anulado direitos civis, liberdades. Também tem havido casos de negócios opacos, falta de transparência… O PÁGINA UM, por exemplo, tem acompanhado a contratação pública, em Portugal. Sentem que existe uma desconfiança face aos partidos que têm governado e que isso tem afastado as pessoas da política? Porque, apesar desses partidos que referiu terem contribuído e terem estado no início do nosso processo democrático, o que é certo é que isso também já foi há bastante tempo. Também se criaram vícios e temos os muitos casos de corrupção. Mas não só em Portugal. Mesmo ao nível da União Europeia, tem havido investigações e casos de corrupção. Como é que o vosso partido pode lidar com esta desconfiança e dizer aos portugueses “somos diferentes, não temos estes vícios e não estamos alinhados com este recuo da democracia que tem existido”?
DUARTE COSTA: Acho que o Volt é um partido diferente de outros partidos também pela sua composição. Ou seja, quem é que tem reconhecido valor no Volt? Nós vemos, como disse no início, pessoas com quadrantes profissionais diferentes, pessoas com uma faixa etária diferente.
Ou seja, não são os típicos carreiristas que vêm desde as jotas e que “nunca trabalharam”, como se costuma dizer.
DUARTE COSTA: Exactamente. Enquanto noutros partidos há uma atracção por pessoas que estão à procura de uma carreira política, no nosso caso, como ainda não oferecemos carreiras políticas – isso depende daquilo que os portugueses nos quiserem dar -, oferecemos é um projecto político europeu que quer mudar a forma como fazemos política e como a política traz soluções para as pessoas. Eu sei que isto são frases vagas, depois podemos materializar com conceitos concretos. E eu acho que isso é uma grande diferença do Volt.
Duarte Costa em campanha pelo Volt Portugal. (Foto: D.R./Volt)
O outro aspecto é que somos um partido que quer aprofundar o projecto europeu. E agora, até como candidato às europeias em Portugal, e dando-lhe uma resposta à sua pergunta, uma das propostas que temos para as próximas eleições europeias… Para quem conhece o Volt, sabe que o Volt quer avançar para um modelo mais federal da União Europeia. Isto não significa perder soberania nacional. Na verdade, o que queremos é mais soberania e essa soberania é maior se for partilhada a 27, porque vamos ser mais. Mas no modelo federal nós temos duas coisas: nós temos mais democracia; portanto, temos os portugueses e os outros europeus a decidir os rumos comuns da Europa, e não apenas alemães ou franceses ou países mais influentes. E, por outro lado, temos uma estrutura política e jurídica para isso.
Por exemplo, gostávamos de ter uma Constituição Europeia. Já temos o Tratado de Lisboa, que já tem um peso, mas gostávamos de ter um Tribunal Constitucional Europeu, que permite justamente garantir esses direitos e essas garantias e liberdades próprias de uma democracia liberal que promove os direitos humanos, e a sustentabilidade do Estado de Direito. Neste momento, nos Estados-membros e não só – muitas vezes até ao nível regional e local -, temos abusos desses direitos e não temos instrumentos jurídicos do nível europeu para garantir essa uniformidade. E é aí que um projecto europeísta verdadeiramente democrata e federalista faz toda a diferença.
Claro que não é do dia para a noite que se muda a Europa para uma Federação, mas achamos que é esse o caminho. É esse o próximo passo orgânico para a União Europeia conseguir ser aquilo que nós queremos que ela seja, que é um espaço da democracia e da sustentabilidade do Estado de Direito e da influência destes valores no mundo inteiro.
E em Portugal, têm várias propostas concretas, não só para desafios que são mais mediáticos, como a crise na habitação, a crise no Serviço Nacional de Saúde, mas também alguns aspectos que já falou; a necessidade de melhorar os rendimentos das famílias, a necessidade de também olhar para a questão fiscal. Quer detalhar algumas dessas vossas propostas? Nomeadamente, a questão de melhorar os rendimentos dos portugueses e aproximá-los daquilo que são os rendimentos a nível europeu, que seria muito bom. Não há nenhum português que não concordasse com essa medida.
DUARTE COSTA: Sim, é uma das favoritas.
ANA CARVALHO: No que toca às nossas propostas, e voltando aqui a esta componente europeia que temos, a verdade é que nós, para fazer as nossas políticas a nível nacional, vamos também buscar as boas práticas europeias e trazê-las para aqui. Por exemplo, mencionou o tema da habitação. Nós temos experts e contactos; outros “capítulos” do Volt, por exemplo, em Viena, na Áustria, em que a habitação pública está muito bem desenvolvida. E se forem ver o nosso programa eleitoral para as legislativas, vão lá encontrar esta boa prática de Viena, que é termos pelo menos 60% de habitação pública, muito baseada na prática das cooperativas. E, portanto, usar estes pequenos exemplos de como é que as coisas funcionam lá fora para aplicar aqui, a verdade é que funciona.
(Foto: D.R./Volt)
Que, aliás, é algo que já existiu em Portugal e que continua a existir, mas que depois se foi perdendo.
ANA CARVALHO: Exactamente. Por vezes, não é preciso inventar a roda novamente. É preciso simplesmente que haja continuidade das medidas. Isto é um problema em Portugal, porque o facto de as legislaturas serem quatro em quatro anos e estarmos constantemente em rotação bipartidária destrutiva – porque os partidos que vêm a seguir aos outros não constroem sobre si próprios – não permite que haja crescimento global. E, às vezes, não é preciso reinventar a roda. É simplesmente voltarmos a ver o que é que funcionou, vermos o que é que está a funcionar lá fora e aplicar aqui.
E em relação aos rendimentos, isso acontece também. Para já, o salário mínimo em Portugal é baixíssimo comparado com o resto da Europa. E procurar trazer o salário mínimo de forma a equilibrar com o resto da Europa, pelo menos com o nosso vizinho Espanha, seria uma boa ideia. Mas no nosso programa focamo-nos mais naquilo que chamamos o salário médio, que no fundo é elevar os salários em geral das pessoas. Temos várias medidas, como por exemplo, incentivos às empresas que tenham salários mais elevados, de forma também a diminuir o fosso salarial entre gestores de topo e os empregados dessas pessoas. E isto, mais uma vez, são práticas europeias que nos outros países vemos salários muito mais elevados do que aqui. No fundo, é procurar aplicar que funciona lá fora a Portugal. A nossa proposta é em 10 anos levar os portugueses a ter salários europeus.
E também batalhando muito contra a questão de burocracia e do excesso de custos que tudo isso traz, e que também depois acaba por envolver uma outra proposta que têm, que é a questão de ajudar à criação de empresas; um empreendedorismo, e do contributo que isso terá também para o crescimento económico, não é?
DUARTE COSTA: Sim, na verdade, para termos salários europeus, precisamos de ter uma economia que gera valor acrescentado no nível que outras economias europeias geram. E isto é muito importante para Portugal e para cada português, que tem um salário muito abaixo da média nacional. Não é uma questão de retirar impostos, porque se nós não pagássemos nenhuns impostos, iríamos ganhar ainda assim 12.000 euros abaixo da média europeia. Portanto, precisamos de gerar mais riqueza.
Mas isto também é muito importante para a União Europeia. Porque a União Europeia, para ser um bloco económico influente e que ter tracção na economia global, não pode ser uma economia onde temos 12 países que que geram alta riqueza, que são muito prósperos, e depois temos 15 países que estão para trás, como Portugal. Portugal, e aqui falo sobretudo para os portugueses que estão em regiões que também estão a vê-los abaixo da média nacional – são essas as regiões que nós queremos pôr a União Europeia a desenvolver a um passo acelerado. Porque é aí que a União Europeia também, como um bloco, pode cada vez mais ser aquilo a que ela se propõe e cada vez mais influente. E esse ponto que mencionou do empreendedorismo, empreender significa realmente propor-se a criar algo novo, a inovação, propor-se a criar mais valor acrescentado. Temos várias ideias concretas. E agora, passando também para as europeias, mas para nós elegermos europeias, vamos precisar de eleger nas legislativas. Portanto, faz sentido falar de europeias.
Inês Bravo Figueiredo, Mágui Lage (cabela-de-lista por Leiria) e Duarte Costa. (Foto: D.R./Volt)
Mas as europeias estão aí já à porta também.
DUARTE COSTA: São em Junho, não nos esqueçamos delas. Mas para as europeias queremos justamente dar um passo muito importante neste mercado comum que temos na Europa. Ou seja, todos sabemos que podemos viajar, podemos abrir empresas, podemos trabalhar muito facilmente na Europa, mas não temos um sistema interoperacional entre os países. Isto é um bloqueio.
Por exemplo, se uma start-up portuguesa, por causa dos bloqueios administrativos e burocráticos, por causa das legislações nacionais, não tem acesso a um mercado de 450.000.000 de europeus, que é o espaço único da União Europeia, e da área económica exclusiva. Neste caso, as empresas têm um problema de competitividade em relação, por exemplo, a uma empresa americana ou chinesa que está a operar no mesmo mercado global, mas não tem o mesmo mercado doméstico. Provavelmente, tem um mercado doméstico de 10 milhões.
Queremos uniformizar e criar uma one stop shop, ou seja, uma forma em que qualquer empresa, em qualquer ponto da Europa, consiga resolver os seus trâmites administrativos de forma coordenada. E isso é uma vantagem, termos uma União cada vez mais federal. Depois, queremos colocar também a União Europeia a triplicar o seu investimento em Ciência e em Investigação.
Infelizmente, saiu há pouco uma notícia que o orçamento para o Horizon Europe, que é o principal programa de investimento em investigação em Ciência, vai reduzir porque não há dinheiro para investir em tudo o que é necessário neste momento, entre ajudar a Ucrânia e o Horizon Europe. E somos completamente a favor de ajudar a Ucrânia, mas precisamos do apoio dos portugueses e dos Europeus para realmente dar força à União Europeia e isto significa trazer mais financiamento para a União Europeia.
Até porque a União Europeia tem perdido muito. Eu lembro-me de a União Europeia ser líder dos países europeus, mesmo na Escandinávia, líder em tecnologia, nomeadamente o sector das telecomunicações, tínhamos de facto aí uma pegada. E agora estamos muito aquém. E é bom que os europeus, e os portugueses, tenham consciência do que é que isso significa.
DUARTE COSTA: Sem dúvida. Eu acho que a União Europeia, para seu próprio benefício, como eu estava a dizer, para ser relevante, precisa de alavancar a economia em países como Portugal. E precisa de fazê-lo, independentemente de se os nossos políticos nacionais sabem ou não sabem fazê-lo.
Porque o que se passa com Portugal é que, apesar de nós termos milhares de milhões de investimento da União Europeia, como esses investimentos são decididos pelo nível nacional e muitas vezes com interesses eleitorais, esse dinheiro não está a fazer a diferença nas nossas vidas. Queremos que a União Europeia, independentemente da qualidade dos nossos políticos nacionais, consiga fazer isso por ela própria. Porque desenvolver Portugal e dar salários europeus aos portugueses é fundamental para que a Europa seja relevante no mundo inteiro. E isso passa, lá está, por esta questão da aposta na inovação, por esta questão de conseguir que quem cria uma empresa em Portugal consiga de facto ter acesso ao mercado de 450 milhões de habitantes.
Depois, há todo o aspecto também da sustentabilidade e da neutralidade carbónica. E, de novo, esta é a área que me apraz. Costumo dizer quando comento estes temas na televisão ou na imprensa ou nas minhas redes sociais, que as alterações climáticas preocupam-nos muito, até porque nós vemos os impactos que elas têm, mas elas também são na verdade, a oportunidade e o apelo a criarmos aquele mundo que sempre sonhámos ter. Ou seja, uma economia verdadeiramente sustentável que não derruba a natureza e os limites do planeta.
E aqui, achamos que esta transição climática, para a Europa, é uma oportunidade de ser líder no mundo. Já somos líderes no mundo, apesar de não estarmos à altura daquilo que é necessário. E isso significa todo um novo mar de oportunidades, de novas tecnologias, de novos negócios, de novas formas de nos relacionarmos com a natureza e que também tem um valor económico que também vai dar resposta aos desafios do emprego, do emprego com qualidade na relação qualidade/vida pessoal, também na questão dos rendimentos. E a Europa tem conseguido fazer essa evolução e nós queremos estabelecer metas ambiciosas.
Queremos descarbonizar até 2040, queremos neutralidade até 2040, o que é antecipar em 10 anos o objectivo actual. Isso significa antecipar… Às vezes algumas pessoas quando falam comigo ficam um pouco preocupadas, porque isso vai ser mau ou uma pressão demasiado grande, ou vai ser muito caro, oneroso. Na verdade, não. Antecipar significa realmente colocarmo-nos já a ter esses benefícios que só podemos ter lá para a frente. Significa acelerar esta transição, o que significa termos mais rendimentos, mais empresas verdes, mais empregos, mais bem pagos. E termos esse mundo de sonho que eu estava a dizer, antecipadamente.
(Foto: PÁGINA UM)
Há muitos anos que se ouve falar em ecologia e na necessidade de proteger o ambiente, e na questão do impacto da acção do Homem. Mas o que vemos, hoje, no discurso político, é: impostos e condicionar a vida das pessoas, enquanto as grandes indústrias, os grandes poluidores, os grandes interesses podem, de certa maneira, até lucrar. Estamos a ver isso no caso dos automóveis. Não se fala tanto num investimento forte em transportes públicos, na prática, nomeadamente fora dos grandes centros urbanos. Mas o que se fala é em trocar um veículo por outro. Para pessoas da minha idade, já olhamos um bocadinho com desconfiança para algumas destas políticas. Como é que pode um partido como o vosso, também trabalhar nesta vertente, de que haja uma garantia de que na política não há uma corrupção ou promiscuidade, ou uma tentativa de ir taxar as famílias, taxar o consumidor? Como é que se pode ter políticas sérias no combate às alterações climáticas e proteçcão do ambiente?
DUARTE COSTA: Isso é outra inovação – e agora falo mesmo aqui a título pessoal – que eu encontrei dentro do Volt. Ou seja, como especialista em alterações climáticas e pessoa que está muito interessada nessa transição, aquilo que eu via e às vezes até pessoalmente me poderia agradar, eram estas políticas muito verdes e quase até proibitivas. E o que eu encontrei no Volt que gostei mais ainda, foi, cá está, é um partido que tem uma agenda muito ambiciosa, mas que não quer de todo ter uma agenda proibitiva. Ou seja, que tem uma lógica muito de incentivar o que está certo. A partir do momento em que temos os incentivos certos, podemos eventualmente penalizar o que está errado por forma a gerar receitas para financiar o que está certo.
Mas é as grandes indústrias ou penalizar a família, o indivíduo?
DUARTE COSTA: Não. Achamos, por exemplo, na questão dos transportes públicos, que não dá para penalizar o uso do carro se não houver uma alternativa de transportes públicos. Na questão da alimentação, não dá para penalizar a alimentação de base animal, por exemplo, que sabemos que tem um impacto mais negativo nos ecossistemas e no sistema climático, se não houver alternativas.
Por exemplo, nestas eleições eu não vi ainda na comunicação dos outros partidos, sobretudo o Livre e o PAN que são partidos que têm uma agenda ambiental também como a nossa, bastante ambiciosa… Mas eu vejo que somos o único partido, até agora, que já está a comunicar o tema da alimentação como uma das nossas oito principais bandeiras; está nas nossas redes sociais, vão lá ver: nós queremos um Programa Nacional de Alimentação Vegetal. O que é que isto significa? Queremos que haja formação de chefs para que em todos os restaurantes um chef saiba preparar uma boa refeição vegana para que, independentemente de se a pessoa é ou não vegana todos os dias, possa fazer essa opção. E só fazendo essa opção, já está a ajudar muito, de certa forma.
Queremos incentivos fiscais para os restaurantes e os estabelecimentos que já estão a trabalhar para que haja uma alimentação do futuro, uma alimentação climática, uma alimentação alinhada com a sustentabilidade. Queremos programas que ajudem a sensibilizar crianças nas escolas e novas ementas nos espaços públicos; sobretudo que são abastecidos pelo Estado, para que tenham essa alimentação de acordo com aquelas que são as metas do próprio Estado. Está na Lei de Bases do Clima, está nos discursos dos políticos, mas não está na ementa da escola primária pública, onde se calhar, o meu filho ou a minha filha estudam.
(Foto: D.R./Volt)
Que, aliás, comem muitas vezes é massa com massa, e não há verde nenhum, nem fruta.
DUARTE COSTA: Exactamente, e acabam por não ter uma alimentação sequer equilibrada.
Sim. E o que queremos é: se nós sabemos que do ponto de vista da Ciência, o que está não está bem, e Portugal de facto, neste campo da alimentação, as coisas não estão nada bem… Somos o país da União Europeia, com Espanha, que come mais carne por ano e por pessoa. Temos um impacto gigante na saúde das pessoas, nos nossos ecossistemas em Portugal, nos ecossistemas dos outros países ao estarmos a importar ração dos outros países, por exemplo, da Amazónia e do Brasil, que causam deflorestação, para alimentar os nossos animais em Portugal. Sobretudo quando temos uma situação de seca, ou seja, temos menos pastos, temos de gastar mais dinheiro em ração, estamos a aumentar as nossas importações e a perder dinheiro da nossa economia, para alimentar um hábito que nem sequer nos faz bem.
Claro, isto está muito enraizado e se calhar, algumas pessoas estão a ouvir e estão a pensar “pronto, lá vem o discurso vegano, vão proibir de comer carne”. Não, não queremos proibir, o que queremos é que toda a gente tenha acesso. E quando eu digo acesso, significa que as alternativas vegetais têm de ter o mesmo preço ou ser mais baratas que as animais e têm que ter um sabor, uma experiência de alimentar gastronómica, digamos assim, tão bom ou melhor. Isto é possível e há imensas empresas e imensos negócios em Portugal e no mundo inteiro que estão a trabalhar nesta linha. E isto é um óptimo sector do futuro para nós apostarmos, e é isso que nós queremos que Portugal inicie.
Ou seja, o Volt não está contra podermos ter o cozido à portuguesa, o que defende é, se calhar, mais couve no cozido à portuguesa.
DUARTE COSTA: E, por exemplo, ter um cozido à portuguesa com enchidos veganos, com seitan, com outras experiências. Qualquer vegetariano e vegano em Portugal já há muitos anos que sabe como comer uma boa receita portuguesa “veganizada”. Sou vegano há quatro anos, e há três anos ou quatro anos, aliás, que o meu Natal é vegano. E partilho nas redes sociais o desafio vegetariano – que já agora, recomendo toda a gente a ir ver – e é possível ter um tofu com broa ou migas de tofu ou um tofu com todos saboroso e bom. A minha família, que não é vegana, come e gosta. E isto é só de Natal, mas há várias receitas que são possíveis. E eu acho que é por aí o caminho. Pelo planeta, pela nossa saúde, pela nossa economia. É já agora, também pelos animais.
O Volt Portugal em campanha no Carnaval. (Foto: captura de imagem a partir de vídeo do Volt no Instagram)
Então deduzo também – agora aqui uma provocação – que o Volt não estará muito contente com algumas das mais recentes políticas da União Europeia, nomeadamente a aprovação, por mais uma década do uso, do Roundup, o glifosato. E também a questão de um recuo grande naquilo que é o uso dos pesticidas, também um forte lobby, porque infelizmente também existem cada vez mais lobbies fortes ao nível da grande indústria a vários níveis, nomeadamente indústria farmacêutica e também na área agroalimentar. No tema de poder haver uma redução das restrições a nível comunitário dos organismos geneticamente modificados, que são três temas aqui, que se calhar não estão muito satisfeitos com o rumo que está a ter na Europa.
DUARTE COSTA: Acho que essa pergunta é mesmo importante, porque é preciso que as pessoas saibam o que é que se passa no Parlamento Europeu, porque lhes diz respeito diariamente. Diz respeito ao que está no prato delas. Portugal é União Europeia. E a minha co-candidata Rhia Lopes trabalha no Parlamento Europeu, é assistente parlamentar nos Verdes Europeus. E aliás, essa é a motivação dela para ser candidata, porque há muita coisa que é aprovada no Parlamento Europeu sujeita a lobbies que, se a maioria das pessoas soubessem, jamais votariam esses partidos. E aqui falo, e é preciso mencioná-los, no caso de Portugal, tem sido o PSD, e se elegermos o Chega nas próximas eleições, vai ser igual. Aliás, em matéria agrícola, o PSD alinha-se com o Chega, ou seja, alinha-se com a extrema-direita. Qual é a sua lógica? Não é uma agricultura que beneficia as pessoas. A lógica é uma agricultura que beneficie certos agricultores. Estamos a falar dos grandes agricultores. E, se temos um pesticida que ajuda a ter mais lucro porque elimina doenças, elimina perdas de produtividade, mas com um custo enorme demonstrado pela ciência nos cidadãos, o Parlamento Europeu, por esses partidos que têm essa visão, aprova decisões que beneficiam esses agricultores, mas prejudicam a saúde de milhões de pessoas. Isto está documentado na Ciência, está documentado nos estudos, teve forte e reação e contraposição da parte dos Verdes Europeus – da família onde o Volt que já tem um parlamentar, se situa e de outras famílias – mas, infelizmente, ainda é essa família do centro-direita e da extrema-direita, aliás, neste momento do centro-direita do PPE, que tem mais peso.
Portanto, de novo, se queremos melhor comida nos nossos pratos, temos de nos envolver na política europeia. Temos de votar nas eleições europeias, e não é só votar. Temos de mobilizar as pessoas à nossa volta – os nossos pais, os nossos avós, os nossos amigos – a perceber que têm de votar e têm de votar em projectos políticos – o Volt é um deles, mas há outros – em projectos políticos que os ajudem a ter uma vida melhor. Inclusive, o que é que está no prato, como é que conseguimos ter salários do nível que queremos, como é que conseguimos viajar na Europa de comboio em vez de avião. Uma série de questões, como é que conseguimos garantir a paz no nosso Continente…
E ter saúde. Devo dizer, aqui é uma observação, mas para mim, com 49 anos, cresci muito com o tema da ecologia na escola. Quando andei na escola primária, falava-se na palavra ecologia e na defesa do ambiente. E estou chocada como é que, em 2024, como é possível estarmos, na Europa… Quando era pequena, pensávamos que, em 2024, já íamos ter os carros voadores. E não só não temos carros voadores ou algo do género, como ainda temos uma discussão de retrocesso ao nível de ainda estarmos a falar deste tipo de pesticidas, e de diminuir restrições ao nível dos organismos geneticamente modificados… Para a minha geração, é um choque.
ANA CARVALHO: Por acaso, é interessante esta questão da geração, porque temos notado até, nos últimos tempos, uma crescente de membros que se juntam ao partido, não só em Portugal, mas também no resto da Europa, de pessoas mais velhas. No início, começámos a dizer que somos um partido jovem e a verdade é que os nossos representantes, eu e o Duarte, os nossos candidatos, somos pessoas mais jovens. Mas a nossa base partidária está muito baseada também em pessoas de gerações mais velhas que vêm ter connosco com esta conversa do clima e de proteger o planeta, que já tem ouvido falar durante tantos anos e que não têm tido, não têm visto uma acção na prática. Vêm ter connosco a dizer “eu estou um pouco farto que isto aconteça, quero de facto construir um mundo melhor para os meus netos ou para os meus filhos”. E há muita gente mais velha que tem vindo ter connosco, porque vê esta acção europeia climática que temos e que veem no Volt uma mudança, no fundo, para a acção climática concreta.
Colocação de cartazes do Volt Portugal junto ao Saldanha, em Lisboa. (Foto: D.R./Volt)
E eu, falando aqui das pessoas mais “velhas”, o que posso dizer é que é um contrassenso a Europa ter um discurso – e em Portugal, alguns partidos terem um discurso – tão forte ao nível da questão do combate às alterações climáticas, sempre dito num tom muito grave e muito sério – que é “a maior ameaça de todos os tempos” –, mas, depois, estão a discutir a ou ponderar questões tão graves como estas dos pesticidas, ou estão a prolongar por mais uma década um pesticida que é perigosíssimo. Há aqui um contrassenso, e a nível europeu temos um problema, ou não?
DUARTE COSTA: Sim, eu acho que esta incoerência que eu estou a ouvir nas suas palavras é uma incoerência também a nível nacional. Temos um partido como o PS, que traz os temas climáticos, esteve associado a instrumentos legais como a Lei de Bases do Clima, e que, nas palavras, está no caminho certo e se calhar, quem conhece o PS sabe que não é só na área climática, em várias áreas. Ou seja, na comunicação, até faz sentido, mas, depois, assim que há um problema… Por exemplo, assim que tivemos o problema da invasão da Ucrânia, que levou ao aumento do preço dos combustíveis, uma das primeiras coisas que desapareceu de imediato foi a taxa do carbono e a taxa do carbono é o que está a financiar o Fundo Ambiental, que está a permitir que as pessoas possam ter bicicletas e bicicletas eléctricas a preços descontados, que está a permitir às pessoas poderem investir em eficiência energética nas suas casas, painéis solares…
Portanto, quando de imediato favorecemos o preço dos combustíveis perante a transição climática há uma questão de incoerência. Aquilo que precisamos enquanto cidadãos – se calhar, nem todos vão concordar com esta visão, é normal, em democracia há uma pluralidade – , mas aqueles que concordam, que não dá para continuar com o mesmo modelo económico, não dá para continuar a achar que, baixando o preço dos combustíveis a nossa sociedade vai funcionar melhor… Precisamos, sim, de libertar as pessoas da dependência do carro, de ter que ter uma factura de combustível todos os meses.
(Foto: D.R./ Volt)
Eu fico chocado em campanha, quando me desloco, sobretudo fora de Lisboa, e vejo pessoas que ganham o salário mínimo, mas que precisam de ter um carro e de gastar, se calhar, 300 euros do seu salário mínimo para ir trabalhar. E não vivem numa aldeia perdida no interior. Não. Trabalham, por exemplo, num centro comercial no Algarve. Podiam, perfeitamente, ter um transporte público e não têm, porque não existe, do ponto de vista nacional, sequer políticas para conseguirmos ter as deslocações intermunicipais asseguradas com transportes regulares. Acho que aí há uma crítica a apontar ao atual Governo e ao PS.
Há uma falta de coerência que está a fazer aumentar este descontentamento com a classe política e até com os dois partidos de governo e está a alimentar os votos de protesto. O que o Volt quer é mostrar que o voto de protesto não vai ajudar nada, antes pelo contrário, é pior ainda, porque são pessoas muito menos preparadas. O que precisamos é de partidos que queiram trabalhar, que queiram, que tenham soluções. E temos várias e estamos a tentar comunicá-las às pessoas para que elas deem a sua confiança e depois nós possamos fazer esse trabalho para elas.
E, ao nível dos transportes têm propostas concretas para essas áreas. Até porque em algumas zonas –não estamos a falar só de Lisboa e temos no PÁGINA UM, leitores e ouvintes de todo o país –onde a pessoa, mesmo tendo acesso a transportes públicos, pode ter uma fatura superior a 100 ou 150 euros por mês para utilizar os diferentes transportes necessários para chegar ao trabalho.
DUARTE COSTA: Sim, e na maior parte do país, fora de Lisboa e é mais vantajoso andar de carro, ter um carro do que andar de comboio. O Volt é muito ambicioso na questão do comboio em toda a Europa. Ser ‘volter’ quase significa ser um amante do comboio, porque nós temos mesmo políticas muito detalhadas. A nível europeu, queremos uma Agência Europeia para as ligações entre países de comboio e que seja a União Europeia a assegurar essa alta velocidade entre todos os países para que nós não precisemos de usar o avião em toda a Europa. Essa é uma meta que temos.
(Foto: D.R./Volt)
E, a nível nacional, no nosso programa para as legislativas, desafio todas as pessoas, sobretudo aquelas que adoram comboios e que sonham com Portugal em alta velocidade e não só com ligações de comboio, a ver o nosso programa, porque, é revolucionário.
Queremos ligar a linha do Oeste diretamente à Gare do Oriente e, com isso, ter um tempo de viagem de comboio – quem está em Torres Vedras, quem está em Mafra, quem está na região Oeste – para Lisboa, e não precisar do carro e ser muito mais rápido, sem trânsito e muito mais barato.
Na região Centro, queremos ligar Viseu, ter finalmente uma linha, uma estação de comboio e ligá-la à rede ferroviária nacional. Queremos fazer ligações paralelas. Por exemplo, quem está em Tomar e quiser ir a Leiria, não consegue fazer uma ligação direta, tem que vir até ao Entroncamento, trocar. Leva muito mais tempo. Faz todo o sentido ligar Tomar, Ourém, Leiria, Batalha, ligar a linha do Oeste.
Temos várias propostas. No Algarve, temos uma linha fantástica, linha que liga Lagos a Vila Real de Santo António. É fantástica, mas tem um perfil muito lento. Vai ser eletrificada, mas com isso ganha apenas cinco minutos de viagem. O que precisamos é de duplicar estas linhas. Precisamos de ter comboios mais “expresso”, para que as pessoas possam ir de comboio e levar muito menos tempo do que ir de carro, com menos custos e, obviamente, sem emissões. E depois, obviamente, a alta velocidade é uma prioridade.
Queremos uma terceira travessia também em Lisboa, para o Barreiro. Seria uma travessia ciclo-ferroviária, para bicicletas e para comboios. Essa travessia, só por termos um traçado muito mais lógico, para chegar a Espanha, ao Algarve e ao Alentejo, ia reduzir em 30 minutos o tempo de viagem. Porque a travessia actual é muito mais longa, mas também essa nova linha ia permitir que a margem Sul – quem está no Seixal Montijo, Barreiro – tivesse muito mais acesso pelo comboio a toda a malha metropolitana de transportes públicos de Lisboa. E podia continuar a falar aqui do resto da país…
ANA CARVALHO: O nosso programa é quase que um sinónimo de ferrovia para todos. Políticas que vão à região, à cidade. Repito aqui o desafio do Duarte: quem gosta de ferrovia, leiam nosso programa. Estamos à espera de feedback, também coisas que possamos melhorar.
(Foto: D.R./Volt)
Falaram há pouco da questão de desburocratizar, mas também têm propostas naquilo que é a adoção das melhores tecnologias e da Ciência, daquilo que se sabe, de evolução… Ainda não teremos os tais carros voadores que foi “prometido” um bocadinho à minha geração, mas já poderemos ter, pelo menos, algumas coisas diferentes no funcionamento em Portugal.
ANA CARVALHO: Sim, é isso em todos os sectores. Por exemplo, há pouco falávamos do setor empresarial. No nosso programa apostamos muito também na digitalização, na desburocratização, e isto iria ajudar ao crescimento da economia, no sentido em que, num tecido empresarial em que temos 99% de pequenas e médias empresas, a verdade é que facilitar a vida às empresas é facilitar a vida aos portugueses, aos indivíduos.
No nosso programa temos medidas como este Administrador Público de Empresa, que, no fundo, seria uma figura central que ajudaria a desburocratizar todo o processo de criação de empresas. No fundo, a ligação entre empresas e Estado.
Também aplicamos a digitalização no setor da Saúde. Queremos muito maior digitalização no que toca à administração do Serviço Nacional de Saúde. E digitalizando um pouco em todos os setores, a verdade é que temos, não só, vantagens a nível climático, mas também vantagens para as pessoas, optimização de processos.
Na questão da saúde, todos os anos há uma crise em Portugal. Chega o Inverno, somos sempre apanhados de surpresa com o mês de Janeiro. Somos sempre apanhados de surpresa com o pico de doenças do foro respiratório e é sempre o caos e é sempre uma surpresa. Têm propostas também para resolver… Passa em parte pela digitalização também?
ANA CARVALHO: Passa muito pela digitalização, passa muito por tirar trabalho administrativo aos médicos e contratar mais pessoas administrativas que permitam que os médicos estejam a exercer o seu papel de medicina. Mas sim, digitalização do sistema do Serviço Nacional de Saúde.
DUARTE COSTA: E depois passa também por apostar muito no nível local de atendimento, nas unidades de saúde familiar, que são fundamentais a para desobstruir as urgências. Como é que queremos fazer isto? Não é preciso reinventar a roda. Há muito trabalho que os médicos têm de fazer – profissionais de saúde, em geral, médicos e enfermeiros e outros, técnicos e auxiliares. Quem devia estar a cuidar dos utentes está muitas vezes a trabalhar com burocracia.
Aliás, há alguns estudos que mostram que é no privado, a mesma pessoa, o mesmo médico, mesmo enfermeiro, consegue ter um atendimento que, às vezes, é mais do dobro ou do triplo de pessoas no público. Porquê? Porque no privado existe uma eficiência de administração maior do que no público. Também somos favoráveis a parcerias público-privadas na saúde, que funcionam. Há várias. Funcionam bem. Há outras que funcionam mal. É preciso avaliar o que está a funcionar bem, o que está a funcionar mal, criar regras muito rigorosas nesses contratos entre o Estado e os prestadores de serviços e garantir que, no final, as pessoas têm acesso a um cuidado a um atendimento célere.
E eu acho que este aspecto da saúde digital é muito importante. Até pela nossa experiência noutros países. Na Europa é normal conseguir marcar uma consulta online. Em Portugal, no SNS ainda não é possível, em muitos casos. Nuns é, noutros não é, são regras que variam. Marcar uma consulta online, o médico ter acesso aos nossos resultados, sem nós termos que ir lá, mostrar os resultados de umas análises. Se conseguirmos aproveitar as novas tecnologias… Mesmo as teleconsultas, de telemedicina… Se o médico não precisar de nos ver fisicamente, nós poderíamos usar o tempo dos profissionais de saúde de uma forma mais inteligente e mais eficiente. E, na verdade, quando falo com médicos e enfermeiros e profissionais de saúde, normalmente a resposta que eu tenho é, por exemplo, nas urgências: temos médicos suficientes para atender aquilo que são urgências. O problema é que as urgências estão a fazer o trabalho dos centros de saúde e dos médicos de família.
O Volt Portugal na entrega das listas de candidatos do partido às eleições legislativas de 2024. (Foto: captura de imagem a partir de vídeo do Volt no Instagram)
Pegando nesse tema da saúde, alguns países estão a ficar de pé atrás relativamente ao processo de introdução de alterações ao Regulamento Sanitário Internacional que está a ser feito em paralelo com a criação de um Tratado Pandémico. A pandemia trouxe a necessidade de reforçar a colaboração entre os países e de optimizar algumas formas de funcionar. Contudo, a pandemia foi gerida de forma desastrosa em alguns países, o que é visível nos números do excesso de mortalidade, em que Portugal, infelizmente, é campeão, e é algo muito mau para nós. As alterações propostas reforçam os poderes da Organização Mundial de Saúde (OMS), uma organização supranacional. E tudo pode ser uma crise sanitária: desde um fenómeno meteorológico, uma guerra… Como é que um partido como o vosso, que defende uma Europa mais forte, vê uma discussão em que a OMS, que tem a influência política de diversos países e é altamente financiada por privados, fica com mais poder? A Europa não fica fragilizada?
DUARTE COSTA: Para que a Europa possa assegurar a defesa dos seus interesses, precisamos de funcionar mais como um bloco. Obviamente que não somos um bloco heterogéneo, ou seja, somos um bloco com muita diversidade. O que o Volt defende é que haja cada vez mais um espaço democrático e de debate interno para que consigamos, depois, ter uma posição global, uma posição de peso em órgãos internacionais, como a OMS, e que representa esse interesse coletivo. Isto, obviamente, não é fácil, mas é justamente tendo processos como partidos como o Volt que estão em vários países e que constroem as suas políticas em conjunto, que isso pode ter cada vez mais peso.
Se tivermos mais partidos nos outros espaços políticos, para além do nosso que é liberal, social, verde, que são pan-europeus, a Europa pode ser mais democrática. Neste caso, em concreto, é aqui um equilíbrio difícil. Porque a OMS, por um lado, tem essas influências de grupos de interesse. Por outro lado, é também uma organização que tem uma base científica muito importante, naquilo que é a avaliação de crises sanitárias e de problemas de saúde de nível global.
Para nós, no Volt, é muito importante, na tomada das decisões, avaliar o que é que a Ciência diz sobre estes elementos. Como vimos na pandemia, nem sempre é possível ter o conhecimento científico porque há muitas coisas que vão além daquilo que é o nosso conhecimento. Neste caso concreto, o que acho que a União Europeia precisa de garantir é de ser essa influência a nível global, que garanta que as decisões da OMS são pautadas por Ciência e não por interesses económicos, seja de grupos farmacêuticos ou de outros. E isso é um papel muito importante e que muitas vezes a gente não se apercebe.
Os representantes do Volt Portugal na Assembleia Geral do Volt, que incluiu uma marcha em Paris. (Fotos: captura de imagens a partir de vídeo do Volt no Instagram)
Tem que haver escrutínio. Ou seja, uma das preocupações é que a OMS não tenha escrutínio. Não existe no Tribunal que possa depois escrutinar. A ação da OMS tem de haver da parte da Europa estar atenta e escrutinar é isso.
DUARTE COSTA: A OMS tem a sua Assembleia composta pelos ministros da Saúde dos seus membros, que são os países do mundo inteiro. Tem um mandato com uma legitimidade democrática. Quer dizer, ninguém elege um ministro da Saúde. É apontado por um governo que, na maior parte dos países como o nosso, também não é eleito. O Parlamento é que é eleito. Se queremos aumentar o escrutínio ou se queremos aumentar a legitimidade democrática da OMS, talvez deveríamos ter as decisões que são feitas ao nível da OMS depois ratificadas pelos parlamentos. No meu entendimento, tudo o que sejam decisões que venham do nível internacional para depois ser implementadas a nível nacional, passam pelos parlamentos, passam pela Assembleia da República. Acho que isso tem esse nível de legitimidade democrática.
O que é importante na sua pergunta que me despertou a atenção é esta questão de as decisões que vamos tomar numa matéria tão importante, como saúde Internacional, têm por base o conhecimento científico ou estão sujeitas a lobbies e interesses de grandes grupos e muito influentes. E, isso, o que eu acho, é que a União Europeia tem que ser um garante internacional, quando muitos outros países, na esfera internacional, não são garante da democracia e da Ciência e do Estado de Direito, a União Europeia tem que sê-lo. E há muitos outros países fora da União Europeia e, sobretudo, países com os quais temos relações de proximidade muito grandes, porque temos laços históricos, sobretudo na América Latina, em África – estes países também esperam que a Europa tenha essa liderança de garantir esse primado da Ciência, da democracia, do Estado de Direito. Porque, para outros países, isso não existe, outros países que são autocracias, que são ditaduras. É o caso da China, o caso da Rússia. É até dos países que são democracias, como os Estados Unidos. Muitas vezes estamos a ver uma situação onde podemos ter um Presidente dos Estados Unidos nada alinhado com estes valores da democracia e dos direitos humanos e do Estado de Direito.
Em todo o caso, tenho encontrado muitos testemunhos de desconfiança em relação ao processo democrático, às decisões políticas, devido ao rotundo falhanço da União Europeia na gestão da pandemia. Há países na Europa com um nível de excesso de mortalidade aterrador enquanto países que recusaram seguir o protocolo alterado da OMS, como a Suécia, têm um excesso de mortalidade residual. Depois, há os negócios opacos, as mensagens escondidas da presidente da Comissão Europeia sobre a compra de vacinas. Houve uma sensação, da parte de alguns europeus, do falhanço da Europa enquanto farol de respeito pelos direitos civis, pelo Estado de direito, pela democracia. Tivemos um certificado digital, apesar de não ter base científica absolutamente nenhuma. Estamos a falar de uma desconfiança que pode ser prejudicial também para o futuro.
DUARTE COSTA: Não estou tão seguro que haja essa desconfiança em relação à União Europeia no que diz respeito à pandemia. Acho que a União Europeia deu um passo enorme para aquilo que é o seu modo de operação. A União Europeia, até 2019-2020, era uma União Europeia muito de base nacional. Como costumo chamar, era uma associação de primeiros-ministros. Portanto, temos ali 27 primeiros-ministros, líderes de governo, que se reuniam no Conselho da União Europeia e que tomavam decisões entre si, unânimes e a União Europeia vai seguir essas decisões. E, pela primeira vez, no meu entendimento –, e não foi só na pandemia, depois repetiu-se com Ucrânia… Também o Green Deal é um exemplo desse esforço da União Europeia de começar a ter uma voz de bloco. Na gestão da pandemia, comprámos vacinas em conjunto. Investimos em Ciência antes de termos as vacinas, fomos um dos maiores investidores em investigação para chegarmos à vacina com outros parceiros globais, o Canadá, os Estados Unidos, o Japão, outros parceiros da Europa.
Campanha do Volt Portugal de apoio à comunidade LGBTQIA+. (Foto: D.R./Volt)
Portanto, a Europa actuou a uma só voz e é visto pelo Volt como positivo.
DUARTE COSTA: Eu acho que precisamos de ser pragmáticos em como avaliamos a União Europeia. A União Europeia não é perfeita, tem muitas imperfeições, sobretudo derivado desse modelo atual que nós queremos mudar no Volt que é: se for uma União Europeia que fale em nome de todos, mas esses todos são os 27 primeiros-ministros, portanto, não têm uma estrutura de mandatar a liderança Europeia a partir da decisão dos Europeus. Portanto, uma democracia europeia essencialmente, ou seja, com um Parlamento eleito pelos europeus, mas também por um Conselho da União Europeia que queremos que seja um Senado eleito pelos europeus, com um Presidente eleito ou uma Presidente eleita pelos europeus. E, portanto, que haja um compromisso de quem lidera a União Europeia com os europeus e não com necessariamente os primeiros-ministros. Os primeiros-ministros têm importância, são líderes nacionais e têm o seu trabalho a fazer e tem a sua influência nos processos europeus. Nós achamos que a União Europeia deve ter uma relação directa com os cidadãos e é isso que vai reforçar e melhorar a qualidade das decisões que são tomadas.
Na pandemia, acho que houve coisas que ficaram aquém, mas acho que, no global, foi um momento em que a Europa se uniu. Porque percebemos que, para combater a pandemia, podemos combatê-la aqui em Portugal, mas se noutro país ao lado ou até distante, mas que está nas nossas relações, não combater efetivamente o vírus, vai afetar-nos na mesma. Portanto, demos as mãos, mostrámos união. Essa compra conjunta garantiu que países ricos não estavam mais à frente do que países mais pobres para ter acesso a uma vacina para proteger as pessoas. As decisões foram tomadas sempre com base no melhor conhecimento científico possível. Claro que há sempre coisas a aprender para trás, há casos de corrupção ou suspeitas de corrupção que são perigosos.
(Foto: D.R./Volt)
E censura de jornalistas e de cientistas. E assim se conseguiu criar um falso consenso, não só nessa questão da pandemia. Também na área de proteção ambiental e das alterações climáticas há alguns “consensos” em torno de alguns temas porque há estudos e há cientistas que são censurados. E isso na pandemia foi evidente. O epidemiologista mais citado do mundo, John Ioannidis, o mais conceituado, logo desde o início deu uma opinião diferente daquela que estava a ser imposta, nomeadamente em Portugal. Foi censurado, foi perseguido, foi ameaçado. Estou a dar este exemplo, mas poderia falar de outros cientistas sérios e independentes, ou seja, que não são pagos pela indústria farmacêutica. E há jornalistas premiados que alertaram precisamente para os fortes lobbies. Como é que a Europa se pode proteger, sobretudo em situações de crise, dos oportunistas? Como é que partidos como o Volt podem ajudar a combater esse vírus que é a promiscuidade, a corrupção, os lobbies que existem para que as políticas sejam feitas, muitas vezes com fins que não são para o bem público?
ANA CARVALHO: É preciso votar em partidos diferentes. E voltamos ao início: se continuarmos a votar nos mesmos de sempre, não vamos ter ideias diferentes. Aliás, isto até é uma das leis da termodinâmica. Estamos aqui como um partido que traz ideias novas, traz pessoas novas. Somos pessoas com os nossos vários backgrounds, várias experiências, que não têm os vícios partidários e os dogmas ideológicos que outros partidos já com assento parlamentar…
E os lobbies…
ANA CARVALHO: Exatamente. E que não sofremos impacto de lobbies. Votar no Volt é, de facto, trazer uma força política diferente à política portuguesa. E que tem práticas e políticas concretas baseadas na evidência, baseadas em boas práticas europeias. E e com isso, vamos melhorar a vida dos portugueses, de certeza.
DUARTE COSTA: Sim, é só para complementar, em relação a esta parte dos lobbies, da corrupção e, já agora, falou aí do silenciar de jornalistas – e isso é uma coisa que me faz abrir os olhos e preocupar bastante, porque o jornalismo livre é um pilar, tem uma democracia liberal e isso para nós é muito importante no Volt. A nível europeu, para combater a corrupção e, sobretudo para combater esse lobby negativo, digamos assim, esse lobby com intenções privadas e não do interesse público, precisamos de transparência. Defendemos que todas as reuniões que são feitas com lobistas sejam registadas e que se conhece as influências que se está a tentar obter através dessas reuniões e nos processos legislativos em curso. Isto é muito importante, porque há lobbies que se estão a lutar por uma causa particular. Sobretudo, o enriquecimento ilícito, e por aí fora, e a lavagem de dinheiro – isso não é, de todo, aceitável e é um lobby ilegal.
Mas há outras formas de lobby, por exemplo, quando nós temos ONGs [organizações não governamentais] a puxar para que a União Europeia seja mais ambiciosa na transição climática, esses lobbies são muito bem-vindos. É importante também para as pessoas que nos estão a ouvir perceber que fazer lobby não é necessariamente mau. O que é mau, é as intenções com que se aproxima de um decisor político para influenciar a sua decisão. Temos isso bastante claro, queremos transparência. Não queremos estas portas giratórias, como se costuma dizer – a pessoa que exerce um cargo, no seguimento de um cargo político, não pode exercer um cargo de direção, um cargo altamente remunerado, numa empresa ou numa área de decisão que vai beneficiar do facto de ter sido um decisor em nome de todos. Isso também é outra área muito clara.
Finalmente, para salvaguardar o jornalismo livre, isto é muito importante. E também achamos que a União Europeia deve ter aqui garantias, porque vemos, em vários países, em vários Estados membros da União Europeia, abusos sérios e até diria que, nalguns casos, mais graves do que tem acontecido em Portugal, que também tem havido problemas contra jornalistas. Temos até o caso mais grave em Malta, de uma jornalista que foi assassinada e isto não pode acontecer num Estado de Direito. O que queremos é ter uma União Europeia que tem regras. Queremos ter órgãos de comunicação social europeus, trans-europeus, para que os europeus, em toda a Europa, possam saber o que é que se passa na sua União e não ter esta monotonia, digamos assim, esta exclusividade – se sou português, eu sei o que é que se passa em Portugal e, se calhar, se for ler online, vou saber um bocadinho [sobre o que se passa a nível] internacional. Não. Eu posso ter acesso, através de órgãos europeus, a saber o que é que se passa nos outros países e, com isso, ter aqui um contraditório, ou uma versão paralela daquilo que é que está a ser comunicado a nível nacional.
O meu apelo, que faço aqui mesmo, importante – e para quem se revê nestas ideias –, não basta, hoje, em dia, votarmos no partido que queremos. Precisamos de fazer campanha por ele, precisamos de sair às ruas, nas nossas redes sociais, com os nossos amigos, com a nossa família, mobilizar toda a gente a votar – não é num partido qualquer – é num partido que se alinha com as nossas ideias. E a democracia precisa disso, porque quem está a lutar contra a democracia está a fazer esse trabalho. Está a fazer um trabalho muito bem feito. É preciso que se diga, infelizmente, fazem um bom trabalho para um projeto terrível e nós, do nosso lado, temos que fazer o mesmo para assegurar a nossa liberdade e o nosso futuro.
Pode consultar AQUI o programa do Volt Portugal para as Legislativas de 2024.
N.D. Por um mal-entendido, do qual o PÁGINA UM será o único responsável (e mais ainda o seu director, o qual se penitencia), foi realizada uma primeira entrevista aos representantes oficiais do Volt Portugal para as eleições legislativas de 2024, Inês Bravo Figueiredo e Luís Almeida Fernandes. Contudo, a ideia fundadora do projecto HORA POLÍTICA era entrevistar apenas os líderes dos partidos políticos, independentemente de serem candidatos nas próximas legislativas, da sua posição nas listas ou de integrarem coligações. Daí, por exemplo, se ter entrevistado os actuais (reconhecidos) líderes do PURP (Rui Lima) e do MAS (Gil Garcia) – que não concorrerão às legislativas de Março – e ter-se convidado os líderes de todos os partidos que integram a Aliança Democrática (AD), a Coligação Democrática Unitária (CDU) e a Alternativa 21. Embora assumindo o melindre da situação, propôs-se a realização de uma nova entrevista, desta vez aos co-presidentes do Volt, Ana Carvalho e Duarte Costa, aos quais agradecemos a aceitação nas circunstâncias de sermos ‘obrigados’ a descartar, por agora, a divulgação da entrevista feita a Inês Bravo Figueiredo e Luís Almeida Fernandes. Pedimos desculpa a todos os envolvidos por esta situação.
Nascida em Luanda em 1977, Ossanda Liber iniciou a sua experiência política na Aliança, onde chegou a assumir a vice-presidência, mas desfiliou-se em Fevereiro de 2022, já depois de se candidatar como líder do movimento independente “Somos Todos Lisboa” às autárquicas de Setembro do ano anterior. Num processo com alguns percalços no Tribunal Constitucional, conseguiu criar a Nova Direita ainda a tempo das próximas eleições legislativas. Assumidamente soberanista, critica sem contemplações a esquerda e os ‘velhos’ partidos, e considera essencial um controlo total da imigração. Esta é a primeira entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.
OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE OSSANDA LIBER, PRESIDENTE DA NOVA DIREITA, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES
Qual a sensação de criar um partido novo, um partido também que quer ser disruptivo num certo comodismo que por vezes existe na cultura portuguesa?
É um grande desafio. Nem sei se tinha noção exacta do quão desafiante era criar um partido quando decidi iniciar o processo. Mas, felizmente, não estou a trabalhar sozinha, e isso ajuda bastante nos momentos difíceis para seguir em frente e manter o foco e o objectivo, que nos segurou e permitiu que tê-lo criado a tempo para concorrer a estas eleições, que são de grande importância para nós. Mas não é nada que não acontecesse já com os outros partidos, na maior parte das vezes; entre recolher os apoios… Nós recolhemos 10 mil assinaturas. Foram validadas somente sete mil e qualquer coisa, 7700, se não me engano; mas foram 10 mil pessoas a assinar. E numa altura em que a política está a cair em descrédito total, é mesmo muito difícil ter as pessoas a apoiar-nos. Não fosse o facto de as pessoas estarem com um sentimento de necessidade de mudança, teria sido quase impossível. As pessoas não querem ouvir falar em política, estão muito desiludidas, muito chateadas. Mas foi imposto aqui quase um sentimento de “olha, vamos testar outras propostas; não vamos ser nós a impedir que isso vá para frente”. E depois há uma questão muito portuguesa, que eu aprecio imenso: as pessoas gostam imenso de ajudar. Então, podem estar muito contrariadas, muito chateadas, desiludidas com a política, mas no final, com um belo sorriso, lá se vai conseguindo fazer com que as pessoas cedam. Esse foi naturalmente o maior dos nossos desafios: reunir essas assinaturas.
Em todo o caso, já tinha também experiência na política. Foi vice-presidente do Aliança, também foi candidata em Lisboa. E essa experiência também lhe traz algum conhecimento para este novo desafio…
Sim, para esta fase, em toda a preparação do processo, definitivamente. Assemelha-se muito ao processo necessário para a candidatura independente em Lisboa. Quando nos candidatámos como independentes, ao contrário do que acontece com os partidos (estão criados, indicam candidatos e já está), como independentes temos também de recolher muitas assinaturas. São 4.500 ou quatro mil, se não me engano, e recolhemos cinco mil assinaturas. Portanto, essa foi a primeira abordagem que eu tive com a política: ir à rua e convencer as pessoas de que tinha um programa simpático e, enfim, que era diferente. Tinha uma visão muito própria, e que contava com o apoio dessas pessoas para ajudar a levar essa visão à frente e apresentá-los portugueses. Então, essa experiência serviu-nos bastante agora, porque já sabíamos quais eram os pontos de resistência, como abordar as pessoas. Aprende-se muito com acção. É nisso que acredito. E nós começamos logo com uma acção com uma ousadia, de nos candidatarmos à Câmara Municipal de Lisboa. E isto valeu-nos imenso, de outra forma. Estou convencida que não teríamos conseguido criar o partido nos timings em que criámos – até porque basta ver os vários movimentos que, já há alguns anos, tentam criar um partido e não conseguem, simplesmente por não conseguirem reunir as assinaturas – sem essa experiência. Mas politicamente falando, as experiências anteriores permitiram aperfeiçoar a forma como devemos fazer políticas, adaptar ao nosso programa aquelas que são efectivamente as necessidades e expectativas das pessoas. Foi um processo de aprendizagem que agora vai continuar, mas chegámos a um ponto de maturidade que permite estar no combate.
Falou do aparente divórcio entre os portugueses e a política. Há um descontentamento, uma tristeza e um afastamento. Entende existirem motivos para isso? Sente esse divórcio?
Sim, claro que sim. Como não? Eu também sou cidadã. Antes de ser a responsável política por um partido, sou cidadã. E eu também partilho, com as pessoas, essa frustração. Por isso mesmo decidi convidar um grupo de pessoas para criar um partido político. Os partidos do arco da governação, vamos dizer assim, já não têm nada a oferecer, não conseguem. E isso não tem nada a ver com a qualidade das pessoas em si, individualmente. Eu prefiro não atribuir necessariamente a isso. Atribui-se ao facto de já ser impossível gerir partidos com aquela dimensão, com aqueles vícios de 50 anos de poder, sem alguma vez terem sido questionados. Houve sempre uma alternância, que garantiu poder, para uns e para os outros; portanto, para o PS e o PSD. E durou 50 anos. Portanto, o que é que isso faz? Cria vícios estruturais, nas próprias estruturas locais dos partidos, e dá aquilo que estamos a ver hoje: líderes que já não conseguem dirigir os seus partidos, já não mandam efectivamente nos partidos. Não conseguem levá-lo para um caminho. E, além disso, há o facto, também, de as pessoas dos partidos terem apostado estrategicamente – às vezes acho que erroneamente, mas ainda assim, fazem isso nos últimos anos – em líderes que, eu diria, são incapazes, fracos. Talvez precisamente para poder ir ao encontro de todos os interesses partidários, para não contrariar aquela via partidária. Talvez seja por isso, acredito que sim. Não temos, na política, coragem, não temos bravura, não temos espírito de combate. Ainda há dias ouvi o líder do PSD dizer: “eu não estou aqui na política para ser combatente”. Olha, que pena! Os portugueses precisam é de combatentes, de líderes que combatam pelo país. Portanto, essa desilusão [dos portugueses] está absolutamente justificada. Agora, há uma postura possível, e há muita desilusão. É desistir do país e dizer: “olha, paciência, entrego o país a quem quiser ficar com ele”. Ou então dizer: “não, este país também é meu e eu sou tão cidadão quanto estas pessoas; há pessoas certamente capazes, alternativas capazes aqui, vamos dar oportunidade a essas alternativas; não temos rigorosamente nada a perder”. Nós estamos numa fase em que devemos dar o benefício da dúvida, e é isso que eu tenho falado sempre quando estou na rua a recolher os apoios; é isso que transmito às pessoas, e elas percebem, por isso é que dão as assinaturas. É porque lhes digo: “não vamos desistir do país, porque o país é nosso, de todos nós, individualmente; cada um de nós tem um bocadinho desse país”. Não votar e não aceitar novas propostas, é exactamente isso que os partidos estabelecidos querem, aqueles que tanto mal têm feito a Portugal nos últimos anos. Não devemos ir por aí, e esta campanha também vai ser sobre isso; sobre explicar às pessoas que não devem desistir de Portugal, de forma alguma.
Podemos depreender que, como líder da Nova Direita, acredita ser possível quebrar este círculo de poder que tem sido dividido entre os grandes partidos.
Não só acredito, como eu acho que está em curso, sinceramente.
Estamos aqui num fim de ciclo, numa mudança de regime, numa mudança?
Eu acho que sim. Acho que estamos a iniciar. Atenção, não me parece que vão ser já nestas eleições que se definirá essa ruptura, mas parece-me que vai acontecer. É só observar a forma como as pessoas têm já dado crédito aos novos partidos, àqueles que emergiram nos últimos anos. Já é a demonstração de as pessoas começarem a abrir a mente. E é esse o mérito que eu atribuo, aliás, a esses partidos mais recentes: abrirem a mente dos portugueses, abrirem o coração, a alma dos portugueses, levá-las a pensar: “olha, vejam lá, não é assim, há aqui possibilidades e propostas”. Eu penso que é por aí.
Olhando para o vosso programa, têm propostas muito específicas em várias áreas. Senti, pelo menos ao ler algumas das propostas, que traz algo de novo, qno debate em torno de alguns temas que se tornaram tabu.
É verdade…
Seja porque temos uma imprensa, em geral, muito conivente com aquilo que são as políticas dos partidos do poder, e, portanto, com esta cultura que se instalou, há temas que não é possível debater. E sabemos que, se tocamos nesses temas, saem logo os chavões, uns nomes, umas acusações, que certos temas são de extrema-direita. E há que desmontar um bocadinho isto e perceber ser possível debater-se. Aliás, é saudável em democracia. Quer falar de alguns temas? Por exemplo, o combate à cultura do cancelamento, ao combate ao denominado wokismo. O seu partido quer dar um murro na mesa e a trazer obrigatoriamente esses debates para cima da mesa?
Sim, sim. Aquilo tem acontecido é que a esquerda tem imposto uma agenda. E tudo aquilo que sai da agenda determinada, decidida pela esquerda – socialismo e a extrema-esquerda também –, tudo que sai disso, é extremado, é adjectivado, é insulto. Isto é inaceitável. Quer dizer, o que é que é a política, senão um debate de ideias? É isso que é a política. É uma pessoa dizer: “olha, eu sou contra o aborto”; e outra dizer: “não, eu sou a favor”, e depois chegamos a um consenso que, de certa forma, acomode as expectativas dos portugueses. Portanto, é isso que deve ser a política. Não deve ser individualizar as coisas, não deve ser insultar as pessoas por trazerem esse debate. E depois, o que é que acontece? A direita não tem, nos últimos anos, sabido defender-se. A direita vai à boleia daquilo que é a agenda da esquerda, vai sempre em reacção. Não sou pessoalmente uma pessoa de reacção. Eu sou uma pessoa que olha para as coisas, com pragmatismo, e identifica os problemas e procura soluções. Portanto, sempre foi assim a minha vida; tanto na minha vida pessoal, como na minha vida profissional, sempre foi esse o meu papel: encontrar soluções. E os temas têm de ser abordados, porque senão vamos ficar esse tempo todo a perpetuar esse estado de bullying social, se quisermos, em que uns são os bonzinhos e outros são os maus da fita, porque falam nos temas. E isto é inaceitável. Por isso, eu e o meu partido vamos dar o nosso contributo nesse sentido. E esta questão do wokismo é uma delas. A partir do momento em que a esquerda defina que o caminho é um, aquilo passa a ser incontestável, e quem vier contestar é fascista, é extremista. Quer dizer, onde é que estamos? A esquerda tornou-se divisionista, tornou-se bastante sectária.
Ossana Liber com dirigentes da Nova Direita, aquando da entrega das listas para as próximas eleições legislativas.
E lucra com isso.
Lucra em votos, é a forma de se manterem. Não têm ideias concretas para aquilo que as pessoas precisam efectivamente de resolver. A agenda deles passa por desestabilizar para depois aparecer como o salvador da pátria, o salvador das pessoas, o salvador dos desgraçadinhos. E então, de repente, acaba por colocar as pessoas num canto, as pessoas que supostamente defende, todas elas, desde os homossexuais, por exemplo – que dizem defender, mas, na verdade, só extremam mais a posição relação a essas pessoas. Ou em relação às crianças, que eles julgam que precisam da defesa, mas não dos pais nem da família, mas sim da escola ou dos partidos. Enfim, e até a questão racial que eles instrumentalizam e colocam as pessoas numa situação de exclusão social, porque estão todos os dias a gritar: “vocês são negros, vocês são coitados e, portanto, precisam da nossa proteção; nós estamos aqui para isso”, quando, na prática, a vida dessas pessoas não mudou em nada nos últimos anos. Aparecem lá para ver essas pessoas a solicitar o voto por altura das eleições. Ao longo do ano ninguém aparece. Este é um facto que eu digo com propriedade, porque conheço; conheço a situação. No fundo, é uma falácia, uma mentira, é uma agenda que não está aqui para salvar ninguém para defender ninguém; está só para defender os interesses políticos. Quando já não houver divisionismo, quando já não houver racismo, quando já não houver discriminação, que eles tanto impulsionam, já não há extrema-esquerda. Isto é uma agenda que precisa ser contrariada. E o que vemos na Assembleia da República? Vemos um partido à direita, no caso o PSD, que não se defende, que vai respondendo ocasionalmente às situações; a maior parte das vezes até por abstenção, por incrível que pareça. Nem sequer capaz é de se manifestar claramente contra essa ofensiva. E depois, por outro lado, temos o Chega que fala de forma inaudível. Ou seja, acaba por desacreditar aquilo que pretende defender, porque às pessoas aquilo soa a populismo. Atenção, eu não sou, como deve saber, a pessoa mais crítica relativamente ao trabalho do Chega; acho importante que exista, mas, de facto, não temos equilíbrio, não temos, naquela Assembleia da República, racionalidade à direita; não existe, não existe firmeza, firmeza nas convicções, não existe determinação. É fazer aquele espectáculo triste diariamente, como se fosse um circo, literalmente. A Assembleia da República está transformada círculo pelo qual todos contribuem e, no final do dia, não sai dali nada para resolver os nossos problemas, que se vão arrastando. Problemas essenciais arrastam, como a Saúde, a Educação, as forças de segurança, que estão neste momento na rua. Está tudo a arrastar, tudo aquilo que é importante; e estamos a discutir género. Nós pretendemos trazer uma abordagem simples e de soluções para a Assembleia da República. Há um problema: vamos à procura da solução. Esse é o papel dos políticos.
E sem tabus e sem agendas, não é?
Nenhuns. Falar sobre os temas todos, como eles são. Sobretudo fazer uma coisa que até agora a direita não foi capaz: é preciso denunciar essa investida da extrema-esquerda, o impacto que tem nas nossas famílias, na estabilidade, nos nossos miúdos, que estão totalmente baralhados. Neste momento, já põe as crianças contra os pais. Repreender um filho ou contrariar qualquer coisa já é um crime. Onde é que vamos parar? Que sociedade é está? A forma tradicional como vivemos, como educamos o nosso filho, agora está tudo errado. Nós somos todos maus da fita, os pais não estão à altura, não temos capacidade de cuidar dos nossos filhos. Isto não é viável. A esquerda [Bloco de Esquerda] tem o slogan: “não lhes vamos dar descanso”. Espero chegar ao ponto em que a Nova Direita esteja na Assembleia da República, e pode ter a certeza de que quem não lhes vai dar descanso somos nós.
Quais são os seus objetivos actuais? Conseguir chegar à Assembleia da República? E para o futuro?
O normal seria, para um partido que tem pouco tempo [inscrito no Tribunal Constitucional em Janeiro deste ano], embora estejamos a trabalhar há já algum tempo, esperar um resultado adequado ao tempo que estamos na política. Porém, há vários fatores e variáveis. Nós temos um programa, e o país precisa de um programa, as pessoas precisam de um partido que lhes diga: “olha, vamos falar sobre esses assuntos, estão aqui as soluções, vamos debater isso, vamos discutir, vamos levá-la à Assembleia da República”. As pessoas precisam disso e, por incrível que pareça, a esta data [N. D. a entrevista foi realizada a 30 de Janeiro], nenhum partido de direita… por acaso não é verdade; acho que foi há dois dias, se não me engano, se começou a apresentar os programas da direita; e à esquerda também foi no final da semana passada. Portanto, estamos a um mês e pouco das eleições e ninguém tem um programa sério. Quando se vai ver o programa que lá está, é mais do mesmo: não dá esperança, não dá futuro, não há nada.
Mas perguntava-lhe quais são exactamente os vossos objectivos nestas eleições…
Há um partido novo que já vem com as ideias muito consolidadas, não é? Mas também há sobretudo aqui uma urgência em reforçar a direita. E eu penso que os portugueses precisam disso, porque há alternativa à esquerda é a direita. Não há meio termo. E essa alternativa não se está a fazer, por motivos absurdos, por uma questão de egos dos líderes dos dois partidos da direita que estão na Assembleia da República, que não se entendem, que têm aqui uma oportunidade de ouro de contribuir para virar o país, e começar a dar uma outra perspectiva, um outro caminho ao país. Mas não fazem por uma questão de egos. Simplesmente, definiram linhas vermelhas, sabe-se lá porquê, como se, de facto, esse partido alguma vez tivesse estado no poder. No caso do PSD, está a fazer linhas vermelhas para o Chega; o Chega diz depois ao PSD, muito bem, se vocês forem para o poder, nós até podemos viabilizar, mas depois mandamos abaixo na primeira oportunidade. Quer dizer, que loucura. Claramente, não há, a esta data, se a configuração for essa, se eles assumirem a palavra que deram, que não se vão coligar, é inviável imaginar um Governo da direita. Daí que até pode se fazer um Governo, porque o PSD até vai procurar os seus parceiros que, atenção, já não acrescentam nada ao país, que já deram tudo aquilo que o país já rejeitou, inclusive nas últimas eleições, mas ainda assim investiu nesses parceiros. Mas não vai ser estável, porque, não há dúvida nenhuma, a direita vai crescer, toda junta. Portanto, alguém acreditar que seja possível um Governo de direita com um só partido não é viável. Daí que, voltando à questão das nossas expectativas, estamos a mais ambiciosos do que simplesmente fazer um caminho normal. Sabemos ser absolutamente imprescindível que a Nova Direita entre para a Assembleia da República, precisamente para criar essa ponte entre esses dois partidos, são duas máquinas que aí estão, mas que não nos servem para nada, não estão a servir os interesses de Portugal. Eu sei da minha capacidade de fazer pontes, e de fazer as pessoas sentarem-se à mesa, e conversarem por um interesse maior, que é o interesse do país. Espero somente que tenhamos o tempo e oportunidade de chegar ao máximo de portugueses possível para nos darem esse voto de confiança, e aí sim viabilizar essa mudança, porque, de outra forma, já sabemos o que vai acontecer daqui a dois anos, se tanto: novas eleições. E isto não é método, não é? E o país continua parado, estagnado, enquanto brincamos aos políticos. Nós temos a ambição de um resultado suficientemente expressivo para poder influenciar este Governo de direita que, provavelmente, se vai proporcionar, e sobretudo dar-lhe estabilidade. E também dar visão, que é tudo o que as pessoas precisam; uma visão de futuro, uma visão para jovens, uma visão para os velhos, uma visão para vida, para as famílias. Estamos expectantes que algumas pessoas que tivemos oportunidade de contactar e de conhecer o nosso programa votem em nós.
Sente que a Nova Direita tem de desmontar um pouco a ideia de que a direita é má? Tem havido muito essa tentativa de colocar na população a ideia de que tudo o que é de direita é má. E hoje quase não se fala em direita. Tudo aquilo que não seja a agenda da esquerda e da extrema-esquerda, acaba rotulado de extrema-direita, e nem sequer se pensa mais nisso. O que é um absurdo…
Isso é a propaganda, a máquina de propaganda da esquerda, que tem o controlo das nossas instituições. É terrível. Não se fez o 25 de Abril para isso, não é? A esquerda tem, de facto, o controlo de todas as instituições, das universidades, das escolas, das da imprensa; enfim, eles controlam tudo, é uma máquina autêntica, máquina de controlo e de propaganda. E, portanto, é natural que assim seja. A direita não tem tido lideranças, salvo algumas exceções, capazes de mobilizar o eleitorado da direita, de mantê-lo unido por forma a fazer frente a isso, porque as nossas liberdades estão em causa. Estão sempre apontar o dedo por causa das nossas escolhas, mas que coisa é esta? Como é possível que a esquerda venha dizer ao eleitorado: “vocês são todos uns idiotas, porque votam naquele partido; nós não queremos saber de vocês: vocês são os maus do país”? Onde é que estamos, não é? Qual é a diferença entre isto e um país do Terceiro Mundo, onde há um controlo absoluto.
Temos cartazes [do Chega] a serem queimados, não é?
Mas é exactamente isso: cartazes a serem queimados, pessoas a serem canceladas nas redes sociais. Quantas vezes tentaram fazer isso a mim? Eu vou logo avisando: não tentem cancelar-me, porque não vai acontecer; a mim não me cancelam. Eu tenho a minha palavra, sou livre, absolutamente livre. Felizmente, não tenho ‘malas’ políticas nenhumas, não tenho nenhum passivo político, não dependo da política para viver; portanto, comigo estão tramados, e não vai haver isso, não me vão cancelar e não me vão calar. Eu vou defender os meus interesses e os interesses daquelas pessoas que eu me proponho representar. Eu não quero que os portugueses se sintam intimidados, com medo no seu próprio país, porque existe um grupo de pessoas que não suporta a diferença, que não suporta as diferenças, que não suporta o debate, que tem medo de debater. Isso não é aceitável numa democracia, e eu espero a poder levar a minha voz corajosa para precisamente defender estas pessoas.
E o acto de queimar cartazes, por exemplo, também é uma forma de intimidar a população…
Claro que sim. Isso é um acto de desespero absoluto. A esquerda está a ver o que está a acontecer. Nós estamos a ver, eles também estão a ver. Esta é uma forma de intimidar, sem dúvida, mas a esquerda só trabalha assim, com a intimidação, não é com a com a esperança que trabalham; é com a intimidação.
Com o medo…
É com medo, é com: “olhem isto”. Aquela imagem é forte, é uma imagem num cartaz a queimar, a incendiar; é forte. No limite, as pessoas ficam com medo de ir votar. Pode ter impacto sobre algumas pessoas, que pensam: “se calhar não vou votar, e se calhar até queria votar naquele partido, mas não vou”.
Vai dar confusão…
Exactamente. E sobretudo distrai também. No partido Nova Direita, estamos a tentar passar aqui uma palavra, debater a limpo – ou seja, está aqui proposta, vamos falar sobre os temas que estão aqui em causa – e acabamos depois por não ter espaço, porque depois o espaço mediático é todo ocupado com esse tipo de coisas.
Com este fumo…
Puro fumo, não tem interesse nenhum na vida das pessoas.
Então vamos falar das vossas propostas da Nova Direita. Tem um programa extenso. Há alguns temas que são mais mediáticos actualmente, e que são, se calhar um bocadinho mais centrais nas preocupações dos portugueses. Por exemplo, a crise do Serviço Nacional de Saúde, também a crise na habitação. Começando por estes dois temas, quais são em concreto as propostas que destacaria para resolver os problemas na Saúde e na habitação?
Relativamente à saúde, o diagnóstico é relativamente simples: não há capacidade do Serviço Nacional de saúde para fazer face à demanda [procura]. E depois tem diante de si um serviço privado, que é bom; felizmente, até há uma alternativa privada, mas ao qual nem toda a gente consegue aceder. Se existe uma alternativa ao [sector] público, que permita efectivamente ser um complemento ao público, para ajudar o sistema nacional de saúde a fazer face à demanda, qual é a solução? Casar os dois; é ter a excelência em termos de capacidade – e até a capacidade de crescer, de se pagar, que normalmente o privado tem. Portanto, a ideia aqui é conciliar os dois [sistemas] para que nós, como cidadãos, possamos realmente escolher para onde é que queremos ir, se queremos ir para o público ou se para o privado. E como isso se faz? Através da cobrança de uma taxa moderadora para quem quiser ir para os privados – uma taxa razoável, 20 euros, já muito perto do que já estivemos a pagar nos hospitais públicos. Felizmente, há muita gente que tem a possibilidade de pegar nesses 20 euros, e depois o resto, naturalmente, seria um contributo do Serviço Nacional de Saúde. Isto automaticamente descongestionava e deixava espaço ao público para atender todas as outras pessoas, todas aquelas que, por um qualquer motivo, até mesmo por uma questão, não possam ir para o privado. E também para aquelas especialidades que são normalmente garantidas pelo público, porque o privado não faz tudo. E de repente tínhamos um serviço de saúde a funcionar. Aliás, só não se faz isso por uma questão ideológica, porque vende às pessoas que o Estado tem de fazer rigorosamente tudo. É isso que alimenta o socialismo, a ideia de que o Estado tem de fazer tudo, o Estado é o pai da Nação e que faz tudo pelas pessoas. Mas não é verdade. Temos aqui serviços privados fantásticos. Até porque o [Governo do] Partido Socialista, neste momento, já está a fazer isso. Não sei se já lhe aconteceu assim, mas a mim já, ter um serviço marcado no público e, de repente, recebo uma mensagem a dizer: “olhe, sua consulta afinal está marcada no hospital privado tal, a consulta ou exame, o que for. Portanto, neste momento, por baixo da mesa – como muito faz o socialismo quando não quer assumir publicamente que errou ao terminar com as com as parcerias público-privadas [PPP] – fazem isso, porque a situação está a chegar a um ponto inacreditável. A direita não tendo esse problema [ideológico], não tendo esse tabu de fazer recurso aos privados para ajudar, tem condições para implementar isso muito rapidamente. E isto felizmente é consensual à direita e, portanto, penso que a partir do dia 10 de Março seja possível implementar esta medida. E isto faz-se muito rapidamente: os privados estão muito habituados, já têm recebido pessoas do Serviço Nacional de Saúde. Temos serviços de excelência, temos empresários fantásticos nesta área e, portanto, pensamos que esta é a solução rápida, imediata, para resolver a questão, porque aquela história de tentar competir, para onde vão os médicos; os médicos são sempre tentados a ir para o privado, têm outro tipo de condições, têm mais vida, têm mais tempo para as suas famílias. As condições são, normalmente muito atractivas. O [sector] público dá outro tipo de estabilidade, mas o privado tem outro tipo de condições.
Quanto à questão da habitação, esta é uma área que eu conheço. E é simples: não há casas suficientes, não há outra regra na habitação que determina os preços que não seja a lei da procura e da oferta. Na verdade, o problema é simples: não há casas suficientes, o mercado está esgotado, há muito mais gente à procura do que a oferta de casa. Portanto, tem de se fazer mais casas. É verdade que há outras pequenas medidas que podem ajudar – a descentralização e propor às pessoas irem viver para outras zonas –, mas Portugal está centralizado, neste momento, nas grandes cidades. E não é possível no imediato resolver desta forma, por isso temos de facilitar a construção, porque não nos falta espaço para construir, felizmente. Temos de encontrar aqui uma forma, um compromisso, com o Estado e com os privados, para que possam construir mais, construir em boas condições. Facilitar e desburocratizar os licenciamentos e atrair investidores do mobiliário, que é um sector muito difícil. Atenção, há momentos muito bons, mas há momentos muito difíceis para o sector imobiliário, para o sector da construção; portanto, é preciso também trazer alguns incentivos, trazer estabilidade legislativa. É preciso que as leis sejam estáveis e que não mudem todos os dois anos conforme a necessidades eleitorais do Partido Socialista. Não pode ser assim; tem de haver estabilidade para as pessoas investirem, porque realizar o lucro nesse sector leva tempo. Os incentivos que existem hoje são muito curtos. E a partir daí entram rapidamente casas para o mercado e resolvemos o problema. Vejamos: um senhorio só joga com os preços se souber que a pessoa que procura não tem escolha, porque senão ele é obrigado a baixar; isto não é mistério nenhum. Nós queremos sempre ter as casas arrendadas, quando somos proprietários das casas; se eu não tiver pessoas à procura, naturalmente baixo preço. E havendo pessoas a entrar para Portugal todos os dias, novas pessoas, então a única solução é haver mais casas. Esta é a abordagem que queremos ter na política: o problema é este, e a solução até já existe. Não estamos a inventar nada. Não é a Ossanda e a Nova Direita que estão a inventar essa solução: é a procura versus oferta, que se tem de resolver.
Na Educação também tem uma proposta que passa pela implementação de um cheque-ensino, ou seja, que os portugueses possam também ter a possibilidade de escolha entre o ensino público e o ensino privado.
O conceito é exatamente o mesmo. Na origem dos problemas está exactamente a mesma coisa: o Estado não tem essa capacidade para gerir tudo, para gerir tanta gente, não tem capacidade de ser tão competitivo nas condições que oferece a muitos professores. Há boas escolas privadas. A Saúde e a Educação são sectores que o Estado tem mesmo de assumir – eu sou por um Estado Social –, só que não vai assumir tudo sozinho porque não é capaz.
E a verdade é que a elite política, e não só, recorre na Saúde e na Educação aos sistemas privados.
Exacto. E então por que não se dá essa possibilidade aos portugueses? Não sou apologista de que as pessoas estejam a beneficiar de uma tarifa ou de propina quando têm possibilidade de pagar por inteiro. Eu acho que tudo tem de ser adequado às necessidades das pessoas, porque não tem de ser de forma discriminado. Nós vivemos num sistema social de solidariedade social e eu não me importo de pagar impostos, desde que sirvam precisamente para esse tipo de objectivos: garantir que as pessoas que não conseguem sejam ajudadas, e as que conseguem são capazes de contribuir.
Hoje parece existir um sistema de castas, com uma parte da população que mal tem acesso a Saúde e à Educação dentro do que existe, e depois uma outra casta, digamos assim, que tem acesso ao ensino e à saúde no sector privado.
Quando me falam em discriminação, muitas vezes é isso que eu digo. Nós temos um problema de grande discriminação social, porque quem não tem dinheiro tem mesmo muita dificuldade em crescer, em educar os seus filhos em condições minimamente compatíveis com as possibilidades do país. Portanto, na verdade, o que se faz é isto: esta pessoa nasce naquele bairro, cresce naquela escola – aquela escola onde, quando faltam professores, é mesmo dela que vamos tirar, porque está ali escondida, ninguém diz nada – tem um centro de saúde que é uma desgraça, mas não há problema; a pessoa está ali no seu gueto e, portanto, está tudo bem. É como se nada como fosse. Esse é o grande problema a resolver no mundo ocidental, que já não é aceitável. Sabe, eu nasci num país [Angola] que não é ocidental e que, ainda por cima, vinha de uma guerra e depois da independência começou uma guerra civil. Ainda apanhei na minha primeira infância, um serviço ainda bom, porque ainda era aquilo que vinha do tempo colonial, as coisas ainda estavam mais ou menos orientadas. Depois, a guerra veio interromper isso e deixou-se de formar pessoas, então era tudo mau. Sei muito bem o que é serviços que não funcionam. Eu sei muito bem o que é não ter hospitais em condições. Eu sei muito bem o que é as pessoas terem de esperar nos corredores. E eu nem era sequer de uma família particularmente pobre. Era uma família normal angolana, não há nada de espectacular, mas de facto imagino como seria com as pessoas que ainda tinham mais dificuldades do que a minha família. Portanto, eu sei o que é haver escolas que acabam por não ter um banco ou acabam por não ter um ar condicionado com aquele calor que faz. Ainda há dias denunciaram na imprensa uma escola que não tem sequer condições para aquecer as turmas e os miúdos têm de ir com cobertor. Eu vi tanto isso em África que, confesso, não estava à espera, de todo, em encontrar isso em Portugal. Quando cheguei a Portugal há 20 anos, não era nada disso. Os serviços do Estado sempre falham de alguma maneira, mas com os meus filhos eu tinha condições para os levar ao privado, mas eu optava por os levar ao [Hospital] Dona Estefânia, e quando estava em Coimbra, levava-os ao hospital de Coimbra. Estava contente, contentíssima, até porque meu pai é médico [cardiologista] e eu sempre tinha aquela cultura de que os hospitais públicos são melhores do que os privados. Hoje, se calhar, já não é razoável pensar assim. Mas eu, com as crianças, com aquelas doenças respiratórias, cheia de medos nos primeiros filhos, então sentava-me ali na Dona Estefânia, esperava minha vez e saía de lá com aquilo resolvido. Portanto, eu assisti a essa degradação e hoje chegamos a um ponto em que eu estou a fazer quase um déjà vu daquilo que vi na minha infância. É inaceitável para este país. Se havia algo que funcionava aqui, eu falava com o meu pai médico – faleceu há pouco tempo – e ele dizia-me: há pessoas que dizem que este país é pobre, mas quem dera a muitos ter a pobreza desse país. Porque tinha de facto a Saúde e a Educação que funcionaram muito bem durante muitos anos. E de repente…
É uma questão de gestão de recursos?
É uma questão de opções políticas, simplesmente. Isto é que custa mais. Não é por ser o pobre. Todos os dias dizem que o país cresceu; ainda hoje disseram que cresceu dois e não sei quantos por cento. Então, e para onde vai esse dinheiro? E serve a quem? Se não temos essa capacidade de segurar aqueles serviços básicos, que é para isso que pagamos os impostos. É isso que tem de mudar. Essas decisões políticas estão a condicionar a vida das pessoas, e eu espero que aquele eleitorado que tem alimentado, de forma inconsciente, naturalmente, mas que tem alimentado, esta máquina socialista, essa esquerda – que fazem mil e uma promessas e acabam por segurar as pessoas por meia dúzia de tostões –, e que agora estão a ser vítimas desta situação, se dêem conta daquilo que estiveram a alimentar durante esse tempo todo.
Mas existem alternativas, ou seja, a resposta não passa só pelos grandes partidos, não é?
Claro que claro que não, mas principalmente pelo facto de hoje os partidos grandes, nem que tivessem vontade, já não conseguem reformar. Todos os escândalos que se vêem na televisão é porque já não há controlo nenhum. São verdadeiras máfias instaladas localmente, e não e não há nada que se possa fazer porque já estão demasiado instaladas. Daí ser importante um recomeço. Esse recomeço tem de acontecer e só os partidos mais recentes, que não têm esse passivo nem esses compromissos, como é o caso da Nova Direita, podem efectivamente ainda fazer reformas, porque não devem favores a ninguém. Veja, por exemplo: em tempos houve uma situação de um de um deputado que saiu de um partido para o outro; e no dia em que sai, descobre-se que andava a declarar fazer falsas declarações de morada. Acha que o partido não viu? Acha que o PSD não sabia disso? E por que não fez nada? Só se lembrou de denunciar isso quando, por vingança, ele saiu? Porque está assim, porque é assim que está feito, neste momento, para assegurar aquela máquina. Os líderes partidários têm de fechar os olhos. Eles sabem que isso está a acontecer. Por isso é que é inviável pensar que são estes partidos que vão trazer as soluções. Não podem.
Também é uma questão moral…
Não é só moralidade, é soluções. Eu acho muito importante a manutenção dos valores morais, falo muito neles, mas neste momento de resolver os assuntos, sanar, pôr um travão a essa usurpação do país pelos partidos, porque os partidos enriqueceram. Desde o 25 de Abril enriqueceram, estão todos ricos, todos fantásticos, cheios de imóveis e tal. Quem empobreceu foi o povo. Por isso, fazemos algumas propostas. Isso levaria um programa a falar sobre elas, mas do ponto de vista da democracia, em si, também consideramos que passa por aí, uma espécie de reset, de recomeço. Pensarmos se queremos mesmo um sistema assente nos partidos e na sua agenda partidária ou se não valia a pena adoptarmos um sistema presidencial em que confiamos os destinos do país a uma pessoa que tenha, em princípio, um tipo de compromisso para com o país. Contra mim falo, não nasci em Portugal, pelo que, de acordo com a lei atual não poderia ser Presidente. Portanto, digo-lhe isto com franqueza, porque acredito que é necessário fazer esta reforma.
Um outro tema no vosso programa é a reforma, digamos assim, da política de migração. E estamos a falar tanta da ‘fuga’ de jovens portugueses para fora, de jogos e pessoas com qualificações, como o inverso, isto é, pessoas que fogem de países onde há problemas. E aqui há uma política que se tem tentado fazer ao nível de uma inclusão destes imigrantes no mercado de trabalho e na cultura em Portugal. Qual é a vossa postura relativamente àquilo que deve ser a política em torno da imigração, ou seja, da entrada deste fluxo?
Eu vou usar uma expressão popular: Portugal não é a casa da Mãe Joana. Percebe o que eu quero dizer. Todos os países soberanos têm de ter uma estratégia migratória.
Mas essa posição é hoje muito mal vista…
Temos pena, mas nós vamos falar sobre esse assunto. E, uma vez mais, eu tenho legitimidade. Eu sou uma portuguesa originária da imigração, portanto estou muito à vontade para falar sobre isso.
Defende, portanto, algum controlo…
Algum controlo, não; total controle. Soberania significa muita coisa. Não está só escrita num papel. Também significa que as instituições do país determinam aquilo que querem que aconteça no país, têm um plano e um projeto para o país, e que o respeitem. Neste momento não existe uma estratégia de migração, que pense em vários fatores, como a pertinência económica dos imigrantes. Como vamos alojar estas pessoas? Onde as vamos pôr? Como vamos incluí-las na sociedade? Como vamos garantir que são pessoas que não trazem problemas de criminalidade para Portugal? Isto tem de ser pensado, como é que isso se faz, para antecipar problemas.
Pensa que há mesmo um descontrolo actualmente?
Total, total. Começamos a ter algum retorno desse descontrolo quando se identificam pessoas de alta criminalidade. Se investigar, vai saber que a polícia tem identificado casos, porque há pessoas que podem ficar cinco anos em Portugal e ninguém saber que estão cá. Temos de ter um controlo, independentemente de estarmos inseridos num espaço comum, sobre quem entra em Portugal. Desde a origem, devemos saber se aquela pessoa, aquele candidato a imigrante, digamos, é pertinente para Portugal, porque assim evita aquelas questões: “olha, os estrangeiros estão a roubar o nosso trabalho; olha, nesta área, agora estão a privilegiar os estrangeiros, quando eu estou aqui e posso fazer esse trabalho, e por que foram buscar lá fora”. Enfim, esse tipo de discurso – às vezes exagerado, e muitas vezes exagerado – tem, em algumas situações, fundamento porque realmente não há uma estratégia. Uma vez mais, eu gosto de mencionar as minhas experiências. Quando eu cresci em Angola, e julgo agora também – já estou fora há muitos anos –, havia isso [controlo de imigração], sabe? E nunca ninguém chamou Angola de país racista. Experimente ir morar para Angola e vai ver as dificuldades para conseguir um título de residência. Eu não estou a dizer que seja ideal ser assim, mas, de facto, se aquele país, apesar de todos os problemas, se manteve seguro – é um país seguro, tem os seus problemas de criminalidade, como todos os outros, mas é sobretudo interna que acontece nos países que têm bandidos –, nunca teve grandes problemas de criminalidade porque soube sempre quem estava em território nacional. Sempre fez um filtro, sempre tinha uma estratégia clara de imigração. O país era muito apetecível na altura, e então, de facto, determinaram se algumas regras para que os interesses dos imigrantes não se sobrepusessem aos interesses dos próprios cidadãos. E é isso que nós temos de fazer em Portugal, simplesmente.
Além da questão das grandes redes de criminalidade…
Não só. Não estamos a falar só da criminalidade. Felizmente, há instituições externas que também controlam isso, e acho que aí mesmo a Polícia Judiciária e as nossas forças de segurança, apesar de tudo, vão conseguindo gerir, talvez por isso também estejamos ainda com alguma segurança.
Mas Portugal precisa de imigração, de mão-de-obra, não é?
Aquilo que estamos a propor é definir, primeiro, que imigração Portugal precisa do ponto de vista da pertinência económica. Qual o perfil dos imigrantes de que precisamos e queremos. Segunda, o critério da proximidade cultural, que parece um critério banal, mas não: garante a coesão social e garante que as pessoas vêm para cá por serem mais próximas. Se nós privilegiarmos quem é mais próximo culturalmente de Portugal, porque fala a língua, porque tem uma história em comum; se nós privilegiamos essa imigração, menos problemas teremos. Os nossos problemas de imigração só começaram quando começou a haver emigração do resto do Mundo, porque enquanto foram dos PALOPs, nunca Portugal se queixou da imigração.
Mas isso não contraria aquilo que tem sido também a política ao nível da União Europeia, que tem levado os países a aceitar um ‘pacto’ no sentido da entrada em massa de imigrantes?
Nós estamos a ver agora o resultado. Os países estão em pânico. Não há nenhum tema que se sobreponha, neste momento, ao tema da imigração na política europeia, mas isso tem um motivo: aquilo que se fez ao longo dos anos foi receber de qualquer maneira, sob pretexto de sermos a zona geográfica mais inclusiva, a mais amiga dos refugiados. E não é só por isso; também se deve ser a alguma dívida moral do Ocidente para com determinados países, acabando por abrir as portas de qualquer maneira. Mas isso não é justo, não é bom, e também lhe digo: não conheço nenhum imigrante em Portugal ou algum português proveniente da imigração que tenha interesse de que o país passe a ser inseguro. Aquilo que a esquerda diz é que falar agora da imigração é ser discriminatório, é ser racista. Eu convido-a, com seu microfone, a ir a um bairro de imigração perguntar se, para aquelas pessoas, interessa que Portugal receba pessoas de qualquer maneira, quando elas mandam os filhos de manhã para escola no autocarro, se elas têm receio que rebente uma bomba, que uma menina que venha da escola possa ser violada. Ou que o próprio emprego dessa pessoa – que já está aqui, que já está integrada, que está bem – seja posto em causa, porque, de repente, abre-se o país de qualquer maneira e entram números descontrolados e depois não temos controlo sobre o que essas pessoas requerem como habitação. Eu não sou apologista de que, neste preciso momento, seja este o maior dos problemas, mas pode vir a tornar-se. Está tudo muito centralizado nas grandes capitais, portanto é natural que quanto mais pessoas estiverem [cá], pior será o problema de habitação. Como não se tem nada disso em conta. Perguntem às pessoas se querem isto. Nós temos de falar claro.
Temos conhecido algumas situações terríveis de imigrantes alvo de redes, que são trazidas para cá e depois vivem em condições de quase de escravidão, sem condições de habitação…
Mas essa é a questão. Quem está, de facto, a ser racista, sabe quem é? É precisamente a esquerda, que abre as portas de qualquer maneira e não se importa se as pessoas vão viver para a rua. Isto não é contraditório o que eles dizem? Defendem tanto, tanto os interesses, mas não querem saber. As pessoas chegam e estão a morar em tendas; e sem falar que também já há portugueses a morar em tendas. Há imigrantes a morar, aos 15 num apartamento. Num apartamento não; quem dera!; num quarto. Num quarto moram 15 pessoas, 20 pessoas. Mas é isto que Portugal quer? É isso que é fazer bem? Não é. Com certeza que não é. A nossa proposta é: vamos controlar; é normal que os países controlem. É assim que é. Os países soberanos têm mesmo de definir as suas leis de imigração. E não é a Europa que nos tem de impor, não é a agenda europeia que deve contar. Nós temos os nossos próprios interesses, temos os nossos eixos de interesses, que não são necessariamente os dos outros países. [A imigração dos] PALOPs nós facilitámos, eu acho muito bem que assim seja, E depois a Europa pôs-se a gritar, que já não achava bem, quando, na realidade, quem traz para o território europeu grande parte da emigração problemática não é Portugal ainda. Mas neste momento está a começar, porque eles saem desses países, porque começa a haver movimentos contra essa migração de massas em todos os países. E onde se vêm refugiar, neste momento? A Portugal. Então, nós vamos ter esse problema em breve, e para sanar isso, para terminar isso, temos de começar já a definir regras nos nossos serviços diplomáticos. É para isso que servem, neste momento. Pagamos tanto por serviços diplomatas, mas não sabemos muito bem para servem, porque os portugueses que recorrem a esses serviços não são atendidos atempadamente. Muitas vezes preferem vir tratar do cartão de cidadão a Portugal, porque não conseguem tratar lá [nas embaixadas ou consulados], porque não os atendem? Portanto, não sei o que estão a fazer, se não controlam a imigração para Portugal, se não prestam serviço aos portugueses, eu não sei o que estão a fazer. Como vê, há muita reforma a fazer, mas tudo é exequível; só é preciso ter os políticos certos nos lugares certos.
Algumas das medidas que têm falado, também são medidas que contrariam muito daquilo que tem sido a cultura e as políticas da União Europeia e da Comissão Europeia em concreto. E falou numa questão de soberania, e não é só na União Europeia e na Comissão Europeia que tem havido sempre pressão sobre os países para impor determinadas políticas. Por exemplo, temos, ao nível da Organização Mundial de Saúde a proposta de alterações ao Regulamento Sanitário Internacional. Também a criação do Tratado Pandémico, e há, de facto, muitas dúvidas, e determinados defensores dos direitos humanos e dos direitos civis estão a colocar muitos pontos de interrogação devido à possibilidade de se criar um quadro que pode retirar soberania aos países para gerir, por exemplo, crises sanitárias. E vindo uma nova pandemia haver uma dificuldade de os países poderem tomar as suas próprias decisões. Como lida o vosso partido com tipo de intromissão?
A intromissão, nesse aspecto, na questão sanitária, mas em todas, na questão militar, simplesmente põe em causa a soberania dos países. Vamos lá ver: a União Europeia era para ser uma União e não uma Fusão. É muito diferente. E uma União significa que os países mantêm a sua soberania, e depois partilham interesses comuns.
E não é isso que está a acontecer…
Há uma tentativa clara de uma fusão. Transferiu-se a soberania dos países para Bruxelas; Bruxelas decide a nossa vida e sem que sejamos chamados a opinar. Impõe as regras cá dentro. Nós somos claramente um partido soberanista. Portugal tem de decidir o seu rumo, o seu destino, e tem sobretudo de estar aberto para o Mundo.
E integrado na União Europeia…
Sim. Não ponho em causa, porque… a única coisa que nós exigimos é voltar àquilo que esteve na génese da União Europeia: era uma União Económica, se bem se lembra; não era para transferir o poder para lá. Hoje, ouço os nossos eurodeputados dizerem: “olha, aconteceu isso em Portugal; eu vou-me queixar à União Europeia”. Mas estamos a brincar ou quê? Então, mas é cidadão português ou cidadão de Bruxelas? Quem são aqueles burocratas de Bruxelas para decidirem aquilo que se passa em Portugal? Muitos deles nunca puseram cá os pés, nem sabem onde é que isto é. Portanto, nessa questão, nós somos absolutamente soberanistas… Sabe, fomos atraiçoados um bocado pelos acontecimentos, mas, de facto, a nossa primeira campanha teria sido para as eleições europeias de 9 de Junho. E agradava-nos muito, porque temos uma visão muito clara sobre como queremos ver Portugal, por uma razão: Portugal acomodou-se nessa questão da União Europeia, basicamente cedeu em soberania para ganhar dinheiro, um dinheiro que claramente serviu certamente para muita coisa, mas não serviu para o país se tornar soberano e próspero.
Para poder resolver estas situações de crises que temos tido…
É só mesmo isso para apagar fogos. É isso que tem sido. Houve algum desenvolvimento de infraestruturas, mas, se reparar, os grandes hospitais, por exemplo, não foram, foi depois do 25 de Abril que foram feitos. Nós temos uma visão muito própria sobre isso e a nosso caminho era para passar pela União Europeia e ir impor uma voz firme; dizer: “oh, meus senhores, Portugal existe; Portugal é um país soberano; e muito bem, nós estamos aqui para debater os temas de interesse comum, mas quem manda em Portugal são os portugueses”. Isso não significa fechar o país. Quando muita gente ouve falar em soberania, pensa que é fechar o país. Não, não, pelo contrário. Por acaso, eu até quero essa liberdade para Portugal por uma razão: isso vai permitir que Portugal reate o seu eixo histórico. Por exemplo, tem o seu eixo europeu – a União Europeia, estamos geograficamente aqui –, tem o eixo regional – que é a Península Ibérica, muito mal explorado precisamente por causa da União Europeia – e também tem o eixo histórico, toda essa portugalidade que anda por aí pelo Mundo, que nós abandonamos, que o país abandonou. Em muitos casos isso acontece porque estamos todos virados para a Europa, uma Europa francamente decadente, francamente decadente economicamente, em termos de valores e de segurança. É totalmente dependente, como vimos agora da guerra da Ucrânia, sem lideranças. E é esta que está, de certa forma, a gerir as nossas vidas.
Está muito refém dos Estados Unidos…
É verdade. Ela própria [União Europeia] também não é tão soberana quanto isso, porque depois vai a boleia da agenda americana. Isto não é método, e sobretudo numa fase em que o Mundo está a mudar, e está a mudar mesmo. É um facto; isso já não é uma miragem, não é algo que vá acontecer no futuro.
Aliás, o vosso partido tem propostas – e não chegamos a falar nisto ainda – de haver um Ministério do Futuro e trazer para Portugal as tecnologias, as novas inteligências artificiais…
Exacto. Esse sector é um dos reflexos, um dos testemunhos de que a Europa está enganada, está atrasada naquilo que está a acontecer no Mundo, não está a ver bem as coisas. Não existe uma grande tecnológica europeia. Não é inacreditável que, com 400 milhões de habitantes e sendo a segunda maior economia mundial, a Europa não tenha uma grande tecnológica? Aquilo que se faz na Europa são de empresas americanas. Portanto, a Europa está a ficar para trás. Portugal tem de olhar para isto e dizer: “ui, pronto, muito bem, não vamos abandonar os nossos compromissos, necessariamente, nós queremos continuar unidos aqui com os nossos irmãos geográficos; é fantástico, adoro viajar pela Europa, não ter de apresentar passaporte, gosto muito dessa ligação de estudantes; mas não parece que seja o melhor para Portugal, de facto, ceder a soberania, as decisões do rumo que Portugal quer dar ao país”. Acho que temos que reatar relações com o eixo histórico – estou sempre a referir esse eixo histórico, porque o capital de portugalidade que está a ser desperdiçado é inacreditável.
Um Portugal mais forte vai também ajudar a criar uma Europa mais forte? Acredita que esse cada um dos países europeus tornar-se mais forte é positivo?
É muito positivo. Aliás, o facto de a Europa estar a absorver a soberania é precisamente por causa do desequilíbrio que existe. Há dois ou três países, se quisermos, que alimentam a Europa toda. Não é razoável. Por isso é que a Europa não tem fundamentos para nos fazer acreditar que vai perdurar tal e qual ela como está hoje, em termos de União. Não é sustentável, dois ou três países a Europa.
E já tivemos o Brexit…
Sabemos que agora há movimentos, há políticos a emergir, a favor da saída da União Europeia. Não é o nosso [Nova Direita]. Por acaso não é o nosso. Nós consideramos ser possível ainda ir negociar as condições da nossa permanência na União Europeia. Mas não há como manter isto assim nesse estado. Para a nossa prosperidade, se me perguntar: “então, como vê a economia portuguesa?” Eu vou dizer-lhe, como toda a gente diz: “olhe, temos de baixar imediatamente impostos…
… é uma das vossas propostas…
E temos, e temos; é incomportável, até porque será um estímulo à produtividade, um estímulo ao mercado, um estímulo à economia, desanuvia as empresas, enfim, tem uma série de vantagens.
Mais em concreto, pretendem baixar em 5 pontos percentuais o IRS, que é aplicado ao rendimento, e também uma forte redução da carga fiscal para as empresas…
Exatamente, porque isto vai permitir que as empresas tenham alguma folga, tenham tesouraria, para pagar atempadamente. Temos de pensar que a base é muito má. As empresas portuguesas não têm dinheiro, e assim vai permitir dar outra dinâmica, dinamizar a economia. Mas não vai acrescentar valor, não vai dar riqueza, é preciso não nos iludirmos. Aquilo que vai dar riqueza e encontramos fontes de rendimento, o país tem de ganhar dinheiro, tem de produzir dinheiro. E como se faz no estado actual das coisas? Nada. Não temos nenhuma indústria, não temos indústria. Portanto, é preciso reindustrializar Portugal, em primeiro lugar; segundo lugar, em termos de recursos… Lembre-se que a guerra que está a acontecer hoje no Mundo é uma guerra de recursos. Países que têm recursos são os que vão mandar no Mundo. Ponto. É o caso da Rússia, com a sua energia; a China com recursos humanos; [os Estados Unidos da] América, que tem os seus recursos naturais. Esses é que vão sobreviver. É disso que se trata. A Europa é, infelizmente, pobre em recursos e em pessoas. E então como se sobrevive nesta transformação geopolítica? Criando, uma vez mais, uma certa soberania económica. E soberania económica não se traduz em dizer que só vamos viver do que se faz em Portugal. Isso não é viável, não é. Já chegámos a um ponto de organização a económica do Mundo em que isso já não é possível, mas podemos olhar para aquilo que nós temos, e pensar onde vamos buscar. É como fazemos nas nossas casas quando o dinheiro está a faltar. Dizemos: “eh pá, onde é que eu vou buscar? Qual é o recurso que eu tenho? Está a faltar a comida, e vou raspar ali o frigorífico ou produzir pão; não sei, mas tenho que dar de comer aos meus filhos”.
Optimizar…
Tem de se ter essa visão. Em concreto, propomos um recurso daquilo que nós já temos: o nosso mar, que hoje serve essencialmente para deslumbrar os nossos olhos e serve para turismo, mas pode servir para muito mais do que isso. Temos uma vasta área da Zona [Económica] Exclusiva e podemos aproveitar para várias coisas, para o sector naval, que já foi próspero, mas que agora se resume a uma indústria de mil e qualquer coisa funcionários. É absurdo. Estamos numa posição geográfica que nos permite, de facto, trabalhar na manutenção da náutica, e costumamos ser muito bons em tudo que é especialidade. Acredito que podemos desenvolver-nos a partir da:, temos em Viana do Castelo o estaleiro que nos permite também, se quisermos, arrancar com um projeto dessa natureza. Temos a questão da energia. A Europa – agora já menos claro, porque é flagrante a mentira – tem feito acreditar que é com as turbinas de vento e o sol, que é absolutamente intermitente, que vamos resolver os problemas energéticos. É uma grande mentira. Não vai acontecer. Nós propomos a energia nuclear, porque temos a matéria para isso. E sobretudo, porque é duradoura, que é estável, e permita a reindustrialização. Se tivermos uma energia barata teremos condições de sustentabilidade de todo este projeto que estamos aqui a apresentar. Mas ainda no mar – e saindo da energia nuclear –, temos a possibilidade de produzir energia através do mar. Ou seja, o mar serve para alimento – de facto, hoje comer peixe é para ricos, essa é que é a verdade – e serve para nos dar energia e serve também para o desenvolvimento da indústria farmacêutica, que é uma indústria muito rentável. Muitas das maiores empresas mundiais são farmacêuticas. E, de facto, há matéria-prima proveniente do mar que permite desenvolver a indústria farmacêutica. Enfim, temos aqui o nosso mar, e não usamos para quase nada, o que é totalmente absurdo. Portanto, é possível sair da situação em que estamos com os nossos próprios recursos.