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  • ‘Somos contra os subsídios. As pessoas têm de trabalhar para um ordenado digno’

    ‘Somos contra os subsídios. As pessoas têm de trabalhar para um ordenado digno’

    O Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses – mais conhecido por PCTP/MRPP – nasceu em 1970 e foi inscrito oficialmente junto do Tribunal Constitucional em 1975. No seu arranque, contou com a adesão de muitos estudantes que viriam a ser figuras de relevo na sociedade portuguesa, como Saldanha Sanches, Maria José Morgado e Durão Barroso. Teve também na sua liderança, durante muitos anos, o professor universitário e advogado António Garcia Pereira, que se demitiu do partido em 2015 em rota de colisão com o fundador Arnaldo Matos. Agora, Cidália Guerreiro, 69 anos, professora aposentada, é a líder, como secretária-geral, do PCTP/MRPP. E mantém a atitude crítica, defendendo que celebrar o 25 de Abril mostra ser uma mera formalidade, porque a população é hoje tão explorada como antes da Revolução dos Cravos. Acredita também que o Mundo caminha para uma Terceira Guerra Mundial e que Portugal já não tem soberania, fazendo parte do imperialismo globalizado. Esta é a 17ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE CIDÁLIA GUERREIRO, SECRETÁRIA-GERAL DO PCTP/MRPP, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    O PCTP/MRPP é um partido que anda de mãos dadas com aquilo que é a História de Portugal, até antes da democracia.

    Sim; o partido foi fundado antes do 25 de Abril – que parece ser aquele marco que instaura a democracia. Nasceu a 18 de Setembro de 1970, e naturalmente que antes também já tinha algumas raízes. Foi um partido que nasceu para combater a ditadura fascista, mas também porque considerava que não havia um verdadeiro Partido Comunista; e que o Partido Comunista da altura era um partido revisionista – e por isso aquela célebre frase que sempre tínhamos: ”morte ao fascismo e ao social-fascismo”.

    E era uma luta muito de estudantes, não era?

    Sim; o partido começou exactamente com um movimento estudantil, nomeadamente uma organização que se chamava, creio, ”Vamos ao Trabalho”, na Faculdade de Direito.

    Cidália Guerreiro na sede do PCTP/MRPP, em Lisboa. (Foto: PÁGINA UM)

    Nessa altura, já estava integrada no movimento?

    Ainda não; eu integrei-me no partido já em 1974, quando vim para Lisboa. Nessa altura, o movimento era muito dinâmico e praticamente toda a juventude militava ou, pelo menos, aderia às ideias do partido. Nessa altura, o partido também encetou uma grande luta relativamente à Guerra colonial e teve uma intervenção muito grande.

    E tiveram também, nessa altura, várias figuras mediáticas ligadas ao partido, como António Garcia Pereira e Durão Barroso.

    Pois; isso aconteceu. Como disse, uma grande parte da juventude aderiu ao partido e às suas ideias. Depois, naturalmente, com todo o desenvolvimento, foram-se distanciando, tomaram outros caminhos, fizeram outras escolhas e estão numa outra “barricada” [risos].

    Estamos prestes a comemorar, e tem havido uma grande campanha mediática em torno disso, os 50 anos de democracia. O que significa para si e para o PCTP-MRPP estes 50 anos desde o 25 Abril?

    Teríamos, se calhar, de voltar um pouco atrás; que é perceber o que foi o 25 de Abril. Por um lado, o que foi inicialmente, que nós não consideramos uma revolução; consideramos que houve uma movimentação a partir das Forças Armadas, e que não pretendia ser muito mais do que isso? Na verdade, na chamada Madrugada de Abril, a população que foi convidada para ficar em casa, acabou por ter outra decisão e ir para a rua. E foi esse movimento de massas que veio alterar o que estava inicialmente previsto, que seria apenas uma mudança de um sector da burguesia para outro. Foi um golpe de Estado levado a cabo pelos militares, que tinha a ver com a situação da Guerra colonial.

    E revê-se na forma como estão a ser programadas as comemorações e como tem sido, aliás, celebrado o 25 de Abril em Portugal nos últimos anos?

    Não. Até porque, neste momento, o que nós temos de democracia, e que estaria subjacente à própria movimentação das massas e que foi feito com uma grande espontaneidade e alegria; e o “garrote” que tínhamos que não só a nível de falta de liberdade, mas da própria exploração intensa das pessoas – isso não se concretizou. Portanto, não sei bem o que vamos celebrar neste 25 de Abril. É uma celebração oficial, uma formalidade. Era bom que se reflectisse sobre o que se pretendia com o 25 de Abril, nomeadamente na parte da população, e aquilo que hoje temos. Porque a população que na altura tinha grandes dificuldades, e estava sujeita a uma grande exploração, hoje não tem grandes diferenças na sua vida e no seu dia-a-dia; ela debate-se novamente com problemas económicos, de Saúde, habitação. Quase que voltámos ao princípio, numa outra versão.

    Para além do nível de democracia que nos últimos anos, sobretudo a partir de 2020, com muitas medidas, catastróficas, que se vêem pelo excesso de mortalidade também. Mas houve um recuo enorme no nível democrático em países ocidentais, incluindo em Portugal.

    Se nós tivéssemos – que nunca tivemos – qualquer ilusão relativamente ao que era a democracia burguesa, tudo ficou muito claro aquando das prisões, em Maio de 1975, em que 430 militantes do nosso partido foram presos e ficaram encarcerados em Caxias a mando do COPCON.

    Portanto, logo a partir daí, entende que ficou comprometido o processo do avanço democrático?

    É a democracia burguesa [risos]. A ideia de democracia burguesa não é bem de igualdade para todos; diz-se isso, mas não é. Aliás, o nosso partido neste momento sofre uma perseguição muito grande a nível de exigências da legalidade. Estamos constantemente confrontados, por exemplo, com multas excessivas, porque se encontra uma ou outra irregularidade; que não justificam essas multas.

    O partido deixou de ter subvenção, ou seja, deixou de ter acesso a um apoio que se dá aos partidos para as suas tarefas e operações. E no que respeita às multas, tem exactamente os mesmos valores para os partidos grandes, que têm enormes subvenções.

    Tem, mas com algumas diferenças. Nós estamos sujeitos, por exemplo, a contabilidades organizadas e temos de ser nós a fazê-las. A verdade é que os grandes partidos em Portugal transformaram-se em empresas. E a partir do momento em que os partidos não são partidos, com uma intervenção política na sociedade através das suas ideologias, mas passam a ser, quase à maneira americana, empresas que têm capitais, negócios, operações financeiras e tudo isso, a desigualdade surge; é inevitável. Nós não temos uma subvenção, mas também não concordamos com subvenções. Evidentemente, quando estamos no sistema, não o deitamos fora; utilizamo-lo. Mas, se os partidos querem igualdade, efectivamente deveriam concorrer às eleições em pé de igualdade. Ora, se nós temos um orçamento de 3.000 euros para estas eleições – e nem sabemos se o vamos ter… Estas eleições são muito mais caras do que as anteriores; os orçamentos previstos perfazem os dois milhões de euros, e são dinheiros públicos.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Não concorda com isso?

    Não; não deveria haver subvenções, absolutamente nada. Os partidos deviam ter os seus próprios meios; porque só assim é que se poderia pensar – e mesmo assim, não seria completamente claro – que os partidos não estão ao serviço de ninguém.

    E como é que o partido sobrevive em termos financeiros?

    Sobrevive só com as quotas, donativos e fundos dos seus militantes, simpatizantes e outros apoiantes; mais nada.

    E não é suficiente?

    Claro que não; e por isso, não temos possibilidade de fazer uma propaganda que dê visibilidade ao partido. Muitas vezes, as pessoas interrogam-se porque é que não aparecemos mais – não aparecemos porque esta também é uma forma da dita democracia nos silenciar.

    E a imprensa, que também tem estado em crise, mas não entende dá sempre mais atenção aos partidos que já têm mais meios financeiros para fazer campanha?

    Isso é evidente; mesmo nos próprios espaços que são dados, os grandes partidos têm uma campanha completamente diferente; basta ver o que está a acontecer neste momento, com todos os debates. Ainda lhes dá bastante tempo para expressarem as suas propostas; embora elas até nem sejam muito diferentes umas das outras, se formos a ver. Já os chamados pequenos partidos, têm um debate único. E, aliás, importa lembrar que esse debate até foi imposto pelo nosso partido em 2011. Mas são debates em que, quase em 10 minutos, somos bombardeados com perguntas que temos de responder num tempo recorde – é quase impossível.

    E entende que essa situação deveria mudar, em termos daquilo que é o acompanhamento da imprensa?

    Naturalmente; se falamos em igualdade, então deveria haver igualdade de todas as maneiras, tanto a nível da imprensa como dos meios, e em todos os aspectos. Só assim é que se via o que cada um pode oferecer. E mais: por exemplo, em relação aos próprios negócios – porque, depois, isto é um investimento para os grandes partidos… Já não me lembro quanto é que o PS vai investir, mas acho que são 3 ou 4 milhões. Mas é um investimento para poderem estar em sectores-chaves que lhes permitem fazer grandes negociatas, tal como vemos, depois, o que acontece a nível da corrupção. Isto é um pé para entrar noutro nível.

    E o que é hoje o PCTP-MRPP? Ainda é o mesmo partido de há 50 anos ou mudou alguma coisa?

    Na aparência, mudaram algumas coisas, mas em termos de programa, mantém-se o mesmo. Mesmo em relação às eleições, estamos numa posição um bocadinho difícil, porque nós achamos que as eleições não vão resolver nenhum dos problemas da população.

    Porquê? Porque é que têm essa visão?

    Aqueles que nós defendemos, que é a população trabalhadora, não vai deixar de ser explorada porque o sistema não vai mudar. Nada vai mudar com as eleições nem com algumas reformas que neste momento estão a ser propostas. E é aí que nós também criticamos alguns partidos que se dizem de esquerda porque criam a ilusão de que as eleições vão melhorar e que uma ou outra reforma vai melhorar as coisas; não vai. E chegará uma altura em que não vai mesmo melhorar, e nem vai ser possível até introduzir reformas. O sistema tem de ser alterado, efectivamente, e só vai ser alterado quando a população estiver consciente de que isso tem de ser feito. E nós estamos cá exactamente para denunciar o carácter das eleições, e por isso, não deixámos de estar presentes nelas. Daí que eu estivesse a dizer que é difícil, porque dizemos que não acreditamos que as eleições resolvam, mas estamos cá, e as pessoas perguntam porque é que estamos. Estamos, exactamente para dizer que há outro caminho; porque também não podemos chegar à situação de dizer que votámos, e não conseguimos. Não; há outro caminho. Então, vamos votar, mas com consciência de que isso não vai resolver, e quando tivermos essa consciência, veremos então como é que resolvemos.

    E é um partido que mantém o seu cariz de uma esquerda mais radical e que tem sido também crítico da actuação do PCP e do Bloco de Esquerda, por exemplo, naqueles anos em que apoiaram o Governo de António Costa.

    E que não resolveram absolutamente nada. Portanto, isso vem provar aquilo que acabei exactamente de dizer. Não foi porque se fizeram algumas reformas que as coisas se alteraram; pelo menos, os problemas de fundo da população subsistem. O que é que se criou? A ilusão de que se poderia alterar. E, aliás, hoje estamos a pagar bem caro essa ilusão. Os portugueses todos [risos]. E os portugueses também terão que se interrogar todos porque é que estamos em eleições. Porque já fomos para eleições em 2022 com um Governo que não completou a legislatura.

    Uma imagem de Karl Marx na sede do partido.
    (Foto: PÁGINA UM)

    E em que o PCTP/MRPP esteve presente.

    Sim, nós denunciámos a situação, dissemos que as eleições estavam a ocorrer e que o próprio Parlamento se tinha implodido a ele próprio porque era necessário alterar a correlação de forças devido a algumas alterações que estavam a surgir. Nomeadamente a gestão dos milhões do PRR, que estava para vir. E portanto, essa implosão não foi natural – aconteceu porque era necessária. E depois tivemos uma maioria absoluta; e não se percebe porque é que o Governo caiu. Aparentemente, não seria por motivos políticos, propriamente, mas sim pela Justiça; o que não deixa de ser política, porque o que está em causa é a forma como um Governo de maioria absoluta geriu os nossos dinheiros, o dinheiro do povo.

    Sim, porque muitas vezes há governantes que dizem que o Governo nos deu isto ou aquilo, mas o Governo não dá nada, na verdade, porque o dinheiro é dos contribuintes.

    Toda a razão; as pessoas falam dessa forma, dizem que o Governo tem de ajudar e ter pena de nós… Não dão nada, porque o Governo o que faz é gerir o dinheiro do país. E como é que vai gerir? Aqui é que nós vemos, porque não gere a favor da população, mas sim a favor daqueles que efectivamente mandam no Governo – a favor dos grandes monopólios dos capitalistas e desses interesses. E isto, agravado pelo facto de Portugal não ter qualquer autonomia nem independência, e nem o próprio orçamento pode fazer porque ele tem sempre de ser aprovado pela União Europeia. E nós também denunciámos isso nas últimas eleições. Porque quando falamos eleições, se quisermos ser sérios, temos que ver em que contexto e em que cenário é que as eleições acontecem. Primeiro ponto: não há qualquer autonomia a partir do momento em que estamos inseridos na UE e na NATO; temos de fazer aquilo a que essa situação nos obriga – se a UE achar que o nosso orçamento está errado, não o aprova. Se achar que vamos ter de ter uma economia de guerra, é essa economia que vamos ter. Portanto, todas as promessas que neste momento até estão a ser feitas – e sei que ainda estamos em altura de saldos porque o mês de Fevereiro ainda não terminou –,  tudo isto é tão exagerado que deixa de ser credível. Ninguém acredita que estas promessas são para se fazer; estas promessas são para chegar ao poder. E chegados ao poder, depois, o que vai acontecer? O que já aconteceu: de dois em dois anos temos um novo Governo, e se calhar agora até vamos ter num intervalo mais curto.

    E estão a ser negociadas alterações ao nível do Regulamento Sanitário Internacional, bem como o novo Tratado Pandémico, e há países que estão de pé atrás relativamente ao que está a ser desenhado, que é um grande reforço do poder da Organização Mundial de Saúde. Como sabemos, é uma organização importante, mas também está vulnerável a interesses privados. Também vos preocupa que haja este tipo de evolução, não só a nível comunitário, de estas organizações internacionais se poderem imiscuir nas decisões do país?

    Preocupa-nos, mas não nos surpreende. Nós sempre fomos dizendo – é evidente que não somos suficientemente ouvidos – que o capitalismo atingiu o seu estado supremo, que é o imperialismo, e que está globalizado e ‘mundializado’. E como agora se chegou ao ponto em que as crises capitalistas não estão a ser resolvidas por uma via pacífica, vai extrapolar para a guerra, que é exactamente aquilo em que, neste momento, estamos. Quando há uma potência imperialista hegemónica como os Estados Unidos, que está a perder poder e a vê-lo fugir para uma outra potência em crescimento, que neste caso é a China, vai recorrer a todas as estratégias para conseguir sobreviver. E é exactamente nesse nível que nós estamos. Já estamos numa guerra inter-imperialista, que se vai desenvolver rapidamente – e nós queremos chamar a atenção para isso. Neste momento, temos a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente, e naturalmente, a nível de desenvolvimento económico, vai ter consequências.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas os Estados Unidos parecem estar com vontade de se envolver em mais conflitos…

    São obrigados a fazer isso, mas estão a perder as guerras todas. A Europa já perdeu a guerra, naturalmente, também na Ucrânia. E aquilo que nós vemos e isso também nos preocupa, porque são sinais, quando temos o Chanceler alemão a dizer que vamos ter de nos armar e que todos os países europeus vão ter de produzir armamento. E que vamos ter de criar um escudo nuclear com a França e com a Grã-Bretanha. Ora, se neste momento a palavra de ordem é armamento, qual é o cenário que se nos vai colocar? Quando temos agricultores na Alemanha a fazerem as suas manifestações porque lhes foi retirado o subsídio do gasóleo, e quando a própria Alemanha diz que não vai repor porque agora a economia é outra, significa que estamos a entrar num caminho do alargamento de uma terceira Guerra Mundial – que vai ser bastante violenta e pode levar-nos num grau de destruição e de sofrimento muito grandes. E nós temos a obrigação de o denunciar, porque é uma guerra que não é nossa, não é connosco.

    Mas as guerras dão muitos lucros, ao nível da indústria de armamento. E nos anos de pandemia houve uma enorme transferência de riqueza, como em geral acontece em grandes crises, mas neste caso para as grandes multinacionais; não só farmacêuticas, mas tecnológicas, e as empresas cotadas em Portugal, como as maiores empresas de energia e dos supermercados. Portanto estamos numa altura em que há muita riqueza para essas entidades.

    Sim, disse tudo com a sua pergunta [risos]. A Ucrânia também serviu para gastar as armas que já não interessam – portanto, os Estados Unidos têm ganhado bastante dinheiro nisto tudo – e para experimentar um novo armamento. No fundo, isto é uma preparação.

    Entende que é uma preparação?

    É. Uma preparação para aquilo que se vai instalar. Até já temos um alinhamento de vários blocos para esta terceira guerra; e neste momento, é muito difícil evitá-la.

    Portanto, já está a deixar aqui esse aviso, porque é aquilo que consegue perceber que vai acontecer…

    Sim, e Portugal não devia envolver-se nesta guerra, não tem nada a ver com ela, nem vai ganhar nada com ela. E nós tivemos sempre uma palavra de ordem já antes de 1974, mas logo a seguir ao 25 de Abril fizemos bastantes manifestações relativamente à presença da NATO em Portugal; e a palavra de ordem era “NATO fora de Portugal”, e continuamos a tê-la. Portanto, as ideias fundamentais do partido mantêm-se.

    A propósito dessas palavras de ordem, e como há pouco referiu, acha que Portugal ainda manda alguma coisa? Ainda há decisões que possa sequer tomar?

    Portugal não manda absolutamente nada, Portugal obedece.

    António Garcia Pereira liderou o PCTP/MRPP e foi candidato em diversos actos eleitorais, incluindo à presidência da República. Demitiu-se do partido em 2015, após fortes críticas internas. (Foto: D.R.)

    Embora haja países na União Europeia, e tivemos o caso do Brexit, que têm criticado a forma como a Comissão Europeia e a União Europeia se têm comportado.

    Sim, mas nós não mudámos absolutamente nada; sempre fomos contra a integração de Portugal na União Europeia, e também em relação à Comunidade Económica Europeia [CEE]. Nós dissemos foi que não foi Portugal que entrou na CEE, foi a CEE que entrou em Portugal. Portanto, essas coisas que precisam às vezes de tempo para se perceber, neste momento estamos a perceber quais são as consequências da nossa perda de soberania quando entrámos na UE, e quando perdemos a nossa moeda. Quando passámos a ter o euro, parece que ficou tudo muito satisfeito, ou criou-se a ideia de que estávamos a receber muito dinheiro dos países ricos sem termos que fazer nada; que é uma posição perfeitamente oportunista. Alguns receberão dinheiro, mas enfim. A verdade é que Portugal não tem autonomia absolutamente nenhuma, só tem que obedecer – faz parte de um imperialismo. As pessoas dizem que não são imperialistas, e que até somos um país pobre; mas não é assim. Portugal faz parte do imperialismo, e dentro do imperialismo globalizado, tem uma função; a função que lhe for dada, é essa que ele vai fazer.

    A discussão que está a colocar na mesa não tem sido falada, apesar da gravidade do que se passa a nível da política internacional; o que se tem visto nas campanhas, como referiu, são muitas promessas dos partidos. Os portugueses vão ter o PCTP/MRPP no boletim de voto? Apresentaram listas para estas eleições?

    Sim; embora dentro do partido se tenha discutido muito se este ainda é o momento de concorrermos a eleições, dado o desgaste, a destruição e a desilusão com aquilo que nós chamamos a democracia burguesa.

    (Foto: PÁGINA UM)

    E estão em todos os círculos?

    Não, estamos só em alguns circos. É do conhecimento geral que o partido está a passar por algumas dificuldades internas, e está a tentar reorganizar-se e reforçar-se.

    E em que círculos concorrem?

    De qualquer das formas, no conjunto dos círculos abrangemos, pelo menos, mais de metade da população votante – estamos em Lisboa, Setúbal, Porto, Braga, Aveiro, Beja, Portalegre, Castelo Branco e Europa.

    E que propostas é que têm no vosso programa para os temas que entende serem mais importantes para os portugueses?

    Antes disso, eu ainda gostava de dizer, relativamente à demissão deste Governo, que de facto é inexplicável e cria alguma perplexidade na população sobre como é que um Governo de maioria absoluta cai. Será que cai porque tem de cair, porque é a forma que a burguesia tem de ultrapassar e de se desresponsabilizar da situação que foi criada por este próprio Governo durante dois anos, e que já não tinha grande saída? Quando o Governo caiu, sabemos que tínhamos todos um descontentamento enorme em vários sectores.

    Então, entende que é uma manobra concertada?

    Sim, entendemos que é uma manobra; tal como foi a queda do Governo anterior, esta também foi. Aliás, Portugal está a cair: caiu o Governo da República, o governo das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Isto não pode ser por acaso. Portugal está ingovernável?

    E há dúvidas sobre se vai ser possível formar um Governo depois das eleições.

    Pois, provavelmente, sim; até porque essas dúvidas estão a colocar-se também nos Açores. Houve um partido que ganhou as eleições, e não sabemos se vai haver um governo. Portanto, o mesmo pode acontecer aqui.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas no caso do seu partido, acredita que pode crescer em votos, e que pode atrair com as vossas propostas, mais militantes? Quais são as vossas metas para estas eleições?

    Pode crescer, mas neste momento o nosso partido tem de se reorganizar para os movimentos que vão surgir inevitavelmente no meio da crise que está a acontecer. O partido tem de estar preparado; a revolução não se faz de dentro do partido, faz-se de fora do partido – e sempre dissemos isso. Mas, em relação à Saúde, por exemplo, um aspecto que se estava a falar; o Serviço Nacional de Saúde [SNS] está destruído. Fala-se que tem de ser reconstruído, mas na nossa óptica, neste momento já vai ser muito difícil que ele seja reconstruído porque ele está destruído.

    E também muitos portugueses, aqueles que podem, têm sido empurrados para o privado, não é?

    Mas o SNS foi destruído paulatinamente, sem que se desse conta. Porque o SNS começou a subsidiar os serviços privados de saúde, que se transformaram num negócio. E a partir daqui, se o investimento, que é social, no público, passa por esse público para ir para o privado, o serviço público fica destruído. Falando de forma simples: nós não temos nenhum serviço público, por exemplo, onde se possa ir fazer análises, raio-X, ressonâncias ou TACs; são todos privados.

    As pessoas são encaminhadas para os serviços privados?

    O problema é que as pessoas não dão por isso. Como vão fazer as suas análises aos laboratórios, e muitas vezes não pagam, acham que está tudo bem. Mas esquecem-se de uma coisa: não pagam, mas esses serviços são pagos. E por isso é que estamos a ver todo esse tipo de laboratórios e de meios complementares a crescerem enormemente.

    Além do muito dinheiro que foi gasto e saiu até um relatório do Tribunal de Contas relativamente aos gastos com a pandemia, que foram exorbitantes.

    Exactamente. E eu não faço ideia porque agora não tenho esses dados, de quanto é que, de facto, transita do serviço público para o privado. Mas a verdade é que o serviço público vai encolhendo, à medida que o privado vai alargando.

    Entende então que essa situação devia mudar.

    Acho que ela está catastrófica, é o caos. E é por isso que o Governo também caiu e não tinha interesse em continuar, porque ia continuar para fazer o quê? Não tinha já solução.

    Mas acha que há interesse em mudar?

    Não haverá interesse, mas há interesse em deixar ficar durante algum tempo, até que as coisas estejam completamente arrumadas. Quando dermos conta, já não temos SNS; às tantas, já não vamos ter tempo para o recuperar, pelo menos de uma forma fácil.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Então considera que esta destruição foi propositada?

    Naturalmente; tem a ver com os interesses. Se a Saúde se transformou num negócio, e a própria pandemia veio demonstrá-lo… Porque se a humanidade está em perigo, os laboratórios não estiveram ao serviço da humanidade e desse perigo; estiveram ao serviço dos grandes lucros que tiveram.

    Tiveram e, aliás, nós no PÁGINA UM noticiámos alguns casos desses.

    Qualquer pessoa se questiona se, então, estamos mesmo a trabalhar para o bem da humanidade, e se estamos preocupados com isso – porque não é isso que a realidade nos diz.

    Mas não é o se passa também um pouco no ensino? Tivemos também os professores em protesto. E é sabido que, por exemplo, muitos políticos têm os seus filhos em colégios privados.

    Sim, no ensino é a mesma coisa. Embora eu pense que o nível de destruição no ensino não avançou tão depressa como na Saúde. A Saúde está completamente destruída. Mas são negócios, de facto, que estão em causa. E a verdade é que nunca, a não ser antes do 25 de Abril, nós tivemos hospitais fechados. Para uma mulher grávida, deve ser uma espera angustiante saber onde é que o filho vai nascer, e se a maternidade mais perto estará aberta ou fechada. É dramático quando nós pensamos que os hospitais fecham ao fim-de-semana. Não podem fechar.

    Ou seja, não há segurança para uma mulher que esteja grávida, não sabe o que vai acontecer?

    Ou tem meios – e cá está, a igualdade não existe – ou arranjam meios, porque de facto não querem correr o risco de terem um parto com consequências trágicas. Portanto, até às vezes se empenham para conseguir resolver esse problema. Mas o que é insuportável é pensar que temos serviços de saúde que são necessários 24 horas – porque nós não sabemos quando é que adoecemos – fechados.

    Entende que há um retrocesso?

    Sim, disso não há dúvidas nenhumas. Hospitais fechados era antes do 25 de Abril, que não havia hospitais. Então se vamos comemorar o 25 de Abril, vamos comemorar o quê? Voltamos àquela questão inicial; é apenas uma propaganda, hoje vive-se de propaganda. E os meios de comunicação social, ganharam de facto um estatuto de quarto poder, e criam-se as ideias que se criam.

    Entende que os media, em larga medida, o que fazem é propaganda?

    Uma grande parte, sim. Os media têm chefes, patrões, e donos; portanto, as propagandas também avançam a partir daí.

    Mas também estão em crise agora, não é?

    E criam ideias. Dominam, e depois tudo é discutido na base das ideias criadas.

    Mas é interessante porque muitas vezes é passada a mensagem de que a propaganda é só de regimes ditatoriais, mas não se entende que haja propaganda em governos de países ocidentais.

    O que é mais perigoso, porque nos outros países nós já sabemos que há [risos]. Portanto, aí já estamos alertados. Mas neste pensamos que não, que tudo é natural e tudo é – como se dizia antigamente – a bem da nação. Mas não é; é a mal da nação.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Como é que tem acompanhado estes protestos que têm havido em várias áreas, desde os jornalistas, aos agricultores e às forças de segurança?

    Eu continuo a dizer: é a crise do capitalismo. São as contradições que efectivamente se agudizam, e que não apresentam soluções. Mesmo com os agricultores não é outra coisa. Nós vamos ter um problema entre a agricultura, que está a ser destruída completamente, e tem que ser concentrada – aquilo que a que assistimos nos últimos tempos foi à concentração da agricultura com monopólios, por um lado, e o nascimento de um operariado agrícola. Por incrível que possa parecer; às vezes diz-se que o conceito de operário está a desaparecer, mas não está, pode é alterar-se. Nos campos, o que nós temos com esta agricultura intensiva, nomeadamente do Olival e do amendoal no Alentejo, é o que está a criar isto. Foi a venda de uma grande parte de propriedades mais pequenas para grupos económicos estrangeiros; temos a ideia de que são só espanhóis, mas não são – são angolanos e americanos. E estão a criar um conjunto de pessoas que são operários: alguns, nacionais, e outros, imigrantes, a viver em condições péssimas, como todos sabemos. Em condições degradantes e de exploração. E quando a própria comunidade, na luta pela pseudo energia verde, diz que tem de se cortar até 50% dos pesticidas, está a esquecer-se do que é usado, de facto, nestas culturas intensivas; que é uma brutalidade desse tipo de fertilizantes e que contagia até os outros terrenos que estejam ao lado e que ainda resistam a ser integrados nessas grandes propriedades. Depois, temos uma indústria de distribuição e agroalimentar que vai também sofrer algumas destas consequências. As outras propriedades no norte do país serão um pouco diferentes, mas a tendência, naturalmente, é de centralização e concentração.

    Mesmo nos Estados Unidos tem havido um movimento de determinadas figuras mediáticas a serem compradoras de grandes lotes de terra.

    Sim; e eles têm comprado muito em Portugal, nomeadamente terrenos no Alentejo.

    Agora já não se fala tanto no ambiente, mas sim na questão das alterações climáticas. O que é certo é que ao nível comunitário, se prolongou por mais uma década, por exemplo, o uso do glifosato, que era da Monsanto, e foi comprado pela Bayer, e que é perigosíssimo. Portanto, em relação a algumas coisas, não bate aqui a bota com a perdigota.

    Podem dizer que nós repetimos a cassete, mas para nós, a questão de fundo continua a ser o sistema capitalista e o modo de produção capitalista, que está esgotado e tem de ser substituído. É normal; tem a ver com a história. Os modos de produção vão-se sobrepondo; o modo de produção capitalista está esgotado, e tem que dar origem a um novo modo de produção. Há essencialmente duas riquezas, como nós dizemos: a natureza e o trabalho. Sendo que o trabalho é a forma como o homem utiliza instrumentos para retirar a riqueza da natureza. Está tudo aí. E aquilo que se chama a economia verde, muitas vezes, mais não é do que outro negócio.

    Como a questão de se substituir um carro a combustível por um eléctrico…

    Ora aí está; que parece que não vai ser uma coisa melhor, e não está a ser fácil. É, na mesma, a sociedade de consumo e a utilização da natureza até às últimas consequências. Agora vamos ter uma luta para recorrer a novas matérias que serão necessárias para novas tecnologias; mas nada é feito em termos de planeamento ou de respeito pela natureza. E todos estes desastres climáticos que estamos a ter, têm a ver com a falta de respeito que houve pela natureza e com o esgotar dos recursos.

    (Foto: D.R./PCTP-MRPP)

    Mas os avisos já existiam e muitas das pessoas que estão na política hoje, na Europa e em Portugal, já estavam na política nos em que começaram os avisos. Portanto, não é de agora.

    Claro que não; foi desde sempre. O Friedrich Engels também já falava nisso há muito tempo, com A dialética da Natureza.

    Também se viu, nos últimos anos, um enorme recuo ao nível dos direitos humanos, em vários países, com medidas repressivas que, entretanto, se percebeu que muitas foram erradas. Têm vindo a ser aprovadas, a nível comunitário, novas regulamentações sobre os direitos digitais e a imprensa, mas que vêm condicionar a liberdade de imprensa e de expressão. Como é que vê esses sinais?

    Eu acho que nós temos a realidade impor-se. O que é que se passa na Palestina?

    Ou seja, os direitos humanos é só de vez em quando?

    É, quando convém, e de formas diferentes. Nós estamos agora a vivenciar a hipocrisia que existe relativamente aos direitos humanos. Porque está a haver um genocídio; não temos dúvidas nenhumas. E até tivemos o nosso Presidente da República – um dos primeiros Presidentes da República – a apoiar Israel. Ele podia ter estado calado nessa altura; esperava, pelo menos. Mas não! Cá está: Portugal é o bom aluno, e tem de se pronunciar em primeiro lugar. Portanto, quanto à forma como se vê os direitos humanos, eu penso que basta olhar para o que está a acontecer. Em que os países que podiam, e deviam, ter uma palavra a dizer, não o fazem. Porque acham que Israel tem que se defender; e em nome desse princípio que impõem, pode matar milhares e milhares de civis e não há problema nenhum.

    Portanto, choca-a esta forma como o Governo, o Presidente da República, e até a própria União Europeia se tem posicionado nesse tema?

    Sim; todos foram a Israel: o Presidente da República, o Parlamento, todos. E tiveram necessidade de o fazer – essa é a questão. E o Presidente da República ficou numa situação muito difícil com as posições que tomou – essas e outras. E já não sabemos se este Novembro de 2023 estava a ser tão constrangedor para uma série de poderes em Portugal; e que juraram inclusivamente esta demissão. Portanto, tivemos quase três poderes metidos no meio de uma demissão, que não vai alterar absolutamente nada.

    (Foto: PÁGINA UM)

    E o próprio Presidente da República esteve envolvido num escândalo.

    Exactamente. Isto é a tal corrupção – continuo a dizer – inerente ao sistema e ao facto de termos recebido tantos milhões. Criaram-se tantas comissões para fiscalizar, fiscalizavam-se uns aos outros.

    E para os portugueses, em que é que se traduzem esses milhões?

    Em nada. Nós temos uma crise de habitação dramática, com consequências incalculáveis. Não há casas, pura e simplesmente. A habitação é um direito, que está na Constituição, e aquilo que nós vemos é que não há, nem foi construído, nem planeado. E isso é grave.

    E as que existem, os portugueses não conseguem pagar.

    Não têm acesso a elas. Nós estamos de facto num sistema que se baseia na lei da oferta, no negócio e na mercadoria; mas nós temos uma oferta que está inquinada. Para já, houve políticas que não planearam habitação social, nem tiveram isso em conta. E agora querem resolver o problema com arrendamentos que nem se sabe como se vão fazer, e nem sequer se há condições ou um número de habitações para isso. E este ano, houve um dos maiores aumentos ao nível das rendas. Neste momento, não é possível aos portugueses arrendarem uma casa em Lisboa, porque também têm uma concorrência com estrangeiros que vêm viver e trabalhar para Lisboa e que têm facilidade em pagar rendas acima dos 1.000 euros.

    Portanto, a vossa visão é que o Estado deveria chegar-se à frente?

    Sem dúvida, e a questão que se coloca é porque é que não o fez. Porque já fez dois anos que recebeu milhões do PRR, em que o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana [IHRU] era uma das instituições que deveria ter resolvido o problema, e não fez nada. E já vamos no terceiro ano, porque isto vai terminar em 2026. Portanto, faltam dois anos. O que é que aconteceu ao dinheiro?

    Acha que é uma questão ideológica de não se querer do Estado, e querer que sejam os privados a resolver?

    Pode ser. Mas é sobretudo uma questão de negócios.

    Voltamos ao mesmo?

    Sim. Porque, no fundo, como é que está a ser executado o PRR? Quem são as empresas que beneficiam? E beneficiando, como é que o estão a aplicar? De facto, há três sectores que chegaram a um estado de destruição quase total com as políticas deste Governo de maioria: a habitação, a saúde e o ensino.

    E na saúde temos um excesso de mortalidade assustador. Portugal é dos países da Europa com o maior nível de excesso de mortalidade, e o Ministério da Saúde não quer investigar.

    Não quer investigar, mas sabe.

    Sim, tem as suas bases de dados anonimizadas, que podem perfeitamente ser disponibilizadas, e nós no PÁGINA UM temos uma acção em tribunal para que essas bases de dados sejam disponibilizadas.

    Exactamente, e devem ser. Nós continuamos a dizer o mesmo que no princípio: o Serviço Nacional de Saúde está destruído.

    Uma foto de Arnaldo Matos, fundador do partido, em destaque no hall de entrada da sede do PCT/MRPP.
    (Foto: PÁGINA UM)

    Portanto, os portugueses também não estão a ter acesso a cuidados de saúde.

    Não, não estão. E quando os obtêm, já é em situações que às vezes são reversíveis. Há pessoas que estão à espera de operações e de outras intervenções; não é só as horas que se espera na urgência; não há acompanhamento.

    E como dizia antes de começarmos esta entrevista, nem para se nascer, nem para morrer em Portugal, as coisas estão bem.

    Sim; é dramático. E vai chegar a uma altura em que é insustentável. E aí, as coisas rompem.

    Quando fala, sentimos que pode não haver já solução. Em todo o caso, vê que há uma possibilidade para Portugal de travar um bocadinho esses movimentos, também em termos de uma Terceira Guerra Mundial, mas não só?

    Não vai travar absolutamente nada; porque estão em causa forças maiores que querem sobreviver, e que só podem sobreviver por aí.

    E há alguma coisa que os portugueses podem fazer no sentido de dar a volta a isto e tentar resolver algumas questões?

    Têm que se consciencializar de como é que vão resolver as questões, e de retirar algumas lições do que vai acontecendo. Porque os portugueses vão perceber. Vão perceber que lutam por isto, que tentam alterar e que já votaram não sei quantas vezes, só nos últimos tempos, e que isto está podre. Ninguém vai acreditar que todas estas propostas e ofertas que estão a ser feitas são para ser concretizadas; elas são feitas para se chegar ao poder e ver quem é que consegue enganar melhor. Uma vez lá instalados, vai acontecer a mesma coisa. Até porque nenhum dos partidos que estão a concorrer, desses que fazem as grandes propostas e que acham que de facto vão chegar ao poder, pode dizer com certeza que o programa que estão a apresentar vai ser o programa que vão concretizar. Porque eles não sabem sequer se vão governar sozinhos, nem com quem se vão aliar.

    (Foto: D.R.)

    Mas os dois grandes partidos já indicaram, pelo menos a AD e o PS, que há aquela linha vermelha em relação ao Chega. Como é que vê as sondagens que apontam para um crescimento do Chega?

    Oh, as sondagens nunca são assim tão seguras quanto isso; depende dos grupos que são sondados e depende, inclusivamente, daquilo que o sondado quer dizer.

    Portanto, podem ser enviesadas?

    Podem. Há também problemas a nível da comunicação, porque a comunicação não sabe o que o povo sente.

    Foi a comunicação social e alguns partidos que fizeram o Chega. E, portanto, até lhes dá jeito. Porque podem tentar dizer que se não ganharem eles, vai ser o Chega e vai ser uma desgraça. Mas foram exactamente eles que fizeram o Chega dessa forma. A comunicação social e os comentadores, porque vivem numa bolha, acham que aquilo que eles dizem é o que a população pensa. E pensam também que a maior parte das pessoas são influenciadas por aquilo que eles dizem; mas a vida das pessoas é diferente daquilo que os comentadores pensam.

    As pessoas têm uma vida difícil, chegam ao fim do mês e não têm dinheiro para pagar as despesas. E sabem que não têm direito à saúde, que esse bem não está garantido, que têm problemas com a habitação e com a educação; isso elas sabem. E quando muitas vezes contestam, no sentido imediato, e dizem que algo está mal, podem não saber ainda o que querem, mas sabem que não querem isto. Ora, se há um partido populista que diz que algo está mal, é normal que algumas pessoas concordem.  E, portanto, o Chega, que não tem um programa, propriamente…  Porque apontam para o que está mal, mas qual é a proposta do Chega? Eles têm de dizer claramente como é que resolvem estes problemas, e qual o modelo de saúde que querem. Porque nós não temos problemas nenhuns que nos acusem de querer o desenvolvimento do Estado social – não é isso que nós queremos, mas entre o que queremos, e o que temos, queremos isso. E não temos problemas nenhuns em que haja meia dúzia de comentadores que defendam, por oposição, a liberalização e a iniciativa privada; nem ficamos sequer incomodados que tentem fazer crer que as nossas ideias são uma coisa do passado.

    Também há a questão da imigração, e partidos que defendem um maior controlo, mas temos também uma grande emigração dos jovens. Quer deixar uma mensagem aos jovens, sobretudo os que têm estado a sair do país?

    Pois estão, e vão continuar a sair; estou convencida de que a emigração aumentar. E a imigração também vai aumentar porque também nos faz falta. No fim de contas, voltamos a ter as tais contradições: nós temos desemprego, temos jovens qualificados a sair, e em igual proporção, temos imigrantes a entrar. É quando estas contradições são insanáveis, que as coisas têm que rebentar. Porque os portugueses não podem ir trabalhar para fora, para depois haver necessidade de uma mão-de-obra barata – e é o que está a acontecer. Os imigrantes vêm trabalhar, sujeitos a ordenados baixíssimos e a uma exploração intensíssima. Mas eles geram lucro suficiente para o pagamento que se lhes dá, e para os subsídios que são dados, em alguns casos, em Portugal. Nós somos contra esta história dos subsídios; não tem que haver subsídios. As pessoas têm de trabalhar por um ordenado digno, que lhes permita viver. E como os governos não querem fazer isso, temos de recrutar mão-de-obra barata, explorada, e colocar gente em situações indignas.

    Um dos murais que trouxeram fama ao PCTP/MRPP (mural sem data, nem local). (Foto: D.R.)

    Pensa que é um sinal também da decadência daquilo que existe em alguns países ocidentais?

     É, e vai ter consequências. Porque é muito bonito estarmos a dizer que ainda bem que os imigrantes cá estão, porque são eles que estão a sustentar a Segurança Social… Isso é um facto. Mas será bom para o desenvolvimento do país? Se calhar, não é. Não pode ser visto como algo bom, quando enviamos para fora os nossos.

    Portanto, é algo que também tem que se repensar?

    É uma contradição que, de facto, tem de ser resolvida. Mas ainda bem que os imigrantes estão cá, e nós não queremos que eles estejam nas condições em que estão; porque depois são problemas sociais atrás de problemas sociais. E se, inclusivamente, houve acordos para que alguns contratos fossem feitos em termos de imigração, esses acordos têm de ser respeitados. E não são; como nós vimos. E é preciso, de vez em quando, sair esses alertas para nós abrirmos os olhos e verificarmos que as coisas não estão a correr bem.

    Portanto, há muito para fazer?

    Há muito para fazer, porque há muito mal feito [risos].

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto.


    Veja AQUI a página na Internet com informação do PCTP/MRPP.


  • ‘Não podemos continuar a apostar em agricultura intensiva. Temos é de continuar a apostar na produção nacional’

    ‘Não podemos continuar a apostar em agricultura intensiva. Temos é de continuar a apostar na produção nacional’

    Voltar a ter deputados eleitos na Assembleia da República é o principal objectivo do Partido Ecologista Os Verdes, que foi fundado em 1982. Mariana Silva, 41 anos, é uma porta-voz do PEV e membro do Conselho Nacional e da Comissão Executiva do partido que concorre a eleições na coligação CDU-Coligação Democrática Unitária, com o Partido Comunista Português. A professora, natural de Guimarães, e antiga deputada do PEV, defende que faz falta uma voz ecologista no Parlamento português. Diz ainda que Portugal deve parar de querer ser o ‘bom aluno’ e aplicar cegamente as políticas ambientais e agrícolas que são impostas pela União Europeia, devendo, antes, defender mais os agricultores e as populações. Esta é a 16ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE MARIANA SILVA, PORTA-VOZ DO PARTIDO ECOLOGISTA OS VERDES, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Qual é a situação actual do seu partido, nomeadamente naquilo que são os objetivos agora para estas eleições legislativas?

    Nós não temos líder politico; temos é o Conselho Nacional e a Comissão Executiva. Eu pertenço aos dois, mas sou candidata pelo círculo de Lisboa. E os Verdes fizeram em Dezembro 41 anos. Por isso, temos já uma longa história na defesa da Ecologia, do Ambiente, e da biodiversidade em Portugal. E ficámos fora do Parlamento nas últimas eleições, e este será o nosso grande objectivo destas eleições: voltar à Assembleia da República [AR] e poder, continuar este trabalho num outro patamar; porque este trabalho continua nos colectivos regionais, e em todo o país junto das populações – como é nosso apanágio e como sempre trabalhámos, e só sabemos trabalhar dessa forma.

    Até porque têm muitos candidatos eleitos em termos de autarquias, e vários órgãos autárquicos.

    Sim, exactamente; vereadores e também eleitos em assembleias de freguesia. E por isso esse trabalho continuou, mas todos reconhecemos que é importante ter um grupo parlamentar e estarmos representados na AR. E aquilo que nós identificamos enquanto partido, e que as pessoas nos dizem quando nos procuram para ajudar a solucionar os seus problemas e resolver os problemas locais ou até nacionais, é que nós fazemos falta. Faz falta uma voz ecologista no Parlamento e, nestes dois últimos anos, essa falta sentiu-se. E por isso era necessário retomarmos o nosso trabalho e voltarmos ao Parlamento para podermos dar continuidade a muitos dos projectos que temos em cima da mesa. Como sabemos, as alterações climáticas são uma questão de que falamos há anos, mesmo quando tínhamos os velhos do Restelo a dizer que estávamos a fantasiar um problema.

    Mariana Silva, na sede do PEV. (Foto: PÁGINA UM)

    Hoje, felizmente, já não se diz isso, nem se pensa, mas continua a ser difícil a concretização de medidas que possam mitigar e controlar as alterações climáticas. E nós precisamos também de dar continuidade a estes projectos que tínhamos em cima da mesa e que temos ao longo dos anos vindo a trazer; para que, com a ajuda de reflexão de movimentos, associações, debate, e de conversa que também nos permite ter um contacto real com as questões, e poder dar-lhes as soluções que são necessárias. E depois, podia falar também dos problemas que afectam hoje a maioria dos portugueses: a habitação, o Serviço Nacional de Saúde [SNS], a escola pública – em todas estas áreas, os Verdes têm trabalho e será neste âmbito que nós concorremos também nestas eleições legislativas de 2024.

    Quando se ouve falar em Ecologia, e em defesa do meio ambiente, normalmente pensa-se apenas em florestas e a biodiversidade de animais, mas Ambiente é tudo. Neste âmbito, algumas das propostas que têm também abrangem, como referiu agora, temas que têm estado no centro de preocupações dos portugueses, como a crise na habitação. Que propostas é que têm para este problema?

    Relativamente à crise da habitação, nós temos como propostas interromper a especulação imobiliária, controlar as rendas e aumentar o parque habitacional do Estado, para podermos de alguma forma dar resposta a este problema que enfrentamos hoje em todo o país e que traz graves problemas à economia familiar e aos portugueses. Há pessoas que até têm dois empregos para poder fazer face a este custo de vida e ao aumento das rendas. Os créditos à habitação também subiram muito e isso trouxe graves problemas para as famílias portuguesas, e por isso é preciso pôr aqui um limite e trazer de novo uma acalmia na economia de cada um de nós para podermos realmente viver e não sobreviver. Esta também é uma das nossas lutas: nós não não temos que sobreviver, não é o que nos espera de futuro; mas sim viver e usufruir. E por isso, podemos trabalhar para termos as condições dignas e os nossos direitos garantidos, mas precisamos que as leis também estejam aplicadas a continuarmos neste caminho de vivermos de forma saudável. E há pouco dizia que o ambiente é tudo, e é mesmo. Nós dizemos que só temos este planeta, e temos que o deixar, senão em melhores condições, pelo menos em bom estado para as gerações que vêm a seguir. E eu acho que esse é o grande momento de viragem que estamos a sentir agora – e que acho que veio um bocadinho com a covid-19 – que é percebermos que tudo está interligado.

    Se nós tivermos uma natureza que não está protegida, e uma fauna que não está protegida, e que não haja um desenvolvimento para a sua protecção e conservação, isso, de alguma forma, vai afectar também a saúde dos seres humanos. Isto está interligado; e por isso também precisamos de uma natureza, de uma floresta reforçada autóctone para que a fauna e a flora possam desenvolver-se de forma adequada para depois não afectar os seres humanos. Mas, por outro lado, temos os seres humanos a destruir tudo isto. E por isso, precisamos realmente de passar a mensagem às pessoas de que o Ambiente não é os passarinhos e as árvores – o Ambiente e a Ecologia são muito mais; é nós sabermos estar junto da natureza, usufruir dela, mas também protegê-la, porque só temos este planeta e por isso temos de o proteger.

    E se pensarmos na água, nesse bem essencial à vida, conseguimos ter uma ligação ainda mais próxima com aquilo que são os problemas ambientais e a defesa do Ambiente. A água é um bem finito e por isso precisamos também de o proteger, e em algumas partes do nosso país, as pessoas já sentem no seu dia-a-dia a falta de água e os transtornos que traz. E por isso, há anos que lutamos: não queremos a privatização da água, a água tem de ser pública. Os rios, ribeiras, as nossas linhas de água – tem que haver um maior investimento na sua despoluição. E temos também de ter uma agricultura que não tenha tanta necessidade de água, e por isso há um longo caminho ainda a percorrer para que possamos proteger a natureza e a nós próprios.

    Eu que nasci em Abril de 1974, desde pequena que oiço falar em Ecologia e em desertificação. No entanto, passados 50 anos, parece que está tudo igual ou até pior. E apesar de hoje haver um maior foco e na questão da protecção do Ambiente, o que é certo é que há muito por fazer naquilo que são esses desafios, e eventualmente perigoso, por exemplo, se não acautelarmos a questão da gestão da água, não é?

    Exactamente. Mas aquilo que verificamos é que existem os planos, a reflexão e os estudos, mas depois são guardados na gaveta e não são postos em prática; e isto é uma opção política. Nós percebemos – e temo-lo dito também nesta campanha e já dizíamos nas outras – que é preciso reforçar os deputados da CDU na AR, para que possamos fazer esta pressão sobre a aplicação destas leis: a Lei de Bases do Clima, Regulamento do Arvoredo Urbano, e de Gestão da Água Pública.

    Há um conjunto de medidas e de investimentos que deveriam estar a ser aplicados e feitos, e não estão. E por isso, dependemos muito da pressão que possa ser feita sobre o futuro Governo, para que possa realmente aplicar estas medidas. Nós não precisamos das ”COPs” [conferências do clima] para nos dizer o que temos de fazer no futuro; nós sabemos o que temos que fazer. Esta questão da poupança da água é muito direccionada para o indivíduo; mas as grandes produções, como do abacate, que não são autóctones, e todos os hectares de amendoeiras e de Olival, e esta agricultura intensivo, prejudicam naquilo que deveria ser uma boa gestão da água em regiões onde ela já não é tão abundante. Por isso, precisávamos de outras opções políticas e de outras gestão daquilo que é a nossa agricultura e os nossos projectos agrícolas para o país.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Ou seja, também um planeamento mais vasto?

    Há um planeamento mais vasto, só que não depois, não é aplicado; porque há outros interesses e é contra estes interesses que nós lutamos. Por exemplo, a monocultura do eucalipto, que nós conseguimos, de alguma forma, travar, com o acordo conjunto com o Partido Socialista [PS]; houve alguma evolução e também não podemos dizer que não, e sermos catastróficos e achar que isto está tudo mal. Houve uma evolução, e é um caminho que tem de seguir, mas não deixa de ser interessante que este Governo de maioria PS caia por dois projectos ambientais – a exploração de lítio e o hidrogénio. Não deixa de ser interessante que estejamos agora em eleições antecipadas por causa do Ambiente, apesar daquilo que se vai dizendo à nossa volta de que as pessoas não estão interessadas no Ambiente e querem é pôr comida na mesa; e que é verdade.

    Estamos numa altura em que o nosso salário não chega ao fim do mês, os bolsos rapidamente se esvaziam e as famílias precisam de fazer face às contas que têm de pagar ao fim do mês. Mas é preciso também olhar para as questões ambientais porque também vão ajudar na economia do país; não podemos continuar a apostar em agricultura intensiva que nos vai prejudicar depois nos solos, e que daqui a uns anos já não podemos produzir nada ali.

    Temos é de continuar a apostar na produção nacional, em produtos autóctones que nos permitam também desenvolver a economia do país, e ao mesmo tempo, respeitar o Ambiente, utilizando algumas práticas agrícolas que sabemos serem mais respeitadoras e que conseguem equilibrar tudo isto. Porque não vamos ser radicais e dizer que não vamos produzir nada porque precisamos de produzir, mas também não devemos produzir de forma desadequada, que nos vai trazer problemas de future.

    É este equilíbrio que temos de procurar para o nosso país, e que as políticas ambientais sejam mesmo concretizadas. E também há uma falta de técnicos e de funcionários nas estruturas responsáveis, como a Agência Portuguesa do Ambiente [APA], a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária [DGAV] e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas [ICNF] – todos eles precisam de ser reforçados porque cortaram-se ”gorduras” em 2015, que agora fazem falta. E era o que dizíamos naquela altura: não eram gorduras, eram trabalhadores que faziam falta estas estruturas, para poderem fiscalizar nos locais e no território, todos estes projectos tão necessários, que podem depois ter implicações ambientais.

    Falando com diversos líderes partidários e peritos em diversas áreas, a fiscalização em Portugal parece ser um grande problema. Mas essa fraca fiscalização não favorece determinados negócios e negociatas que podem não ser tão bons para a população? E eu prefiro dizer população em vez de Ambiente, porque não distingo entre Ambiente e população.

    Exactamente; e é correcto, porque a população está implicada em processos que em nada a vão beneficiar, apesar de lhe venderem essa ideia de que vai ser benéfico. Nós não somos contra a exploração de minerais – excepto do urânio – porque sabemos que têm de existir, mas têm que respeitar as regras e ser transparentes. E por isso não ficámos surpreendidos quando estas questões vieram para cima da mesa e fizeram cair o Governo. Nós sempre questionamos a transparência destes processos, sobretudo do lítio; em que não havia transparência nem envolvimento da população, e era necessário explicar muito daquilo que estava a ser planeado para aquele território. E um território como Boticas, classificado como terreno agrícola de qualidade mundial. E quando olhamos para a agricultura de montanha, que é um importante sumidouro de dióxido de carbono [atividades em que as quantidades de carbono absorvido são maiores do que as emissões] e traz um contributo muito grande para as metas de descarbonização a que Portugal se propõe para 2030, não percebemos quais, afinal os interesses.

    Tudo isto foi questionado ao ministro do Ambiente na altura, e sobretudo, as questões de falta de transparência e de envolvimento da população; porque a população é o garante da tradição cultural e de tradições que, se as perdermos, nunca mais vamos conseguir retomar.

    Além disso, são populações já muito castigadas pelas opções políticas ao longo destes anos – já não têm um centro de saúde, autocarros, nem mobilidade e a escola pública, de onde os mais jovens foram obrigados a sair por não ter acesso a estes serviços. E agora, ainda querem destruir a única coisa boa que eles têm, que é a paisagem, a montanha ou a agricultura e a produção de gado. Há todos estes interesses que se sobrepõem ao interesse das populações. Nós fomos sempre contra isso, e continuaremos a ser.

    Sede do PEV. (Foto: PÁGINA UM)

    Alguns reguladores e organismos funcionam um bocadinho como um travão para que se tomem mais decisões em termos de Ambiente, e falou na APA, por exemplo, e no ICNF. Mas não deveria haver também uma menor influência política nesses organismos?

    Vejamos: quando o PS pediu aos portugueses a maioria absoluta e termina desta forma… A primeira coisa que fez foi o Simplex Ambiental, que prejudica imenso o Ambiente e a protecção e a conservação da natureza, porque põe em causa tudo o que seria o estudo do impacto ambiental de diferentes projectos e dá simplesmente os espaços aos promotores desses projectos; e isto não pode acontecer. Quando falamos, por exemplo, na exploração de minerais como o lítio, estamos a falar de subsolo, e de quem é o subsolo? É de todos nós. Se entregamos a investigação do subsolo e das riquezas que lá se encontram a uma empresa privada, nunca vamos saber aquilo que temos no nosso subsolo, nem conhecemos a nossa riqueza porque estamos dependentes daquilo que a empresa privada nos vai dizer que lá existe.

    Como os Verdes já disseram, precisamos, primeiro, de saber o que temos de riquezas, e no nosso subsolo, e que mais-valias traz para a economia do país esta riqueza. E depois, perceber se até pode ser o próprio Estado a explorer, ou se pode ser concessionado. E aquilo por que nós nos ontinuaremos a bater é que estas estruturas do Ministério do Ambiente têm de estar reforçadas e ter a liberdade de poderem trabalhar para proteger aquilo que é da sua responsabilidade: as florestas, as minas, os animais, a fauna. Por isso, precisamos que eles não digam que não podem ir ao terreno porque não têm combustível ou não têm carros, porque todo o seu material está obsoleto.

    A investigação para perceber se a água está poluída ou não, não pode ficar com os privados porque já vimos no que dá – como naquele famoso caso em que a água afinal estava poluída e as pessoas estavam a consumi-la. Precisamos de laboratórios onde se possam fazer essas investigações, porque o Estado tem de ter acesso a esta informação, e tem de ser o dono da informação e perceber até onde é que pode ou não pode ir, e proteger aquilo que é o bem de todos. Porque quando dizemos que vamos explorar o lítio em Montalegre ou em Boticas, ou que vamos colocar as eólicas offshore no nosso mar, e vai prejudicar aquela população, prejudica também o país.

    Nós não podemos achar que a seca no Algarve, só afecta quem vive no Algarve; afecta todo o país – economicamente e até para depois para as políticas que se aplicam. Por isso, é preciso olhar para tudo isto como um todo. A transição energética e a descarbonização têm de ser feitas, mas não é à custa da natureza, outra vez.

    Há vozes que dizem que a questão das alterações climáticas tem estado a ser um pouco usada como desculpa para algumas políticas que têm sido prejudiciais. Atribui-se às alterações climáticas a culpa de algumas coisas que têm estado a acontecer, mas será que algumas não são fruto de medidas erradas que foram tomadas ao longo de décadas?

    Sim; mas as alterações climáticas também são fruto daquilo que foi o comportamento do ser humano em todo o mundo. Mas se outrora não se ligava e não se tinha esta preocupação tão presente, agora é Ambiente e tudo se justifica; basta pintar de verde a medida e a coisa já pode passar. E isso também nos preocupa, por isso é que temos de estar sempre atentos a este problema. Porque quando os Verdes propõem, por exemplo, que se acabe com o sobre-embalamento dos produtos, que não faz sentido; porque quando chegamos a casa, temos um saco de lixo maior do que o espaço que ocupamos nos nossos armários com os bens alimentares. E nós sabemos que as empresas têm essa capacidade de fazer esta evolução para um material mais indicado ou até para material nenhum, porque há alimentos com várias embalagens sem que haja necessidade disso. Por isso, há que resolver este problema de estarmos sempre a criar e a trazer mais produtos para o nosso dia-a-dia.

    Quando se propõe que quando vamos buscar uma refeição possamos levar a nossa própria embalagem, é também enfrentar as empresas que produzem embalagens descartáveis, e que não podemos reutilizar. Portanto, há um duplo problema de querermos ter no nosso dia-a-dia todas estas facilidades de poder comprar um produto e trazê-lo para casa sem ter de andar com tudo atrás de nós, mas ao mesmo tempo, estarmos a criar resíduos e a criar um outro problema de onde é que vamos pôr esses resíduos e como os vamos tratar. E Portugal não cumpre as metas, por isso temos este problema muito presente na nossa sociedade.

    Aquilo que nós defendemos é que não é necessário continuarmos a criar produtos, e podemos viver o nosso dia-a-dia mudando alguns comportamentos; mas só os podemos mudar se não nos impingirem estas embalagens e estes produtos. Mas não deixa de ser engraçado que tudo seja atribuído ao indivíduo: as pessoas é que têm de fechar a torneira enquanto lavam os dentes, têm de tomar duches rápidos, levar o saco para o supermercado… Parece que nós é que temos a culpa, quando as grandes empresas é que também nos sobrecarregam com a ilusão da necessidade daqueles produtos. E precisávamos mesmo de fazer um caminho de sensibilização; e a educação ambiental nas nossas escolas, que está um bocadinho esquecida, precisava de ser retomada, para sensibilizarmos os mais jovens, futuros adultos, para as questões ambientais. Mas, precisávamos também que as empresas correspondessem e não tivessem apenas medidas que são, muitas vezes.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Como é que se pode pedir aos cidadãos que adoptem novos comportamentos, se depois vemos politicos autorizarem o abate de árvores protegidas, ou mesmo eventos internacionais sobre o Ambiente, para onde vão todos aqueles políticos e bilionários nos seus jactos privados? E em cima disso, ainda falam constantemente em mais impostos para o cidadão. Isto não são mensagens difíceis para a população de integrar e para que altere o seu estilo de vida?

    Exactamente, mas isso também o Partido Ecologista os Verdes tem dito: os países ricos podem poluir porque podem pagar; isto não é correcto, porque um país mais pobre que não possa pagar, não pode poluir. Não faz sentido nenhum. E no caso do indivíduo, também não faz sentido que seja o responsabilizado e taxado com mais impostos para que mude o seu comportamento ou tenha uma consciência ambiental mais desenvolvida. A questão é mesmo a de não se sobrecarregar as pessoas com esta ideia de que têm comprar porque se não o fizerem já não têm correspondência na sociedade; como é a questão da roupa, porque amanhã já há qualquer coisa nova.  

    Nós nascemos em 1982, quando estes problemas não estavam tão presentes, mas a Constituição da República Portuguesa era muito avançada e no seu artigo 66 já falava do direito ao ambiente sadio. E a necessidade de se lutar e defender o Ambiente já existia nessa altura, sobretudo com as indústrias, a poluição das linhas de água, e outras questões que já se iam colocando e que as pessoas já iam reflectindo. E agora, nós mantemo-nos neste caminho de ser possível fazer-se de forma diferente, com opções políticas diferentes, mas com outros desafios. Eu poderia falar também da mobilidade, que é tão importante para nós, nomeadamente a questão do carro eléctrico: nós somos contra o carro eléctrico. Tem de haver uma solução ao combustível fóssil, mas não queremos substituir 500 carros a combustível fóssil por 500 carros elétricos – assim, vamos manter os problemas, e se calhar até agravá-los.

    É o tal incentivo ao consumo de que falava, e que não pode ser a resposta.

    Exactamente; porque traz outros problemas; como a exploração do mineral, a questão de para onde vão as baterias, a reciclagem deste material que ainda não está desenvolvido, e continuamos com o problema do estacionamento, e com as estradas cheias de carros. Vamos continuar a perpetuar problemas que queremos contrariar; e todos os planos de mitigação das alterações climáticas referem que o desenvolvimento para o futuro é o transporte público, e que a solução para o futuro é o transporte público colectivo.

    Portugal, que é um país pequeno, não apostou na ferrovia, nem nos transportes públicos, mas sim nas estradas, que temos muitas, e incentivou a compra e o uso de carro.  As populações no interior não são bem servidas por transportes públicos, mas o país está a discutir o carro eléctrico, o TGV e o novo aeroporto. Como é que esta situação?

    A questão é que fomos alternando entre PS e PSD ao longo destes anos, e as opções políticas foram estas: o desinvestimento na ferrovia, no transporte público, e naquilo que era o desenvolvimento das populações de forma a terem acesso ao direito à mobilidade. Porque o direito à mobilidade, depois, dá-nos o direito à Educação, à Cultura, à Justiça, à Saúde; se eu não tiver esse direito garantido, não consigo garantir todos os outros.

    Aquilo que acontece em Portugal, muitas vezes, e que quem vive nas áreas metropolitanas se esquece, é que fora destas áreas não existe transporte público. Mas, mesmo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não são servidas todas as áreas. Há muitas dificuldades nos concelhos mais distantes do centro, que não têm horários nocturnos de autocarro e ao fim-de-semana, e por isso ficam isolados, apesar de estarem no distrito de Lisboa. Parece uma ideia que não se concretiza; porque em Lisboa há tudo, desde barco, a comboio e eléctrico, mas só há numa área muito restrita.

    Nestes últimos anos, com o passe social intermodal – que era uma luta antiga nossa e que se dizia ser uma utopia, mas foi possível – a 20 e 40 euros, as pessoas podem-se deslocar dentro do distrito de forma livre sem  terem de ser tão dependentes do veículo individual. E precisamos de alargar esta medida para todo o país. Quando esta medida foi implementada nas áreas metropolitanas, foi possível perceber que problemas é que se enfrentaram, e agora, os outros concelhos podem aplicá-la, já com esta informação e experiência de outras áreas.

    Mas o isolamento é muito real no nosso país; há localidades que só têm transporte durante o período escolar, e há outras que não têm de todo. E esta foi uma luta e uma questão que levámos muitas vezes à AR e para a qual precisamos de olhar. Mas quando falamos, por exemplo, de ferrovia, fala-se tanto de alta velocidade e do plano nacional ferroviário, mas quem estiver atento sabe que o plano ferroviário de 2020 não está cumprido sequer, e ficou muito aquém das expectativas e daquilo que estava projectado.

    Quando nós pensamos que a Linha do Oeste ainda não está electrificada, nem do Algarve ou do Douro, nós temos é de olhar primeiro para esta condição da ferrovia em todo o território; para depois, pensarmos em algo mais desenvolvido, como uma alta velocidade ou uma linha nova de Lisboa-Porto, que é necessária, ou até para fora da Europa. Mas há ainda muito a fazer nas localidades e no desenvolvimento da ferrovia a nível nacional; só que, depois, as grandes parangonas é que soam aos ouvidos e acha-se que a alta velocidade é que vai solucionar tudo, quando ainda estamos muito atrás e ainda precisamos de investir nas linhas que as pessoas usam no seu dia-a-dia.

    Campanha nas eleições autárquicas de 2017. (Foto: D.R.)

    E que, depois, poderia ter também um impacto no crescimento económico e em fixar a população em determinadas zonas do país.

    Sim; a ferrovia sempre teve esse papel de fixar as pessoas em determinadas regiões, e poderá voltar a ter. E até poderia ter também um reflexo na habitação, porque as pessoas podem ir morar para outros lugares. Este investimento tarda, e já deveria estar feito porque já está planeado – lá está, os tais planos que não saem da gaveta –, o investimento também estava já planeado e já se sabia quanto é que se pretendia gastar. Mas depois, há outras opções políticas erradas destes partidos que têm estado no Governo, o PS e o PSD, e que não pretendem resolver, de todo, o problema do direito à mobilidade, que nos dá a garantia de um melhor ambiente; porque esta questão do passe social intermodal veio tirar milhares de carros das nossas estradas.

    Por isso, podemos considerá-la uma das maiores medidas de defesa do Ambiente dos últimos anos, senão a maior de sempre. É preciso olhar para estas medidas e, como dizíamos no início da nossa conversa, o ambiente é muito mais do que as árvores e os passarinhos. Nós precisamos de dar condições de vida às pessoas e de garantir estes direitos para que elas possam estar mais conscientes e sensibilizadas para estas causas e para aquilo que é necessário para deixarmos um futuro melhor.

    Um dos alertas que o vosso partido tem feito ao longo do tempo tem a ver com o combate à promiscuidade entre politicos e grandes grupos económicos, também com os grandes lucros que a banca tem tido, com um grande empurrão do Banco Central Europeu. Mas têm alertado também para a corrupção, que acaba por afectar até as decisões que têm impacto ambiental. Isto continua a ser algo que pretendem denunciar e combater?

    Sim; combater a corrupção e garantir a transparência é para nós um dos pontos essenciais e nós vamos manter-nos firmes nesta intenção. Porque como eu já referi, a questão do apoio aos grandes grupos económicos, da exploração de lítio sem sabermos que vantagens vai trazer para o país, a questão do hidrogénio, sem conhecermos realmente todo o envolvimento e todas as consequências que existem para as populações, e a questão das eólicas de offshore, que ninguém sabe e que não se fala…

    A CDU promoveu uma discussão em Matosinhos com a população para explicar o que estaria em causa e propor que as pessoas reflectissem também sobre isso – porque tudo isto são projectos que podem ser criados nesta figura da transição e da descarbonização, e que são legitimados pela necessidade de se cumprir metas e supostamente para nos trazer qualidade de vida; mas depois, quando procuramos perceber o que trazem, de facto, estes projectos, vemos que é a destruição da agricultura familiar, da pesca tradicional, e da economia local.

    Aliás, temos agora agricultores nas ruas pela Europa fora.

    Exactamente. Por isso, estes projectos, que até podem ser necessários no futuro, é preciso que não se passem barreiras, e não se começar a casa pelo telhado.

    E de haver transparência.

    Sim, porque nós precisamos de saber o que aquela empresa que vai explorar, e que benefícios vai haver para o país; porque para já, só conhecemos as consequências graves; não conhecemos os benefícios.

    Pois, e não só os benefícios para políticos ou escritórios de advogados.

    Sim, e económicos, para a economia das populações; lembremo-nos da venda das barragens, que não trouxeram qualquer benefício para as populações. Por isso, precisamos realmente de olhar para estes projectos, não só na questão ambiental e nas consequências que poderão ter no Ambiente e nas populações, mas também para a Economia; e deixar de haver esta ligação dos governos com estes grandes interesses, que não faz sentido e que precisamos de interromper. Os projectos têm de contribuir para o desenvolvimento do país e de respeitar as populações e aquilo que se pretende para o nosso desenvolvimento, que tem de continuar, mas de uma forma equilibrada.

    Falou sobre aquilo que é conhecido pelo greenwashing, que consiste em medidas que, no fundo, levam a grandes lucros para grandes grupos, advogados, consultoras e politicos. E nós temos um jornalista premiado, embaixador do European Climate Pact, o Boštjan Videmšek, colaborador também do nosso jornal, que alertou numa entrevista para um aproveitamento económico, político e financeiro à boleia daquilo que supostamente é a defesa do Ambiente e o combate às alterações climáticas. Concorda com este alerta de Boštjan Videmšek?

    Sim; concordo que há uma justa redistribuição da riqueza, que vai apenas para meia dúzia. E depois, todos os outros produzem para este grupo muito pequeno. E é preciso contrariar este processo; até porque, se nós pensarmos nas preocupações ambientais que pretendemos, não podemos acreditar que vai existir justiça ambiental sem justiça social. Elas têm de andar sempre juntas. Por isso, precisamos de olhar para todos estes projetos que poderão ter também o seu lugar, mas que terão de ser faseados. Nós podemos pensar nos painéis solares, primeiro que tudo, nos nossos telhados, e nos telhados dos parques industriais, ou em alguns espaços públicos, como nas nossas escolas, ou nos condomínios dos prédios. Isto não vai solucionar o problema, mas vai ajudar.

    Mas, em vez disto, pensamos logo é em grandes parques com painéis solares, ou em solos que são férteis para a agricultura; e não faz sentido que se comece por aí. Estamos agora a pensar nas dessalinização como uma solução, mas será que é importante investirmos esse dinheiro agora? Ou será que deixássemos de ter alguma agricultura intensiva que temos, e se não permitíssemos mais projectos como os enormes campos de golfe, não conseguíamos fazer esta poupança na gestão da água? Ou com o imenso desperdício de água nas redes públicas, que precisam desse investimento também, e que está identificado. Porque não se investe primeiro neste caminho, e depois sim, vemos se é preciso dessalinização ou parques eólicos? Tudo isto deve ser pensado num momento mais à frente, em que já tenhamos esgotado este processo com vista a colmatar as nossas necessidades, só depois, podemos pensar em reforçá-las.

    No caso da agricultura, muitas vezes é tida como poluente, gastadora de água e não sustentável, mas podemos pensar na agricultura familiar – que não é suficiente, porque não nos vai dar de comer a todos – como algo que nos permite regular e ajudar a que se preserve os solos, a água, o ambiente e o ar, e que nos ajude também nesta transição.

    O estatuto da agricultura familiar, que defendemos há anos, e a agricultura biológica, que precisa também de ser financiada e subsidiada, porque os jovens agricultores estão a apostar em projectos muito interessantes em várias partes do país; mas depois, embarram em coisas como venderem a maçã a um preço, para depois a distribuidora vender a um preço muito mais alto. Isto é uma injustiça muito grande para quem dedica a sua vida e o seu dia-a-dia, sobretudo na agricultura, que são 365 dias por ano, quer seja na produção alimentar ou de animais. Há uma entrega muito grande, tanto de investimento como de trabalho, que não podem ser desvalorizados desta forma; nem pode dar lucro apenas às grandes distribuidoras, mas a quem produz.

    E as grandes distribuidoras, donas dos grandes hipermercados em Portugal, têm batido lucros recorde nos últimos anos.

    Sim, e se nos lembrarmos da altura da covid-19, fecharam-se os mercados locais, mas mantiveram-se abertos os hipermercados grandes. E nós lutamos contra isso também; os Verdes também exigiram na AR que os mercados locais fossem reabertos porque eram tão seguros como os hipermercados.

    Portanto, os lobbies também funcionaram.

    Exactamente. E é nisto que temos de continuar, e temos que ter força para voltar à AR para poder fazer esta pressão e defender aqueles que cuidam realmente da natureza e do ambiente.

    Marcha no 25 de Abril de 2019. (Foto:D.R.)

    Vários jornalistas e investigadores têm alertado para os lobbies das grandes multinacionais nas medidas para a agricultura e para o facto de, na Europa, hoje ainda serem autorizados determinados pesticidas e herbicidas que se sabe serem prejudiciais à saúde, como o glifosato. Além disso, na Comissão Europeia, há também uma vontade de se diminuir as restrições ao nível dos organismos geneticamente modificados na agricultura. Como é que vê esta tendência preocupante na Europa?

    É uma preocupação para nós e é uma luta que trazemos também ao longo do tempo; porque somos contra os organismos geneticamente modificados e lutamos para que sejam regulamentados, bem como com o uso dos pesticidas. Até porque a agricultura intensiva é que tem uma necessidade, em grande escala, destes produtos; a agricultura familiar precisa menos, e por isso defendemos a produção e o consumo locais, para que tudo seja mais próximo e se reduza o desperdício alimentar; para além de ajudarmos assim a economia local. Tudo está interligado, novamente. E sobre esta questão dos pesticidas e dos organismos geneticamente modificados, hoje estamos com uma grande dificuldade nas nossas linhas de água por causa das espécies invasoras, devido à poluição das águas e ao uso excessivo destes pesticidas. Tudo isto é preocupante para nós, e fizemos várias propostas de investimento na despoluição das linhas de água e na concretização do desaparecimento destas espécies invasoras. Mas precisamos, sobretudo, de sensibilização.

    Dos políticos, dos agricultores?

    Dos políticos, também. Mas nós precisamos que os nossos agricultores tenham o Ministério da Agricultura e as suas direcções regionais mais próximos deles.

    Mas não estão cada vez mais próximas de Bruxelas?

    Exactamente. Tal como nós precisamos que a mobilidade esteja em todo o território, nós precisamos que o Ministério do Ambiente e as direcções regionais façam também esse trabalho de proximidade com os agricultores. Porque quando falamos da transição digital chegar à agricultura, não estamos a ver o agricultor com o seu computador no meio do seu terreno, a fazer a sua candidatura aos subsídios. É óbvio que faz, mas depois, naquilo que diz respeito à protecção no trabalho, quer seja no uso de máquinas ou dos tratores e toda aquela maquinaria, quer seja na sensibilização do uso destes produtos, ou num acompanhamento científico e técnico para se perceber de que forma é que se pode proteger as culturas de forma mais natural; e é óbvio que, com as alterações da temperatura –  20 graus em Janeiro não é normal e vai afectar muito as culturas –, naturalmente as pessoas procuram uma solução para não perderem todo o seu trabalho. Mas haveria outras soluções, se o Ministério da Agricultura também não estivesse despojado desta ajuda que deveria dar aos agricultores. Deveria ajudá-los a combater muitos destes problemas, e isso não se vê e nem se sente no terreno.

    Há diversos jornalistas e investigadores preocupados com um reforço dos lobbies em determinadas indústrias, nomeadamente fabricantes de herbicidas e pesticidas, mas com a indústria farmacêutica também no centro, porque acabam por ser multinacionais que produzem esses produtos. E tanto Portugal como os restantes países da União Europeia estão cada vez mais sujeitos a políticas decididas a montante, muito influenciadas por determinados lobbies. E falo não só na questão do ambiente, mas também na saúde humana, porque há também alertas para a enorme influência da Organização Mundial de Saúde. Teme também que estes lobbies possam estar a determinar políticas que não são no melhor interesse da agricultura europeia, portuguesa, e da defesa do ambiente e da nossa saúde?

    Sim; nós acompanhamos essa preocupação. E como já dissemos noutras alturas, Portugal não pode ser sempre o bom aluno, e dizer que sim a tudo sem questionar estas medidas de Bruxelas, que são decididas lá, e depois não têm em atenção a agricultura, o desenvolvimento, e todas as necessidades específicas de Portugal. E nós tentamos também combater e chamar a atenção para isso.

    Precisamos, por exemplo, que Portugal tenha subsídios para a pesca superiores a outros países europeus que não têm mar. E precisamos de não depender tanto da Europa para o desenvolvimento e para a produção nacional. Não temos que fechar leitarias porque o leite é mais barato num outro país ou porque vem de lá para cá; e isso é-nos imposto.

    Precisamos que Portugal tenha mais voz no Parlamento Europeu e possa defender os seus agricultores e a sua população; para que possamos ter produtos mais saudáveis e cumprir com muito daquilo que são as políticas já escritas, como o desperdício alimentar. Porque é que vem tudo de fora, em camiões, quando não há essa necessidade? Nós podemos produzir muita coisa no nosso país, sem ter de fazer essas viagens que aumentam a pegada ecológica, e que podem ser uma mais-valia para a economia nacional.

    Mas a opção tem sido a de não contrariar o que é decidido no Parlamento Europeu, para ser bom aluno. E nós não concordamos com isso, seja a nível dos organismos geneticamente modificados, ou através da imposição de não se poder tabular a energia, porque Bruxelas não deixa. Não podemos continuar neste caminho de obedecer cegamente sem ter em consideração as necessidades do país.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Sente que não é defendido o pluralismo e a diversidade de opiniões na comunicação social no sentido de os portugueses conhecerem as propostas do vosso partido e de outros, para estas questões do ambiente?

    Sim, era essencial que estas questões fossem discutidas. É importante pensarmos que temos de reduzir o IRS e o IVA dos bens essenciais e de olhar para a economia de uma outra forma; tudo isto é importante. E, também, aumentar salários e pensões, dar condições dignas de vida às pessoas, contratar profissionais e respeitá-los no Serviço Nacional de Saúde, defender a escola pública, e ter respeito pela carreira dos professores, que depende de um investimento. Mas é também importante trazermos outras questões para cima da mesa, como o Ambiente e tudo aquilo que o envolve, porque vai ter ligação nisto tudo. E o que tendencialmente se faz, infelizmente, é que continuarmos a achar que a Economia, a Saúde, e a Educação não têm nada a ver com o Ambiente. E que a agricultura não tem nada a ver com o Ambiente. E não é verdade, porque o ambiente toca todas estas áreas; e as medidas ambientais e os projectos que possam ter influência no nosso Ambiente e na nossa natureza precisam de ser pensados englobando tudo isto e trazendo todas estas questões das alterações climáticas. Porque para termos cidades resilientes às alterações climáticas, vamos precisar de as transformar. E isso também vai envolver a Economia, o investimento e as opções políticas. E é aqui que falhamos. De vez em quando fala-se das questões ambientais, mas desgarradas de tudo o resto; quando não é possível desgarrá-las nem é possível concretizá-las se elas não forem pensadas como um todo.

    Tem havido também algumas correntes controversas que dizem que a defesa do ambiente e o combate às alterações climáticas podem não ser compatíveis com uma sociedade democrática. Como é que vê estas correntes que defendem que talvez seja melhor uma ditadura para pôr toda a gente a fazer o que os políticos querem?

    Pois, eu nem sei que diga sobre isso [risos]. Porque a democracia é que nos leva a comportamentos aceitáveis e a mudanças que venham contribuir para o bem de todos, e não só de alguns. Portanto, a Ecologia é compatível com a democracia, e só pode acontecer em democracia; até porque, como sabemos, não era uma preocupação antes de termos a democracia, há 50 anos. Foi depois da revolução que passou a ser uma preocupação, e rapidamente. A questão é que, por exemplo, nós não encaramos, tendencialmente, o acesso à mobilidade como uma questão de saúde pública, e de prevenirmos problemas de saúde que depois nos vão poupar dinheiro no SNS e vão dar qualidade de vida às pessoas. Quando nós pensamos na poluição atmosférica, ou da água, do ruído, ou na poluição luminosa – que é uma questão que é raro falarmos e que a maior parte não quer sequer pensar nisso –, diminuindo todos os níveis de poluição, nós vamos melhorar a qualidade de vida das pessoas. E vamos prevenir na farmácia, no centro saúde e no hospital; vamos poupar noutras áreas. E na agricultura é igual: se comermos bem e estivermos sensibilizados para comer aquilo que está próximo, e para a produção e o consumo locais, vamos ter mais qualidade de vida e mais saúde. E por isso é que agora também se fala numa única saúde, e isso envolve desde os animais aos vegetais e ao ser humano, protegendo também o ambiente.

    Mas de preferência, com poucos químicos…

    Exactamente; com poucos ou nenhuns, de preferência, e tendo essa possibilidade. Mas se nós investirmos na mobilidade, vamos poupar noutras áreas.

    E olhar de uma forma integrada.

    Sim; e se nós apostarmos e investirmos na educação ambiental das nossas crianças, vamos ter adultos que não vão precisar de taxas nem tachinhas para cumprir, nem que a polícia ande em cima deles, ou que haja uma lei a condená-los à cadeia, porque não fecharam a torneira quando estavam a lavar os dentes. Vamos precisar de adultos mais responsáveis; e, por isso, apostar na educação ambiental e na sensibilização nas nossas escolas trará outros comportamentos e outras exigências, enquanto cidadãos, mais conscientes daquilo que queremos e do bem comum – que nos tornará num país democrático e livre, para que possamos enfrentar o futuro e deixar aos nossos filhos um planeta sustentável, que dure ainda muitos anos. Porque, como sabemos, falamos em mitigação e não em combater as alterações climáticas; porque elas já estão aí e precisamos é de mitigá-las e de nos adaptarmos – de alguma forma, protegermo-nos a nós e ao Ambiente para que isto não evolua de uma forma avassaladora, que traga problemas graves para o futuro.

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto


    Veja AQUI o programa do Partido Ecologista Os Verdes.


  • ‘Temos de despir a Educação de qualquer tipo de carga ideológica’

    ‘Temos de despir a Educação de qualquer tipo de carga ideológica’

    Presidente do Ergue-te desde 2005, José Pinto-Coelho diz ter “muito orgulho em ser de extrema-direita”. Assume-se como salazarista e demarca-se da xenofobia e do racismo. O seu partido nasceu a partir da quase extinção de um outro – o Partido Renovador Democrático, fundado em 1985 e que chegou a ser presidido pelo antigo Presidente da República Ramalho Eanes. Em 2000, o partido assumiu a identidade nacionalista e mudou de nome, para Partido Nacional Renovador (PNR), mas ficou ‘manchado’ pelas ligações a figuras do neonazismo, como Mário Machado. Nestas legislativas, o Ergue-te concorre a todos os círculos eleitorais e enfrenta a ascensão do Chega, que, segundo Pinto-Coelho, além de não ser de extrema-direita, tem beneficiado de promoção por parte dos media. Esta é a 15ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE JOSÉ PINTO-COELHO, LÍDER DO ERGUE-TE, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Estão a concorrer a estas eleições legislativas em todos os círculos, correcto? Quais são os vossos objectivos para estas eleições e porque quiseram concorrer em todos os círculos?

    Antes de responder à sua questão, queria fazer esta introdução porque efectivamente, os partidos políticos sem representação parlamentar não têm voz, nem mediatismo; têm apenas umas míseras migalhas. Eu, por exemplo, no dia 20 de Fevereiro vou estar no debate na RTP1 e 3, em directo, com os partidos sem representação parlamentar; mas vão lá estar 10 partidos e o debate dura cerca de duas horas. Aquilo não é bem um debate, é muito entrevista colectiva e é a única coisa que nós vamos ter. E é impossível, nas escassas intervenções de cada partido – que ao todo, somam cerca de sete ou oito minutos, no máximo – passar qualquer mensagem. Portanto, há uma desigualdade brutal entre os partidos com representação e sem representação parlamentar. Dir-nos-ão que os outros tiveram mais votos que nós e, portanto, merecem mais – mas as coisas não são assim. Quando estamos em eleições, tem de ser um ponto de partida igual para todos; porque senão, é um círculo vicioso, porque aqueles que têm votos, têm voz, e como têm voz, têm votos.

    José Pinto-Coelho, presidente do Ergue-te. (Foto: PÁGINA UM)

    Aliás, há um partido que fez uma queixa à Comissão Nacional de Eleições [CNE], precisamente por essa falta de pluralismo.

    Claro. Mas repare: fizeram uma queixa porque são ainda ingénuos e são novos; porque se estivessem aqui há 20 anos a batalhar contra isto, sabiam que uma queixa dessas não dá em rigorosamente nada. Todo este sistema está profundamente blindado, e é profundamente injusto. Nós, ao princípio, tínhamos ainda algumas ilusões de umas queixas na CNE. Mas não vale a pena, é perda de tempo e é criar ilusões absolutamente inúteis. Mas, em relação à sua questão, nós concorremos no país todo, em todos os 22 círculos; somos um dos partidos sem representação parlamentar, e um dos três que concorrem em todos os círculos.

    Aliás, José Pinto Coelho é um cabeça-de-lista por Lisboa e também João Pais do Amaral, vice-presidente, é o cabeça-de-lista por Leiria.

    Exactamente. E o nosso objectivo é participar nas eleições para ir a votos, sabendo à partida que há uma grande desigualdade e que infelizmente em Portugal – e não só, mas o que nos interessa é o nosso caso –, existe uma lógica que é, a meu ver, profundamente absurda: a do voto útil ou estratégico. As pessoas, sistematicamente, não votam naquilo que mais gostam ou em que acreditam, para votar em esquemas estratégicos para correr com outros; é a lógica do mal menor. E esse voto estratégico acaba por penalizar gravemente e ser uma injustiça perante o voto ideológico ou por convicção. E nós temos sido sempre vítimas disso e sabemo-lo, porque eu conheço muitas pessoas, que me dizem mesmo “eu prefiro as vossas ideias, mas vocês não têm hipótese“. Ou acontecia com o CDS ou com o Chega…  

    Desde 2005 que eu sou presidente do partido, e temos ido a votos e temos vindo a crescer, apesar de tudo. E entre os partidos sem representação parlamentar, chegámos a ser um “grande“ entre os pequenos. Nós em 2015 chegámos a ter 27.000 e tal votos; não é uma coisa assim tão ridícula como isso. E nós sentíamos um crescimento, estávamos a crescer claramente; isso era perceptível, e palpável. Mas depois, entrou em cena algo que nos prejudicou gravemente e que levou o nosso eleitorado, porque as pessoas vão atrás de ilusões e de quem tem voz, e o nosso eleitorado fugiu-nos. E, usando uma linguagem de luta de boxe, eu costumo dizer que em 2019, em que perdemos 10.000 votos, fomos às cordas, e em 2022, fomos ao chão, porque passámos para 5.000 votos.

    Está a falar da subida e da concorrência do Chega?

    Sim; directa e claramente desse partido; e já podemos, mais à frente, esmiuçar um pouco mais essa questão. Mas sim, fomos ao chão, com 5.000 votos; daqueles que são resistentes e que realmente votam por ideologia pura e não embarcam em ilusões ou utopias ou no voto estratégico. E claro que isso teve reflexos no ânimo, na debandada, e na perda de crença por parte de muita gente…

    E na parte financeira, certamente.

    Sim, e também há uma grande injustiça na parte financeira, porque os partidos com representação parlamentar são subvencionados pelos nossos impostos, e os partidos sem representação parlamentar, não são. Ou seja, uns ganham dinheiro por cada voto, e outros não ganham; portanto, há um tratamento desigual. Isso não me parece justo. É evidente que os partidos todos deviam receber dinheiro do erário público.

    (Foto: D.R./Ergue-te)

    Portanto, não partem em pé de igualdade.

    Pois. É evidente que se nós tivermos agora 5.000 votos, deveríamos receber por cada um desses votos; porque essas pessoas não são menos do que os 2 milhões que teve o Partido Socialista [OS], e que recebe função disso. Todos os partidos deveriam receber; e nós até defendemos que os partidos recebem demasiado dinheiro da subvenção, que é uma injustiça, porque é são 135 avos do Indexante de Apoios Sociais [IAS]. Estamos a falar de cerca de 3,50 euros por cada voto que os partidos recebem; são barbaridades do erário público. Eu compreendo que os partidos possam receber uma subvenção, porque são um mecanismo fundamental para que o sistema político exista. O Estado também tem de alimentar a sua própria máquina. Mas nós defendemos que essa subvenção devia ser muito inferior, cerca de 400 avos; ou seja, mais ou menos 1 euro e pouco por voto – mas devia ser para todos. O Ergue-te sempre foi um partido que viveu exclusivamente das cotizações dos militantes; e é muito pouco. Mas uma coisa é termos tido habitualmente um orçamento anual de cerca de 7.000 euros, e agora levou uma pancada muito grande. Nós apresentamos para estas eleições um orçamento de 1.500 euros, que se resume praticamente a tempos de antena. Não temos dinheiro para campanha nenhuma, nunca tivemos; publicámos um ou outro outdoor. É absolutamente impensável.

    Então, fazem uma campanha mais presencial, ou nas redes sociais?

    Redes sociais; é basicamente por aí. E, portanto, agradecemos muito iniciativas como esta do Página Um, que nos dá voz. Infelizmente, sabemos que o alcance não é o mesmo que terá uma televisão em horário nobre, mas é com isso que contamos. Em termos de objetivos: antes de mais, concorrer é uma questão de orgulho, independentemente de termos mais ou menos votos; e há sempre a esperança de que haja um crescimento. Nas últimas eleições, nós concorremos como Ergue-te, e eu acredito – até porque já ouvi algumas vozes nesse sentido – que muita gente nem sabia que era o PNR. E foi um risco calculado, mas há um preço a pagar, e eu acredito que tenhamos sido vítimas disso. Nestes dois anos, já houve um maior conhecimento, e não tenho a menor dúvida de que vamos ter novos votos

    Ou seja, o nome já é mais conhecido?

    Já começa a ser; há pessoas que não se tinham apercebido e que já se apercebem. De facto, foi um risco calculado, mas mudámos o nome numa altura que nos era adversa. Podem ser erros, mas nós pensamos nas coisas a prazo e não no imediato; não somos nada imediatistas. Somos corredores de maratona. E para nós, qual seria um bom resultado? Única e exclusivamente este: ser eleito. Estamos aqui para ser eleitos e, tendo voz, quero mostrar aos portugueses qual é verdadeiramente o único partido antissistema – que não é faz de conta, nem oposição controlada. É bater de frente contra este sistema e contra este regime.

    O regime de que fala é o do arco da governação?

    É o regime que nasceu no dia 25 de Abril, e que nós não sufragamos. Ao contrário de todos os outros partidos políticos, nós não gostamos deste regime. Foi um regime que, do nosso ponto de vista, inaugurou a página mais negra da história de Portugal; pior ainda do que o tempo da ocupação espanhola. Porque essa era uma ocupação externa, e agora estamos a ser ocupados, na nossa opinião, pelos traidores internos; que é pior.

    O Ergue-te é um partido muito apontado como sendo de extrema-direita e defensor do salazarismo. Como é que um partido de extrema-direita, que elogia admira Salazar, convive com a democracia?

    Só para concluir a questão anterior: um bom resultado é ser eleito, mas qualquer coisa que denote um crescimento claro, não sendo um bom resultado, será animador. Agora, sobre esta questão: é sempre um bocado complicado falar quando se utiliza rótulos. Eu nunca tive medo de dizer nada daquilo que penso, e não ando aqui com jogos.

    Mas não se revê nestes termos?

    É isso que vou explicar. Pessoalmente, eu sempre afirmei de extrema-direita; não tenho nenhum problema, tenho muito orgulho em ser de extrema-direita. Mas quando se fala em rótulos políticos é sempre complicado, porque cada um tem a sua ideia e não há uma base clara ou científica sobre isso.

    João Pais do Amara, vice-presidente do Ergue-te e cabeça-de-lista por Leiria. (Foto: D.R./Ergue-te)

    Mas quer dizer que há várias extremas-direitas?

    Não; se assumirmos que sou eleito, onde é que me vou sentar no Parlamento? Na extrema-direita, porque não há ninguém mais à direita do que eu. Portanto, isso não é nada de pejorativo, é assim. Há a extrema-esquerda, como o Bloco de Esquerda, e há o extremo-centro, como o PSD. Os rótulos que eu prefiro é: nacionalista, e soberanista. Isto é que nos identifica. Agora, se querem chamar extrema-direita… Eu considero-me naturalmente de extrema-direita.

    Têm sido apontadas semelhanças, por exemplo, com a francesa Frente Nacional.

    Neste momento, já não, porque a Frente Nacional desvirtuou-se totalmente com Marine Le Pen, que consideramos que está a trair o seu pai. Mas deixe-me só recuar um pouco: disse que somos um partido que defende o salazarismo, e isso não é verdade. Eu sou salazarista, mas o partido não defende isso, porque o partido é do século XXI e para o século XXI; para o futuro. Não somos saudosistas. Mas, é evidente que todos temos direito às nossas referências. Ainda agora vão celebrar os 50 anos do 25 de Abril e podíamos também dizer que são passadistas, porque já lá vão 50 anos. Mas, o partido não tem o salazarismo como referência – que isso fique claríssimo. Eu pessoalmente tenho a mais profunda admiração por Salazar e pelo Estado novo, mas isso pertence ao século XX. Hoje em dia, seria absolutamente impossível de replicar, porque a sociedade mudou. Voltando à Frente Nacional. Eu já fui a França discursar, por duas vezes, em iniciativas da Frente Nacional, no tempo do pai, Jean-Marie Le Pen. Nomeadamente em 2007, quando ele se candidatou a eleições presidenciais e convidou alguns partidos congéneres europeus. E eu tive a honra e o privilégio de ter estado lá num pavilhão imenso, em Lille, completamente repleto e durante uns minutos, a discursar em francês a apoiar a candidatura de Jean-Marie Le Pen. Hoje, o partido desvirtuou-se bastante; a filha claramente traiu os caminhos do pai – tanto é que, a neta de Jean-Marie Le Pen, Marion Maréchal Le Pen, sobrinha de Marine, que é mais na linha do pai, saiu do partido e agora está com o Zemmour. Porque é mais na linha do daquilo que era a antiga Frente Nacional. Portanto, hoje não temos qualquer ligação com esse partido.

    Considera que também outros partidos, conotados com a extrema-direita, têm estado a desvirtuar-se?

    Sim. Mas lá está, o problema dos rótulos: a comunicação social e a narrativa politicamente correcta gosta de ter rótulos para fazer uma encenação, e dizer que há uma extrema-direita – sobre a extrema-esquerda por acaso nunca falam – e chamar extrema-direita a tudo o que seja um bocadinho de fora daquilo que é o grande centrão. E isso é profundamente incorreto. E quanto mais chamam extrema-direita ao Chega – que não é –, mais votos lhe estão a dar. E é um erro crasso porque estamos a chamar uma coisa que na verdade não são, e isso atrai votos.

    Entende que a imprensa está a promover o Chega?

    Sempre esteve; desde antes da sua existência. É quotidiano: o André Ventura está sempre nas notícias, porque ele é extremamente hábil e muito esperto, e sempre arranjou casos e historietas e ruído para aparecer na comunicação social. O Chega foi completamente promovido pela comunicação social e continua a ser.

    Não sendo esse o objectivo desta entrevista, pergunto-lhe se guarda alguma tristeza ou rancor relativamente a André Ventura, devido a algum tipo de aproximação no passado?

    Antes da entrevista, eu desabafei consigo e vou dizer isto aqui publicamente. Eu lamento que nas escassíssimas entrevistas que tenho tido desde 2019, se fale sempre do Chega. E mesmo que eu não fale, e não quero falar, sou interpelado nesse sentido. E assim, estou a fazer propaganda a outros. Eu gostava que perguntassem a André Ventura se, ao princípio, para ganhar votos, ele não copiou de cálculo o programa do PNR; porque foi “decalcadinho“, mas com uma diferença: nós acreditamos naquilo que defendemos, e ele não acredita. Eu não tenho propriamente um rancor.

    José Pinto-Coelho num vídeo de campanha do Ergue-te.

    Acredita que André Ventura não é de extrema-direita?

    Não é; ele é de extremo-oportunismo. Sei que estas palavras parecem duras, mas acredite que não tenho rancor porque eu luto contra os sentimentos primários de rancor. Não quero, até porque o rancor só faz mal a quem o sente.  Mas também não ando aqui a dourar a pílula relação a isso. Ele é um homem que é um social-democrata, que pertence ao sistema, e que esteve e apoio o PSD durante 17 anos, e que depois foi alavancado pelas aparições na CMTV e como colunista no Correio da Manhã. E depois – não sei porquê nem me interessa –, foi posto num lugar-chave para lançar o Chega, que já tinha outdoors antes de ser partido. Portanto, há muito dinheiro que entrou ali, e teve imensa visibilidade. E realmente foi lançar os chamados soundbites – eu prefiro dizer chavões, porque sou português – com os quais as pessoas concordam. E nós andamos há 20 anos a dizer as mesmas coisas, e aparece um homem, sem passado, que começa com uns chavões e as pessoas aplaudem-lhe a coragem. É absurdo.

    Então, não acredita que o Chega conseguindo mais votos, como as sondagens apontam, terá capacidade de fazer diferença, nem que a sua intenção seja a de fazer a diferença?

    Não vai fazer diferença por uma razão: é um partido do sistema. Veja como ele vai buscar ao sistema toda a escória, o refugo dos partidos, e as segundas e terceiras linhas do PSD, do CDS, e da Aliança. Ele está a ir buscá-los a todos; ou seja, pessoas que não tinham já emprego nesses partidos, vão ter um emprego no Chega. E isso é um partido antissistema? Por amor de Deus, não é nada; é um partido completamente do sistema. E n aquele partido não há uma coluna vertebral, não há pilares fundamentais e ideológicos – são tudo e o seu contrário, se for preciso. Isto não se trata de rancor contra uma pessoa, mas de um sentimento real de injustiça. Eu não acredito que o Chega vai ter 20% dos votos.

    Não acredita nas sondagens?

    Não acredito. Mas ainda assim, vai subir consideravelmente, até ao ponto em que as pessoas começarem a ver assim que o Chega afinal é mais do mesmo. Mas aquilo que me chateia é que as pessoas que pensam como nós, não votem em nós, e estejam a desperdiçar votos noutro partido. Portanto, aqui não é rancor, mas é mágoa e um sentimento de traição e de abandono, de que as pessoas deviam apoiar um partido no qual acreditam. Mas votam num partido só porque vai correr com o PS; eu acho isso tão redutor e tão pouco exigente. Porque vão correr com o PS agora, mas daqui a uns anos o PS está lá outra vez. Isto é ouvir o disco e toca o mesmo. Portanto, o grau de exigência das pessoas é extremamente baixo. E isso chateia-me porque se houvesse coragem para mudar e para mudar mesmo…. Uma mudança a sério, de paradigma e de mentalidades, exige sacrifícios. As pessoas, porque veem uma passadeira à frente e cavalgam essa passadeira, votam num partido para correr com o OS. Assim, sem esforço, vão muito comodamente lá pôr o voto, e esquecem aquelas pessoas que têm lutado contra tudo e contra todos, sem meios, e que gastam a sua vida toda a lutar. E viram-lhes as costas, quando o Ergue-te é que seria um partido de real oposição ao sistema e que não tem ilusões para mudar as coisas. Para mudar o paradigma actual, é um processo que vai levar muito tempo e vai exigir muito sacrifício, mas com um objectivo: tornar Portugal novamente português.

    Então podemos excluir algum tipo de disponibilidade para entrar em coligações, seja nestas eleições, seja no futuro?

    Eu acho que coligações é uma coisa que não faz sentido. Se há um partido, é porque esse partido defende algumas coisas, e se há outro partido, é porque o outro partido defende outras coisas. Mas se há partidos muito semelhantes, às tantas, mais vale fundirem-se. Porque quando há uma coligação tem de haver cedências e nós por acaso já fomos desafiados nestas eleições em concreto. Tivemos dois contactos para fazer uma coligação, com o Nós, Cidadãos e com o Partido Popular Monárquico, antes de estar na AD. Eu disse logo que era nem um nem outro; nem pensar. Coligações obrigam a cedências importantíssimas. Além disso, se nós estamos sempre combater o sistema, e todos estes partidos do sistema, sejam eles com ou sem representação parlamentar…  Isso no fundo era trair a nossa própria identidade. Portanto, nunca faremos coligações. E voltando aqui às contradições do outro senhor: uma pessoa que dizia há anos que nunca faria coligações com os partidos do sistema, porque dizia-se anti-sistema, está desejoso de entrar num governo qualquer com o PSD; e as pessoas não conseguem ver isso! As pessoas não conseguem, e isso sinceramente entristece-me. As pessoas quando estão deslumbradas com alguma coisa, só veem o que querem. Mas nós temos que fazer o nosso caminho. E quem começa a abrir a pestana e volta para nós, é muitíssimo bem-vindo porque eu acredito no arrependimento, e sei que neste momento há pessoas já estão arrependidas, e que já voltaram atrás. Dói-me, mas são bem recebidas, porque as pessoas podem-se enganar e é assim a vida. Nós vamos continuar o nosso caminho.

    Para além do timing de mudança de nome que referiu, no vosso passado houve algumas situações que podem ter afastado portugueses que, apesar de terem uma ideologia nacionalista, não se reviam, por exemplo, nas aproximações que tiveram a figuras mais ligadas ao neonazismo, à xenofobia ou ao racismo. Considera que isso é uma mancha no vosso percurso ou é algo que faz parte também do partido?

    Bem, vamos lá ver. É evidente que nós temos um percurso e isto leva-nos muito para trás. Sempre houve em Portugal várias tendências dentro do nacionalismo; e que, tendo algumas coisas em comum, depois têm grandes divergências do ponto de vista até estético e de um modo de ser e de estar. E o nosso partido, quando aparece, e estamos a falar do ano 2000, falar de Salazar é um crime de lesa-pátria. As pessoas têm que ter essa noção; foi há 23 anos. As pessoas tinham medo de falar de qualquer coisa. Nós até, para criar o partido, estamos a tentar desde 1997. Havia uma coisa que era a Aliança Nacional, que queria transformar-se em partido. Arranjar nomes para legalizar o partido era uma missão quase impossível, porque as pessoas tinham medo de dar o seu nome. Às vezes, eram tardes inteiras a contactar pessoas e a contar-lhes os objetivos e contar a história da nossa vida, para depois no fim nos dizerem que iam pensar.

    Na altura conseguiram 5.000 assinaturas?

    Não conseguimos, só 2.000, e nunca mais saíamos dali. E, por isso, apanhámos uma janela de oportunidade. Foi uma coisa genial: o partido do Ramalho Eanes, o Partido Renovador Democrático [PRD], ia-se extinguir. O Tribunal Constitucional ia extingui-lo, porque não apresentava contas, estava cheio de dívidas, e as pessoas tinham debandado. E nós falámos com o então presidente Vargas Loureiro, que morreu passado pouco tempo, porque estava já muito doente, e fizemos uma Convenção com os escassos militantes que restavam ainda do PRD. E ficámos com o partido; ele também estava desejoso de passar aquele peso que tinha em cima. Ficámos com o partido e mudámos o nome. E a partir de 2000, começamos com um projecto nacionalista, que era extremamente difícil, mas reunia pessoas sobretudo do passado, muitos velhos salazaristas, etc. E havia. E em paralelo, na juventude, havia uma dinâmica de crescimento. E como toda a Juventude, com todos os excessos, e uma imagem que não é nossa… Mas foi um passo que era inultrapassável e era inevitável: ou nós desaparecíamos, e não tínhamos força nenhuma nem visibilidade, ou havia de facto alguma junção. Eu acho que muito injustamente, sinceramente, as pessoas preocupam-se com uma imagem de radicalismo, mas não se preocupam com o radicalismo dos partidos do sistema de levarem bancos à falência, da corrupção toda, dos pedófilos, dos processos abafados. Isso não preocupa as pessoas que continuam a votar nesses partidos. Mas, quando um partido de facto não tem grande força, todo e qualquer pretexto serve para que não se vote nele. Mas o facto é que nós vínhamos a crescer.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas o Ergue-te estava ligado, por exemplo, a Mário Machado.

    Não é assim, é ao contrário. Ele teve uma breve passagem, já lá vão tantos anos.

    Mas hoje, o Ergue-te identifica-se com ideologia neonazi, xenófoba, racista?

    Não, nem hoje nem nunca.

    Há pouco falou em excessos e há excessos na juventude, mas a xenofobia e o neonazismo, eu não considero um excesso, já é algo extremo…

    Não é no nosso partido, o nosso partido é aquilo que sempre foi: a sua direcção, eu em concreto, e as coisas que nós dizemos.

    Portanto, hoje não têm ligação, nem subscrevem qualquer tipo de ideologia neonazi?

    Nem hoje nem nunca, nunca subscrevemos, nunca isso aconteceu. Dentro de cada partido, pode haver pessoas que tenham estilos próprios, mas o partido nunca foi isso. Mas se as pessoas querem dar essa conotação, problema delas. Eu não renego o passado, nem me envergonho de nada. Nem acho que seja nenhuma mancha. Simplesmente o partido teve o percurso que teve, e sempre defendeu abertamente as causas que eu divulgo. E aquilo que eu dizia há 20 anos, há 15, ou há 10, digo hoje; sem problemas nenhuns. Nós somos um partido nacionalista. Xenófobo ou racista são chavões, que dá para tudo. Eu não sei o que é ser xenófobo ou racista, sinceramente; porque chamam racista a quem não quer que haja uma invasão de imigrantes. Isso hoje é ser racista… Portanto, eu desprezo esse tipo de rótulos. Estou-me nas tintas para esse tipo de rótulos, não me importo absolutamente nada. Nós somos o que somos.

    Olhando agora para a frente, que propostas têm? Têm defendido ideias como a industrialização da economia, a promoção da agricultura e as pescas, regular os mercados de energia e o financeiro, e regular os produtos de primeira necessidade. Mas sobre as questões mais actuais, como a habitação e a Saúde, o que propõem?

    Começou por falar numa área que não é propriamente aquela que mais nos identifica. Nós temos posições sobre todas as matérias, desde o Ambiente até a imigração. Mas há matérias que são bandeiras principais, porque nos distinguem de todos os demais. E na economia também, porque nós repudiamos de igual forma o socialismo e o liberalismo; para nós, são dois cancros, duas mazelas e dois atentados à soberania de uma nação. Repudiamos veementemente o socialismo, por criar um Estado paternalista igualitário que não premeia o mérito e que trata de igual forma o empreendedor e o parasita, e repudiamos igualmente o liberalismo, que sobrepõe a economia e o mercado à política e às nações.

    Então o que é que defendem nesse aspecto?

    Nós defendemos, como dizemos no início do nosso programa, a identidade, o património histórico e cultural e a soberania da nação, para que a nação seja coesa e que tenha futuro. Contudo, temos de definir perspectivas político-sociais que sejam realistas no contexto em que vivemos, nós não somos tontinhos e desajustados do tempo, nem anacrónicos. Portanto, uma coisa é aquilo que idealizamos, e outra coisa é aquilo que é possível. Eu, pessoalmente, gosto do proteccionismo de mercado. Dou-lhe dois exemplos muito concretos e muito bem-sucedidos: a Espanha de Franco, ou o Brasil do regime militar; em que se tinha capacidade e meios para promover a produção nacional e alavancar a economia. Foram dois grandes sucessos para ambos os países. Mas eu sei que hoje não é possível replicar esse modelo – no contexto actual, o com a União Europeia, nada disso é possível. Mas também é verdade que se uma pessoa está amarrada, pode tentar com alguns movimentos folgar um bocadinho os laços. Portanto, aquilo que nós defendemos é proteger na medida do possível tudo o que é produção nacional, e – na medida do possível, mas sendo corajosos nisso e batendo o pé onde pudermos –,  relançar os sectores vitais para uma maior autonomia e soberania, como os sectores alimentar, energético, pesca, agricultura, indústria.  Nós demos cabo disso tudo; a nossa integração europeia não só foi uma irresponsabilidade mal feita, porque podia ter sido muito melhor acautelada… A entrada no euro, no meu ponto de vista, foi também um erro crasso. Porque os portugueses continuaram a ganhar salários na lógica do escudo, mas a consumir na lógica do euro, e a perder uma qualidade de vida absolutamente extraordinária e tudo isto está irrecuperável. Nós somos um país com um mercado, por exemplo, habitacional, com preços a nível de outras cidades europeias, mas ganhamos muitíssimo menos. E estamos numa concorrência desleal porque vêm cá estrangeiros, compram casas, e estão a comprimir e a fazer uma pressão brutal no mercado habitacional.

    Mas também incentivados por algumas políticas.

    Sim. E por isso é que eu digo que este é um tegime traidor porque nos desprotege e está a prejudicar o seu próprio povo. E isso volta-me à questão do proteccionismo de mercado: nós defendemos o proteccionismo onde ele é possível, e há sectores onde é possível. E o que este regime faz, com estes sucessivos governos… E repare que eu não aponto só o dedo ao PS, porque isso é a tal ilusão muito pouco exigente. Não me interessa combater o OS; eu quero combatê-los a todos, porque são, no fundo, todos culpados. É verdade que o PS esteve lá muito mais anos, mas os outros também fizeram a mesma porcaria; os vistos Gold e essas coisas todas que nos estão a prejudicar gravemente. Nós defendemos o maior proteccionismo possível em cada momento, que não tem nada de mau, pelo contrário: é muito bom, é proteger aquilo que é nosso. Dir-me-á que há muitos limites em função da União Europeia. Pois há, mas nós temos que começar a alargar um pouco isso e criar as condições para que, num futuro o mais breve possível mas sempre distante, possamos pensar numa espécie de Brexit. Porque as pessoas diziam que a Inglaterra se ia perder, e não se perdeu nada. A Inglaterra continua o seu caminho; é verdade que tem outra capacidade porque não estava no euro. Mas por isso é que eu defendo que temos de começar a olhar para nós e criar as condições para que um dia possamos não depender. Porque por este caminho, o que é que nós somos? Somos um povo escravo. Vamos ser um país cada vez mais periférico, que não tem peso nenhum, e vamos ser um povo de serviços – de má qualidade, ainda por cima.

    José Pinto-Coelho na RTP, no debate entre os líderes dos partidos sem assento parlamentar.
    (Foto: Captura de imagem do programa na RTP1)

    Portanto, defende a saída de Portugal, a prazo, da União Europeia?

    Sim, nós somos contra a União Europeia e contra esta união federalista e castradora. Mas nós não somos irresponsáveis como o MRPP, e demagogos, a dizer que vamos sair já, e vamos sair como? E depois no dia seguinte, quem é que paga os ordenados da função pública? Isso é impossível. Temos que perceber que isso é impossível. Porém, também não alinhamos com aqueles que estão muito confortáveis na União Europeia. Do nosso ponto de vista, a UE é um corpo estranho, e tem de ser combatido porque é uma construção artificial. A EU de hoje não tem nada a ver com a inicial CEE. Ou seja, está a ser mudada nas nossas costas, nos bastidores, por políticas obscuras e interesses inconfessáveis que só prejudicam as nações. E, com isso, prejudica que as empresas nacionais e as famílias nacionais. Eu detesto a UE, mas nós não podemos sair agora. Temos é de criar condições para um dia fazê-lo. Mais uma vez, as nossas políticas e as nossas propostas são a prazo; é uma mudança de paradigma e mudança de mentalidades. A curto e a médio prazo, aquilo que podemos fazer é mudar algumas coisas. E é por isso que é urgente que entremos na Assembleia da República, para que a partir daí possamos crescer desmesuradamente – que eu acredito nisso – e começar a mudar o rumo de algumas coisas em Portugal.

    E defende um protecionismo em que áreas, por exemplo? Indústrias, produtos? Em tudo. A mim faz-me imensa aflição que, por exemplo, a eletricidade seja dos chineses, ou que a ANA seja dos franceses; isso não faz sentido. As coisas, ou são viáveis ou não são viáveis. Se são, porque é que não estão na mão dos portugueses, e estão na dos chineses? Isso é um crime de traição à pátria: passar sectores absolutamente vitais da nossa economia e soberania para mãos estrangeiras. Nunca poderia ter acontecido. E não era obrigatório, ninguém nos obrigou a vender. Outro exemplo: os nossos impostos estão a pagar milhões de euros por ano de arrendamento aos proprietários do Campus de Justiça, que também são franceses. Isso faz algum sentido? É nesta perspetiva que temos de ter medidas proteccionistas, e garantir a maior independência e autonomia possível. E isso aplica-se transversalmente em todos os sectores: desde a propriedade às grandes empresas, às energias, e à produção agrícola. Tudo. Onde podemos ter em português, não devemos abdicar, e devemos recuperar isso. Por isso é que também – e agora vou mudar um pouco de tema –, o acordo ortográfico, por exemplo, também é uma traição, porque estamos a desvirtuar aquilo que é a nossa língua escrita e a abdicar voluntariamente de uma parcela importante de identidade nacional. Portanto, isto aplica-se quer à cultura quer à economia e à população.

    Então também não gostou do novo símbolo da República Portuguesa?

    Isso é absolutamente absurdo. E os preços… Aquilo custou quase 80.000 euros.  Desbaratam o nosso dinheiro. E esse símbolo é absolutamente deplorável, porque não é um símbolo nada; é um grafismo que não pode simbolizar uma pátria. Até porque as pessoas são muitas vezes induzidas em erro e acham que a bandeira portuguesa é tricolor, mas não é. A bandeira é bicolor, com o verde e o encarnado. Só que depois tem um escudo, com a esfera armilar, e tem ali um certo amarelo; mas leva as pessoas a pensarem que é tricolor, e este grafismo novo induz ainda mais a isso. Nós não somos os Camarões; os Camarões sim, têm essas cores. Mas nós temos esta bandeira, é a bandeira nacional e eu prezo-a, por um lado, porque foi sobre ela que lutámos no Ultramar, mas desprezo-a em simultâneo, por ser a bandeira da República. Eu não sou republicano, sou monárquico; e ainda por cima é uma bandeira maçónica, porque aquilo veio muito da carbonária da Maçonaria, sobretudo o verde. Mas enfim, isso são outros 500….

    João Pais do Amaral num vídeo de campanha do Ergue-te.

    E qual é a vossa postura em relação ao tema da imigração e o fluxo migratório que vemos para Portugal e outros países europeus?

    Já em 2000, há 23 anos, nos insurgimos contra as leis permissivas de imigração. Nós sempre nos batemos pela nossa identidade e pela promoção do crescimento demográfico de portugueses; porque nós estamos a passar um terrível Inverno demográfico, nascem cada vez menos portugueses, e é preciso investir é no nascimento de portugueses e não na importação de imigrantes para colmatar essa falha. E nós sempre nos insurgimos contra aquilo a que chamamos a invasão imigrante, ou seja, uma imigração descontrolada e excessiva. E sobretudo se ela vem de pessoas que culturalmente não partilhem da nossa matriz, porque isso é pôr em perigo, obviamente, a nossa identidade, matriz cultural e os nossos costumes. Em 2007, com aquele famoso cartaz do Marquês, que pusemos, corremos um grande risco. Houve partidos que apresentaram queixa na Procuradoria-Geral da República para nos extinguir e ilegalizar. Isso é verídico. Mas nós, com coragem, dissemos que basta de imigração, e nacionalismo é a solução, e com uma nota de humor também, que faz parte, a dizer para fazerem boa viagem. Portanto, nós sempre fomos contra esta imigração invasora, e contra os acordos Schengen. Um país sem fronteiras é a mesma coisa que uma casa sem portas; ninguém na sua casa tem a porta escancarada nem retira a porta. Entra apenas quem nós queremos. Portanto, isto não faz absolutamente sentido nenhum. E esta onda de invasões migrantes tem sido cada vez mais maior e mais volumosa.

    Na sua opinião, a Europa e Portugal deveriam, e sobretudo Portugal que também é um país de emigrantes e que sempre na sua história se integrou, umas vezes melhor, outras vezes menos bem, com outras culturas. Entende que Portugal e a Europa deveriam fechar os olhos, por exemplo, a imigrantes que vêm de países que estão em guerra, de situações de pobreza extrema e de fome que atravessam o Mediterrâneo? O que é que fariam em relação a essas pessoas?

    Quando começou a primeira grande onda desses ditos refugiados que atravessavam o Mediterrâneo, nós em 2015, quando tivemos a melhor votação, pusemos um outdoor – o único – a dizer ”não aos refugiados”, e pusemos refugiados entre aspas porque eram imigrantes e migrantes económicos. Aproveitaram a situação da guerra na Síria, e os que cá chegavam vinham de vários países, nem sequer eram da Síria. Portanto, aquilo foi um falso acolhimento de refugiados. Ainda hoje, continuam a chegar ao Algarve de vez em quando pessoas vindas de Marrocos e vêm lá com os seus ténis de marca e os seus telemóveis… Isto é uma vergonha. Mas deixe-me só acabar aqui com um mito. Portugal sempre foi um país de emigração, é verdade. E tem tido surtos de emigração consideráveis desde o século XIX, pelo menos, para vários pontos do globo, mas atenção: primeiro, os portugueses que ficam não têm de ser reféns dos que partem. Era o que mais faltava! Aqueles que ficam têm de aceitar como moeda de troca outros, só porque alguns dos nossos querem ir para fora?

    E hoje há outra vez esse movimento, com muita saída de jovens do país.

    Exactamente; eu já vou a esse aspecto. Mas, de uma vez por todas, as pessoas têm que bater o pé e não se deixar comer por parvas com certas coisas. Porque nós também emigrámos… Sim, eu também vivi no Brasil a seguir ao 25 de Abril, era miúdo. Mas os portugueses que ficam não têm que ser reféns daqueles que partem. Depois, quando os portugueses emigram a sério, emigram para trabalhar, e não é de mão estendida à espera de apoios sociais. E quando emigram, respeitam o país que os recebe, integram-se e vão para países de matriz cultural semelhante. Nunca houve imigração maciça de portugueses para o Uganda ou para a Tailândia… Procuram o Brasil, a Venezuela, França, Alemanha, Inglaterra…

    (Foto: PÁGINA UM)

    Onde podem ter oportunidades de emprego e de condições de vida.

    Sim, mas repare, os portugueses nos anos 60 foram viver para bairros de lata nos arredores de Paris, sem electricidade, sem água e com condições de higiene miseráveis. E, portanto, o português não é emigra para usufruir de apoios sociais, e emigra para países semelhantes. Mas nós s não temos que ser reféns disso e não temos que receber uma imigração que custa muito ao país, por muito que que os observatórios falem do lucro; não dão lucro nada. Porque repare, quando falam naquele número astronómico para a segurança social: é evidente que os trabalhos têm que descontar. Mas, para já, n[os não temos que ver as coisas de uma perspectiva economicista, porque há coisas muito mais importantes, como a questão da identidade e da substituição populacional, que há muitos anos vimos alertando. Mas mesmo do ponto de vista da economia, então e o que perdemos em apoios sociais? E o que perdemos na criminalidade que tem vindo a aumentar? E não venham com conversas que o português se tornou mais criminoso; a criminalidade vem sim da imigração descontrolada.

    Mas também há muitas redes, que acabam por aproveitar-se da fragilidade de muitos imigrantes, não é?

    Claro; mas nós não apontamos o dedo ao imigrante em concreto – excepto em alguns casos –, mas sim aos nossos governantes, que são traidores e que permitem isto. E isto é tudo uma hipocrisia: nós estamos a assistir a uma invasão do Indostão, pessoas que vêm do Paquistão, do Nepal, da Índia, e que depois têm trabalho escravo! Como é que essas pessoas que são os campeões de defesa dos direitos humanos e da dignidade – toda a esquerda –, mas depois encomendam comida fornecida por um paquistanês que passa o dia, de sol a sol, a trabalhar para dar ao pedal, para ganhar uma miséria e que vive num buraco qualquer com mais de 50 pessoas? Isto é uma hipocrisia, porque eles estão a fomentar o trabalho escravo, indigno e estão a prejudicar gravemente os portugueses. Mas estes são os que trabalham; porque também há tantos imigrantes fora dos grandes centros urbanos, como no Alentejo, que vivem exclusivamente de apoios sociais pagos com os nossos impostos. Isso é de uma injustiça tremenda. Portanto, o que o Ergue-te sempre defende é reverter os fluxos migratórios. E isso não se faz com medidas avulso nem com cosméticas; e por isso é que eu falo sempre na mudança de paradigma, e isso vai levar tempo; mas é preciso começar. É preciso começar a criar condições para que Portugal, baixando impostos – é a famosa curva de Laffer…

    Portanto, defendem que se reduza a carga fiscal?

    Sim, para animar a economia, porque quando há uma grande pressão sobre os impostos, o próprio Estado não angaria tantas receitas como angariaria se houvesse uma redução de impostos. E o Brasil, com Bolsonaro, recentemente, é um exemplo disso. Trump também fez isso e foi um sucesso económico brutal. Acontece que é preciso mexer em muitas situações.

    (Foto: D.R./Ergue-te)

    Portanto, menos impostos para as empresas, para as famílias?

    Sim. É preciso voltar a criar condições para que os portugueses regressem, porque há muitos portugueses, sobretudo jovens, massa cinzenta, que sai do país; alguns, porque querem, mas isso é uma minoria. A maior parte é porque a sua mãe pátria lhes recusa um ganha-pão digno e não lhes dá valor, porque as pessoas tiram cursos superiores muitas vezes, e depois vão ganhar 800 ou 900 euros.

    E não tem habitação. Mas para fixar de facto esses jovens e para haja salários mais dignos, que medidas é que propõem?

    Várias coisas, e vou ser muito sumário. Em relação à imigração, é fechar as portas, e mandar embora aqueles que estão cá a mais e que vivem em apartamentos aos 50 ou aos 40. Nós não queremos cá imigrantes de raças e culturas que não têm nada a ver connosco; e queremos mudar a lei da nacionalidade, porque a nacionalidade herda-se e não se atribui administrativamente na secretaria. Por outro lado, atrair os jovens baixando impostos. O problema da Habitação é culpa directa de todos estes governos. As pessoas não vão gostar desta medida e vão dizer que perdemos votos, mas não queremos saber,  nós pensamos nos portugueses em primeiro lugar: queremos acabar com o alojamento local nas grandes cidades. Em Lisboa e no Porto não pode haver alojamento local; no resto do país, onde quiserem, tudo bem. Depois, fiscalizar as casas que têm lá a viver 40 e 50 indostânicos, e proibir isso, mandá-los embora para sua casa, e reverter os fluxos migratórios. Depois, recuperar edifícios que estejam devolutos do próprio Estado, impedir a venda de casas a não residentes em Portugal, porque tem havido uma imensa especulação imobiliária e nós estamos a concorrer com o poder de compra de estrangeiros. E há ainda a questão de que a Caixa Geral de Depósitos devia efectivamente baixar os juros à habitação, porque tem margens de lucro astronómicas. E se nós não podemos impor isso aos bancos privados, o Estado tem a obrigação de o fazer – aqui está um aspecto de intervencionismo e de proteccionismo. Se o Estado o fizesse, os outros, por concorrência, eram obrigados a baixar também os juros.

    (Foto: D.R./Ergue-te)

    Portanto, com esse conjunto dessas propostas, já iria haver mais habitação?

    Eu estou convencido que sim.

    Nos últimos anos, o vosso partido foi crítico, da questão da TAP, mas também, por exemplo, das aulas de cidadania, que defendem que deve acabar. Na Educação, que mudanças é que defendem?

    Para nós, a Educação, está muitíssimo capturada pelo marxismo cultural, sem dúvida, e pelo que chamam a ideologia woke. E temos que despir a Educação de qualquer tipo de carga ideológica. Sobre a disciplina de Cidadania, nós, ao contrário de outros que defendem que seja opcional, defendemos que deve ser extinta. Porque não podemos permitir que, mesmo opcionalmente, a pretexto de uma suposta cidadania, despejem lixo na cabeça das nossas crianças.

    Está a falar da questão da identidade de género?

    Sim, da ideologia de género e essas coisas. Para já, não existe género; só existe o sexo masculino e o sexo feminino, ponto Final. Portanto, tudo isso já é uma novilíngua que estão a impor para confundir as mentes, e é preciso ter coragem de o dizer; eu não falo em género, só há dois sexos. O resto, são fantasias e invenções delirantes de esquerdistas. Depois, como é que é possível estarmos a investir 400 milhões nesta ideologia de género, em que uma das parcelas desse investimento é para ir buscar ao Uganda homossexuais que estão a ser perseguidos? Quer dizer, mas nós somos algum caixote do lixo, para vir tudo o que os outros países não querem? Nós não somos a Santa Casa da Misericórdia. Tudo isto um perfeito absurdo.

    Mas também são pessoas que são sujeitas, se calhar, a serem detidas e serem maltratadas nos países de origem.

    Mas isso é um problema deles, os países que resolvam. Nós é que temos de pagar por isso e recebê-los?  Cada um que resolva os seus problemas. Por exemplo, nós somos também contra o Islão, e não queremos cá o Islão; se nós importarmos o Terceiro Mundo, ficamos iguais ao Terceiro Mundo. E a Educação é um sector absolutamente fundamental, porque é aí que estão a formatar as nossas crianças. Há três sectores que são absolutamente fundamentais e que têm sido usados pela sabedoria do marxismo cultural: a escola, a universidade e a comunicação social. Usam-nos para promover tudo o que é porcaria e isso tem que ser revertido, porque estão completamente capturadas para formatar as mentes e para destruir tudo o que sejam valores tradicionais. E só para terminar: chamam-nos conservadores, mas nós não somos conservadores – somos tradicionais, que é muito diferente. Eu não sou conservador, não me sinto como tal e repudio isso até; sou tradicionalista, que é bastante diferente.

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto


    Veja AQUI o programa do Ergue-te.


  • ‘Considerar a produção de energia nuclear em Portugal é absurdo’

    ‘Considerar a produção de energia nuclear em Portugal é absurdo’

    Aos 47 anos, Pedro Soares Pimenta comanda o Partido da Terra desde 2020. O psicólogo e empresário, residente em Leiria, lidera o partido fundado em Agosto de 1993 pelo conceituado arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, na altura, com a denominação Movimento Partido da Terra (MPT). Nestas eleições legislativas, o MPT concorre na coligação Alternativa 21, com o partido Aliança. Anteriormente, o Partido da Terra já teve dois deputados na Assembleia da República e dois eurodeputados. Depois de ter sido impedido pelo Tribunal Constitucional de concorrer às eleições europeias, em 2019, o partido prepara-se para se apresentar com candidatos nas europeias, em Junho, a sonhar com uma presença no Parlamento Europeu. Esta é a 14ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE PEDRO SOARES PIMENTA, LÍDER DO PARTIDO DA TERRA, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Começo por perguntar, já que estamos numa numa altura de campanha eleitoral, o porquê de o Partido da Terra, desta vez, decidir avançar em coligação com o partido Aliança, sob o nome Alternativa 21?

    Agradeço o convite feito pelo jornal pelo PÁGINA UM e congratulo e mando um abraço a todos os portugueses que nos estão a ouvir e que nos vão ler. Nós, por natureza, e quem nos conhece, sabe que vamos sempre sozinhos a todas as eleições e a todos os círculos. No entanto, houve uma convergência de ideias entre os líderes, tanto do Partido da Terra –  no qual eu me incluo –, e os líderes do Partido da Aliança para conseguirmos fazer um projeto realista para o país, sem demagogias, pragmático, mas principalmente um projeto de desenvolvimento. No fundo, estruturado para que consigamos sair deste círculo vicioso, negativo, que os partidos, os governos de esquerda nos têm vindo a habituar. Chegámos a esse entendimento entre os doi partidos e decidimos avançar. O nome do Alternativa 21, é exactamente isso, uma alternativa para o século XXI. Muitos dos portugueses com quem nós falamos, tanto a nível do Continente como nas ilhas, nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, dizem: “nós votamos sempre nos mesmos porque não existe outra alternativa”. Existe uma alternativa e essa alternativa é a Alternativa21.

    Pedro Soares Pimenta (Foto: Captura a partir de imagem de debate na RTP)

    Outra coisa que eu tento explicar às pessoas de uma forma muito simples – porque estou na política desde 2015 e sou presidente do partido desde 2020 – , e até costumo brincar: quando Deus criou a Terra e Deus criou Portugal e os portugueses, certamente quando passou por cima de Portugal não definiu que apenas o Partido Social Democrata e o Partido Socialista é que fossem as pessoas com capacidade ou com a sapiência suficiente para poder governar o país. Não, não é isso. Todos os partidos – o Partido da Terra, e eu pessoalmente, somos um bocadinho à parte daquilo que os outros fazem – cada um defende a sua dama. Mas eu digo de uma forma muito frontal: todos os partidos têm pessoas válidas. Todos os partidos têm pessoas com capacidade. Todos os partidos têm pessoas que conseguem levar os seus projetos e conseguem levar Portugal para melhor. A questão é que, sistematicamente, desde o 25 de Abril, só jogam dois partidos: o Partido Socialista e o Partido Social Democrata. Isto também muito por culpa – não querendo desprezar o trabalho da comunicação social e dos jornalistas – da comunicação social que existe em Portugal. Porque, sistematicamente, alimenta, de uma forma quase absurda e ilógica e quase grotesca, os partidos com assento parlamentar. Vê-se até nos debates que existem.

    Nas televisões, por exemplo.

    Não é uma coisa que eu acho completamente absurda. Dão uma hora a dois candidatos e depois dão duas horas a 14 ou 15 ou 16. Isto é desqualificar os outros partidos.

    Parece que há partidos de primeira e de segunda, que há uns que são melhores do que os outros.

    Mas isso há. Isso está visto em Portugal. Falo por mim: do Partido da Terra, eu sei; do Aliança, também, porque houve aqui uma convergência de ideias para conseguir fazer um manifesto eleitoral. Mas há outros partidos que nem me passa pela cabeça o que é que eles defendem ou deixam de defender. E há outros que eu, por iniciativa própria, nem quero saber. A questão é mesmo esta: muitos dos portugueses não têm as condições da liberdade de saber quais são os projetos do Partido da Terra, os projetos do Aliança, os projetos de uma coligação porque não é possível, porque não chega lá.

    A que se deve essa posição dos grandes grupos de comunicação social? Tive a experiência de, ao fazer alguma pesquisa para estas entrevistas da HORA POLÍTICA, encontrar mais informação sobre diversos partidos na imprensa local ou regional, do que propriamente em grandes meios de comunicação social. A que se deve esse tipo de atenção que é dada aos maiores partidos por parte dos grandes grupos de comunicação social?

    Não costumo, por natureza, dizer mal de jornalistas. Não digo, não digo. Conheço alguns. Até porque a culpa nem é propriamente dos jornalistas, mas da máquina que faz funcionar todo este mundo. Muitos jornalistas, quando estão em início de carreira, recebem a recibo verde.

    Há precariedade.

    É precariedade. Têm um trabalho que não é garantido, nunca sabem o dia de amanhã. Se dizem aquilo que não devem, o mais provável é não seja renovado o seu contrato e depois vão para ‘o olho da rua’. Isto acontece de uma forma mais natural do que aquilo que as pessoas alguma vez imaginam. Não estou a falar dos jornalistas, mas do polvo que existe à volta dos próprios meios de comunicação social.  Não sei se já teve oportunidade de ver quais são as propostas do Partido Socialista em relação aos meios de comunicação social.

    Não vi?

    O Partido Socialista, uma das coisas que quer é rever as competências da ERC. Nem sei porque é que RC existe porque não cumpre aquilo para que foi criada. A partir do momento em que existe a tal desqualificação em que existem os partidos de primeira e os partidos de segunda. Não sei para que é que a ERC existe, não faço a mínima ideia. Há outra questão, querem aumentar a participação do Estado na agência Lusa.

    Pedro Soares Pimenta com Jorge Nuno de Sá, líder do partido Aliança (segundo a contar da esquerda), e Nuno Afonso (primeiro a contar da direita), fundador do Chega e que concorre, agora, como independente, pela coligação Alternativa 21, no círculo de Lisboa. (Foto: D.R./Alternativa 21)

    Não concorda com isso, por exemplo?

    A agência Lusa, já tem nomeação política. A direção da agência Lusa já é de nomeação política. Muitas pessoas não sabem o que é agência Lusa. Se você questionar, grande parte dos portugueses não sabe. A agência Lusa é a central que gere comunicações de notícias em Portugal. A agência, Reuters é internacional. E há mais algumas. A Lusa tem uma importância crucial para a neutralidade das notícias para todo o território português. Ora, se existe um governo que quer ainda entrar com mais força na agência Lusa, controlar a agência Lusa. o que é vai acontecer? Vai acontecer que quem lá está vai controlar a informação.

    E todas as notícias que saem da agência Lusa são depois disseminadas em todos os órgãos comunicação social, sem alterar uma vírgula. Portanto, tudo o que sai na agência Lusa é depois replicado, é feito um copy-paste em todo lado.

    É tudo replicado. Vou lhe dar aqui duas situações. Não vou falar nomes para não haver aqui confusões. Nós enviamos comunicados para alguns meios de comunicação social regionais e para o meio de comunicação social que, neste caso, é a Lusa. Como é possível fazermos um comunicado e não sair em rigorosamente meio nenhum?

    Tenho recebido indicações de vários partidos de que isso tem acontecido. Ou seja, que enviam vários comunicados de imprensa para a agência Lusa e para outros meios e que nunca conseguem que haja notícias sobre esses comunicados.

    Dê uma explicação plausível para que isto aconteça. Não me consegue dar, nem eu lha vou pedir para não por a a sua posição em causa.

    Tenho feito muitas críticas, enquanto jornalista, sobre várias situações. É também por isso que estamos, por exemplo, a fazer esta iniciativa, HORA POLÍTICA, porque sentimos que não existe diversidade e o pluralismo que deveria existir na comunicação social.

    E eu aceitei porque quando me disse que iam contactar com todos os partidos, eu disse logo: sim senhor, se assim é, vamos embora e eu estarei totalmente disponível. Mas há um segundo ponto de que quero falar. Houve dois meios de comunicação social – um deles foi por telefone e o outro foi por vídeo para colocar no telejornal das 20h, foi nos Açores… Posso dizer, porque revoltado. É um jornal que é do Estado, que é controlado pelo governo regional dos Açores. Estive cerca de 45 minutos a responder a tudo aquilo que o jornalista me perguntou. Houve uma parte em que eu me enganei. Em vez de dizer “estamos aqui para defender os Açores”, enganei-me e disse “Algarve”. E depois rectifiquei: “peço imensa desculpa, não é Algarve, é Açores”. Enganei-me por uma simples situação: eu tinha estado no Algarve no dia anterior e tinha estado lá está a fazer um discurso. Quando sai no jornal a peça, de 45 minutos, passou para uns 8 segundos. E passou exatamente o quê? A parte em que eu me enganei. Isto não é seriedade, é ser malicioso.

    Pedro Soares Pimenta no XI Congresso do MPT. (Foto: D.R./MPT)

    Tem havido quem defenda que haja injecção de dinheiro dos contribuintes em grandes grupos de comunicação social. Tem havido uma crise. Grupos têm dívidas gigantescas, nomeadamente dívidas ao Estado. É o caso da Trust in News, que é a dona da revista Visão. Tem uma dívida enorme, mais de 11 milhões de euros, ao Estado. Também é uma coisa que é inexplicável. Depreendo que, se calhar, não estará muito de acordo com isso. Qual é a sua posição?

    Não é uma provocação, é uma rasteira. Como eu disse, o problema não são os jornalistas, o problema são os grandes grupos. Realmente, é uma coisa que me surpreende a mim, como é que se deve 11 milhões de euros ao Estado, com a situação e com a qualidade de jornalismo que a Visão, por exemplo, tem tido nos últimos anos, por vezes algo tendenciosa, mas a qualidade está lá. Eu faço outra pergunta: como é que o Estado, como é que o Governo, deixou que a dívida acumulasse até estes níveis?

    Se for outra empresa, se for de outro setor, se calhar já não pode.

    Ora, aí está. Se a Elisabete ou o Pedro Pimenta dever 100 euros às Finanças, ou se tiver uma pequena empresa e falhar com uma obrigação fiscal, que é que vai acontecer, passados dois ou três meses? Cai o Carmo e a Trindade. Como é que estes grupos conseguem? De uma forma muito clara. Porque está tudo dentro do sistema. Quando estiver lá um partido, a coisa é de uma forma, quando estiver outro partido, a coisa é de outra forma. E os dois partidos são sempre os mesmos. Eles sabem para onde é que vão lidar. A RTP é do estado. Não vão cuspir no prato onde comem. É evidente que eles não vão dizer mal, descaradamente, do governo. Quando o fazem, está muito mal do Governo. E é um sinal, é um indício, que aquele governo está a prazo. É estranho, mas é verdade. Vou dizer outro caso. Isto é verdade e é uma daquelas coisas que eu gostava que houvesse jornalismo independente e de investigação a sério… Infelizmente, em Portugal, parece que deixou de existir. Mas, gostava que houvesse jornalismo a sério, de verdade, que fosse investigar todas as localidades, os concelhos e freguesias pelo país fora. Porque vão ficar surpreendidos. Porque há um determinado partido que, quando ganha a Câmara [Municipal], das primeiras coisas que faz é contratar os elementos dos jornais regionais ou locais para assessores nessa determinada Câmara. E, depois, financia esses determinados jornais, como apoio do município.  Isto pode chamar-se muita coisa. Na minha terra, chama-se “meter a manta por cima de quem pode fazer barulho”.

    Sobre a questão da visibilidade de alguns partidos junto dos portugueses, até para que saibam que existem alternativas, existem ainda a questão do financiamento das campanhas eleitorais. O nível de subvenções é também muito diferente entre uns e outros. Mas os pequenos partidos, quando há uma multa, muitas vezes não são poupados. Há multas de milhares de euros por inconformidades.

    Temos uma particularidade. O Partido da Terra já teve contas penhoradas pelo Tribunal, porque não pagou uma determinada multa, para a qual até existia um acordo feito. Foi uma confusão, entrou um presidente, saiu outro. Mas tem toda a razão. Nós vamos avançar com queixa para o Tribunal Europeu. Nós já contactámos outros partidos para nos unirmos. Ninguém quer, não percebo. Mas nós vamos fazer [uma queixa] por várias razões. Uma delas foi: proibiram-nos de ir às eleições europeias, em 2019, e agora permitiram que o Chega fosse às regionais da Madeira. A situação é idêntica. Ou melhor, não é idêntica. A situação do Chega é muito pior do que a situação do Partido da Terra, quando nos impediram de ir às eleições europeias, em 2019. Não nos podemos esquecer que cinco anos antes, nós, no Partido da Terra, tínhamos conseguido dois eurodeputados. Ou seja, impediram-nos de ir em 2019. Não estou a dizer que o partido até conseguisse eleger alguém. Mas haveria de, pelo menos, um eurodeputado que foi eleito, ou pelo partido A ou pelo partido B, que não iria. Porque aí os votos iriam ser divididos.

    (Foto: D.R./MPT)

    Então, porque é que houve essa dualidade de critérios? O que é que se passa?

    Tiveram medo do Chega. Do MPT, não tiveram medo nenhum. ‘Chumbaram’, não fomos. Tinham-nos dados razão antes de entregar os papéis para eleições. Não nos deixaram ir a eleições. E, depois das eleições, voltaram a dar-nos razão no Tribunal Constitucional. O Tribunal do Círculo do Funchal permitiu… Havia uma deliberação do Tribunal Constitucional a dizer que o Chega não tinha os órgãos diretivos para poder ir a eleições, por causa daquela confusão, em que alguém contestou os órgãos sociais do partido etc. E o Tribunal Constitucional disse: o Chega não tem direção. Para todos os efeitos, de grosso modo, é isto:  não há direcção, de facto. O Tribunal do Funchal, aceitou ou foi feita uma reclamação. O Tribunal Constitucional disse que não, que continuavam a bater na mesma tecla, a dizer que não havia possibilidade, que a direcção do Chega não tinha legalidade para decidir, nem quem eram os candidatos, nem quem e como é que iriam a eleições. Portanto, não havia legalidade naquela direcção.

    Mas avançou tudo, portanto, não houve questão.

    O Tribunal do Círculo do Funchal bateu o pé e disse “vai, vai, vai”. E o Tribunal Constitucional, em última instância, disse: “OK, pode ir”. É incrível, isto não é democracia, é um absurdo. É ilógico, é uma anormalidade. As razões que invocaram para o Partido da Terra não poder concorrer às europeias em 2019 eram muito menos gravosas do que a situação do Chega nas regionais da Madeira. E porque há dois pesos e duas medidas. Porque é que o Chega se tornou ‘papão’ e todos têm medo de o deitar abaixo?

    E as sondagens estão a dar um valor próximo dos 20% ao Chega. Como é que vê as sondagens e os resultados que têm sido divulgados? Embora saibamos que as sondagens muitas vezes não mencionam partidos como o Partido da Terra.

    Bom, neste caso, a coligação Alternativa 21.

    Exactamente, estamos aqui a falar do Partido da Terra, mas nestas eleições vai em coligação.

    Há cerca de dois anos, quando foram as legislativas, lembra-se, quando faltava cerca de 5 ou 6 dias para acabar a campanha, quem é que estava em primeiro lugar, destacado?

    Não, já não me recordo.

    Era Rui Rio. As últimas sondagens, 4 ou 5 dias antes, davam Rui Rio e o PSD como estando à frente de António Costa, mas 36 para 28, ou algo assim, desse género, já não me lembro ao certo. Mas Rui Rio estava muito à frente. Resumindo, o Partido Socialista teve uma maioria absoluta. As sondagens valem o que vale. O Chega crescer… É normal que cresça porque a população está descontente. A população está descrente, a população não acredita na palavra de um político. A população vê a política como algo muito negativo. Depois aparece um populista, um demagogo. Por tudo aquilo que o que o doutor André Ventura diz é praticamente impossível de aplicar, até pela Constituição portuguesa. Agora está a ser desmascarado por vários meios, porque as propostas que ele apresenta, até financeiramente não são viáveis para o país. Só que as pessoas se reveem nesses discursos que fazem no Chega. Tem uma equipa, presumo, deve ter uma equipa que trabalha muito bem e diz assim: “os portugueses estão descontentes com as torneiras em plástico; OK, então vamos agora dizer que as torneiras em plástico não prestam e que nós defendemos as torneiras em metal”. E lá vem o Chega defender as torneiras em metal. Uma semana depois: “espera aí que o ‘pessoal’ está descontente porque os carros têm pneus borracha; vamos a público dizer que têm de ser pneus de plástico”.

    Ajusta um bocadinho àquilo que sente que é a vontade da população.

    Depois tem uma máquina brutal nas redes sociais. A máquina mais forte nas redes sociais que eu conhecia, era a do Bloco de Esquerda, que estava muito bem implementada, trabalhava muito bem. Neste momento, o Chega conseguiu ultrapassar o Bloco. É, a nível de máquina nas redes sociai, a divulgar informação..  E quando eu digo máquina, não é dizer que é o Chega que divulga. Não. São personagens, indivíduos que criam páginas que criam perfis para divulgar toda uma imagem, notícias, toda uma informação. E as pessoas começam a ser massivamente bombardeadas com aquilo e vão atrás. Um dos nossos motes é falar da direita de uma forma séria. Temos de falar daquilo que o Chega fala. Todos temos de falar. Nós temos de falar da imigração descontrolada. Temos de falar dos polícias. Nós temos de falar do Sistema Nacional de Saúde, embora o Chega fale pouco disso. O primeiro a falar da imigração ilegal… Isto chegou ao cúmulo da estupidez. O primeiro que falou da imigração ilegal, e daí contestar as políticas que a esquerda criou, foi Pedro Passos Coelho. Foi o primeiro a falar sobre isto. Quando houve a ‘geringonça’, política abriu as portas de Portugal a qualquer um que quisesse entrar, sem averiguar e sem verificar de onde é que vinham, o que é que tinham feito. E Pedro Passos Coelho – que, para mim, foi um grande político, e é um estadista – e ele [chamou a] atenção que isto é negativo. Temos de saber de onde é que eles vêm. Tudo aquilo que André Ventura agora está a dizer de uma forma quase raivosa, Pedro Passos Coelho já disse isto de uma forma mais ponderada e até de uma forma mais realista e concreta. Isto não é novidade nenhuma. É evidente que quando Pedro Passos Coelho disse, ele avisou: “atenção, que isto vai acontecer”.

    Já foi há uns anos.

    Foi, salvo erro, em 2016 ou 2017. Mas ele disse: “atenção, que isto vai acontecer”. Evidentemente, aconteceu. Todos sabíamos que ia acontecer. Ora, André Ventura e o Chega agarram no mote e agora que está a potenciar tudo isto.

    Falando agora da coligação Alternativa 21, no caso do Partido da Terra, tem um histórico em termos de ter candidatos eleitos. Entre 2005 e 2009, teve 2 deputados na Assembleia da República nas listas do PSD, na altura era liderado, salvo erro por Pedro Santana Lopes. Em 2014, como também já referiu, teve dois eurodeputados no Parlamento Europeu. Foi o primeiro partido ecologista a seguir aos Verdes, a consegui-lo.

    Acho que os Verdes entraram em coligação com o PCP.

    Além dos vários candidatos eleitos em termos de eleições autárquicas e também na Madeira. Quais são os objetivos agora, em coligação?

    Infelizmente, são dois partidos que jogam, são dois partidos que movem, são dois partidos que estruturam a informação, que não permitem que pequenos partidos consigam mostrar e desenvolver um trabalho adequado.

    Então, o que é que desejava? O que é que seria o ideal para si?

    Acredito muito no candidato de Leiria, que é um ex-administrador hospitalar que defende há muitos anos, há cerca de duas décadas, a construção de um hospital nas Caldas da Rainha ou Alcobaça. E agora o  Partido Socialista decidiu meter um hospital Central do Oeste, no Bombarral. Isto não cabe na cabeça de ninguém. E, portanto, ele vai defender, evidentemente, o hospital das Caldas da Rainha. Acredito também no Nuno Afonso, que concorre pelo círculo de Lisboa. É uma pessoa que veio do Chega, fundador do Chega, e que viu a demagogia e mentira naquele partido decidiu sair e trilhar o seu caminho, Depois, também acredito no círculo de Santarém por causa do projeto do aeroporto de Santarém. Deveremos ser os únicos que apoiamos incondicionalmente o projeto do aeroporto em Santarém. Acredito que a população do distrito e toda aquela região Ribatejana vai ver quem é que verdadeiramente são os candidatos que vão defender e querem defender toda aquela região e votarão em concordância com isso.

    Fala por causa do aeroporto de Alcochete?

    Completamente absurdo. Nem sei como é que alguém pondera aquilo. Alcochete, Vendas Novas, Montijo… Montijo, nós somos contra desde 2015. Entrei em 2015, fui cabeça de lista por Leiria. Na altura, defendia a abertura da aviação civil em Monte Real. Compreendo que Monte Real complicado, que é uma base NATO e é uma das bases mais operacionais de Portugal. O melhor é a base mais operacional do Continente. A base mais operacional de Portugal é a das Lajes, com os aviões norte-americanos. Mas é a base mais operacional do continente. É uma base NATO. Eu sei que seria difícil embora existam vários aeroportos na Bélgica, na Alemanha, em que é um aeroporto NATO, com aviões militares, e um aeroporto civil. Portanto, seria possível, com vontade política, seria possível. Como nunca ninguém quis muito, realmente nunca ninguém ponderou Monte Real… Porquê? Porque está a 120 km de Lisboa e o governo acha que isso é muito. Noutras capitais não acham, aqui acham. Agora, aparece o projeto de Santarém. A nível a nível do impacto ambiental, a nível de resposta ao país,de obra estruturante para o país e para o futuro do país, é a melhor resposta é a melhor obra possível e imaginária. Cerca de 65 a 75% dos passageiros que param na Portela é para ir para o norte do distrito de Lisboa.

    Pedro Soares Pimenta num vídeo de campanha do MPT nas anteriores legislativas.
    (Foto: Imagem capturada a partir de vídeo do MPT)

    Portanto, já ficavam numa rota, digamos assim, mais mais fácil.

    Repare naquilo que eu acabei de dizer: 65% a 75% dos passageiros que vão pela Portela vão para o norte do distrito de Lisboa. E o que é que os governos que passam por Portugal dizem? Eles vão para o norte? Então vamos construir a sul. Isto devia ser um sketch humorístico.

    Não tem muito racional, é isso?

    Isto não tem racionalidade nenhuma. Andaram a bater com o aeroporto do Montijo… Você sabe porque é que a Força Aérea deixou de operar aviões a jato na base do Montijo? Porque tiveram dois acidentes com aves. Porque aquilo é uma zona de nidificação de aves, numa zona brutal, das principais da Europa. Algumas só nidificam ali, a nível mundial.  Os senhores da Força Aérea decidiram acabar com os voos no Montijo, porque não pode ser, porque caíram dois aviões. Uma vez, mataram duas pessoas, outra vez mataram mais duas.

    E a zona é um património natural e fantástico, termos ambientais.

    Aquela zona tem de ser protegida. Até se poderia fazer hotéis de ecoturismo.

    Turismo de ambiente.

    Há uns anos vi o dinheiro que envolve a actividade de observação de aves. Os que vão correm mundo a fotografar aves e a observar aves. É um negócio de biliões.

    Sim, fotografia e observação de aves.

    Em Portugal não se liga nenhuma a isso. Há um local nos Açores que está no roteiro mundial para avistamento de aves. Agora, de resto, em Portugal, no Continente, zero. O que há são pequenas iniciativas privadas ou de associações. Podia ser um dos maiores a nível internacional. É que nem se coloca a possibilidade sequer de meter aviões a jacto ali. É uma questão de segurança. Da Força Aérea portuguesa saem dois aviões por causa de aves que embatem contra os aviões, depois a um Boeing 737 não acontece nada, só porque um ministro disse que os pássaros eram inteligentes, que fugiam dos aviões.

    E como vê o anúncio também que foi feito logo antes da campanha eleitoral de que Portugal avança finalmente com a construção da linha de TGV? E sobre a questão da ferrovia, temos o caso da CP, onde também só em aumentos de capital já foram colocados muitos milhões de euros por parte dos contribuintes…

    Somos a favor da TGV que ligue um dos portos profundos, um dos mais importantes da Europa, que é Sines, ao resto da Europa, e ligue a capital, Lisboa, a Madrid. Totalmente de acordo. Vou falar da minha posição pessoal porque o Partido da Terra é um partido aberto, aberto às ideias. Não é um partido castrador, cada um tem as suas ideias, cada um defende as suas ideias e nós só temos de respeitar. A minha liberdade acaba quando começa a do outro, e vice-versa. Não somos um partido de proibições, bem pelo contrário.

    (Foto: D.R./MPT)

    Há um debate de ideias.

    Exatamente. E acho que foi assim que foi criado o Partido da Terra, com Gonçalo Ribeiro Telles e aquele grupo que se encontrava em Lisboa, num café em Lisboa, era quase uma tertúlia, por assim dizer, de ideias. E dessas tertúlias saíram, por vezes, projetos interessantes para o país. O TGV, sou totalmente a favor de ligar Sines ao resto da Europa. Para isso, temos um problema que é [converter a] bitola ibérica para a bitola europeia. Tem de ser alterada. É muito dinheiro que vai ser investido nisso. De Lisboa a Madrid: totalmente de acordo. Faz-me confusão, por exemplo, ligar o Porto a Lisboa com duas ou três paragens. Somos a favor que as grandes obras estejam próximas das populações, totalmente de acordo. A minha questão é o dinheiro que se vai gastar só para dizer que se tem um TGV de Porto a Lisboa. Porque, do Porto a Lisboa, com duas ou três paragens, vai-se poupar 15, 20 ou 22 minutos, do que se fosse num Alfa Pendular. Gastar 3, 4, 5 ou 6 mil milhões de euros só para poupar 15 ou 20 minutos, é difícil de ‘engolir’.

    Até porque os portugueses estão com outros problemas. Há a crise na Habitação, na Saúde, mas outras questões também para as quais são necessárias verbas e políticas.

    Na Saúde, é uma questão de prioridades. As prioridades dos governos que têm governado o país têm estado um pouco desfasadas daquilo que os portugueses verdadeiramente necessitam. Sou a favor que se faça uma reestruturação e uma requalificação de todo o parque hospitalar, de norte a sul do país. Mas, para isso, é preciso muito dinheiro. É preciso muito menos do que para fazer o aeroporto de Alcochete. Muito menos.

    Portanto, deveria ser uma prioridade.

    O que é que está em primeiro lugar? É meter um aeroporto em Alcochete ou em Vendas Novas, que vai ser um atentado ambiental no sul do distrito de Lisboa, em que a própria população… É que nunca houve nenhum político que dissesse: “vamos perguntar aos lisboetas se querem ser bombardeados com mais aviões por cima das suas cabeças”. A maior parte dos lisboetas estão completamente saturados da pressão na capital, estão completamente saturados da pressão ambiental, da pressão do turismo sobre a capital. Se se vai construir um aeroporto na parte sul do distrito, na margem sul, em Alcochete ou Vendas Novas, a maior parte do tráfego vai ser pela Ponte Vasco da Gama. Todos nós sabemos que o ponto em que a ponte Vasco da Gama já está. Os lisboetas estão, em grande parte, contra estas iniciativas. E Santarém, se calhar, é a melhor solução até para os lisboetas. E até porque não investimento público nenhum, zero. São 15.000 milhões de euros que se fala para fazer o aeroporto em Alcochete. Temos de rezar para que Nossa Senhora desça à terra e conseguir fazer um milagre de não haver derrapagens na obra pública em Portugal, o que não existe. Não vão ser 15.000 milhões, vão ser 17, 18, 20, 22.000 milhões. Portugal está assim tão bem para gastar entre os 15 e os 20.000 milhões a construir um aeroporto na margem sul, quando existe privados que o fazem sem despesa para o erário público? É ilógico, é uma anormalidade.

    Portanto, para si prioridade, deveria ser esta questão da Saúde.

    O mais importante, que mais preocupa as populações, é a saúde e a segurança.

    E habitação, infelizmente, também.

    Nem vou falar de habitação, porque teria de falar de outro assunto. E uma hora não chega. Porque a habitação, só acontece o que está a acontecer, porque os seus excelentíssimos, senhores da ‘geringonça’, decidiram abrir as portas do Portugal a quem quisesse entrar, sem verificar quem são ou quem deixam de ser. Portugal deve ser dos poucos países da Europa onde a imigração ilegal não deve existir, porque está, de tal forma aberto, que não há necessidade de haver a imigração ilegal. Eles entram, estão à vontade. Não sou nada contra a imigração é nós precisamos de pessoas.

    Cartaz da coligação Alternativa 21. (Foto: D.R./Alternativa 21)

    É a favor que haja um controlo.

    Tenho nada, nada contra. A esquerda, quando ouve alguém dizer isto, diz logo que eu sou isto ou sou aquilo. Não, não, não, nada disso. Venham brasileiros trabalhar, venham indianos trabalhar, venham nórdicos trabalhar, venha quem quiser trabalhar e ter a sua vida. Não tenho problema nenhum. Portugal é um país de emigrantes. Aceitamos e recebemos de braços abertos a imigração que venha para Portugal, para trabalhar, para estudar, para estruturarem, para dar qualidade de vida às suas famílias. Agora, estarmos a receber um indivíduo, por exemplo –  e saiu na comunicação social – , que matou duas pessoas no seu país de origem, e no aeroporto apanha um avião, vem para Portugal como turista e ao fim de meses tinha nacionalidade portuguesa, isto não pode acontecer. Peço imensa desculpa, não pode acontecer. Tem de haver controlo. Somos contra a imigração descontrolada. Era aquilo que dizia Pedro Passos Coelho em 2016.

    Mas a própria União Europeia está a pressionar os países e tem vindo a ter essa política, e alguns países já têm problemas e agora tentam controlar. Mas tem sido algo também que vem de Bruxelas, ou não?

    Daqui a um ano, 2 anos, 3 anos, você, possivelmente, vai dizer que no dia 17 Fevereiro de 2024 falou com o Pedro Soares Pimenta e, se calhar, ele tinha razão. Portugal já teve um dos passaportes mais poderosos, mais seguros do mundo. E, neste momento, o nosso passaporte tem sido olhado com desconfiança. Isto é das coisas que mais me entristece cada vez que saio do país.

    Afeta a reputação do país.

    Completamente, completamente. É estamos a falar agora, em 2024. Quando for em 2025 ou 2027, vamos ver como é que está. Vai estar muito pior. A questão da segurança: dizemos que Portugal é um país seguro. Mas Portugal é um país seguro por aquilo que funcionários da polícia criminal têm feito nos últimos 10, 15, 20, 25 anos. Nós temos de ver, com as políticas que foram criadas pelo Partido Socialista, como é que vai estar daqui a 10 ou 15 anos. Garanto-lhe que não vai ser dos países mais seguros da Europa ou do mundo, como agora se diz. Se somos hoje, é por causa de políticas de há 15, 20, 25 anos para cá.

    Sobretudo, se não se investir nas forças de segurança que, aliás, têm estado com protestos.

    As forças de segurança têm de ser reestruturadas. Porque a forma como está não é possível manter. Falo da PSP e da GNR. Eles revoltaram. Conheço muitos elementos da Polícia de Segurança Pública. Tive uma relação com uma agente da PSP durante 7 ou 8 anos, portanto, conheço a realidade da PSP. Os políticos em Portugal não dão real valor àquilo que eles passam. Porque aquilo que eles passam na rua é de bradar aos céus. Acho que nenhum português tem noção daquilo que a polícia passa quando entra no seu turno de trabalho. Não tem noção daquilo que eles passam, da parte da forma como eles são enxovalhados, como eles são ameaçados, como eles são agredidos. Ninguém tem noção.

    O que recebem não compensa os riscos e depois há também as condições em que trabalham.

    De forma alguma. Mas eu acredito, isto foi um espoletar que lhes fez pensar “estão a gozar connosco, temos de ir para a rua”. Mas há uma situação que para mim e para eles talvez seja mais gravosa, é a falta das condições de segurança que tem de ser dada por um Estado de direito aos órgãos da polícia criminal. Quando um juiz diz que chamar um polícia disto ou daquilo, ou ‘filho disto’, é um acto de revolta, isto é gozar com os polícia.

    E põe em causa a segurança das forças de segurança.

    E cria desmotivação. Deveria definir-se um subsídio de risco para cada agente que esteja em funções operacionais. Vamos dar 350, 400, 500 euros de subsídio de risco para agentes em funções operacionais.  Onde é que vamos buscar o dinheiro? É muito simples, é fazer a requalificação e reestruturação das forças, dos órgãos de polícia criminal. Se perguntar a agentes da PSP e da GNR, não vão contra aquilo que vou dizer. Porque é que existem dois corpos de intervenção? Porque é que não existe um corpo nacional de intervenção? que existem? 2 porque é que? Porque é que existem dois? Porque é que existem o Corpo de Operações Especiais e o Batalhão de Operações Especiais? Porque é que não existe apenas um? Porque é que não existe o Corpo Nacional de Segurança Interna, em vez de haver a direção nacional da PSP e o comando nacional da Guarda Nacional Republicana? Só o dinheiro que se pouparia aqui, dava para pagar este dinheiro a todos os agentes de polícia operacionais, que andam na rua todos os dias a combater a criminalidade em Portugal.

    (Foto: D.R./MPT)

    Ou seja, há medidas que podem ser tomadas e que são importantes para o futuro das forças de segurança e para colmatar alguns dos problemas?

    Tem é de se querer. Tem de se querer. Isto vai doer apenas unicamente a uma faixa da PSP, que são os oficiais. Os oficiais não vão gostar, mas os agentes que andam na rua, garanto-lhe que ficariam muito melhor.

    Hoje, fala-se, mais do que na defesa do ambiente, fala-se mais em alterações climáticas. E temos tido, não só situações de atentados ambientais em Portugal, mas continuamos a ter, além da poluição dos grandes grupos poluidores, temos tido casos de abates árvores de espécies protegidas para determinados projetos. Mas também, até na Europa, tem havido alguns casos de preocupação. Falo, por exemplo, do alargar por mais 10 anos a autorização de uso do glifosato, que um pesticida considerado perigoso. Também há um lobby para a Europa diminuir as restrições para a utilização de organismos geneticamente modificados na agricultura e outras medidas fala-se também da questão da autorização de certos pesticidas. Qual é a sua visão sobre este Tema?

    Orador 2

    Tudo aquilo que disse, tem toda a razão. Realmente, falou uma palavra mágica que são os lobbies. É evidente que os lobbies, infelizmente, na Europa – e Portugal não foge à regra – têm muito poder naquilo que deveriam ser as práticas normais ou reais para combater as alterações climáticas. Por exemplo, a União Europeia está a querer considerar o nuclear como energia verde. Não digo que o nuclear não seja uma energia mais limpa, mas com um pequeno pormenor: Portugal, onde está – e todos se esquecem disso –, é potencialmente sísmico. Temos o caso do Japão, que é muito avançado a nível tecnológico e nas centrais nucleares. É muito avançado e vimos o que aconteceu em Fukushima. Considerar sequer [a produção de energia] nuclear em Portugal é completamente absurdo. Não sabemos o pode acontecer amanhã. Também ninguém pensou que o terramoto no 1755 iria acontecer e aconteceu e mudou a realidade histórica de Portugal perante a Europa. O mais importante é conseguirmo-nos soltar das amarras dos lobbies.

    Devíamos promover, por exemplo, uma política séria de dessalinização da água do mar para combater a escassez de água, principalmente no Algarve, que está com uma carência grave de água. Não há políticas para isso. Devíamos renegociar os acordos com Espanha em relação aos caudais dos rios. Ninguém fala disso. Nós devíamos ter falado com Espanha por causa da central nuclear de Almaraz, que se tiver algum problema, vai contaminar toda a parte de Lisboa com produtos radioativos. Ninguém fala nada sobre isso. Devíamos criar um estatuto legal de preservação dos rios e dos rios livres, que permita identificar barreiras, de norte a sul do país para que as águas não sejam deterioráveis e para que os habitats ribeirinhos e o normal ciclo dos nutrientes, dos sedimentos, para os animais e para a fauna e flora possa viver em concordância e estabelecer para aquilo que devia ser o normal. Uma das políticas, por exemplo, que nós apoiamos é a criação de mais guardas florestais e, possivelmente também os guarda-rios para defender a flora e fauna, tanto nas florestas, como os nossos rios.

    Há uma série de situações em se pode fazer algo e não se faz. Porque parece que há entraves. Por exemplo, na agricultura, ninguém fala de uma agricultura sustentável, ninguém fala do setor das pescas, que é incrível. Ninguém fala da pesca local – e isto também tem a ver com as questões ambientais – que é a pesca mais sustentável. Não. Ainda potenciam é a pesca dos grandes armadores, dos arrastões que destroem o fundo do mar em vez de potenciar e ajudar os pequenos armadores da pesca local.

    Um dos jornalistas que colabora com o jornal PÁGINA UM é o esloveno Bostjan Videmsek, é um jornalista premiado, cobriu muitos conflitos e guerras, mas ele é também um embaixador do Pacto Europeu do Clima e tem escrito sobre a questão da defesa do ambiente. Escreveu um livro – Plano B – com vários casos positivos no ambiente. Ele considera que a pandemia e as alterações climáticas são também vistos como uma enorme oportunidade, não só para reforçar lucros de grandes lobbies e indústrias mas para reforçar poderes de políticos.

    Na covid, não concordo, parece uma teoria da conspiração. O que é interessante, é que foram criados novos lobbies com a situação da covid-19 e lobbies tremendamente poderosos. Ao nível da transição energética e da proteção ambiental, tivemos uma oportunidade muito forte de conseguir implementar políticas correctas ao nível de defesa do ambiente e de defesa ecológica. E não se fez rigorosamente nada. A transição energética tem de ser apoiada. A transição digital, exactamente a mesma coisa. A transição tecnológica também. Mas não nos podemos esquecer de uma coisa. Eu, por vezes, ouço certos e determinados candidatos políticos dizer que devíamos pôr tudo elétrico. Isso é impensável, absurdo. Nem o português comum tem capacidade para comprar um carro elétrico. Tem de haver uma melhoria das tecnologias para o português comum, da classe média, conseguir comprar um carro elétrico por 20 a 23 mil euros. Há uns anos, perguntei a um indivíduo: o que é que vocês vão fazer às baterias, quando acabarem? Respondeu: “ou vamos enterrar ou não vamos fazer nada”. Vão criar poluição. Depois, outra coisa muito importante é ver como funcionam as minas tanto do lítio como dos outros minerais que são necessários para criar uma bateria elétrica.

    (Foto: D.R./MPT)

    Em Portugal, esse é um tema importante.

    É uma poluição extrema e quando dizemos isto cai logo o Carmo e a Trindade. Dizem “não sabes o que estás a dizer”. Eu digo: “vão a África, vejam as minas que estão a céu aberto e vejam se aquilo tem alguma lógica”. Não tem lógica nenhuma.

    E a exploração humana, a escravatura ou a exploração de crianças, também.

    Tal e qual. Houve um estudo que foi feito nos Estados Unidos sobre se passássemos tudo a eléctrico, daqui a um ano, o que é que acontecia. E a resposta foi: o país parava. Não há capacidade na rede elétrica para sustentar todos os veículos elétricos, não há capacidade. E não há capacidade nos Estados Unidos, nem em Espanha, nem em Portugal, nem em França. Não existe capacidade. Portanto, tem de haver o bom senso de tentar minimizar a poluição dos veículos a combustíveis fósseis, alterá-los para energias complementares ou verdes, como o hidrogénio verde. Isto, sim, vai ser o futuro. Acredito que esse vai ser o futuro. E também combustíveis sintéticos. Está a ser investigado pela Porsche, Toyota, como outras grandes marcas. E e acredito que essa é que vai ser a resposta. O elétrico vai funcionar, vai funcionar durante muitos anos, a tecnologia vai crescer, vai ser melhorada e vamos ter uma resposta adequada, se calhar daqui a 10 ou 15 anos vamos ter uma perfeição. Mas daqui até lá haverá certamente outros tipos de combustíveis que poderão alimentar tudo.

    As europeias eleições europeias estão quase aí. Estamos a falar em poucos meses, em Junho, já teremos as eleições. O Partido da Terra está a pensar, planeia concorrer com listas às eleições europeias?

    Se o Tribunal Constitucional não fizer como fez em 2019, que não nos permitiu eleições europeias, isso é garantido. Não há uma eleição, que eu tenho conhecimento, pelo menos, desde que eu estou no partido, em que o Partido da Terra não tenha estado presente.

    Podemos esperar por isso.

    Garantidamente. Mas esta hora… Vou só dizer-se que esta hora devia ser muito mais, porque não falámos dos pescadores não falámos de um tema de que ninguém quer falar, que é a Defesa Nacional. Ninguém quer falar. A esquerda conseguiu fazer uma coisa que já tinham projetado há algum tempo e conseguiram alimentar esse projeto; conseguiram fazer com que as forças de defesa nacionais estejam entregues à desgraça. Não temos meios de navais com capacidade, não temos meios aéreos com capacidade. Devíamos investir num plano estruturado para renovar todas as frotas existentes. Não há. É engraçado. É que eles conseguiram passar a imagem de: “para quê, não precisamos”. Precisamos! A Ucrânia mostrou que precisamos. O mundo prova que precisamos. Eu gostava de viver num mundo cor-de-rosa, como alguns certos e determinados políticos, certos e determinados partidos dizem que vivemos. Também gostava de viver num desses mundos, mas não vivo. Temos de estar preparados e temos de dar condições aos militares. Os militares têm sido completamente desqualificados e isso é triste e vergonhoso.


    Veja AQUI o programa da coligação Alternativa 21.

    Veja AQUI a página do Partido da Terra.


  • Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda

    Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda

    No ano dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril e quase a completar 25 anos de vida, o Bloco de Esquerda formou-se através da fusão de movimentos e pequenos partidos então sem assento parlamentar, onde se destacava a UDP, de Mário Tomé, e o PSR, de Francisco Louçã. Hoje é ‘apenas’ um dos 24 partidos inscritos no Tribunal Constitucional, mas é considerado um dos ‘grandes’ com direito à primazia da imprensa, apesar de ter perdido o fulgor de 2015 e 2019, quando chegou aos 19 deputados. Em 2022 teve apenas cinco. Como sucedeu com todos os outros 23 líderes partidários, o Bloco de Esquerda foi convidado a participar na rubrica HORA POLÍTICA, uma iniciativa única na imprensa em Portugal, que visa contribuir para uma democracia com maior pluralismo e diversidade, concedendo espaço para uma entrevista em pé de igualdade. Apesar das inúmeras insistências, Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, não mostrou disponibilidade, sendo por isso a segunda ausência (após o Livre, de Rui Tavares) no meio de 13 entrevistas (já publicadas), que incluíram partidos sem e com assento parlamentar (Iniciativa Liberal, Chega e PAN). O PÁGINA UM dedica assim uma ‘hora de silêncio’ ao Bloco de Esquerda, e aproveita para divulgar as 10 entrevistas que já publicámos anteriormente. Todas as entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A NÃO-ENTREVISTA DE MARIANA MORTÁGUA, COORDENADORA DO BLOCO DE ESQUERDA, (QUE NÃO FOI) CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, optou por não conceder entrevista ao único órgão de comunicação social com uma iniciativa em que não discriminava nenhum partido independentemente de deter ou não representação parlamentar.

    Este espaço, que seria do Bloco de Esquerda, fica assim dedicado a divulgar novamente as 13 entrevistas já publicadas pelo PÁGINA UM aos 10 líderes políticos do partidos inscritos no Tribunal Constitucional por ordem crescente de antiguidade. Esta postura do PÁGINA UM será repetida caso se verifiquem ‘faltas’ idênticas. Saliente-se que foram convidados todos os líderes (e apenas os líderes) dos 24 partidos, independentemente de estarem representados na Assembleia da República ou de participarem nas próximas eleições, sendo a sua divulgação feita por ordem crescente de antiguidade, terminando no dia 4 de Março com a entrevista ao Partido Comunista Português, o mais antigo do país.

    Líderes dos partidos com entrevistas já publicadas, cuja sequência remete para a sua antiguidade, em função da data da inscrição no Tribunal Constitucional.

    OSSANDA LIBER, presidente da Nova Direita


    ANA CARVALHO e DUARTE COSTA, co-líderes do Volt Portugal


    MÁRCIA HENRIQUES, presidente do Reagir Incluir Reciclar (RIR)


    ANDRÉ VENTURA, presidente do Chega


    JORGE NUNO SÁ, presidente do Aliança (concorre com o Partido da Terra na coligação Alternativa 21)


    RUI ROCHA, presidente da Iniciativa Liberal


    RUI LIMA, presidente do PURP


    JOAQUIM ROCHA AFONSO, presidente do Nós, Cidadãos


    BRUNO FIALHO, presidente da Alternativa Democrática Nacional (ADN)


    ÉLVIO SOUSA, secretário-geral do Juntos pelo Povo


    GIL GARCIA, líder do Movimento Alternativa Socialista (MAS)


    INÊS SOUSA REAL, porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza (PAN)


    JOSÉ MANUEL COELHO, vice-presidente do Partido Trabalhista Português (PTP)


    Pode consultar AQUI a programa da Nova Direita.

    Pode consultar AQUI o programa do Volt Portugal.

    Pode consultar AQUI o programa do RIR – Reagir Incluir Reciclar.

    Pode consultar AQUI o programa do Chega.

    Pode consultar AQUI o programa da coligação Alternativa 21 integrada pelo partido Aliança.

    Pode consultar AQUI o programa da Iniciativa Liberal.

    Pode consultar AQUI a página do PURP.

    Pode consultar AQUI o programa do Nós, Cidadãos.

    Pode consultar AQUI o programa do ADN – Alternativa Democrática Nacional.

    Pode consultar AQUI o programa do Juntos Pelo Povo.

    Pode consultar AQUI a página do MAS.

    Pode consultar AQUI o programa do PAN.

    O PTP não tem programa disponível online.


  • ‘O maior inimigo que temos na democracia portuguesa são os tribunais’

    ‘O maior inimigo que temos na democracia portuguesa são os tribunais’

    Fundado em 2009, o Partido Trabalhista Português chegou a ser a quarta maior força política na Madeira, e concorre às actuais eleições legislativas com esperança em eleger representação na Assembleia da República. Por ‘inactividade’ política do ainda presidente, Amândio Madaleno, quem dá voz ao PTP é o seu vice, José Manuel Coelho, um ex-membro do PCP e antigo autarca e deputado na Madeira, que ficou conhecido pelas suas acções mediáticas e pelos vários processos em tribunal por difamação, que já lhe valeram condenações. Crítico da “censura” que diz ser exercida através dos tribunais e de um Código Penal “fascista”, avisa que Portugal vive uma fase de “recuo” da Revolução de Abril devido à corrupção. Também acusa os grandes grupos de comunicação social de estarem capturados pelo grande capital e que a informação que produzem é “domesticada”. Esta é a 13ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE JOSÉ MANUEL COELHO, VICE-PRESIDENTE DO PARTIDO TRABALHISTA PORTUGUÊS, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Aderiu ao Partido Trabalhista Português em 2011. Em 2015, o partido concorreu às legislativas numa coligação com o Movimento Alternativa Socialista, na coligação AGIR. Agora em 2024, quais são os objetivos do seu partido para estas eleições?

    O objetivo do Partido Trabalhista Português (PTP) é fortalecer as forças democráticas do 25 de Abril. Todos os partidos e movimentos que se identificam com Abril, apoiar todos esses movimentos. Digamos que é mais um reforço às forças democráticas já existentes. Porque toda a minha vida e a minha militância política após o 25 de Abril foi no Partido Comunista Português. Estive 30 anos no partido. Depois saí porque havia a necessidade de outros democratas na área da esquerda reforçarem a luta.

    Como é que vê, hoje, a esquerda, em Portugal, sobretudo aquela que tem assento no Parlamento?

    A esquerda tem duas componentes. Tem o Partido Comunista Português (PCP), que é a espinha dorsal da esquerda em Portugal. Foi o único partido que resistiu à ditadura ‘salazarista’. Porque, quando o regime do Estado Novo se instaurou em 1926, a ditadura acabou com todos os partidos da Primeira República. Nenhum resistiu, foi só o Partido Comunista. Até que chegou a altura, na longa noite salazarista, em que só existia o Partido Comunista.

    José Manuel Coelho. (Foto: PÁGINA UM)

    Com a vinda da democracia, com a revolução de Abril, apareceu cerca de uma dezena de ‘partidos comunistas’, como o MRPP, que surgiu em 1973. Depois surgiram todos os outros, após o 25 de Abril, quando a luta era fácil. O Partido Comunista, a espinha dorsal da esquerda, tinha dois adversários: um à direita; e um à esquerda. O da direita era caracterizado pelo oportunismo de direita e o da esquerda era o oportunismo de esquerda. O que era o oportunismo de direita era o Partido Socialista (PS). O Partido Socialista aparece no pós-25 de Abril, quando já não havia perigo nenhum. Aparece, e eles dizem: “não precisamos derramar sangue de ninguém; não precisamos de fazer nenhuma revolução, nem precisamos de matar fascistas; nós, através das reformas, vamos conseguir os objetivos socialistas e fazer de Portugal um país socialista”. O “socialismo em liberdade”, como dizia Mário Soares.

    Mário Soares fundou o Partido Socialista junto com os amigos que estavam exilados em França e na Alemanha. Fundaram-no no exílio. O Partido Comunista, lutava cá, estava dentro do país. Lutava dentro do país, de forma clandestina, e tinha muita gente presa nas prisões fascistas. O que dizia Mário Soares, após o 25 de Abril, o tal oportunismo de direita? “Não precisamos de tirar a liberdade ao povo. O país é um país livre, de liberdade. Vamos conseguir um socialismo em liberdade. Não é preciso derramamento de sangue, nada”. Surge aqui o oportunismo de direita.

    Mas o oportunismo de esquerda é todos os partidos esquerdistas: o UDP, o MRPP, o partido marxista leninista, o FEC, todos aqueles que apareceram, as brigadas revolucionárias, tudo isso… E eles então diziam que o Partido Comunista Português se tinha afastado do verdadeiro socialismo. Tinha feito revisionismo da doutrina comunista, que já não eram os verdadeiros comunistas. Então, os verdadeiros comunistas, os puros, eram, eles eram o MRPP, a FEC, eram o UDP, e todos aqueles esquerdistas. Diziam que eles iam restaurar a doutrina comunista e fazer a revolução e que a revolução tinha de ser violenta. Tinha de haver derramamento de sangue, tinha de haver prisões, os fascistas tinham de ser presos. Era aquele oportunismo de esquerda. E ambos eram inimigos do Partido Comunista Português. Eram adversários, pretendiam derrubá-lo.

    O esquerdismo pequeno-burguês, que tinha origem na pequena burguesia, que não aceitava a hegemonia da classe operária, que estavam todos com o Partido Comunista, criaram os seus ‘partidos comunistas’. Mas atenção, numa altura que já não havia perigo. Já não era perigoso.

    Já era seguro.

    Já era seguro trabalhar. E aparece o Partido Comunista, que realmente é um grande partido da esquerda é dos valores do socialismo. Como eu, mais tarde, acabei por ver na Ilha da Madeira… Devido ao caciquismo, ao atraso cultural do povo, o Partido Comunista tinha muita dificuldade em avançar. Nós já estávamos lá a lutar há 40 e tal anos e o partido não elegia nem uma junta de freguesia, nem nada. Só conseguiu um deputado no parlamento regional, com muita dificuldade, e ainda hoje mantém, que foi um antigo sacerdote católico que aderiu ao Partido Comunista através de umas lutas sociais que ele fez. Foi perseguido e depois aderiu ao PC.  Graças a ele, temos um deputado. Mas é muito difícil porquê? Porque existe o anticomunismo primário, aquelas ideias estereotipadas que são falsas e que os caciques põem em circulação. Como: “os comunistas ainda como criancinhas”.

    Desinformação.

    Desinformação. Como as pessoas não têm formação política e são enganadas pela comunicação social da Madeira.

    E muitas nem sabiam ler.

    E ainda é assim. Portanto, saí do Partido Comunista. Foi quando aderi a este partido. O Partido Trabalhista tem uma sigla diferente e temos mais sucesso. Por exemplo, eu tive sucesso de eleger três deputados à Assembleia Legislativa da Madeira.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Chegaram a ser a quarta força política na Madeira.

    Na Madeira, sim. Depois, é claro que não conseguimos segurar essa vantagem. Entretanto, apareceram outros protagonistas, nomeadamente o Paulo Cafôfo do Partido Socialista lá da Madeira e roubou-nos o nosso eleitorado.

    Mas agora a cena política na Madeira está em convulsão.

    Pois está em convulsão. Porque o grande problema da ilha da Madeira, ou da Região Autónoma da Madeira, é os oligarcas. Quem manda no governo e mesmo no principal partido da oposição, são 4 oligarcas que existem lá na região. É Dionísio Pestana, que é o maior hoteleiro da ilha. É o senhor Avelino Farinha, que é o dono da maior empresa de construção de obras públicas e também é um grande hoteleiro. Construiu o maior hotel do país, o Hotel Savoy, no Funchal.

    Depois tem outros protagonistas. Tem o magnata dos portos, que é o Luís Miguel de Sousa. É o homem que domina os portos da Região Autónoma. Toda a mercadoria que entra na Região Autónoma e sai, é através daquele grupo económico. E é curioso porque o grupo funciona sem pagar um cêntimo pelo uso do porto e dos equipamentos de descarregar navios. É um favoritismo que tem ali.

    Depois existe um grupo do Jaime Ramos, que tem várias empresas, tem um gripo económico que também vive à sombra do orçamento regional da Madeira. Eles não precisam de ter clientes privados. As empresas do Jaime Ramos e as empresas do Avelino Farinha, têm clientes privados, mas não precisam. Porque basta o governo para lhe dar as obras que eles querem – eles mandam no governo – para ter emprego todo o ano para as suas empresas, para a sua facturação anual. Existe ali uma oligarquia, um grupo de grandes empresários que domina o aparelho político e que domina o aparelho judicial. Eles compram toda a gente. O dinheiro compra toda a gente.

    E afecta também a cena política?

    Na cena política, o que é que eles fazem? O maior partido da oposição é controlado pelo oligarca dos portos e pelo Avelino Farinha. As rádios são controladas pelo grupo do senhor Jaime Ramos. E o outro senhor, Dionísio, dos hotéis, é que domina o Centro Internacional de Negócios. É que orienta o Centro Internacional de Negócios da Madeira. Portanto, a economia está toda na mão daqueles senhores oligarcas. Depois, pela influência que têm, também controlam o aparelho de Justiça. O que é o aparelho de Justiça? A Polícia Judiciária, o Ministério Público e os tribunais da comarca. Todos os juízes, ou quase todos, são subservientes. Estão no bolso destes senhores.

    Mas agora as coisas estão a mudar?

    Não estão a mudar nada. Eles têm sempre as rédeas. Porque foi preciso a procuradora-geral, Lucília Gago, mandar para a Madeira uma expedição num avião da Força Aérea, cento e tal agentes da Polícia Judiciária, inspetores e especialistas em contabilidade pública para aprisionar os documentos, os computadores, os discos rígidos, …

    Então, não acredita que vá acontecer algo? Que vai sair dali…

    Não, não vai. Porque eles têm tanto poder que já compraram o juiz, o tal juiz Melo. Embora o juiz não gostasse da procuradora que estava a conduzir o processo. Ele não gostava por causa daquelas denúncias que ela tinha feito, de assédio sexual e que molestava as senhoras que trabalhavam lá no tribunal. Ele foi castigado. Não gostava da senhora, mas a par disso, ele foi comprado. Porque estava ali em mãos, com os dois maiores empresários da Madeira.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Portanto, diz que não vai dar em nada.

    Não dá. Porque eles prenderam o Avelino Farinha, o maior empresário de obras públicas na Madeira – e não tem só o império dele lá, já tem em vários países, já se internacionalizou. E tem um outro senhor que é o Custódio Correia, que é um grande empresário de Braga, que enriqueceu meteoricamente à sombra do regime madeirense. Eles tiveram ali 20 dias. Foi tempo mais que suficiente para, através dos seus advogados e homens de mão, subornar os juízes. Não os vi darem o dinheiro, mas a minha convicção é a mesma convicção de milhares de madeirenses que têm a pestana aberta. Pedro Calado e o Miguel Albuquerque foram acusados –  e provou-se isso –  de desviarem milhões para dar um empresário e recebem luvas, através de quintas que o grupo começou a construir na Ponta Delgada para o presidente do governo. Há as conversas telefónicas – eles a fazerem os negócios. Foram apanhados com dinheiro.

    Mas, mesmo assim, não vai sair um resultado.

    Não, não vai, porque o juiz diz que não há matéria criminal.

    Não vai haver condenação?

    Não vai. Vai ficar inconclusivo, vai avançar para a prescrição. Mas, para os portugueses, para os madeirenses que têm os olhos abertos, temos a convicção de que o juiz foi comprado.

    A nível nacional, como é que vê estas situações quase 50 anos cumpridos do 25 de Abril? Aliás, hoje, teve convocada uma conferência de imprensa aqui, em Lisboa, precisamente sobre a questão do 25 de Abril. Quer falar um bocadinho sobre isso?

    Exatamente. O que quero aos nossos ouvintes [e leitores] do PÁGINA UM é que eu tive a felicidade de assistir ao 25 de Abril. Em 1973, em Dezembro, vim aqui para o exército tirar a especialidade de transmissões de infantaria. Fui para o quartel BC5, Batalhão de Caçadores 5, em Campolide, que era onde se davam os cursos. Então, foi quando se deu a Revolução, na noite de 24 para 25. Começou assim: nas casernas dos militares, havia dois batalhões operacionais e havia os instruendos. Nós, que éramos instruendos, não sabíamos que se ia dar o 25 de Abril, porque eles não nos diziam. Só quem sabia era as tropas operacionais. Cerca da uma hora da madrugada, chega o corneteiro à caserna e começa a tocar a alvorada.  Pensávamos que eram 6 horas da manhã e que tínhamos de nos levantar para tomar banho e tomar o pequeno-almoço para ir para as aulas. Mas não. Era uma hora da manhã.  Era para nos pormos a pé, irmos buscar as armas, vestirmos a roupa de trabalho, e irmos para a ferramentaria para receber as munições. Não sabíamos o que era. Nos corredores do quartel, começámos a receber as munições, as cartucheiras com que as munições, e a equiparmo-nos. Fomos ajudar as tropas operacionais – o operacional é o soldado, já tem a formação de soldado. Nós não tínhamos a formação de soldado, estávamos a aprender.

    Então, fomos ajudar as tropas operacionais. Quem os comandava era o Major José Fontão. Ele já estava de oficial dia, nessa noite. Fomos destacados para ir para o Parque Eduardo VII para acompanharmos as tropas operacionais para o Rádio Clube português, para fazer a segurança do Rádio Clube Português, que ia dar a senha da Revolução.  Outro batalhão nosso foi ao quartel-general do governo militar de Lisboa, que fica em São Sebastião da Pedreira, tomar o quartel. O resto dos efectivos, ficaram distribuídos pelo Parque Eduardo VII, Rua da Artilharia, as Amoreiras, Rua do Salitre até metade da Avenida da Liberdade. E então, qual era a missão? Era prender a PSP. A PSP representava um perigo, um perigo sério, porque eram homens treinados no manuseio de armas. Podia ser perigoso para a Revolução. O nosso trabalho consistia também em prender a polícia.

    Para os desarmar.

    Desarmar. Tirávamos a pistola e trazíamo-los presos nos jipes. Tínhamos um jipe, íamos transportando-os para a sala do soldado, um oficial de dia metia-os na sala do soldado. É preciso ver, nessa altura, a cidade de Lisboa, não era como hoje, era muito policiada. A polícia, nessa altura, estava por todo o lado. Era a polícia e os guardas nocturnos. A polícia, não só percorria todas as ruas de Lisboa durante a noite e durante o dia para combater a criminalidade – era a capital do país –, mas também para reprimir e ver se havia alguém que se ‘mexesse’ contra o Estado Novo. Porque na altura até era proibido haver um grupo mais de 4 pessoas. Não podia estar junto.  Se a polícia interceptasse, mandava as pessoas dispersar. A polícia era muito presente nas ruas de Lisboa. Por isso prendemos a polícia. Por volta do meio-dia já tínhamos na sala do soldado para aí com 200 homens presos. Não tínhamos comida para eles. Porque, entretanto, não os soltámos porque o comando-geral da PSP não se rendia, estava fiel ao Salazar. Assim como a GNR, que depois foi cercada no Largo do Carmo. Mas não fomos nós. Do nosso quartel só se cingia àquela área. Desempenhou esse papel importante.

    E nós tínhamos um comandante, que era o tenente-coronel Vinhas. O tenente-coronel não dormia no quartel, dormia fora. Tinha a família em Lisboa, dormia fora. E quando chegava de manhã, todos os dias, era da praxe lhe prestarem as honras militares. O praça da guarda gritava “às armas”. Depois, saíam os praças da guarda todos, em corrida, apresentavam as armas e havia uma banda de música que tocava marcha para o fascista entrar. Nesse dia, o motorista que trazia o comandante parou, ali onde está a Universidade Nova agora, tem aquele portão.

    José Manuel Coelho junto ao antigo quartel do Batalhão de Caçadores 5. Os militares do BC5, incluindo o próprio José Manuel Coelho, desempenharam um papel crucial nas operações na madrugada de 25 de Abril de 1974. (Foto: D.R./PTP)

    Onde tinha convocada hoje a conferência de imprensa.

    Chega o carro do comandante, ele sai do jipe e pôs-se de pé à espera das honras. Quando o guarda dá um passo em frente, apresenta a arma e diz-lhe que o senhor oficial de dia vinha falar com ele. E ele disse: “e as honras”? Ninguém saiu para lhe prestar as honras. O senhor oficial de dia já lhe dá voz de prisão. Ficou preso.

    Mais tarde, foi motivo de chacota outra coisa. Havia lá um senhor velhote, que era o sargento Vasconcelos. Ele já tinha 80 anos e era o dirigente do serviço postal militar, porque o exército tem os seus serviços postais separados. E o senhor geria o serviço postal militar, mas ele era agente da PIDE. Era informador. Estava lá metido para espiar os militares, ver o que é que os oficiais diziam, os praças. Porque muita malta falava contra a guerra colonial, havia panfletos clandestinos que apareciam nos corredores e ele estava ali para espiar, para saber. E então, de manhã, o tal senhor Vasconcelos, chega de manhã ao serviço. Chegava de manhã cedo para o SPM- serviço postal militar. Foi preso também. Achámos caricato, pobre homem já velhote. Mas era mau, porque ele não prestava, informava tudo.

    Mas pensa que se esqueceu de tudo isso. De qual era o objetivo precisamente da revolução? Quando olha para este panorama e de tudo o que estava a falar há pouco da Madeira, olhando para o Continente, olhando para a vida dos portugueses, para aquilo que é a vida hoje dos português… Cumpriu-se a Revolução? Existe democracia?

    Existe. As conquistas do 25 de Abril, só não vê quem não quer e quem nem sabe o que era antigamente. Antigamente, nem se podia falar, entrar num café ou num botequim, e falar à vontade em política mesmo. Não se podia nem sequer comentar a guerra do Vietname. Comprar um jornal, comprar O Século, os grandes jornais, na altura, traziam notícias da guerra do Vietname, os comunistas que os americanos mataram… Nem isso podíamos comentar num botequim, porque algum informador da PIDE podia informar que estavam ali uns tipos a falar de política. Homem ou mulher, não podia comentar isso.

    Mas olhe que hoje existe cesura, um bocadinho mais sofisticada, com as novas tecnologias.

    A maior censura que existe atualmente são os tribunais fascistas. Porque o maior inimigo que temos na democracia portuguesa é o quarto poder, dos tribunais. Dizem que são órgãos de soberania, a Constituição diz. Mas não são eleitos. O Presidente da República é um órgão de soberania eleito. A Assembleia da República é um órgão de soberania eleito pelo povo. O Governo. também é um órgão de soberania, porque tem os poderes que os deputados lhe dão na Assembleia da República. E o governo pode legislar. Tem uma autorização da Assembleia da República para fazer certas leis, portanto, é um órgão de soberania.

    Depois, aparece o polícia desses órgãos, que é também chamado órgão de soberania, mas não é.  São uma organização corporativa que se regem a si próprios. Os juízes são inimputáveis, são inamovíveis nos seus negócios. São independentes. Não derivam da vontade popular nem do voto popular. E aqui é que está o grande problema, porque na realidade são organizações corporativas que vieram do tempo do fascismo. Vieram com armas e bagagens do Estado Novo e implantaram-se na nova realidade democrática. Ainda não foram intervencionadas. As Forças Armadas, o manifesto do MFA, intervém em tudo na sociedade portuguesa. Na parte económica, nacionalizou os bancos nacionais, acabou com os grandes latifúndios no Alentejo, as grandes empresas dos monopolistas foram nacionalizadas. Nacionalizar a banca foi uma coisa muito importante por causa da fuga de capitais. Houve intervenção em todas as áreas da administração pública em Portugal. Menos essa, da Justiça.

    Mas, em todo o caso, hoje também tem, por exemplo, Bruxelas. Estamos inseridos no espaço comunitário europeu e muitas das políticas em Portugal nem sequer são decididas aqui.

    A Assembleia da República, praticamente, atualmente não tem poder de legislar, embora tenha o poder de co-legislar com o que recebe das directivas. E as leis têm de ser feitas de acordo com aquelas directivas da União Europeia. Vêm todas de lá. É um espaço económico. Aqui está uma perda de soberania que nós temos de ter. Somos obrigados a ter uma perda de soberania e as leis são feitas realmente através da co-legislação. Depois, é preciso não esquecer que os deputados apenas votam de ‘cruz’ aquilo que o chefe do grupo parlamentar diz. Quem faz as leis são os grupos, são os grandes escritórios de advogados ligados aos capitalistas. Mas eles estão inseridos em grupos económicos e então as leis são feitas nos escritórios de advogados. Depois, chegam ali à Assembleia da República, são votadas cegamente, porque o chefe do grupo parlamentar do PS diz.

    José Manuel Coelho numa acção do partido com a filha, Raquel Coelho, candidata do PTP. (à esquerda). (Foto: D.R./PTP)

    Não existe liberdade de voto. E pensa que essas leis já vêm feitas ou para favorecer certos interesses?

    Acho que as leis são cozinhadas.

    Ou são feitas para favorecer os portugueses?

    Não. Embora favoreçam os portugueses, são sempre a pensar nos grandes interesses económicos, são sempre para favorecer os grandes grupos económicos. E os deputados votam de ‘cruz’. Aí é importante, nas eleições, que o povo ‘abra a pestana’, e vote em deputados independentes.

    É isso que pretende este partido político?

    É. Eleger senhores deputados não sejam subjugados à disciplina de voto, deputados que votem segundo a sua consciência e os anseios do povo.

    Uma das suas batalhas tem sido a luta contra a corrupção. Já falámos na Madeira, mas aqui também no Continente, vê que existe uma epidemia de promiscuidade, de conflitos de interesses, de corrupção? Ou foi sempre foi assim e não se via?

    Isso sempre foi assim só que agora se tornou mais visível graças à comunicação social e também à Internet. Porque agora a informação corre mais, não está tão confinada, está mais espalhada. Mesmo no aparelho salazarista, no Estado Novo, havia corrupção. Mas como não havia liberdade de imprensa, tudo era censurado. Não se sabia e agora sabemos.

    O que é que acontece? O grande capital domina os grandes jornais: o Expresso, domina a SIC, domina a TVI. São grandes grupos económicos. A CMTV também é um grande grupo económico. O Público, que é do senhor da Sonae. São grandes órgãos de informação, eles até são bastante liberais e dão notícias. Porque há muitos, se não for um a publicar, outro publica. Mas todos eles têm comentadores e jornalistas que são servis ao grande poder económico.

    Sente isso?

    Sim. Eles estão ali para escrever artigos de opinião e dar opinião, escrever para denegrir as forças democráticas.

    Aliás, esses grupos, essas televisões, têm comentadores também que são políticos. Vimos o caso do Pedro Nuno Santos, que esteve antes a ser comentador.

    Exactamente. São comentadores, mas são tendenciosos. Dizem parte da verdade ou deturpam a própria verdade e fazem opinião. E, então, ao fazerem opinião deturpam a opinião dos portugueses, enganam os portugueses.

    Porque fazem isso?

    Porque são todos seus subservientes ao poder económico. Porque, hoje, um diretor de um jornal pode ganhar 5.000 euros por mês, dirigindo um jornal. Um redactor principal ganha os 5.000 euros. Quem é que pagou? O capitalista da Sonae ou o senhor do Expresso, o Balsemão. O jornalista que está ali a ganhar 5.000 euros por mês ou 4.000 euros, está bem. Não vai arriscar a sua vida e a sua carreira profissional tentando fazer uma reportagem que o patrão não goste.

    Fazendo um trabalho que é jornalismo.

    Fazem autocensura e essa autocensura leva a ser uma informação domesticada, controlada. Toda aquela informação que não é domesticada, que não é controlada, já tem um inimigo principal, que é os tribunais, que têm o Código Penal fascista. Foi introduzido em 1982. O Código Penal fascista foi introduzido e tem um artigo, o 184, que é o da pelo crime de difamação, injúria, ofensa ao bom nome. Depois tem um artigo sobre a ofensa a pessoa colectiva. Se o jornalista for denunciar uma junta de freguesia que está a ter uma atitude suspeita, a junta de freguesia pode pôr o processo. Se um jornalista for denunciar uma empresa, um hoteleiro rico que não paga aos trabalhadores ou que não paga as horas extras, há um processo de difamação. Os juízes, que são na sua maioria reacionários e fascistas, também ganham bem. Eles condenam o jornalista, o ativista político. “Você está condenado a pagar a indemnização àquele senhor empresário, por difamação e ofensa ao bom nome”. A pessoa está em maus lençóis. Se não tiver sucesso no recurso, acaba sendo condenado e fica sem os bens.

    José Manuel Coelho em campanha, em 2015, na Coligação Mudança. (Foto: D.R./PTP)

    Paulo Morais, que também tem sido uma voz em Portugal na luta contra a corrupção, tem muitos processos, sempre por essas questões, que é uma forma também de perseguir as pessoas e intimidar.

    E Ana Gomes também. Por isso é que começam a surgir em Portugal blogues e jornais clandestinos, tal como havia no tempo da ditadura.

    Mas estamos em 2024.

    Mas é necessário porque o poder fascista dos tribunais não foi erradicado. O sistema fascista dos tribunais funciona pior do que os juízes do futebol. A Comissão Central de Arbitragem tem um organismo que fiscaliza os árbitros nos jogos importantes. Tem uma comissão de observadores que vai analisar os erros. Se forem grosseiros, aquele árbitro não tem condições de exercer, de arbitrar jogos importantes. Vai para as regionais ou vai para os jogos menos importantes. Não pode arbitrar um jogo de importância da Primeira Liga. Ora, não existe esse sistema no aparelho judicial. No aparelho judicial, cada juiz é um órgão de soberania. Ele pode cometer a maior alarvidade, a maior injustiça. Aliás, eles não fazem justiça, eles aplicam a Lei. O juiz não está para fazer justiça, está para aplicar a lei.

    Mas quem faz a lei?

    São os políticos. Os juízes funcionam como os juízes do tempo de Hitler. No tempo de Hitler, a Gestapo, os juízes nazis, eles, o que é que diziam? Estamos a cumprir a lei. Um judeu tem de fechar a loja, não pode ter a loja aberta. Porque há uma lei que diz que o judeu não pode ter a porta aberta.

    O que diz é que podem ser cometidas barbaridades quando se diz que se cumpre a lei.

    Exatamente. Um judeu não podia ter carro, até não podia ter bicicleta.

    Se ele fosse reclamar no tribunal, o juiz fascista dizia: está na lei. Foi aprovada e estamos a cumprir essa lei. Você não pode ter e está preso, está confiscado.  A lógica do sistema judicial é essa.

    E têm sido feitas mais leis até ao nível da União Europeia, inclusive para condicionar a liberdade de imprensa também.

    Exatamente, para condicionar. Porque, para o grande capital, a liberdade de imprensa é uma ameaça.

    Mas agora dizem que é para o combate à desinformação.

    A desinformação é um facto, mas o leitor, o ouvinte também consegue sempre distinguir o trigo do joio. Como é que conseguimos saber a verdade? Através da comparação.

    Mas, hoje, o que dizem os políticos é que só é verdade o que vem nos grandes meios de comunicação social, dos grandes grupos.

    Dizem isso, mas não é verdade. No passado não era verdade e actualmente também não é verdade. Muitas vezes, só os órgãos independentes, até semi-clandestinos ou clandestinos, trazem informação verdadeira. No tempo do Salazar, aqui, em Portugal, se quiséssemos saber o que passava o que se passava no país, tínhamos de ir a um hotel comprar os jornais franceses ou ingleses. Tínhamos de comprar o Times de Londres, o Daily Telegraph, Le Figaro, Paris Match. Tínhamos de comprar aqueles jornais e revistas para saber o que se passava cá.  Porque, em Lisboa, havia os correspondentes da imprensa estrangeira que sabiam o que se passava e faziam as notícias. O português que queria estar bem informado –  e isso não estava ao alcance de todas as pessoas, só ao alcance das pessoas mais cultas e endinheiradas –  iam aos hotéis que recebiam os jornais ingleses, recebiam os jornais franceses para os turistas. As pessoas compravam e viam notícias que nós não sabíamos.

    Hoje, para se estar informado como é que se deve fazer?

    Como dizia o grande ensaísta António Sérgio: “não leiam obras de uma só escola ou tendência”. É ler todas, ver. E comparar. E a verdade descobre-se pela comparação, pela análise do que eles, os factos. E a comparação das notícias. Isto prova, aquele não prova. E aí chegamos à verdade.

    Hoje, há também um mecanismo que tem sido utilizado para perseguir e tentar difamar algumas pessoas, condicionar, que é toda a gente – seja camionista, seja agricultor, seja jornalista, seja ativista – é de extrema-direita. Se diz qualquer coisa que não vem em linha com aquilo que sai nas notícias dos grandes grupos de comunicação social, é de extrema-direita ou isto ou aquilo. Também é uma forma de intimidar.

    Exatamente, mas isso insere-se na campanha das forças reacionárias, as forças retrógradas que querem fazer isto andar para trás. Mas isto não vai andar para trás. A Revolução tem recuos e estamos agora numa fase de recuo. Devido à corrupção, que é mais que muita, e que os órgãos de informação difundem amplamente, depois não tem consequências nos tribunais, na punição. Acabam os processos a serem inconclusivos.

    Prescrevem.

    Veja o caso da ‘Operação Marquês’.

    Andam anos, nunca mais acaba.

    Leva ao descrédito da democracia e do sistema político. Mas aquilo é propositado para depois as forças da direita surgirem: “isto é uma anarquia; isto não chega a lado nenhum; isto são só ladrões; vamos acabar com a corrupção”. As pessoas aderem porque estão a ver que a corrupção é visível. Queremos é o Salazar. Imagine o que é o André Ventura e aquele senhor da Iniciativa Liberal governarem o país. Proíbem logo a greve, proíbem as actividade cívicas.

    Congresso Regional do PTP, em 2013. (D.R./PTP)

    Mas uma das questões que estava na mesa no anterior governo do PS era precisamente a questão de proibir até manifestações em determinadas situações, não é?

    Sim, exatamente, situações de excepção que ponham em causa a segurança coletiva do país. A pouco e pouco vêm beber a doutrina de Salazar.

    Existe, hoje, esquerda e direita neste mundo, em que os grandes grupos económicos têm tanto poder?

    Existe. As forças do capital estão acantonadas, aqui, em Portugal, nos dois grandes partidos. O PSD e o PS são partidos do grande capital. Acontece que o PS não é a mesma coisa que o PSD, tem muitos democratas, pessoas que são contra o capital, são anticapitalistas, que são pessoas do proletariado. E essas pessoas não são fascistas, nem são de direita. São enganadas, no entanto as pessoas sabem o que querem. No caso do PS… As forças à esquerda, como o PCP, o Bloco, o Partido Trabalhista – que pode ser um desses, dar o seu contributo –, têm força, expressão, deputados eleitos, então o PS não se desvia. O PS, nesse caso, é puxado por essas forças, é aglutinado. Se for o PS sozinho, cai em derivas.

    Até já está a falar-se de haver ali um apoio também com o PSD, eventualmente.

    Pois, exatamente, cai em derivas, resvalam para a direita. São os desvios.

    Estamos nessa altura em que pode haver mais desvios?

    Pode. Se o Partido Socialista tiver nova maioria, ele vai resvalando para a direita. Ou se a esquerda não tiver força suficiente, o PS pode chegar a entendimentos do género bloco central, com o PSD. Resvala para a direita. Mas se as forças democráticas que estão no PCP, que estão no Bloco, que estão no Livre, por exemplo, no Partido Trabalhista –, se elegermos deputados – tivermos força, se tivermos pressão, conseguimos puxar o Partido Socialista para os ideais de Abril.

    Costuma falar-se do voto útil, e há também, depois, a questão da abstenção. O que pode dizer aos nossos ouvintes, aos nossos leitores de porque é que deveriam votar no seu partido, no Partido Trabalhista? Que propostas têm, o que é que pode trazer?

    Uma melhoria das condições de vida dos portugueses. Pertencemos à União Europeia, mas temos salários baixos. Na maioria das pessoas, o salário não ultrapassa os mil euros e uma boa parte dos trabalhadores e trabalhadoras recebe o ordenado mínimo. As pensões são miseráveis, há pessoas a receber 280 euros, a receber o rendimento de inserção [social], que nunca descontaram, a receber reformas que não ultrapassam os 500 euros. Vão à farmácia e gastam uma parte. As rendas são elevadas. A pessoa já não tem dinheiro para comer. O reformado, assim como a pessoa que ganha o ordenado mínimo, chega a meio do mês e já está a contar os tostões.

    Há portugueses a viver sem dignidade.

    A viver abaixo do limiar da pobreza. As pessoas andam já não comem o seu bolo na pastelaria, passam fome em casa.

    E temos muitos sem-abrigo.

    A nossa luta é para essas pessoas. Fazer com que eles tenham reformas decentes, fazer com que tenham salários decentes. Não se pode aceitar que um cidadão que trabalha todos os dias, empobreça. Ele não pode andar sem dinheiro, não se pode aceitar isso. Se a pessoa não tem trabalho, se vive do subsídio de desemprego, aceitamos que essa pessoa recebe uma quantidade muito fraca de apoio, que seja pobre. Mas não se pode admitir que uma pessoa que trabalha todos os dias, que sai todos os dias de casa para ir trabalhar, chegue a meio do mês e não tenha dinheiro para pagar contas.

    Muitos jovens estão a ir embora do país.

    Muitos jovens emigram. Porque tem estudos. Hoje, graças ao 25 de Abril, a juventude estuda. Antes, só estudavam os filhos dos ricos. Têm estudos, vão para fora. Porquê? Porque vão ganhar três vezes mais do que em Portugal. Depois falta mão-de-obra aqui e recebemos os imigrantes, como os que vêm do Bangladesh, que vêm dos países lusófonos. Os portugueses emigram, saem daqui, e essa mão-de-obra tem de ser substituída.

    Também, infelizmente, às vezes ficam em condições sem dignidade.

    Não têm. Mas isso é consequência também dos baixos salários que se praticam cá. Na óptica do imigrante, ele recebe o ordenado mínimo e aceita qualquer trabalho. Vai ganhar o ordenado. Ou vai dormir numa barraca ou vai dormir de boa forma improvisada com 3 ou 4 companheiros no mesmo quarto ou no mesmo apartamento, porque não pode pagar mais que 200 euros de renda, precisa dos outros 600. Os outros 600, gasta 350 para comer, consegue guardar 200 euros. Manda 200 euros para o Paquistão ou para o Bangladesh e é uma fortuna. Manda para Cabo Verde e é uma fortuna. Manda para o Brasil e multiplica-se cinco vezes.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas o objetivo do partido é trabalhar muito para as pessoas vulneráveis, para as pessoas que mais precisam, com políticas para aumentar os seus rendimentos?

    Os seus rendimentos, sobretudo, por exemplo… há pessoas que vivem já no submundo da sociedade. É aquele tipo de pessoas que o sistema capitalista rejeita. Digamos que é como um escape do motor de um carro. Aqueles gases que saem são nocivos para o motor e o motor expulsa-os para a atmosfera. São aquelas pessoas que o mercado capitalista não aceita porque não têm formação, porque são toxicodependentes, alcoólicos, são pessoas consideradas inaptas para o sistema e ficam abandonadas, doentes, etc. Essas pessoas nem sequer constituem uma força de reserva. O capitalismo costuma ter uma força de reserva, que são os desempregados, que vai buscar. Mas há as pessoas marginalizadas que já desceram tanto na escala social que o sistema não aproveita e elas vivem na rua. Ou vivem a mendigar, vivem de subsídios, do subsídio de inserção, completamente abandonadas. São presas fáceis para a toxicodependência. Essas pessoas, ninguém se importa com elas. Quando cometem crimes, são detidas na prisão. Quando vendem drogas, são detidas na prisão. Ora, aí não existe uma política de recuperação dos cidadãos, que é o que nós defendemos.

    E o alcoolismo, que também não se fala muito no alcoolismo, mas que…

    Corrói a sociedade e destrói as pessoas. O que pretendemos fazer é fazer com que o próximo governo tenha um Ministério só para cuidar das pessoas que vivem em situação de pobreza, abaixo do limiar da pobreza, que se dedique a isso, a criar programas de reinserção social. As pessoas que estão à margem têm de ser tratadas, têm de ser cuidadas, têm de ser recuperadas. Uma boa parte delas são recuperadas para a economia. Não podemos aceitar que haja prisões cheias de delinquentes – por vezes por crimes que não são graves, roubos, tráfico de drogas –  e que aquelas pessoas estejam ali, fechadas, quando deviam ter, através de um programa de reinserção social, uma formação académica, uma formação profissional. E desintoxicação, quando eles já estão doentes pela droga. Essas pessoas têm de ser recuperadas para, quando acabam de cumprir pena, serem restituídas à sociedade com condições para trabalhar. P quando soltam as pessoas cumprem as penas, abandonam-nas. O cidadão chega cá fora desamparado, com o estigma de ter estado preso e depois ninguém lhe dá trabalho. E tem de voltar outra vez à mesma prática, à mesma vida. Cria-se um círculo vicioso. Não se gasta dinheiro nisso. Gasta-se dinheiro em tanta coisa, menos nisso, na reinserção das pessoas.

    Não têm capacidade depois de entrar no mercado de trabalho.

    Não, porque o mercado rejeita. Olham para a pessoa, a pessoa tem mau aspecto, não faz a barba. Se é uma, não vai ao cabeleireiro, não tem dinheiro, tem os dentes por arranjar. Olham vêm, na cara da pessoa, que está marginalizada e não dão trabalho. A pessoa está estigmatizada e é ostracizado e fica no abandono, entregue a si própria, e tem de voltar a fazer a mesma coisa.

    Portanto, o partido defende políticas para essas pessoas, um Ministério específico.

    Tem de haver um Ministério que só se ocupe disso, como existe o Ministério do Ambiente para tomar conta do ambiente, dos rios.

    D.R./PTP

    Porque entende que é uma emergência social?

    É uma urgência porque uma sociedade não pode sã quando uma parte dela vive estigmatizada, vive abandonada. Numa sociedade democrática, não se pode aceitar que haja homens e mulheres, cidadãos, a dormir nas ruas.

    E crianças, jovens…

     Não se pode aceitar. Hoje, não se pode fazer como a avestruz, que põe a cabeça na areia, o corpo todo ao vento e a cabeça na areia para não ver a tempestade de vento. A avestruz faz um buraquinho na areia, mete a cabeça lá e espera que a tempestade passe. Não podemos fazer isso. Nós temos de ter uma atitude pró-ativa.

    Mas nas eleições, é típico os portugueses ouvirem, seja nas eleições presidenciais, sejam legislativas ou outras, promessas de acabar com os sem-abrigo, arranjar programas de apoio. Mas o que é certo é que continuamos a não ver isso, parece que há uma dificuldade.

    Não, não se dedicam as verbas suficientes. Geralmente, os partidos políticos e os governos passam para a Polícia de Segurança Pública resolver isso. A polícia prende, mas a polícia não pode dar formação profissional, não pode tratar psicologicamente, as pessoas que estão ‘agarradas’ a droga tem de se recuperar com psicólogos, porque muitos são doentes mentais, têm de vistos do domínio da psiquiatria.

    Aliás, as próprias forças de segurança têm estado nas ruas e elas próprias têm carências.

    Os governos empurram para a polícia. A polícia prende, pronto. Os tribunais não aprendem com eles, cometem muitos crimes e depois não faz mais.

    É uma questão de curar e tratar aquele ser humano, não é?

    Exatamente. Muitas vezes, aquele ser humano, é um doente, é uma pessoa que está doente mentalmente, tem uma doença mental, precisa ser tratado ao nível da psiquiatria, é impossível. Biologia tem de ser recuperado na verdade.

    Nos últimos anos, houve também uma epidemia em termos de saúde mental, sobretudo nos jovens que ficaram muito tempo fechados em casa, confinados, houve abandono escolar, etc. E muitos jovens, e a população em geral, não tem acesso a psicólogos ou psiquiatras, ou até dentistas.

    Não tem. O problema do jovem precisa de ser encaminhado para atividades sadias. Hoje, vão para as discotecas, para os bares noturnos, onde consomem muito álcool e depois também se iniciam nas drogas.

     Mas o álcool não é visto em Portugal com uma questão de drogas que não é, não é tão levado a sério, não é pesar dos acertos rivais.

    Não, mas é perigoso porque traz a juventude para maus caminhos, iniciam-se na droga e começam aí, no convívio uns com os outros. O Estado tem de restringir a venda de bebidas alcoólicas. Não pode fazer como nos Estados Unidos fizeram na lei seca, mas pode dizer: “todos estes bares noturnos encerram à meia-noite, não podem estar abertos até às 4 da manhã, onde as pessoas, os jovens, andam bêbados às 4 horas da manhã. Vão para casa, vão todos jogar garrafas para um lado e outro, não pode ser. Tem de haver fiscalização.

    Se houvesse fiscalização, não havia esse abuso.

    Não haveria, porque não há aí… Depois, os bares têm de fechar mais cedo. O Estado não pode estar a ganhar dinheiro com álcool. Os narcóticos que eles licenciam ou os estabelecimentos nocturnos e ganham dinheiro com isso aos impostos das bebidas, tabaco, os impostos de porta aberta, o Estado não pode estar a lucrar dinheiro, a tirar de impostos de atividades ilícitas que são más para os jovens, para o ser humano. Tem de haver uma restrição ao funcionamento dos bares nocturnos.

    Até para prevenir aquelas situações, depois de marginalidade, temos já aqui ainda temos alguns minutos de entrevista, mas já não temos muitos e para também continuarmos aqui focados nas vossas propostas, temos vivido. Já falámos uma crise na habitação, mas também no Serviço Nacional de Saúde. Temos os agricultores nas ruas, as forças de segurança, já tivemos os professores. Enfim, em termos de propostas, como é que vê algumas destas áreas? Se têm algumas soluções e o que é que nos pode dizer?

    A saúde é importante. Nós avançámos muito porque, antes do 25 de Abril a saúde era só para quem tinha dinheiro. Hoje, ser tratado de graça, ir a umas urgências e ser tratado de graça, ser atendido, 24 horas por dia, a pessoa adoece em casa, vêm os bombeiros buscar. Isso é um luxo. Antes do 25 de Abril não era assim. Era só para quem tinha dinheiro. Quem não tinha dinheiro morria em casa com tratamentos paliativos.

    Ou seja, chora-se de barriga cheia.

    É claro que o Serviço Nacional de Saúde, tendencialmente gratuito, tem carências. Obviamente, tem carências, precisa de mais médicos, mais profissionais e eles não abundam. Por que muitos vão para a reforma e outros vão trabalhar para o estrangeiro? Mas temos de criar condições económicas atractivas para atrair os profissionais. Também haver fiscalização do acto médico, porque há muitos hospitais no Serviço Nacional de Saúde em que o médico trata de arranjar clientes para a sua clínica privada, faz concorrência desleal. Há hospitais em que o médico não tem controlo biométrico. Chega lá e umas horas depois vai-se embora e ninguém controla. Ganha as horas todas.

    Também tinha de haver um acompanhamento.

    Tem de haver acompanhamento ou intervenção, senão a corrupção também está no aparelho de saúde.

    E alguns hospitais têm gastos que não estão assim tão bem justificados, em alguns casos, como noticiou recente o PÁGINA UM, relativamente a um hospital em Braga.

    Muitas vezes, há um médico do Serviço Nacional de Saúde que manda fazer exames que não são precisos. São precisos dois e ele manda fazer 4 ou 5 e eu depois não dá para fazer os exames no hospital público, manda fazer num laboratório privado, tem de ter dinheiro para pagar, se não tem não faz. Há uma concorrência desleal e isso tem que ser fiscalizado.

    E na Habitação, tem alguma proposta a que possa falar? Como é que vê esta atual crise? Acha que é passageira? Já está aqui há algum tempo em todo o caso…

    A crise não é passageira. É permanente. Como a Constituição garante esse direito, o Estado tem que fazer habitação social, construir. Como se fez nos anos 90 para se acabar com as barracas que havia em Lisboa. Ao haver oferta de habitação do Estado, o preço do privado baixa.

    Mas tem muitos estrangeiros também a comprar casas para investimento.

    Pois tem, mas há lugar para todos. Tem de haver habitação social e cooperativas de habitação, o Estado tem de criar institutos de habitação, construir, fazer habitações a custos controlados que a pessoa possa pagar para ter o seu apartamento a sua. Essa é uma forma de acabar com a crise da Habitação. Porque tentamos alugar uma casa, os preços estão empolados, muitos imigrantes endinheirados, muitos turistas vêm para cá e compram. Ora, não podemos impedir o funcionamento do mercado, mas podemos intervir, equilibrar a balança. Se houver uma oferta pública muito grande de habitação, os próprios imóveis privados, os senhorios, são obrigados a baixar o preço porque não tem clientes. Isto é a lei da oferta e da procura.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Portanto, vai equilibrar?

    Os outros tendem a baixar, porque tem de se igualar, tem que seguir as regras do mercado, se não, se não.

    Orador 1

    Estamos a aproximar-nos do final da entrevista. Além das legislativas, há depois as europeias. O vosso partido tem ambições também nas eleições europeias?

    Temos ambições. Se não tivermos ambição, a nossa luta acaba, na verdade. Temos de sonhar. O nosso partido é um partido de utopia, é   tornar o impossível possível. Não aceitar como natural aquilo que se vê todos os dias. O revolucionário é isso. Não aceita como natural aquilo que vê todos os dias.

    Não se conforma.

    Não se conforma, como diz Bertolt Brecht. Vivermos um pedaço de utopia e transformá-lo em realidade. Por exemplo, para eleger um deputado ao Parlamento Europeu é preciso para a 200.000 votos. É claro que é utópico conseguir essa votação toda, mas não se perde a esperança. É possível, basta os portugueses quererem. Aqui, através do PÁGINA UM, é uma maneira de chegar a centenas de milhares de portugueses e eles podem muito bem acreditar em nós e na nossa luta e votar. É difícil, mas não é impossível.

    E no caso de José Manuel Coelho, também já tem 71 anos. O que é que o move para querer continuar a intervir?

    O que me move é o sonho. Sou levado pelo sonho, pela tal utopia. E a utopia não conhece idade. É um sonho, que é imaterial, que se apodera da mente da pessoa.

    E que sonho é esse?

    É uma sociedade sem classes, é uma sociedade onde não haja exploração do homem pelo homem. Esse é o objetivo principal. Mas nós não podemos cair no erro do Partido Socialista. O Partido Socialista canta a Internacional, depois não levam à prática. Quando vai à prática, há um desfasamento, um afastamento do ideal comunista socialista.

    Vão à missa, mas não praticam.

     Exatamente, não praticam. O nosso objetivo, como partido de esquerda e partido de Abril é recentrar a luta nos ideais do socialismo, o fim da exploração do homem pelo homem, a construção científica da sociedade, onde não haja exploradores nem explorados. Ainda há pouco referiu o flagelo dos sem-abrigo, as pessoas marginalizadas. Uma sociedade sem pessoas exploradas. Porque as pessoas que caem na indigência, são marginalizadas pelo sistema, o sistema cria.

    Foto: PÁGINA UM

    E era sobre isso que acha que se deveria falar agora, quando vierem as grandes comemorações do 25 de Abril, os 50 anos era sobre isso que se devia falar?

    Devia-se falar, sim. Porque ainda hoje estive em Caçadores (BC5), exactamente para voltar a isso. Porque esses valores estão esquecidos. Os jovens, hoje, não sabem o que é o 25 de Abri. O 25 de Abril, para a maior parte dos jovens, é uma marca de cigarros. Não sabem.

    Já há correntes e há alguns artigos publicados que dizem que, para aplicar determinadas políticas – das alterações climáticas, etc –, se calhar, a democracia não é muito boa. Se calhar é preciso repensar a democracia.

    A democracia faz-se todos os dias e é passível de aperfeiçoamento, pode ser repensada, é revisível. Porque é como diz o Gaston Bachelard, o grande filósofo francês: a ciência é revisível e a política é uma ciência. Descartes tinha a ideia que, quando uma coisa é demonstrada cientificamente, torna-se uma verdade universal. É aquela verdade.  Gaston contraria um pouco essa teoria. Descartes foi o pai da ciência moderna e Gaston aperfeiçoou-a. Ele dizia: a Ciência é revisível.

    Não há dogma.

    Não há dogma. Pode ser reestudado para um quadro melhor. E a política também é uma atividade científica. Para nós, no Partido Trabalhista, a política é uma ciência e é revisível e, portanto, é passível de aperfeiçoamento, de ajustamentos e isso é uma forma constante. Antigamente, quando começou a democracia, as mulheres, por exemplo. não podiam votar. A Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar. O voto era censitário. Tínhamos de ter certa quantidade de propriedades em nosso nome. Tinha de ser um proprietário. O pobre não votava, era só os senhores. Depois, as mulheres também não votavam, passaram a votar, passaram a ter os seus direitos, a sua liberdade, graças também ao 25 de Abril, que libertou a mulher. Hoje, a mulher trabalha com um homem. Trabalho igual, salário igual. Tem direito aos seus direitos, é um cidadão.

    Portanto, é para aperfeiçoar, continuar a aperfeiçoar.

    É para aperfeiçoar.


    N.D.

    No caso do PTP, o PÁGINA UM acedeu a entrevistar o vice-presidente do partido, em substituição do presidente, Amândio Madaleno, por este se encontrar indisponível para entrevistas por motivos pessoais.

    Não colocamos aqui link para o PTP, pois o partido não dispõe de página na Internet com o seu programa.


  • ‘Defender o ambiente não pode ser meramente propagandístico’

    ‘Defender o ambiente não pode ser meramente propagandístico’

    Fundado formalmente em 2011, o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) está focado em recuperar um grupo parlamentar, que teve entre 2019 e 2022. Aos 43 anos, Inês Sousa Real é, além da única deputada na anterior legislatura, a actual porta-voz de um partido que ainda tem a luta contra as touradas como uma das suas bandeiras, mas tem vindo, cada vez mais, a diversificar as suas abordagens políticas. A jurista e Mestre em Direito Animal e Sociedade propõe um conjunto de medidas para a crise na Habitação e sublinha a aposta na promoção dos transportes públicos. Sobre as polémicas no partido, garante que a estabilidade do PAN está garantida. Esta é a 12ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE INÊS SOUSA REAL, PORTA-VOZ DO PAN – PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    O PAN é um partido que já tem a sua história, o seu percurso, a sua pegada em Portugal e está inscrito no Tribunal Constitucional desde 2011. Portanto, já tem aqui alguns anos.

    Antes de mais, obrigada garantia pelo convite. É um gosto de estar aqui a falar convosco e ter a oportunidade também de falar do trabalho do PAN e também de demonstrar que o voto no PAN é o voto, no fundo, em defesa dos animais, a cuidar das pessoas também, e a proteger a natureza.

    Fomos fundados em 2011, foi quando foi reconhecido oficialmente pelo Tribunal Constitucional, mas o PAN surgiu da sociedade civil. Surgiu precisamente por parte de um grupo de activistas da causa animal e ambiental que sentiam que fazia falta na vida política portuguesa, um partido que representasse as causas, em particular a causa animal e ambiental.

    Inês Sousa Real, porta-voz do PAN, na nova sede do partido, na Baixa lisboeta.
    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas desde a sua fundação e, apesar de não ter na designação o ‘P’ de pessoas quando foi fundado, desde o momento da sua fundação que o PAN tinha no seu manifesto – e tem até hoje, no seu manifesto, no seu programa político – a preocupação com os direitos humanos e os direitos sociais. Ao longo destes 13 anos de existência, o PAN tem já uma pegada ecológica positiva e também ao nível daquilo que é a sua caminhada a proteger os animais no nosso país.

    Temos sido o partido da oposição que mais medidas tem conseguido aprovar, mesmo como uma única deputada na Assembleia da República.

    Que é a Inês…

    Sou eu. Estou no PAN desde a sua fundação. Também sou ativista da causa animal, foi isso que me trouxe até ao partido.

    É Mestre em Direito do Animal, além de ser jurista.

    Direito Animal e Sociedade. Fui também provedora dos animais em Lisboa, uma função que exerci em regime gratuito, em regime pro bono, em voluntariado.

    E que lhe granjeou um louvor, salvo erro.

    Sim, pela dedicação ao cargo, foi de facto atribuído esse reconhecimento por parte da Assembleia Municipal. Foi, sem dúvida, também uma das grandes missões que pude ter o privilégio de abraçar. Porque dar voz a quem não a tem… Acho que não existe missão mais honrosa do que proteger aqueles que, na sua vulnerabilidade, estão na sua nossa inteira dependência. Nesse sentido, foi um percurso muito natural aquilo que me trouxe até ao PAN, precisamente por ter os valores, os meus valores pessoais alinhados com os deste partido.

    Eu nunca tinha feito parte de nenhuma outra força política. Identifiquei-me com o partido assim que soube que estavam a formar um partido desta natureza, passo a redundância. E na altura voluntariei-me até para colaborar com os grupos de trabalho que o partido tinha, em particular na área jurídica, porque queria dedicar o meu tempo ao bem comum. Estava longe de imaginar que, anos depois, estaria a liderar este partido e que faria parte, até de uma forma mais pessoal e mais envolvida, naquilo que é o crescimento e desenvolvimento do partido.

    Hoje, o partido tem representação a nível nacional a nível regional, na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira. Tem também representação ao nível das várias autarquias locais, quer Assembleias Municipais, quer Assembleias de Freguesia. Saber que o partido esta amplitude do ponto de vista da representação nacional é uma forma de honrarmos este legado que nos foi confiado por parte dos fundadores do partido. Ao termos este tipo de representação, estamos a dar mais força às causas que representamos, em particular à causa animal. Porque há um ‘antes’ e um ‘depois’ do PAN entrar na Assembleia da República, seja com o fim, por exemplo, dos abates nos canis – eram mais de 200.000 os animais que eram abatidos.

    Quem está lá em casa e nos está a ouvir e tem o seu companheiro – seja um cão, um gato, ou alguma outra espécie –, sabe que é importantíssimo protegemos da crueldade que, hoje, é exercida sobre os animais. Temos políticas sociais que podem pensar que é apenas para o animal, mas não é. Quando falamos em baixar, por exemplo, o IVA da ração, da alimentação, ou o IVA dos cuidados médico-veterinários… Quem paga a faturação são as pessoas. É para as pessoas que também estamos a legislar quando fazemos políticas destas. Ou quando conseguimos acabar com os ‘tachos’ profissionais para os mais jovens, garantindo uma maior justiça social, estamos a honrar o nosso manifesto político, porque temos colocado as causas e os valores no centro da vida política, em particular numa sociedade mais justa e solidária, inclusive numa perspetiva intergeracional. Ou, por exemplo, a tarifa social de energia: conseguimos alargar mais de 200.000 famílias. Isto é um impacto financeiro muito expressivo. E até foi numa altura em que recordo, discutia-se ideologicamente se se baixava o IVA, se não se baixava o IVA. Para quem paga a conta no final do mês, é indiferente se a política é de esquerda ou de direita, o que interessa é ter um alívio financeiro naquela que é a sua conta.

    O PAN tem feito a diferença ao longo de todos estes anos na vida das pessoas, na proteção animal e ambiental. Tem sido um caminho de que muito nos orgulhamos. Há ainda muito para fazer pela frente, mas acredito que, no próximo dia 10 de Março, com um grupo parlamentar, vamos fazer muito mais. Se com uma deputada já foi um bom trabalho, com um grupo parlamentar vamos fazer muito melhor.

    (Da esquerda para a direita) António Morgado, membro da Comissão Política Nacional (CPN) do PAN e deputado eleito para a Assembleia Municipal de Lisboa, Inês Sousa Real, membro da CPN e porta-voz, e Pedro Fidalgo Marques, membro da CPN. (Foto: PÁGINA UM)

    Qual é a vossa meta, em termos de poderem ter candidatos eleitos?

    Bom, o nosso objetivo é recuperar um grupo parlamentar.

    De 3 ou 4 deputados, como já chegaram a ter?

    O momento político que o país atravessa é um momento muito instável. Aliás, desde que tivemos a pandemia que temos tido ciclos políticos muito curtos, em que sucessivamente estamos em actos eleitorais. O próprio Presidente da República já anunciou que, se não houver estabilidade governativa, e se houver um governo de minoria, que existe a possibilidade de convocar novamente eleições. Por essa razão, sabemos que corremos o risco até de estarmos a ir novamente para eleições em Outubro. Portanto, é difícil estar a perspectivar em termos numéricos, aquilo que poderemos alcançar. Qualquer aumento de representação será sempre positivo para dar mais força às causas que representamos. É esse o nosso grande foco: é conseguirmos tornar ainda mais útil, a nossa presença no Parlamento.

    Porque o PAN demonstrou ser um partido responsável e útil para a democracia e para a vida das pessoas, porque ao termos aprovado medidas desta natureza, estamos claramente a fazer a diferença. Não estamos a fazer a oposição por oposição. Conseguimos [ter] um impacto financeiro até mesmo ao nível fiscal. Fomos o partido da oposição que mais baixou os impostos, mas precisamos ainda de fazer um caminho. Porque, se é verdade que baixámos, por exemplo, o IVA dos produtos de origem vegetal para uma série de famílias vegetarianas, que são milhares já no nosso país – mais de um milhão, se não estou em erro. As famílias vegetarianas em Portugal conseguiram ter acesso ao IVA mais reduzido, por exemplo, nos queijos vegetais, nos leites vegetais, nas margarinas – o que era até uma discriminação face a produtos semelhantes, mas de origem animal, que tinham um impacto mais negativo na saúde humana e também violava o princípio da igualdade. Não faz sentido haver esta discriminação face a este tipo de produtos. Mesmo no caso do IVA zero, que foi aplicado aos donativos de ração para as associações, ou à aquisição de ração por parte das associações de proteção animal – foram passos muito positivos para aliviar aquela que é a carga fiscal e a despesa, quer das famílias, quer das associações de proteção animal. Há aqui um caminho que foi feito, mas sabemos que precisamos de ir mais longe.

    E para isso, precisam de ter uma maior representação.

    Temos de ter um grupo parlamentar para termos mais direitos, para termos mais capacidade de intervenção nas várias comissões e para conseguirmos matematicamente valer mais para fazer esta diferença na vida das pessoas. Até porque sabemos que um dos nossos grandes objetivos para a próxima legislatura será baixar a carga fiscal através da revisão dos escalões de IRS à taxa de inflação. Não podemos ser um país de mínimos olímpicos, em que continuamos sempre a trabalhar e a olhar para o ordenado mínimo, mas não olhamos para o ordenado médio. Não aliviamos a classe média do nosso país, não damos às famílias o retorno do sacrifício e do custo do seu trabalho. Até para os mais jovens, o PAN propõe que haja um aumento da isenção do IRS por mais 2 anos e que nos 2 últimos anos, o IRS possa ser também reduzido para os 15%, para garantirmos que os jovens têm uma maior capacidade de autonomia, independentemente de continuarem a viver ou não em casa dos seus pais. Porque não podemos dizer que queremos um país que consegue fixar os jovens no seu território e não ter medidas para os jovens, ou até mesmo para as empresas, se queremos captar investimento.

    Não ter medidas para que eles possam cá ficar.

    Temos de baixar o IRC em Portugal. É fundamental que isso aconteça. Somos, a nível da OCDE, dos países com maior carga fiscal. Sabemos que não somos o pior da tabela, mas não estamos bem posicionados na tabela da OCDE. Isto também é um desincentivo ao investimento estrangeiro, sobretudo se pensarmos que, hoje, temos de fazer uma transição até económica, para a economia verde. Cada euro que apostamos na economia verde, são 2 euros potenciados no PIB, em termos de crescimento. Mas, para isso, precisamos de ser atractivos. Precisamos de ser competitivos e isso só se faz ajudando as pequenas e médias empresas. Devemos excluir as grandes empresas deste tipo de benefícios. Quem mais lucra, quem mais polui não deve ter a mesma bitola que as pequenas e médias empresas e quem tem boas práticas sociais ou ambientais. Temos um conjunto de medidas que vamos apresentar este próximo Sábado, em que, também do ponto de vista fiscal, queremos aplicar esta máxima de justiça ambiental, o reverso de uma mesma medalha da justiça social.

    Nesta data em que realizamos esta entrevista, o PAN não tem ainda fechado, ou pelo menos apresentado, o seu programa para as eleições legislativas. O que é que pode destacar? Já deu alguns exemplos, mas o que é que destacaria daquilo que será o programa e as propostas do PAN para os portugueses no âmbito das legislativas?

    O nosso programa vai ser apresentado neste Sábado. Ele tem uma agenda progressista, uma agenda verde para o país. Uma agenda também onde temos uma preocupação forte com os direitos humanos e sociais e a protecção animal. Precisamos de garantir que são feitas reformas estruturais naquilo que diz respeito, quer à transição ecológica – para garantirmos que protegemos os valores naturais, quer em termos de combate às alterações climáticas. Somos mais ambiciosos nas metas de proteção e descarbonização da economia. Mas isso não pode ser feito à conta de destruir valores ambientais, como temos assistido –  até nestes casos que têm surgido, como foi o caso da ‘Operação Influencer’ em Sines, em que mais de 2.000 milhões de euros estão em causa, no processo de ‘deitou abaixo’ João Galamba é com uma falta de transparência. O PAN tem pugnado pela própria suspensão deste projeto. Sabemos que o mesmo vai destruir vários hectares de zona de sobreiro, azinheira, árvores protegidas, o que é contrário à preservação dos valores naturais. Não nos podemos esquecer que a floresta é uma importante forma de captação do carbono.

    Por outro lado, precisamos de garantir que, a nível dos transportes públicos, há uma aposta eficaz. Temos discutido muito o aeroporto no nosso país, a estratégia aeroportuária. Na visão do PAN, também temos de salvaguardar que a solução aeroportuária é a ambientalmente mais responsável e que tem de ser economicamente viável, como é evidente. Neste caso, não podemos deixar de criticar o governo socialista. Neste momento, a despesa do novo aeroporto já se estima que poderá ser de 12.000 milhões de euros. E sabemos que tanto o PS, como o PSD, estão de mãos dadas neste tema e que não divergem um do outro. Precisamos de garantir que a solução aeroportuária respeita, quer este princípio de minimizar os custos e que erário público não está a pagar todo este valor por um aeroporto. É muito dinheiro que faz falta para a área da Saúde, da Habitação, da Educação, entre tantas outras.

    Até para os transportes ao nível de outras regiões do país, que a população não está bem servida.

    Sem dúvida. Para a própria ferrovia. Seria fundamental garantirmos que a ferrovia, por exemplo, tem um investimento desta natureza. A verdade é que não vê este tipo de investimento a ser aplicado ou anunciado na ferrovia.

    Muitos portugueses têm de usar o carro para ir trabalhar, fora dos grandes centros urbanos, por falta de opções, num país que tem um território que não é assim tão vasto.

    É não só não é vasto como a aposta na ferrovia parece-nos estrutural e essa é uma aposta também que fazemos no nosso programa. Os portugueses podem sabem que podem contar com o PAN para garantir a progressividade da gratuitidade dos transportes públicos. Nesta legislatura conseguimos alargar os passes sub-23 aos jovens do ensino profissional e não apenas aos do ensino superior. Isto abrangeu mais de 200.000 jovens com este programa, mas queremos ir mais longe.

    E que são jovens que podem precisar mais, eventualmente.

    Claro que sim. Sabemos que muitos jovens, por força do aumento do custo do alojamento estudantil ou dos quartos… Hoje, alugar um quarto numa cidade como Lisboa, Porto ou Coimbra, custa mais de 300 a 400 euros e isto é absolutamente incomportável para as famílias. É por isso que no nosso programa, defendemos que, para além da habitação para os mais jovens, seja reposto o crédito bonificado, seja alargando o Porta 65, ou criando até linhas de apoio extraordinário ao crédito para as famílias. Precisamos de garantir que o acesso aos transportes públicos. Mas queremos ir mais longe e queremos alargar a gratuidade dos passes a todos os jovens, sem excepção, estudem ou não, até aos 25 anos. Mas não podemos continuar a ter ‘borlas’ fiscais aos combustíveis fósseis, como tivemos no último Orçamento de Estado, e esses 300 milhões de euros davam para pagar, por exemplo, 4 milhões de passes sociais. É uma conta matemática muito simples e a opção tem de ser feita. É por isso que queremos inverter. Tal como já fizemos aquando da taxa de carbono. Quando o PAN incluiu a taxa de carbono sobre a aviação, os 90 milhões de euros que foram arrecadados desde que esta taxa foi criada, estão a financiar os espaços sociais. Esta é uma rota tendencial no nosso país.

    Uma aposta nos transportes públicos.

    Uma forte aposta na quantidade e na qualidade. Porque, neste momento, aquilo que nós temos é uma falta de quantidade de transportes públicos. Sobretudo, se pensarmos, quer nas áreas metropolitanas – com a necessidade de expansão, por exemplo, do metro ou até mesmo da linha férrea, ou ligação da ferrovia a todas as capitais de distrito… Ainda temos capitais de distrito em Portugal que não têm ferrovia de alta velocidade. É fundamental garantirmos que o Alfa Pendular chega a todas as capitais de distrito. Mas também no quotidiano, garantir que as pessoas têm acesso a transportes de qualidade para não terem de perder tempo no carro, nas deslocações casa-trabalho. Deveríamos estar a apostar é nas chamadas ‘Cidades de 15 minutos’, em que facilmente nos conseguimos deslocar para o trabalho e para casa, poupando assim um tempo e ganhando em qualidade e protegendo o ambiente e a contribuir para a descarbonização.

    (Foto: PÁGINA UM)

    No país, consegue-se viajar de autocarro de uma forma muito mais económica muitas vezes, face à ferrovia. Há uma lógica que também tem de ser repensada em relação àquilo que é a utilização de transportes interurbanos e regionais?

    Sem dúvida. Por isso é que temos a ambição de alargar o mais possível a gratuitidade dos transportes públicos em Portugal. Se queremos dar este salto em matéria de descarbonização, este tem de ser um serviço público essencial, um serviço de qualidade em que possa existir esse benefício para as populações. Conseguimos já nesta legislatura incluir, por exemplo, as bicicletas GIRA nos passes. As bicicletas são gratuitas para a sua utilização. Esta é uma das medidas mais impactantes, do ponto de vista da descarbonização e da mobilidade suave e ciclável dos últimos anos, no nosso país. Mas queremos mais. Queremos garantir que a estratégia, por exemplo, nacional para a mobilidade ciclável é reforçada. Conseguimos isso neste Orçamento de Estado, com o reforço de mais de um milhão de euros para esta estratégia, mas precisamos de aumentar também os meios humanos que estão afetos à estratégia nacional para a mobilidade reciclável. T

    emos claramente de fazer uma aposta nos transportes públicos e na expansão da rede. Ligar, por exemplo, a linha de Leixões, no norte do país, ao aeroporto. Ao invés de estarmos a ouvir disparates, como criar uma quarta travessia sobre o Tejo para a criação do aeroporto em Alcochete, precisamos deixar esse tipo de devaneios e experimentalismos políticos e garantirmos que a solução aeroportuária é uma solução económica e ambientalmente sustentável. Mas também em termos da coesão territorial. Que sentido é que faz obrigamos quem vem do norte do país a atravessar para a margem sul do Tejo, depois vir para Lisboa. Isto é um absurdo e não promove aquilo que deve ser uma mobilidade em termos do território nacional adequada.

    Tem de ver uma lógica e pensar nos portugueses. Porque, no aeroporto, pensa-se também numa indústria de turismo, nos estrangeiros. O que diz é que não se devem esquecer as necessidades de quem cá vive?

    Sem dúvida. E não podemos esquecermo-nos dos navios de cruzeiro. Porque os navios de cruzeiro, em termos turísticos, têm uma pegada ambiental muito grave no nosso país. Para quem nos está a ouvir, estamos na sede do PAN, que fica na zona da Baixa de Lisboa. Esta é uma zona de emissões reduzidas para os carros. No entanto, a paredes-meias, temos aqui navios de cruzeiro que poluem 10 vezes mais que o trânsito automóvel. Precisamos de garantir que também temos metas para a descarbonização dos cruzeiros no nosso país. Porque, além do bloqueio da vista e da componente identitária que tem o rio Tejo para a cidade de Lisboa – e que tantas vezes acaba a ser prejudicado por força dos navios de cruzeiro –, temos esta questão da pegada ambiental e da pressão turística, sem que tenha sido feito um estudo da carga turística que o PAN tem reivindicado, há anos, e que também tem de ser feito. E essa é outra das preocupações que temos no nosso programa.

    Já falou algumas propostas também para a área da Habitação. Para o PAN, o que é mais importante garantir, nesta altura, e sobretudo no curto prazo, em que vivemos uma crise forte no acesso à habitação condigna e com preços acessíveis?

    Infelizmente, não há só uma solução para a Habitação, têm de ser várias medidas conjugadas, em simultâneo. Há uma medida para o PAN, que é absolutamente fundamental, se queremos garantir que evitamos uma onda de despejos, e se queremos garantir que as famílias são protegidas, neste contexto em que vivemos. A inflação e as taxas de juro do BCE subiram a dispararam, o que levou a um aumento exponencial dos custos com a habitação, sem que fosse acompanhado pelo aumento dos salários. E, nesse sentido, o PAN propôs – e volta a insistir para a próxima legislatura ­–  que haja a suspensão da execução da penhora da casa de morada de família durante este ano, para que não tenhamos crédito malparado na banca e as famílias não se verem a braços com acções de despejo.

    Hoje, há famílias que trabalham e que não conseguem pagar a sua casa e que, mesmo com filhos, são colocadas na rua ou são discriminadas, por exemplo, em função de terem animais de companhia. Porque ainda não temos uma lei de não discriminação no acesso à habitação para quem tem animais de companhia. É fundamental garantirmos esta suspensão da penhora da casa de morada de família. É uma medida emergencial, ou seja, ela visa dar resposta a um contexto de emergência. Mas precisamos de pensar, não a curto, a médio e longo prazo, nas soluções para habitação despidas de qualquer preconceito ideológico. Pensar em soluções, quer para quem quer ter o direito a ter casa própria, quer para quem quer arrendar. Porque não diabolizamos o direito a ter casa própria por parte das famílias.

    (Foto: PÁGINA UM)

    As famílias precisam de ter acesso a linhas de apoio extraordinário ao crédito para fazer face àquela que é a subida da inflação. Sendo o Estado proprietário e detentor da maioria do capital social da Caixa Geral de Depósitos, não faz sentido que o banco público, que foi intervencionado pelo Estado, não tenha linhas próprias de apoio ao crédito. Ou que também não tenha o que os nossos avós e pais beneficiaram, que foi o crédito bonificado. Deveríamos permitir aos jovens do nosso país este sonho com a casa própria, em termos de habitação.

    Por outro lado, no arrendamento queremos garantir que há um aumento de Porta 65, mas também – tal como fizemos já neste ano, em que aumentámos em 100 euros a dedução das rendas no âmbito do IRS – garantir que existe esta continuidade do reforço daquilo que pode ser a dedução da renda em sede de IRS. E que o Estado coloque o património público ao serviço da população. No final desta legislatura, o PAN conseguiu mais uma Vitória relevante para as famílias, que foi garantir que o Estado faz um levantamento – e foi aprovado na Assembleia da República – de todo o património imóvel de que é proprietário, qual o uso a que está afecto e o seu estado de conservação. Feito este levantamento, aquilo que queremos é que o Estado coloque [esse património] ao serviço da população. Porque precisamos de recuperar programas, não apenas do ponto de vista da habitação social.

    No combate ao fenómeno da pobreza, precisamos diminuir o número de pessoas que temos em situação de sem abrigo nas ruas, garantindo acesso aos programas ‘Casa Primeiro’ – Housing First. Queremos garantir que, quando damos continuidade àquilo que o PAN conseguiu inscrever, ao longo dos anos, no Orçamento de Estado, que é reforçar estes programas Housing First para tirar as pessoas da rua. Mas temos de ir mais longe. Precisamos de ter habitação municipal condigna e ter também habitação, arrendamento acessível para arrendamento, programas de arrendamento acessível, tal como já tivemos a EPUL Jovem, entre tantos outros programas, para a própria classe média. Porque não podemos diabolizar a classe média no nosso país. As famílias e as pequenas e médias empresas são motores, são a força motriz do desenvolvimento do país. Se não tivermos respostas, quer ao nível da habitação acessível, quer ao nível da carga fiscal para as famílias e empresas, não vamos conseguir dar a volta e garantir que Portugal é um país com desenvolvimento, do ponto de vista sustentável, social, fiscal e até ambientalmente.

    Depois, há aquela faixa da população, de pessoas que já têm mais idade e que, muitas vezes, ficam vulneráveis, com rendimentos que acabam por descer quando deixam a vida activa. E, às vezes, ficam também com mais despesas com medicação, com questões de saúde, e se vêem na situação de não ter como pagar renda de casa, já não conseguem crédito…  O que as autarquias podem fazer por essas pessoas, para acautelar que não ficam na rua?

    Aqui temos também uma outra dimensão. Porque sabemos que, com a inversão da pirâmide demográfica e com o envelhecimento, há um maior risco de pessoas que estão em vulnerabilidade social caírem na pobreza, precisamente quando chegam à chamada terceira idade. Precisamos de garantir que temos medidas de apoio para que as pessoas não tenham de escolher entre ir à farmácia ou comprar o que comer, entre pagar a casa ou pagar outro tipo de despesas, nomeadamente de saúde. O PAN, numa das medidas que quer garantir, é que o complemento solidário para idosos estar sempre acima do limiar da pobreza, que é equiparado ao rendimento mínimo. Temos de ter medidas de resposta também para estas pessoas. Porque, muitas das vezes, não são contempladas estas despesas para efeitos da atribuição do complemento solidário para idosos e precisamos de garantir que há um patamar mínimo de dignidade para pessoas, numa fase da vida em que mais precisam destes apoios.

    André Silva, ex-porta-voz do PAN, anunciou a sua do partido no início deste mês de Fevereiro, deixando fortes críticas ao PAN.
    (Foto: Captura a partir de imagem da Renascença)

    No nosso entender, o ordenado mínimo tem de ser equiparado [ao complemento solidário] e não pode ter um valor inferior. Depois, por outro lado, temos de garantir que existem ferramentas de acesso e de proximidade. Projetos como, por exemplo, o ‘Projeto Radar’ para identificarmos situações de violência ou de abuso contra pessoas idosas ou, até mesmo, no âmbito do combate à violência doméstica. Continua um flagelo no nosso país, em que as mulheres, as crianças e as pessoas idosas são mais vulneráveis. Temos de garantir que uma iniciativa que foi rejeitada na Assembleia da República ganhe vida na próxima legislatura.

    Quando propusemos que fosse crime o abandono de pessoa idosa, foi rejeitado pela maioria PS e PSD. Mas precisamos de ir mais longe. Precisamos de garantir que, por exemplo, o regime da indignidade sucessória é revisto e que durante a dependência de qualquer processo, mesmo que não tenha havido condenação, se a vítima falecer antes de concluir o processo, que desde que tenha havido queixa e o processo depois leve a uma condenação, que é possível, do ponto de vista Civil, também garantir a indignidade sucessória. Isto aplica-se, quer às vítimas de violência doméstica, quer para salvaguardar também animais de companhia que possam estar a cargo destas pessoas.

    Muitas vezes, os animais são o único elo que existe, do ponto de vista social, com estas pessoas que estão mais vulneráveis e sós e que, ou não saem dos contextos de violência porque têm animais de companhia ou, então, quando morrem, temos também o problema, quer dos animais de companhia, quer dos chamados órfãos da violência doméstica – crianças e jovens que ficam sem pai e sem mãe no contexto de violência. Também para eles, no nosso programa, queremos garantir que exista pensão e o direito a uma pensão ao longo da vida, e não apenas quando atingem a maioridade. Para que, quando atingirem a maioridade, não estarem já numa posição de desvantagem social, do ponto de vista da vulnerabilidade e da pobreza. Temos que acautelar que existem respostas nestas múltiplas dimensões de combate à pobreza se queremos garantir que temos uma população mais capaz e mais resiliente perante estas circunstâncias, como a que atravessámos, de uma pandemia ou de uma crise inflacionária, ao invés de termos um jackpot fiscal para os cofres do Estado, como assistimos nos últimos anos. E, no meio disto tudo, não deixarmos os animais para trás.

    O PAN quer garantir que na próxima legislatura inscrevemos a proteção animal na Constituição. Não queremos retrocessos como o que tivemos até aqui, em que vimos ameaçada a tutela penal no tribunal por força de uma eventual decisão do Tribunal Constitucional. Sabemos que a maioria que se formou declarou Constitucionalidade dos crimes contra animais de companhia, mas não sabemos o dia de amanhã.

    Querem salvaguardar isso?

    Queremos salvaguardar, queremos inscrever na Constituição, mas queremos mais. Queremos acabar com as touradas no nosso país. Não faz sentido que se permita torturar um animal numa arena e procurar elevar isso a espetáculo cultural. Queremos garantir que nenhum cêntimo de dinheiros públicos serve para financiar touradas. Temos mais de 19 milhões de euros ao ano que financiam esta actividade. Isto só nos apoios municipais, não estamos sequer a falar dos apoios da PAC [Política Agrícola Comum], ou de outros apoios públicos que financiam esta atividade. Quando sabemos que o sector da cultura passa por tantas dificuldades e que os verdadeiros artistas precisam de apoios, seja através da do programa da DGArtes, com o seu reforço, seja através do 1% efetivo para a cultura – e não o 1% que considera o património, desvirtua aquilo que são as contas em termos de apoios. Precisamos de garantir que o dinheiro vai efetivamente para quem precisa e não para quem tortura animais.

    Por outro lado, [queremos] acabar com barbaridades, como matar raposas à paulada ou até mesmo chacinas como agora estamos a assistir na Serra da Lousã, que é um episódio semelhante ao da Herdade Da Torre Bela, em que ainda esta semana houve uma caçada em que andaram a abater veados e javalis e que está previsto para o dia 29 mais uma caçada. Vão acabar com todos os veados que existem naquela zona, que não têm sequer hipótese para a fuga.  

    (Foto: PÁGINA UM)

    Por desporto.

    Por desporto e, neste caso, por puro por lazer, à conta do sofrimento animal e de dizimar uma espécie que já esteve em vias de extinção na Serra da Lousã e que teve que ser reintroduzida. É literalmente uma Herdade da Torre Bela 2. Já vimos este filme. Sabemos o que é que está por detrás deste tipo de atividades e queremos acabar e não permitir este tipo de barbaridades e de chacina no nosso país.

    Mas depois esbarram também, com certeza, numa herança cultural, sobretudo em algumas zonas do país, em algumas faixas da população, certamente.

    Acho que, nestes casos em que estamos a falar de centenas de animais mortos e dizimados para desporto, inclusive turístico, por parte destas herdades e destas zonas associativas de caça. Acho que a própria população não compreende, indigna-se perante isso. Aliás, temos até associações de caça a não compreender este tipo de fenómenos. Não podemos tolerar, por turismo ou por lazer ou por oportunismo económico de quem explora estes espaços, se mate e dizime centenas de animais como aquilo que se pretende fazer agora na Serra da Lousã. Ainda para mais com veados, que é uma espécie icónica no nosso país. Por exemplo, o veado é um símbolo do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Não nos podemos esquecer que são animais que, tendo estado em vias de extinção, temos o dever de acarinhar e proteger, até para haver um equilíbrio da biodiversidade.

    Mesmo com o lobo ibérico, foi pela mão do PAN que se reforçou, ainda esta legislatura, o estatuto de proteção do lobo ibérico. Criámos um programa extraordinário de compensação para os produtores, para que se possa antecipar os danos que são feitos pelo lobo ibérico e, assim, garantir uma maior harmonia na convivência entre o lobo e o Homem. Há uma estratégia para a proteção da biodiversidade, que não passa por matarmos por desporto, à paulada, de forma absolutamente cruel, nem raposas, nem dizimar, veados ou, menos ainda, estarmos a matar tudo o que mexe. Há uma política que tem de ser consentânea com a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável que é proteger a biodiversidade.

    Está a referir este caso em Portugal que é matar por uma questão de lazer ou de desporto, mas nível europeu, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos manteve a proibição do abate ritualístico de animais. A comunidade, nomeadamente judaica, pretendia desafiar essa proibição, recorrer dessa proibição, mas foi mantida no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. É uma vitória também para os defensores dos direitos dos animais?

    Sem dúvida, acima de tudo, é uma vitória para os próprios animais. Porque são métodos cruéis de abate, por mais que possa existir um caráter religioso.

    Não há compaixão naquelas mortes.

    A questão é que, por mais que possa existir aqui um cunho religioso no abate kosher e halal, não nos podemos esquecer o facto de os animais não serem dessensibilizados implica um elevado sofrimento, porque eles são sangrados vivos. Por maior respeito que possamos ter do ponto de vista e da tolerância inter-religiosa, nada justifica que em pleno século XXI, com o conhecimento que temos sobre a senciência animal, sobre a capacidade de sofrer dos animais, se continue por permitir esse tipo de abate por um puro preceito religioso ou por a crença religiosa. Com todo o respeito que nos merecem, não faz sequer jus àquilo que está ali em causa, até do ponto de vista religioso em relação ao abate.

    Depois, por outro lado, temos ainda um outro problema muito grave no nosso país, que é o transporte de animais vivos. Além do fim do abate kosher e halal, era fundamental garantirmos o fim do transporte de animais vivos para países terceiros. Portugal teve, recentemente, há cerca de uma semana e meia, um navio parado com milhares de animais dentro do navio e que ficam a morrer à fome, à sede, a correr o risco de chegar com lesões, patas partidas, cornos partidos. Em regra, estamos a falar de ovelhas e bovinos, são sobretudo estas duas espécies que são exportadas para fins de comercialização.

    Temos, de uma vez por todas, de apostar na transição para um modelo económico de transporte dos animais não vivos. Não faz sentido assentarmos a nossa economia e o desenvolvimento económico no sofrimento animal. Isso não é digno do século XXI. Ninguém está a dizer que queremos ter um cunho proibicionista, mas é uma questão de compaixão e respeito pelos animais. Que sentido é que faz termos animais ao largo, no oceano, deixados à sua própria sorte, sobre os seus dejectos e urina, a morrerem, a passarem fome, ao frio, ao calor.

    Doentes, muitas vezes.

    Doentes sim, com febres, até por força das intempéries a que estão expostos ou a poderem morrer afogados, quando os navios afundam. Não é minimamente digno dos valores humanitários do século XXI. E não é à toa que o próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem tido este tipo de pronunciamentos, inclusive ao nível do transporte de animais vivos. Não é, por acaso. Os valores humanitários não podem ser indiferentes ao sofrimento animal.

    Campanha do PAN contra a caça de veados na Serra da Lousã. (Foto: D.R./PAN)

    Quando o PAN defende esta sociedade mais justa e solidária também para com os animais, é esta a sociedade que procuramos ajudar a construir, através da nossa ação política. Não estamos a negar ou a rebaixar os direitos do ser humano. Pelo contrário, estamos a elevar a nossa condição de empatia para com estes membros que, no caso dos animais de companhia, são membros da nossa família. No caso das outras espécies, fazem com que estejamos menos sós neste planeta, que é mais vivo e mais plural e mais diverso. E é tão bom. No fundo, podemos usufruir de um planeta. E, portanto, é uma sociedade mais empática e mais justa, e não o contrário.

    Apesar dos avanços, a nível da União Europeia, tem havido alguns recuos na área do ambiente e da saúde. Não só foi aprovada a manutenção da autorização do uso do glifosato por mais uma década, que um pesticida perigosíssimo para a saúde animal, para a saúde humana. Mas também tem havido recuos relativamente àquilo que será o uso de determinados pesticidas na agricultura, além de haver uma forte pressão para que a Europa diminua as restrições do uso de organismos geneticamente modificados. Pode ser estranho para a população ouvir falar tanto em alterações climáticas, até a criação de impostos e as pessoas começarem a ver que poderão ter de pagar essa transição verde e depois vêm estas medidas. Não ‘bate a bota com a perdigota’. Como vê este tipo de movimentações?

    Temos de olhar para a saúde humana, para a saúde do planeta e para a saúde animal como uma só saúde. Esse conceito, uma só saúde, é um conceito já reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Temos de perceber que a água que bebemos, o Sol que utilizamos para produzir a nossa fruta aos nossos legumes e entre tantos outros, alimentos, é absolutamente fundamental para termos uma qualidade de vida e saúde. E isso não é compaginável com a utilização de pesticidas e de químicos. Para o PAN é fundamental procedermos à revisão da política agrícola comum (PAC). Nós debatemo-nos por isso, quando a mesma esteve a ser revista. Infelizmente, foi rejeitada na Assembleia da República, pelo PS e pelo PSD, e por outras forças políticas. Mas é por isso que, muitas vezes, somos uma voz isolada no verdadeiro combate às alterações climáticas. Aliás, o PAN é o único partido que defende o clima, o ambiente e os animais todo o ano e não apenas em época eleitoral. Temos propostas que vão ao encontro destas preocupações com a saúde humana, a saúde do planeta e o bem-estar dos animais. Precisamos de garantir que há um investimento da PAC em boas práticas no cultivo de leguminosas – até para termos uma soberania alimentar –, na ajuda aos produtores e agricultores na gestão adequada da água adequada, termos uma gestão mais eficiente, de maior precisão e evitarmos perdas de água na agricultura.

    Mas quando há, ao europeu, na parte política, todos estes recuos e estas cedências nestas áreas, os sinais que se dão…

    São contraditórios. Mas vamos ter eleições para o Parlamento Europeu já em Junho. Vai ser também uma oportunidade de levarmos as preocupações com o futuro verde até ao Parlamento Europeu. E o PAN apresentar-se-á a eleições, precisamente para isso mesmo, para contribuir também para esta mudança.

    Já teve um deputado.

    Já tivemos representação. Temos de nos preocupar, a nível nacional, em dar o exemplo. No que diz respeito ao combate às alterações climáticas, vemos os jovens quer em Portugal, quer pelo mundo fora, a irem para as ruas e a reclamarem pelo direito ao clima estável. Não vamos conseguir combater as alterações climáticas apostando e investindo financeiramente nas políticas do costume, seja mantendo a utilização no glifosato, seja mantendo a questão dos organismos geneticamente modificados. Não promovendo, por exemplo, a troca de sementes e as sementes livres para podermos ter uma biodiversidade, até do ponto de vista de uma diversidade de sementes, até ao nível global. Por isso é que os bancos de sementes também são tão importantes. O genoma é fundamental e o PAN tem procurado, através do orçamento de Estado, salvaguardar o investimento também nessa área.

    Mas aí também tem havido lobbies e pressões ao nível comunitário para travar essa diversidade e até haver um patentear de sementes, o que é extremamente perigoso para a população humana, para a saúde…

    São lobbies fortíssimos. Aliás, o PAN tem enfrentado uma série de lobbies na Assembleia da República, mesmo como única deputada. Eu própria tenho enfrentado esses lobbies, quer o lobby da caça, da tauromaquia, muitas vezes lobbies da corrupção.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Da indústria química, da indústria farmacêutica.

    Da celulose, também da deflorestação. Fazemos muitos amigos, como costumo dizer na brincadeira. Temos enfrentado esses lobbies em prol de um bem comum, que é uma sociedade mais sadia e mais equilibrada em termos de bem-estar. E isso não se faz sem protegermos a nossa saúde e a saúde do planeta. Agora, temos de pensar é: na questão, quer do glifosato, quer dos pesticidas, tem de haver de facto a coisa à reconversão da atividade das várias indústrias, quer da agricultura, das florestas, da celulose, dos tecidos, dos têxteis, do calçado…

    Tem de se ir tirando toda essa carga química.

    Tem de se incentivar. É muito difícil chegarmos ao pé de uma empresa e dizermos que a empresa tem de mudar sem o Estado ajudar e apoiar e incentivar. Quando sabemos que há isenções fiscais que beneficiam, por exemplo, os combustíveis fósseis, que temos projetos de investimento de Data Center em Sines de 2.000 milhões de euros, que perdemos todos os anos para a corrupção de 9.000 de euros. Temos um super Fundo Ambiental que é dos fundos mais robustecidos do ponto de vista financeiro. Esse valor tem de ir para a transição energética do nosso país e para a transição verde, para garantirmos que não ficamos para trás nesta corrida. Recordo que a Organização Internacional do Trabalho já disse que a economia verde tem o potencial de gerar mais de 24.000 milhões de postos de trabalho em todo o mundo e Portugal não deve ficar para trás nesta corrida se queremos ser competitivos do ponto de vista Internacional. Isto só se faz apostando na economia verde e nesta transição e apoiando as empresas para isso mesmo.

    E falou nos jovens, mas eu que já não sou assim tão jovem e sou de Abril de 74, cresci a ouvir falar em Ecologia, na necessidade da poupança de água, de haver uma preservação do ambiente, uma proteção ambiental, uma luta contra a poluição. O que é certo é que parece que a questão da proteção do ambiente tem vindo a ficar para segundo plano. Quando se fala em alterações climáticas, quase que se esquece aquela luta que tem sido a da defesa do ambiente a grave crise ambiental que o mundo atravessa. E já não é de agora. Já vou fazer 50 anos e já se falava muito dessa questão. Está a esquecer-se a questão da luta contra a poluição e de algumas indústrias que se mantêm …

    O problema é que estamos a ter aqui algumas ações que são de verdadeiro brainwashing [lavagem cerebral]. Defender o ambiente não pode ser meramente propagandístico. É fundamental traduzir-se em acções concretas, em políticas públicas concretas que protejam o ambiente, conservem a natureza.

    O ambiente é também proteger as populações que vivem ao pé dessas indústrias, ao pé de certas explorações…

    Sem dúvida. Não nos podemos esquecer de algumas dimensões. Conseguimos este ano travar uma das destruições ecológicas que ia ser absolutamente desastroso para uma das zonas húmidas que temos no nosso país, que são as Alagoas brancas. Esta foi uma grande vitória para os activistas ambientais. Para a sociedade civil também, porque o movimento [Salvar] as Alagoas Brancas há muitos anos que lutava pela proteção deste espaço que ia ser destruído para dar lugar a um centro comercial, numa zona onde já tinha quase duas dezenas de centros comerciais. Temos de garantir que protegemos as zonas húmidas, que conservamos as áreas dos berçários marinhos, as padarias marinhas. Que não destruímos, por exemplo, vastas áreas verdes para construir painéis fotovoltaicos ou construir, por exemplo, a linha da ferrovia.

    Além da política dos veículos eléctricos, que têm questões, e que é a troca de um carro por… outro carro. E há o caso das pás na …

    Exatamente, e temos de olhar para o futuro e o futuro é verde. Sabemos que o futuro é verde. Tem de ser um verde de esperança e tem de ser com políticas adequadas àquela que é transição ambiental e energética que o país tem de fazer. Mas não pode ser feito à pressa ou ao serviço ou interesses de alguns. É, por isso, para nós, fundamental conseguimos alterar a Lei da Água no final desta legislatura. Conseguimos garantir que a Lei da Água será alterada, passou a ter obrigatoriedade de criação de planos de gestão da água pensados a 50 anos e não no amanhã, porque Portugal vive uma seca estrutural. Temos um problema gravíssimo no Algarve.

    Que, mais uma vez, era algo que já se falava quando eu era pequena. Falava-se na desertificação do país, na questão da seca, na questão de haver às vezes… Estamos a falar disto e, pelo caminho, nos últimos 50 anos, quantos empreendimentos de golf não surgiram? Ou quanta agricultura intensiva de determinadas culturas?

    Até já se vêem do espaço. Existe aqui uma questão absolutamente estrutural na questão da água, seja pela poluição dos rios – que é um fenómeno que temos que combater ­–, seja pela contaminação dos solos, seja também no caso do aeroporto de Alcochete, que vai ser construído uma das zonas de água doce, uma das melhores bacias hidrográficas de água doce da Península Ibérica, e se vai pôr em causa toda a área Metropolitana de Lisboa… Temos de ter uma política, até do ordenamento do território, consentânea com as alterações climáticas, racional e consentânea com o combate às alterações climáticas e com a protecção dos valores naturais. É por isso que o PAN quer que o Ministério do Ambiente altere a sua designação e passe a ser o Ministério do Ambiente, das Alterações Climáticas e da Biodiversidade. Precisamos de elevar o Ministério do Ambiente e capacitá-lo para aquele que tem de ser uma visão transversal a todas as áreas da nossa sociedade. Não tem de ser a economia a marcar o passo, tem de ser as alterações climáticas, porque nos vão bater à porta.

    (Foto: PÁGINA UM)

    O que é certo é que sabemos que depois há sempre, até ao nível dos reguladores  e tem havido vários casos –  em que fica evidente que pode haver influências, seja económicas, seja políticas em determinados projetos, para que os projetos avancem. E mencionou vários, em que houve destruição de habitats.

    Com parecer positivo de entidades que deviam dar aparecer negativo.

    Falou na questão da ‘One Health’, que é algo reconhecido pela OMS. A OMS tem vindo a  negociar com os países duas questões que vão ser determinantes também para o futuro dos portugueses e dos europeus: as alterações ao Regulamento Sanitário Internacional; a criação do chamado Tratado Pandémico, que um nome mais comprido. Alguns países começaram a ficar de pé atrás por algumas questões, nomeadamente a influência que uma organização como a OMS –  que é fundamental na gestão de crises internacionais, mas por outro lado, também tem sido fortemente influenciada, nomeadamente por lobbies, por via do financiamento que tem de privados, além de questões políticas. Qual é a posição do PAN, sobretudo nas alterações em termos de reconhecimento de direitos humanos, que são preocupantes?  Também uma série de preocupações relativamente ao bem-estar animal. Tem acompanhado este tema?

    Sim, e há algumas preocupações que temos nessa área que, de alguma forma, reforçam aquilo que tem sido a nossa visão, quer a nível nacional, quer a nível global.

    É um tema, este da OMS, que ainda não está fechado. Há um prazo que termina em Maio.  Ainda está a ser debatido, mas tem criado tantos anticorpos que, por exemplo, no Reino Unido já existe uma petição com mais de 102.000 assinaturas a pedir que o país saia da OMS. Esta petição vai ter de ser debatida no Parlamento.

    Precisamos de ter nível de cooperação internacional, entidades fortes e entidades independentes, de forma isenta. No caso da OMS, recordo até quando foi da pandemia, não aprendemos a verdadeira lição aquando da pandemia da covid-19.  Vários especialistas tinham alertado que os mercados de consumo de animais vivos poderiam levar a surtos epidemiológicos, como o que atravessámos da covid-19. E nós não aprendemos nada com isso. Passámos reiteradamente a fronteira, do ponto de vista, quer do bem-estar animal, quer da saúde animal, quer da saúde humana. Estamos sempre a quebrar essas fronteiras do equilíbrio e daquilo que devia de ser razoável, não só do ponto de vista da saúde humana. Porque o surto da covid-19, que se estima que tenha tido origem no mercado em Wuhan… É um mercado de animais vivos, demonstra que devíamos ter aprendido essa lição e abolido também este tipo de mercados. Além de terem práticas absolutamente cruéis na forma como os animais são detidos, são abatidos e até alguns deles cozinhados vivos, o que põe em causa os princípios basilares do bem-estar animal, mas também da saúde humana e até com uma dimensão global e económica.

    Em todo o caso, têm surgido indícios fortes que apontam para um problema que terá sido a questão de uma fuga de laboratório [do SARS-CoV-2]. Aliás, várias crises e várias situações de epidemia, ou potencial pandemia, resultaram de um acidente. Há países que estão de pé atrás, precisamente por temerem que haja, no que está a ser preparado na OMS, um incentivo para o desenvolvimento de pesquisas que são perigosas, como ‘gain-of-function’. Sabemos que, infelizmente, também há pesquisas em laboratórios ligados à questão das armas biológicas. Entende que Portugal está a acompanhar esta matéria como deveria?

    Acho que a instabilidade política que estamos a viver não nos permite acompanhar da forma que deveríamos, seja porque não estamos a conseguir fazer um escrutínio ao governo –, porque com a dissolução da Assembleia da República não há os debates quinzenais com o primeiro-ministro e não estamos a poder fazer esse escrutínio.

    Aliás, há uma petição que foi discutida numa comissão aqui no Parlamento, uma petição para que haja um referendo sobre a adesão de Portugal a este a este Tratado e que ainda aguarda para que possa ir a plenário.

    Se calhar, já só irá na próxima legislatura. A Comissão Permanente já não tem poderes para isso. Quando a mesma vier à Assembleia da República, provavelmente já estaremos a correr contra o prejuízo, porque nem sequer se discutiu, por exemplo, ao nível dos debates, qual a posição dos partidos em relação a esta matéria, que é uma matéria da maior relevância em termos da saúde humana e da saúde global. Temos de perceber de uma vez por todas onde é que traçamos o limite, onde é que fica o limite e isto não é ser proibicionista. Temos é de saber utilizar mais o princípio da precaução. E falamos muitas vezes no princípio da precaução em ambiente, mas temos de falar mais no princípio da precaução na saúde, o bem-estar animal, se temos dúvidas se vai ou não ter um impacto negativo na saúde humana ou do bem-estar animal, não se aplica.

    (Foto: D.R./PAN)

    Em outros países, nomeadamente no Reino Unido e nos Estados Unidos, está a haver investigação no sentido de inquérito, para se aprender as lições do que é que correu mal e foi mal feito durante a pandemia. Em Portugal, é como se … Desapareceu, não se fala mais no assunto, apesar de Portugal – que, ao contrário de países como a Suécia, que não seguiram as regras da OMS ­– regista dos maiores níveis de excesso de mortalidade. Há portugueses a morrer e não há investigação. As bases de dados estão fechadas, foram fechadas. Aliás, o PÁGINA UM tem ações em tribunal para exigir o acesso a essas bases, que têm dados anonimizados.

    Para salvaguardar a vida privada.

    Salvaguarda o anonimato dos pacientes. Mas os portugueses têm ou não o direito de saber do que é que está a morrer a população? Estamos a falar de mortalidade em excesso e não de mortalidade que está ao nível do padrão habitual.

    Bem, a verdade é que não temos este princípio da prevenção nas políticas públicas, como deveríamos ter, seja ao nível da saúde, com acesso à informação, como é evidente, seja ao nível daquilo que pode ser avaliações de processos decorreram. Infelizmente, sabemos que vamos ter de lidar com lidar com fenómenos climáticos extremos com cada vez mais frequência, com pandemias, com cada vez mais frequência. A única forma que vamos ter de estar preparados para estes fenómenos é prevenindo. Por isso é que o PAN tem batido nesta tecla até à exaustão que temos de prevenir na área da saúde.

    Mas salvaguardando a democracia, ou não?

    Salvaguardando sempre a democracia. São princípios que não têm de ser antagónicos.

    Durante a pandemia, segundo relatórios, houve um recuo enorme no nível de democracia, um recuo ao nível dos direitos humanos, dos direitos civis. E há mesmo teses e têm sido escritos artigos que dizem que, se calhar, algumas políticas não são bem compatíveis com a democracia, porque depois há ali os direitos humanos e os direitos civis.

    No caso da pandemia, acho que foi um momento excepcional da nossa democracia. E posso dizer que foi o meu primeiro mandato, enquanto deputado na Assembleia da República. E nunca pensei, no dia em que fui eleita, que algum dia viveria uma situação como aquela que atravessámos durante a pandemia. Porque não sabíamos bem o que é que estávamos a lidar da covid-19. Tínhamos a informação que nos chegava, de um potencial de mortalidade, sobretudo para as pessoas mais vulneráveis, como os doentes crónicos ou os que têm múltiplas comorbilidades – têm várias doenças–, para a população mais idosa… Para quem tem de tomar decisão…

    Sim, houve um modelo matemático que estava errado, sim.

    No caso, acho que foi positivo termos as reuniões do Infarmed, concorde-se ou não se concorde com informação veiculada, não é isso que está em causa. Mas, para quem teve de tomar decisão e declarar o Estado de Emergência, quando não sabíamos com o que é que estávamos a lidar, e qual é que seria o impacto na saúde e na vida da população, é evidente que faríamos tudo novamente e declarávamos novamente o Estado de Emergência.

    (Foto: D.R./PAN)

    Mas, hoje, sabemos e não estamos a ter as lições, também por via da instabilidade política.

    Hoje, temos a obrigação de estudar e de prevenir. É daí a importância de acabarmos com os mercados de pêlo, para a produção de visons, os mercados de animais vivos, a compra e venda de animais nas feiras e mercados. Temos essa obrigação, para garantir que protegemos a população, de olharmos para a alimentação e acabarmos com a questão dos pesticidas na alimentação, a contaminação das águas, de acabarmos também com as fontes de poluição que temos e a toxicidade. Temos populações que vivem paredes-meias… Se olharmos, por exemplo, para a zona do olival intensivo, temos fábricas que tratam depois estes resíduos do olival intensivo e que estão a prejudicar a saúde das populações e ninguém fala neste assunto.

    Nesses nessas populações se se aplicar, por exemplo, a regra da ‘Cidade de 15 minutos’, elas não estão muito bem servidas. Temos de repensar…

    Temos de repensar o modelo de sociedade onde vivemos e temos de falar em economia, como é evidente de economia verde para desenvolvermos a economia, mas também temos de falar em economia de felicidade e bem-estar. Isto tem que ser um primado. Nós não pagamos impostos para ver uma vida inteira de sacrifício. As pessoas pagam os seus impostos para terem qualidade de vida, para poderem pagar as contas de supermercado, para poderem viajar, para poderem ter lazer, para poderem estar com os filhos, para poderem estar com os animais de companhia. Não pagam para chegar, por exemplo, a um fim de vida e não ter um fim de vida digno.

    E o que estamos a ver é o oposto. Vemos, nos últimos anos, um disparar dos lucros das multinacionais e das maiores empresas cotadas em Portugal.

    E da banca…

    Vemos o enriquecimento de várias indústrias, desde a do armamento às farmacêuticas.

    Quem mais polui também…

    Mas a população tem tido uma vida cada vez mais cara, é impossível aceder à habitação. Noutros países, não há acesso sequer a saúde básica. Aqui há dificuldade no acesso à saúde. Mais uma vez, ‘a bota não está a bater com a perdigota’. Há que inverter esse percurso?

    Sem dúvida, e por isso é que o PAN defende que temos de prevenir mais ao nível da saúde. No caso da saúde, é fundamental garantirmos os cuidados primários e uma forte aposta nos centros de saúde e no médico de família. Mas também prevenir do ponto de vista da qualidade da alimentação na produção, por exemplo, de alimentação de fontes de cadeias curtas de produção e potencialmente biológico. Incentivamos também a produção biológica. Garantirmos, também na saúde, o apoio à saúde mental. A nível da Europa, Portugal tem o maior índice de depressão entre os mais jovens. Neste caso, os mais jovens têm de ter acesso a fármacos antidepressivos, é dos mais elevados da Europa, e nós temos de reverter esta tendência.

    (Foto: D.R./PAN)

    Quando o PAN levou à Assembleia da República uma proposta que era para que houvesse nas aulas, não só o apoio à saúde mental, mas também o mindfulness e o acesso ao ar livre ­– estávamos a levar até uma proposta que os próprios jovens apresentaram no Parlamento dos jovens –  e foi rejeitada pelo Parlamento. Não estamos a prevenir na nossa saúde, não estamos a cuidar, nem das pessoas, nem dos animais, nem do ambiente. Mas é possível fazermos estas políticas. Por isso é que votar no PAN não é a mesma coisa que votar nos outros partidos. Votar PS ou PSD não fará diferença nenhuma para estes partidos, mais um deputado, menos um deputado, é absolutamente indiferente porque é votar nas políticas costumeiras. Mas votar numa força verde, progressista, como o PAN, que traz para cima da mesa questões sociais e humanitárias relevantes, a proteção animal e a proteção do planeta é, de facto, esta visão alinhada com os desafios do nosso tempo.

    E, depois, o parte fiscal, que não posso deixar de referir. Tratar a saúde animal como se fosse um bem de luxo e não termos hospitais veterinários públicos ou continuarmos a ter o IVA a 23% é imoral, é dizer às pessoas que têm um animal de companhia – são mais de metade dos lares portugueses – que é a mesma coisa de terem um bem de luxo. Isto não faz sentido.

    Temos de mudar estas políticas e o paradigma em que vivemos.

    No caso do PAN, vêm as europeias… Também a Inês Sousa Real tem dado garantias de que vai continuar a liderar o PAN. Não falámos aqui, mas são conhecidas também algumas das polémicas que tem havido no partido, saída de dirigentes, também a recente desfiliação até de um dos fundadores, o antigo porta-voz do partido. A estabilidade do PAN está garantida e a Inês será por algum tempo, por um longo tempo, a porta-voz e o rosto do PAN?

    A estabilidade do PAN está garantida. Eu recordo que, tal como em qualquer do coletivo onde há democracia, estas situações fazem parte. Aliás, nós já vimos noutros partidos pessoas a saírem de um partido e até criticarem outras forças políticas e depois aderirem a essas mesmas forças políticas. Faço só aqui uma correção, porque o antigo porta-voz não foi fundador do partido, ele não estava no partido desde a sua fundação. No caso desta direção, somos pessoas que estamos no partido desde praticamente a sua fundação. Eu aderi ao PAN, ainda o PAN não tinha sido sequer fundado. Há 13 anos que a minha vida é dedicada quer ao PAN, quer ao bem comum, quer à causa animal e ambiental. Mas também como feminista que sou e como humanista que sou, não vejo um partido que não seja um partido holístico, um partido todo e que não olhe de facto… Por exemplo, não me identificaria com um partido que olhasse para os direitos dos animais e deixasse os direitos das pessoas para trás. Para mim, o PAN só faz sentido olhando para estes três pilares essenciais, que é a proteção das pessoas, dos animais e da natureza. E nós temos uma equipa muito comprometida com este objetivo. Queremos recuperar um grupo parlamentar, para ter mais força para avançar as nossas causas, porque precisamos no próximo dia 10 de Março devolver a esperança às pessoas.

    E também já a piscar o olho às europeias.

    Claro que sim. Fazemos parte da família dos Verdes europeus. Esta também foi uma grande conquista desta direção. Foi um processo que tivemos de retomar. Conseguimos aderir. Estamos a trabalhar já em conjunto com a nossa família europeia para, não só termos toda a informação do ponto de vista da política pública europeia, mas também queremos recuperar o lugar na Europa. Sabemos que temos de pensar quer o local, quer global, se queremos ultrapassar o desafio das nossas vidas, que é o combate às alterações climáticas e também robustecer o pilar social europeu. Ao invés de estarmos sistematicamente a incentivar o financiamento ao armamento, à guerra, o mundo precisa urgentemente de paz e as pessoas precisam urgentemente de esperança. Sabem que podem contar connosco para protegermos as pessoas, para cuidarmos dos animais e proteger também a natureza.


    Pode consultar AQUI a página do PAN.


  • ‘Toda a esquerda parlamentar está rendida ao sistema’

    ‘Toda a esquerda parlamentar está rendida ao sistema’

    Ausente das legislativas e a trabalhar para concorrer às europeias, o MAS prepara o seu renascimento e deverá passar a chamar-se AGORA. Gil Garcia, 51 anos, mantém-se aos comandos do MAS, depois de o Tribunal Constitucional (TC) ter rejeitado um recurso de Renata Cambra, ex-porta-voz, que alegava ser a legítima líder da organização. Do partido saiu também, em meados de 2023, André Pestana, mediático líder do sindicato STOP, dos professores. Nesta entrevista à HORA POLÍTICA, realizada no dia 31 de Janeiro (antes da decisão do TC), o professor de filosofia e fundador do MAS acusa o PCP e o Bloco de Esquerda de serem um apêndice do PS, afirmando que é preciso uma esquerda alternativa. Alerta que os regimes políticos estão a ficar mais autoritários na Europa e que “o jornalismo passou a ser tiktoks”. Esta é a 11ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE GIL GARCIA, LÍDER DO MOVIMENTO ALTERNATIVA SOCIALISTA, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    O Movimento Alternativa Socialista [MAS] está em transformação e tem estado nas notícias, devido a uma “guerra interna”.  Qual é o ponto de situação?

    Se consultarmos o Tribunal Constitucional [TC], eles têm acórdãos e certidões… Nós temos uma certidão do Tribunal Constitucional que confirma – apesar de ela ser entregue tarde – que o MAS continua a ser dirigido por mim e pelos camaradas que já o dirigiam anteriormente; como João Pascoal e outros quadros da nossa organização. Para o TC, os partidos políticos são uma espécie de empresas e, portanto, a legalização comporta a ter uma espécie de proprietários; não se chama “proprietários”, mas são responsáveis. E só sob circunstâncias muito particulares é que isso é alterado. Repara que a direita quis concorrer como Aliança Democrática [AD], e inicialmente não tinha incorporado o Partido Popular Monárquico [PPM], só o Partido Social Democrata e o CDS-PP. E o TC disse que não podiam usar o nome da AD, porque os proprietários da sigla da coligação AD, é do tempo do Sá Carneiro, do Freitas do Amaral e do arquitecto Ribeiro Telles, e foram eles que formaram a AD e ficou registado que era com os três partidos. E a coligação pode ressurgir, mas só com o acordo dos três partidos, e aqui, é a mesma coisa: o MAS actual continua a ser dirigido por mim e pelos camaradas que já são do domínio público.

    Gil Garcia, líder do partido Movimento Alternativa Socialista. (Foto: PÁGINA UM)

    Em todo o caso, só para clarificar, estão ainda a aguardar uma decisão do Tribunal Constitucional [que foi divulgada após a realização desta entrevista]?

    Aquilo a que chamou guerra interna – e já vou falar isso com mais detalhe – não foi só por essa consideração; foi por outra. Ou seja, quando nós fundamos o MAS, em 2013, tínhamos saído Bloco de Esquerda [BE] – fomos uma das primeiras rupturas do BE – e o partido também nos “empurrou” um bocadinho para sairmos…

    Saiu em 2012?

    Exacto. Aliás, posteriormente à nossa saída, saíram também o Rui Tavares e a Ana Drago, que deram origem ao Livre. Não creio que haja alguma organização em Portugal que não tenha tido rupturas; ou se quiser, “guerras internas” [risas]. Portanto, não é de admirar que isso também nos tenha acontecido. Connosco, fala-se mais, porque parece ser do interesse… Nós somos considerados um partido de esquerda radical; e assusta-nos muito esse nome. Eu não gosto tanto de me chamar “extremista” ou outras coisas assim parecidas, porque não me considero como tal, mas dão-nos essa ‘alcunha’. O regime tolera bem a extrema-direita – aquilo que nós consideramos extrema-direita – mas não tolera muito bem as organizações consideradas esquerdistas.

    O MAS, por exemplo, quando se legalizou, há 10 anos, teve de se legalizar duas, porque o TC recusou a primeira legalidade; inclusive, ‘sequestrou’ as nossas assinaturas. Nós tínhamos entregado 9.000 assinaturas, que estavam bem, tanto que eles tiveram de invocar que os estatutos não cumpriam lá uma alínea qualquer, e recusaram. E nós alterámos os estatutos, dentro dos critérios exigidos pelo TC, e dissemos-lhes “agora, ou nos concedem à legalidade ou devolvem-nos as assinaturas para podermos apresentar um novo processo de acesso à legalização”; e eles recusaram. Tivemos de repetir.

    Neste momento espera uma atitude diferente do Tribunal Constitucional, no sentido de ser mais célere?

    É, porque, de facto, estão um bocadinho lentos. Por exemplo, o MAS actual não pode ir a estas eleições legislativas porque nós solicitámos em Novembro a alteração do nome; e essa é a parte política que interessa porque a alteração do nome não foi devido aos conflitos e às divergências internas, que isso existe em todos os partidos. Mas foi porque o nome Movimento Alternativa Socialista, em 2012, era mais “admissível”; porque agora, com um Governo muito prolongado do PS, e com a campanha da extrema-direita a dizer que isto é o socialismo… E com “extrema-direita”, refiro-me tanto ao Chega como à Iniciativa Liberal; aliás, ambos tiveram origem em rupturas do PSD pela direita.  Portanto, não é muito grave dizermos que aquilo é extrema-direita. Mas a campanha que fizeram nos últimos anos é a dizer “isto é o socialismo”. Aliás, houve um cartaz com António Costa, que dizia isso mesmo.

    Portanto, não querem estar conotados com o socialismo?

    Não; nós não queremos é estar conotados com o PS, e com os governos PS! É claro que a gente não deseja um governo de extrema-direita, e espero que as próximas eleições não nos tragam isso. Mas somos críticos do Governo PS; queremos construir uma alternativa pela esquerda ao Governo do PS e à esquerda tradicional – toda a esquerda parlamentar está rendida ao sistema. E nós queremos romper com essa dicotomia. E a alteração do nome vem daí, e a nossa nova proposta de nome, que entregámos ao TC, é “Agora”. Como diria o Fernando Pessoa, “Agora é a nossa hora”.

    Nessa proposta, também teria de vir uma clarificação relativamente à liderança do MAS.

    Sim; se o TC mantiver a certidão que nos entregou, aceitando somente a alteração do nome, está o assunto encerrado.

    Para terminarmos este tema, e para ficar clarificado, há um argumento por parte de Renata Cambra de que tinha sido eleita, e que num Congresso extraordinário do partido tinha havido a eleição de outros líderes. Isto coloca em causa a legitimidade da nova liderança?

    Sim; mas é uma falácia completa, porque esse suposto Congresso realizou-se há uma semana, e ela rompeu em Junho. Portanto, ela não realizou nenhum Congresso em Junho. O último Congresso legal da organização – em que a Renata Cambra e eu fazíamos parte do mesmo partido – foi em 2022, no quarto Congresso. E em 2022, não houve nenhuma alteração da liderança. E mais: não houve maiorias nem minorias, porque para haver maiorias e minorias é preciso haver documentos alternativos. E até nos outros partidos, como aconteceu com Costa e Seguro, e agora, Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, não é?

    (Foto: PÁGINA UM)

    Então, que documentos é que poderá ter Renata Câmara entregado? Para ter avançado para o Ministério Público com uma queixa contra vários membros…

    Tanto quanto nós sabemos, não há queixa nenhuma. Ela disse isso, mas uma pessoa pode ir para a imprensa dizer que apresentou uma queixa-crime, sem ter apresentado queixa nenhuma. Fazer propaganda, pode. Se houvesse uma queixa-crime, nós tínhamos que ser notificados; não há nenhum juiz que julgue um caso sem ouvir as duas partes. E já se passaram quatro meses, e até hoje não fomos notificados para ser ouvidos sobre nada. Portanto, ou não há queixa-crime, que eu acho o mais provável, ou se existe, está parada, porque os tribunais estão cheios de queixas-crime e esta é considerada ultra-secundária.

    O problema dos juízes em Portugal não é saber quem tem razão entre o Gil Garcia e a Renata Cambra [risos]; eles têm os casos todos de corrupção do país, com os banqueiros, políticos, governos, etc. Vão lá preocupar-se em saber e em vasculhar se o e-mail que a Renata Cambra enviou para dizer que a direcção era assim ou assado… Não vão. E eu duvido que exista. E ela podia ter convocado um Congresso, se tinha maioria. Ela acha que é a legítima proprietária do MAS, mas não foi fundadora, e só tinha dois anos de militância. Nós é que a propusemos; fizemos uma ‘aposta’ nova com ela, como o Livre fez com a Joacine. Ela tinha, e ainda continua a ter, uma série de qualidades; não vou dizer mal da senhora, só porque temos divergências políticas. Mas a aposta que fizemos nela nas eleições, até resultou minimamente. Depois, houve divergências graves em que ela quis seguir outro caminho. Tal como o Rui Tavares teve com a Joacine; tiveram uma guerra pública, que até gravaram, aos gritos, nas sedes e nos congressos deles…

    E aquele argumento de que ficou impedida de aceder à gestão das redes sociais do partido?

    Tudo falso. Porque, em 2022, quando foi o último Congresso, não havia maiorias nem minorias; nem ela nunca pensou que iria romper com o MAS ou comigo ou quebrar essa unidade interna que existia. Porque eu conhecia-a e nós tínhamos uma boa relação política e pessoal; portanto, ela nunca imaginou que iria estar num contencioso um ano de depois. E o que foi aprovado no Congresso foi uma direcção colectiva, em que eu continuava a dirigir e a ter as minhas tarefas, o responsável das finanças era o mesmo, etc, e nunca ninguém levantou nenhum problema sobre o assunto.

    Portanto, agora é uma questão de aguardar pelo Tribunal Constitucional e ver se aceita apenas a mudança do nome?

    Deixe-me só dar-lhe este exemplo: um casal, quando está casado e se ama, não anda ali a pensar quem é o dono da máquina de lavar, ou o proprietário da casa A ou B, se tiverem várias casas, ou em quem vai ficar com os filhos. Só quando estão à beira de se divorciar, é que cada um anda a vasculhar a conta do outro, e a trocar acusações. E este é o caso. Até 2022 e 2023, nunca ela propôs retirar o responsável de finanças, que é o mesmo que foi acusado publicamente de ter roubado, o que é o falso. A ruptura foi em Julho de 2023, e nós fizemos um 5º Congresso em Agosto, já depois de ela ter saído, e fizemos o 6º Congresso em Dezembro. E esse Congresso extraordinário de que ela fala, foi na semana passada [risos]. Na semana passada, foi o Congresso da parte dela, que ela insiste em querer chamar MAS, e já não é o MAS, mas tudo bem; está-nos a fazer propaganda ao nome, enquanto nós somos responsáveis pelo MAS no país. Agora, este Domingo, foi sobre a parte dela.

    Gil Garcia indicou, hoje, ao PÁGINA UM que o MAS vai processar Renata Cambra (na foto, a segurar na bandeira do partido) e também António Grosso “por usarem de forma ilegítima, fraudulenta e ilegal, o nome do partido”. Num acórdão, o Tribunal Constitucional rejeitou um recurso de Renata Cambra, ex-porta-voz do partido, e de António Grosso, confirmando, assim, Gil Garcia como o legítimo líder do MAS. Renata Cambra tentou, sem sucesso, concorrer às legislativas de 2024, apresentou-se como líder do MAS, nomeadamente junto da imprensa, e foi criado um site alternativo do partido. (Foto: D.R.)

    Nós convocámos um Congresso em Agosto, e ela foi notificada e não apareceu nesse Congresso, e mais: entregou-nos uma resolução em que tinha expulsado o Gil Garcia e o João Pascoal. Ou seja, quando ela se considera maioria, a primeira coisa que faz é expulsar a outra parte do partido. É uma coisa que nunca foi feita, creio que em partido nenhum.

    Nós já tivemos várias divergências, todos os partidos têm, e houve gente que saiu, ou rupturas, e nunca ninguém fez uma coisa dessas. Quando éramos mais maioria do que nós somos, fomos nós que integrámos a Renata Cambra, e todas as outras opiniões que eram diferentes. E nunca expulsámos ninguém. Ela, em Julho ou Agosto, quando convocámos o Congresso, não apareceu e começou a invocar que era a maioria. Ela considera maioria por uma razão muito simples: ganhou uma ou duas discussões políticas pela diferença de um voto, e achou que, com isso, passava a ser maioria para tomar conta do partido; mas isso chama-se golpe de Estado. O que ela quis fazer foi um golpe de Estado interno.

    E como é que ela pode assumir a liderança e expulsar os outros membros?

    Oh, é tudo treta.

    Portanto, não tem validade?

    Não tem validade nenhuma.

    Portanto, fica agora o Tribunal Constitucional a ter que definir essa situação.

    Tem de definir, não é só quem expulsou quem; tem de definir quem é o legítimo representante. Na semana passada, chegou uma certidão, mesmo em cima das eleições. Se tivessem entregado a certidão um mês antes, íamos a eleições, mas não era a Renata Cambra que ia. Mas recebemo-la já a uma semana do fecho das candidaturas, e em cinco dias não dava para recolher 300 candidaturas… Mas o Tribunal Constitucional não a considera representante do partido, e deu-me uma certidão para eu concorrer se quiser, mas já foi ‘em cima da linha’.

    Portanto, já não conseguem, mas isso não significa que não construam o projecto para o futuro.

    Claro. Nós estamos a funcionar, e a pensar concorrer nas eleições europeias; como “MAS”, se o TC não aceitar a alteração do nome para “Agora”.

    Também houve uma outra saída do MAS, de André Pestana, porta-voz do sindicato STOP, que se desfiliou do partido. Essa situação está ‘pacificada’?

    Completamente; ele não mudou, mas viu que havia muita confusão, daquilo que me apercebi. Ele liderava um movimento de massas docente, e a mais importante luta que houve nas últimas décadas – um sindicato totalmente desconhecido, fora da caixa, e este sim, é um sindicato anti-sistema, que não pertence à CGTP, à UGT, e não é ‘correia de transmissão’ de nenhum partido; liderado por um coordenador eleito, que é o André Pestana. A Renata Câmara foi manchar o nome dele, que é uma coisa completamente absurda, porque o homem dirigiu uma luta da qual ela se deve orgulhar.

    Gerou uma onda grande…

    Duas manifestações em Janeiro do ano passado, com 100 mil pessoas! Se reparar, as ondas dessa mobilização, influenciaram toda a associação política, até hoje. Não digo que determinou – seria demagógico dizê-lo. Mas quem é que decretou uma greve geral? Essa palavra não era usada desde 25 de Abril de 1974! A própria mobilização dos polícias, eu não acho que aquilo seja só o Chega que está por trás. Os da Easyjet, que gritavam “Não voamos”, foi adaptado do “Não paramos”, do STOP. É óbvio. Mais: a que propósito é que todos os candidatos a estas eleições legislativas, da esquerda à direita e à extrema-direita, dizem que vão devolver o tempo de serviço aos professores? Alguma vez houve uma greve de um ano nalgum sector sócio-profissional?

    (Foto: PÁGINA UM)

    O tema ficou na agenda, não é?

    Para mim, o André Pestana continua a ser um revolucionário.

    E se for aprovada a alteração de nome pelo Tribunal Constitucional, o que é que pretende que seja o Agora?

    O Agora, em parte, terá a tradição positiva que o MAS comporta. Nós participámos em várias eleições, tivemos algumas votações que não envergonham ninguém; ninguém começa com milhões. Eu próprio fui co-fundador do Bloco de Esquerda em 1999, e lembro-me que nas primeiras eleições, nesse ano, para as eleições europeias, Miguel Portas, que já faleceu, foi o cabeça-de-lista e não foi eleito. E só nas seguintes eleições legislativas é que o Bloco elegeu pela primeira vez, dois deputados, que foram o Francisco Louçã e o Luís Fazenda. O LIVRE, acho que também concorreu a umas eleições em que não elegeu ninguém. E o Garcia Pereira, que dirigiu o MRPP, também concorreu a várias eleições, e a ele também lhe fizeram uma coisa semelhante ao que a Renata Câmara nos fez: também o expulsaram. Uma coisa completamente absurda. A grande referência do MRPP, que sobreviveu ao pós-25 de Abril, era o Garcia Pereira. Por isso é que quando ele foi expulso, e deixa de aparecer e de concorrer, aquele partido caiu a pique… E nunca mais vai ser o mesmo, obviamente.

    E, no caso do Bloco, acabou por integrar um Governo com o PCP; de certa forma, também defendia essa ponte.

    Essa é a parte da tradição do MAS que eu quero manter no Agora. Que é sermos uma verdadeira alternativa sistémica. É uma demagogia do Ventura dizer que o Chega é anti-sistema. Não; ele não fala a verdade. Ele passa a vida a dizer que fala a verdade, e as pessoas acham que ele diz as verdades, mas é sistematicamente mentiras e falácias. Porque ele diz que é anti-sistema, mas apoia a economia de mercado, capitalista. O Ventura não é contra o capitalismo; pelo contrário. O que ele é, é anti-regime; é contra o regime democrático. Ele não o diz, mas o projecto dele, que são as bandeiras do Salazar… Ele não aplica já, mas o Hitler também não aplicou a ditadura de um momento para o outro. Esperou, e também foi eleito. Eu quero um regime melhor e um sistema melhor, mas o Ventura quer um regime mais autoritário. Quando ele, eventualmente, tiver uma maioria absoluta ou formar governo, é óbvio que as leis vão-se tornar mais autoritárias.  Apesar de ele dizer que vai aumentar o salário mínimo para mil euros, para ganhar votos, e falar nos idosos, ele não vai fazer nem 10% do que está a dizer. E duvido faça alguma coisa sequer.

    O Agora é um partido que defende a democracia e a sociedade democrática?

    Em relação aos regimes autoritários e ditatoriais, sim. Claro que estamos insatisfeitos com o regime, porque o regime comporta muita corrupção; e é disso que o Chega se aproveita.

    E algum totalitarismo. Aliás, têm saído relatórios que apontam para um recuo grande naquilo que é o nível de democracia, incluindo em Portugal. Ou seja, perdeu-se democracia, valores europeus e os valores de Abril.

    Claro; até em Espanha. Eu posso discordar se a Catalunha tem ou não o direito a ser independente, e nós nem sequer somos simpatizantes de Carles Puidgemont – que é de direita, e nós somos de esquerda – mas ele foi eleito e mandaram-no prender; o homem teve que fugir. Portanto, isso é um regime claramente com traços autoritários, que nem sequer admite um referendo legítimo a uma nacionalidade específica. É óbvio que Espanha é um mosaico de nacionalidades. E a Espanha é um estado autoritário; quer em relação à Catalunha, quer em relação ao País Basco. Os regimes estão a ficar mais autoritários na Europa. Em França, a mesma coisa – França proibiu as manifestações de solidariedade com a Palestina, mesmo com o genocídio em marcha. Essa é uma medida claramente autoritária.

    E ao nível Europeu, têm sido aprovados regulamentos que vêm condicionar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, naquilo que hoje se chama um combate à “desinformação”. Mas nesse bolo vai-se incluir um enorme condicionamento à liberdade de imprensa. O Agora não se identifica com isto?

    Muito pelo contrário. Eles não querem jornalistas independentes; mas já não é só nas leis – é na precarização do trabalho no mundo do jornalismo, que é gritante. Já não há aquele jornalismo que havia antigamente, de investigação e sério. Agora, é tudo rápido e tiktoks…  O jornalismo passou a ser tiktoks; para isso, não é preciso pagar salários a tempo inteiro, paga-se ao serviço e à peça. Isso não é sério. Depois, essas pessoas ficam muito mais dependentes das entidades patronais, e já não podem emitir uma opinião tão imparcial. Há um número assustador de jornalistas que foram assassinados em Gaza. E os países, mesmo que estejam em guerra, não podem – ou não deviam – andar a disparar sobre jornalistas. Portanto, isso é uma limitação à liberdade de expressão. Só uma leitura possível sobre Gaza, que é aquela que os norte-americanos querem que se dê ao mundo, ou que Israel quer, porque o jornalista corre risco de vida naquela região do Médio Oriente.

    A propósito deste recuo no nível de democracia e da liberdade de expressão no mundo ocidental, já começa a haver correntes ideológicas que defendem que a democracia pode não ser compatível com algumas reformas que têm que ser implementadas, nomeadamente no âmbito da crise ambiental, que hoje chamam as alterações climáticas, e não só na área daquilo que é considerado de extrema-direita, mas mesmo dentro de governos actuais.

    Em Portugal, quem foi a mulher que já disse isso há uns anos, que havia que suspender a democracia? Manuela Ferreira Leite, de um governo de Cavaco Silva.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas hoje, há movimentos e correntes que defendem que a democracia não é compatível com reformas, concorda com isto?

    A democracia tem que ser compatível com qualquer regime. Eu sou da esquerda radical, mas defendo um regime que mantenha até mais liberdades democráticas do que as que existem hoje, e um funcionamento da sociedade melhor. Os gregos já tinham, 500 anos antes de Cristo, com Platão e Aristóteles, uma democracia directa, por exemplo. E nós hoje consideramos isso uma utopia. A nossa democracia chama-se democracia representativa. As pessoas votam, e depois fica lá, durante quatro anos, um Governo que não passa cartão ao que as pessoas pensam, e que só cai sob circunstâncias muito particulares. Podem estar 100 mil professores na rua, como estiveram em Janeiro duas vezes, e eles não resolveram nada. Agora, para as eleições, como têm de ganhar votos, dizem que vão devolver o tempo de serviço aos professores. Mas na altura, o Costa e o Governo não cederam em nada. Portanto, de facto, há possibilidade de aumentar o grau de democracia das nossas sociedades. Não há-de ser com este tipo de alternância sistemática entre PS e PSD ou entre PS e AD com a IL. Se tivermos um governo da AD com a IL e o Chega, será muito pior do que aquilo que temos agora.

    Temos tido alguns temas mediáticos, como a questão da Habitação, do Serviço Nacional de Saúde [SNS]. Quais são que propostas do vosso partido que pode avançar para estes desafios?

    Esses temas são muito importantes. Vou começar pelo SNS porque é um verdadeiro horror o que se passa; não por responsabilidade dos profissionais de saúde, mas por responsabilidade dos sucessivos governos, que nem sequer é só dos governos PS, ainda que nos últimos anos tenham sido oito anos de Governo PS, e portanto, também eles são responsáveis, como é óbvio.

    Oito anos é muito tempo.

    É muito tempo; mas o PSD também tem responsabilidades – porque embora não seja totalmente confessado da parte do PS, mas é muito confessado da direita – eles encaminharam-se para privatizar a Saúde. Basta recordar que nem há um século, nós tínhamos o Hospital de São José e o Hospital de Santa Maria, mas não nasciam, como cogumelos, hospitais privados. Agora nascem; é o novo da Cuf em Leiria, na zona da Estrada da Luz, tem dois Lusíadas… Se têm capital privado para construir um hospital, significam que estão à espera do retorno, e de clientes. De onde é que vêm? Tem que haver alguma coisa que seja deteriorada nos hospitais públicos, para as pessoas deixarem de acreditar que ali conseguem resolver os seus problemas, e que têm de se dirigir para os hospitais privados. Por exemplo, fecharam maternidades, e assim, tal as pessoas vão para o hospital privado. Está tudo a ser canalizado para hospitais privados.

    Mas entende que é por negligência ou por descuido, ou por opção?

    É uma opção ideológica. Aquilo de que o Montenegro acusa a esquerda, que é uma opção ideológica em relação ao SNS, é do que ele padece. Ele tem, de facto, um preconceito em relação à esquerda e tem um desvio ideológico; na ideologia da direita, tudo o que é público, é mau. E eles andaram a vender isso durante décadas. O curioso é que, se as empresas públicas dessem lucro, eles gostavam que passassem para o privado; mas depois, diziam que o bom era o privado. Porque quando as empresas não dão lucro, eles já preferem que sejam nacionalizadas; como os bancos, com o BPN, aí já adoraram a nacionalização, porque era um banco privado, e nós a pagar os oito ou 10 mil milhões – nunca sabe ao certo – da falência do banco. E só estou a falar do BPN, imagine-se o BES, que ninguém sabe até onde é que aquilo vai parar, com a resolução do Banco de Portugal. E com o SNS, apesar de o PS dizer – e não é mentira –, que aumentaram X ou Y, o problema é que era preciso, se calhar, X mais Y e mais Q.  

    Eles querem um bom serviço médico sem pagar decentemente aos profissionais; e isso não pode existir. Porque é que um médico há de ser ‘condenado’ por mudar de um hospital público para um hospital privado, se lhe pagarem mil ou dois mil euros a mais? Enquanto no público, para ganhar esse valor, têm de fazer uma tonelada de horas extraordinárias, que lhe saem do pêlo, e deteriorarem as relações familiares, o que é insuportável. Portanto, os governos, ao conservar as tabelas ou não actualizarem os salários, estavam a convidar os profissionais de saúde ligados a hospitais públicos a irem vender a sua força de trabalho ao privado.

    Portanto, entende que a alternativa é reforçar esse orçamento?

    Óbvio. E devia ter havido limitações em relação à proliferação dos hospitais privados. E já agora, embora seja noutra área…  Parece que somos o país da Europa que tem mais centros comerciais, um país pequeno como o nosso [risos]. Isto é inacreditável. Assim como devia ter havido limites pinhal intensivo e ao eucaliptal intensivo, que tudo isso está a dar cabo das nossas terras. Nada disso é limitado, porque só se protege a chamada propriedade privada e a iniciativa privada, etc. É o caso dos hospitais. Como é que se resolve? Tem que se conter essa proliferação permanente, tem de se valorizar as carreiras e definir-se claramente de forma vantajosa para os hospitais públicos, para que as pessoas possam ‘migrar’ no sentido contrário.

    Tem que haver então uma maior aposta no SNS?

    Se querem os bons médicos que estão no privado, têm que pagar mais do que paga o privado. E aí, vai ver que os hospitais privados provavelmente têm que fechar. Deve saber tão bem quanto eu que parte do orçamento público para a Saúde – esse que António Costa diz que aumentou, e que não é mentira, mas não aumentou o suficiente e aquilo que era necessário –, uma parte é para pagar aos hospitais privados por serviços prestados que o público não comporta. Portanto, em vez de se apostar no público, vai-se para o privado.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas depois é comparticipado…

    E dinheirão do Orçamento do Estado [OE] que, no tempo da pandemia, foi parar aos hospitais privados? Milhões… Eu não sei é a percentagem exacta que os hospitais privados têm do OE, mas quase certeza que se o OE deixar de contribuir aquilo que já contribuiu, não há um hospital privado que fique de pé. Portanto, é preciso que os hospitais públicos continuem a ser deteriorados, e ficar só para os pobres e o resto vai para os hospitais privados. O capitalismo favorece a iniciativa privada; e eles estão a cumprir isso.

    Mas não é o que se tem passado também na Educação? Porque vemos muito daquilo que é elite ou a classe média também a recorrer ao ensino privado e já não colocam os filhos no ensino público.

    Sim. Eu sou professor, já fui no público e neste momento estou uma escola particular. Mas as escolas particulares têm um certo prestígio no mercado da educação, no ensino secundário. As universidades públicas não são tão “prestigiadas” quanto as escolas particulares do ensino secundário. Tem a ver com a história da educação em Portugal. A única universidade privada que tinha o mínimo prestígio era a Universidade Católica. Na verdade, nem havia mais nenhuma, até aparecerem as ‘Universidades Lusíadas’ e outras. Até houve uma que fechou, onde trabalhava o Paulo Portas, que havia tráfico de armas e outras coisas parecidas e esquisitas, que apareceu na imprensa. E ele andava de Porsche a passear pela cidade, pago por essa universidade. Fecharam e abandonaram os alunos que tinham pago propinas…Mas o “problema” é que o mercado privado nas universidades não cola muito, porque, quais são as melhores faculdades de Engenharia? O Técnico, logo em primeiro lugar; em Lisboa ou em Coimbra e no Porto. E quais são os grandes cursos de Medicina em Portugal? Hospital de Santa Maria e Hospital de São João, no Porto. Por acaso, é curioso, os hospitais públicos têm dificuldades, mas depois para a formação de médicos, devem ter sido formados em Coimbra, no Porto ou em Lisboa, nas universidades públicas.

    Mas muitos jovens depois também emigram, há uma grande saída de jovens do país…

    Claro; a nossa emigração é uma fuga de cérebros, até já houve manifestações. Os novos licenciados estão confrontados com essa situação. Eu conheço jovens que concorreram para hospitais privados, a ganhar 800 euros por mês, não dá. Talvez aos médicos cruciais para determinados departamentos, pagam acima do público, mas no resto…

    Até porque depois esses salários baixos vêm ao encontro de um custo de vida elevado, com a inflação, e os preços na habitação. Qual é a vossa visão relativamente à crise que se vive na Habitação em Portugal, em que até uma família com um salário médio já tem dificuldade em arrendar ou em conseguir comprar casa?

    O Governo de Costa tem grandes responsabilidades na política que teve para a Habitação. Ou melhor dizendo, que não teve. Limitou-se a surfar os inputs que vinham no turismo. Ao virem milhões de turistas todos os anos – que na verdade fez reanimar a economia nas grandes cidades e não só –, eles deram livre curso para estrangeiros, comprarem casas, os alojamentos locais… Gente que lá fora ganha mais dinheiro do que nós aqui, viram que era barato e começaram a comprar tudo, não é?

    E como é que se pode corrigir a actual situação?

    De facto, há propostas. Por exemplo, o Governo já devia ter legislado para proibir a compra de casas por estrangeiros, porque senão não vai haver para os nacionais. Acho que o Bloco também defende isso, e eu estou de acordo com essa posição. Além que devia de haver uma limitação às rendas; por a legislação ou por via do mercado. E como? Significava que as câmaras municipais, que são parte do Estado, podem construir. O Estado pode construir. Há várias entidades públicas que se tivessem um plano de obras de construção de casas a preços acessíveis, e metessem no mercado com rendas de 300 euros, aqueles que andam a arrendar a 600, a malta saía toda de lá e vinha. Se o Estado fizesse um plano de construção de casas… Mas lá está, é a opção por uma economia capitalista, que é favorecer a iniciativa privada e não é favorecer as populações. Querem é enriquecer e ganharem mais dinheiro, e os outros que se danem.

    (Foto: PÁGINA UM)

    E o Estado tem ganhado muito dinheiro também, por via dos impostos e de taxas…

    Claro; se eles quisessem reduzir as rendas, além de poderem legislar sobre o assunto… Por exemplo, os bancos têm uma espécie de tese sobre o assunto; não concedem crédito com uma taxa de esforço acima dos 30% dos salários. Há famílias que, com o aumento dos juros, estão a pagar 2/3 para poder pagar as casas, e mesmo assim acabam por abandonar as casas. Portanto, eles tinham que efectivamente aumentar a oferta pública de casas através das câmaras municipais; do próprio Estado, directamente do Ministério da Habitação, e fazer um forte investimento. Se eles colocassem no mercado meio milhão de casas a preços acessíveis; porque um T1 em Lisboa já saltou para 1.000 euros por mês.

    Portanto, a solução passa por investimento e oferta pública.

    Sim, e pela proibição de continuar a vender aos estrangeiros enquanto não equilibrarmos a situação. Não temos nada contra os estrangeiros e contra os imigrantes, mas não pode ser que só os de fora que têm dinheiro é que têm acesso às nossas habitações que ainda estão disponíveis no mercado, e que as pessoas estão a ser empurradas para fora de Lisboa.

    E, portanto, acabamos por ter aqui uma sociedade quase de castas, em que tem uma parte da população não tem acesso à saúde, à habitação e até a alimentos, infelizmente.

    Sim; em Lisboa, a sopa dos pobres continua com filas monumentais. Os sem-abrigo, isso ainda não desapareceu. O Marcelo fez uma campanha demagógica a dizer que ia acabar com isso, mas continua tudo igual.

    E nesta zona de Arroios, há de facto uma grande quantidade de pessoas a dormir nas ruas, não é?

    Exactamente; e que não havia há 30 ou 40 anos. Eu já frequentava a sede de outras forças políticas, deram a fundação Bloco e que eram aqui na Rua da Palma, e não me lembro de ver famílias a viver na rua aqui com tendas e coisas desse género como vemos agora, na Almirante Reis, e em Arroios.

    Tem havido um movimento na União Europeia de abertura dos países à imigração, também porque precisamos pela questão demográfica e sustentabilidade da segurança social. Qual é a vossa posição relativamente a essa política, não só portuguesa, mas Europeia? Porque já existem desequilíbrios e problemas que advêm de uma grande massa de pessoas com culturas diferentes e objectivos diferentes.

    É claro que é um equilíbrio extremamente difícil. Antevejo que possa haver mais conflitos, como já existem em França.

    Mas Portugal vai a tempo de se preparar para que não aconteça aqui o que está a acontecer em França ou na Alemanha?

    Poderia; se houvesse políticas de médio e longo, e se houvesse habitação quer para os que emigram para cá quer para os que estão cá, haveria menos conflitos. Mas assim, alimenta-se uma espécie de racismo. As pessoas veem vídeos racistas inacreditáveis a dizer que Portugal tem uma invasão e depois filmam uma rua de Arroios com paquistaneses… E dizem que há uma invasão; mas é uma falácia, chama-se falácia da geração precipitada. Se formos ver o universo global do país, o número de imigrantes ainda é uma percentagem muito pequena. E, por outro lado, essa percentagem pequena contribui fortemente para a segurança social… A legalização melhorou porque o Estado precisava de imigrantes porque não havia força de trabalho – para hotelaria, para a construção civil, para a restauração, para a apanha dos frutos vermelhos no Alentejo… Não é que os portugueses sejam calões, mas a classe trabalhadora não quer trabalhar por salários miseráveis. Então, eles também emigram para outros cenários.

    Nalguns casos, infelizmente, até em situações de escravatura, porque muitos dos imigrantes estão em situação extremamente precária.

    Claro; temos muitos emigrantes que vão procurar ganhar melhor lá fora, e depois são os outros imigrantes que vêm para aqui, que estão disponíveis a dormir… Que aliás, os portugueses a viver em França, nos anos 60, também viviam em espécie de bairros de lata, antes de poderem ganhar peso e ganhar melhores salários. Aqui em Portugal, na apanha dos frutos vermelhos – e houve várias reportagens na televisão – havia 20 pessoas a viver numa sala como esta, num T1. Eles aceitam porque lá no Paquistão ou no Nepal os salários ainda são mais baixos, mas isto não são condições dignas para oferecer a ninguém.

    Página do MAS na Internet

    Portanto, entende que deve haver também uma política para esta área, que seja mais inclusiva e mais racional?

    Em Portugal; mas a União Europeia também devia ter políticas para África e para outras zonas do mundo, em que devia de estimular crescimento económico e não miséria. Nós estivemos 800 anos em África, deixámos muita miséria lá, e por isso é que depois, como também precisávamos de mão-de-obra, num primeiro momento… Agora, vai-se aos restaurantes de Lisboa e têm todas as nacionalidades; portugueses já são poucochinhos. Eu falei com alguns responsáveis desses restaurantes, e disseram que não há portugueses que queiram vir para aqui trabalhar e precisam de empregados – por isso têm do Nepal, e de países que a gente nem estava à espera que viessem para cá… Porque as nossas pessoas daqui emigram para outras zonas da Europa, como o Canadá, a Suíça; onde se ganha mais. Portanto, é preciso ter políticas também internacionais. Se os racistas e a extrema-direita não querem que venha muita imigração para cá, era acabar com a miséria em África; porque se as pessoas morrem a atravessar o Mediterrâneo, a arriscar a vida, sabendo que uma parte delas morre ali, é porque a solução lá é completamente insuportável. Quem é que andou a explorar África durante séculos? Foram as potências europeias, incluindo Portugal em Angola e Moçambique, a França na Argélia e a Inglaterra na Namíbia e na África do Sul, etc. A Líbia foi destruída pelas potências europeias, por causa do Kadhafi… Portanto, estas pessoas têm que desesperadamente meter-se num barco e tentar chegar à Europa.

    Mas ao mesmo tempo, uma Europa com os seus valores de respeito dos direitos humanos, não é estranho que tivesse promovido programas como, por exemplo, vistos Gold, em que se atribui cidadania a quem tem dinheiro, enquanto pessoas morriam no Mediterrâneo?

    É, mas é aquilo que já falámos. Lamentavelmente, este sistema está orientado para tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. Repare que até as nossas classes médias na Europa, e em Portugal também, estão a perder poder de compra e nível de vida. Um professor, hoje, quando começa a trabalhar – por isso é que já não há professores – ganha 1.100 euros líquidos. E no particular, ainda ganha menos que no público. Mas quem é que pode, com rendas de casas de 500 e 700 euros, e mais um carro – que depois também às vezes tem que se deslocar para longe – como é possível com 1.200 euros. Os nossos salários médios agora estão a ser esmagados, e não tarda muito, os professores também vão viver de salário mínimo. Era preciso aumentar drasticamente o salário médio, que neste momento, devia ser 2.000 euros em Portugal. O salário mínimo líquido de um professor devia ser 1.500 euros, se querem manter professores. Porque assim, não conseguem pagar as rendas de casas. Não é que sejam muito ambiciosos, mas não se consegue com um salário de 1.200 euros, viver dignamente.

    É uma questão de dignidade.

    Ainda por cima investiram na sua formação, pensaram… O chamado elevador social acabou. Os jornalistas estão precarizados. A sociedade está toda a ser nivelada como no Terceiro ´Mundo: muitos ricos de um lado e muitos pobres do outro. Ou seja, uma minoria muito rica e uma maioria larga, muito pobre. E isso leva, vai levar o agravamento dos conflitos.

    Falou aqui de agora da questão dos jornalistas. Temos assistido a uma crise nos grandes grupos de media, nomeadamente na Global Media, dona do DN e da TSF. Mas tem havido algumas vozes que defendem que tem de haver entrada de dinheiro dos contribuintes nestes grandes grupos. Defende essa ideia?

    Não, acho isso um perigo. Aliás, vê-se pela Global Media. ATSF era uma rádio super respeitada. Das melhores rádios em Portugal, durante anos. Entrou no universo dos privados e de um grupo que não se sabe sequer quem é o acionista, um fundo que ninguém sabem quem é. Depois, um administrador que tem poucos poderes a não ser cumprir as ordens que vêm de fora. Depois, aquilo não dá dinheiro, fecham. Põem as pessoas na rua. É a lei da selva. E é a precarização completa do sector. Acho que até está provado pela Global Media que a solução não é entrando dinheiro de fora, desses grandes grupos, porque desconfio que vai largar mais no desemprego a classe jornalística.

    Portanto, uma decisão de haver dinheiro dos contribuintes, dinheiro do Estado, para financiar estes grandes grupos, não seria uma solução?

    Como o jornalismo é muito importante numa sociedade democrática, o jornalismo independente, o Estado devia investir. Acho que não deve investir nos privados. Também não deve cometer os erros do passado de colocar pessoas ligadas ao partido do poder, para tornar correia de transmissão do partido que lá está. Fez isso na RTP e noutros lados. Se os partidos que estão no poder não utilizarem o meio jornalístico para ser correia de transmissão, então aparece a direita a dizer: isto tem de ser privado para ser independente. Não é. O Correio da Manhã, que é privado, e a CMTV promoveram Ventura. Ou o Ventura apareceu por obra e Graça do Espírito Santo? Não. Aliás, o Rangel disse, no tempo dele, que até vendia um Presidente como se fosse sabonetes. De facto, foi assim. Venderam o Ventura como se fosse sabonetes. Puseram-no a comentar crimes e a dizer que era do Benfica durante um ano inteiro. Já reparou que até Presidentes da República são eleitos por fazerem de analistas ao Domingo?

    E há muitos comentadores que são políticos.

    Provavelmente, se me convidassem para falar todas as semanas na televisão, num canal qualquer, provavelmente já tinha sido eleito. Santana Lopes andou a ser comentador também e foi eleita para todo lado.

    Entende que os media têm que se transformar porque não têm estado a responder àquilo que são as necessidades das democracias?

    Os comentadores televisivos ou são do PS ou do PSD. É uma coisa inacreditável.

    André Pestana, presidente do Sindicato S.T.O.P demitiu-se do MAS em meados de 2023.
    (Foto capturada a partir de imagem da SIC/Fevereiro 2023)

    Ou seja, há uma promoção de determinados partidos.

    Proença de Carvalho fartou-se de dizer mal da luta dos professores e do STOP e da esquerda, a dizer que são radicais. É tudo só dessa laia, tudo só gente dessa laia. Não se ouve uma voz verdadeiramente independente, já nem digo de esquerda, assim radical… Acho que havia o Francisco Louçã na SIC. Uma cedência táctica. Já não está. A Ana Gomes, também, aparece poucochinho. De resto, é tudo comentadores de direita e às vezes fundamentalistas de direita. Tem muito pouco de plural. O que vocês estão a fazer connosco, ouvir os pequenos partidos, é uma coisa rara. Mesmo em eleições, em que são obrigados a dá voz aos pequenos partidos, o que é que fazem? Fazem dois campeonatos. Os grandes: têm tempo com fartura e depois debatem entre eles. Os pequenos…”Temos que cumprir, a lei, não é?” Então fazem dois, três minutos, cada, a falar na televisão. Uma vez, de 4 em 4 anos, falar 3 minutos… Isso é pouco democrático, dizer para não dizer outra coisa. É pouco democrático.

    Mas será que essa atitude também não explica um pouco da decadência em que entrou a comunicação social? Esse quase distanciamento, a colagem ao poder ou a determinadas figuras do poder e o distanciamento daquilo a que é a realidade do país?

    Sim. Só tivemos governos do PS e do PSD e do CDS, no país, nos últimos 40 anos. Tirando um período de 74-75, em que havia os governos provisórios, que até o PCP participou nesses governos. Há quase 50 anos. Portanto, é só governo do PS e do PSD. Eles orientaram Estado e as suas políticas de Habitação, da Saúde para favorecerem a economia privada. E quando tinham empresas estatais, vamos chamar nacionalizadas, utilizaram uma coisa que manchou o nome das nacionalizações não é que é utilizar como correia de transmissão no jornalismo. Nomeavam pessoas próximas, ou para a televisão ou para o jornal A ou B, que respondiam perante quem os nomeou. Na banca, na Caixa Geral de Depósitos, quem são os administradores que ao longo dos anos…? Se fizerem uma investigação sobre quem são os administradores que foram nomeados para a direção da CGD, vão ver que estamos a falar de pessoas ligadas ao PS, ao PSD. Está tudo dito.

    Ao longo desta entrevista noto, com o seu percurso já vasto, sua experiência em termos de atividade, de intervenção cívica, intervenção política, sente-se um pouco desencantado com a esquerda?

    Caminhamos para uma parte decisiva da entrevista que é uma das razões da existência do MAS ou do Agora – do MAS Agora, gostei dessa expressão…Achamos que é indispensável criar uma esquerda alternativa à atual esquerda parlamentar. Porque a actual esquerda parlamentar não apresentou soluções. Se tivesse apresentado soluções, porque é que surgia a extrema-direita? A extrema-direita surgiu quando houve uma geringonça. Sei que há muita gente da esquerda que continua a desejar uma geringonça, porque perante o perigo de um governo de extrema-direita, as pessoas dizem: a geringonça, outra vez. Compreendo isso, obviamente. Não estou de acordo em sustentar um governo PS e dar-lhe o livre curso, como aconteceu, mas um governo de extrema-direita é das das piores coisas que podem acontecer. Mas não podemos estar nessa dicotomia: ou governo de extrema-direita ou um governo dirigido pelo PS. A outra esquerda nunca lutou para construção de uma verdadeira alternativa que transformasse o PS num apêndice dessa esquerda alternativa. Agora, é o PS que cria essa esquerda como apêndice. O PCP e o Bloco foram apêndice do governo PS, viabilizaram os Orçamentos de Estado como uns rebuçados que António Costa distribuiu. A que isto deu origem? Deu origem a que o surgisse alguém da extrema-direita [a dizer]: “isto é o socialismo de esquerda; a esquerda governa o país há 30 anos, estão todos juntos; é o PS, é tudo igual”. E não é só aqui. Quem governou na Europa? Este centro político! Por isso, nas eleições, os votos na extrema-direita começaram a ganhar peso. Os votos da extrema-direita não é são só de gente da direita. Nem pensar nisso. O Chega teve votos no Alentejo, na base eleitoral do Partido Comunista, de certeza absoluta, e do PS. Como aconteceu em França, em Marselha. O Partido Comunista Francês era uma coisa gigantesca, passou para a Le Pen a uma velocidade supersónica. É esse o problema. O problema é que a governação da esquerda tradicional, dirigida pelo PS, em que todos os outros, capitularam, o Bloco, o próprio Partido Comunista. É claro que a direita diz que eles são todos radicais. Mas quais radicais, se eles ajudaram o PS a governar o país durante anos, com uma política para os privados, na Saúde, com o salários baixos, com as rendas caras. O Bloco e o PCP ajudaram o Governo a manter-se!

    (Foto: PÁGINA UM)

    É preciso uma nova esquerda?

    É preciso uma nova esquerda. Se não surgir uma nova esquerda à esquerda, isto vai parar tudo à extrema-direita. Já está! Mas não é só aqui. Onde é que Trump tem força nos Estados Unidos e volta a querer disputar a Presidência? No Brasil, Bolsonaro perdeu por pouco para o Lula, não foi por muito, foi por pouco. Na segunda volta, ele até cresceu mais do que o Lula, se bem que Lula conseguiu o ultrapassar. Agora, na Argentina, um tipo com uma motosserra a fazer campanha eleitoral, assim como quem diz, “eu vou cortar a cabeça a uns quantos”… Ele foi eleito num instantinho e também veio de quase nada. Ventura também. Suporta-se num elemento, assim como dizia o poeta português: para a mentira ser segura e ganhar profundidade há que meter à mistura qualquer coisa de verdade. É isso que Ventura faz. Fala da corrupção no PS. Tem um elemento de verdade. O PS tem muitos casos de corrupção. Ele não fala dos casos da direita. Os vídeos dele são a falar da casa de Pedro Nuno Santos. Do Montenegro e do caso da fuga ao IMI, não fala nada disso. Os problemas que ele tem… Uma revista aqui, em Portugal, esmiuçou os que financiam o Chega e [disso] ele não fala. Dos grandes capitalistas, dos grandes grupos económicos, com que ajudam a ter as maleitas que nós temos, inclusive na Habitação, no imobiliário, na banca. Está tudo por detrás dele, [disso] não fala. Ataca os podres da esquerda. Então a população está confrontada… O que é que surge de novo? A extrema-direita. Então recusam isto e acham que isto é a única coisa que existe, é esta esquerda. Se não romper uma alternativa à esquerda, que é o que MAS/Agora quer construir, estamos com um futuro muito complicado.

    Até porque, tem sido com partidos ligados à esquerda ou com partidos e movimentos de ideologia mais de esquerda, que, em diversos países, grandes empresas e grandes indústrias e multinacionais, têm obtido lucros recorde. Isso também tem ajudado um bocadinho, se calhar, há alguma parte da população a questionar.  E daí, vindo ao encontro daquilo que diz: temos estado perante movimentos mesmo de esquerda, governos de esquerda?

    Claro que os governos não são de esquerda. A demagogia da Iniciativa Liberal, mas do Chega também… O Montenegro também está a alinhar com isso, porque acha que vai ganhar votos a fazer um discurso próximo da extrema-direita… Isso já foi experimentado em França e não deu resultado, mas ele insiste em aproximar o discurso dele à extrema-direita. Mas o problema que existe é o seguinte: se a esquerda que nos governou não trouxe soluções para a Habitação, para o Serviço Nacional de Saúde, … O meu filho nasceu num hospital público. Agora, uma senhora grávida tem de andar na Internet à procura do hospital onde pode ser admitida. Eu escolhi o hospital. O meu filho tem 22 anos. Há 22 anos – não foi há um século – eu e a mãe do meu filho, escolhemos o hospital.  Como a mãe dele é do Alentejo, eu sou de Lisboa. Escolhemos que nascesse em Évora. Entrei no hospital, a maternidade estava a funcionar. Agora, um homem tem de andar desesperado. Ou tem uma ‘pipa de massa’ para pagar um [hospital] privado, ou então tem de andar à procura. Em 22 anos degradou-se [o serviço]. E nesses 22 anos houve muitos governos ditos de esquerda, do PS. Por isso é que a direita, demagogicamente, [diz]: “estão a ver, é isto”. Se bem que o governo PSD e CDS também participou neste ‘fartar vilanagem’ que existe em todo esse tipo de sectores. A resposta que as pessoas encontram… O que é que aparece na televisão? O Ventura e o Chega. E, agora, a Iniciativa liberal.

    E, em breve, o Agora. Vamos ver aguardar.

    É isso que nós queremos: romper com essa dicotomia ou só a esquerda tradicional ou só a direita ou extrema-direita. Não. Pode haver uma alternativa credível pela esquerda. É isso que nós queremos construir.

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto


    Pode consultar AQUI a página do MAS.


  • Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Rui Tavares, co-porta-voz do Livre

    Oiça e leia a ‘não-entrevista’ de Rui Tavares, co-porta-voz do Livre

    No ano dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril e quase a completar a sua primeira década de vida, o Livre é ‘apenas’ um dos 24 partidos inscritos no Tribunal Constitucional. Como sucedeu com todos os outros 23 líderes partidários, o Livre foi convidado a participar na rubrica HORA POLÍTICA, uma iniciativa única na imprensa em Portugal, que visa contribuir para uma democracia com maior pluralismo e diversidade, concedendo espaço para uma entrevista em pé de igualdade. Apesar das inúmeras insistências, Rui Tavares, co-líder do Livre, nunca mostrou a mínima disponibilidade, sendo por isso o primeiro ausente após 10 entrevistas (já publicadas), que incluíram partidos sem e com assento parlamentar (Iniciativa Liberal e Chega). O PÁGINA UM dedica assim uma ‘hora de silêncio’ ao Livre, e aproveita para divulgar as 10 entrevistas que já publicámos anteriormente. Todas as entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A NÃO-ENTREVISTA DE RUI TAVARES, CO-LÍDER DO LIVRE, (QUE NÃO FOI) CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Rui Tavares, co-líder do Livre, optou por não conceder entrevista ao único órgão de comunicação social com uma iniciativa em que não discriminava nenhum partido independentemente de deter ou não representação parlamentar.

    Este espaço, que seria do Livre, fica assim dedicado a divulgar novamente as 10 entrevistas já publicadas pelo PÁGINA UM aos 10 líderes políticos do partidos inscritos no Tribunal Constitucional por ordem crescente de antiguidade. Esta postura do PÁGINA UM será repetida caso se verifiquem ‘faltas’ idênticas. Saliente-se que foram convidados todos os líderes (e apenas os líderes) dos 24 partidos, independentemente de estarem representados na Assembleia da República ou de participarem nas próximas eleições, sendo a sua divulgação feita por ordem crescente de antiguidade, terminando no dia 4 de Março com a entrevista ao Partido Comunista Português, o mais antigo do país.

    Líderes dos partidos com entrevistas já publicadas, cuja sequência remete para a sua antiguidade, em função da data da inscrição no Tribunal Constitucional.

    OSSANDA LIBER, presidente da Nova Direita


    ANA CARVALHO e DUARTE COSTA, co-líderes do Volt Portugal


    MÁRCIA HENRIQUES, presidente do Reagir Incluir Reciclar (RIR)


    ANDRÉ VENTURA, presidente do Chega


    JORGE NUNO SÁ, presidente do Aliança (concorre com o Partido da Terra na coligação Alternativa 21)


    RUI ROCHA, presidente da Iniciativa Liberal


    RUI LIMA, presidente do PURP


    JOAQUIM ROCHA AFONSO, presidente do Nós, Cidadãos


    BRUNO FIALHO, presidente da Alternativa Democrática Nacional (ADN)


    ÉLVIO SOUSA, secretário-geral do Juntos pelo Povo


    Pode consultar AQUI a programa da Nova Direita.

    Pode consultar AQUI o programa do Volt Portugal.

    Pode consultar AQUI o programa do RIR – Reagir Incluir Reciclar.

    Pode consultar AQUI o programa do Chega.

    Pode consultar AQUI o programa da coligação Alternativa 21 integrada pelo partido Aliança.

    Pode consultar AQUI o programa da Iniciativa Liberal.

    Pode consultar AQUI a página do PURP.

    Pode consultar AQUI o programa do Nós, Cidadãos.

    Pode consultar AQUI o programa do ADN – Alternativa Democrática Nacional.

    Pode consultar AQUI o programa do Juntos Pelo Povo.


  • ‘A nossa tábua de salvação são as redes sociais. Temos tratamento discriminatório dos jornalistas’

    ‘A nossa tábua de salvação são as redes sociais. Temos tratamento discriminatório dos jornalistas’

    Nasceu na Madeira, sendo já a terceira força partidária nesta região, mas o Juntos pelo Povo (JPP) tem ambições nacionais. Élvio Sousa, 50 anos, arqueólogo, foi um dos fundadores de um movimento que depois deu origem ao partido, inscrito desde Janeiro de 2015 junto do Tribunal Constitucional. Nestas eleições legislativas concorre em 10 círculos eleitorais, mas é através da Madeira que aspira chegar à Assembleia da República. Esta é a 10ª entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE ÉLVIO SOUSA, SECRETÁRIO-GERAL DO PARTIDO JUNTOS PELO POVO, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Este movimento Juntos pelo Povo [JPP], um partido político formalmente oficializado desde 2015, é a terceira força política na Madeira, mas também tem ambições no continente e está a concorrer à Assembleia da República, correcto?

    Antes de mais, muito obrigado pelo vosso convite. Sim, o Juntos pelo Povo iniciou-se em 2009 como um movimento cívico, como um grupo de cidadãos eleitores. E, naturalmente, os nossos militantes, salvo excepções, não tinham filiação partidária nos partidos que actualmente têm assento na Assembleia, ou em outros que não têm assento na Assembleia da República [AR].

    Portanto, é um partido de cariz cívico, com base nos cidadãos?

    Sim; até pelo próprio nome, Juntos pelo Povo. O “povo” é uma leitura mais abrangente do ponto de vista da divisão tripartida que se faz da sociedade à nata da sociedade. E o JPP acaba por ser um partido nacional com um forte pendor regional, neste caso autonómico também, porque também defendemos a regionalização; sobretudo, assente no princípio da subsidiariedade; os órgãos de proximidade que conseguem resolver, com o factor humano de inteligibilidade, os problemas da população, para o bem e para o mal.

    Deputados eleitos pelo JPP na tomada de posse na Assembleia Legislativa da Madeira,
    em Outubro de 2023 (Foto: D.R./JPP)

    Como é óbvio, estamos a passar, nomeadamente na região da Madeira, uma fase de grande complexidade pelas investigações judiciais. E isso não deixa de ser uma fatalidade do projecto autonómico, e uma fatalidade humana, que é alegadamente os casos corrupção. Mas o JPP, como começou como um projecto cívico em 2009, nós vencemos na junta de freguesia de Gaula, que fica no segundo maior município de Santa Cruz e vencemos ao partido maioritário, que era o PSD. E se reparar no mapa das últimas eleições regionais e mesmo nas últimas legislativas, os únicos dois contínuos verdes do país é as duas freguesias onde o projecto cívico foi constituído.

    Somos, actualmente a terceira força política no Parlamento regional, e ficámos a 50 votos da eleição do sexto deputado. E não temos assento na AR, mas governamos, há cerca de 11 anos, o segundo maior município da Região Autónoma da Madeira, que é o Município de Santa Cruz. E o JPP acaba por ser um projecto que nasceu dessa intervenção cívica. Costumamos dizer que o melhor da política, ou dos partidos, está na “área civil”; naquela nata dos cidadãos que nunca se identificaram com os partidos tradicionais, por estas situações de falta de reformas na Justiça, na Saúde e nas outras áreas.

    Portanto, sente que devia haver um maior envolvimento dos cidadãos naquilo que é a vida política?

    Acaba por existir. Ainda há pouco estava-me a recordar de um assunto que é muito importante até para os vossos leitores e ouvintes perceberem: eu, como fui um dos fundadores do grupo de cidadãos eleitores, há uma grave injustiça nacional, que é o regime eleitoral para a concretização destes projectos ditos movimentos independentes para as eleições.

    No caso concreto do Município de Santa Cruz, o número de declarações de propositura que eram necessários para formalizar no Tribunal de Comarca a candidatura aos órgãos autárquicos, era em maior número do que para criar um partido político em Portugal. E foi com esta premissa, em 2009, que fomos alimentando o sonho; e havia várias dúvidas se nos transformávamos num partido ou não, mas não tivemos outra opção, porque isso carece de uma revisão constitucional. E depois de passar uma denominação, um símbolo próprio… Fomos o primeiro movimento de herança que a conseguir, constitucionalmente – pelo Tribunal Constitucional – conseguir jurisprudência para utilizar um símbolo próprio. Até à data, 2008 a 2009, era vedada aos grupos de cidadãos eleitores a utilização de um símbolo que não fosse a numeração romana. E nós conseguimos – através de recursos do Tribunal Constitucional e queixas do Partido Social Democrata, na altura, e curiosamente, também do Partido Comunista [PCP] – ter um acórdão constitucional que nos fizesse valer uma simbologia própria.

    Tudo isso deu-nos um valor e um apreço efectivo ao projecto em si, ao símbolo, à denominação e à própria sigla, que fez com que não tivéssemos outra solução senão transformarmo-nos em partido. Porque na eventualidade da criação de qualquer partido – estávamos em 2015 – como do “Juntos Podemos” ou de outro projecto qualquer, ao existir um partido cuja denominação fosse confundível com um outro projecto que estivesse a ser criado como um grupo de cidadãos independentes – como era o nosso caso –, nós perdíamos a denominação, o símbolo e a sigla. Assim, estaríamos sempre a reboque da criação de partidos, e por isso, não tivemos outra solução que não constituirmos o partido e começarmos a cumprir as regras para as quais os partidos foram criados. E não deixa de ser um direito constitucional a criação de um partido, tal como é a liberdade de criar uma associação ou movimento.

    Paulo Alves e Élvio Sousa, do JPP. (Foto: D.R./JPP)

    E porque entende ser importante haver uma voz pela Madeira na Assembleia da República?

    Nós já temos alguma experiência parlamentar regional. Infelizmente, o que sucede, como sabe, é que as assembleias legislativas regionais têm actualmente poderes constitucionais para propor iniciativas legislativas para serem discutidas na AR. Como por exemplo – e nós até temos isso no problema nacional –, a redução do IVA da electricidade ou do gás e da Internet; estamos a falar da taxa reduzida de 6%, mas nas regiões autónomas é de 5% e de 4%, porque têm um diferencial fiscal mais reduzido. Algo compreensível, porque os custos da insularidade e do transporte de mercadorias e etc., é significativo; portanto, isto é para nivelar cidadãos portugueses, por isso é que existe o diferencial do IVA. 

    Mas, infelizmente, temos partidos, como o Partido Socialista [PS] e o PSD, cujas iniciativas são discutidas – e estou a dar o exemplo concreto da redução do IVA da eletricidade, do gás e da Internet para não buscar outros exemplos, porque tenho vários –, em que esse projecto de alteração da lei é discutido e votado por maioria; ou seja, tem autorização quem tem votação favorável desses partidos na Assembleia Legislativa Regional, mas quando chega à AR, não sei se pelo facto de a AR ser um antigo edifício religioso benedito [risos]…

    Não sei se pelo facto de ter tido uma história curiosa do ponto de vista da expulsão dos religiosos no liberalismo, sucede, porém, que os deputados eleitos pelo círculo da Madeira, votam de forma diferente dos seus colegas do mesmo partido que votaram afirmativamente esse projecto de lei; que é, reconhecidamente, de grande justiça para todos os portugueses, e não só para os cidadãos que vivem nas zonas autónomas. E nós somos portugueses, aliás, eu sinto-me português; o fantasma do ‘independentismo’ não existe no nosso projecto. Atenção, porque muitas vezes fala-se de partido regional como sendo um partido separatista, e não é isso. Digo isto, porque muitas vezes pode ser entendido dessa forma, mas não é.

    É um partido que tenta defender os madeirenses e os seus interesses?

    Sim, claro. Se, eventualmente, nós – porque nós concorremos a 10 círculos nacionais, como os Açores, a Madeira, Lisboa, Faro, Coimbra e Braga – conseguirmos eleger algum deputado, como são círculos distritais, os deputados vão naturalmente pôr a tónica na resolução dos problemas das suas áreas, mas não deixarão de ser deputados da nação. Porque somos portugueses, defendemos a nossa nação portuguesa, mas a riqueza da nação portuguesa e a pluralidade geográfica, cultural, social e económica de todos os povos que habitam o território nacional. E nós temos sempre isso presente. O JPP é um partido nacional com representação e com grande representatividade regional.

    E o objectivo é crescerem?

    Eu reconheço que neste aspecto que nós, como não fomos formatados, e isso é uma vantagem… Muitas vezes, nós não somos bons julgadores em causa própria, para reconhecer os erros e as vantagens, ou aquilo que é positivo. Mas – e eu falo por mim e por 99% dos militantes e 100% das mulheres e dos homens que fazem parte dos órgãos sociais –, o facto de nós não termos sido “educados” ou formatados num partido político tradicional, faz com que tenhamos um certo livre-arbítrio e um distanciamento, não só do status quo como da metodologia que é ensinado nessas escolas de Juventude ou de partidos tradicionais.

    Élvio Sousa e Lina Pereira, presidente do JPP, após a reunião com o Representante da República, no âmbito da auscultação pós eleitoral na Madeira, promovida por Irineu Barreto no Palácio de São Lourenço em Setembro de 2023 (Foto: D.R./JPP).

    Acaba, muitas vezes, por haver uma espécie de ‘manual de procedimento’ desses partidos que nós não nos identificamos. Um exemplo é esta situação de que falei de ter deputados madeirenses a votar favoravelmente, e depois na AR, os mesmos cidadãos estarem contra. Isso é um acto de traição e lesa a soberania, do nosso de vista. Eu acho que a coerência é um valor que se está a perder muito na política, e não só.

    E há pouco falou dos desafios a que agora estamos todos a assistir na Madeira, que não são positivos, mas que também têm a ver com a questão dos valores.

    Precisamente. Eu recordo que, em 1976, o militar que empossou o primeiro órgão de Governo próprio da Região Autónoma que é a Assembleia Legislativa Regional, e que deu início ao processo das autonomias – que é um reforço da soberania nacional – advertia para que não se servissem da autonomia para procedimentos obscuros. Ele não utilizou exactamente esta expressão, mas o Tenente Coronel Azeredo quis alertar, precisamente, para que os órgãos autonómicos e a capacidade de legislar, de ter recursos próprios e de ter fundos próprios, não servissem apenas meia dúzia, em prejuízo dos 250 mil madeirenses.

    E, infelizmente, passado este tempo, todo este processo, que eu já disse publicamente que não foi uma surpresa para nós… Para nós, que temos sete denúncias concretizadas na Procuradoria-Geral da República, toda esta ‘factologia’ nestes procedimentos judiciais, não constitui surpresa. O que constitui surpresa, neste momento – o facto de haver uma maioria parlamentar é óbvio –, é o facto de se procurar indigitar um novo Governo, um novo programa de Governo, sem passar pelo crivo do sufrágio popular. Acaba por ser uma espécie de branqueamento político-partidário, uma espécie de assalto ilegítimo ao poder, menorizando a inteligência do povo da Madeira. Repare como isto é grave: em face dos graves indícios de corrupção que envolvem toda a teia governamental e municipal, esta “teia” deseja que a palavra lhes seja dada em eleições.

    Porque pensa que está a ser assim, e que não há eleições antecipadas?

    Há aqui uma tentativa de socorrer, de buscar um barco salva-vidas, a todo o custo, por parte do PSD e do CDS, que concorreram em coligação, e do Partido dos Animais [PAN] – que têm um acordo de incidência parlamentar –, e de continuarem a todo o custo no poder. Porque nós não estamos a falar da situação que levou à demissão de António Costa, que também são indícios de corrupção. Mas nivelando caso que justificou toda esta megaoperação da Madeira, isto é extremamente grave. E qual foi o procedimento na altura? Foi aquele que nós também defendemos, que se resolvesse primeiro o Orçamento.

    Nesta altura, era para estarmos a votar o orçamento regional para 2024. E o que sucedeu? Houve aqui uma estratégia desta cúpula do PSD, que se deseja manter a todo o custo no poder, e que tem maioria parlamentar, para não discutir e votar o actual orçamento, para pressionar o representante e o Presidente da República, que tem condições de apresentar um novo Governo, novas caras e um novo programa. Mas as pessoas em 2023 não votaram neste novo programa nem nestas novas caras que vão ser apresentadas agora numa função.

    Debate na RTP Madeira no âmbito das eleições na região autónoma. (Foto: D.R./JPP)

    Portanto, sendo que a democracia está ferida naquilo que deveria acontecer, que seria eleições?

    Claro. Isto é um claro assalto, utilizando uma ferramenta que é constitucional, mas que está ferida de legitimidade política, sobretudo quando a população não foi sufragada. As pessoas têm a sua inteligência. Fernando Pessoa costumava dizer que a plebe não ri da crítica da razão pura; ou seja, as pessoas fazem o seu raciocínio popular e sabem fazer um juízo de valor entre aquilo que é correcto e que é incorreto. E, neste momento, esta maioria parlamentar não pode colocar os interesses do partido em primeiro lugar, em vez da Madeira e dos interesses de todos os madeirenses. Isto é extremamente confuso para a população, que, atendendo à gravidade da situação, não deseja que haja um governo ilegítimo que não foi escolhido por eles e um programa de governo que não foi sufragado; e um elenco governativo que não sabem qual vai ser.

    Recordo também, por analogia, o que se passou com António Costa há relativamente pouco tempo: também a maioria parlamentar na AR defendia a indigitação do novo primeiro-ministro, mas não foi esse o entendimento do Presidente da República [PR]. Neste momento, o PR está impedido constitucionalmente de intervir até 24 de Março. O papel do representante da República está ser “adiantado” pelo Presidente da República.

    Mas dada a situação de gravidade, enquanto a situação de haver um novo orçamento, um novo programa de governo que não foi sufragado e com a consequência de o orçamento não ter sido discutido – isso foi combinado entre as partes para estabelecer um medo e para pressionar os órgãos governativos, o PR e o representante a aceitar a digitação de um novo governo. E foi calculado e deliberado;  e esta é uma das características pelas quais os partidos que estão agarrados ao poder não conseguem, muitas vezes, fazer a distinção entre aquilo que é o interesse público e o interesse particular e partidário. E eu reconheço que esta situação é uma situação para continuar a branquear tentativas de investigação e de fiscalização parlamentar em curso. Porque o Parlamento está a funcionar, mas não tem, neste momento, as capacidades totais de fiscalização, quando os membros do Governo muitas vezes não estão disponíveis para ir ao Parlamento prestar esclarecimentos.

    Portanto, pensa ser uma manobra?

    Sim. E eu tive oportunidade de dizer ao senhor Presidente da República, que a Região Autónoma da Madeira padece de uma asfixia democrática. E eu recordo que, durante a pandemia, o Presidente Miguel Albuquerque nunca reuniu com os partidos políticos para ouvir a sua opinião; o Parlamento foi menorizado.

    E tomou medidas terríveis para a população, e com grande impacto.

    Exactamente. E tentou-se – e foi necessário recorrer ao Tribunal Constitucional, que acabou por dar razão – estabelecer uma norma na qual um deputado podia votar por procuração por todo o grupo parlamentar. Veja-se; tentou-se menorizar o Parlamento Regional, fazendo com que um deputado pudesse representar todo o colectivo para actos de eficácia externa e interna.

    E o  regime jurídico das Comissões de Inquérito na Assembleia Legislativa Regional é um regime jurídico caduco, e de asfixia democrática; porque o partido que propõe uma Comissão Parlamentar de Inquérito não é o partido que preside à Comissão, nem tão pouco tem o cargo de relator. Porque o poder das Comissões de Inquérito é do Presidente da Comissão e do relator que as redige; em todas as sessões legislativas nós propomos uma alteração, onde o partido que propõe, deve presidir, e que haja um colectivo de relatores para garantir um maior pluralismo na redacção das conclusões. E desde que foi constituída autonomia na Região Autónoma da Madeira até à data, o PSD nunca prescindiu de presidir e de ter o cargo de relator nas Comissões Parlamentares de Inquérito; e isso é um sintoma da asfixia democrática, e de controlo, daquilo de que nós nos queixamos já há muitos anos.

    Deputados eleitos pelo JPP na tomada de posse na Assembleia Legislativa da Madeira,
    em Outubro de 2023 (Foto: D.R./JPP)

    Mas que medidas podem ser tomadas para mudar essa situação?

    É com a alteração do composição da Assembleia. São 47 deputados, e as maiorias, felizmente, já acabaram, mas o PSD consegue sempre – e está no seu direito –ir buscar um entendimento parlamentar. Agora, entenderam subscrever o acordo com o PAN, mas já se arrependeram desse acordo porque já falam de um novo acordo mais profundo, se eventualmente houver nova indigitação de novo Governo. Mas o JPP, para conseguir obter documentos…

    O próprio ex-presidente do Governo, Alberto João Jardim, disse agora há relativamente pouco tempo que o Governo tem uma comunicação social forte. Isto quer dizer o quê? Eu não quero generalizar, mas muitas das notícias são compradas. E nós tivemos de ir 70 vezes para o Tribunal Fiscal e Administrativo do Funchal intimar o Governo a prestar documentação que sempre se recusou a dar. E em alguns casos, tivemos anos para formar prova. O facto de não termos um governo aberto, de administração aberta, e ser um governo opaco e pouco transparente, já é outra conclusão para mostrar essa asfixia.

    Mas pensa então que a comunicação social também contribui para essa asfixia democrática na região?

    Alguma comunicação social. E não sou o único a dizê-lo. O próprio Sérgio Marques, que foi o cabeça de lista do PSD pela AR – que depois teve aquela feliz entrevista ao Diário de Notícias em que levantou estas questões da promiscuidade entre política e negócios e estes grupos económicos e a comunicação social – veio corroborar aquilo que nós temos vindo a dizer. Nós tivemos, na comunicação social da Madeira, exclusivos ou investigação vetada, precisamente porque iria colidir com os donos e os proprietários dos jornais ou da imprensa.

    Eu dou-lhe um exemplo: o caso da viagem de Miguel Albuquerque à Venezuela; aliás, não foi uma viagem, foi uma embaixada faraónica, pelo gasto exagerado e pelos músicos que levou na comitiva, e pelos hotéis de luxo e os gastos que foram concretizados. Nós contactámos dois órgãos de comunicação social, que se recusaram a publicar a intimação e a documentação que nós obtivemos. Porquê? Porque a empresa que organizou essa viagem, tinha a participação dos proprietários do Diário de Notícias e do JM.

    Portanto, havia um claro conflito de interesses.

    E os directores de informação, quer do JM, quer do Diário de Notícias… Primeiro, eu fui logo dispensado como colunista do Diário de Notícias, e era colunista há mais de 20 anos. E, depois, tive pelo menos um editorial ofensivo do director do JM na altura, relativamente àquilo que era mostrar onde o dinheiro dos cidadãos foram gastos; na nosso perspectiva, mal-gastos. Estamos a falar de mais de 130 mil euros, com esta viagem de nove dias à Venezuela, e que não se consubstanciou ao elenco executivo, mas incluiu também a mulher do Presidente do Governo, músicos, os jornais que estou a referir, e fora a publicidade que foi paga.

    E o Governo Regional de Miguel Albuquerque, para não facultar a documentação e a facturação que estava subjacente a esta viagem, contratou, com fundos públicos, o advogado Guilherme Silva, para impedir que nós tivéssemos acesso a como o senhor Presidente do Governo andou a gastar o dinheiro dos madeirenses. Aqui, estamos a pôr em causa as visitas oficiais às comunidades, e os aspectos da conflitualidade entre política, negócios, e informação, e o carácter faustoso dessa iniciativa, que foi comprovado.

    Deputados eleitos pelo JPP na tomada de posse na Assembleia Legislativa da Madeira, Outubro de 2023. (Foto: D.R./JPP)

    E tem de haver transparência, as despesas e a informação têm de ser disponibilizadas…

    Claro; mas não foi. E o segundo aspecto, para nós, mais complexo, foi que quem organizou e quem recebeu estes 90 mil euros, foi uma empresa que pertence ao universo empresarial dos órgãos de informação, e fomos completamente cilindrados nessa divulgação, e nesse dossier. Estou a dar-lhe um exemplo, mas tenho muitos outros. Nomeadamente, uma questão que ninguém da comunicação social da Madeira – que deviam ter vergonha – explicou ou investigou. E aqui, coloco também a RTP Madeira. Salvo erro, penso que só o canal SIC notícias é que já fez uma peça.

    Mas é uma investigação que explica por que razão nós temos uma diferença de 10 euros na compra de uma botija de gás de butano de 14 kg relativamente aos Açores. Os Açores estão mais distantes, têm mais milhas de distância do continente; e o gás é transportado em navios porta-contentores para as regiões autónomas. O gás nos Açores percorre mais distância, portanto, à priori seria eventualmente mais caro, dependendo do regime em que ele está. Mas o gás nos Açores está num regime de regulação de produtos petrolíferos, à semelhança dos combustíveis. Na Madeira, o gás está fora deste regime dos produtos petrolíferos e a diferença de preços justifica-se também por esta situação; porque a empresa que tem o controlo do armazenamento e do enchimento do gás, é uma empresa que pertence a um universo empresarial do Diário de Notícias da Madeira. E digo isto, porque já o comprovámos,  já foi dito mais que dito; e não há uma explicação plausível para os madeirenses pagarem mais 10 euros do que os açorianos, estando os Açores mais afastado do território nacional.

    Portanto, os madeirenses estão a ser penalizados.

    Sim; estamos a falar de mais de 4,2 milhões em 2022, pelos últimos dados que nós temos, em cálculo do número de botijas. Perguntar-me-á se não é o mercado; as regiões autónomas têm diferenciação fiscal e têm de ter, talvez, uma maior regulação em alguns sectores estratégicos porque estão dependentes – 95% da mercadoria ou dos bens, vêm de fora. E, portanto, há aqui o factor do transporte.

    Porque é que nós temos 30% de diferencial do IVA? Porque há um estudo feito pela Universidade Católica  do professor Hernani Lopes, que configura que um madeirense ou um açoriano, para pagar um pacote de leite ao mesmo preço do continente, tem de ter um diferencial de IVA de 30%. É tão simples como isto. E e o gás, porque está monopolizado, está a escapar a esta situação; para não mexer no monopólio do gás, que, por sua vez, é um dos donos do Diário de Notícias da Madeira. E eu recordo que o texto que me foi também vetado a publicar no Diário de Notícias, em Janeiro de 2022, falava precisamente de todos estes problemas.

    E não conseguiu publicar esse texto?

    Não; foi pura e simplesmente censurado. E o JPP é isto; não tem medo de dizer a verdade. Porque eu não vou dormir descansado sabendo que vou deixar de falar desta injustiça de preço social e fiscal, por exemplo, do gás, para não mexer no monopólio ou num negócio político-partidário ou político-económico. Não somos assim. E eu falo por toda a nata dos nossos órgãos sociais.

    Mas também noutras áreas, o seu partido tem pedido uma redução dos custos. Aliás, têm apelado a que haja uma redução de todos os custos que envolvem a ligação ao continente, em termos de transportes e de transportes de mercadorias.

    Com certeza. Temos outro problema, que é os fretes – que é o preço pago no transporte de mercadoria –, e mais de 95% da mercadoria vem por barco. E, depois, há preço da estiva, porque há um regime de monopólio onde um operador privado durante 30 anos não pagou renda a região; que é um claro favorecimento a um determinado grupo económico que, por acaso, é um dos donos do Diário de Notícias da Madeira [risos].

    Élvio Sousa e Lina Pereira, com o Representante da República, no âmbito da auscultação pós-eleitoral, promovida por Irineu Barreto no Palácio de São Lourenço / Set 2023. (Foto: D.R./JPP)

    Vai dar tudo aos donos do Diário de Notícias.

    Acaba por estar tudo interligado nesta rede. E atenção, pessoalmente, eu não tenho nenhum pacto de vingança ou de ‘bota abaixo’ puro e simples, ou de crítica simples, aos grupos económicos ou às empresas que estou a referir. Nós apenas estamos a denunciar, com provas, essa realidade. E os custos de transporte e a mobilidade é fundamental para regiões autónomas. Se nós não temos ligações aéreas, e não temos ligações marítimas de ferry de transporte de mercadorias e de transporte de passageiros; que não temos. Actualmente, somos a única região insular da Europa que não tem ferry.

    Mas não houve uma promessa eleitoral nesse sentido?

    Sim; pelo PS, por António Costa e por Miguel Albuquerque. Mas repare: o ferry é um meio de transporte rentável para a Região Autónoma da Madeira, e já tivemos. Acontece que foram criadas uma série de constrangimentos e barreiras, e de taxas suplementares que levaram a operadora a abandonar a linha. Mas nós temos um operador em Canárias, aqui perto – e estamos de uma das linhas marítimas mais importantes da Europa – que, naturalmente, havendo autorização das entidades regionais que tutelam os portos, estava interessado em recuperar a exploração da linha. Mas eles próprios não têm a confiança política, e nunca nenhum membro do Governo regional se deslocou até às Canárias – como nós já fomos, e dialogámos com o operador, que nos disse que a rentabilidade era de 60%, portanto, a operação era viável.

    E o que é que diz parte da comunicação social e parte dos agentes a quem não interessa ter concorrência? Que a linha não é viável; mas ninguém saiu da Quinta Vigia, que é a sede oficial do Governo, para discutir, analisar, e estabelecer diplomacia comercial e trazer, por exemplo, uma embarcação que pudesse fazer Lisboa, Portimão, Madeira, Canárias.

    Mas é porque é que não se faz? Está-se a prejudicar uma região que é importante, até em termos turísticos.

    Não se faz precisamente porque a Madeira está a ser, infelizmente, governada por três ou quatro capitães donatários. E utilizo este termo, porque com a expansão portuguesa, quando a Madeira não era habitada, estabeleceu-se um regime de capitães donatários; que eram os governadores das capitanias –Machico, Funchal e Porto Santo. E passado 600 anos, a Madeira está entregue a três ou quatro grupos económicos. E colocar um ferry vai ferir um grupo económico que tem o monopólio. É tão simples como isto.

    Élvio Sousa em campanha eleitoral. (Foto: D.R./JPP)

    Ainda são indícios, e não sentenças, mas acompanhou o escândalo que foi o e-mail enviado do empresário Avelino para o vice-presidente na altura, Pedro Calado, actual Presidente da Câmara do Funchal, a dizer pura e simplesmente que não gostava daquele concurso. E, logo de seguida, remeteu-lhe os dados para confeccionar um novo concurso. E o que se passou com o ferry foi precisamente isso; se o concurso fosse feito à medida dos que já mandam, estaria tudo bem. E, infelizmente, as autoridades nacionais da República, e mesmo os órgãos de comunicação social, nunca se interessaram, por razões evidentes. Nunca se interessaram por pegar nesses dados que nós temos na plataforma da transparência – está lá parte disto, e só não colocamos lá as denúncias que temos na Procuradoria porque estamos aconselhados a não abordar os assuntos e estamos a cumprir aquilo que nos foi dito.

    Mas houve uma certa indiferença em despertar o interesse para se investigar e fazer jornalismo de investigação – que nós não temos – com aquilo que se passa na Região Autónoma da Madeira. E o JPP não precisa de publicidade; mas se pegassem nestes assuntos, nomeadamente os produtos petrolíferos, e se se fizesse uma triangulação, chegaríamos a conclusões muito interessantes. O Governo regional falava, de forma desprestigiante, dos documentos que nós tentámos arrancar-lhes no tribunal como os papelinhos… Mas foram estes papelinhos, estes documentos, que foram entregues agora à Procuradoria.

    Mas os documentos são importantes…

    Sim. E neste momento, o karma dos papelinhos caiu com peso, porque foi precisamente com esses papelinhos que nós fomos recuperar… E vou-lhe dar outro exemplo. Num processo de ferry, que o Governo regional abriu um concurso em que ganhou o operador que é o grupo Sousa, do dono maioritário do Diário de Notícias… E quando fomos buscar as provas, Pedro calado, actualmente detido para interrogatório e a aguardar medidas de coação, impediu-nos em três tribunais de ter acesso a essas provas, antes das eleições regionais de Setembro de 2019. Conseguimos, através do Supremo Tribunal Administrativo, ir buscar essas provas. E um dos dados colocava a Madeira 90 km mais distante do continente, só para sacarem – e desculpem a expressão – mais milhões de euros em indemnizações compensatórias, do erário público. E isto é peculato, falsificação de documentos… E já para não falar de outros dados que nós conseguimos. Mas já havia um esquema alegadamente fraudulento, para sacar milhões das finanças regionais, para enganar a União Europeia. E nós andamos sempre no encalço desse processo do ferry, que já decorreram buscas em 2022. Mas eu espero que isso seja feito, mais tarde ou mais cedo, e que seja feita a devida investigação e se traga isso cá para fora.

    Mas com o que está a acontecer agora, pensa que as coisas vão mudar, ou  vai ficar tudo na mesma?

    Eu espero que haja mudanças, mas isso também está na capacidade dos partidos de oposição de comunicarem melhor e darem o exemplo aos cidadãos.

    Mas sem o apoio da comunicação social, como é que podem comunicar melhor? Através da Internet?

    A nossa tábua de salvação são as redes sociais, infelizmente. Ou então temos de fazer como fez o Chega, salvo seja [risos]; arranjar uma plataforma de comunicação profissional para levar as nossas propostas, porque infelizmente somos muito penalizados. Temos tratamento discriminatório dos jornalistas. E atenção: a comunicação social da Madeira recebe 300 mil euros de financiamento público por ano, fora a publicidade.

    Então, deveriam fazer serviço público?

    Exactamente. Acontece o seguinte: directores de informação e jornalistas são pagos com esse dinheiro. Lá está, o serviço público. E o que é que sucede? Ainda esta quarta-feira, fizemos uma conferência de imprensa para mostrar à população que o valor que o operador dos portos da Madeira, do Grupo Sousa, está a pagar à região, é apenas 12% do valor que estava acordado num estudo de tecnocientífico pago pelo Governo. E isto é extremamente grave; o Governo mandou elaborar um estudo – que publicou por nosso intermédio,  porque os documentos estavam escondidos e foi necessário recorrer judicialmente os ir buscar –  que demonstra que a renda a pagar pelo operador do porto da Madeira e do Porto Santo seria de quase 4 milhões anuais, e o valor que foi acordado entre o Governo e o operador foram apenas 470 mil euros.

    Filipe Sousa, irmão de Élvio Sousa, é o cabeça de lista do JPP nas legislativas. (Foto: D.R./JPP)

    Mas isso é retirar verbas que seriam do erário público, não é?

    Precisamente. E para não lhe falar do caso que está a ser investigado agora do teleférico [risos]… Felizmente que está a ser investigado agora nesta operação, e que felizmente fizemos chegar em boa altura, e que mostra que é um negócio que vai favorecer um privado e vai lesar cofres públicos. A região comprou os terrenos e teria que fazer os parqueamentos automóveis e acessibilidades. E o operador do teleférico, que iria facturar anualmente mais de 5 milhões de euros – e mesmo assim, não consta lá todas as fontes de receita –, e vai pagar à região apenas 24 mil euros por ano. O próprio estudo de viabilidade económica diz que aquele investimento seria pago em 18 anos, mas a concessão foi dada a 60 anos. Isto é extremamente grave: aquilo que o operador deveria pagar num ano, irá pagar em 60 anos. Isto é um escândalo.

    Apetece perguntar-lhe se existe algum negócio feito na Madeira que envolva uma entidade pública e que não esteja ferido de algum problema, seja de conflitos de interesse ou mesmo corrupção?

    Pois, eu não posso afirmar isso. Aqueles que eu conheço, nós entregamos às autoridades. E nós recebemos, praticamente todos os dias, denúncias. E felizmente ou infelizmente, nestes últimos dias têm sido informais, porque nós não temos mãos para receber empresários e pessoas que quem falar connosco. Para o Carnaval, a minha figura é vestida de guarda prisional [risos]. Acontece que nós nem podemos falar destes casos, mas temos recebido, infelizmente, muitas denúncias.

    Tem recebido mais denúncias nesta altura?

    Muitas. Só que as pessoas têm que entregar os casos às autoridades; nós somos um partido pequeno, não temos uma estrutura de recursos humanos que nos permita, e depois é muito morosa.

    Se calhar, as pessoas também têm algum receio ou não sabem como fazer.

    Sim, têm. Existe este receio, muitas vezes infundado, mas as coisas chegam a bom porto, mais tarde ou mais cedo. Mas a conclusão que eu tiro é o seguinte: isto é uma região pequena, são duas ilhas povoadas, com mais uns arquipélagos, desertas e selvagens não habitados. E parte da comunicação social está controlada; devia fazer mais serviço público, e não faz. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social devia intervir, e não intervém. Há claramente uma promiscuidade gritante, que nem sequer disfarçavam, e dá para ver agora nestes casos, com a maior das naturalidades na promiscuidade entre política e negócios. E nós estamos a ser duplamente castigados – estão a tentar matar o mensageiro –  pelo PSD, o CDS e o PAN, que estão na posse do Governo, e por uma parte da comunicação social. Ou seja, JPP é um alvo a abater neste momento, e eu sei disto; porque eu também defendo a classe jornalística, e sei o que eles estão a passar, porque também recebo muitos depoimentos e a asfixia democrática de que falei é geral. Também se abate sobre os jornalistas.

    Filipe Sousa acompanhado de outros elementos do JPP na corrida às legislativas, no dia da entrega da lista do círculo da Madeira, em Janeiro de 2024. (Foto: D.R./JPP)

    Portanto, há pressões sobre diversas pessoas, incluindo jornalistas?

    Sim, claro. Se o fazem com os políticos – e já fui alvo disso, de variadíssimas formas – o que não se passará com os jornalistas, na situação precária em que muitos estão a trabalhar…  Como é que se resolve isto? Resolve-se com transparência. Eu já perguntei aos jornais se eles cumprem a lei e se têm um Conselho de Redacção onde estas situações são discutidas, e ninguém me respondeu até hoje. Está na lei da imprensa, salvo erro, que o Conselho de Redacção é um órgão relevante para a apreciação, não só da linha editorial como das situações laborais ou de pressão. Agora, pergunto, os órgãos de comunicação social na Madeira têm um Conselho  de Redação?

    Mas mesmo no continente, está a falar-se da possibilidade de haver apoio dos contribuintes a grandes grupos de comunicação social. O seu partido iria concordar com isto?

    Isso é o que se está a passar aqui. Nós viabilizámos, em 2015, um programa de apoio à comunicação social, que são fundos públicos, que é o Média RAM. Mas viabilizámos com o princípio de que não se transformasse os partidos da oposição em inimigos públicos.

    (Foto: D.R./JPP)

    Mas é isso que está a acontecer.

    Sim, e isto tem de ser objecto de uma reflexão muito profunda; porque precisamos como de pão para a boca, da comunicação social. Atenção: sou um grande defensor, e ninguém gosta de ver notícias menos abonatórias [risos].  Mas eu tenho que defender a democracia, e a comunicação social faz parte da democracia; seja tendenciosa ou não, porque ninguém é perfeito. Mas uma coisa é ser tendenciosa uma vez por semana, outra coisa é ser sempre [risos].

    Não acompanhei o Congresso dos Jornalistas, mas li uma entrevista do responsável da organização, em que ele dizia que esta situação dos donos da comunicação social tem de ser repensada. Eu não gostaria de dar só a minha opinião, para depois não ser confundível com a do partido. Mas, da mesma forma que eu defendo que os partidos políticos devem ser única e exclusivamente financiados por verbas públicas… A comunicação social não é um partido político, mas é um agente de informação e investigação. Mas é uma tarefa muito complexa eu estar agora a dar uma opinião fria sobre isso, sem pensar e sem discutir com os colegas.

    E se pudesse deixar aqui uma mensagem aos portugueses relativamente à importância do seu partido, o que é que diria?

    Diria que o JPP é um partido que apoia as reformas da Saúde, da justiça social, e reformas fiscais, a redução fiscal também para o sector empresarial, que é por outro modelo, ajudar a tabular e a subir o salário mínimo nacional; emagrecer a despesa pública, que ninguém fala desse aspecto; e para não falar da corrupção, mas isso nós já fazemos há muito tempo… E é também com a redução da despesa do Estado, que ninguém fala disso, e da redução progressiva dos impostos às empresas, que se pode progressivamente subir o salário mínimo nacional. E eu acho que as reformas na Educação, na Saúde, na Justiça, e na habitação, naturalmente, são fundamentais. A habitação resolve-se colocando habitação pública no mercado, pura e simplesmente. Se é necessário aplicar medidas drásticas, como fez o Canadá, de impedir a compra a estrangeiros, veremos. Mas neste momento a habitação, a Educação, a Saúde e a Justiça devem ser as principais áreas das reformas do país.

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto


    Pode consultar AQUI a página do Juntos Pelo Povo.