Muitas vezes, o melhor retrato de um país é aquele visto pelos olhos de um estrangeiro. Esse tem a capacidade de nos olhar à distância, sem estar espartilhado por amizades e conveniências locais. Sem ser contaminado pela cultura local e amarras preconceituosas. E quando acontece esse estrangeiro ser um escritor do calibre do espanhol (catalão, vá lá) Manuel Vázquez Montalbán (1939-2003), então temos de nos sentir bastante sortudos.
En hora buena a Tinta da China resolveu editar a recolha feita pela investigadora da Universidade Nova, Rita Luís, de 55 crónicas escritas entre 14 de Março de 1974 – dois dias antes da intentona das Caldas da Rainha – e 29 de Dezembro de 1975 – um mês após os acontecimentos de 25 de Novembro. O autor do detetive galego e gastrónomo Pepe Carvalho – sabiam que há planos para, finalmente, serem editadas todas as suas aventuras em português? –, fornece-nos uma visão de um habitante de um país que também esperava pelo seu momento de libertação. A Espanha que estava então ensanduichada entre a França democrática e um Portugal que aprendia essa nova realidade.
Este Por enquanto, o povo unido ainda não foi vencido (título delicioso, retirado de uma crónica de 30 de Setembro de 1974, logo após a falhada manifestação da “Maioria Silenciosa”), tem o condão de 50 anos depois, trazer-nos detalhes sobre quem nós éramos e no que, entretanto, nos tornámos. E ser um espanhol a dizer-nos isto a uma distância de meio-século, é como olharmo-nos num espelho que nos leva a uma reflexão introspectiva.
“Durante a minha breve estada em Portugal, no início de Maio, ouvi duas coisas das quais na altura duvidei e atribuí ao subjectivismo emocional dos meus informadores: 1º Costa Gomes é mais inteligente que Spínola; 2º os jovens oficiais estavam dispostos a dispensar Spínola se este colocasse obstáculos ao processo revolucionário”, escreveu Manuel Vázquez Montalbán a 1 de Outubro de 1974. Lido isto assim, como uma novidade que nos é dita 50 anos depois por umn estrangeiro, ajuda mais a explicar-nos hoje como Povo que usa e descarta os seus heróis do que qualquer tese universitária ou livro grosso escrito por um nacional.
As 55 crónicas leem-se (muito) bem, embora se sinta que também poderia haver alguma contextualização. Como, por exemplo, lembrar que Durão Barroso, o futuro presidente da Comissão Europeia, era então um daqueles jovens do partido conhecido como “Movimento Recreativo dos Pintores de Paredes”, com “células na Faculdade de Direito, para inventar slogans, e outra na Escola de Belas-Artes, para os pintar”.
A jornalista do Público, Bárbara Reis, levantou a suspeita de que não sou um jornalista independente porque tive participação na vida política. Vamos lá então ver isso. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
A mensagem chegou-me como uma provocação. Os meus amigos gostam de me provocar e este dizia assim: “Então afinal é contigo que a Bárbara Reis se mete hoje”? E lá vinha uma cópia do texto da newsletter de 19 de Julho da jornalista do Público, com o título “Tal&Qual e accionistas na política”.
A newsletter, que se chama genericamente “Livre de Estilo” e versa “sobre o outro lado do jornalismo e dos media”, resolveu ir ver o nome dos accionistas do semanário “Tal&Qual” e fez uma relação entre eles e a vida política. Estou lá, como proprietário de 2,5%, mas também como tendo sido candidato, filiado e dirigente de partidos como PPM e MPT.
Bárbara Reis é actual redactora principal do Público e foi directora entre 2009 e 2016.
Devido a isso, fui comparado a ilustres figuras que têm o mesmo percurso de vida, como os magnatas Francisco Pinto Balsemão e Silvio Berlusconi, tendo sido lançada a suspeita de que, tal como eles, também tenho a minha independência jornalística comprometida pelo facto de ter assumido uma posição pública que vai para lá do compromisso profissional como jornalista.
Tive de sorrir quando reparei como é que a Bárbara fez a sua investigação jornalística aprofundada para descobrir esse segredo sobre a minha pessoa: bastou-lhe googlar o meu nome completo (Frederico Duarte Cavacas Teixeira de Carvalho) para ficar a saber que, por exemplo, fui candidato do PPM à Câmara de Lisboa nas eleições autárquicas de 2007.
Já nem me lembrava disso. Mas que nostalgia me trouxe essa referência da jornalista do Público. Lembram-se da eleição intercalar para a presidência da câmara de Lisboa, quando Carmona Rodrigues foi afastado e o PSD apresentou Fernando Negrão como candidato, mas quem ganhou foi António Costa, o actual primeiro-ministro, que assim aproveitou para se afastar do governo do José Sócrates?
A Bárbara acrescenta, entre parentesis, que fui candidato suplente, mas não diz que era o último suplente da lista e ela, como jornalista, poderia ainda ter acrescentado aos seus leitores que o PPM foi o partido menos votado (era só ler). Lembro-me de brincar então com os companheiros no PPM que o meu futuro político estava garantido, pois nas eleições intercalares para a câmara de Lisboa de 2007, o nome mais votado (com 56.751 votos) era o de António Costa, enquanto o último nome da lista do último partido (com 726 votos) era o meu! E, como sabem, os extremos, tocam-se!
Bárbara descobriu ainda que fui o cabeça-de-lista do PPM ao Parlamento Europeu, dois anos mais tarde, em 2009. Mas isso era apenas o que o Google lhe disse através dos resultados que mostravam a lista do meu nome completo. Um nome que, no início da minha vida profissional, em 1992, como estagiário de “O Primeiro de Janeiro”, no Porto, tive de analisar em detalhe quando me disseram que não podia assinar apenas Frederico Carvalho, pois havia um outro jornalista com a mesma assinatura profissional (no Expresso).
Pensei num curto e eficaz Frederico Cavacas, em homenagem ao nome materno e ao meu avô, o senhor Cavacas, barbeiro da Rua António Enes. Considerei o Teixeira de Carvalho, da família do meu pai, mas ficaria demasiado comprido na assinatura dos textos. Acabei por usar os nomes próprios, escolhidos pela minha mãe e pelo meu pai, acrescentado pelo Carvalho da família. E as iniciais seriam FDC – ditas com a pronúncia do Norte.
Se a Bárbara tivesse feito uma pesquisa dentro do arquivo do seu próprio jornal, encontraria uma notícia do Público de 4 de Junho de 2009, onde, na sequência da visita que fiz à Mesquita de Lisboa, como candidato do PPM ao Parlamento Europeu, ficaram registadas coisas politicamente irresponsáveis como: “Ser português é respeitar e integrar as diferentes culturas religiosas” e “o desconhecimento é que leva ao medo”. Devo dizer que isto não é propriamente meu, mas vem no livro “A Utopia”, de Thomas Moore.
A candidatura do PPM, por mim encabeçada, obteve 14.414 votos, o que correspondeu a 0,40 por cento. O partido perdeu votos, pois alcançara 15.466 em 2004, correspondendo a 0,46 por cento. O actual cronista do diário onde Bárbara trabalha, Miguel Esteves Cardoso, quando também foi candidato ao Parlamento Europeu pelo mesmo PPM, conseguiu muitos mais votos – 155.990, em 1987 (2,77 %) e 84.272 (2,03%) em 1989.
Está visto que a minha carreira política em partidos como PPM e MPT não seria de sucesso – já agora, Bárbara, não conseguiste descobrir que, em 2013, fui um dos fundadores do Livre, juntamente com o ex-cronista do Público, Rui Tavares? Isso até provocou depois uma polémica interna no partido e há uma notícia sobre o caso no arquivo do teu jornal, quando tive de deixar de ser livre por ter “assumido posições anti-imigração” no tempo do PPM. Sim, quando a minha posição sempre fora por uma imigração com qualidade e direitos. É um texto assinado pela Rita Brandão Guerra, pessoa que nunca falou comigo para fazer aquele artigo, mas que, mais tarde, saiu do Público e foi trabalhar como assessora da ministra da Cultura.
Enfim, sou eu este perigoso jornalista, que vende a sua independência à porca da política. Na realidade, quem me conhece, sabe que eu já era jornalista e político antes de o ser. A leitura das aventuras do Tintin foram a minha escola cívica. Decidi entrar na política activa por saber que havia demasiada política encapotada no jornalismo e pouca missão jornalística na política.
P.S. A Bárbara não sabe (porque não falou comigo), mas o documento que consultou sobre os accionistas do “Tal&Qual” está algo desactualizado: deixei de ter os 2,5 por cento do “Tal&Qual” desde Outubro do ano passado. Actualmente, não sou proprietário de nada e não estou filiado em qualquer partido. Fora isso, continuo a ser o que sempre fui: jornalista e cidadão.
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
N.D. Como habitualmente, os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das minhas análises, pensamentos e avaliações. Em todo o caso, e longe de pretender defender o nosso colaborador Frederico Duarte Carvalho (não desejo nem devo) e muito menos o (estilo do) Tal & Qual, e até concordando em algumas linhas com um primeiro texto de Bárbara Reis (excepto na parte sobre a reduzida ficha técnica, porque nem todos os jornais têm sócios-mecenas que injectam para aí uns dois milhões de euros por ano para aparar contínuos prejuízos, como faz a Sonae no Público), estou particularmente interessados em ler, em próxima oportunidade, a sua opinião sobre um certo jornal em que o director editorial é casado com uma deputada socialista e onde os contratos comerciais envolvendo jornalista são o pão-nosso-de-cada-dia.PAV
António Costa faz promessas de estabilidade e até acredito que sejam sinceras, mas lá fora vejo movimentações que apontam em sentido contrário. Há meses, mencionei a hipótese do nosso primeiro-ministro poder ser o próximo Secretário-Geral da NATO. Agora, não só a mantenho como a reforço. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
Ele pode dizer que não quer e até o pode repetir, como Pedro, por três vezes. Só que faz sentido e, por isso, permitam-me fazer algo irresponsável do ponto de vista jornalístico – mas autorizado e, podemos dizer, assaz estimulante quando se trata do género de crónica – que é especular. Especulo baseado em factos que vou colhendo aqui e ali e que, depois, interpreto como bem entendo. Não mais que isso.
Tudo começou com uma crónica a 14 de Março, intitulada “Perguntei à minha bola de cristal”, onde fazia notar que o actual Secretário-Geral da NATO, o ex-primeiro-ministro norueguês Jens Stoltenberg, iria deixar o cargo em Outubro deste ano. E isso iria provocar mexidas em Bruxelas, pois um dos nomes ventilados para o substituir era o da actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Se a ex-ministra da Defesa da Alemanha, que ocupa agora um posto que já pertenceu ao português Durão Barroso, aceitasse substituir o norueguês na cadeira da aliança militar entre os EUA e a Europa, então isso iria deixar em aberto o seu lugar um ano antes da conclusão do primeiro mandato de cinco anos e que, em 2024, ainda pode ser renovado por mais cinco.
Seria um problema Ursula sair em Outubro deste ano. Foi então que, numa segunda crónica, a 4 de Abril, intitulada “Ursula é a maior”, escrevi que havia uma maneira de resolver o assunto e isso passaria por, e agora, cito-me: “que Jens Stoltenberg ficasse mais uns meses no cargo, indo para além de Outubro, dando assim tempo a Von der Leyen de terminar o mandato e poder depois manter-se em Bruxelas, agora na cadeira da NATO”.
Isto foi escrito um mês antes da reunião do Grupo Bilderberg em Lisboa, onde, entre os dias 18 e 21 de Maio, Jens Stoltenberg foi um dos membros presentes para as discussões políticas, económicas e militares, de algumas das mais influentes personalidades dos países membros da NATO. Nessa altura, António Costa, como primeiro-ministro do país anfitrião, esteve presente num almoço no Hotel Pestana Palace, na Ajuda. E o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ofereceu depois um jantar no Palácio da Ajuda.
Não sei até que ponto isso ajudou ao que aconteceu depois do encontro Bilderberg, mas sei que a notícia prevista em Abril, concretizou-se há dias: Jens Stoltenberg aceitou prolongar o seu mandato por mais uns meses até que se chegasse a um acordo para o seu sucessor. Sendo assim, Ursula von der Leyen tem a porta aberta para sair do cargo no fim do primeiro mandato, mas teria de renunciar a um prolongamento de mais cinco anos. Será que a alemã aceita abdicar disso? Talvez. Se o fizer, então vamos ter de escolher um novo presidente para a Comissão Europeia e, nesse caso, duvido que António Costa possa ser escolhido, já que seria o segundo português ao fim de dez anos.
É difícil, mas não impossível que Costa vá para o lugar de Leyen. Outro cargo que lhe estará apalavrado é o de presidente do Conselho Europeu, actualmente ocupado pelo ex-ministro belga, Charles Michel, e que termina o seu último mandato, de apenas dois anos e meio cada, em finais de 2024.
Após o anúncio do prolongamento de Jens Stoltenberg como Secretário-Geral da NATO, o calendário político tornou-se óbvio: está tudo à espera das eleições europeias de Junho de 2024 e da distribuição das cadeiras nos meses seguintes. E é isso que cria a instabilidade em Portugal, pois Costa está há muito a olhar para isto.
Pelo meio, vamos ter as eleições legislativas em Espanha, já no dia 23 deste mês, onde o socialista Pedro Sanchéz, a julgar pelas sondagens mais recentes, poderá não ser eleito. Dizem que ele é que poderia ser o próximo chefe da NATO. Duvido, pois já houve um espanhol, Javier Solana, que esteve à frente da organização entre 1995 e 1999.
Faz sentido que Portugal, um país que até é membro fundador da NATO – quando até éramos uma potência colonial e fascista (como alguns gostam de dizer, mas que a NATO, pelos vistos, entendeu de forma diferente) –, possa liderar a aliança militar. Sim, como dirão alguns amigos, nós não damos dois por cento do nosso orçamento para Defesa, pelo que seria impossível haver um português no cargo. Mas, agora contraponho, não seria esta a melhor maneira de dar um sinal a Moscovo, com a ideia da Europa unida de Lisboa a Vladivostoque?
Conclusão desta minha irresponsável especulação: Vamos a eleições em Junho de 2024 e o PS ganha por “poucochinho”. Costa treme, mas diz que não sai e garante a estabilidade. Marcelo não convoca eleições antecipadas. Depois, Ursula não aceita sair da Comissão Europeia e Costa reitera que não vai fazer como Barroso e também não aceita o Conselho Europeu.
Mas depois, há um apelo. Um apelo internacional e o Secretário-Geral da NATO vem a Portugal e vai a Belém falar com Marcelo, onde lhe explica a necessidade para o mundo de ter um português, em Bruxelas, a liderar a NATO.
Perante o “desígnio nacional”, Costa sai, mas o País não pode ter eleições antecipadas. Marcelo diz que sim, mas depois convoca eleições para Novembro de 2024. Só vou especular mais quando Costa disser, três vezes, que não é um político nato.
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Irá o homem que senta no Palácio de Belém carregar no botão que fará explodir a bomba atómica da política portuguesa? Podem ter a certeza que sim, mas só vai acontecer quando nos convencerem que fomos nós que pedimos. É assim que funciona a República. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
Muitos dos meus amigos ficam intrigados comigo quando lhes digo que sou monárquico. Perguntam-me pelo meu avô, por exemplo, para tentarem perceber até que ponto faz sentido essa minha afeição a um regime do passado.
Respondo então que não é por saudosismo de um antigo regime, anterior ainda ao da ditadura de Salazar e do seu Estado Novo, mas sim pelo desejo de um futuro melhor.
E procuro demonstrar que, um País com as características geográficas de Portugal, com a nossa localização, história e papel que ainda podemos ter no futuro da humanidade, seríamos mais prósperos e mais bem geridos se fôssemos uma monarquia.
É apenas uma opinião e, como tal, espero que a respeitem. Teríamos ainda de trocar umas ideias sobre o assunto, ter uma conversa mais prolongada, mas para já mantemos apenas as coisas por aqui.
Posso, no entanto, explanar parte do pensamento com pequenos exemplos da nossa vida quotidiana e que merecem uma reflexão a propósito do sistema político em que vivemos.
Vamos então ao actual momento da nossa III República, aquela que começou há quase 50 anos, após outros quase 50 anos da II República, debaixo da ditadura que tivemos entre 28 de Maio de 1926 e o 25 de Abril de 1974.
Neste momento, temos um primeiro-ministro do Partido Socialista a governar com maioria absoluta e um Presidente da República que é ex-líder do Partido Social Democrata. Poderíamos dizer que temos o melhor de ambos os mundos e que está tudo equilibrado. Mas não é bem assim.
O Governo do PS parece cansado e gasto. Em surdina, especula-se que o Presidente da República deverá dissolver o Parlamento, demitindo assim o primeiro-ministro, e convocar eleições antecipadas para que o PSD as vença. E marcam-se já prazos: será depois das eleições europeias, no próximo Verão.
Prevê-se que o partido do governo sofra uma derrota pesada, já que o eleitorado tende a votar por protesto nas eleições para o Parlamento da Europa.
A demissão do governo é um dos pouco poderes que o Presidente da República tem em Portugal, já que ele não é um presidente com poderes executivos. É a chamada “bomba atómica”. E o botão é sensível. Demasiado.
Se Portugal fosse uma monarquia, ninguém iria pedir ao rei para demitir o primeiro-ministro. O que deveria acontecer, isso sim, era o primeiro-ministro ir até Belém e explicar, bem explicadinho ao rei, os motivos pelos quais ele considera não ter condições para continuar sentado em São Bento e apresentar, humildemente, a demissão, reconhecendo o seu fracasso político.
O rei existe precisamente para evitar que um líder de um partido, seja ele PS ou PSD – ou até um almirante recém-promovido a herói de Nação –, possa fazer jogos e joguinhos políticos, manipular a Comunicação Social e fazer-se de vítima para criar condições que o permitam proteger-se, e até surgir renovado, de um qualquer botão atómico em Belém.
O rei existe para que nenhum político profissional possa manipular a ordem pública e chegar a Chefe de Estado, ou usar a figura do Chefe de Estado para o desculpar dos seus erros. Sim, sei que o sistema monárquico tem falhas, pois os reis também são humanos e sujeitos a fragilidades ou a acções de carácter dúbio.
Mas pensem ainda numa outra coisa: um povo pode existir sem um rei, mas vive manipulado pela república e por uns quantos que fazem disso um jogo político. Agora, um rei nunca o poderá ser se não tiver um povo que o apoie.
E um rei, nunca usará uma bomba atómica contra o seu próprio povo.
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O golpe militar do 25 de Abril faz hoje 49 anos. O próximo ano vai ser decisivo para a reescrita da sua história, por isso é importante assinalar alguns factos históricos que não podem ser esquecidos. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
A maior tentação dos vencedores é a de reescrever a História. Bem, nem sequer é uma tentação, pois podemos mesmo dizer que é uma inevitabilidade. Os vencedores têm todo o direito a reescrever a História, pois eles são isso mesmo: os vencedores.
E a História dirá que aquela era a madrugada pela qual muitos esperavam, o tal “dia inicial inteiro e limpo” do poema da Sophia de Mello Breyner, “onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo”. Isso é muito bonito.
Sim, o 25 de Abril terminou com uma Ditadura e deu-nos uma Democracia. Acabou com uma guerra colonial e permitiu que outros países se tornassem independentes. E Portugal tornou-se num País europeu onde, apesar das dificuldades económicas destes últimos tempos, ainda assim estamos muito melhor do que no tempo em tínhamos uma ditadura.
O problema é que esta narrativa dos vencedores não nos deixa ver certos factos históricos que, agora, à distância de meio século, deveriam ter sido tidos em consideração para saber o que podemos fazer nos próximos 50 anos. Sobretudo hoje, quando temos uma guerra na Europa e não parecemos perceber porquê.
Há alguns factos, breves e básicos, que deveremos ter sempre em consideração quando falarmos do que aconteceu a 25 de Abril de 1974. Primeiro de todos, temos de ver que se tratou de um golpe militar num País que era membro da NATO. Mais ainda: era membro fundador da NATO.
Essa nobre instituição que pugna pela defesa da Democracia, afinal, em 1949, teve uma ditadura fascista como membro fundador. Ou será que Portugal não era uma ditadura fascista? Os Estados Unidos e os outros países na NATO andavam todos enganados?
Um ano antes do nosso 25 de Abril, a 11 de Setembro de 1973, os militares no Chile fizeram aquilo que os militares normalmente fazem: um golpe militar para instaurar uma ditadura. Em Portugal, foi diferente porque a NATO é diferente.
No Chile, dizem que os Estados Unidos estiveram por detrás do golpe, mas em Portugal, garantem que não houve qualquer influência de Washington. Aliás, para que isso ficasse bem claro, o próprio embaixador dos Estados Unidos em Lisboa até estava convenientemente ausente no dia do golpe.
É ainda muito importante dizer aos jovens que o 25 de Abril não “derrubou Salazar”.
O ditador António de Oliveira Salazar, que ocupou o cargo entre 1932 e 1968, só deixou de ser ditador porque teve um acidente doméstico e ficou incapacitado fisicamente. E morreu pacificamente, na sua cama, em 1970.
Portanto, isto aconteceu quatro anos antes da revolta dos militares.
O 25 de Abril derrubou um outro ditador, que se chamava Marcello Caetano. E esse nunca foi julgado por qualquer crime, pois, faz hoje 49 anos, saiu do Quartel do Carmo dentro de um carro militar blindado e foi levado directamente para o aeroporto. Morreria no Brasil, seis anos mais tarde, em Outubro de 1980.
Isto foi dois meses antes do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro ter sido assassinado com uma bomba a bordo do avião que se despenhou em Camarate.
Esclarece-se ainda que a descolonização foi feita num período de apenas um ano. Se virmos que 500 anos são apenas umas horas na História do mundo, a nossa saída de África teve lugar há apenas uns segundos.
A última colónia a ter a independência foi Angola, em Novembro de 1975, apenas uns dias antes do golpe do 25 de Novembro, aquele que, hoje, é apontado por certos sectores políticos como o verdadeiro início da Democracia e não o 25 de Abril.
A História livre e independente sobre o 25 de Abril ainda está por ser feita. O próximo ano irá servir para esconder muita coisa e criar muitos mitos, mas lembremo-nos que à conta de tanto reescrever a História, corremos não o risco de a repetir, mas sim o de a imitar de forma caricata, mas com efeitos ainda mais trágicos.
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O Parlamento português decidiu, por unanimidade, trasladar os restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional. A cerimónia está marcada para Julho. Agora, o que diria Eça sobre essa homenagem? Uma opinião livre e pessoal fica registada. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
Certamente que Eça de Queiroz ficaria contente por saber que o seu valor era reconhecido com honras de Panteão. Mas será que lhe agradaria saber que os deputados do Parlamento que, de forma unânime, aprovaram esta decisão são pessoas que ele, muito provavelmente, iria criticar?
Eça, afinal, escreveu frases como esta: “O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos”.
Uma frase que continua assim: “Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente”.
E, para terminar: “A ruína económica cresce, cresce, cresce… O comércio definha, a indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguel. A agiotagem explora o juro”.
Isto que citei, consta da colectânea “Uma Campanha Alegre” e diz respeito ao primitivo prólogo das Farpas, Estudo social de Portugal em 1871. São frases do homem cujos ossos vão agora repousar na antiga Igreja de Santa Engrácia. A tal das obras infinitas.
Realmente, o que diria Eça sobre Eça e a homenagem à sua pessoa? Na minha opinião pessoal – e que deve ser apenas tida como tal –, Eça diria que, apesar de compreender a decisão, ainda assim o deviam recordar como alguém que escreveu sobre um País que existia enquanto ele também existia. Se agora, os descendentes dos homens daquele tempo, decidiram reconhecê-lo como um génio, como um grande do País com honras de Panteão, ao menos que chegassem a essa conclusão por o País não continuar na mesma situação em que ele o deixara!
Diria ainda Eça que, caso as suas palavras fossem lidas ainda com a mesma luz e clareza na actualidade, ou seja, se houvesse hoje um português que as lesse como óbvias e não as citasse despudoradamente como sendo de um génio que merecia estar no Panteão – sem saberem o que o génio quis dizer na altura –, então a melhor homenagem seria deixarem-no estar tranquilo, no Douro, perto da sua Tormes e do seu Jacinto.
Teria bem mais valor um visitante que tivesse a maçada de empreender uma viagem de propósito para o visitar e, com a devida demonstração de esforço e dedicação de uma deslocação com intenção de ir desde a cidade às serras, após mais de 120 anos desde a sua morte, essa sim seria a verdadeira homenagem à sua pessoa!
Agora, vai para um Panteão que nem existia como tal quando ele morreu e que conhecia como a Santa Engrácia das obras inacabadas. Foi terminado em 1966, quando uma ditadura celebrava 40 anos. E vem agora, esta estranha forma de Democracia, que para ali já mandou toda a gente que politicamente lhe convinha, querer juntar o nome de Eça a uma lista de mortos apenas para a perpetuação da glória efémera de uns quantos políticos vivos e que nunca ninguém se lembrará de os visitar depois de mortos. Creio que Eça preferiria querer continuar a ser um génio do povo, sem necessidade de demonstração.
A 28 de Novembro de 1892, Eça escreveu na Gazeta de Notícias um artigo sobre os grandes homens de França, onde analisava precisamente como aquele País e aquela cultura que tanto o marcara, decidira homenagear os seus grandes. Concluía que a França não deveria continuar a procurar mais nomes grandes e deixar “solitário no seu Panthéon como foi único no século pelo génio e pela universalidade da glória” apenas um escritor: Victor Hugo.
Quem souber a diferença entre quem foi Eusebiozinho e Eusébio da Silva Ferreira, poderá perceber melhor do que muitos o que Eça de Queiroz teria a dizer sobre a decisão do Parlamento português em autorizar a trasladação dos seus restos mortais para o Panteão.
Não resisto ainda a contar aquilo que, certa vez, uma pessoa da família de Eça, partilhou como sendo uma pequena anedota sobre a inauguração da sua estátua no Largo Barão de Quintela – a original, em pedra, do escultor Teixeira Lopes, inaugurada em 1903 e que hoje está no jardim do Museu da Cidade, no Campo Grande e que, por ser constantemente vandalizada, foi substituída por uma réplica em bronze.
Uma empregada de Eça e da sua mulher, D. Emília de Castro Pamplona, ao ver a estátua onde o escritor está abraçado à figura alegórica da verdade nua, com o escrito “Sobre a nudez forte da Verdade o manto diáphano da fantasia”, comentou depois ao chegar a casa: “O Senhor Eça está muito parecido, mas agora a senhora Dona Emília, ai meu Deus, não deveria estar assim”.
Eça conhecia-nos melhor do que ninguém. Estamos todos no fundo da sua pena, sobretudo nessa obra magistral que é Os Maias. Sei disso, porque vejo-os todos os dias nas ruas. Somos os seus personagens. E quando sigo pelas Janelas Verdes, sei que não existe o Ramalhete, mas é aí que está a casa que os Maias vieram habitar em Lisboa. E quando corro para o autocarro, penso sempre: “Ainda o apanho! Ainda o apanho!”
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
A apresentadora Maria Botelho Moniz teve o seu nome visado por um cronista que se referiu às suas características físicas de forma depreciativa. Aproveitemos nós então para dizer coisas verdadeiramente importantes sobre o nome Botelho Moniz. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
Quero agradecer ao cronista Alexandre Pais o facto de ter chamado a atenção para o aspecto físico da apresentadora Maria Botelho Moniz, pois sem ele e sem o alarido público que a crónica provocou, não teria agora uma oportunidade de dizer algumas coisas que eu sei.
Não, caro Alexandre, não vou falar de ti e das coisas que sei sobre ti – trabalhei com ele no 24 Horas e Tal&Qual e poderia contar factos, mas isso seria dar demasiada importância a assuntos que só interessam a uns poucos. Só tenho a dizer que não me surpreendeu o conteúdo da crónica. Está coerente com aquilo que há muito o Alexandre faz e tem o seu público.
Maria Botelho Moniz
Aquilo que o Alexandre não faz, vou fazer eu: vou contar-vos algumas coisas sobre o nome Botelho Moniz que, acredito, a grande maioria das pessoas não sabe e que são bem mais importantes do que andar a discutir o aspecto físico de uma das pessoas que ostenta o nome dessa família.
O bisavô de Maria Botelho Moniz, chamava-se Jorge Botelho Moniz e, tendo nascido em 1898, entrou cedo na vida política. Pode-se mesmo dizer que foi com um estrondo, pois esteve envolvido no golpe de Sidónio Pais, a 5 de Dezembro de 1917, com apenas 19 anos. No ano seguinte, foi eleito deputado pelo Partido Nacional Republicano. Será depois um dos participantes do golpe militar do 28 de Maio de 1926, juntamente com o seu irmão, Júlio Botelho Moniz.
Se a bisneta Maria tem no sangue a comunicação, então isso também se justifica pelas raízes familiares, pois o bisavô foi o fundador da Rádio Clube Português, em 1931. Segundo as informações que podemos ler sobre ele no News Museum, Jorge era amigo de Salazar e, durante a guerra civil de Espanha, por estar à frente uma rádio privada, conseguia ser mais activo na defesa da propaganda nacionalista espanhola do que a própria Emissora Nacional, que tinha de manter uma posição mais neutral.
Foi, segundo a página da Assembleia da República com a sua ficha parlamentar, um “dos entusiastas da fundação da Legião Portuguesa”. Entre outros cargos que teve ao longo da vida, destaca-se ainda o de Administrador da RTP, em 1957, quatro anos antes da sua morte, em 1961.
Jorge Botelho Moniz (1898-1971) e Júlio Botelho Moniz (1900-1970)
O nome de Jorge Botelho Moniz será ainda recordado por ter sido ele, no início dos anos 50, responsável pelo fim da chamada Lei do Banimento. Essa era a lei que, vinda ainda do tempo da monarquia, mantinha banida de Portugal a família real descendente do rei D. Miguel, derrotado na guerra civil de 1832-34 pelos liberais de D. Pedro IV.
Na sequência do fim da lei, um pequeno príncipe chamado Dom Duarte de Bragança, foi autorizado a vir viver em Portugal e ser hoje considerado como pretendente ao Trono de Portugal, apesar de ser descendente de uma linhagem banido desse direito.
Coisas que a ditadura de Salazar conseguiu criar e que a República de hoje, ao ter em Dom Duarte a única e aparente réplica monárquica, aproveita isso como se fosse um seguro de vida. E é algo que bem que podem agradecer ao bisavô de Maria Botelho Moniz.
Enquanto Jorge era uma pessoa bem integrada no regime de Salazar e um fiel seguidor das ideias do Estado Novo, o seu irmão Júlio, militar de carreira, tornou-se no ministro da Defesa, mas ficaria conhecido por ter estado na origem de uma tentativa de golpe militar. No mesmo dia em que o soviético Iuri Gagarin se tornava no primeiro homem no espaço, 12 de Abril de 1961, o tio-bisavô de Maria Botelho Moniz tentava atirar por terra o regime de Salazar. Queria promover a independência das colónias e evitar uma guerra, mas sem sucesso.
António Salazar, à direita. Foto: Horácio Novais (1910-1988).
A tentativa de golpe de Júlio Botelho Moniz levou então a uma remodelação no Governo e foi nessa altura que Adriano Moreira se tornou no ministro do Ultramar, tendo Salazar passado a assumir a pasta anteriormente detida pelo tio-bisavô de Maria Botelho Moniz. Só 13 anos mais tarde e muitos mortos depois é que Portugal encontrou a Democracia que hoje vamos tendo.
Como se vê, haveria muito mais para se dizer sobre Maria Botelho Moniz. Muito mais do que o mero comentário a respeito do seu aspecto físico que – cá entre nós, há quem goste e muito. Mas como a Imprensa portuguesa, nestes últimos 50 anos, não produziu grandes nomes, lamento apenas que fiquemos a conhecer Alexandre Pais por ter dito o que disse em vez de falar daquilo que eu sei.
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Num mundo de mentiras diárias, o passado dia 1 de Abril trouxe uma verdade à tona: a actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, está cada vez mais próxima de vir a ser secretária-geral da NATO. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
A notícia chegou-me no dia 1 de Abril via mensagem de uma pessoa amiga: “Von der Leyen está na corrida para secretária-geral da NATO”. Essa era uma hipótese que apresentei na crónica de 14 de Março – Perguntei à minha bola de cristal. Nessa altura, escrevi que o nosso primeiro-ministro, António Costa, era um bom nome para ser o próximo secretário-geral da NATO ou, caso não fosse possível, o cargo também poderia ser entregue à actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Perguntei então à pessoa que me mandara a mensagem se não seria uma brincadeira de 1 de Abril, ao qual ela acrescentou que não: era uma notícia do dia anterior e vinha no jornal britânico The Sun. Isso já era outra coisa. O The Sun é aquele jornal que nós aprendemos na escola de jornalismo a classificar de tablóide, um jornal popular, famoso pela rapariga da página três. E se isto era um assunto que eles queriam abordar, então a questão era mesmo séria.
Ursula von der Leyen
As fontes do The Sun vinham do meio diplomático e, ao ler o artigo, percebi o motivo da notícia surgir num jornal popular de Londres: o governo britânico não estava de acordo com a escolha e iria vetar o nome da ex-ministra da Defesa da Alemanha, dizendo que a sua folha de serviço no tempo do governo do seu país tinha sido fraca. Só que isso é típico dos britânicos: suspeitar dos alemães.
Explicava ainda o The Sun que o fim do mandato de Von der Leyen à frente da Comissão Europeia só termina em 2024, para o ano. As eleições europeias deverão ser em Maio, pelo que Von der Leyen teria de cumprir o seu mandato até essa altura e, quem sabe, ser reeleita quando houvesse uma nova composição do Parlamento Europeu. No entanto, segundo o jornal britânico, vários países membros da NATO tinham já “sugerido” que ela aceitasse assumir o cargo em Outubro deste ano, altura em que o actual secretário-geral, o norueguês Jens Stoltenberg, deverá sair.
Muitos jogos de bastidores devem estar a ser combinados neste momento. E, sobretudo, longe do escrutínio público próprio da democracia, pois o cargo não é sujeito a uma eleição aberta: é combinado entre os líderes dos países membros. Aliás, o The Sun também explicou isso mesmo. Disse que os norte-americanos não costumam apresentar um candidato, pois garantem um general seu como o Comandante Supremo Aliado da Europa. O actual chama-se Cristopher G. Cavoli.
Para os britânicos, o futuro secretário-geral da NATO deveria ser o actual ministro da Defesa, Ben Wallace. Outros nomes avançados pelo jornal de Londres incluem a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, embora se diga que não está interessada no cargo devido ao facto de ser de um país com fronteiras com a Rússia. Também se fala na ministra das Finanças do Canadá, Chrystia Freeland, que tem sangue ucraniano nas veias. Só que as hipóteses de ser escolhida também são escassas por causa do fraco investimento do Canadá nas contas da aliança.
Acredito que o lugar esteja a ser preparado para Ursula. Ela vem de uma família ligada à política – o seu pai, Ernst Albrecht, era um antigo director-geral na União Europeia e foi primeiro-ministro do Estado alemão da Baixa Saxónia. Ela está suficientemente alinhada contra a Rússia de Putin e, embora ache difícil que Von der Leyen saia da Comissão Europeia antes do mandato terminar – pois iria criar uma situação difícil de gerir, com um sucessor para um período de apenas um ano –, não podemos deixar de dizer como os ingleses: the plot thickens, ou seja, a trama adensa-se.
Para resolver este imbróglio, convinha que Jens Stoltenberg ficasse mais uns meses no cargo, indo para além de Outubro, dando assim tempo a Von der Leyen de terminar o mandato e poder depois manter-se em Bruxelas, agora na cadeira da NATO.
António Costa, primeiro-ministro de Portugal.
Resta saber o que pensa António Costa destas mudanças. Não é segredo que deseja trocar Lisboa por Bruxelas. As recentes sondagens que dão o PS empatado com o PSD são já um prenúncio dessa situação e nota-se o cansaço e enfado em querer resolver os problemas nacionais. Também no dia 1 de Abril, não foi mentira nenhuma, houve a manifestação em Lisboa pelos direitos à habitação e sente-se que os problemas da população estão a ficar sem soluções viáveis.
Por isso, as próximas eleições europeias, em 2024, vão ser decisivas para avaliar o pulso à Nação. E caso o PS ganhe por “poucochinho”, será que que Costa vai querer continuar em Lisboa ou emigrar para Bruxelas? Será que Ursula arranja por lá um emprego para o amigo?
Não faço futurologia, pois não é essa a função de um jornalista. Mas não posso deixar de notar que há notícias de dia 1 de Abril que, sem o parecer, estão relacionadas.
Basta sabermos ler.
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Foi há perto de 30 anos que o escritor Orlando da Costa lançou o romance Os netos de Norton. Seria apresentado como “um fresco histórico de uma geração que nasce para a política em 1949”, altura da candidatura presidencial do general Norton de Matos. Pretexto para aprender com um escritor que foi o pai do actual primeiro-ministro e do director-geral de Informação do Grupo Impresa. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
O Jornal de Letras de 8 de Março de 1994 anunciava, com destaque de primeira página, o regresso de Orlando da Costa ao romance, após 30 anos desde o seu último livro do género. O lançamento da obra estava marcado para as 19 horas do dia 10, na Livraria Barata, à Avenida de Roma. Teria como título Os netos de Norton e o autor explicava que era algo que trazia na cabeça há muitos anos, sobretudo desde que fizera uma viagem à Índia das suas raízes familiares em Dezembro de 1974, ano da revolução de Lisboa.
Descrito como “um fresco histórico de uma geração que nasce para a política em 1949”, percebe-se que o Norton do título é o general Norton de Matos, o homem que enfrentou o regime de Salazar em 1949, quando foi candidato a Presidente da República.
Intrigado com a descrição e conteúdo da obra, decidi, 30 anos depois, procurar este livro. E ainda bem que o fiz, pois acabei por descobrir que até estava dedicado aos dois filhos do autor: António Costa e Ricardo Costa – sim, o actual primeiro-ministro e o irmão, director-geral de Informação do Grupo Impresa (que incluiu, entre outros órgãos de Comunicação Social, a televisão SIC e o semanário Expresso).
O romance conta a história de quatro amigos durante os anos 60 do Estado Novo, até à revolução de 1974. Temos o ambiente da Lisboa dos estudantes, dos seus amores, dos artistas. O pai de António e Ricardo tinha 20 anos em 1949. Os netos de Norton seriam aqueles que estariam na casa dos 20 anos na etapa final do Estado Novo. À medida que avancei na leitura, não encontrei em “Os Netos de Norton” algo que se possa dizer como sendo particularmente revelador dos agora bisnetos de Norton, ou seja, os filhos de Orlando da Costa.
É uma ficção assumida, mas tem lá a verdade da geração do pai. Não dei o meu tempo por perdido, pois diverti-me a destacar ensinamentos em algumas passagens da obra publicada em 1994 – isto é, um ano depois do actual primeiro-ministro ter ficado famoso por ter organizado a corrida entre um burro e um Ferrari durante a sua candidatura falhada à Câmara de Loures.
Apreciei, de sobremaneira, que Orlando da Costa tenha feito referência a um dos mais cruéis filmes neo-realistas italianos que vi. Espero que o actual primeiro-ministro e o seu irmão jornalista também tenham aprendido com pai o valor dessa obra. Estou a falar do filme de 1952 de Vittorio de Sica, “Umberto D.”, que retrata de forma crua o fim de vida de um velho viúvo, que tem apenas por companhia um cão.
Sorri, depois, ao ler sobre aquele “burguês envergonhado e infeliz, um cosmopolita que não consegue passar o dia sem ouvir as notícias da BBC e sem ler os jornais – quanto mais estrangeiro melhor”, mais as manhas de como sacar dinheiro aos pais a trabalharem em territórios ultramarinos. Havia um que tinha um conluio com um alfaiate e, assim, “fazia dois ou três fatos por ano e cobrava contas de seis ou mais”.
Esta era a geração onde as letras da sigla KGB não serviam para designar a polícia secreta da extinta União Soviética, mas sim os apelidos dos escritores americanos Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs. Agora, a frase que acabei por reter da leitura desta obra e que, a partir de agora, também a irei dedicar aos bisnetos de Norton, António e Ricardo, é esta que o pai deles escreveu várias vezes no livro: “Hoje estamos bêbados, amanhã seremos uma força moral”.
Não quero ainda deixar de apresentar uma frase dita por um personagem que é agente da PIDE – e que, na realidade, é ele quem acaba por crismar os quatro personagens com o nome que dá o título à obra: “São estimados pelas famílias da metrópole que os acolhem. Têm-se por elites e à custa das mesadas que recebem fazem-se intelectuais da farra e tornam-se sem o saberem agentes do bolchevismo e da rebelião da negritude, como lhe chamam. Mulatos ou brancos, não falam nenhuma língua nativa, mas acamaradam, ao bilhar, com os pretos nos cafés do Conde Redondo. Odeio-os!”
Finalmente, também não me escapou um diálogo da obra onde um dos personagens diz que “o Tejo não está aí para consolar apenas os derrotados das colónias, os emigrantes e os que hão-de retornar um dia… Está aí para nós também, nós os próximos instalados, os humilhados de ontem, os amargurados de amanhã. Está aí a chegar a hora da nossa geração”. E pergunta depois o outro: “Instalados? Que queres tu dizer com isso?” Como resposta, ouve: “Deixa lá, rapaz, não é nada. Qualquer dia explico-te, ou melhor, qualquer dia tu vais perceber. Todos, um dia, percebemos”. E, digo eu agora: já percebemos.
Obrigado, Orlando da Costa, por esta lição sobre uma geração. Aprendi muito contigo ao ler este Os netos de Norton. Não sei se o António ou o Ricardo também aprenderam alguma coisa, mas mantenho a esperança de que ainda vão a tempo.
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
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Lutou pela verdade de Camarate durante décadas. Faleceu sem ter conhecido todos os factos, mas foi a sua determinação que não deixou cair no esquecimento as circunstâncias da morte do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro em 1980. Uma homenagem a Alexandre Patrício Gouveia. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
Chamava-se Alexandre, como o grande da antiguidade, e era irmão de António. Estou a falar de Alexandre Patrício Gouveia, irmão de António Patrício Gouveia, o chefe de gabinete do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, que também foi uma das vítimas da queda do avião de Camarate.
Alexandre faleceu a 12 deste mês e não posso deixar de lhe prestar uma homenagem, pois não li ainda um texto jornalístico que lhe faça a devida justiça. Conheci-o pessoalmente e sei o esforço que ele fez para descobrir a verdade de Camarate. Aliás, posso ainda acrescentar que me sinto responsável por muito daquilo que ele ficou a conhecer.
Alexandre Patrício Gouveia
Lembro-me de ele ter sido o rosto das notícias das várias comissões de inquérito parlamentar, representando as famílias das vítimas. Sobretudo no ano de 1995, quando via pela televisão a luta que Alexandre fazia junto da justiça para não deixar o caso prescrever nos tribunais. Era a altura da frase “a verdade não prescreve”.
Cinco anos mais tarde, em 2000, já como jornalista do “Tal&Qual”, publiquei um primeiro artigo que mencionava a provável relação entre Camarate e um negócio de tráfico de armas para o Irão, durante a chamada crise dos reféns norte-americanos de Teerão. Essa relação consta do livro “O Crime de Camarate”, do advogado dos familiares das vítimas, Ricardo Sá Fernandes.
Mais tarde, em 2002, devido à minha investigação, esteve na Assembleia da República um norte-americano, Oswald Le Winter, que testemunhou ter participado em reuniões secretas, em Paris, antes de Camarate, onde se teria combinado o tráfico de armas entre os EUA e o Irão.
Sá Carneiro e o seu chefe de gabinete António Patrício Gouveia. Ambos morreram no atentado de Camarate em 5 de Dezembro de 1980.
Durante essa altura, pouco falei com Alexandre. Ele parecia mais interessado nas questões técnicas, em explicar como nenhuma das teses de acidente conseguia demonstrar, de forma plausível, a queda do avião. A sua luta era no sentido de provar que houvera mesmo uma bomba a bordo. Os meus contactos eram sobretudo com Augusto Cid e Ricardo Sá Fernandes.
Foi só em 2006, quando, então já como editor de Política da revista “Focus” e juntamente com o chefe de redacção, João Vasco Almeida, fiz uma entrevista a José Esteves, antigo segurança de Freitas do Amaral e o homem que muitos apontavam como o autor da bomba de Camarate. Quando a entrevista saiu, recebi um telefonema de Alexandre. Ele agora estava interessado em ir mais longe e queria saber mais sobre o provável móbil do atentado, o suposto negócio de tráfico de armas para o Irão.
Encontrei-me com ele na sua casa da Rua do Jasmim, ao Príncipe Real. Tivemos depois vários encontros no seu gabinete do El Corte Inglés. A minha investigação continuava e, em Novembro de 2012, quando lancei o meu livro “Camarate – Sá Carneiro e as Armas para o Irão”, apresentei-lhe Jim Hunt, sobrinho e biógrafo de Frank Sturgis, um dos assaltantes do edifício Watergate e que era apontado como um dos alegados operacionais do atentado que causara a morte do seu irmão.
O seu interesse nesta pista norte-americana crescia e isso ainda levou a que, graças a si, o Parlamento português ouvisse Jim Hunt e um investigador norte-americano, A. J. Weberman que, finalmente, levaram os deputados portugueses a pedirem, oficialmente, informações à CIA. Isso foi em 2015.
Esse pedido nunca recebeu qualquer resposta da parte daqueles serviços. Nem sequer para desmentir o alegado envolvimento de norte-americanos na morte do primeiro-ministro de Portugal.
Devido à ausência de resposta, Alexandre meteu mãos à obra e, coligindo de forma detalhada a informação que guardara ao longo dos últimos anos da investigação, lançou em 2020 a obra Os mandantes do atentado de Camarate: o envolvimento americano.
Em Agosto do ano passado ofereceu-me a segunda edição. Falámos do que ainda tínhamos para fazer para descobrir a verdade. Seria um “até breve” e não suspeitava que estivesse doente. Só me lembro dele a sorrir quando nos despedimos no seu gabinete junto ao Parque Eduardo VII.
Quanto à luta de Camarate, acho que ele ainda continua a trabalhar nela lá, na eternidade, onde descansa agora e, quem sabe, nos dará um dia uma revelação.
Eu acredito que sim, Alexandre.
Obrigado por teres sido grande.
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.