Etiqueta: Extravagâncias Públicas

  • Tribunal manda repetir eleições da Ordem dos Psicólogos por irregularidades graves

    Tribunal manda repetir eleições da Ordem dos Psicólogos por irregularidades graves

    O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa considerou admissível a acção intentada por quatro candidatos da lista derrotada nas eleições da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), realizadas em finais de Novembro do ano passado. Sofia Ramalho, a actual bastonária, que tomou posse poucos dias depois do mais recente Natal, deverá ter de ir novamente a votos, sanando as «irregularidades graves» apontadas pelo juiz António Gomes da Silva na sentença de hoje, à qual o PÁGINA UM teve acesso.

    Na origem da acção estavam denúncias de falhas graves no processo eleitoral, promovida pela direcção da qual Soficaa Ramalho fizera parte – no mandato de Francisco Miranda Rodrigues –, com destaque para a gestão caótica da votação electrónica, que impediu muitos psicólogos de votarem. Segundo ficou provado, a empresa Multicert, contratada para gerir o sistema de votação, reenviou códigos de acesso (PINs) a 199 eleitores no próprio dia das eleições, mas apenas 12 destes conseguiram votar. Além disso, os critérios para esse reenvio foram alterados no decurso do acto eleitoral e aplicados de forma opaca.

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    O tribunal considerou que os autores – todos candidatos pela ‘Lista A’ e também eleitores – tinham legitimidade para impugnar o acto, frisando que a acção era tempestiva e juridicamente válida. Relevou igualmente que a Mesa Eleitoral integrava membros com vínculos directos a listas candidatas, o que levantava «sérias dúvidas sobre a imparcialidade» do órgão responsável pela condução do processo.

    Entre os episódios relatados consta ainda a violação do período de campanha eleitoral, com um candidato da lista vencedora a enviar mensagens de apelo ao voto no próprio dia da votação. O tribunal sublinhou que as eleições numa ordem profissional regem-se pelos princípios constitucionais do sufrágio universal, secreto, directo e livre, sendo exigida à OPP uma conduta administrativa irrepreensível.

    A decisão judicial do Tribunal Administrativo não invalida de imediato os resultados eleitorais, sendo passível de recurso, embora a análise do juiz António Gomes da Silva se mostre bem sustentada ao longo das 40 páginas da sentença.

    Sofia Ramalho, bastonária da Ordem dos Psicólogos, viu o Tribunal Administrativo anular o acto eleitoral por irregularidades graves.

    O juiz salienta que a acção de impugnação é «totalmente procedente, por fundada e provada», designadamente pela incapacidade de “pelo menos 218 eleitores” exercerem “o direito de voto com o código de acesso”. Registaran-se também casos de pedidos de reenvio do PIN por requerentes que nem sequer constavam da base de dados. E houve mesmo quem recebeu os códigos apenas dois minutos antes do encerramento do acto eleitoral.

    O até agora curto mandato de Sofia Ramalho tem sido pautado por outras polémicas, a última das quais a elaboração de um guia sobre desinformação, em estilo de catecismo, onde até se apontam consequências mentais. A bastonária, que antes ocupara o cargo de vice-presidente do Conselho Geral, vencera as eleições de Novembro com uma margem curta: obteve 2.834 votos contra os 2.704 da lista liderada por Ana Conduto e os 1.634 votos de Eduardo Carqueija. Ao contrário daquilo que sucede com as Ordens dos Médicos e dos Advogados, no caso dos psicólogos não é necessária segunda volta se o candidato mais votado obtiver a maioria no escrutínio.

  • Informática: Só nos útimos cinco anos houve 15 contratos públicos de mais de 5 milhões de euros

    Informática: Só nos útimos cinco anos houve 15 contratos públicos de mais de 5 milhões de euros

    Suspeitas de uma fraude em contratos no valor de 17 milhões de euros — e que levaram hoje a 75 buscas em organismos do Estado, escritórios e outras instituições — pode parecer montante chorudo, mas, no contexto dos contratos públicos no sector da informática e tecnologias de informação, acaba por ser uma parcela relativamente pequena.

    Embora a identidade das empresas visadas pela investigação não tenha sido tornada pública, algumas das entidades públicas alvo de buscas foram reveladas, entre as quais o Banco de Portugal, o Instituto dos Registos e do Notariado e a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça, bem como a Agência para a Modernização Administrativa e a EPAL.

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    De acordo com um levantamento rápido do PÁGINA UM para uma primeira avaliação do mundo dos contratos públicos, recorrendo aos dados disponíveis no Portal BASE, este é um negócio que mobiliza centenas de milhões de euros. Apenas com uma simples pesquisa pela palavra “Informática” na descrição dos contratos, o lote dos 500 maiores contratos registados (todos acima dos 500 mil euros, sem IVA) atinge um montante total de 763 milhões de euros. Com IVA incluído, este valor ascende a aproximadamente 939 milhões de euros.

    Destes contratos, 225 têm valores unitários superiores a um milhão de euros, totalizando um valor global de 567,7 milhões de euros. Nos útimos cinco anos foram celebrados 15 contratos acima dos 5 milhões de euros, incluindo assim três com valores superiores a 10 milhões de euros. Estes valores demonstram o peso colossal deste sector na despesa pública.

    Perante este universo, a fraude agora sob investigação — embora relevante — representa uma ínfima fracção dos investimentos realizados nos últimos anos em serviços informáticos, software, licenciamento e infraestruturas digitais para a Administração Pública.

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    Uma análise detalhada aos contratos com valores acima de 500 mil euros permite ainda identificar os organismos do Estado que mais têm investido em tecnologias de informação. O Instituto de Informática, responsável por múltiplas plataformas críticas da Segurança Social, lidera de forma destacada com um total de 304.567.835 euros em contratos desta natureza. Segue-se a Autoridade Tributária e Aduaneira, com 79.904.388 euros, e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, com 39.309.515 euros.

    A Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência surge com 31.262.054 euros, à frente do Banco de Portugal, com 19.992.006 euros, e do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), com 18.119.608 euros. A Direcção-Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos (16.274.541 euros), a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (15.326.438 euros), a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (13.447.001 euros) e o Instituto dos Registos e do Notariado (11.161.059 euros) completam o grupo das dez entidades com maiores investimentos no sector. Saliente-se que os valores serão superiores, uma vez que esta análise se circunscreve aos contratos acima de meio milhão de euros e não inclui aqueles que, mesmo sendo do sector da tecnologia de informação, não tenham a palavra “Informática” na denominação.

    O contrato de maior valor identificado pelo PÁGINA UM diz respeito à aquisição de computadores e outros equipamentos tecnológicos, no montante de 14,8 milhões de euros, adjudicado por concurso público à Informantem, em Dezembro de 2020, pela Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência.

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    Em segundo lugar, surge um contrato de 14 milhões de euros celebrado em Agosto de 2017 pelo Banco de Portugal, por concurso limitado por prévia qualificação, com um agrupamento de empresas liderado pela MEO, Claranet, Widesys e Altran Portugal. O terceiro contrato envolveu também a Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência, com um valor de quase 11,2 milhões de euros, beneficiando a Inforlândia em Outubro de 2020. Foi um contrato por ajuste directo para aquisição de computadores portáteis nos tempos da pandemia.

    Entre os contratos mais volumosos surgem também duas adjudicações da SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, ambas datadas de 2022, e ambas por concurso público, com valores de 8.725.405,96 euros e 8.435.438 euros, atribuídas à WWS, Normática e Timestamp, para aquisição de licenciamento Oracle e respectivos serviços de suporte. A Autoridade Tributária e Aduaneira surge com múltiplos contratos milionários: em 2023, contratou por um pouco mais de 8 milhões de euros um conjunto de cinco tipos de software Oracle à Forecast IT e à Normática, e em 2021, por 8,6 milhões de euros, contratou à Timestamp e à WWS o upgrade das plataformas Exadata e BigData.

    Já em 2023, o Instituto de Gestão Financeira da Educação adjudicou à Normática e à WWS, por 4,1 milhões de euros, serviços de administração de bases de dados e clusters para a Plataforma Digital da Educação. Noutro caso, o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas contratou a Informática El Corte Inglés por 4,2 milhões de euros, em 2020, para implementação de um sistema de disaster recovery.

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    A Secretaria-Geral do Ministério da Justiça surge também com um contrato relevante: em 2023, adjudicou por quase 3,8 milhões de euros, por concurso público, a um consórcio liderado pela Accenture e pela Tech-Avanade, para serviços de desenvolvimento de software. Outro caso digno de nota é o do Instituto de Informática, que celebrou vários contratos por valores superiores a três milhões, incluindo um com a Unisys, em 2023, no valor de 3,4 milhões de euros, por ajuste directo, e outro com a CGITI Portugal, também em 2023, por quase 3,3 milhões de euros, ao abrigo de acordo-quadro.

    Apesar de existirem largas dezenas de empresas contratadas, algumas em consórcio, destacam-se algumas pelo volume de negócios com entidades públicas, entre as quais a Normática (que lidera), a MEO, a ATOS II, a Informantem e a Informática do El Corte Inglês. Porém, este é um sector multifacetado e especializado, pelo que em alguns contratos haja uma forte dependência da Administração Pública relativamente a grandes operadores.


  • Gaza transformou-se num ‘cemitério de jornalistas’

    Gaza transformou-se num ‘cemitério de jornalistas’

    São números avassaladores. Desde Outubro de 2023, a retaliação de Israel na Faixa de Gaza tornou-se o conflito mais letal para os profissionais da imprensa, registando um recorde impressionante de 232 mortes, das quais 37 num único mês. Estes números ultrapassam largamente os valores registados em grandes conflitos do século XX e transformam a Faixa de Gaza num verdadeiro “cemitério de jornalistas”.

    O relatório Costs of War: The Reporting Graveyard, assinado pelo jornalista e investigador Nick Turse, ontem revelado com a chancela do Watson Institute da Universidade de Brown, apresenta uma investigação aprofundada sobre a violência contra os trabalhadores dos media em zonas de guerra – e o sanguinário conflito de Gaza –, mesmo numa região com cerca de metade da superfície da ilha da Madeira, embora com mais de dois milhões de habitantes.

    Além das mortes, o relatório apresenta as crescentes pressões e formas de limitar a cobertura de conflitos por meio de uma variedade de mecanismos, desde políticas repressivas até ataques armados, fomentando uma cultura de impunidade e transformando zonas de guerra como a Síria e Gaza em “cemitérios de notícias”. De acordo com Nick Turse, a guerra em Gaza matou, desde 7 de Outubro de 2023, mais jornalistas do que a Guerra Civil dos Estados Unidos, as I e II Guerras Mundiais, a Guerra da Coreia, a Guerra do Vietname (incluindo os conflitos no Camboja e Laos), as guerras na Jugoslávia nas décadas de 1990 e 2000, e a guerra no Afeganistão pós-11 de Setembro. Mas não de forma isolada. Todas juntas. Segundo Turse, “é pura e simplesmente o pior conflito de sempre para jornalistas”.

    Com efeito, na Ucrânia estão, por agora, contabilizados 29 jornalistas mortos, incluindo o período da guerra no Dombass iniciada em 2014. As duas décadas de guerra no Afeganistão, entre 2001 e 2021, causaram cerca de sete dezenas de mortes, embora os números reais sejam incertos. As guerras resultantes do desmembramento da Jugoslávia também causaram largas dezenas de vítimas entre a imprensa, mas também muito aquém dos valores atrozes de Gaza. E mesmo conflitos de dimensão territorial vasta tiveram menos vítimas. Por exemplo, a II Guerra Mundial causou a morte a 67 jornalistas, enquanto as guerras do Vietname, Cambia e Laos provocaram a morte de 71 jornalistas estrangeiros e locais.

    O número decrescente de correspondentes experientes em zonas de conflito prejudica, destaca o relatório, o conhecimento crítico e facilita a elevada mortalidade dos profissionais da informação, quase todos da imprensa palestiniana. E sucede um efeito de bola de neve: quanto mais mortes, menos ‘apetecível’ se mostra enviar jornalistas da imprensa mainstream para esses locais. Em Gaza, por exemplo, a proibição israelita de entrada de jornalistas estrangeiros, aliada ao assassinato indiscriminado de repórteres palestinianos, significa que há muito menos jornalistas capazes de traduzir e relatar o que se passa naquela região ao público ocidental, especialmente ao norte-americano. Isto mostra-se particularmente problemático, considerando-se, como salienta o relatório e Nick Turse, que os Estados Unidos aprovaram cerca de 18 mil milhões de dólares em assistência militar a Israel no ano que se seguiu a Outubro de 2023.

    No que diz respeito a Gaza, o relatório evidencia que a política de restrição de acesso a correspondentes estrangeiros, imposta pelo governo israelita, tem agravado sobremaneira a situação dos jornalistas locais. Com os repórteres internacionais impedidos de aceder à região, o fardo da cobertura recai sobre profissionais locais – frequentemente desprovidos dos recursos e apoios necessários para enfrentar condições extremas. Esta “externalização do risco” implica não só a perda irreparável de vidas, mas também o enfraquecimento da qualidade e da imparcialidade da informação disponível ao público.

    Contudo, Turse amplia a análise para outros conflitos que também assinalam elevados níveis de violência contra a imprensa. O estudo aborda, por exemplo, as zonas de guerra no Iraque e na Síria, onde a prática de privar os jornalistas do apoio institucional e de garantir o acesso a áreas de conflito contribuiu para um elevado número de vítimas ao longo das últimas décadas. No Afeganistão, as condições extremas e a instabilidade política têm permitido que o trabalho de correspondentes seja marcado por um risco constante, onde cada reportagem pode significar a diferença entre a vida e a morte. Outras regiões, como a República Democrática do Congo e o Sahel, em África, também figuram na análise de Turse, que evidencia como a violência – muitas vezes perpetrada por milícias ou forças armadas sem escrúpulos – se torna um factor determinante na qualidade e na continuidade da cobertura jornalística.

    Além dos números devastadores, o relatório sublinha o impacto humanitário e psicológico dessa violência extrema. Histórias trágicas, como a do repórter Samer Abudaqa – gravemente ferido num ataque sem receber socorro atempado, vindo a sucumbir aos ferimentos – ilustram de forma pungente o custo humano de uma guerra que silencia vozes críticas. Cada vida perdida não é apenas uma estatística chocante; é o encerramento de uma narrativa que contribuía para a memória colectiva e para a promoção de um debate público fundamentado.

    Mortes de profissionais de imprensa nos principais conflitos bélicos. Fonte: Nick Turse.

    Outro aspecto crucial é a destruição de infraestruturas associadas à comunicação social. Em Gaza, cerca de 90 centros de imprensa foram eliminados pelas forças militares de Israel, prejudicando gravemente a capacidade de documentar e transmitir informações fiáveis e verificadas. Esta realidade alimenta a propagação de narrativas distorcidas e perpetua um ciclo de impunidade, uma vez que os responsáveis pelos ataques raramente são punidos, o que fragiliza a confiança do público na capacidade do jornalismo de servir de vigilante democrático.

    Adicionalmente, a investigação de Nick Turse denuncia uma crise estrutural que afecta a indústria jornalística global. A retirada progressiva dos correspondentes estrangeiros, aliada ao encerramento de redacções e à redução de postos de trabalho – fenómeno que tem originado verdadeiros “desertos de notícias” em territórios como os Estados Unidos – está a comprometer a existência de uma cobertura abrangente e imparcial dos acontecimentos.

    E, como se salienta no relatório, sendo por de mais evidente, esta crise não só empobrece o debate público como mina a função do jornalismo enquanto “quarto poder”, essencial para a fiscalização dos governos e para a salvaguarda dos direitos democráticos.

    Os números apontados pelo relatório de Nick Turse chegam a ser mais elevados do que aqueles apresentados hoje pelo Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) que indica pelo menos 173  jornalistas e profissionais da media estarão entre as mais de  dezenas de milhares de pessoas mortas em Gaza, Cisjordânia, Israel e Líbano desde o início da guerra. Destes, 165 eram palestinianos, dois israelitas e seis libaneses. O CPJ identificou ainda 13 jornalistas e dois trabalhadores da media como alvos directos de ataques israelitas que classifica como assassinatos, estando em investigação outros 20 casos com fortes indícios de segmentação deliberada.

    Na semana do aniversário da guerra, em Outubro de 2024, dois jornalistas foram mortos e três feridos, o que levou o CPJ a renovar o seu apelo pelo fim da impunidade. A organização documenta ainda 59 jornalistas feridos, dois desaparecidos, 75 detidos e regista uma multiplicidade de agressões, ameaças, ataques cibernéticos, censura e até assassinatos de familiares.

  • Comissão da Carteira de Jornalista perdeu 45% do seu património em dois anos

    Comissão da Carteira de Jornalista perdeu 45% do seu património em dois anos

    Financeiramente desastroso: o mandato de três anos de Licínia Girão deixou um rasto desolador nas contas da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), o órgão de acreditação e de disciplina da classe. À frente da entidade desde Maio de 2022, Licínia Girão – uma jornalista que trabalhou sobretudo em jornais regionais – imprimiu, ao longo do seu mandato, uma postura despesista que, agora, está reflectida nas contas: nos anos de 2023 e 2024, o prejuízo acumulado foi de quase 154 mil euros, ou seja, os fundos patrimoniais da CCPJ regrediram 45%, passando de 347.264 euros para apenas 192.511. Significa isto que mais três anos de gestão com o nível de desempenho de Licínia Girão ditariam a falência deste órgão.

    Esta erosão patrimonial, inédita na história da CCPJ, até coincide com um aumento das receitas, que são quase em exclusivo provenientes dos emolumentos pagos pelos jornalistas para exercerem a sua actividade, uma vez que, apesar de ser uma entidade pública, o Estado apenas lhe concede um apoio de 50 mil euros. Com efeito, o ano passado até bateram um recorde, cifrando-se em mais de 262 mil euros, o que contrasta, por exemplo, com os cerca de 196 mil euros em 2020.

    Licínia Girão desempenhou funções de presidente da CCPJ desde Maio de 2022, ainda não tendo sido encontrado substituto.

    O grande ‘problema’ da CCPJ acabou por ser um aumento absurdo nos gastos gerais e, sobretudo, dos honorários por prestações de serviços e das remunerações aos órgãos sociais, isto é, aos membros do Plenário e, em especial, do Secretariado, onde Licínia Girão esteve em permanência, coadjuvada pelo seu ‘braço direito’, Jacinto Godinho, jornalista da RTP.

    De facto, a rubrica de fornecimentos e serviços externos – que em 2020 e 2021 foi, respectivamente, de 83 mil e 58 mil euros – saltou, no mandato de Licínia Girão, sempre para cima dos 100 mil euros: 107.426 euros em 2022, 124.064 euros em 2023 e 147.568 euros no ano passado. Uma parte desta despesa foi para honorários diversos, não revelados nas contas, que chegaram a atingir os 67 mil euros, quando, por exemplo, em 2021 tinham sido de apenas 417 euros.

    Uma parte substancial deste agravamento de custos esteve associada à própria presidente da CCPJ que, apesar de viver em Coimbra e sem actividade jornalística conhecida nos últimos anos, aparentou dedicar-se profissionalmente à liderança desta entidade. Assim, além das despesas de transporte e estadias, houve uma outra rubrica que disparou: as remunerações aos órgãos sociais.

    CCPJ teve receitas recorde em 2024, mas apresentou prejuízos pelo terceiro ano consecutivo.

    Apesar de ser uma entidade pública, a CCPJ sempre se recusou a divulgar os valores das senhas de presença e outras remunerações usufruídas pelos seus membros, sendo certo que formalmente não têm salários – ou seja, os membros do Secretariado (três jornalistas), que tratam do expediente, e os do Plenário (que incluem os restantes seis), recebem apenas pelas suas presenças. A revelação dos valores é uma das causas para uma intimação do PÁGINA UM contra a CCPJ que ainda corre nos tribunais administrativos.

    Independentemente disso, as contas da CCPJ revelam agora que as despesas com os órgãos sociais – que o PÁGINA UM sabe estarem associadas sobretudo a pagamentos a Licínia Girão – dispararam sobretudo em 2023 e 2024. Na análise às contas do último quinquénio, verifica-se que, nos dois anos civis em que a CCPJ foi liderada por Leonete Botelho, jornalista do Público, as remunerações de todos os elementos dos órgãos sociais atingiram os 18.124 e os 22.295 euros, respectivamente em 2020 e 2021. No ano de 2022, que incluiu o início do mandato de Licínia Girão (que entrou em funções em Maio), essa rubrica subiu para 26.311 euros, ou seja, ainda de forma moderada.

    Porém, e atendendo a que não se está perante órgãos com salário, o acréscimo de remunerações dos órgãos sociais foi bastante relevante: quase 41 mil euros em 2023 e aproximadamente 50 mil euros no ano passado. Tudo isto com senhas de presença. A forma de gestão de Licínia Girão da CCPJ levou mesmo à demissão de três membros da CCPJ – Anabela Natário, Isabel Magalhães e Miguel Alexandre Ganhão –, que bateram com a porta, com estrondo, em Outubro do ano passado.

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    No rol de acusações conhecidas aquando das cartas de renúncia, constam as excessivas despesas, sobretudo pelo uso indiscriminado de senhas de presença, de Licínia Girão – que reside em Coimbra, não tendo actividade jornalística conhecida nos últimos anos –, bem como as suas tentativas de ‘reorientar’ as funções da CCPJ de acreditação e acção disciplinar para passar a exercer também como ‘centro de formação’, e ainda o facto de ter metido despesas de honorários de advogados para tratar de questões pessoais.

    O PÁGINA UM pediu comentários e esclarecimentos à CCPJ sobre a sua situação financeira, que remeteu uma resposta para depois da escolha da nova presidência, a eleger por cooptação pelos quatro membros eleitos pelos jornalistas e pelos quatro membros indicados pelos órgãos de comunicação social.

    Este texto teve um direito de resposta de Licínia Girão que pode ser lido AQUI.

  • Estalou o verniz: eleições para a Ordem dos Advogados transformadas em ‘circo’ e em ‘latrina’

    Estalou o verniz: eleições para a Ordem dos Advogados transformadas em ‘circo’ e em ‘latrina’

    As eleições para o cargo de bastonário da Ordem dos Advogados, cuja derradeira segunda volta se realiza esta segunda-feira, entraram em clima de ‘guerra aberta’, de confrontação clara, depois da actual bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro – que passou à segunda volta com João Massano – ter enviado uma mensagem de correio electrónico aos colegas da classe, acusando de forma directa os seus opositores de estarem ao serviço da ASAP – Associação das Sociedades de Advogados de Portugal. O conteúdo e sobretudo o tom da missiva de Fernanda de Almeida Pinheiro – que obteve 33% dos votos na primeira volta, contra 30% de Massano – está a causar ‘ondas de choque’ na rede social LinkedIn, plataforma de excelência onde proliferam os advogados.

    Apesar de a comunicação da actual bastonária não estar em circulação, o PÁGINA UM teve acesso integral ao seu conteúdo, com o sugestivo título de “Finalmente, tudo se revelou”, que é extremamente duro, dir-se-ia panfletário. Começa logo por acusar João Massano e José Costa Pinto – que ficou em terceiro lugar na primeira volta com 25% – de serem “meros peões da ASAP”, ou seja, da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal. Segundo Fernanda de Almeida Pinheiro, a ASAP representa interesses contrários aos da maioria dos advogados, sobretudo dos que exercem em prática individual ou em pequenas sociedades.

    Fernanda de Almeida Pinheiro, actual bastonária.

    “O puzzle está completo!”, lê-se na missiva. “Agora está claro quais são os interesses representados por estas candidaturas: os da ASAP, que pretende ‘repensar’ o acesso ao direito e manter intocada a CPAS [Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores].”

    A mensagem enumera diversos nomes ligados à candidatura de João Massano, com a indicação expressa das sociedades onde trabalham, incluindo os nomes de Eduarda Proença de Carvalho e André Matias de Almeida (Proença de Carvalho), Manuel Protásio (Vieira de Almeida), Paula Ponces Camanho (Morais Leitão & Associados), todos com cargos relevantes em sociedades associadas da ASAP.

    Também a lista de José Costa Pinto – agora afastado da segunda volta, mas que já declarou apoio a Massano – é alvo de denúncia por integrar membros de sociedades com vínculos à mesma associação, entrte os quais Gonçalo Gama Lobo (Gama Lobo Xavier, Luís Teixeira e Melo & Associados), Félix Bernardo (Caldeira Pires & Associados), Joana Whyte (Telles de Abreu & Associados), João Martins Costa (José Pedro Aguiar-Branco & Associados) e Paulo Saragoça da Matta (DLA Piper).

    João Massano passou à segunda volta a curta distância da actual bastonária.

    A bastonária em funções alerta para os riscos de se entregar a Ordem dos Advogados a interesses que, segundo ela, pretendem “repensar” o regime de acesso ao direito manter a actual caixa de previdência (CPAS) sem reformas estruturais. Os efeitos, avisa, podem ser “devastadores”, avisa na missiva, nomeadamente para os profissionais mais vulneráveis: “Advogados/as em prática individual podem ver a sua actividade ameaçada. Pequenas e médias sociedades podem ser gravemente prejudicadas. Até associados das grandes sociedades, que há muito reivindicam direitos laborais, podem ver as suas expectativas frustradas.”

    Considerando que a carta de Fernanda de Almeida Pinheiro se assemelha a um “alerta admonitório” – uma advertência formal com intuito de repreensão e censura com intenção correctiva –, o antigo bastonário Rogério Alves manifestou-se este fim-de-semana no LinkedIn contra “um texto insólito […] com marcado perfil sindical, fora da órbita do que a Ordem é e deverá continuar a ser”. Para Rogério Alves, que liderou esta estrutura profissional de 2005 a 2007, “os debates entre advogados devem ser pautados pela cordialidade e pela urbanidade e não por linguagem comicieira”, acrescentando que “a Ordem deve unir e agregar, sem fomentar uma espécie de luta de classes, mais a mais feita sem classe”. E considera que o debate deve ser feito “sem ataques pessoais, sem desrespeito pelos colegas e pelas suas opiniões”.

    Alguns dos visados peça actual bastonário também têm reagido ao longo dos últimos dias através de comentários no LinkedIn. É o caso de Paulo Saragoça da Matta, mandatário de José Costa Pinto, que acusa Fernanda de Almeida Pinheiro de andar “com e-mails e publicações de insulto e mentira nas redes de diversão que usa para granjear apoios ao engano”. Para este advogado, “a Sra. Bastonária não só transformou a Ordem num Circo”, colocando o emoji de uma tenda, “como  está de cabeça perdida pois vai perder a ten[ç]a gulosa”, terminado por a acusar de transformar a campanha eleitoral numa “latrina”. E prognostica: “Vai enterrar-se tanto que nem de andas sai da valeta que escava…”.

    Os dois principais visados – José Costa Pinto e João Massano, agora apoiado pelo primeiro – mantêm silêncio sobre a agressiva missiva de Fernanda de Almeida Pinheiro. Na passada sexta-feira, já depois do polémico e-mail da bastonária, José Costa Pinto apelou ao voto em João Massano, considerando que “num momento crítico para a Advocacia, não há lugar a neutralidades, a conveniências pessoais ou estados de alma: a escolha deve ser informada pelo compromisso firme de servir a Classe e de proteger a Instituição que a representa”.

    Quanto a João Massano – que assegurará a eleição se conseguir juntar os ‘seus votos’ aos de José Costa Pinto –, tem passado os últimos dias a divulgar apenas uma lista de apoios, incluindo com gravações, nas redes sociais, sobretudo no LinkedIn. Até porque tem sido sobretudo aí, nesta rede social, que muito desta campanha eleitoral se tem desenrolado com maior ou menor fel.

  • Vila Real: ‘festa de arromba’ do centenário já vai em meio milhão

    Vila Real: ‘festa de arromba’ do centenário já vai em meio milhão

    Vila Real, outrora apelidada de ‘a Corte de Trás-os-Montes’, celebra este ano o centenário de elevação a cidade e vai ter uma festa digna de marajás. A autarquia decidiu abrir os cordões à bolsa e os gastos com a ‘festa’ já vão em meio milhão de euros – e ainda faltam contratos. A autarquia, aparentemente, nem colocou um ‘tecto’, porque, nem sequer indicou ao PÁGINA UM o valor orçamentado.

    A celebração, que ocorre em ano de eleições autárquicas, vai contar com mais de 100 eventos “gratuitos” – pagos pelos contribuintes -, designadamente lúdicos, culturais e desportivos, que inclui até a contratação da banda britânica ‘James’ para realizar um concerto no dia 5 de Julho.

    Só na contratação desta banda inglessa liderada por Tim Booth – tio da actriz portuguesa Maya Booth -, a autarquia liderada pelo socialista Rui Santos vai gastar 194.832 euros, segundo o contrato adjudicado ontem por ajuste directo à empresa Malpevent. Este montante inclui IVA.

    A banda britânica ‘James’ vai arrecadar uma grande fatia dos gastos do município liderado pelo socialista Rui Santos com a celebração do centenário da elevação de Vila Real a cidade.

    Para justificar esta contratação milionária, a autarquia referiu, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que, tratando-se da celebração do centenário, “deveria haver um concerto distintivo, diferente da programação habitual que acontece no concelho, sempre com bandas nacionais”. Por isso, “foi decidido contratar uma banda de dimensão internacional, que permitisse atrair a atenção da região e até do país para a comemoração do centenário da cidade de Vila Real e, simultaneamente, proporcionar aos vila-realenses uma nova experiência no seu território”.

    Quanto à escolha, em concreto, desta banda, “prende-se com uma auscultação feita ao mercado das bandas disponíveis, dentro do orçamento definido”, sendo que a “a banda ‘James’ acabou por ser a escolhida por ter disponibilidade para a data pretendida e se enquadrar nos restantes objetivos”.

    Saliente-se, contudo, que os James não são já uma banda internacional assim tão distintiva – e não apenas por já terem perdido o fulgor dos anos 90, no seu auge. Na verdade, os James são quase ‘portugueses’, tornando-se banal a sua presença em solo português, mas com cachets muito mais elevados. Há alguns meses, o Expresso contabilizou 45 aparições. No ano passado, passaram pelo Rock in Rio e pelo Crato. Neste segundo concerto, a autarquia norte-alentejana pagou então 140.835 euros, menos cerca de 54 mil do que o município de Vila Real vai pagar.

    Mas o concerto em Vila Real do agrupamento britânico é apenas um dos muitos eventos planeados. E com cachets elevados. Na área da música, algumas ‘estrelas’ nacionais farão parte do ‘programa das festas’. É o caso de Rui Veloso, que foi contratado pelo município por 47.908 euros para realizar um concerto no dia 28 de Junho. O montante é elevado, mas mesmo assim muito mais baixo do concerto aprovado pela Assembleia da República em Maio, que vai custar aos cofres do Estado cerca de 140 mil euros.

    Rui Veloso. / Foto: D.R.

    Diogo Piçarra e Sara Correia também vão actuar nas festas do centenário de Vila Real. O artista vai receber 31.980 euros para realizar um concerto no dia 10 de Junho. Quanto a Sara Correia, vai encaixar 23.370 euros para o espectáculo que vai realizar no dia 29 de Junho.

    Nininho Vaz Maia, que tem sido destaque nos últimos meses, vai receber 43.665 euros para actuar no dia 6 de Agosto. O artista Carlão, vocalista dos Da Weasel, também foi contratado, por um valor de 27.982 euros, para um concerto que está agendado para 13 de Junho. Os artistas Plutónio e DJ Dadda actuam no dia 9 de Junho por 35.670 euros.

    Incluídos no programa denominado ‘100 anos / 100 momentos’, além destes músicos, cujos contratos foram já assinados, a autarquia também vai contratar outros artistas, designadamente a banda Xutos & Pontapés e Gisela João, cuja contratação ainda não foi formalizada, mas que deverá rondar um valor próximo de 40.000 euros. Em todo o caso, somando todos os contratos detectados pelo PÁGINA UM, incluindo a ópera ‘O elixir do amor, pelo Teatro de São Carlos (quase 32 mil euros) e duas peças de teatro (quase 25 mil), em quase 475 mil euros para uma população de 50 mil habitantes. Em termos proporcionais, o ‘bolo’ seria equivalente a festas em Lisboa de mais de 5,5 milhões de euros.

    O socialista Rui Santos (segundo a contar da esquerda) na conferência de apresentação do programa ‘100 anos / 100 momentos’ para comemorar o centenário de Vila Real, enquanto cidade, e que se realizou no dia 13 de Março. O autarca, que vai no seu terceiro mandato, já não se poderá recandidatar este ano, devido ao limite de mandatos imposto por lei. / Foto: D.R.

    O socialista Rui Santos, que comanda há 12 anos os destinos do município, deverá terminar assim o seu ‘reinado’ com pompa e circunstância. O autarca já não poderá concorrer a novo mandato devido aos limites impostos pela lei.

    A comemoração do centenário da elevação de Vila Real à condição de cidade, no dia 20 de Julho de 2025, já arrancou no passado dia no passado dia 14 de Março e irá terminar no último dia do ano.

    Além dos concertos, as celebrações irão incluir várias iniciativas que passam por peças de teatro, conferências, exposições, eventos desportivos, publicação de livros, plantação de árvores e emissão de selos. Em julho, a autarquia vai homenagear “aqueles que ajudaram a construir a sua identidade, com a atribuição das Medalhas do Centenário a figuras e empresas que deixaram marca na história local”.

    people playing drum on street during daytime

    Mas, apesar da relevância e magnitude da celebração, a autarquia não conseguiu precisar qual o montante global do orçamento previsto para as comemorações. Em resposta a um pedido efectuado hoje por e-mail pelo PÁGINA UM, o município indicou que “quanto ao valor total do orçamento, é muito difícil ser apurado no intervalo de tempo que nos foi dado para esta resposta, uma vez que abrangem iniciativas na área cultural, na área desportiva, ambiental, da educação, de animação, etc, e cada uma delas tem o seu orçamento próprio”.

    Por outro lado, Vila Real celebra este ano outra efeméride que irá envolver uma variedade de eventos: os 200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco, escritor que viveu naquela cidade transmontana. E, hoje, o que não escreveria Camilo sobre os gastos, a opulência e o ‘status’ desta grande festa que se fará também, mas não só, em seu nome?

  • Banco de Portugal gasta 369 mil euros em serviço de mudanças para escritórios temporários

    Banco de Portugal gasta 369 mil euros em serviço de mudanças para escritórios temporários

    Os dois locais em Lisboa distam, entre si, apenas 3,9 quilómetros, mas não será por isso que a mudança de instalações dos serviços do Banco de Portugal da Avenida Almirante Reis para novas instalações, junto a Entrecampos, se prevê fácil. E nem será barata. Apesar de a mudança de cerca de mil funcionários do chamado Edifício Portugal para o Edifício Marconi ser temporária, porque está a ser projectada uma nova sede nos antigos terrenos da Feira Popular, a instituição liderada por Mário Centeno vai contratar serviços de transporte, com um preço base de 369 mil euros.

    De acordo com informações recolhidas pelo PÁGINA UM, o Banco de Portugal tem a decorrer um concurso para a contratação desta despesa, estabelecendo o caderno de encargos que “os serviços serão executados de forma faseada, em data a combinar entre as Partes, previsivelmente entre Abril de 2025 e Setembro de 2025”.

    Na lista de bens a transportar constam, além de equipamentos e material de 950 postos de trabalho com o respectivo mobiliário e computadores, um “piano, televisores, equipamentos de segurança e equipamento médico do Centro de Saúde e Medicina no Trabalho, a movimentar com os devidos cuidados”.

    O Banco de Portugal vai transferir temporariamente os seus serviços do seu edifício emblemático na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, para o edifício Marconi, junto a Entrecampos. / Foto: PÁGINA UM

    Nos equipamentos de segurança, estão incluídos três cofres e uma máquina de raio-x. Do equipamento de saúde, fazem parte cinco marquesas e até duas cadeiras de rodas.

    Também irão nas carrinhas de transportes e mudanças toda a documentação de arquivo e biblioteca que estão actualmente no Edifício Portugal, na Avenida Almirante Reis, e um milhar de caixas de cartão com os pertences pessoais dos trabalhadores

    Um dos requisitos do Banco de Portugal perante a empresa de transportes a contratar é que se realize uma “reunião de kickoff“, a qual “será realizada 2 (dois) dias após a outorga do contrato” para, designadamente, “alinhar os objetivos e expectativas da prestação de serviços”.

    O edifício do Banco de Portugal na Avenida Almirante Reis encontra-se com andaimes e lonas desde 2021, após a queda de pequenas partes da fachada. / Foto: PÁGINA UM

    Recorde-se que esta mudança será temporária, visto que o Banco de Portugal firmou um acordo com a Fidelidade para adquirir um terreno no local da antiga Feira Popular de Lisboa, onde vai construir um edifício e ali concentrar diversos serviços.

    Esta verba para o transporte dos bens nas mudanças vem juntar-se a outras despesas já assumidas pelo Banco de Portugal na transferência para o edifício Marconi, que vão desde a compra de ‘cápsulas telefónicas’ por quase meio milhão de euros, a serviços de consultadoria no valor de 158 mil euros para, designadamente, ajudar os trabalhadores a mentalizarem-se a trabalhar num open space.

    Este contrato não será o único em vigor este ano referente a serviços de transportes e mudanças. Em Janeiro do ano passado, o Banco de Portugal adjudicou um contrato no valor de 568 mil euros à empresa Flamingo Mistério Unipessoal para prestar “serviços de transportes, mudanças, gestão de depósitos de património móvel, inventário e outros suportes logísticos”. No caso deste contrato, vai vigorar durante um prazo de 36 meses, mas é um mistério aquilo que vai abranger, porque o Banco de Portugal não incluiu o caderno de encargos no Portal Base, apesar dessa documentação fazer parte do contrato.

    Assim, no total, em serviços de transportes e mudanças, Mário Centeno vai gastar 937.260 euros apenas no espaço de três meses. Depois, quando o Banco de Portugal construir o seu novo edifício onde irá concentrar em definitivo os seus serviços, terá, de novo, de efectuar novas despesas milionárias com transportes e mudanças para o novo local.

  • Banco de Portugal vai gastar meio milhão de euros em ‘cápsulas telefónicas’ de luxo

    Banco de Portugal vai gastar meio milhão de euros em ‘cápsulas telefónicas’ de luxo

    A privacidade sem barulho das chamadas telefónicas no Banco de Portugal vai ter um ‘custo fixo’: 484.620 euros. É este o preço que a entidade liderada por Mário Centeno está disposta a gastar na compra de cabines acústicas. Mas não serão umas cabines banais; estas serão uma espécie de ‘cápsulas telefónicas’ de luxo, porque não apenas insonorizam como são anti-sísmicas, estofadas com tecido de lã, ao melhor estilo italiano, e equipadas com luz LED e pré-instalação de TV. Pode cair o mundo ou haver ‘festa rija’ em ambiente ‘open space’, mas a privacidade está garantida.

    Recorde-se que o Banco de Portugal começará a transferir, a partir de Março, cerca de mil trabalhadores do Edifício Portugal, na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, para o Edifício Marconi. Enquanto no actual edifício muitos dos trabalhadores estão instalados em gabinetes, no novo local vão passar a trabalhar em ambiente ‘open space’. Aliás, como o PÁGINA UM noticiou, o Banco de Portugal contratou uma consultora por ajuste directo para, entre outras tarefas, ajudar os funcionários a ‘mentalizarem-se’ para o trabalho em ‘open space’.

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    O Banco de Portugal vai adquirir, no mínimo, cabines acústicas similares à da foto. No total, a ‘privacidade’ dos seus trabalhadores quando fazem telefonemas vai custar até 484.000 euros. / Foto: D.R.

    O concurso público para a compra das cabines acústicas está ainda em curso e no caderno de encargos o Banco de Portugal afirma pretender adquirir, no mínimo, 20 cabines, mas admite comprar mais unidades durante a vigência do contrato, que poderá ir até aos dois anos. No total, o Banco admite vir assim a gastar até 484.000 euros (com IVA incluído) na compra daqueles equipamentos. No mínimo serão adquiridas 20, mas a quantidade poderá aproximar-se das 35.

    E o Banco de Portugal deixa claro o tipo de cabines que quer. Assim, diz que “pretende adquirir cabines acústicas Hybrid que permita proporcionar um espaço privado e funcional em ambientes profissionais, maximizando tanto o conforto como a produtividade dos utilizadores”, salientando que estas “são particularmente adequadas para ambientes de trabalho em ‘open-space’, proporcionando condições ideais para chamadas telefónicas, videoconferências ou trabalho individual em silêncio”.

    As características técnicas não são tudo. A estética para o Banco de Portugal também vale como ouro. Assim, “além da sua elevada performance acústica e funcionalidade”, o caderno de encargos saliente que “os cantos [das cabines] deverão ser arredondados conferindo-lhes uma aparência moderna e elegante, em harmonia com o projecto de arquitectura de interiores”. Ou seja, “a escolha cuidadosa dos acabamentos exteriores, da alcatifa e dos revestimentos interiores desempenha um papel crucial na valorização da solução pretendida”, porque a “sua coerência estética está alinhada com o conceito global idealizado para o espaço”. Os dinheiros públicos devem assim ser gastos com elegância.

    Os cerca de 1000 trabalhadores que o Banco de Portugal tem no Edifício Portugal, na Avenida Almirante Reis, vão ser transferidos temporariamente para o Edifício Marconi, em Entrecampos. Depois, irão ser, de novo, transferidos para o novo edifício que a instituição vai construir num terreno adjacente ao Edifício Marconi, onde antes ficava a Feira Popular. / Foto: PÁGINA UM

    Segundo as exigências do Banco de Portugal, “as cabines pretendidas possibilitam a instalação de monitores com suporte VESA estando equipadas com uma mesa de trabalho ajustável em profundidade, garantindo uma adaptação às necessidades específicas de cada utilizador”. Terão ainda de ter iluminação LED para “proporcionar um ambiente confortável, e, além disso,
    uma iluminação frontal facial favorável para videoconferências”. Apesar de anti-sísmicas, “as cabines acústicas deverão estar equipadas com rodas, permitindo uma fácil mobilidade e reposicionamento conforme necessário”.

    Em ‘cima da mesa’ estará, assim, a aquisição de dois tipos de cabines acústicas existentes no mercado, embora a instituição ponha a hipótese de só comprar um dos modelos. No caso da “cabine acústica com suporte de monitor (Cabine A)”, o preço unitário base fixado pelo caderno de encargos é de 13.530 euros (com IVA incluído). Já a “cabine acústica sem suporte de monitor (Cabine B)” tem o preço base de 13.407 euros.

    Desenho do modelo da cabine acústica ‘A’ conforme o caderno de encargos do concurso público que está em curso. / Foto: D.R.

    Nada foi esquecido no detalhe. Por exemplo, a cabine acústica ‘hybrid’ com suporte deverá vir equipada com as seguintes características: “painéis interiores estofados em tecidos tipo ‘WOOL’; faixas de iluminação facial adicionais com intensidade ajustável; redução do nível de voz a 26,4 décibeis para assegurar a privacidade das conversas; sistema de ventilação automática e iluminação LED para máximo conforto; rodas integradas para facilitar o transporte da cabina transporte”.

    Em termos de dimensões no exterior, deverá medir 223 centímetros (cm) de altura por 124,4 cm de largura e 90 cm de profundidade, mas o interior é mais acanhado. Para quem sofra de claustrofobia, a altura é razoável, mas não tanto a largura e profundidade.

    Em todo o caso, as cabines não serão ‘bunkers’. Em matéria de acabamentos exteriores, exige-se uma “placa alveolar de 3 camadas, 38 milímetros (mm) de espessura, ambas as faces revestidas a melamina, na cor branca de série, com acabamento em tecnologia laser”. Os vidros das cabines serão em laminado acústico com camada intermédia de vinil, havendo ainda de ter a “opção de autocolante de privacidade”.

    person using smartphone and MacBook
    Foto: D.R.

    Para cabines de 13 mil euros, o Banco de Portugal exige que os painéis interiores sejam em “LDF de alta densidade (HDF) com 3 mm de espessura, revestidos com espuma de poliuretano não inflamável, estofados”, e com um “sofá de dupla face em forma de caixa com assento estofado, encosto e apoio de braços”.

    Já os puxadores e dobradiças de portas terão de ser em alumínio pintado de preto, enquanto o tampos das mesas serão de aglomerado de melamina de três camadas, laminado em branco. E para conforto dos funcionários do Banco de Portugal, os estofos serão “tipo ‘WOOL’ na cor ‘BISCUIT’ (TBI)”, com uma composição que terá 70% de lã, ou seja, ao nível dos tecidos italianos de elevada qualidade.

    No chão, a alcatifa terá de ser “na cor GRAPHITE”, explicitando-se que deverá ser semelhantes ao que é usada em “quartos de hotel, suite de hotel, boutique, loja, restaurante, receção, [e] escadas”. Cada cabine estará equipada com uma mesa de trabalho. Tanto o sistema de ventilação de ar, como a iluminação serão activados “por sensor de movimento”.

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    Foto: D.R.

    Este modelo de cabine virá equipado com um “suporte VESA para monitor/computador” e ainda “pré-instalação da infraestrutura da TV devidamente embutida no painel frontal”, bem como “faixas de luz faciais adicionais com intensidade ajustável”.

    O concurso público decorre até ao próximo dia 10 de Março e o vencedor garantirá a adjudicação de um contrato pelo prazo de um ano, podendo ser renovado “automaticamente por igual período, até ao máximo de dois anos”.

    Prevê-se que no final desse mês os trabalhadores do Banco de Portugal irão receber as cabines ‘privadas’, em princípio no Edifício Marconi. Isto enquanto não se mudam para o novo edifício que o Banco de Portugal pretende construir na antiga Feira de Popular. Aí será possível que haja gabinetes e que as cabines de quase meio milhão de euros possam ser descartadas.

  • Mentalizar funcionários do Banco de Portugal a trabalhar em ‘open space’ custa 158 mil euros

    Mentalizar funcionários do Banco de Portugal a trabalhar em ‘open space’ custa 158 mil euros

    Não é todos os dias que funcionários têm de mudar de instalações nem passar a trabalhar em ambiente de ‘open space’. Para muitos, a mudança representa uma oportunidade de dinamizar a comunicação e promover um espírito de equipa; para outros, é sinónimo de perda de privacidade e aumento da distração. Seja como for, a adaptação ao novo espaço de trabalho promete gerar tanto expectativas como desafios e quando o empregador é o Banco de Portugal pode-se sempre fazer um plano de “mudança física e cultural”. E pagar 158 mil euros pela função a uma consultora externa.

    A excentricidade do Banco de Portugal advém da mudança, prevista para o próximo mês, de cerca de mil funcionários que se encontram actualmente no seu edifício na Avenida Almirante Reis para o Edifício Marconi, na zona de Entrecampos.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.

    A transferência dos trabalhadores será, aliás, temporária, já que o governador Mário Centeno quer construir um novo edifício nos terrenos da antiga Feira Popular para onde passarão a estar concentrados todos os funcionários do Banco de Portugal, actualmente espalhados por diversas instalações na capital.

    A consultora escolhida para a tarefa de ajudar os trabalhadores do Banco de Portugal a encararem a mudança como “positiva mas necessária” foi a NTT Data, que assim vai facturar 158.670 euros (incluindo IVA), através de um ajuste directo. O Banco de Portugal até lançou um concurso público em Outubro do ano passado e consultoras importantes como a Ernst & Young e a With Company até manifestaram interesse, mas o Banco de Portugal excluiu todas as candidaturas. E escolheu a NTT Data.

    Isto mesmo sabendo-se que o Banco de Portugal conta, na sua gigantesca estrutura orgânica, com um Departamento de Pessoas e Estratégia Organizacional (DPE), liderado por Pedro Raposo, antigo director dos recursos humanos do BES, e um Departamento de Serviços de Apoio (DSA), chefiado por Paulo José Cardoso.

    Foto: PÁGINA UM

    Um dos argumentos do Banco de Portugal para contratar os serviços da consultora é o facto de os trabalhadores precisarem ser ‘mentalizados’ para trabalharem em espaço aberto, em vez de ser em gabinetes, como sucede no Edifício Portugal, na Almirante Reis.

    Como tem sido a norma no caso do Banco de Portugal, contrariando as melhores práticas de transparência, o registo do contrato com a NTT Data —, assinado a 29 de Novembro último e divulgado no Portal Base —, não contém em anexo documentação de relevo. A ligação para peças do procedimento dá erro, mas o PÁGINA UM teve acesso ao caderno de encargos, onde consta a ‘justificação’ para um trabalho de consultadoria pago a ‘preço de ouro’

    Segundo o documento consultado pelo PÁGINA UM, como a mudança de instalações “vai impactar de diferentes formas nos trabalhadores”, será “que será “necessário desenvolver e implementar um plano para que esta mudança seja compreendida como positiva e necessária”.

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    O plano da consultora vai preparar os trabalhadores a trabalhar em ambiente de ‘open space’ e a verem esta mudança como “positiva”. Foto: D.R.

    O plano da NTT Data, que será implementado com um mínimo de quatro consultores, deverá assim “preparar os trabalhadores [do Banco de Portugal] para as principais diferenças de funcionamento nos espaços comuns, nomeadamente, refeitório, garagem, salas de reuniões, elevadores, etc.”.

    O principal objectivo do Banco de Portugal “é garantir uma transição suave e organizada para o novo edifício, minimizando interrupções nas operações e maximizando o conforto e a produtividade dos trabalhadores através de um projeto integrado de gestão da mudança física e ‘cultural’”.

    Aparentemente, uma vez que o contrato entrou em vigor no dia 30 de Novembro, e durará 10 meses, os funcionários do Banco de Portugal já estarão a ser preparados psicologicamente antes da passagem para o Edifício Marconi.

    Neste processo, aquilo que mais se destaca é a pomposa terminologia do plano da NTT Data, ou melhor dizendo do “Project Manager Officer (PMO)”, indicado pelo Banco de Portugal.

    O Foto: PÁGINA UM

    O caderno de encargos consagra a implementação do plano em três fases: estratégia (diagnóstico e planeamento); implementação e monitorização; e pós-mudança. A primeira fase inclui, designadamente, um plano de comunicação aos trabalhadores, com a “criação de mensagens, grupos e canais de comunicação (exemplos: newsletters, intranet…). Também prevê “ações de formação/ informação necessárias (por exemplo, sobre novos hábitos de trabalho em ‘open space’ ou triagem de material e documentação) e preparar as iniciativas e os materiais de comunicação necessários”.

    Aqui estão incluídas “ações extraordinárias” como, por exemplo, um “Welcome Day” e um “Town Hall”, além de vídeos explicativos dos espaços.

    A consultora também ficou encarregue do “branding” deste plano de ajuda aos trabalhadores, que passa pelo “desenvolvimento de um conceito criativo e conceito visual da comunicação de todo o projeto”. O plano tem ainda de incluir, segundo o caderno de encargos, um “guidebook“, que consistirá num “documento completo e graficamente apelativo para consulta de todos os trabalhadores”, além de vídeos, que incluem a produção do ‘script‘, do ‘storyboard‘, filmagens e edição. Também surge referida a “organização de eventos associados à mudança em articulação com as equipas do Banco [de Portugal]”.

    A mudança dos trabalhadores do Edifício Portugal, na Almirante Reis, para o Edifício Marconi, em Entrecampos, é apenas temporária. O Banco de Portugal fechou acordo com a Fidelidade para construir um novo edifício num terreno (na foto) onde antes se situava a Feira Popular, contíguo ao Edifício Marconi. Foto: PÁGINA UM

    O Banco de Portugal também identificou ser necessário “criar um canal adequado de apoio permanente ao empregado (exemplos: quiosque móvel de apoio e informações de entrada, visita guiada,
    kit de boas-vindas)” para os ajudar na mudança. Considerou ainda essencial “definir diretrizes de comportamento e de utilização do novo espaço, incluindo política de utilização de ‘open space’, espaços comuns (refeitório, ‘lounge’, elevadores, garagem, etc.)”. A consultora também terá de “apoiar o Banco de Portugal na coordenação logística da mudança física dos bens e equipamentos.

    Com tantos neologismos na terminologia, talvez 158 mil euros do erário público seja, afinal, pouco…