Etiqueta: Extravagâncias Públicas

  • Graça Morais ganha meio milhão de euros em duas encomendas públicas

    Graça Morais ganha meio milhão de euros em duas encomendas públicas

    Apenas duas encomendas garantiram à pintora Graça Morais a façanha de facturar meio milhão de euros em cinco meses. E engana-se quem pense que se trata de encomendas feitas por bancos ou outros patronos ricos do sector privado. O gasto é público e é superior ao valor investido no ano passado pelo Estado na compra das 12 peças de arte proposta pela Comissão para a Aquisição de Bens Culturais para os Museus e Palácios Nacionais, que envolveu 428 mil euros.

    No caso das encomendas à pintora de 77 anos, membro da Academia Nacional de Belas Artes, os mecenas que abriram generosamente os cordões à bolsa são duas entidades públicas: o Município de Oeiras e a Provedoria da Justiça, que vão desembolsar 420 mil euros, que com o IVA ultrapassarão meio milhão de euros.

    Graça Morais / Foto: Egidio Santos/Centro de Arte Contemporânea Graça Morais

    A primeira encomenda, e a mais valiosa, no valor de 300 mil euros (excluindo o IVA), foi feita pela autarquia liderada por Isaltino Morais. Por ajuste directo, assinado a 22 de Novembro do ano passado, o munícipio assume a despesa milionária para a “aquisição da prestação dos serviços para criação, aquisição e trabalhos de um Mural Artístico em Caxias/Oeiras, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril”.

    Como é habitual, o caderno de encargos deste ajuste directo não está disponível na plataforma de contratação pública, o Portal Base, contrariando a legislação e as melhores práticas de transparência. Assim, não são conhecidos todos os contornos e condições da encomenda, cujo contrato é válido por 289 dias. O ajuste directo foi justificado com o facto de ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual“. Mas não é referido como foi seleccionado o nome da pintora.

    Em Abril do ano passado, a autarquia divulgou uma publicação nas redes sociais sobre as iniciativas do município relacionadas com as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Nessa publicação, destaca “o mural ‘Passeio da Democracia’, em homenagem à Revolução do 25 de Abril, dedicado aos presos políticos que estiveram no Forte de Caxias, da autoria da artista Graça Morais” e avança que “este mural irá gravar os 10 mil nomes de homens e mulheres que por ali passaram”.

    Isaltino Morais num discurso sobre as iniciativas de Oeiras no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. / Foto: Captura de imagem de vídeo da autarquia de Oeiras

    Na mesma publicação, é divulgado um vídeo com o edil de Oeiras, Isaltino Morais, a afirmar que “a Graça Morais vai fazer um monumento escultórico, um mural alusivo à revolução e depois vamos ter um grande mural, um painel, um memorial, onde irão ser gravados os nomes de 10 mil homens e mulheres que passaram pela prisão de Caxias”.

    No contrato consultado pelo PÁGINA UM é referido que a encomenda artística será paga através da dotação orçamental com a classificação económica “artigos e objectos de valor” e “sistemas de solidariedade e segurança social”. Refere ainda que “a repartição plurianual de encargos no presente contrato foi autorizada por deliberação da assembleia municipal”.

    Em representação da pintora no contrato com a autarquia de Oeiras a assinatura é do advogado Francisco Teixeira da Mota. Da parte da autarquia, Emanuel Gonçalves, vice-presidente da Câmara Municipal de Oeiras. O PÁGINA UM apurou que a primeira tranche do contrato, no valor de 60.000 euros (73.800 euros, incluindo o IVA), foi paga à pintora na altura da adjudicação, com a factura-recibo emitida com data de 5 de Dezembro de 2024.

    blue hair brushes in vase

    Cinco meses depois, a pintora voltou a ‘cair nas graças’ de uma entidade pública. Desta vez, foi a Provedoria de Justiça que decidiu fazer uma encomenda a Graça Morais. O contrato por ajuste directo, no valor de 120 mil euros (excluindo o IVA), foi celebrado a 15 de Abril e visa a “aquisição de serviços de produção de obra de arte”, tendo um prazo de execução de 168 dias. Neste caso, a justificação para ter sido efectuado o ajuste directo é o facto de o “objeto do procedimento” ser “a criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico“.

    Tudo indica que a encomenda foi feita no âmbito das comemorações dos 50 anos da existência da Provedoria de Justiça. Outra hipótese, menos provável, seria a encomenda de um retrato para a galeria de retratos de antigos provedores, que foi inaugurada a 18 de março de 2015, graças “à generosidade da Fundação Engenheiro António de Almeida, presidida por Fernando Aguiar-Branco, e ao traço do pintor João Freitas”.

    Mas não foi possível confirmar o motivo da encomenda porque o caderno de encargos deste ajuste directo também não está disponível ao público, com a Provedoria de Justiça a incorrer na mesma falta de transparência de que padecem muitas entidades públicas que omitem detalhes de contratos do Portal Base. A Provedoria de Justiça, contactada pelo PÁGINA UM, também se escusou a explicar o motivo da encomenda e como foi escolhido o nome da pintora.

    A provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, numa audição na Comissão Eventual para o Acompanhamento Integrado da Execução e Monitorização da Agenda Anticorrupção no Parlamento, em Fevereiro de 2025. / Foto: Captura de imagem a partir do vídeo da audição

    Na secção ‘Observações’ no Portal Base, a Provedoria de Justiça justificou que a aquisição da encomenda à pintora foi efectuada “por total ausência de número de trabalhadores e de competências internas para a realização do serviço em causa”. No caso desta contratação, a pintora recebeu 48.000 euros na assinatura do contrato e receberá a verba restante aquando da entrega da obra encomendada, segundo os termos do contrato.

    Curioso é facto de, apesar de ser uma pintora muito conceituada, no Portal Base apenas se encontram estes dois contratos feitos directamente com Graça Morais, desconhecendo-se se haverá outros adjudicados à pintora mas em nome de uma empresa, ou se possam ter sido feitos mas não terem passado pela plataforma de contratação pública.

    No entanto, pelo menos duas obras de Graça Morais foram já compradas por entidades públicas: em 2023, a Direção-Geral do Património Cultural comprou por 60 mil euros a pintura ‘O Bordel’, para expor no Museu do Côa; e em 2013 a autarquia de Loulé comprou uma obra de arte não especificada por 10 mil euros.

    A provedora de Justiça numa visita à galeria de retratos de antigos provedores com a presença do então líder do PSD, Rui Rio, durante a Semana da Justiça. / Foto: D.R.

    Sendo actualmente a pintora ainda no activo mais valorizada em Portugal, os 420.000 euros (516.600 euros com IVA incluído à taxa de 23%) que Graça Morais vai arrecadar em apenas duas encomendas, a desenvolver em menos de seis meses, aparenta ser ‘obra’. Com efeito, em diversos leilões realizados nos últimos anos em Portugal, apenas algumas das suas pinturas ultrapassam a fasquia dos 10 mil euros, sendo um dos casos a pintura ‘Sophia e o Anjo‘, um acrílico sobre papel vendido por 18 mil euros em 2018.

    No  Centro de Arte Contemporânea de Bragança, que tem o seu nome, está exposta uma parte importante do seu espólio artístico constituída por mais de 120 obras. Em 2021, a pintora transmontana, nascida em Vila Flor, doou um conjunto de 70 pinturas a este centro, atribuindo ao lote um valor de meio milhão de euros, ou seja, um valor médio um pouco acima de sete mil euros.

  • Comissão Nacional de Eleições compra 210.000 esferográficas ao triplo do preço de mercado

    Comissão Nacional de Eleições compra 210.000 esferográficas ao triplo do preço de mercado

    .Os eleitores já sabem que não precisam de levar caneta para escolher os seus partidos e candidatos quando se dirigirem às urnas no próximo dia 18 de Maio. E isto porque a Comissão Nacional de Eleições (CNE) trata de tudo. Ou melhor, já adjudicou a uma empresa de brindes a compra de 105 mil esferográficas a pensar nas eleições para a Assembleia da República. E, prevenida, aproveitou, no mesmo contrato, para comprar mais 105 mil canetas para as eleições autárquicas agendadas para Setembro ou Outubro – não vá as outras gastarem-se todas.

    Em eleições que custarão milhões, as esferográficas são apenas uma gota de água: os contribuintes pagarão, em princípio, 23.764 euros (com IVA) pela compra da CNE à empresa Enterprom II – Brindes Publicitários, com sede na Charneca da Caparica, em Almada. Mas até aqui se consegue ser despesista.

    De acordo com o contrato assinado no passado dia 27 de Março, mas só ontem publicado no Portal Base, a empresa de brindes tem a obrigação de entregar 105 mil esferográficas até ao dia 4 de Abril. As restantes 105 mil terão de ser fornecidas até ao dia 1 de Agosto, a tempo da realização das eleições autárquicas.

    Fazendo as contas, cada esferográfica custa ao contribuinte 9,2 cêntimos (sem IVA). Ora, comparando com os preços de outros fornecedores nacionais com contratos efectuados com entidades públicas, sem incluir um eventual desconto de quantidade, encontram-se esferográficas ao preço unitário de 3,0 cêntimos (sem IVA). Pesquisando online, com fornecedores no estrangeiro, ainda se consegue encontrar canetas por preços inferiores quando adquiridas em grandes quantidades..

    Não sendo conhecido o caderno de encargos, não se sabe se existe algum tipo de preocupação ambiental na aquisição das canetas para os actos eleitorais. Contudo, não consta nenhum ‘selo’ de sustentabilidade no contrato publicado no Portal Base.

    Também não se sabe a razão pela qual a CNE não comprou directamente as canetas. A justificação para a compra das esferográficas ter sido feita sem concurso é a disposição legal do Código dos Contratos Públicos que abre a porta ao ajuste direto “quando o valor do contrato for inferior a 20 000.euros”.

    O preço a pagar pela CNE inclui porém, segundo o contrato, todos os “encargos” que a empresa fornecedora tenha com “deslocações, transportes, alojamento, equipamentos” e custos “relativos “decorrentes da utilização de marcas, patentes ou licenças” Abrange ainda encargos com “obrigações de garantias dos serviços prestados”. Convém referir que, por norma, as entregas em quantidade já incluem o transporte, como se pode verificar no caso consultado pelo PÁGINA UM.

    Curiosamente, no contrato das esferográficas está prevista ainda a “divulgação da campanha de esclarecimento nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais”, mas não se explicita que campanha de esclarecimento se trata nem o motivo para uma fornecedora de esferográficas estar envolvida neste tipo de acções.

    Saliente-se que esta não é a primeira vez que a CNE compra esferográficas para as eleições. Nas anteriores legislativas, em 10 de Março do ano passado, a CNE também escolheu à Enterprom II, mas não se sabe quantas canetas foram adquiridas porque não existe contrato escrito para essa compra no valor de 10.578 euros.

    Poucos meses depois, a CNE também fez novo contrato por ajuste directo, desta vez para as eleições para o Parlamento Europeu. gastou mais 8.911,35 euros. A transacção foi efectuada a 9 de Maio do ano passado, também sem contrato escrito, pelo que não consta no Portal Base a quantidade de canetas que foram compradas. Pelos valores presume que possa ter sido a mesma quantidade.

    O PÁGINA UM tentou colocar algumas dúvidas junto de um porta-voz da CNE, André Vale, nomeadamente sobre o uso a dar às canetas e o porquê da compra duplicada de esferográficas para dois actos eleitorais tão próximos no tempo. Mas até à hora da publicação desta notícia ainda não tinha sido possível obter esses dados.

    De resto, a Enterprom II não se pode queixar da falta de encomendas públicas, quase sempre por ajuste directo, como se fosse a única empresa de brindes de Portugal. No Portal Base contabilizam-se 58 contratos com entidades públicas que já geraram á empresa, desde 2012, receitas de 945.975 euros. Apenas um dos contratos foi obtido por concurso público, numa adjudicação da Águas de Portugal no valor de 115.912 euros, realizada em 2023.

    person standing near table

    Este tipo de contratos são a ‘ponta do icebergue’ em termos de custos com a organização de eleições em Portugal. Como noticiou, recentemente, o PÁGINA UM, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna celebrou um contrato por ajuste directo com os CTT relativo ao envio e recepção de votos de eleitores residentes no estrangeiro que prevê um gasto de até 11,75 milhões de euros, ou seja, um agravamento do preço de quase 45% face às anteriores legislativas.

    A este valor, somam-se outros, como um de 305 mil euros relativo a um contrato para ‘aquisição de serviços de apoio ao funcionamento de recolha e contagem dos votos dos eleitores residentes no estrangeiro’ que foi assinado ontem com a empresa Bravantic Evolving Technology. Este contrato foi também adjudicado por ajuste directo por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.

  • Pulseiras electrónicas custam 4,1 milhões de euros por ano

    Pulseiras electrónicas custam 4,1 milhões de euros por ano

    São já mais de 16 anos de ‘ligações fortes’, mas um processo em tribunal ameaça quebrar um vínculo negocial aparentemente perpétuo. Em Portugal, todos os arguidos e condenados em prisão domiciliária ou sob vigilância electrónica têm algo em comum: usam pulseiras electrónicas fornecidas pela SVEP – Segurança e Vigilância Electrónica de Pessoas. A empresa portuguesa, com sede em Lisboa, tem sido a escolhida pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) desde pelo menos 2009, sobretudo através de ajustes directos, para fornecer instrumentos de controlo, monitorização e vigilância de quem, por ordem judicial, não pode sair de casa. E já recebeu 57,6 milhões de euros pelos serviços.

    O domínio da SVEP nos contratos de vigilância com pulseira electrónica está agora em causa porque uma empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça, travando o início da execução do contrato valioso entregue pela DGRSP à SVEP, válido até 2029. A consequência deste processo no Tribunal Administrativo de Lisboa, no passado dia 9 de Dezembro, não teve, para já efeitos no negócio da SVEP. A empresa portuguesa obteve entretanto três ajustes directos e já arrecadou perto de dois milhões de euros.

    person holding white printer paper
    Foto: D.R.

    A SPEV — uma antiga empresa do Grupo Efacec, agora controlada por uma empresa familiar denominada JKGC Ventures, com uma pequena participação da israelita Elmotech — tem vencido os concursos públicos lançados desde 2009, que constam no Portal Base. Mas em 16 anos só houve três concursos públicos: em 2017, em 2021 e em 2024. Mas a empresa foi beneficiando também de sucessivas adjudicações por ajuste directo. Segundo os dados disponíveis no Portal Base contam-se 20.

    No concurso público mais recente, a empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça para contestar o contrato ganho pela SPEV. Convém referir que a SuperCom não consta da lista do Portal Base onde surgem as empresas que se candidataram ao procedimento concursal, que inclui, além da SPEV, a portuguesa Contactus, a polaca Enigma Systemy Informacji e a brasileira Synergye Tecnologia da Informação.

    Independentemente do processo em tribunal, os serviços prisionais decidiram celebrar o contrato com a SPEV no passado dia 28 de Fevereiro , prevendo-se o fornecimento anual de serviços de vigilância electrónica até 2029. Se for renovado todos os anos, a empresa receberá quase 20,6 milhões de euros, com IVA incluído, ao longo de cinco anos.

    woman holding sword statue during daytime
    Foto: D.R.

    Este valor está abaixo do máximo previsto no concurso, que era de 24.319.737 euros, acrescido de IVA. Num anterior concurso, a SPEV também foi a escolhida para ficar com aquele negócio chorudo entre 2021 e 2025. E em meados de 2017 também ganhou um outro concurso para prestar serviços por dois anos e meio.

    Com o concurso mais recente a ir parar aos tribunais, a SVEP acabou por beneficiar de três contratos por ajuste directo, no valor global próximo dos dois milhões de euros, para garantir o funcionamento das pulseiras electrónicas por cinco meses, sempre com a fundamentação de que se tratava de uma “urgência imperiosa”.

    O primeiro ajuste directo, no valor de 582.171 euros (com IVA) foi assinado no passado dia 27 de Dezembro para a “aquisição de serviços de vigilância eletrónica, para execução de decisões judiciais, para o período de 01 de janeiro de 2025 a 14 de fevereiro de 2025”.

    Seguiu-se novo ajuste directo de igual valor, que foi assinado a 14 de Fevereiro, para abranger o período até 31 de Março. Mais recentemente, a 28 de Março, foi adjudicado novo contrato por ajuste directo, no valor 789.165 euros, para serviços a prestar até 31 de Maio.

    O serviço de pulseiras electrónicas prevê a monitorização de 1.100 indivíduos, vigiados por radiofrequência, e ainda 1.900 pessoas monitorizadas por geo-localização.

    Contactada pelo PÁGINA UM, os serviços de relações externas da DGRSP justifica os recentes ajustes directos por “o motivo de ‘urgência imperiosa’ [que] decorreu, e tem decorrido, da necessidade de assegurar a continuidade do serviço/fornecimento sem interrupções” em virtude da acção de “contencioso pré-contratual intentada após a realização de um concurso público com publicidade internacional”. A mesma fonte diz ainda que “as vicissitudes decorrentes da impugnação judicial impuseram a adopção de outros procedimentos, sem recurso à concorrência”, ou seja, o ajuste directo, mesmo se por valores bastante elevados.

    Segundo a DGRSP, “o motivo da escolha da SVEP para prestar este serviço prendeu-se com o facto de ser o actual fornecedor e, por esse motivo, o único habilitado a prestar o serviço de forma ininterrupta, ou seja, sem colocar em causa a missão da DGRSP”. Esta entidade destacou ainda a necessidade de manter o serviço em funcionamento, “em especial na parte que diz respeito às medidas de proibição de contactos resultante da violência doméstica, que representa mais de 60% da atividade relativa à vigilância eletrónica”.

    person holding Samsung Galaxy Android smartphone

    O PÁGINA UM ainda aguarda esclarecimentos da empresa israelita SuperCom, a qual esteve envolvida em alguma polémica, por questões de respeito de privacidade, uma vez que durante a pandemia de covid-19 reconverteu os seus equipamentos e tecnologias para vender serviços de vigilância de pessoas em quarentena.

    Seja como for, até estar resolvido o conflito em torno do concurso público, a SPEV deverá continuar a facturar com os contribuintes, através de ajustes directos assinados de dois em dois meses.

  • Tribunal Administrativo obriga Comissão da Carteira Profissional de Jornalista a mostrar ‘actas secretas’

    Tribunal Administrativo obriga Comissão da Carteira Profissional de Jornalista a mostrar ‘actas secretas’

    O Tribunal Administrativo de Lisboa deu provimento a uma intimação interposta pelo PÁGINA UM, condenando a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) a facultar as actas de reuniões do Plenário e do Secretariado, bem como elementos relativos a quinze processos disciplinares extintos por força da aplicação da Lei da Amnistia de 2023. A sentença, proferida na passada semana pelo juiz Ricardo Vilas Boas, salienta que os fundamentos invocados pela CCPJ para recusar o acesso careciam de qualquer base legal, considerando que o direito à informação administrativa por parte de um jornalista deveria prevalecer.

    Esta decisão põe por terra a postura obscurantista da CCPJ, que há anos mantém secretos os seus procedimentos, recusando mesmo o acesso às suas deliberações. Licínia Girão, a presidente cessante, defendeu uma visão restritiva e enviesada do acesso à informação, ao salientar que não se aplicava a norma legal específica que concede direitos especiais aos jornalistas no acesso a dados abrangidos pelo Regulamento Geral de Protecção de Dados.

    man in white t-shirt sitting beside woman in white t-shirt

    Por outro lado, com esta obrigação determinada pelo Tribunal Administrativo, ficará por esclarecer se o Secretariado da CCPJ tem funcionado de forma ilegal ao longo dos últimos anos. Isto porque Licínia Girão afirmou que o Secretariado da CCPJ – o órgão colegial e permanente deste órgão regulador e disciplinador dos jornalistas – “não elabora[va], obviamente, actas relativas às reuniões que realiza”. Ora, sendo um órgão colegial e tendo estatuto público, são obrigatórias actas de todas as reuniões do Secretariado da CCPJ, pelo que, caso se confirme mesmo a sua inexistência, todas as decisões tomadas pelos seus membros – Licínia Girão, Jacinto Godinho e Paulo Ribeiro – serão consideradas nulas.

    Por outro lado, a inexistência de actas em reuniões de um órgão colegial da Administração Pública pode implicar consequências disciplinares, civis e até penais para os agentes envolvidos, sobretudo quando resulte em violação de deveres funcionais ou em prejuízo para terceiros ou para o interesse público. Assim, os antigos membros do Secretariado da CCPJ, caso não existam mesmo actas, podem ser responsabilizados disciplinarmente por incumprimento dos deveres de documentar e fundamentar as deliberações, previstos no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas.

    Em certos casos, a omissão deliberada de actas pode configurar infracções mais graves, como falsificação por omissão ou abuso de poder, nos termos do Código Penal, bem como responsabilidade civil pelos danos causados, especialmente se se comprovar que a ausência de actas teve impacto directo em decisões administrativas ilegítimas ou prejudiciais.

    Jacinto Godinho (jornalista da RTP) e Licínia Girão foram dois destacados membros do Secretariado da CCPJ que ‘barraram’ o acesso à informação de colegas jornalistas e, aparentemente, despacharam centenas de actos administrativos sem actas.

    No caso do acesso aos processos disciplinares de jornalistas que foram amnistiados aquando da visita papal – e que a CCPJ queria manter secretos –, o juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa sublinhou ser “dever do requerente [director do PÁGINA UM] – ónus probatório – demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante que justifique o acesso à informação pretendida”, para em seguida reconhecer ser legítimo “sindicar, averiguar, investigar a verificação das condições legais que impunham a aplicação da amnistia”. O juiz salienta que o interesse da actividade jornalística é, neste caso, “constitucionalmente protegido, suficientemente relevante” e que o pedido foi formulado no respeito pelo princípio da proporcionalidade, não se tratando de um acesso indiscriminado ou abusivo, como defendia a CCPJ.

    Quanto à alegação da CCPJ de que o acesso pretendido violaria o RGPD, o juiz rejeitou essa interpretação, referindo que “não se está em presença de matéria confidencial ou que se possa configurar como relativa a dados pessoais de natureza íntima”, tais como saúde, orientação sexual, filiação religiosa ou convicções políticas. Pelo contrário, destacou que se trata de informações relacionadas com o exercício de funções públicas reguladas por lei, razão pela qual se impõe o dever de publicidade e de transparência administrativa.

    O juiz recorda que, mesmo nos casos em que os documentos contêm dados pessoais, a regra é o acesso e que a confidencialidade constitui excepção. Citou, a este respeito, doutrina jurídica que considera ser suficiente, em tais casos, “ponderar, no caso do requerimento de acesso a documentos nominativos com dados pessoais não sensíveis, o direito de acesso a documentos administrativos e o direito à privacidade”, sendo possível facultar o acesso com expurgo dos dados identificativos sempre que necessário.

    Paulo Ribeiro, ao centro, foi o terceiro membro do Secretariado da CCPJ, como representante dos órgãos de comunicação social, que se opôs aos pedidos do PÁGINA UM.

    Assim, e tendo em conta que os documentos solicitados não versam sobre dados sensíveis nem revelam elementos da vida íntima dos visados, o tribunal entendeu que “não se mostra admissível a recusa na prestação de informações”, acrescentando que o exercício do poder disciplinar está sujeito aos princípios da publicidade e da transparência. E realçou ainda que a própria Lei da Amnistia não impede a sindicância da legalidade da sua aplicação, sendo certo que “a determinação da sua aplicação tem natureza pública, podendo ser sindicada, inclusive judicialmente”.

    Por outro lado, contrariando a interpretação obscurantista da CCPJ, o juiz diz que, mesmo sabendo-se que a amnistia determina a extinção dos processos disciplinares, incluindo a sua publicitação, não é, em todo o caso, admissível invocar o esquecimento para furtar os actos administrativos ao escrutínio público. Até porque, deste modo, ficar-se-ia sem saber se a CCPJ teve processos disciplinares em ‘banho-maria’ ou aplicou a Lei da Amnistia em casos indevidos.

    A sentença ordenou assim à CCPJ a entrega, no prazo de dez dias úteis, dos elementos requeridos, com eventual expurgo de dados nominativos dos jornalistas ou entidades empregadoras, desde que não prejudiquem a compreensão das decisões. A sentença refere ainda expressamente que a recusa em cumprir no prazo fixado poderá implicar a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, embora a CCPJ possa ainda recorrer, se quiser manter a sua postura obscurantista.

    Sentença é mais um momento histórico contra o obscurantismo de entidades que deveriam defender a transparência.

    Além dos processos disciplinares e das actas do Secretariado, o tribunal obrigou igualmente a CCPJ a facultar “a consulta dos originais e cópia das actas de todas as reuniões do Plenário […] relativas aos anos de 2023 e 2024”. Sendo o Plenário um órgão colegial, obrigado a lavrar actas nos termos do Código do Procedimento Administrativo, o juiz salienta que não contêm “dados nominativos”, embora conceda que possam ser expurgados, nas reuniões em que tal ocorreu, os nomes dos jornalistas arguidos que beneficiaram da Lei da Amnistia.

    No entanto, os outros assuntos tratados terão de ser integralmente disponibilizados, entre os quais estarão as discussões em torno dos gastos de Licínia Girão è frente da CCPJ, incluindo o pagamento de serviços juríicos no valor de 6.000 euros para a antiga presidente desta entidade apresentar uma queixa judicial, entretanto abandonado, contra o director do PÁGINA UM.


    Este texto teve um direito de resposta de Licínia Girão que pode ser lido AQUI.


    N. D. O FUNDO JURÍDICO tem sido, através de donativos específicos dos leitores, a única forma que o PÁGINA UM tem de suportar os encargos com honorários e taxas de justiça, que, por regra, numa primeira fase, atingem sempre valores acima de 500 euros, acrescidos de mais gastos se houver recursos. Aliás, convém recordar que o PÁGINA UM intentou já 25 intimações, além de estar envolvidos em outros processos judiciais, entre os quais quatro processos-crime contra o seu director. .

  • Em duas eleições legislativas, votos no estrangeiro custam 20 milhões de euros

    Em duas eleições legislativas, votos no estrangeiro custam 20 milhões de euros

    Cada voto concretizado nas Legislativas do ano passado por eleitores recenseados no estrangeiro teve um custo médio de 24,4 euros – e a factura global chegou aos 8,13 milhões de euros. Este montante ainda deverá sofrer um acréscimo significativo nas próximas eleições de Maio: na passada sexta-feira, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna celebrou um contrato por ajuste directo com os CTT que prevê um gasto de até 11,75 milhões de euros, ou seja, um agravamento do preço de quase 45%.

    No contrato agora assinado – ao contrário daquele que foi estabelecido no ano passado –, não estão discriminados os preços unitários por expedição nem pela resposta sem franquia (RSF), apenas cobrada, neste caso, se o eleitor enviar o seu voto. Em função da taxa de abstenção, que se reflectirá no custo referente aos votos endereçados por RSF, o custo poderá ascender aos 35 euros por voto. O PÁGINA UM ainda não conseguiu apurar a causa para o forte agravamento do preço unitário, tanto mais que o caderno de encargos não consta no Portal Base.

    a person is casting a vote into a box

    De acordo com os números provisórios, existem actualmente cerca de 1,6 milhões de eleitores portugueses no estrangeiro com capacidade de voto, sendo que, de acordo com o contrato celebrado no passado dia 4 de Abril, cerca de 953 mil viverão em países europeus – que elegem dois deputados. Noutros continentes estão recenseados 647 mil eleitores, dos quais 73 mil nos Estados Unidos, que são destacados no contrato por os serviços postais serem substancialmente superiores.

    Para as eleições de 10 de Março do ano passado – cujo contrato somente foi disponibilizado no Portal Base em 26 de Março deste ano –, previa-se um custo de envio dos boletins de voto para todos os eleitores na ordem dos 7,4 milhões de euros, a que acresciam mais quase 2,6 milhões de euros de custos de RSF. Porém, a taxa de abstenção terá sido superior ao esperado, pelo que o contrato acabou por se fixar em quase 8,13 milhões de euros.

    Recorde-se que, nas Legislativas do ano passado, de um universo de 1.546.747 inscritos no estrangeiro, votaram apenas 33.520, ou seja, registou-se uma taxa de abstenção de cerca de 78%. A abstenção no círculo Fora da Europa – que elegeu um deputado da Aliança Democrática e outro do Chega – atingiu quase 84%: votaram apenas 98.866 eleitores num universo de 609.436 inscritos. Em países africanos, a abstenção foi de quase 95% e, mesmo no Brasil, foi de um pouco mais de 78%. No caso da Europa, a taxa de abstenção global rondou os 75%, tendo votado quase 235 mil eleitores num universo de 937 mil, para eleger um deputado do Chega e outro do Partido Socialista.

    Note-se, contudo, que, devido às especificidades para cumprimento da validade destes votos vindos do estrangeiro, as quantidades de votos nulos foram avassaladoras. Apenas são considerados válidos os votos que sejam acompanhados por cópia de um documento de identificação, o qual deve ser colocado dentro do envelope branco, mas fora do envelope verde, que deve conter apenas o boletim de voto. Ora, em imensos casos tal não se verifica, o que leva à anulação do voto.

    Nas Legislativas do ano passado, foram considerados nulos mais de 38 mil votos no círculo Fora da Europa, que corresponderam a 32,4% dos votos enviados. Os votos nulos superaram mesmo a percentagem da Aliança Democrática (22,9%), a força partidária que ficou em primeiro lugar.

    Similar situação ocorreu no círculo da Europa, mas de forma ainda mais agravada: 38,5% dos votos enviados foram considerados nulos – uma percentagem que foi mais do dobro da alcançada pelo Chega (18,3%), o partido mais votado.

    O contrato celebrado para as Legislativas do próximo mês de Maio é o de maior valor celebrado com entidades públicas para prestação de serviços postais pelos CTT, constituindo uma importante fatia de negócio. Mas não se sabe a verdadeira dimensão. De facto, para envio dos boletins de voto e posterior recepção, somente constam no Portal Base os contratos com os CTT para a gestão do envio e RSF das Legislativas de 2024 e 2025, embora se saiba que este serviço foi prestado em anos anteriores pelos CTT.

    Por exemplo, nas eleições Legislativas de 2022, os CTT até acabaram por ter um “bónus” de 4,6 milhões de euros, depois de o Tribunal Constitucional ter mandado repetir as eleições na sequência da mistura de milhares de votos válidos e inválidos. Os juízes detectaram “procedimentos anómalos” no apuramento dos votos daquele círculo, uma vez que a maioria das mesas validou votos sem a obrigatória cópia da identificação do eleitor.

  • Tribunal manda repetir eleições da Ordem dos Psicólogos por irregularidades graves

    Tribunal manda repetir eleições da Ordem dos Psicólogos por irregularidades graves

    O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa considerou admissível a acção intentada por quatro candidatos da lista derrotada nas eleições da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), realizadas em finais de Novembro do ano passado. Sofia Ramalho, a actual bastonária, que tomou posse poucos dias depois do mais recente Natal, deverá ter de ir novamente a votos, sanando as «irregularidades graves» apontadas pelo juiz António Gomes da Silva na sentença de hoje, à qual o PÁGINA UM teve acesso.

    Na origem da acção estavam denúncias de falhas graves no processo eleitoral, promovida pela direcção da qual Soficaa Ramalho fizera parte – no mandato de Francisco Miranda Rodrigues –, com destaque para a gestão caótica da votação electrónica, que impediu muitos psicólogos de votarem. Segundo ficou provado, a empresa Multicert, contratada para gerir o sistema de votação, reenviou códigos de acesso (PINs) a 199 eleitores no próprio dia das eleições, mas apenas 12 destes conseguiram votar. Além disso, os critérios para esse reenvio foram alterados no decurso do acto eleitoral e aplicados de forma opaca.

    a man holds his head while sitting on a sofa

    O tribunal considerou que os autores – todos candidatos pela ‘Lista A’ e também eleitores – tinham legitimidade para impugnar o acto, frisando que a acção era tempestiva e juridicamente válida. Relevou igualmente que a Mesa Eleitoral integrava membros com vínculos directos a listas candidatas, o que levantava «sérias dúvidas sobre a imparcialidade» do órgão responsável pela condução do processo.

    Entre os episódios relatados consta ainda a violação do período de campanha eleitoral, com um candidato da lista vencedora a enviar mensagens de apelo ao voto no próprio dia da votação. O tribunal sublinhou que as eleições numa ordem profissional regem-se pelos princípios constitucionais do sufrágio universal, secreto, directo e livre, sendo exigida à OPP uma conduta administrativa irrepreensível.

    A decisão judicial do Tribunal Administrativo não invalida de imediato os resultados eleitorais, sendo passível de recurso, embora a análise do juiz António Gomes da Silva se mostre bem sustentada ao longo das 40 páginas da sentença.

    Sofia Ramalho, bastonária da Ordem dos Psicólogos, viu o Tribunal Administrativo anular o acto eleitoral por irregularidades graves.

    O juiz salienta que a acção de impugnação é «totalmente procedente, por fundada e provada», designadamente pela incapacidade de “pelo menos 218 eleitores” exercerem “o direito de voto com o código de acesso”. Registaran-se também casos de pedidos de reenvio do PIN por requerentes que nem sequer constavam da base de dados. E houve mesmo quem recebeu os códigos apenas dois minutos antes do encerramento do acto eleitoral.

    O até agora curto mandato de Sofia Ramalho tem sido pautado por outras polémicas, a última das quais a elaboração de um guia sobre desinformação, em estilo de catecismo, onde até se apontam consequências mentais. A bastonária, que antes ocupara o cargo de vice-presidente do Conselho Geral, vencera as eleições de Novembro com uma margem curta: obteve 2.834 votos contra os 2.704 da lista liderada por Ana Conduto e os 1.634 votos de Eduardo Carqueija. Ao contrário daquilo que sucede com as Ordens dos Médicos e dos Advogados, no caso dos psicólogos não é necessária segunda volta se o candidato mais votado obtiver a maioria no escrutínio.

  • Informática: Só nos útimos cinco anos houve 15 contratos públicos de mais de 5 milhões de euros

    Informática: Só nos útimos cinco anos houve 15 contratos públicos de mais de 5 milhões de euros

    Suspeitas de uma fraude em contratos no valor de 17 milhões de euros — e que levaram hoje a 75 buscas em organismos do Estado, escritórios e outras instituições — pode parecer montante chorudo, mas, no contexto dos contratos públicos no sector da informática e tecnologias de informação, acaba por ser uma parcela relativamente pequena.

    Embora a identidade das empresas visadas pela investigação não tenha sido tornada pública, algumas das entidades públicas alvo de buscas foram reveladas, entre as quais o Banco de Portugal, o Instituto dos Registos e do Notariado e a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça, bem como a Agência para a Modernização Administrativa e a EPAL.

    gray and black laptop computer on surface

    De acordo com um levantamento rápido do PÁGINA UM para uma primeira avaliação do mundo dos contratos públicos, recorrendo aos dados disponíveis no Portal BASE, este é um negócio que mobiliza centenas de milhões de euros. Apenas com uma simples pesquisa pela palavra “Informática” na descrição dos contratos, o lote dos 500 maiores contratos registados (todos acima dos 500 mil euros, sem IVA) atinge um montante total de 763 milhões de euros. Com IVA incluído, este valor ascende a aproximadamente 939 milhões de euros.

    Destes contratos, 225 têm valores unitários superiores a um milhão de euros, totalizando um valor global de 567,7 milhões de euros. Nos útimos cinco anos foram celebrados 15 contratos acima dos 5 milhões de euros, incluindo assim três com valores superiores a 10 milhões de euros. Estes valores demonstram o peso colossal deste sector na despesa pública.

    Perante este universo, a fraude agora sob investigação — embora relevante — representa uma ínfima fracção dos investimentos realizados nos últimos anos em serviços informáticos, software, licenciamento e infraestruturas digitais para a Administração Pública.

    white robot near brown wall

    Uma análise detalhada aos contratos com valores acima de 500 mil euros permite ainda identificar os organismos do Estado que mais têm investido em tecnologias de informação. O Instituto de Informática, responsável por múltiplas plataformas críticas da Segurança Social, lidera de forma destacada com um total de 304.567.835 euros em contratos desta natureza. Segue-se a Autoridade Tributária e Aduaneira, com 79.904.388 euros, e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, com 39.309.515 euros.

    A Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência surge com 31.262.054 euros, à frente do Banco de Portugal, com 19.992.006 euros, e do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), com 18.119.608 euros. A Direcção-Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos (16.274.541 euros), a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (15.326.438 euros), a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (13.447.001 euros) e o Instituto dos Registos e do Notariado (11.161.059 euros) completam o grupo das dez entidades com maiores investimentos no sector. Saliente-se que os valores serão superiores, uma vez que esta análise se circunscreve aos contratos acima de meio milhão de euros e não inclui aqueles que, mesmo sendo do sector da tecnologia de informação, não tenham a palavra “Informática” na denominação.

    O contrato de maior valor identificado pelo PÁGINA UM diz respeito à aquisição de computadores e outros equipamentos tecnológicos, no montante de 14,8 milhões de euros, adjudicado por concurso público à Informantem, em Dezembro de 2020, pela Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência.

    woman in black top using Surface laptop

    Em segundo lugar, surge um contrato de 14 milhões de euros celebrado em Agosto de 2017 pelo Banco de Portugal, por concurso limitado por prévia qualificação, com um agrupamento de empresas liderado pela MEO, Claranet, Widesys e Altran Portugal. O terceiro contrato envolveu também a Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência, com um valor de quase 11,2 milhões de euros, beneficiando a Inforlândia em Outubro de 2020. Foi um contrato por ajuste directo para aquisição de computadores portáteis nos tempos da pandemia.

    Entre os contratos mais volumosos surgem também duas adjudicações da SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, ambas datadas de 2022, e ambas por concurso público, com valores de 8.725.405,96 euros e 8.435.438 euros, atribuídas à WWS, Normática e Timestamp, para aquisição de licenciamento Oracle e respectivos serviços de suporte. A Autoridade Tributária e Aduaneira surge com múltiplos contratos milionários: em 2023, contratou por um pouco mais de 8 milhões de euros um conjunto de cinco tipos de software Oracle à Forecast IT e à Normática, e em 2021, por 8,6 milhões de euros, contratou à Timestamp e à WWS o upgrade das plataformas Exadata e BigData.

    Já em 2023, o Instituto de Gestão Financeira da Educação adjudicou à Normática e à WWS, por 4,1 milhões de euros, serviços de administração de bases de dados e clusters para a Plataforma Digital da Educação. Noutro caso, o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas contratou a Informática El Corte Inglés por 4,2 milhões de euros, em 2020, para implementação de um sistema de disaster recovery.

    A person is holding a credit card in their hand

    A Secretaria-Geral do Ministério da Justiça surge também com um contrato relevante: em 2023, adjudicou por quase 3,8 milhões de euros, por concurso público, a um consórcio liderado pela Accenture e pela Tech-Avanade, para serviços de desenvolvimento de software. Outro caso digno de nota é o do Instituto de Informática, que celebrou vários contratos por valores superiores a três milhões, incluindo um com a Unisys, em 2023, no valor de 3,4 milhões de euros, por ajuste directo, e outro com a CGITI Portugal, também em 2023, por quase 3,3 milhões de euros, ao abrigo de acordo-quadro.

    Apesar de existirem largas dezenas de empresas contratadas, algumas em consórcio, destacam-se algumas pelo volume de negócios com entidades públicas, entre as quais a Normática (que lidera), a MEO, a ATOS II, a Informantem e a Informática do El Corte Inglês. Porém, este é um sector multifacetado e especializado, pelo que em alguns contratos haja uma forte dependência da Administração Pública relativamente a grandes operadores.


  • Gaza transformou-se num ‘cemitério de jornalistas’

    Gaza transformou-se num ‘cemitério de jornalistas’

    São números avassaladores. Desde Outubro de 2023, a retaliação de Israel na Faixa de Gaza tornou-se o conflito mais letal para os profissionais da imprensa, registando um recorde impressionante de 232 mortes, das quais 37 num único mês. Estes números ultrapassam largamente os valores registados em grandes conflitos do século XX e transformam a Faixa de Gaza num verdadeiro “cemitério de jornalistas”.

    O relatório Costs of War: The Reporting Graveyard, assinado pelo jornalista e investigador Nick Turse, ontem revelado com a chancela do Watson Institute da Universidade de Brown, apresenta uma investigação aprofundada sobre a violência contra os trabalhadores dos media em zonas de guerra – e o sanguinário conflito de Gaza –, mesmo numa região com cerca de metade da superfície da ilha da Madeira, embora com mais de dois milhões de habitantes.

    Além das mortes, o relatório apresenta as crescentes pressões e formas de limitar a cobertura de conflitos por meio de uma variedade de mecanismos, desde políticas repressivas até ataques armados, fomentando uma cultura de impunidade e transformando zonas de guerra como a Síria e Gaza em “cemitérios de notícias”. De acordo com Nick Turse, a guerra em Gaza matou, desde 7 de Outubro de 2023, mais jornalistas do que a Guerra Civil dos Estados Unidos, as I e II Guerras Mundiais, a Guerra da Coreia, a Guerra do Vietname (incluindo os conflitos no Camboja e Laos), as guerras na Jugoslávia nas décadas de 1990 e 2000, e a guerra no Afeganistão pós-11 de Setembro. Mas não de forma isolada. Todas juntas. Segundo Turse, “é pura e simplesmente o pior conflito de sempre para jornalistas”.

    Com efeito, na Ucrânia estão, por agora, contabilizados 29 jornalistas mortos, incluindo o período da guerra no Dombass iniciada em 2014. As duas décadas de guerra no Afeganistão, entre 2001 e 2021, causaram cerca de sete dezenas de mortes, embora os números reais sejam incertos. As guerras resultantes do desmembramento da Jugoslávia também causaram largas dezenas de vítimas entre a imprensa, mas também muito aquém dos valores atrozes de Gaza. E mesmo conflitos de dimensão territorial vasta tiveram menos vítimas. Por exemplo, a II Guerra Mundial causou a morte a 67 jornalistas, enquanto as guerras do Vietname, Cambia e Laos provocaram a morte de 71 jornalistas estrangeiros e locais.

    O número decrescente de correspondentes experientes em zonas de conflito prejudica, destaca o relatório, o conhecimento crítico e facilita a elevada mortalidade dos profissionais da informação, quase todos da imprensa palestiniana. E sucede um efeito de bola de neve: quanto mais mortes, menos ‘apetecível’ se mostra enviar jornalistas da imprensa mainstream para esses locais. Em Gaza, por exemplo, a proibição israelita de entrada de jornalistas estrangeiros, aliada ao assassinato indiscriminado de repórteres palestinianos, significa que há muito menos jornalistas capazes de traduzir e relatar o que se passa naquela região ao público ocidental, especialmente ao norte-americano. Isto mostra-se particularmente problemático, considerando-se, como salienta o relatório e Nick Turse, que os Estados Unidos aprovaram cerca de 18 mil milhões de dólares em assistência militar a Israel no ano que se seguiu a Outubro de 2023.

    No que diz respeito a Gaza, o relatório evidencia que a política de restrição de acesso a correspondentes estrangeiros, imposta pelo governo israelita, tem agravado sobremaneira a situação dos jornalistas locais. Com os repórteres internacionais impedidos de aceder à região, o fardo da cobertura recai sobre profissionais locais – frequentemente desprovidos dos recursos e apoios necessários para enfrentar condições extremas. Esta “externalização do risco” implica não só a perda irreparável de vidas, mas também o enfraquecimento da qualidade e da imparcialidade da informação disponível ao público.

    Contudo, Turse amplia a análise para outros conflitos que também assinalam elevados níveis de violência contra a imprensa. O estudo aborda, por exemplo, as zonas de guerra no Iraque e na Síria, onde a prática de privar os jornalistas do apoio institucional e de garantir o acesso a áreas de conflito contribuiu para um elevado número de vítimas ao longo das últimas décadas. No Afeganistão, as condições extremas e a instabilidade política têm permitido que o trabalho de correspondentes seja marcado por um risco constante, onde cada reportagem pode significar a diferença entre a vida e a morte. Outras regiões, como a República Democrática do Congo e o Sahel, em África, também figuram na análise de Turse, que evidencia como a violência – muitas vezes perpetrada por milícias ou forças armadas sem escrúpulos – se torna um factor determinante na qualidade e na continuidade da cobertura jornalística.

    Além dos números devastadores, o relatório sublinha o impacto humanitário e psicológico dessa violência extrema. Histórias trágicas, como a do repórter Samer Abudaqa – gravemente ferido num ataque sem receber socorro atempado, vindo a sucumbir aos ferimentos – ilustram de forma pungente o custo humano de uma guerra que silencia vozes críticas. Cada vida perdida não é apenas uma estatística chocante; é o encerramento de uma narrativa que contribuía para a memória colectiva e para a promoção de um debate público fundamentado.

    Mortes de profissionais de imprensa nos principais conflitos bélicos. Fonte: Nick Turse.

    Outro aspecto crucial é a destruição de infraestruturas associadas à comunicação social. Em Gaza, cerca de 90 centros de imprensa foram eliminados pelas forças militares de Israel, prejudicando gravemente a capacidade de documentar e transmitir informações fiáveis e verificadas. Esta realidade alimenta a propagação de narrativas distorcidas e perpetua um ciclo de impunidade, uma vez que os responsáveis pelos ataques raramente são punidos, o que fragiliza a confiança do público na capacidade do jornalismo de servir de vigilante democrático.

    Adicionalmente, a investigação de Nick Turse denuncia uma crise estrutural que afecta a indústria jornalística global. A retirada progressiva dos correspondentes estrangeiros, aliada ao encerramento de redacções e à redução de postos de trabalho – fenómeno que tem originado verdadeiros “desertos de notícias” em territórios como os Estados Unidos – está a comprometer a existência de uma cobertura abrangente e imparcial dos acontecimentos.

    E, como se salienta no relatório, sendo por de mais evidente, esta crise não só empobrece o debate público como mina a função do jornalismo enquanto “quarto poder”, essencial para a fiscalização dos governos e para a salvaguarda dos direitos democráticos.

    Os números apontados pelo relatório de Nick Turse chegam a ser mais elevados do que aqueles apresentados hoje pelo Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) que indica pelo menos 173  jornalistas e profissionais da media estarão entre as mais de  dezenas de milhares de pessoas mortas em Gaza, Cisjordânia, Israel e Líbano desde o início da guerra. Destes, 165 eram palestinianos, dois israelitas e seis libaneses. O CPJ identificou ainda 13 jornalistas e dois trabalhadores da media como alvos directos de ataques israelitas que classifica como assassinatos, estando em investigação outros 20 casos com fortes indícios de segmentação deliberada.

    Na semana do aniversário da guerra, em Outubro de 2024, dois jornalistas foram mortos e três feridos, o que levou o CPJ a renovar o seu apelo pelo fim da impunidade. A organização documenta ainda 59 jornalistas feridos, dois desaparecidos, 75 detidos e regista uma multiplicidade de agressões, ameaças, ataques cibernéticos, censura e até assassinatos de familiares.

  • Comissão da Carteira de Jornalista perdeu 45% do seu património em dois anos

    Comissão da Carteira de Jornalista perdeu 45% do seu património em dois anos

    Financeiramente desastroso: o mandato de três anos de Licínia Girão deixou um rasto desolador nas contas da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), o órgão de acreditação e de disciplina da classe. À frente da entidade desde Maio de 2022, Licínia Girão – uma jornalista que trabalhou sobretudo em jornais regionais – imprimiu, ao longo do seu mandato, uma postura despesista que, agora, está reflectida nas contas: nos anos de 2023 e 2024, o prejuízo acumulado foi de quase 154 mil euros, ou seja, os fundos patrimoniais da CCPJ regrediram 45%, passando de 347.264 euros para apenas 192.511. Significa isto que mais três anos de gestão com o nível de desempenho de Licínia Girão ditariam a falência deste órgão.

    Esta erosão patrimonial, inédita na história da CCPJ, até coincide com um aumento das receitas, que são quase em exclusivo provenientes dos emolumentos pagos pelos jornalistas para exercerem a sua actividade, uma vez que, apesar de ser uma entidade pública, o Estado apenas lhe concede um apoio de 50 mil euros. Com efeito, o ano passado até bateram um recorde, cifrando-se em mais de 262 mil euros, o que contrasta, por exemplo, com os cerca de 196 mil euros em 2020.

    Licínia Girão desempenhou funções de presidente da CCPJ desde Maio de 2022, ainda não tendo sido encontrado substituto.

    O grande ‘problema’ da CCPJ acabou por ser um aumento absurdo nos gastos gerais e, sobretudo, dos honorários por prestações de serviços e das remunerações aos órgãos sociais, isto é, aos membros do Plenário e, em especial, do Secretariado, onde Licínia Girão esteve em permanência, coadjuvada pelo seu ‘braço direito’, Jacinto Godinho, jornalista da RTP.

    De facto, a rubrica de fornecimentos e serviços externos – que em 2020 e 2021 foi, respectivamente, de 83 mil e 58 mil euros – saltou, no mandato de Licínia Girão, sempre para cima dos 100 mil euros: 107.426 euros em 2022, 124.064 euros em 2023 e 147.568 euros no ano passado. Uma parte desta despesa foi para honorários diversos, não revelados nas contas, que chegaram a atingir os 67 mil euros, quando, por exemplo, em 2021 tinham sido de apenas 417 euros.

    Uma parte substancial deste agravamento de custos esteve associada à própria presidente da CCPJ que, apesar de viver em Coimbra e sem actividade jornalística conhecida nos últimos anos, aparentou dedicar-se profissionalmente à liderança desta entidade. Assim, além das despesas de transporte e estadias, houve uma outra rubrica que disparou: as remunerações aos órgãos sociais.

    CCPJ teve receitas recorde em 2024, mas apresentou prejuízos pelo terceiro ano consecutivo.

    Apesar de ser uma entidade pública, a CCPJ sempre se recusou a divulgar os valores das senhas de presença e outras remunerações usufruídas pelos seus membros, sendo certo que formalmente não têm salários – ou seja, os membros do Secretariado (três jornalistas), que tratam do expediente, e os do Plenário (que incluem os restantes seis), recebem apenas pelas suas presenças. A revelação dos valores é uma das causas para uma intimação do PÁGINA UM contra a CCPJ que ainda corre nos tribunais administrativos.

    Independentemente disso, as contas da CCPJ revelam agora que as despesas com os órgãos sociais – que o PÁGINA UM sabe estarem associadas sobretudo a pagamentos a Licínia Girão – dispararam sobretudo em 2023 e 2024. Na análise às contas do último quinquénio, verifica-se que, nos dois anos civis em que a CCPJ foi liderada por Leonete Botelho, jornalista do Público, as remunerações de todos os elementos dos órgãos sociais atingiram os 18.124 e os 22.295 euros, respectivamente em 2020 e 2021. No ano de 2022, que incluiu o início do mandato de Licínia Girão (que entrou em funções em Maio), essa rubrica subiu para 26.311 euros, ou seja, ainda de forma moderada.

    Porém, e atendendo a que não se está perante órgãos com salário, o acréscimo de remunerações dos órgãos sociais foi bastante relevante: quase 41 mil euros em 2023 e aproximadamente 50 mil euros no ano passado. Tudo isto com senhas de presença. A forma de gestão de Licínia Girão da CCPJ levou mesmo à demissão de três membros da CCPJ – Anabela Natário, Isabel Magalhães e Miguel Alexandre Ganhão –, que bateram com a porta, com estrondo, em Outubro do ano passado.

    man in white t-shirt sitting beside woman in white t-shirt

    No rol de acusações conhecidas aquando das cartas de renúncia, constam as excessivas despesas, sobretudo pelo uso indiscriminado de senhas de presença, de Licínia Girão – que reside em Coimbra, não tendo actividade jornalística conhecida nos últimos anos –, bem como as suas tentativas de ‘reorientar’ as funções da CCPJ de acreditação e acção disciplinar para passar a exercer também como ‘centro de formação’, e ainda o facto de ter metido despesas de honorários de advogados para tratar de questões pessoais.

    O PÁGINA UM pediu comentários e esclarecimentos à CCPJ sobre a sua situação financeira, que remeteu uma resposta para depois da escolha da nova presidência, a eleger por cooptação pelos quatro membros eleitos pelos jornalistas e pelos quatro membros indicados pelos órgãos de comunicação social.

  • Estalou o verniz: eleições para a Ordem dos Advogados transformadas em ‘circo’ e em ‘latrina’

    Estalou o verniz: eleições para a Ordem dos Advogados transformadas em ‘circo’ e em ‘latrina’

    As eleições para o cargo de bastonário da Ordem dos Advogados, cuja derradeira segunda volta se realiza esta segunda-feira, entraram em clima de ‘guerra aberta’, de confrontação clara, depois da actual bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro – que passou à segunda volta com João Massano – ter enviado uma mensagem de correio electrónico aos colegas da classe, acusando de forma directa os seus opositores de estarem ao serviço da ASAP – Associação das Sociedades de Advogados de Portugal. O conteúdo e sobretudo o tom da missiva de Fernanda de Almeida Pinheiro – que obteve 33% dos votos na primeira volta, contra 30% de Massano – está a causar ‘ondas de choque’ na rede social LinkedIn, plataforma de excelência onde proliferam os advogados.

    Apesar de a comunicação da actual bastonária não estar em circulação, o PÁGINA UM teve acesso integral ao seu conteúdo, com o sugestivo título de “Finalmente, tudo se revelou”, que é extremamente duro, dir-se-ia panfletário. Começa logo por acusar João Massano e José Costa Pinto – que ficou em terceiro lugar na primeira volta com 25% – de serem “meros peões da ASAP”, ou seja, da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal. Segundo Fernanda de Almeida Pinheiro, a ASAP representa interesses contrários aos da maioria dos advogados, sobretudo dos que exercem em prática individual ou em pequenas sociedades.

    Fernanda de Almeida Pinheiro, actual bastonária.

    “O puzzle está completo!”, lê-se na missiva. “Agora está claro quais são os interesses representados por estas candidaturas: os da ASAP, que pretende ‘repensar’ o acesso ao direito e manter intocada a CPAS [Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores].”

    A mensagem enumera diversos nomes ligados à candidatura de João Massano, com a indicação expressa das sociedades onde trabalham, incluindo os nomes de Eduarda Proença de Carvalho e André Matias de Almeida (Proença de Carvalho), Manuel Protásio (Vieira de Almeida), Paula Ponces Camanho (Morais Leitão & Associados), todos com cargos relevantes em sociedades associadas da ASAP.

    Também a lista de José Costa Pinto – agora afastado da segunda volta, mas que já declarou apoio a Massano – é alvo de denúncia por integrar membros de sociedades com vínculos à mesma associação, entrte os quais Gonçalo Gama Lobo (Gama Lobo Xavier, Luís Teixeira e Melo & Associados), Félix Bernardo (Caldeira Pires & Associados), Joana Whyte (Telles de Abreu & Associados), João Martins Costa (José Pedro Aguiar-Branco & Associados) e Paulo Saragoça da Matta (DLA Piper).

    João Massano passou à segunda volta a curta distância da actual bastonária.

    A bastonária em funções alerta para os riscos de se entregar a Ordem dos Advogados a interesses que, segundo ela, pretendem “repensar” o regime de acesso ao direito manter a actual caixa de previdência (CPAS) sem reformas estruturais. Os efeitos, avisa, podem ser “devastadores”, avisa na missiva, nomeadamente para os profissionais mais vulneráveis: “Advogados/as em prática individual podem ver a sua actividade ameaçada. Pequenas e médias sociedades podem ser gravemente prejudicadas. Até associados das grandes sociedades, que há muito reivindicam direitos laborais, podem ver as suas expectativas frustradas.”

    Considerando que a carta de Fernanda de Almeida Pinheiro se assemelha a um “alerta admonitório” – uma advertência formal com intuito de repreensão e censura com intenção correctiva –, o antigo bastonário Rogério Alves manifestou-se este fim-de-semana no LinkedIn contra “um texto insólito […] com marcado perfil sindical, fora da órbita do que a Ordem é e deverá continuar a ser”. Para Rogério Alves, que liderou esta estrutura profissional de 2005 a 2007, “os debates entre advogados devem ser pautados pela cordialidade e pela urbanidade e não por linguagem comicieira”, acrescentando que “a Ordem deve unir e agregar, sem fomentar uma espécie de luta de classes, mais a mais feita sem classe”. E considera que o debate deve ser feito “sem ataques pessoais, sem desrespeito pelos colegas e pelas suas opiniões”.

    Alguns dos visados peça actual bastonário também têm reagido ao longo dos últimos dias através de comentários no LinkedIn. É o caso de Paulo Saragoça da Matta, mandatário de José Costa Pinto, que acusa Fernanda de Almeida Pinheiro de andar “com e-mails e publicações de insulto e mentira nas redes de diversão que usa para granjear apoios ao engano”. Para este advogado, “a Sra. Bastonária não só transformou a Ordem num Circo”, colocando o emoji de uma tenda, “como  está de cabeça perdida pois vai perder a ten[ç]a gulosa”, terminado por a acusar de transformar a campanha eleitoral numa “latrina”. E prognostica: “Vai enterrar-se tanto que nem de andas sai da valeta que escava…”.

    Os dois principais visados – José Costa Pinto e João Massano, agora apoiado pelo primeiro – mantêm silêncio sobre a agressiva missiva de Fernanda de Almeida Pinheiro. Na passada sexta-feira, já depois do polémico e-mail da bastonária, José Costa Pinto apelou ao voto em João Massano, considerando que “num momento crítico para a Advocacia, não há lugar a neutralidades, a conveniências pessoais ou estados de alma: a escolha deve ser informada pelo compromisso firme de servir a Classe e de proteger a Instituição que a representa”.

    Quanto a João Massano – que assegurará a eleição se conseguir juntar os ‘seus votos’ aos de José Costa Pinto –, tem passado os últimos dias a divulgar apenas uma lista de apoios, incluindo com gravações, nas redes sociais, sobretudo no LinkedIn. Até porque tem sido sobretudo aí, nesta rede social, que muito desta campanha eleitoral se tem desenrolado com maior ou menor fel.