O Banco Central Europeu (BCE), liderado pela inefável e cadastrada Christine Lagarde, voltou a subir a taxa directora; desta vez, em 50 pontos base. De imediato, as taxas de juro Euribor, os principais indexantes dos empréstimos à habitação na Zona Euro, subiram para máximos de 14 anos.
Vamos já ao que interessa: a Euribor a 12 meses encontra-se em máximo de 14 anos, cotando acima dos 3%. Esta subida teve lugar a partir do início de 2022, quando se tornou evidente que o agravamento da taxa de inflação não era transitória e vinha para ficar.
Qual será o impacto desta recente subida para a maioria das famílias portuguesas, em particular aquelas com um crédito à habitação indexado a uma taxa variável, como é o caso da Euribor a 12 meses?
A situação afigura-se dramática. Analisemos o impacto da recente subida (+3,1%) e comparemos com os valores no final de 2021 (-0,5%), usando o exemplo de um crédito à habitação de 150 mil euros, indexado à Euribor a 12 meses e com um spread de 1,5%, usando dois cenários: (i) financiamento a 30 anos; e (ii) a 40 anos.
No caso do cenário de financiamento a 30 anos, o acréscimo da prestação é de 283 euros, resultando numa subida de 60%, passando de uma renda mensal de 482 euros para 765 euros. O cenário de financiamento a 40 anos apresenta um pior agravamento, dado que a renda mensal sobe 80%, passando de 379 euros para 680 euros!
Evolução da taxa de juro Euribor a 12 meses (%) entre Janeiro de 2020 e Dezembro de 2022. Fonte: Euribor. Análise do autor.
A pergunta que se coloca é a seguinte: será que tudo isto foi deliberado? Será que tudo assenta num plano para destruir a população, tornando-a insolvente, dependente do Estado e em risco de perder a sua propriedade mais preciosa: a sua casa?
Para se controlar uma população, importa eliminar as pessoas com um rendimento independente. Quem é mais independente: o dono de um café que depende apenas dos seus clientes ou um funcionário público que depende do Estado? É óbvio que o segundo, dado que este depende de uma entidade terceira, em lugar de procurar a satisfação das necessidades dos seus clientes.
Por essa razão, os regimes comunistas são particularmente difíceis de derrubar, precisamente por não existirem pessoas com rendimento independente: todos se encontram na folha salarial do Estado, atendendo que este detém todos os meios de produção. É sempre difícil revoltar-me contra aquele que me põe a comida no prato!
Fonte: Euribor. Análise do autor.
Aparentemente, parece ser esse o propósito do escol das sociedades ocidentais: tornar a população dependente, obnóxia e subserviente ao Estado.
Para esse fim, é necessário destruir todos os pequenos negócios; precisamente o que foi feito durante a suposta pandemia durante os dois últimos anos e meio: encerrá-los, endividá-los e desesperá-los, por forma a que se alistem nas filas de esmolas estatais.
Já repararam que o actual Governo não reduz impostos, permitindo que as pessoas fiquem com mais dinheiro no seu bolso; em seu lugar, temos a caridade, proveniente da cobrança coerciva de impostos. Primeiro pagas; se te portares bem, talvez recebas uma esmola!
Mas isto não era suficiente, era necessário mais. Muitas franjas das sociedades ocidentais ainda possuem um grande apreço ao livre mercado, ao empreendedorismo e à liberdade. Era necessário criar uma inflação massiva, visando confiscar vasta quantidade de recursos dos cidadãos a favor do Estado. Desta forma, este poderia passar a distribuir sinecuras e benefícios à sua clientela partidária e, medida suprema e emblemática, criar o rendimento mínimo universal.
Em 2020, à boleia da fraude pandémica, anunciando-se a salvação da população de uma recessão iminente, colocaram-se as rotativas do BCE a funcionar a toda a velocidade; até existiram uns apaniguados do regime a pedir tal acção aos quatro-ventos: “Hora de ligar as rotativas do BCE sem limites”.
Eles pediram, a Sra. Lagarde deu-lhes: imprimindo 3,8 biliões de euros (12 zeros), cerca de 19 vezes o Produto Interno Bruto português, entre o início de 2020 e o final de 2022, tal como podemos observar na próxima imagem.
Evolução do balanço do Banco Central Europeu (BCE) entre Janeiro de 2008 e Novembro de 2011 (Unidade: biliões €). Fonte: St. Louis Fed. Análise do autor.
Esta loucura monetária teve obviamente consequências nefastas, com a maioria das matérias-primas a registar expressivas subidas de preços a partir do início destes “estímulos monetários”, com destaque para as energéticas, como o Petróleo e o Gás Natural que subiram 283% e 272% respectivamente, entre Março de 2020 e Dezembro de 2022.
Para melhor ilustrar, no final de Março de 2020, um barril de petróleo custava 19 euros; agora, custa mais de 71 euros, uma subida de 283%!
Não bastava criar mais massa monetária à “procura da mesma quantidade de bens e serviços”, era necessário também destruir a oferta; como? Aplicando sanções económicas ao maior exportador de matérias-primas do mundo: a Rússia.
Como justificá-las? A Rússia tinha invadido um país soberano, obviamente condenável; no entanto, estranha-se que não tenha ocorrido o mesmo aos perpetradores de invasões e bombardeamentos ao Camboja, ao Vietname, a Granada, ao Iraque, ao Afeganistão, à Sérvia, à Líbia, à Síria – a lista é infindável.
Variação (%) das principais Matérias-Primas entre 31 de Março de 2020 e 19 de Dezembro de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.
Além disso, os mesmos que agora lançam sanções económicas apoiaram um golpe de estado em 2014 na Ucrânia, depondo um líder democraticamente eleito e colocando em seu lugar um regime que bombardeou desde então a população de cultura russa e que ameaçou aderir à Nato, visando aceitar bases de mísseis apontados a Moscovo. Alguém imaginava tal situação no Canadá, México ou Cuba; alguém se recorda da crise dos mísseis em 1962? Os Estados Unidos alguma vez aceitaram tal ameaça ao seu território?
Mas não foi só um choque de procura e oferta a provocar a subida inexorável do preço da energia com base em combustíveis fósseis, foi também o omnipresente culto das “alterações climáticas”, da diabolização do gás da vida: o dióxido de carbono (CO2). Apesar de ser invisível e inodoro, associam-no ao fumo dos escapes e chaminés das fábricas!
Neste ambiente esquizofrénico, todos os novos projectos de extracção de gás e petróleo e gás são cancelados e gasodutos são destruídos, tudo em nome do “combate às alterações climáticas”.
Segundo os sacerdotes do culto das “alterações climáticas”, necessitamos de substituir os carros de combustão por eléctricos, apesar de estes serem um enorme desastre ambiental – extracção de metais pesados para a sua construção altamente poluentes, armazenamento de baterias em fim de vida poluentes, montanhas despojadas de árvores para a extracção do lítio – e humano – trabalho infantil em África para extrair cobalto.
Também necessitamos de aumentar a produção de energias renováveis a todo o custo, em particular a eólica e a solar, onde a China é precisamente o maiorprodutor de equipamentos, apesar de também ser o maior poluente. A incongruência de tudo isto não tem fim!
Para além do cataclismo económico das populações ocidentais, começa-se agora a implementar mecanismos de controlo da população inimagináveis há décadas. Para isso, importa seguir o tudo de ensaio de tudo isto, a China, reforçando-a economicamente e tratando-a como o modelo a seguir – ver as declarações de Klaus Schwab, líder do Fórum Económico Mundial a este respeito.
Estes mecanismos de controlo passam por conhecer todos os aspectos da vida em sociedade de cada ser humano: quem são, onde estão, o que pensam, onde gastam, quanto gastam, por onde se deslocam, que quantidade de impostos é possível extrair; estas e outras perguntas ocorrem permanentemente na mente destes tiranos.
Tentativas de controlo não são novidade: os censores romanos, sempre que uma nova província era conquistada pelo Império, serviam para realizar um levantamento dos dados da população ocupada, por forma a conhecer a sua localização, identidade e capacidade fiscal; apenas não dispunham das actuais ferramentas tecnológicas, mas o propósito era o mesmo.
Os passaportes de vacinas, os códigos QR, a inteligência artificial, visando identificar em tempo real cada cidadão nas suas deambulações por uma cidade, as moedas digitais dos bancos centrais, os sistemas de créditos sociais, onde cada cidadão recebe pontos de acordo com o “seu comportamento”, os carros eléctricos dependentes de um computador e condução autónoma, podendo-se remotamente impedir a pessoa de se deslocar, são tudo ferramentas há muito testadas na China e que já foram aplicadas parcialmente durante a putativa pandemia.
Para além destas ferramentas, também se recorre à propaganda – a imprensa mainstream não é mais que propaganda e manipulação -, à censura – os “Twitter Files” tornaram evidente que os lápis azuis estão em toda a parte – e, em particular, ao cancelamento dos dissidentes, usando essa infame expressão: negacionista!
Temos agora os negacionistas climáticos, os negacionistas de eleições – alguém acredita que o Biden foi eleito com o maior número de votos na história das eleições norte-americanas?! -, negacionistas da covid-19, negacionistas do 11 de Setembro, negacionistas da “Ciência e das vacinas”, negacionistas da “bondade da guerra na Ucrânia”, um sem fim de negacionistas, que, enfim, limitam-se a questionar a narrativa oficial e a colocar questões, recebendo em troca toda a espécie de insultos: conspiracionista, chalupa e negacionista!
Os direitos constitucionais das populações também estão a ser obliterados ou não respeitados; se a constituição de um dado país não permite a implementação da ditadura, mude-se a mesma, nem que seja de forma ilegal.
Por outro lado, assistimos à destruição do Estado-Nação e à transferência de soberania para instituições transnacionais como a União Europeia – que publica legislação ao quilograma e destrói os pequenos negócios -, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial da Saúde – aquela organização que irá emitir os passaportes vacinais para podermos circular pelo mundo.
A despersonalização da população é outro objectivo, tal como se faziam aos escravos nas praias de Angola antes do embarque para as Américas: separar as famílias, eliminando todos os laços familiares e raízes do indivíduo, por forma a torná-lo descrente, resignado e submisso. É precisamente o desiderato dos inúmeros géneros recém-criados – diria inventados – , retirar ao indivíduo todas as suas raízes e integrá-lo num novo grupo.
Por fim, o doutrinamento das crianças através da escola pública, tornando-as propriedade do Estado e fazendo-as crer que o Estado é uma entidade magnânima, de bem, a quem se deve obedecer e pagar impostos sem questionar.
Está na hora de nos levantarmos, caso contrário, estamos a caminho de uma tirania nazi, desta vez ditada por um grupo de globalistas sem rosto.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.
Já foi noticiada e analisada, até à exaustão, a demissão do ministro Pedro Nuno Santos (PNS), talvez o rosto mais conhecido do Partido Socialista (PS) depois de António Costa.
Os saudosistas deste agora ex-ministro, como Ana Gomes, comentaram a sua saída do Governo de forma pungente, apelando até ao seu regresso com a maior brevidade, talvez numa manhã de nevoeiro: “PNS sai, como sempre esteve no Governo: com seriedade, convicção e dignidade. E com ambição para o País. A tempo de revigorar o Partido Socialista, espero.”
Também temos despedidas mais singelas, como o “Obrigada” da deputada Isabel Moreira, co-autora do ilegal projecto de revisão constitucional do PS, o tal que propõe, quase cinco décadas depois da instauração da “democracia”, umas quantas alterações aos direitos, liberdades e garantias da Constituição da República que estão vetadas pelo seu artigo 288º.
Pedro Nuno Santos, vulgo PNS
Mas coloca-se uma questão premente: a que se devem tantos encómios, laudas, ditirambos, panegíricos e tantos carpidos agradecimentos ao copioso esforço laboral do “nosso” PNS, apodado como o verdadeiro defensor da causa pública? Que digo?! Com o cognome de Causa Pública.
Este é, convenhamos, um dos principais mistérios do mundo contemporâneo: o interesse público. Mas, afinal, o que é isso do interesse público?, que tantas vezes escutámos durante a putativa pandemia: o interesse colectivo tem de estar acima do indivíduo – até parecia que estávamos num congresso do PCP.
Na verdade, o interesse público acaba por ser uma espécie de tirania da maioria, tantas vezes utilizada pela classe política para justificar o atropelo aos nossos direitos: vejam lá, a maioria está connosco, tens de te submeter.
E se, por exemplo, a maioria decidir que os obesos não podem entrar nos restaurantes? Se, por exemplo, a maioria decide que todos os que possuem depósitos bancários superiores a 500 mil euros devem ser confiscados em 50% a favor do Estado? Ou 100% até, porque não? E se, por exemplo, a maioria entende que a correspondência pessoal de certos profissionais deve ser pública?
PNS no último Natal, entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa.
Por vezes esquecemo-nos que as cartas constitucionais servem precisamente para proteger os interesses dos indivíduos da tirania da maioria: o direito a não ser discriminado, o direito à propriedade, o direito à privacidade seriam a resposta óbvia às anteriores perguntas.
No fundo, o Estado deverá servir apenas para assegurar a nossa segurança e arbitrar os conflitos que derivam dos interesses particulares de cada um. Não serve para ser o Robin dos Bosques – na verdade saca aos pobres a favor dos ricos, vejam o escândalo da “nossa” Alexandra Reis –, nem tão pouco para gerir empresas de aviação.
Em conclusão, apenas existem interesses individuais, não existe o tal absurdo interesse público. Cada ser humano é único, com virtudes, defeitos e ambições individuais, mesmo se legítimas. Se ocorrer uma verdadeira pandemia, nenhuma pessoa com dois palmos de testa necessita que lhe digam que a mesma existe; bastará ver os seus próximos a adoecer, e a tombar, para que desate a procurar defender-se e proteger-se: não necessita da tutela do Estado, nem das ordens da senhora Freitas – que, aliás, também se vai embora, vejamos para onde…
Para muitos membros da casta, o “nosso” Pedro é o verdadeiro paladino da Causa Pública – assim mesmo em maiúsculas, mesmo não se sabendo lá muito bem o que será tal coisa. Não sei explicar o porquê. Para além dos cargos políticos, não se lhe conhece qualquer emprego, empresa que tenha fundado com dinheiro do seu bolso, ou entrevista de emprego que tenha realizado. Trata-se de um homem público que sempre viveu da cobrança coerciva de impostos, o que até explicará o seu absoluto desprezo pelo dinheiro dos outros.
Esse desprezo levou-o, por exemplo, a enterrar mais de 3,5 mil milhões de euros na bancarroteira nacional, TAP de seu nome. Isto dá 360 euros por português, incluindo idosos, adultos e crianças, ou seja, 10,3 milhões de almas. Para uma família de quatro pessoas significa mais de 1.400 euros; isto tudo num país onde o salário médio não ultrapassará os mil euros.
Em defesa da sua dama, o Pedro afirmava que a “TAP é do povo português para o bem e para o mal”. Engraçado, até hoje nunca recebi qualquer título de propriedade, nem tão pouco qualquer dividendo. Mas há quem tenha recebido chorudos salários e indemnizações à conta do Joaquim do Café, da Maria do Cabeleireiro e do João do Bate-Chapas, que vão continuar a pagar uma dívida pública colossal, através de uma carga fiscal sem precedentes, que tem servido ao longo de décadas para alimentar a casta.
O Pedro nunca nos alertou que, depois das falências e vendas forçadas causadas pela casta onde ele milita, e que nos explora há mais de 48 anos – quem não se recorda da Portugal Telecom, da ANA, do BES –, a bancarroteira nacional era (e é, e ainda, para mal dos nossos pecados, será) um dos últimos redutos de sinecuras e de contratos pornográficos para prestação de serviços (com pouco trabalho) para amigos e apaniguados.
Num país que, na União Europeia, está nos primeiros lugares a contar do fim no indicador PIB per capita, corrigido pela paridade do poder de compra (PPP), esperançado em caminhar para o último lugar, agora que a (ex-ditadura comunista) Roménia se apresta para nos passar a perna, o Pedro Nuno alimentou-se (e alimentou muita gente, obviamente com o nosso bolso) do grandiloquente sonho de possuir uma Companhia de Bandeira.
Ninguém disse ao Pedro que a maioria dos países europeus, certamente bem “mais pobres do que nós” (como todos sabem…), já não usufruem desse luxo: Iberia, Swiss Air, Sabena, Alitalia, British Airways, apenas para citar alguns exemplos, foram à vida. Ou seja, fecharam ou foram definitivamente alienadas a privados.
Em tempos, até tivemos o chefe do Pedro (agora ex-chefe), o verdadeiro prócere do regime, a anunciar que “a TAP é fundamental pois, na era da globalização, tem a importância que as caravelas tiveram na era dos Descobrimentos”. Isto tudo daria para rir a bandeiras despregadas, caso eles não zombassem de nós há décadas, pois escravizam-nos e, pasme-se, ainda votamos neles!
O Pedro, depois de me ter assaltado em 1.400 Euros, sairá em glória, não tenho dúvidas. Terá toda a camarilha que come no prato do Orçamento do Estado há décadas a suplicar pelo seu pronto regresso, pois o Homem da Causa Pública não nos pode abandonar! Há muitos que vão andar por aí como órfãos… até ao seu, Deus me benza!, regresso.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.
Uma das expressões mais vilipendiadas dos nossos dias é o Livre Mercado, ou mesmo os Mercados; quem não se recorda daqueles meses anteriores à chegada da ajuda internacional, o período da famosa Troika, em que os juros pagos pela República Portuguesa no mercado secundário não paravam de subir, chegando a uns impensáveis 18%!
Diziam-se coisas absolutamente extraordinárias: “Malvados Mercados!”; “Temos de processar os mercados!”; “Estes juros são usura!”.
Ora, o Livre Mercado não é mais do que um termo para descrever as trocas comerciais livres e voluntárias que ocorrem numa sociedade. Cada troca é realizada através de um acordo voluntário entre duas pessoas, ou entre grupos de pessoas, representadas por agentes – o representante de uma sociedade ou de uma associação, por exemplo.
De forma voluntária, dois indivíduos – ou agentes – trocam bens económicos, sejam eles tangíveis – um carro, um telemóvel – ou intangíveis – serviços médicos, serviços de consultoria, por exemplo.
Desta forma, se decido comprar um telemóvel por 500 Euros numa loja de comunicações, eu e o agente (vendedor, neste caso) da loja trocamos duas mercadorias: (i) eu desisto de 500 Euros e o lojista de um telemóvel.
Se eu vendo o meu trabalho para uma empresa, de forma mutuamente acordada e voluntária, por um salário monetário, neste caso, a empresa é representada por um agente com capacidade legal para me contratar.
Eu cedo horas do meu trabalho por troca de um salário mensal; o empresário emprega uma fracção dos capitais obtidos juntos dos accionistas – ou de empréstimos junto da banca ou dos mercados –, a troco do meu trabalho.
O primeiro (trabalhador) tem um rendimento certo e estável, sem risco, enquanto o segundo (empresário) um rendimento instável, dependente dos humores dos consumidores. Corre o risco de perder a totalidade dos seus capitais, caso o produto ou serviço não vingue junto do mercado. Se tiver sucesso, os accionistas terão os seus capitais remunerados – a essência do capitalismo, servir um consumidor de forma rentável.
Ambas as partes realizam a troca, atendendo que cada uma espera lucrar com isso. Além disso, cada um repetirá a troca da próxima vez – ou se recusará –, porque a sua expectativa se mostrou correcta (ou incorrecta) no passado recente. O comércio, ou troca, é realizado precisamente porque ambas as partes se beneficiam; se não esperassem ganhar, não concordariam em realizar a troca.
A interação entre compradores e vendedores, aquilo que se designa por procura e oferta, gera a formação de preços, promovendo, a todo o momento, um valor de equilíbrio que permite maximizar o volume de transacções. Os preços não são nada mais que sinais. Se estão altos, indicam aos produtores que há escassez, atraindo mais concorrentes e mais quantidade produzidas, aplicando-se o oposto quando os preços são baixos.
Infelizmente, a natureza humana é perversa, criando sempre obstáculos à existência do Livre Mercado. O recurso à violência, retirando ao produtor o fruto do seu trabalho sem dar-lhe nada em troca, é uma das formas de obtenção de recursos.
Quando um exército invasor força os habitantes a entregarem-lhe tudo; quando um assaltante, de pistola em punho, força a sua vítima a entregar-lhe a carteira; ou quando um dado Estado, através de tributos e taxas, esbulha os seus cidadãos, não são mais que antíteses do Livre Mercado, onde a obtenção de recursos se faz através do uso da violência.
Outro argumento para intervir no mercado advém da existência de assimetrias de informação entre as partes. É o que acontece numa relação entre um paciente e um médico. Este último tem uma enorme vantagem sobre o segundo, podendo-lhe impor, com a maior das facilidades, uma quantidade infinita de fármacos, com um único propósito de obter o máximo de lucro, incluindo lucrar com a permanente doença do paciente.
A assimetria de informação irá sempre existir em praticamente todas as transacções; por regra, o produtor do bem ou do serviço tem sempre maior informação, actuando, por conseguinte, em vantagem.
Este é um dos argumentos para o aparecimento de reguladores, que são igualmente organizações constituídas por homens – neste caso, funcionários públicos, com os defeitos e virtudes associados –, que obrigam o produtor a “esclarecer” previamente o consumidor, tratando-o, quase sempre, como uma vítima, totalmente inimputável e incapaz de somar 2+2.
Um dos exemplos mais paradigmáticos é a regulação da indústria financeira. No momento em que um consumidor decide adquirir um produto financeiro considerado complexo – conceito, obviamente, definido pelos reguladores –, a corretora é obrigada a alertá-lo de que poderá “morrer” ao virar da esquina.
Previamente à contratação, a corretora tem de realizar um teste de avaliação de conhecimentos, visando aferir a capacidade do consumidor em compreender um dado produto financeiro ou mesmo se ele se adequa às suas necessidades; tal como alguém que se dirige a uma loja, ao entrar, a funcionário obriga-o a realizar um questionário, chegando, no final do mesmo, à conclusão que o conteúdo da loja não é para ele. Este é o ridículo a que chegámos com o intervencionismo da União Europeia.
A assimetria de informação combate-se com a concorrência, em que os mais sérios, aqueles que efectivamente pugnam pelos interesses dos consumidores, vingam. Por outro lado, em lugar de fechar um dado mercado, a sua abertura, a existência de liberdade, torna o mercado democrático e acessível, gerando maior literacia aos consumidores.
As empresas de notação financeira surgiram no início do século XX, quando as empresas de caminhos-de-ferro norte-americanas necessitavam de angariar capitais junto de pequenos aforradores europeus. Estas empresas recebiam dinheiro de vários investidores com o propósito de investigar e avaliar as contas das empresas que solicitavam empréstimos. Neste caso, os consumidores agregaram-se com o propósito de eliminar a tal assimetria de informação; ou seja, foi o Livre Mercado que encontrou soluções para tal problema.
Outra forma de intervencionismo, contra o Livre Mercado, é o licenciamento estatal. Neste caso, a empresa é obrigada a pedir uma licença para operar num dado mercado, seja junto do Estado ou de um regulador, demonstrando que cumpre uma série de requisitos, como por exemplo: capitais mínimos, idoneidade dos administradores e dos sócios ou experiência prévia.
Esta prática tem dois propósitos: (i) proteger os concorrentes já estabelecidos, limitando a oferta; (ii) entregar um poder desmesurado ao burocrata que decide o processo, como é o caso do licenciamento urbano, onde todos os incentivos à corrupção estão criados. Este último tem tudo a ganhar em sacar uns cobres a quem deseja entrar, com os consumidores a pagarem a fava rica no final.
O Livre Mercado também obriga ao respeito pela propriedade privada. Quando um banco comercial emite moeda para conceder-nos um crédito, não realiza, neste processo, qualquer produção à sociedade. Na prática, todos ficamos mais pobres, pois cada Euro emitido desta forma, fruto de uma licença junto do Banco Central, vai diluir o valor de todos os Euros que possuímos.
Sem o respeito pela propriedade privada, neste caso, pela produção ilegal de dinheiro, os preços são distorcidos para os sectores de actividade onde a produção de dinheiro mais afecta. É caso, por exemplo, do imobiliário, onde a produção de crédito através da emissão de dinheiro, por esta via, provoca uma subida inexorável dos preços. O Livre Mercado não é isso; tem de existir dinheiro sério e o respeito pela propriedade privada.
Vivemos numa falácia, onde todos os dias se lançam impropérios ao Livre Mercado, onde se apela a maior intervencionismo do Estado, quando este apenas devia zelar pelo cumprimento das regras do mercado e proteger a propriedade privada.
Com a União Europeia, temos uma Economia hiper-regulamentada e tributada com um único propósito: evitar a entrada de novos concorrentes, infernizar a vida dos pequenos negócios para os levar à falência – incapazes de cumprirem com toda a legislação e suportar a enorme carga fiscal –, e facilitar a concentração de um enorme poder em grandes multinacionais.
Livre Mercado, pois então?! Não pense nisso. Há muito que não existe.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.
Tem sido pungente assistir às notícias sobre a “luta pela democracia” na China. Vários líderes políticos e comentadores da nossa praça, que antes apelavam à implementação de medidas draconianas a respeito da pandemia, vieram nos últimos dias dar-nos a sua opinião sobre a política de “Covid Zero” aplicada pela China.
Se não fosse dramático o que se passa na China, onde a população vive numa sociedade distópica – onde um sistema de créditos sociais já se encontra implementado – e ditatorial, podíamo-nos rir a bandeiras despregadas com a hipocrisia e o despudor desta gente. Mas não o faremos; o assunto é demasiado sério.
Ponto prévio: é paradigmático que a imprensa mainstream nunca defina correctamente o regime chinês por aquilo que é: uma ditadura comunista totalitária.
Comecemos pela imprensa internacional. No último dia 28 de Novembro, o The New York Times noticiava os protestos na China desta forma:
“No fim de semana, protestos contra as rígidas restrições da Covid na China ricochetearam em todo o país, num raro caso de agitação civil em todo o país.”
“Alguns manifestantes neste fim-de-semana chegaram a pedir a renúncia do Partido Comunista e do seu líder, Xi Jinping. Muitos estavam fartos de Xi, que em Outubro garantiu um terceiro mandato que desafia os precedentes do partido, e da sua política de Covid Zero, que continua a perturbar a vida quotidiana, a prejudicar os meios de subsistência e a isolar o país;”
“A abordagem da China ganhou elogios durante o início da pandemia e, sem dúvida, salvou vidas. Mas agora essa abordagem parece cada vez mais desactualizada. Quase três anos após o surgimento do Coronavírus, o contraste entre a China e o resto do Mundo não poderia ser maior.”
Passámos de restrições que salvam vidas para rígidas restrições; de indispensáveis e necessárias para medidas que perturbam a vida quotidiana e prejudicam a obtenção de meios de subsistência!
Mesmo assim, note-se, salvaram vidas; isto depois da Suécia, que não as implementou, apresentar uma das taxas de mortalidade mais baixas dos últimos três anos – incluindo, nesta comparação, os países nórdicos.
A nível nacional, tivemos o jornal do “consenso social em favor da vacinação”, leia-se Público, que apresentou o mesmo registo, as medidas são agora rígidas em lugar de salvíficas e necessárias:
“As manifestações contra a política rígida de combate à covid-19 na China, conhecida como “covid zero”, chegaram a Xangai, Pequim e outras cidades, e adoptaram um tom antigovernamental, algo raríssimo num regime em que as exibições públicas de oposição política são altamente censuradas.”
Para o Público, os manifestantes passaram de negacionistas e chalupas a lutadores pela liberdade! Quase parece magia.
No meio deste turbilhão de eventos, também apareceu o inefável líder do Canadá, esse paladino “dos direitos humanos” a comentar os eventos na China. Recordemo-nos que Justin Trudeau, há meses, esmagava uma manifestação pacífica de camionistas, que estavam contra as suas políticas da covid-19, em particular a obrigatoriedade de inoculação com uma substância experimental.
Este “democrata” utilizou todas as opções ao seu dispor: estado de emergência, polícia de choque, cães, polícia a cavalo, bastonadas, gás lacrimogénio, tanques de água, congelamento de contas bancárias e, pasme-se, até o despedimento da função pública. Estes tiranos recorrem a todos os meios possíveis, não lhes escapa nada.
Mas então o que nos disse sobre as revoltas na China?
Que todos na China deveriam ter permissão para protestar e se expressar, e que os canadianos estavam a observar de perto os protestos contra a política de COVID-zero do país.
Palavras para quê?! Todos têm direito ao protesto, excepto os camionistas canadianos e todos aqueles que não estão de acordo com ele.
E por cá? Como se portaram os tiranetes da nossa praça?
Uma das “conhecidas comentadoras” da CNN Portugal, de seu nome Helena Ferro Gouveia, há uns meses contava-nos assim a respeito de mais um confinamento na Alemanha, desta vez apenas para os não-vacinados:
“…o que se decidiu aqui foi penalizar as pessoas que escolheram, que optaram por não se vacinar, nãopenalizando aquelas que cumpriram o dever cívico e se vacinaram…”;
“…um lockdown total ia penalizar aqueles que se vacinaram e que cumpriram aquilo que lhes foi pedido”.
Para além de um discurso de ódio aos não vacinados, apelava ao “amocha e está calado”, a senhora nem tão pouco respeitava os mais elementares direitos humanos: a autonomia do corpo e o direito de locomoção.
Mas, infelizmente, este foi o discurso na maior parte da imprensa mainstream ao longo de mais de dois anos, mas que parece ter-se alterado com os acontecimentos na China.
Sobre isto, o discurso desta, hélas, administradora da agência Lusa, aquela em que a sua jornalista viu um relatório que afinal era apenas um “esboço embrionário que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, escrevia assim na sua página do Facebook:
“Olho para os protestos na China com um misto de admiração pela coragem dos milhares que se manifestam em múltiplas regiões do país, que faz destes protestos algo histórico, só comparável aos protestos esmagados por tanques na Praça da Paz Celestial, e por outro com temor pelo destino destas pessoas num regime que reprime violentamente a menor expressão de desagrado”;
“Não sendo sinóloga, mas acompanhando com interesse tudo o que são regimes autocráticos, antecipo que irão ser dissipados pela força, não deixam, todavia, de ser muito relevantes.”
É comovente, não é? Passámos de pessoas que não “cumpriam o seu dever cívico”, isto é, aceitar uma inoculação experimental no seu corpo, a lutadores incessantes pela liberdade. Aparentemente, um país ocidental que atropela os mais básicos direitos dos seus cidadãos é “bonzinho”; a China não; aqui já se trata de país autocrático.
Para além deste olhar atento aos “protestos esmagados por tanques”, tivemos outra interessante observação: as “nossas vacinas são melhores que as tuas”; tudo muito “científico” e dito por um dos jornalistas de “maior craveira” da nossa imprensa mainstream:
“Os chineses ficaram totalmente dependentes da sua vacinação nacional…a Sinovac, uma vacina clássica, não é uma vacina mRNA…”;
“Esta vacina (a Sinovac) deu piores provas nos testes…mas, sobretudo, é um tipo de vacina que pela forma como é desenvolvida é mais difícil de adaptar às novas variantes”;
“Mesmo assim, os chineses insistem em não importar vacinas estrangeiras”.
Vamos lá ver se compreendemos. Nós, aqui no Ocidente, com uma imprensa que deu cobertura a todas as tropelias, fomos “bonzinhos” graças às nossas vacinas: só vos prendemos durante pouco tempo, porque temos umas vacinas miraculosas; enquanto vocês, os maus, os sanguinários, insistis em subjugar o povo chinês sem qualquer necessidade: basta importar as nossas vacinas! É quase o Mike da TV Shop: compra, Mike, estas mRNA e já não necessitas de tratar mal a populaça.
Tudo isto é dito com um tom professoral, de quem é incapaz de mencionar um estudo sério onde se prove o que está a dizer. Não será melhor atribuir o prémio Nobel, da Ciência e da Paz, a esta gente?
Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.
Todos os dias falamos de dinheiro. Muitos de nós o amaldiçoam. Atribuímos-lhe a origem de todos os males: de guerras, de conflitos, de injustiças. Outros, falam do dinheiro como se tivesse sido algo inventado pelos Governos; por um decreto-lei: crie-se o dinheiro. Nada mais longe da verdade!
O dinheiro significa civilização. O dinheiro provém de um processo de mercado; algo que os seres humanos tiveram de “inventar” para que a civilização, o comércio e a riqueza pudessem prosperar. Sem a sua existência, seguramente teríamos de viver na Idade da Pedra, pois a especialização do trabalho seria praticamente impossível.
Como surgiu então? Qual foi o processo de mercado que deu origem ao dinheiro.
Etapa1: da troca directa para a troca indirecta.
A troca directa exige a dupla coincidência de desejos. Para que uma costureira obtenha uma dúzia de ovos, em troca de umas calças, não é suficiente que prefira os ovos às calças. O criador de galinhas também deverá preferir as calças aos ovos. Esta dupla coincidência de desejos é algo extremamente difícil de ser obtida; ou seja, trata-se de pura sorte encontrar uma costureira a desejar ovos e um criador de galinhas vestido sem calças.
No entanto, a costureira pode resolver esse problema, recorrendo à troca indirecta. Por exemplo, a costureira pode reparar que o criador de galinhas precisa de castiçais e o fabricante de velas precisa de calças. Ela pode, então, trocar as suas calças por alguns castiçais com o fabricante de velas e, em seguida, trocar esses castiçais por uma dúzia de ovos com o criador de galinhas. Neste caso, os castiçais foram o meio de troca da nossa costureira. Foram apenas utilizados de forma indirecta na obtenção de ovos.
Mas a solução de troca indirecta ad hoc é muito limitada. Ainda seria preciso muita sorte para a costureira encontrar alguém que esteja a oferecer algo que o criador de galinhas deseja e que também deseje calças.
O cenário mais próximo da realidade seria uma série de trocas mais longas para que a costureira obtivesse os ovos. Talvez ela precisasse de trocar calças por cordas; depois, cordas por madeira; madeira por peixes; peixes por castiçais; e, por fim, castiçais por ovos. E todos os outros bens que a costureira deseja, como leite ou fruta? Certamente, iria obrigar a costureira a passar por outro pesadelo.
A necessidade de troca indirecta é cada vez mais necessária à medida que a divisão do trabalho aumenta e os desejos dos consumidores se tornem mais complexos. Numa sociedade tribal, em que cada família produz aquilo que consome, a troca indirecta é desnecessária: não existe necessidade de realizar trocas. Quanto mais as pessoas se especializam a produzir um determinado bem ou serviço, menos provável é que qualquer indivíduo possa adquirir as várias coisas que deseja em troca do produto ou serviço de nicho que apresenta ao mercado.
Etapa 2: de meio de troca para meio comum de troca
Para que um determinado bem se torne um meio comum de troca irá depender da sua liquidez; por outras palavras, da sua “vendabilidade“. De que se trata? Da facilidade de o vender no mercado: (i) no momento em que desejamos e (ii) de acordo com os últimos negócios realizados, ou seja, em linha com os preços actuais praticados.
Para melhor ilustrar, vamos utilizar o exemplo de um pão, o bem líquido – mais vendável –, e um instrumento náutico, o bem não líquido – menos vendável.
No nosso exemplo, o proprietário do pão está numa posição privilegiada face a alguém que deseja vender um instrumento náutico.
O primeiro bem é mais vendável que o segundo. Isto não se trata de afirmar que o proprietário do instrumento náutico não o poderá vender; se este último baixar o preço, ou seja, pedir menos bens em troca do seu instrumento, alguém o comprará. O vendedor do instrumento náutico só poderá vendê-lo, em linha com os últimos negócios que ocorreram no mercado, caso se dedique a pesquisar compradores que compreendam o valor do seu instrumento náutico e participaram em anteriores negócios semelhantes. Precisamente o contrário do vendedor do pão: este não precisa de pesquisar compradores para encontrar rapidamente um negócio, de acordo com os preços actuais.
Devido ao reconhecimento desta desvantagem, associada aos bens não líquidos, os fornecedores destes bens, os menos vendáveis, tendem a trocá-los por bens mais líquidos (facilmente vendáveis), antes de entrarem no mercado a procurar os bens que desejam. Tal facto desencadeia uma espiral ascendente de comercialização para um grupo restrito de bens – os mais líquidos do mercado.
A elevada liquidez destes bens atrai mais procura, o que aumenta a sua comercialização, o que atrai ainda mais procura, e assim por diante. Este processo continua até que apenas alguns bens sejam seleccionados como meio comum de troca.
Etapa 3: de meio comum de troca a dinheiro
O processo de selecção irá parar quando os indivíduos apenas desejarem comercializar os seus produtos e serviços pelo bem mais vendável do grupo restrito de meios comuns de troca. À medida que incrementa o consenso sobre qual o meio comum de troca mais comercializável, a espiral ascendente de comércio para esse bem tenderá a beneficiá-lo em desfavor dos demais.
Assim, os meios de troca comuns inferiores tendem a sair inteiramente do mercado. A partir daí um único meio de troca passa a ser universalmente utilizado. Por outras palavras, esse meio comum de troca tornou-se dinheiro – também podemos chamar divisa ou moeda. Passou a ser o bem utilizado universalmente como intermediário de todas as trocas de uma dada Economia ou comunidade.
Ao longo da História, várias matérias-primas foram utilizadas como moeda, como, por exemplo, argila, couro, papel, bambu, sal e missangas. No caso desta penúltima, podemos mencionar as seguintes curiosidades. Os soldados romanos eram parcialmente pagos com sal. Diz-se que daí vem a palavra soldado – sal dare, que significava dar sal. Da mesma fonte, obtemos a palavra salário – salarium. O sal foi dinheiro no Império Romano, devido à sua escassez e elevado valor.
As funções do dinheiro
Já mencionamos a principal e primeira função do dinheiro: ser aceite e utilizado universalmente como intermediário de todas as trocas numa dada economia. As demais funções derivam desta. A segunda função é ser unidade de conta. Todos os bens e serviços de uma dada economia passam a ser medidos em dinheiro: 0,65 euros por um café; 1,60 euros por um litro de água.
A reserva de valor é a terceira função. Neste caso, quem detém dinheiro possui a expectativa de no futuro poder vendê-lo no mercado e obter a mesma quantidade de bens e serviços. Desta forma, decide guardá-lo para utilizá-lo no futuro.
Os metais preciosos – em particular o Ouro, pelas suas características, que irei detalhar seguidamente –, foram o dinheiro utilizado pela Humanidade ao longo de mais de cinco mil anos. Que características deverá possuir um bem para tornar-se dinheiro?
Ser portável
O dinheiro deverá ser facilmente transportável ou transferível de um determinado proprietário para outro. Os metais preciosos possuem essas características. Com um relativo baixo custo de transporte é possível transferir com facilidade de um ponto para outro o Ouro ou a Prata. Mas com algumas limitações.
Assim, criaram-se os substitutos do dinheiro; um dos exemplos: o papel-moeda. O seu portador, ao viajar de uma cidade para outra, sabe que essa nota é convertível de imediato em Ouro; assim, o transporte de papéis torna ainda mais fácil e barato o processo de transporte de metais preciosos.
Em conclusão, a transferência de propriedade, da pessoa A para a pessoa B, por exemplo, a baixo custo é de extrema importância, em particular se as pessoas A e B se encontram em geografias completamente distintas.
Divisibilidade
Uma das características importantes que o dinheiro deverá apresentar é a sua divisibilidade em unidades menores, sem perder valor, a fim de permitir a aquisição de bens ou serviços mais baratos.
A título de exemplo, as pedras preciosas nunca foram utilizadas como dinheiro devido a esta dificuldade. Apesar de ser possível dividi-las com facilidade, agregá-las novamente e manter as mesmas características é praticamente impossível. No entanto, com os metais preciosos tal é possível: podemos dividir e agregar pequenas unidades com relativa facilidade – o processo de fundir metais preciosos. Apesar de tudo, este processo não está isento de custos.
Armazenamento
Deverá ser possível armazenar o dinheiro a baixo custo. Igualmente, não deverá depreciar ao longo do tempo.
Os presidiários tendem a eleger os cigarros como moeda; em muitos casos, ao longo do tempo, tudo na cadeia é medido em cigarros. Por exemplo, três cigarros por uma refeição extra; 20 cigarros por um par de calças. Apesar de tudo isto, os cigarros não são utilizados pela sociedade como dinheiro porque perecem; ou seja, ao longo do tempo as suas características vão-se deteriorando.
Nas sociedades antigas, muitos bens usados como moeda – como, por exemplo, ovos ou gado –, deixaram de o ser precisamente porque as suas características não são homogéneas ao longo do tempo. Perecem, são consumidos ou morrem; tal nunca deverá acontecer com o dinheiro.
Os metais preciosos mantêm as suas características ao longo do tempo. O ouro utilizado por um soldado romano há dois mil anos mantém agora as características.
Reconhecido e homogéneo
Para poder facilitar uma troca, o dinheiro necessita de ser reconhecido e ser homogéneo. Se, em cada troca, a parte que o recebe tem de o escrutinar, pesar e testar, tornar-se-á qualquer transacção em algo extremamente oneroso.
Outra das razões para a não adopção das pedras preciosas como dinheiro deve-se a este aspecto. Em cada transacção teria de existir um perito para averiguar a sua veracidade; ou seja, avaliar se é falsa ou não.
A cunhagem de metais preciosos veio resolver esta questão. Este processo permite facilmente identificar a quantidade e a veracidade, facilitando a transacção. Apesar de tudo, ao longo da História, os monarcas e o poder sempre lutaram pelo monopólio da cunhagem; muitas vezes, utilizaram este poder para falsificar este processo em seu benefício.
Escasso e estabilidade de valor
A última característica determinante é a escassez e a estabilidade de valor. Os metais preciosos são escassos na Natureza e obrigam a um elevado esforço para a sua obtenção – a mineração.
Ao ser escasso, o seu valor terá mais probabilidade de se manter ao longo de séculos. Esta é uma das características que os proprietários do dinheiro procuram quando o utilizam como reserva de valor. Daqui a cinco ou 10 anos irão poder adquirir os mesmos bens e serviços, ou inclusive mais, beneficiando dos incrementos de produtividade que se produzem ao longo do tempo – por exemplo, os computadores tendem a diminuir de preço, atendendo que é possível produzir mais e a um custo menor.
Benefícios da existência do dinheiro
Sem a existência do dinheiro, muitas trocas, hoje banais, seriam impossíveis. Numa comunidade onde apenas existe a troca directa – o Estado primitivo da Humanidade, acima descrito –, uma pessoa que deseje vender os seus serviços de investigador para o desenvolvimento de medicamentos não teria qualquer possibilidade de sobreviver. Apenas os fornecedores de bens e serviços de consumo, como pão ou leite, teriam possibilidade de participar no mercado; os demais, estariam excluídos.
O dinheiro permite a existência de várias etapas de produção até à entrega do bem ou serviço ao consumidor final. Por exemplo, a produção de um carro envolve várias etapas para a sua produção: desde a exploração mineira para a obtenção do aço, a peles para a produção dos estofos.
Em troca da concepção do motor do automóvel, um engenheiro recebe dinheiro pelos serviços prestados; com este poderá adquirir os bens de consumo indispensáveis ao seu dia-a-dia. Ou seja, vende serviços de engenharia relacionados com a concepção de motores em troca de dinheiro. Em conclusão, o dinheiro permite uma Economia complexa, que implica várias etapas produtivas até à venda final do bem ou serviço ao consumidor, bem como a especialização.
Outro aspecto relevante do uso de dinheiro resulta da facilidade de conceder crédito entre os participantes do mercado. Efectivamente, o crédito pode ser possível com outros bens, mas o dinheiro simplifica em muito este processo. Podemos ilustrá-lo com um exemplo.
Vamos supor que a pessoa A tem um excesso de bananas (por exemplo, 10 unidades) que não deseja consumir no próximo ano. Está assim disponível para proporcionar a outros o consumo desse excesso; em troca exige que daqui um ano lhe entreguem 11 bananas como contrapartida do seu sacrifício. Ou seja, pede uma remuneração de 10% (1 ÷ 10).
Aqui colocam-se três questões. Em primeiro lugar, como definir a qualidade das bananas que irão ser devolvidas daqui a um ano; qual o critério de peso, tamanho e cor?
Em segundo lugar, as bananas daqui a um ano irão ter o mesmo valor de mercado? Como prever com exactidão o clima, a produção e as preferências dos consumidores daqui a um ano?
O terceiro e último está relacionado com um dos problemas apontados à troca directa. Como encontrar um mutuário que esteja interessado em receber um crédito de bananas?
O dinheiro vem solucionar todas estas questões. Como é homogéneo, uma das características do ouro, a discussão sobre a qualidade do que se devolve como pagamento do crédito não se coloca.
Por outro lado, um bem para ser seleccionado como dinheiro deverá apresentar como uma das suas características a estabilidade do seu valor – por isso, a necessidade de ser escasso. Por essa razão, muitos economistas comentam a taxa real de juro. Esta última deverá cobrir a remuneração desejada por quem concede o crédito – no nosso exemplo 10% por ano – e a depreciação do valor do dinheiro, aquilo que designamos por inflação. A taxa de juro real é precisamente a remuneração do prestamista – o que concede o crédito. Se a inflação é de 2% ao ano, no nosso exemplo, o prestamista deverá exigir 12%, aproximadamente, 10% da sua remuneração – a taxa real de juro – e 2% pela depreciação do valor do dinheiro.
Por último, no momento em que o crédito é devolvido ao prestamista, este último pode adquirir os bens e serviços que entender, não obrigando à pesquisa de mutuários que desejem um determinado bem. Em conclusão, o dinheiro permite a existência de crédito, pois simplifica-o substancialmente.
Talvez o último aspecto do dinheiro, e o mais importante, seja a possibilidade de empreender. Sem dinheiro não existiam empresários. Empreender consiste na identificação de uma necessidade do consumidor e servi-la com lucro. Para tal desiderato, o empresário contrata serviços, capital e colaboradores. O empresário arrisca o seu capital em troca de um lucro futuro expectável, enquanto os colaboradores vendem os seus serviços – o trabalho – a troco de uma remuneração em dinheiro estável que lhes permite adquirir bens de consumo. A possibilidade de lucro atrai empresários à produção de um determinado bem ou serviço.
O surgimento do iPhone tinha como objectivo integrar os serviços de comunicação de um telefone com os de um computador pessoal (aplicações, agenda, navegador de Internet…). Para decidir a viabilidade do projecto, o empreendedor teve de estimar receitas, custos e investimentos necessários à prossecução do mesmo numa única moeda. Tal é possível, porque tudo está medido em dinheiro, no caso do iPhone, foi em USD.
Sem dinheiro, a função empresarial não existiria. Seria como actuar às cegas. Imaginemos se recebêssemos bananas, laranjas e pão em troca de iPhones, as nossas receitas. Agora os nossos custos: teríamos de pagar aos engenheiros em leite, ovos e mel; aos fornecedores de electricidade em bananas e mangas. Como seria possível determinar a viabilidade de qualquer projecto? Apenas o dinheiro permite medir a viabilidade e o sucesso de um projecto, caso contrário, seroa como jogar no escuro.
Em conclusão, podemos dizer que o aparecimento do dinheiro foi um processo de mercado, em que uma determinada matéria-prima foi seleccionada pela sua liquidez e características.
As três principais funções da moeda são: (i) intermediário universal de todas as trocas; (ii) unidade de conta e (iii) reserva de valor. Os metais precisos, em particular o Ouro, foram seleccionados como dinheiro pela humanidade pelas suas características únicas. O dinheiro, ao contrário do que muitas vezes é propagado, representa a prosperidade e a possibilidade de uma economia complexa – várias etapas de produção, função empresarial e crédito.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.
Há duas semanas realizou-se a reunião anual do G20, em Bali, com a participação dos inefáveis e não-eleitos Klaus Schwab e Bill Gates, todos vestidos ao melhor estilo de ditadores comunistas.
Os líderes das 20 maiores economias do Mundo, coadjuvados pelas duas luminárias, assinaram o seguinte compromisso, muito bem sintetizado por Kit Knightly no OffGuardian:
1 – Alterar a produção e distribuição de alimentos;
2 – Incrementar a dependência global de fontes de energia “renováveis”;
3 – Aumentar a vigilância e a censura da “desinformação” na Internet;
4 – Introduzir moedas digitais programáveis dos Bancos Centrais;
5 – Introduzir passaportes digitais de vacinas, com base “na experiência” da putativa pandemia covid-19.
Enquanto andávamos todos distraídos com os dislates do prócere máximo da República, com a reconquista de Kherson pelas tropas ucranianas e com o míssil “russo” na Polónia, os principais líderes mundiais, com base nas ordens dos não-eleitos Klaus Schwab e Bill Gates, discutiam, combinavam e publicavam os seus planos para o Governo Mundial.
Os participantes destes encontros globais já não escondem os seus planos. Desde a putativa pandemia que os seus planos maquiavélicos para o futuro da Humanidade são públicos e contêm todos os detalhes que nos esperam.
Antes de me debruçar sobre os detalhes do compromisso, importa mencionar novo lema: “Recuperar Juntos, Recuperar Mais Forte”, isto depois do infame “Reconstruir Melhor”. O colectivo acima do indivíduo, tal como uma utopia socialista, onde cada membro não é mais do que uma peça da engrenagem para rumar à “Terra Prometida”.
Daqui a uns meses estarão todos em uníssono a repetir “Recuperar Juntos, Recuperar Mais Forte”, incluindo o fugitivo do pântano nas Nações Unidas.
Vamos então ao compromisso do G-20; em sequência da “Cimeira do Clima”, a COP27, onde se falou de “agricultura alternativa” – carne cultivada em laboratório e produção em massa de insectos para alimentação humana-, o documento volta a debruçar-se sobre o tema:
“Vamos tomar mais acções coordenadas para enfrentar os desafios da segurança alimentar, incluindo aumentos de preços e escassez de produtos alimentares e fertilizantes a nível mundial… assegurar que os sistemas alimentares contribuam para a adaptação e mitigação das alterações climáticas, travem e invertam a perda de biodiversidade, diversificando as fontes alimentares… Estamos empenhados em apoiar a adopção de práticas e tecnologias inovadoras, incluindo a inovação digital na agricultura e nos sistemas alimentares para aumentar a produtividade e a sustentabilidade.”
Passemos a fazer um exercício de tradução: (i) onde está a expressão “mitigar a mudança climática”, deveria ser “produzir menos carne”; (ii) onde está a frase “diversificando as fontes alimentares”, deveria estar “diversificando as fontes alimentares com a produção massiva de insectos”; (iii) onde consta “práticas e tecnologias inovadoras”, deveria ter sido escrito “de tecnologias de produção em laboratório”.
Em relação à produção de energia, mais do mesmo, os gases com efeito de estufa continuam a ser o alvo a abater:
“Reiteramos o nosso compromisso de alcançar uma redução global das emissões líquidas de gases com efeito de estufa/ neutralidade de carbono…aumentando a implantação da produção de energia limpa, incluindo as energias renováveis, bem como medidas de eficiência energética, incluindo a aceleração dos esforços para a redução gradual da energia que usa carvão.”
O Santo Ofício era uma brincadeira de crianças ao lado destes “Senhores do Mundo”. Propõem controlar a Internet com maior rigor; tudo, obviamente, em nome da nossa segurança!
“Reconhecemos que uma conectividade digital acessível e de alta qualidade é essencial para a inclusão e a transformação digital, enquanto um ambiente online resistente, seguro e protegido é necessário para aumentar a confiança na economia digital… Reconhecemos a importância de combater campanhas de desinformação, ameaças cibernéticas, abusos online e garantir a segurança nas infraestruturas de conectividade”.
O combate ao dinheiro físico continua a ser uma obsessão. O lançamento de Moedas Digitais dos Bancos Centrais constitui agora a prioridade máxima!
“Saudamos o relatório do Banco SIS (o Banco Central dos Bancos Centrais) sobre a interligação dos sistemas de pagamento… sobre opções de acesso e interoperabilidade das Moedas Digitais dos Banco Central para pagamentos transfronteiriços.”
A melhor parte estava reservada para o fim: os certificados digitais, instrumentos de segregação, justificados com a mais despudorada mentira, beneficiaram de um tremendo panegírico:
“Reconhecemos a importância de normas técnicas e métodos de verificação comuns…para facilitar as viagens internacionais sem descontinuidades, a interoperabilidade, e o reconhecimento de soluções digitais e não digitais, incluindo a prova de vacinação. Apoiamos a continuação do diálogo e colaboração internacionais no estabelecimento de redes de saúde digitais globais de confiança.”
Que bons que são eles! Querem atribuir-nos direitos que já estão inscritos na Carta dos Direitos Humanos. Se nos inocularmos com as substâncias experimentais, passamos a ter liberdade de locomoção. A nossa privacidade é enviada definitivamente para o caixote de lixo. Passaremos a apresentar “os papéis”, tal como na Alemanha Nazi, em cada “check-point” que estes tiranetes decidam impor.
Anteriormente, uma pandemia era algo que existia uma vez na vida de uma pessoa. Agora está aí ao virar da esquina, temos de nos preparar para próxima – dizem eles –, aproveitando o legado dos certificados-nazi covid-19.
De uma coisa estaremos certos, por aqui esta agenda será fácil de implementar.
Há pouco tempo, o prócere máximo da República até nos anunciava que a bola era mais importante que os direitos humanos; estes podiam ficar para mais tarde. Quando reparou que tinha enfiado o “pé-na-poça”, proclamou que ia ao Qatar falar de direitos humanos!, isto vindo de alguém que solicita uma revisão constitucional para legalizar precisamente atropelos aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que ele jurou proteger.
No Qatar, até o tivemos a dar lições de moralidade, quando no país que preside, os direitos humanos são sistematicamente violados, em alguns casos até por si validados: confinamentos ilegais, prisões domiciliárias ilegais, emigrantes estrangeiros em escravatura, um sem fim de misérias!
Até o tivemos numa aula de “religião e moral” nas Arábias, onde segundo a obnóxia imprensa, seríamos um país-modelo, com os dirigentes do país dos “atentados aos direitos humanos” a assistir satisfeitos. Isto tudo num inglês que ninguém compreende. Talvez por isso dormiam e aplaudiam enquanto ele falava.
No final, dirigiu-se para o estádio, informando-nos que estaria “concentrado no jogo” a partir daquele momento! Com tais líderes, a agenda de Klaus Schwab e Bill Gates será uma realidade em breve!
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM. Acrescentada referência ao artigo do Off Guardian em 28/11/2022.
O inédito aconteceu: o recém-empossado ministro da Saúde, Manuel Pizarro, defendeu que a mortalidade excessiva nos últimos tempos se deveu a “fenómenos climáticos extremos”! Não sei se deva rir; ou então, simplesmente, eles julgam-nos idiotas, zombando sem qualquer pudor ou vergonha.
Se o leitor ainda julga que nos últimos dois anos e meio esta gente esteve preocupada com a nossa saúde, seguramente acredita na Fadinha dos Dentes, no Coelhinho da Páscoa ou no Pai Natal. Afinal, dizem eles, sem rirem, a mortalidade excessiva em 2022 é o resultado de “alterações climáticas”!
Manuel Pizarro, ministro da Saúde.
Tal como no romance 1984, de George Orwell – onde o protagonista Winston Smith, membro do Partido Externo, trabalhava para o Ministério da Verdade como responsável pela propaganda e o revisionismo histórico a favor do partido –, a nossa imprensa portuguesa reescreve a todo custo o que se passou desde Março de 2020.
Lá fora, a coisa ainda é pior; até surgem artigos de opinião a carpir uma amnistia pandémica, esquecendo-se que tal acto implica, em primeiro lugar, o reconhecimento da mentira, de revelarem o que efectivamente se passou, seguido de um acto de genuína contrição. Mas não! Continuam a ocultar dois anos de abuso, de negligência, de assédio, de discriminação, de ataque constante aos nossos corpos. Eles querem agora lavar tudo isto da memória colectiva!
Às vezes, as palavras são repetidas como um disco rachado, talvez porque nunca podem ser repetidas o suficiente: temos as piores pessoas em posições de poder para qualquer lugar que olhemos. Encontram-se em toda a parte, coadjuvadas por uma imprensa obnóxia, corrompida e totalmente capturada pelo poder.
A falta de auto-consciência, a ausência de consciência social, a ignorância histórica, e a iliteracia científica e falta absoluta de humildade são apenas alguns dos pré-requisitos para qualquer possidónio subir as escadas do poder. Não há nada que esta casta não faça por um elevado salário, por uma promessa de uma pensão, de uma prebenda, de um emprego para um amigo, de uma sinecura para um familiar; o importante é o sentimento quente e difuso de pertencer a um culto de ignorantes.
O perdão é uma virtude poderosa. Quando a contrição sincera é expressa nos termos exactos do que deve ser perdoado, ela deve sempre ser considerada e exercida. Excepto que há algumas coisas neste mundo que são completamente imperdoáveis.
Provavelmente, poderíamos encabeçar, nessa lista de coisas imperdoáveis, muito dos eventos dos últimos dois anos.
Os idosos abandonados em lares, deixados à sua sorte, sem uma visita dos familiares meses a fio, carregando a toda a hora uma fralda facial, afastados de qualquer contacto humano, à espera da morte, sem qualquer afecto ou atenção, inoculados sem o seu consentimento ou sem consciência ao que se sujeitavam, à espera que a loucura os matasse. Foi assim que os deixámos. Ainda hoje estão por aí, algures num lar inóspito, à espera da visita do Criador, ou do Diabo.
E o que dizer da destruição dos pequenos negócios, impedidos de abrir durante meses, de proporcionar um ganha-pão, carregados de dívidas, até à inevitável falência dos seus donos, ajudando a engrossar o exército de dependentes do Papá Estado. Ao mesmo tempo, os grandes accionistas das grandes multinacionais, alimentados pela impressora do Banco Central, beneficiaram de uma transferência de riqueza a seu favor sem paralelo na História da Humanidade.
As nossas crianças impedidas de ir à escola, meses seguidos, fechadas em casa, e apenas as mais privilegiadas passavam algumas horas à frente de um computador a fingir que aprendiam. As demais nem tinham Internet nem tão pouco computador em casa; estiveram fechadas em casa sozinhas, enquanto os seus pais garantiam a limpeza dos escritórios, o funcionamento das fábricas, a entrega das refeições, precisamente àqueles que se exibiam, orgulhosamente, nas redes sociais, esses lemas infames de bom cidadão: “Fique em casa!” e “Vai ficar tudo bem!”.
O atropelo dos mais elementares direitos humanos, como o direito à liberdade ou à livre circulação. Confinamentos e prisões domiciliárias ilegais, ao arrepio das regras mais elementares do Estado de Direito. A imposição da fralda facial sem qualquer base científica, com um único propósito: despersonalizar, humilhar; uma espécie de símbolo de servidão, de aceitação da tirania.
A mais vil: a gigantesca experimentação nos nossos corpos, através da ameaça, da chantagem, da segregação, da intimidação, da humilhação. Tudo serviu, até a emissão de um certificado nazi, assente na mais despudorada mentira – que evitava a transmissão. Quem não se sujeitou, arriscou-se a perder o emprego, a ser ostracizado, a deixar de ter vida social. Tinha tudo de se submeter a uma inoculação indesejada no seu corpo, decretada por tiranos, por psicopatas.
Quem prestou atenção ou sofreu com esses crimes sabe exactamente como eles são imperdoáveis.
Amnistia?! Depois de terem declarado guerra à Humanidade? Só um louco ou completo imbecil aceitaria tal desfaçatez ou alguém absolutamente corrompido pelo sistema.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.
Há dias, na sua conta do Twitter (1 e 2), o Banco de Portugal anunciava o Euro Digital, e fazendo uma comparação com as Criptomoedas, apresentava-o como algo muito superior. Em resumo, garantia que:
será um complemento digital do dinheiro físico, como as moedas e as notas de Euro;
será acessível a todos;
será seguro, atendendo que a emissão é responsabilidade do Banco Central Europeu (BCE) e Bancos Centrais nacionais da zona Euro; ao contrário das Criptomoedas, que não possuem qualquer entidade centralizada responsável pela sua emissão;
será seguro por estar igualmente protegido pelo Fundo de Garantia de Depósitos – até ao montante máximo de 100 mil euros, por banco e por depositante –, ao contrário das Criptomoedas;
será estável, ao contrário das Criptomoedas, sujeitas a uma enorme volatilidade.
O primeiro argumento causa sempre estranheza: um complemento digital das notas e moedas. Será que alguém se esqueceu que os bancos comerciais criam e oferecem dinheiro digital há muitos anos?
Atendendo à legalização da prática de reservas fraccionadas, os bancos criam dinheiro digital quando concedem um crédito a um particular ou a uma empresa, bastando colocar no extracto digital do cliente um determinado valor, criado do “nada”: por exemplo, 100 mil Euros foram creditados na sua conta; com esse valor já pode pagar ao construtor da casa; ao mesmo tempo, o banco indica-nos que lhe devemos 100 mil euros e que serão cobrados juros ao longo da vida do empréstimo. Recebem juros de algo que não existia!
O dinheiro digital é hoje oferecido por vários operadores privados – cartões contactless, Apple Pay, Paypal –, por essa razão, não se compreende a necessidade de tal oferta. Dizem-nos que estão com “receio” do aparecimento de monopólios privados, em particular aqueles com sede fora da União Europeia. Não se conhecia a veia proteccionista do BCE!
Tal não responde à verdade. Hoje, a oferta de dinheiro digital é fragmentada, sendo proporcionada por vários tipos de operadores – bancos, empresas tecnológicas, Fintechs, instituições de moeda electrónica –, supervisionados precisamente pelo Banco Central!
Afirmam-nos que será um meio de pagamento democrático, acessível a todos. As Criptomoedas também o são, qualquer pessoa em Portugal pode adquiri-las sem qualquer restrição ou receio, excepto o boicote praticado pela banca nacional às corretoras de Criptomoedas e seus clientes, encerrando contas e impossibilitando transferências, impedindo mesmo a disposição do dinheiro pelos seus clientes! A essas restrições, do supervisor tivemos apenas as seguintes palavras: “estamos atentos”!
Também não se compreende a expressão: “acessível a todos”, anunciado aos quatro-ventos. Se o dinheiro fiat é assim tão bom, qual a necessidade de existirem leis de curso legal, obrigando todos os comerciantes a aceitar Euros. Se existisse concorrência, sem este tipo de leis, talvez as Criptomoedas a esta hora já seriam o meio de pagamento preponderante na Economia nacional.
No que respeita à segurança do emissor, em particular do BCE, nada melhor que observar o seu balanço para aquilatar a sua solvência (ver Figura 1). A 21 de Outubro de 2022, o seu activo valia 8,8 biliões Euros, enquanto o seu passivo 8,7 biliões; assim, os seus capitais próprios valiam 115 mil milhões de Euros, cerca de 54% do PIB português e representando apenas 1,3% do activo.
Balanço do Banco Central Europeu (unidade: milhares de milhões de Euros; Posição a 21 de Outubro de 2022): Fonte: BCE. Análise do autor.
O BCE está assim alavancado 77 vezes!, ou seja, uma perda de 1,3% do seu activo decretaria a sua insolvência. Por outras palavras, uma perda de 1% do seu activo, ou seja, 87,75 mil milhares de Euros, representaria 77% do seu capital próprio (87,75 vs. 115). Esta é a instituição que proclama a sua segurança nas redes sociais!
Por outro lado, a “segurança” do valor do Euro, a sua estabilidade. Segundo nos informam, tal não acontece com as Criptomoedas – curioso, esquecem-se sempre de mencionar as StableCoins, indexadas precisamente às moedas fiat, eliminando a perniciosa volatilidade, mas mantendo a possibilidade da sua aplicação em DeFi com juros superiores à inflação.
Infelizmente, essa estabilidade de valor é apenas uma miragem! Se cotarmos o Euro em onças de Ouro, a divisa da humanidade durante milénios e que não nasce das árvores como o Euro – basta um apertar do botão para criar biliões de Euros -, verificamos que perdeu 82% (ver Figura 2) do seu valor desde a sua fundação!
Evolução do Euro cotado em onças de ouro (Unidade: onças de ouro por 1000 Euros; período: mensal). Fonte: BCE. Análise do autor.
Também podemos mencionar a actual inflação que vivemos, próxima dos 10%, algo nunca visto há 30 anos. Tudo isto foi fruto da impressora a trabalhar a todo o vapor durante 2020 e 2021, tal como o ex-presidente do Banco de Inglaterra, Mervyn King, já ”confessou”: os Bancos Centrais criaram quantidades massivas de dinheiro durante a crise Covid-19; assim, enormes quantidades de dinheiro procuravam quantidades de bens e serviços decrescentes. No ponto! Alguém que explica de forma clara o que aconteceu.
O Euro tem tudo menos estabilidade; basta pensarmos que os nossos depósitos no banco perdem todos os anos 9%!
Mas o leitor pergunta: porquê esta promoção a um Euro Digital, que ainda não saiu do papel; porquê um ataque tão cerrado às Criptomoedas, em particular ao Bitcoin.
Na verdade, tudo isto serve para ocultar várias coisas que se avizinham:
Vai ser possível implementar taxas de juro negativas;
Vai ser possível estimular o consumo em lugar da poupança;
Vai ser possível reprimir e promover comportamentos;
Vai ser possível vigiar tudo e todos durante 24 horas, o fim da privacidade.
A eliminação do dinheiro físico será o grande objectivo, para abrir caminho às taxas de juro negativas.
Como será isso possível?
Se o Euro Digital existisse em 2008, e o dinheiro físico não estivesse em circulação, seria possível a implementação de juros negativos em nome de um “estímulo à Economia”. Ao não poder converter o depósito bancário em notas e moedas – este dinheiro não paga juros –, apenas posso transferir dinheiro da conta bancária A para a conta bancária B. Ou seja, não consigo sair do sistema, pois todo o dinheiro é digital.
Desta forma, será possível implementar uma repressão financeira mais agressiva, através de juros negativos, confiscando os depósitos bancários.
Outra característica do Euro Digital é que passará a ser programável. Vamos supor que o Estado tenciona estimular o consumo, dando uma “esmola” à população, como há pouco aconteceu, mas com uma condição: esse dinheiro apenas será válido durante três meses. Ou seja, caso não seja gasto, esses Euros vão desaparecer. Assim, o consumo é estimulado em detrimento da poupança, afectando as preferências da população.
Há dias, um líder partidário propôs que o “apoio extraordinário” não fosse gasto em “droga, álcool e tabaco”; ou seja, o Estado passaria a ditar onde podemos gastar o nosso dinheiro. Com o Euro Digital tal será possível: basta programá-lo para não ser aceite em determinados pontos de venda, onde os produtos e serviços não desejados são vendidos. Desta forma, o custo da fiscalização torna-se irrelevante. Eis o sonho de qualquer aspirante a ditador.
Até os confinamentos tornam-se mais fáceis, senão vejamos: bastará programar o Euro Digital para que este deixe de funcionar num raio de 100 metros das nossas residências. O leque de possibilidades é infinito…
Por fim, a eliminação da privacidade, algo que caracterizou o dinheiro ao longo de milénios, características que ainda se mantêm com o numerário: ninguém sabe quem o detém, onde foi gasto, a quem foi entregue. Somos livres de interferências estatais no nosso dinheiro. No fundo, somos soberanos: ninguém nos pode condicionar e somos livres de prosseguir a actividade económica sem a interferência de terceiros.
Esta privacidade irá terminar em breve. As Criptomoedas são as únicas que preservam tais características, pois apenas se conhecem endereços, em lugar de pessoas. O Euro Digital colocará um fim a essa privacidade: burocratas e funcionários do Governo passarão a conhecer todos os aspectos da nossa vida: que livros compramos, que restaurantes frequentamos, quais os nossos padrões de consumo, o nosso rendimento, o nosso consumo, a nossa poupança. Nada se lhes escapará.
Amanhã, em nome do combate às alterações climáticas, o gasolineiro adverti-lo-á: já não funciona, o seu plafond mensal esgotou, a partir daqui é uma ameaça ao planeta!
O Euro Digital não é mais que a perpetuação das moedas fiat, um monopólio dos Governos. Um sistema monetário assente em dívida, controlado por burocratas e funcionários governamentais, em lugar do mercado. Estes podem todos os dias emitir quantidades massivas de dinheiro, sem qualquer controlo democrático, diminuindo o poder aquisitivo do nosso dinheiro, apenas com o apertar de um botão do computador instalado no BCE.
Tudo isto é o contrário do Bitcoin. Esta Criptomoeda representa a liberdade, a segurança e a preservação das nossas poupanças – ninguém o pode imprimir sem esforço, existindo mesmo um limite (21 milhões). Talvez por isso é tão odiado e vilipendiado.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.
Desde a Revolução dos Cravos, em 1974, juram-nos e asseguram-nos que vivemos numa Democracia, garantindo-nos e asseverando-nos que é o povo que é Soberano, elegendo democraticamente os seus representantes, em particular os membros da Assembleia da República e o Presidente da República.
Daí que, em 1976, foi aprovado o nosso Contrato Social: a actual Constituição da República Portuguesa (CRP), o documento basilar deste actual regime.
Mas, quase meio século depois de 1974, será que vivemos mesmo numa Democracia?
Ao longo da História da Humanidade, a fuga à tirania do Estado foi sempre um desejo de qualquer cidadão livre.
Nas Idades Média e Moderna, quando um determinado monarca decidia perseguir um determinado grupo de cidadãos, confiscando-lhes activos, tributando-os de forma excessiva ou perseguindo-os pelas suas orientações religiosas, havia sempre a possibilidade de fuga para outro Estado; ou seja, havia “concorrência” entre estados-nações.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1492, com as expulsões dos judeus de Castela, através do Édito de Granada, promulgado pelos Reis Católicos. Muitos judeus, em vez de se baptizarem, fugiram para Itália, Grécia e mesmo Portugal. Mais tarde, Portugal fez o mesmo – por causa de negócios entre o rei D. Manuel e os Reis Católicos, e os Países Baixos acabaram a beneficiar desse êxodo. Em suma, sempre havia na Europa uma nação onde um ser humano lograva escapar à tirania.
Ora, hoje, tal possibilidade deixou de existir.
Com efeito, hoje temos um crescente comportamento em cartel por parte da maioria dos Estados, bem como a transferência de soberania destes últimos para organizações supranacionais, sem qualquer controlo democrático. Não conhecemos, nem elegemos nenhuma das caras que por ali pululam; não somos capazes de os responsabilizar ou punir por qualquer comportamento ou legislação que promovem. No fundo, não podemos escapar à tirania global.
Exemplos? Temos vários.
Podemos começar pela nossa “querida grande líder”, eleita ao melhor estilo de uma ditadura comunista, em lista única: a senhora Ursula von der Leyen.
Depois de ter realizado um dos maiores negócios da História da Humanidade – a compra em moldes secretos de 1,8 mil milhões de doses de vacinas covid-19 à Pfizer –, exultava ela há dias com o possível confisco de activos russos na União Europeia. Usou estas palavras: “O objectivo da União Europeia não é congelar, mas confiscar os activos russos na Europa, mas para isso é preciso primeiro criar um quadro legal”.
Portanto, hoje os russos; amanhã, você! Basta criar o devido quadro legal para legalizar hoje o que era ilegal ontem.
Ursula von der Leyen
E o que dizer do Environmental Social Governance (ESG)? O leitor dirá, se não clicar atrás: que é isso? É mais uma organização internacional, sem rosto ou qualquer controlo democrático, com um poder inimaginável. Se uma dada empresa não cumprir os critérios por si estabelecidos, obtendo uma má posição na sua ordenação, poderá deixar de ter acesso a crédito ou aos mercados de capitais.
Se a empresa não promove carros eléctricos, se o seu Conselho de Administração não possui todas as raças e géneros – aqui falamos provavelmente de 10 ou mais hipóteses –, se utiliza fornecedores com sede na Rússia, então tem os dias contados no “Novo Mundo”. Os dois gigantes mundiais de gestão de activos, responsáveis pela gestão de muitos biliões de Dólares norte-americanos, a Blackrock e a Vanguard, certamente não irão entrar no seu capital.
Estas regras têm um único propósito: tornar a vida dos pequenos negócios um autêntico inferno burocrático, com custos administrativos impossíveis de suportar e obrigando-os a submeterem-se aos ditames desta casta não eleita.
Com os mesmos objectivos do ESG, a União Europeia prepara-se para obrigar todos os negócios a realizarem processos e diligências aos seus fornecedores, garantindo que estes não “infringem” os “direitos humanos” e os “objectivos do crescimento sustentável”. Estão a ver para onde a coisa caminha?!
No final, o propósito é levar os pequenos negócios à falência e promover a concentração da produção em meia dúzia de multinacionais promovidas pelo Sr. Larry Fink, líder da Blackrock.
Também temos a Organização das Nações Unidas (ONU), que estabeleceu 17 objectivos de crescimento sustentável, tudo, como sempre, suportado em objectivos nobres, ao melhor estilo Miss Mundo: acabar com a fome e a pobreza, promover a igualdade de género, promover a produção de energia “limpa” e “barata” – deve ser a piada do século –, e diminuir as desigualdades sociais – como se esta gente alguma vez estivesse preocupada com tal coisa.
Aliás, isto só poderia sair da cabeça da nossa “exportação de luxo”, depois que saiu do pântano que ele mesmo criou, à frente da Agência da ONU para Refugiados. Foi assim a sua vida: saía do seu hotel em Nova Iorque para se dirigir ao seu jacto particular – o “desastre climático” não se lhe aplica –, de onde viajava para algum país em guerra – era suposto a ONU resolver estes conflitos, mas parecem não ter fim e são cada vez mais –, onde um todo-terreno o recebia; seguidamente, acenava e sorria a uns desgraçados e famélicos, vítimas da incapacidade da ONU, para voltar a realizar o circuito inverso. Foi tão difícil que continua anafadinho, balofo e nédio.
E o que dizer então da Organização Mundial da Saúde (OMS), essa instituição liderada pelo Sr. Tedros, com um passado negro e muitas páginas rasgadas da sua biografia, que se preparava para nos governar numa futura pandemia, caso o Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias tivesse sido há meses aprovado. Aliás, em abono da verdade, Portugal, liderado pelo jacobeu da República, até estava bem disponível para o ratificar. Já agora: alguém que me lê votou no Sr. Tedros?
E então o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI, para os amigos), essa instituição intergovernamental e intercontinental, criada em 1989 pelo G-7, que tem à frente caras que ninguém conhece ou elegeu? Tem o GAFI o poder de decidir o destino financeiro de um país.
Há anos, a evasão fiscal no Chipre dava origem apenas a uma multa administrativa, não existia moldura penal. Foi o suficiente para receber uma recomendação negativa destes senhores, originando o bloqueio de muitas entradas e saídas de capitais no sistema financeiro do país, pois, segundo estas luminárias, o risco de branqueamento de capitais era então elevado! De imediato, o país sujeitou-se e mudou a lei. Ninguém lhes faz frente. Os representantes locais são meros verbos-de-encher.
A perda de soberania não é só política, a mais importante, a monetária, já foi entregue há muito: em 2000, com a criação do Euro, a nossa soberania monetária passou para o Banco Central Europeu (BCE). Segundo nos diziam, essa divisa mágica ia retirar-nos das profundezas do atraso e da atávica miséria. Entretanto, não só não tirou, como estamos enterrados numa dívida pública gigantesca, no topo da lista dos países mais endividados do mundo.
E quem lidera a instituição à frente do Euro? Sim, a Sra. Lagarde, a actual presidente do BCE, igualmente eleita “democraticamente” – não é assim?! – e com um currículo onde consta uma condenação por negligência por ter ajudado o seu amigo Bernard Tapie (os amigos são para as ocasiões, não é?). Já agora: alguém votou na Sra. Lagarde?
Depois de ter impresso quatro biliões de Euros (sim, são 12 zeros por aqui) desde o início da putativa pandemia, gerando um enorme crescimento da massa monetária e a presente inflação de dois dígitos que vivemos, onde os pobres são penalizados sem apelo nem agravo, ela ainda teve o topete de nos dizer que a inflação tinha aparecido do nada!
Agora, prepara-se para nos servir numa bandeja de prata o Euro Digital, “vendido” às populações como uma alternativa digital às notas e moedas. Ficamos sempre perplexos: qual a necessidade de tal instrumento, se os bancos comerciais há muito emitem dinheiro digital?
Na verdade, trata-se apenas da tentativa desesperada de perpetuar um sistema monetário fraudulento, onde a prática de reservas fraccionadas é legal, onde, com o desaparecimento do dinheiro físico, irá ser possível aplicar juros negativos, subtraindo os depósitos das pessoas, e montando um sistema de vigilância digital sem precedentes na História da Humanidade.
Com o desaparecimento do Estado-Nação, é este o mundo em que agora vivemos, onde a nossa Cultura e a nossa Soberania são entregues a personagens com currículos deploráveis, não eleitos e inimputáveis.
Mas o leitor pergunta: e as nossas instituições nacionais serão melhores?
Infelizmente, não estamos melhores a nível nacional.
Vejam que até temos o prócere máximo da República, obcecado em selfies, que, para exemplo, nos atira com esta pérola: “…o problema da lei de emergência sanitária; amanhã, temos uma outra pandemia, temos outra epidemia, não podemos ter o risco de casos em tribunal a dizer que há abusos de poderes, se é constitucional ou não.”
Estas palavras deixam qualquer um boquiaberto. Senão vejamos: de acordo com o artigo 127º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o Presidente da República jura “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”. Mas ele afinal não está preocupado com as ilegalidades ocorridas durante a putativa pandemia, onde se “inventaram” crimes por desobediência, decretaram prisões domiciliárias ilegais, impediram-se estudantes de aceder a aulas presenciais. Isso não o preocupa. Aquilo que o inquieta são os cidadãos a procurar justiça nos tribunais, contra os políticos, fazendo cumprir a lei que um Presidente da República supostamente deveria defender.
Não satisfeito em mandar às malvas a Constituição que jurou defender, pediu ele a revisão de direitos, liberdades e garantias, o que é, aliás, impossível, como determina o artigo 288º da CRP.
Estimado leitor, ainda é dos que julga que está numa Democracia porque vota? Ora, se o seu voto contasse para alguma coisa, certamente não votaria. Enquanto não tomarmos consciência que já vivemos numa tirania, governada por salteadores, psicopatas e corruptos, não poderemos alterar o rumo das coisas. Portanto, se quer uma Democracia, um conselho: consciencialize-se, primeiro, que, por agora, vive numa Tirania.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.
Durante a minha juventude, e sobretudo no período universitário, sempre me intrigou o ostracismo a que foi votada uma grande parte da obra de Fernando Pessoa. Ele escreveu sobre tudo. Escreveu praticamente em todos os estilos literários – prosa, poesia, contos –, sendo aí considerado, por muitos, o maior escritor em língua portuguesa.
No entanto, o Fernando Pessoa economista é, entre nós, praticamente desconhecido. E não devia.
Compreendo, em parte, esse banimento: o actual regime dedica-se há mais de 48 anos a extorquir o bolso dos portugueses, restringindo crescentemente a liberdade destes, em especial a liberdade económica.
Hoje, assistimos à tentativa de destruição do Estado-Nação, com a transferência de soberania para entidades supranacionais, e o objectivo básico é restringir liberdades essenciais, em particular a liberdade de empreender. Tal política, irá acelerar a concentração de poder num reduzido número de empresas globais.
Por essa razão, julgo que nunca foi tão importante, como agora, revisitar Fernando Pessoa, o Economista.
Que ensinamentos nos legou? Afinal, o que escreveu assim tão relevante em matéria económica?
Vejamos então.
Sobre as empresas na mão do Estado
O que pensava Fernando Pessoa sobre a administração estatal dos negócios?
“Considerada em si mesma, a administração de Estado é o pior de todos os sistemas imagináveis para qualquer das três entidades com que essa administração implica. De todas as coisas organizadas, é o Estado, em qualquer parte ou época, a mais mal organizada de todas… É pois evidente que quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando.”
A nota de 100 escudos com a efígie de Fernando Pessoa esteve em circulação entre 26 de Agosto de 1987 e 31 de Janeiro de 1992
Esta foi a desgraça que se abateu sobre a bancarroteira nacional: a TAP. A administração de uma empresa, através de comparsas e comissários políticos, abriu caminho a milhões e milhões de Euros dos contribuintes, com um único propósito: proporcionar sinecuras de luxo à clientela política do regime.
Em relação aos funcionários públicos, burocratas e comissários políticos metidos na administração de negócios – indivíduos que nunca arriscaram um cêntimo do seu bolso em qualquer aventura –, Fernando Pessoa reservava-lhes as seguintes palavras: “… a administração de Estado sofre ainda a viciação proveniente de ser exercida por e através do tipo de indivíduo que em geral forma o funcionário público. Salvo para as carreiras militares — em que há abertas especiais para a ambição e para a energia —, nenhum homem de verdadeira energia e ambição entra para o serviço fixo do Estado. Não entra porque não há ali caminho para a energia, e muito menos para a ambição.”
E quando vemos políticos, através de palavras grandiloquentes – “TAP é tão fundamental para o país como foram as caravelas”,“…é absolutamente estratégica” –, a manifestar a necessidade de nacionalizar empresas, escutemos Fernando Pessoa a respeito: “Seria ridículo e indesculpável que, depois destas considerações essenciais, gastássemos a paciência do leitor com o exame da mitologia de argumentos que se têm apresentado em defesa da “nacionalização”, ou administração de Estado. Nenhum desses argumentos, próprios em geral só para contos humorísticos ou discursos políticos, pode prevalecer contra as considerações orgânicas que apresentámos.”
As empresas têm como propósito servir o consumidor e obter lucro
Depois de uns recentes lancinantes apelos ao assalto de supermercados, em que roubar para comer passou, supostamente, a não ser crime – ou, pelo menos, houve apelos desse jaez –, o respeito por um dos pilares mais importantes do mundo ocidental, o respeito pela propriedade privada, parece estar a desaparecer.
Recentemente, até a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ameaçou mudar as leis para confiscar cidadãos russos. Hoje, os russos; amanhã, poderá ser você.
Fernando Pessoa tinha ideias claras sobre o trabalho de um empreendedor e dos seus objectivos, definindo marketing muito antes do que muitos autores norte-americanos, respeitando sempre os lucros privados e a propriedade privada.
Para demonstrar a importância do consumidor, utilizou o caso de uma empresa inglesa que exportava para a Índia, sem ter dado atenção ao tamanho dos ovos que aí se consumiam. Contava-nos assim:
“Sucedeu, porém, que, alguns anos antes da Guerra, as firmas inglesas exportadoras deste artigo notaram que a procura dele na Índia decrescera quase até zero. Estranharam o facto, buscaram saber a causa, e não tardou que descobrissem que estavam sendo batidas por casas exportadoras alemãs, que vendiam idêntico artigo ao mesmo preço.
Fernando Pessoa e a Economia foi publicado em 2012 pela Ulmeiro.
Feita a averiguação ansiosa da causa deste mistério, não tardou que se descobrisse. Os ovos das galinhas indianas eram — e naturalmente ainda são — ligeiramente maiores que os das galinhas da Europa, ou, pelo menos, das da Grã-Bretanha. Os fabricantes ingleses exportavam as taças de tipo único que produziam para o consumo doméstico. Essas taças, evidentemente, serviam de um modo imperfeito aos ovos das galinhas da Índia. Os Alemães notaram isto, e fizeram taças ligeiramente maiores, próprias para receber esses ovos. Não tinham que alterar qualidade (podiam até baixá-la), nem que diminuir o preço; tinham certa a vitória por o que em linguagem científica se chama a adaptação ao meio. Tinham resolvido, na Índia e para si, o problema de comer o ovo de Colombo.”
O consumidor tem sempre razão. O capitalismo é servir um consumidor, e tendo lucro. Concluía assim Fernando Pessoa: “Um comerciante, qualquer que seja, não é mais que um servidor do público, ou de um público; e recebe uma paga, a que chama o seu ‘lucro’, pela prestação desse serviço. Ora toda a gente que serve deve, parece-nos, buscar agradar a quem serve.”
Muito antes dos gurus de gestão e marketing, contratados há mais de 25 anos pelo Estado português a peso de Ouro – seu nome, Michael Porter –, já Fernando Pessoa explicava que era necessário analisar e estudar vários dimensões, sem preconceitos nem antecipações, para abordar um mercado com sucesso:
“Para isso é preciso estudar a quem se serve – mas estudá-lo sem preconceitos nem antecipações; partindo, não do princípio de que os outros pensam como nós, ou devem pensar como nós —porque em geral não pensam como nós –, mas do princípio de que, se queremos servir os outros (para lucrar com isso ou não), nós é que devemos pensar como eles: o que temos que ver é como é que eles efectivamente pensam, e não como é que nos seria agradável ou conveniente que eles pensassem.”
“O estudo do público, isto é, dos mercados, é de três ordens — económico, psicológico e propriamente social. Isto é, para entrar num mercado, seja doméstico ou estranho, é preciso: 1) saber as condições de aceitação económica do artigo, e aquelas em que trabalha, e em que oferece, a concorrência; 2) conhecer a índole dos compradores, para, à parte questões de preço, saber qual a melhor forma de apresentar, de distribuir e de reclamar o artigo; 3) averiguar quais as circunstâncias especiais, se as houver, que, de ordem profunda e social ou política, ou superficial e de moda ou de momento, obrigam a determinadas correcções no resultado dos dois estudos anteriores.
A maneira de fabricar, de apresentar, de distribuir e de reclamar um artigo varia conforme a índole geral dos indivíduos que compõem o mercado onde se pretende vendê-lo. Num meio de gente educada as condições são diferentes, para todos estes casos, do que num meio de analfabetos. Um meio provinciano — educado ou não — tem uma psicologia distinta da de um meio de cidade.
Em resumo: o comerciante é um servidor do público, tem que estudar esse público, e as diferenças de público para público se o artigo que vende ou explora não é limitado a um mercado só. O comerciante não pode ter opiniões como comerciante nem deve fazer comercialmente qualquer coisa que leve a crer que as tem. Um comerciante português que faça um rótulo encarnado e verde, ou azul e branco, comete um erro comercial: quem segue a política das cores do rótulo não lhe compra o produto por isso, e quem segue a política oposta deixa muitas vezes de o comprar. Por um lado, não ganha, por outro perde.
A Economia em Pessoa, publicado no Brasil em 2007, teve organizaçõ e notas de Gustavo Franco, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e ex-presidente do Banco Central daquele país..
Mais incisivamente ainda: o comerciante não tem personalidade, tem comércio; a sua personalidade deve estar subordinada, como comerciante, ao seu comércio; e o seu comércio está fatalmente subordinado ao seu mercado, isto é, ao público que o fará comércio e não brincadeira de crianças com escritório e escrita.”
A liberdade de empreender; a defesa da liberdade individual
Fernando Pessoa reduzia o Estado às suas funções de soberania – tribunais, defesa, segurança -, não devendo em caso algum interferir no mercado. Na verdade, o Estado apenas existia para o indivíduo, deixando muito claro os problemas que advinham do intervencionismo estatal.
Enaltecia igualmente o século XIX, um século de liberdade e do padrão-ouro, de enorme prosperidade para a humanidade:
“A legislação restritiva do comércio e do consumo, a regulamentação pelo Estado da vida puramente individual, era corrente na civilização monárquica da Idade Média, e no que dela permaneceu na subsequente. O século XIX considerou sempre seu título de glória o ter libertado, ou o ir libertando, progressivamente o indivíduo, social e economicamente, das peias do Estado. No fundo, a doutrina do século XIX — representada em seu relevo máximo nas teorias sociais de Spencer — é uma reversão à política da Grécia Antiga, expressa ainda para nós na Política de Aristóteles — que o Estado existe para o indivíduo, e não o indivíduo para o Estado, excepto quando um manifesto interesse colectivo, como na guerra, compele o indivíduo a abdicar da sua liberdade em proveito da defesa da sociedade, cuja existência, aliás, é a garantia do exercício dessa sua mesma liberdade.
Seguidamente, analisava os vários tipos de intervencionismo:
“Há, (l) a legislação restritiva que pretende beneficiar a colectividade, o país: é a que proíbe a importação de determinados artigos, em geral os chamados “de luxo”, com o fito de evitar um desequilíbrio cambial;
Há, (2) a legislação restritiva que pretende beneficiar o consumidor colectivo: é a que proíbe a exportação de determinados artigos, em geral os chamados “de primeira necessidade”, para que não escasseiem no mercado;
Há, (3) a legislação restritiva que pretende beneficiar o consumidor individual: é a que proíbe ou cerceia a venda de determinados artigos — desde a cocaína às bebidas alcoólicas — por o seu uso, ou fácil abuso, ser nocivo ao indivíduo; e aquela legislação corrente que proíbe, por exemplo, o jogo de azar é exactamente da mesma natureza;
Há, (4) a legislação restritiva que pretende beneficiar o operário e o empregado: é a que restringe as horas de trabalho, e as de abertura de estabelecimentos, e põe limites e condições ao exercício de determinados comércios e de determinadas indústrias;
Há, (5) a legislação restritiva que pretende beneficiar o industrial: é a legislação pautal na sua generalidade proteccionista.”
Com a sua pena, Fernando Pessoa destruía de uma assentada toda a espécie de intervencionismo.
Fixemos, desde já, o primeiro ponto; tiremos, desde já, a primeira conclusão, que é inevitável. Todos estes tipos de legislação restritiva — beneficiem ou não a quem pretendem beneficiar —prejudicam aquela desgraçada entidade chamada o comerciante. A 1.ª espécie de legislação restritiva limita-lhe as importações; a 2.ª limita-lhe as exportações; a 3.ª limita-lhe as vendas; a 4.ª limita-lhe as condições de produção, se é também industrial, e as horas de venda, se é simples comerciante; a 5.ª restringe-lhe a liberdade de concorrer.
Arrasava igualmente a repressão e/ou a promoção de determinados comportamentos por parte do Estado. O Estado moralista, que enunciava o bem-comum era perigoso. O ataque aos fumadores, aos não vacinados, aos obesos, era inaceitável. O Estado não deve legislar nem se meter no comportamento dos indivíduos. Para o clarificar, usava o exemplo da lei seca nos Estados Unidos no século transacto:
“Chegámos ao ponto cómico desta travessia legislativa. Chegámos ao exame daquela legislação restritiva que visa a beneficiar o indivíduo, impedindo que ele faça mal à sua preciosa saúde moral e física. É este o caso de legislação restritiva que se acha tipicamente exemplificado no diploma que é o exemplo de toda a legislação restritiva, quer quanto à sua natureza quer quanto aos seus efeitos — a famosa Lei Seca dos Estados Unidos da América. Vejamos em que deu a operação dessa lei.
Não olhemos ao caso social; tratá-lo não está na índole desta Revista, nem, portanto, na deste artigo. Não consideremos o que há de deprimente e de ignóbil na circunstância de se prescrever a um adulto, a um homem, o que há-de beber e o que não há-de beber; de lhe pôr açaimo, como a um cão, ou um colete de forças, como a um doido. Nem consideremos que, indo por esse caminho, não há lugar certo onde logicamente se deva parar: e se o Estado nos indica o que havemos de beber, por que não decretar o que havemos de comer, de vestir, de fazer?Por que não prescrever onde havemos de morar, com quem havemos de casar ou não casar, com quem havemos de dar-nos ou não dar-nos? Todas estas coisas têm importância para a nossa saúde física e moral; e se o Estado se dispõe a ser médico, tutor e ama para uma delas, por que razão se não disporá a sê-lo para todas?
Fernando Pessoa também dissecava as virtudes e defeitos dos tais burocratas que decretam comportamentos virtuosos. Quem não viu as duas baratas-tontas durante a putativa pandemia, tentando estabelecer a forma como nos devíamos comportar?
“Não olhemos, também, a que este interesse paternal é exercido pelo Estado, e que o Estado não é uma entidade abstracta, mas se manifesta através de ministros, burocratas e fiscais — homens, ao que parece, e nossos semelhantes, e incompetentes portanto, do ponto de vista moral, se não de todos os pontos de vista, para exercer sobre nós qualquer vigilância ou tutela em que sintamos uma autoridade plausível.
Sobre a estupidez da lei seca, falava-nos da corruptibilidade dos funcionários públicos, os mesmos que deveriam vigiar os comportamentos, quase sempre actuando a desfavor dos mais débeis da sociedade.
Também nos alertava para o perigo das empresas “afectadas” pela legislação “virtuosa”, como é caso hoje dos bancos, onde a regulação é tão pesada – “é tudo para proteger o consumidor” – , que na verdade elimina o aparecimento de qualquer concorrência; ou seja, os regulados de grande dimensão são precisamente aqueles que defendem mais intervencionismo. Até têm os políticos a clamar sempre por mais!
Vejamos, em concreto, como Fernando Pessoa analisou a lei seca:
“Não olhemos a isto tudo, que indigna e repugna; olhemos só às consequências rigorosamente materiais da Lei Seca. Quais foram elas? Foram três.
Dada a criação necessária, para o “cumprimento” da Lei, de vastas legiões de fiscais — mal pagos, como quase sempre são os funcionários do Estado, relativamente ao meio em que vivem —, a fácil corruptibilidade desses elementos, neste caso tão solicitados, tornou a Lei nula e inexistente para as pessoas de dinheiro, ou para as dispostas a gastá-lo. Assim esta lei dum país democrático é, na verdade, restritiva apenas para as classes menos abastadas e, particularmente, para os mais poupados e mais sóbrios dentro delas. Não há lei socialmente mais imoral que uma que produz estes resultados. Temos, pois, como primeira consequência da Lei Seca, o acréscimo de corruptibilidade dos funcionários do Estado, e, ao mesmo tempo, o dos privilégios dos ricos sobre os pobres, e dos que gastam facilmente sobre os que poupam;
Paralelamente a esta larga corrupção dos fiscais do Estado, pagos, quando não para directamente fornecer bebidas alcoólicas pelo menos para as não ver fornecer, estabeleceu-se, adentro do Estado propriamente dito, um segundo Estado, de contrabandistas, uma organização extensíssima, coordenada e disciplinada, com serviços complexos perfeitamente distribuídos, destinada à técnica variada da violação da Lei. Ficou definitivamente criado e organizado o comércio ilegal de bebidas alcoólicas. E dá-se o caso, maravilhoso de ironia, de serem estes elementos contrabandistas que energicamente se opõem à revogação da Lei Seca, pois que é dela que vivem. Afirma-se, mesmo que, dada a poderosa influência, eleitoral e social, do Estado dos Contrabandistas, não poderá ser revogada com facilidade essa lei. Temos, pois, como segunda consequência da Lei Seca, a substituição do comércio normal e honesto por um comércio anormal e desonesto, com a agravante de este, por ter que assumir uma organização poderosa para poder exercer-se, se tornar um segundo Estado, anti-social, dentro do próprio Estado. E, como derivante desta segunda consequência, temos, é claro, o prejuízo do Estado, pois não é de supor que ele cobre impostos aos contrabandistas;
Quais, foram, porém, as consequências da Lei Seca quanto aos fins que directamente visava? Já vimos que quem tem dinheiro, seja ou não alcoólico, continua a beber o que quiser. É igualmente evidente que quem tem pouco dinheiro, e é alcoólico, bebe da mesma maneira e gasta mais — isto é, prejudica-se fisicamente do mesmo modo, e financeiramente mais. Há ainda os casos, tragicamente numerosos, dos alcoólicos que, não podendo por qualquer razão obter bebidas alcoólicas normais, passaram a ingerir espantosos sucedâneos — loções de cabelo, por exemplo —, com resultados pouco moralizadores para a própria saúde. Surgiram também no mercado americano várias drogas não alcoólicas, mas ainda mais prejudiciais que o álcool; essas livremente vendidas, pois, se é certo que arruínam a saúde, arruínam contudo adentro da lei, e sem álcool. E o facto é que, segundo informação recente de fonte boa e autorizada, se bebe mais nos Estados Unidos depois da Lei Seca do que anteriormente se bebia.
O intervencionismo acabava sempre por ter resultados contrários ao inicialmente pensado e a criar novos problemas, segundo defendeu:
“Conceda-se, porém, aos que votaram e defendem este magno diploma que numa secção do público ele produziu resultados benéficos — aqueles resultados que eles apontam no acréscimo de depósitos nos bancos populares e caixas económicas. Essa secção do público, composta de indivíduos trabalhadores, poupados e pouco alcoólicos, não podendo com efeito, beber qualquer coisa alcoólica sem correr vários riscos e pagar muito dinheiro, passou, visto não ser dada freneticamente ao álcool, a abster-se dele, poupando assim dinheiro. Isto, sim, conseguiram os legisladores americanos — “moralizar” quem não precisava ser moralizado. Temos, pois, como última consequência da Lei Seca, um efeito escusado e inútil sobre uma parte da população, um efeito nulo sobre outra, e um efeito daninho e prejudicial sobre uma terceira.
A liberdade individual acima de tudo: “Nenhuma lei é benéfica se ataca qualquer classe social ou restringe a sua liberdade. As classes sociais não vivem separadas, em compartimentos estanques. Vivem em perpétua interdependência, em constante entrepenetração. O que lesa uma, lesa todas. A lei que ataca uma, é a todas que ataca. Todo este artigo é uma demonstração desse facto.”
Sobre os “tachos” dos políticos nas grandes empresas
Depois de termos “enterrado” 3,5 mil milhões de Euros na bancarroteira TAP, algo como 350 Euros por cada português, incluindo crianças, pergunta-se para que serviu? Nada mais nada menos para manter os tachos da clientela do regime.
Fernando Pessoa também deixava a sua posição clara a este respeito.
“Escândalos ainda recentes, que se tornaram conhecidos do público através dos relatórios publicados no Diário do Governo, vieram pôr mais uma vez em evidência a inutilidade prática dos Conselhos Fiscais e dos Comissários do Governo — inutilidade reconhecida no estrangeiro pela substituição a essas entidades, realmente fictícias, de outras mais susceptíveis de se desempenhar do mister que a nossa legislação impõe àquelas. Os Conselhos Fiscais e os Comissários do Governo — aqueles mais do que estes — são pontos de apoio da confiança do accionista, que julga que neles encontra o controle da aplicação e a salvaguarda dos capitais que confiou ao Banco ou à Sociedade Anónima adentro, ou junto, da qual eles funcionam.
Reconhecendo as Sociedades Anónimas que a melhor forma de chamar o capital é a distribuição ruidosa de grandes dividendos, procuram frequentemente, por meio de lançamentos artificiais, encobrir um estado verdadeiro de pouco desafogo; publicam, para dar uma aparência de prosperidade, relatórios de prosa literária no fim dos quais os accionistas são definitivamente ludibriados pela confiança que lhe traz o inevitável “parecer” do Conselho Fiscal, com o costumado voto de louvor à Direcção, e a indicação aos accionistas que aprovem o Relatório de contas e a distribuição de dividendos que ele consigna.
Os accionistas aprovam tudo — umas vezes porque o dividendo é magnífico, outras porque simplesmente confiam na indicação que lhes é dada. E a Direcção e o Conselho Fiscal recebem os respectivos louvores. São homens hábeis, uns; são homens sérios, outros. Tudo está, pois, necessariamente certo.
Quando se cai na suspensão de pagamentos, os accionistas acordam. Mas, como esperavam que o Conselho Fiscal os acordasse, e o Conselho Fiscal dorme por natureza, acordam sempre tarde e perdem… não o comboio, mas o dinheiro. Há Sociedades Anónimas em que não acontece isto. Mas há porventura alguma Sociedade Anónima em que, tanto quanto o sabe o accionista, não possa acontecer isto? Que elementos tem o accionista para poder saber ao certo que isso lhe não pode acontecer? A prosperidade do Banco ou da Companhia? Mas a prosperidade é a que lhe é dada pelos dividendos, e que sabe ele se esses dividendos não são o seu próprio capital e o dos credores da Sociedade Anónima, em vez do lucro autêntico da prosperidade verdadeira de uma sociedade progressiva? Sabe o accionista ao certo se não é assim? Não sabe, porque aqueles elementos em quem delega a fiscalização, 1.º não fiscalizam, 2.º mesmo que fiscalizem, não sabem fiscalizar. Quantos são os membros dos Conselhos Fiscais que examinam a valer as contas da Sociedade Anónima? Quantos são os membros dos Conselhos Fiscais que têm as habilitações precisas, de contabilistas, para esse exame? Salvo casos excepcionais, os membros dos Conselhos Fiscais são escolhidos por serem homens sérios e de boa posição social. Não consta, porém, que a seriedade seja a contabilidade, nem que a boa posição social seja um curso intuitivo de guarda-livros.
Tudo isto, no fundo, é uma comédia sem graça. A Direcção de uma Sociedade Anónima é, por natureza, um conselho técnico de gerência; o Conselho Fiscal de uma Sociedade Anónima é, e por natureza, um conselho técnico de fiscalização. A Direcção produz resultados; o Conselho Fiscal verifica esses resultados. E como os resultados se traduzem por números, isto é, por contas, parece que o Conselho Fiscal deve ser constituído por gente especializada no exame e conferência de contas. E parece também que o Conselho Fiscal deve ser constituído por gente suficientemente independente da Gerência para poder fiscalizar essas contas com independência. O que se faz entre nós? Elege-se um Conselho Fiscal de pessoas de probidade e incompetência e, é claro, de pessoas em magníficas relações de amizade com a Gerência, e, portanto, com toda a confiança nela. Em resumo: o melhor fiscal dos actos de alguém é um amigo incompetente. É ou não uma comédia?
Dos Comissários do Governo nem é bom falar. Dos membros do Conselho Fiscal ainda se pode presumir, visto que são accionistas, um certo interesse pela Sociedade Anónima a que pertencem, se bem que o interesse não crie competência, nem pese mais, na maioria dos casos, que o desleixo natural de quem é incompetente e confiado. Mas dos Comissários do Governo nem esse presumível interesse se pode presumir. São funcionários do Estado, que é, como toda a gente sabe, o mais mal servido de todos os patrões. São nomeados por obscuros lances do xadrez partidário, em prémio de serviços políticos e para que veraneiem todo o ano no seu comissariado; são nomeados para não fazer nada, e é efectivamente o que fazem. Deles, pois, é o Reino dos Céus… Deixemo-los e volvamos à terra.
E assim é que deve ser. De todas as formas das sociedades comerciais as Sociedades Anónimas são as que mais se prestam ao abuso e ao desleixo da Gerência, pois que nelas há uma intervenção já teoricamente periódica, mas, em geral, praticamente nula dos sócios (isto é, dos accionistas) na gerência. Há mister, pois, que deleguem em alguém a fiscalização que nem podem, nem em geral sabem, exercer. Delegá-la em Conselhos Fiscais equivale a delegá-la em ninguém, ou a delegá-la na própria gerência a fiscalizar.”
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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