Em meados de Março, depois de uma série de sanções, a Rússia anunciou que os “países inimigos” – leia-se, as empresas dos “países inimigos” – seriam obrigados a pagar as suas importações em Rublos ou Ouro, com o rácio fixo de 5.000 Rublos por uma grama de Ouro. Isso aplicava-se, por exemplo, às grandes quantidades de gás e petróleo que todos os dias continuam a sair daquele país para toda a Europa.
Ou seja, os russos “decretaram” que Dólares norte-americanos (USD) ou Euros (EUR), mesmo se fossem as moedas nos contratos, deixavam de ser aceites.
Esta “exigência”, no contexto da Guerra na Ucrânia, advém da escalada de sanções mútuas, que incluiu o “congelamento” pelos Estados Unidos de cerca de 300 mil milhões de dólares em activos russos em ouro e várias moedas. Os países da União Europeia fizeram o mesmo, suspendendo o acesso a 35 mil milhões de euros de activos russos, com a França a encabeçar a lista (23,5 mil milhões de euros).
Os efeitos colaterais destas medidas, pouco faladas, é a crise de confiança que introduziu nos mercados financeiros. O facto de os Estados Unidos, ou os países da União Europeia, poderem usar o poder político para condicionar o sistema financeiro dos circunstanciais inimigos em tempo de guerra não augura nada de bom para os tempos de paz. A desconfiança não costuma ser boa para a estabilidade dos mercados.
Muitos analistas começam mesmo a anunciar uma mudança de paradigma que poderá representar o início do fim do USD como a moeda reserva do Mundo.
Não será o fim do Mundo, nem algo inimaginável, nem sequer inédito.
Na verdade, a moeda dos Estados Unidos só beneficia do estatuto de “moeda reserva do Mundo” desde a II Guerra Mundial, tendo sido precedidos pelas moedas de cinco países: Inglaterra, França, Holanda, Espanha e… Portugal.
A duração média do domínio desses países, ao longo dos séculos, foi de apenas 100 anos. E o domínio do USD dura há aproximadamente 80 anos.
Moedas reservas do Mundo desde o século XV. Fonte: BTCM Research (análise do autor)
Para se tornar moeda reserva do Mundo, um dado país tem que ter um papel determinante no comércio internacional para que, desta forma, a maioria dos países eleja essa divisa para realizar pagamentos internacionais.
Vejamos o caso, por exemplo, de uma empresa angolana nos tempos que correm. Terá ela todo o interesse em receber em USD para as exportações que realiza. E porquê? Porque sabe que nos meses seguintes, ou mesmo anos, poderá sempre usar esses USD para realizar compras, porque serão aceites em qualquer lado e em qualquer circunstância. O USD é assim uma moeda de confiança, para além do seu valor intrínseco.
Nem sempre foi assim.
Durante séculos e séculos, o estatuto de dinheiro da Humanidade esteve sempre associado ao Ouro. Qualquer comerciante ou homem de negócios, independentemente da sua naturalidade ou residência, podia realizar ou receber pagamentos em Ouro, dado que qualquer entidade ou pessoa o aceitava como meio de pagamento.
No princípio, para além do peso no comércio internacional, a diferença para um país emitir uma moeda reserva do Mundo, também tinha de dispor de uma cunhagem confiável e quantidades de metal precioso assinaláveis.
Um país que respeitasse a quantidade de metal precioso nas moedas por si cunhadas obtinha assim maior procura pela sua moeda.
Este foi o caso do Soldo – Numisma, em grego, daí numismática –, uma moeda com 4,5 gramas de Ouro, emitida pelo Império Bizantino durante séculos, e utilizada na maioria das trocas comerciais do Mediterrâneo. Nunca sofreu qualquer desvalorização durante mais de 600 anos, desde a sua introdução no ano de 312, desde o reinado do imperador romano Constantino I até ao reinado do imperador bizantino Nicéforo II Focas (963–969).
O caso português apresentou características semelhantes: o nosso país controlou, durante a segunda metade do século XV e uma parte do século XVI, o comércio das especiarias – a matéria-prima de maior valor naquele período – e dispunha de quantidades de Ouro importantes para cunhagem, proveniente de São Jorge da Mina, actual Gana.
No caso dos Estados Unidos, o seu domínio veio da II Guerra Mundial, quando registavam com 21.770 toneladas de reservas de Ouro, o equivalente hoje a 1,32 biliões de USD – aproximadamente 6% do PIB deste país – e possuíam a maior capacidade produtiva do Mundo, provada durante o conflito: construiu 141 porta-aviões (de todos os tipos), 203 submarinos, 62 mil bombardeiros, 88 mil tanques e quatro bombas atómicas.
Assim, em 1945, o USD substituiu a Libra Esterlina do Reino Unido como moeda reserva do Mundo.
Para selar este estatuto, foram estabelecidos os acordos de Bretton Woods: o USD tornou-se a única moeda convertível em Ouro, com o seguinte rácio: 35 USD por uma onça de ouro (31,103 gramas), ou seja, 1,13 USD por um grama de Ouro.
Com o envolvimento dos Estados em vários conflitos militares, em particular no Vietname, de imediato o seu Governo iniciou a impressão de moeda sem qualquer respaldo em Ouro.
Por outro lado, os défices comerciais da Economia norte-americana durante os anos 60 do século passado também provocaram a erosão expressiva das suas reservas de Ouro. Em 1971, já eram inferiores a 10 mil toneladas, uma queda superior a 50% desde o final da II Guerra Mundial.
Em 1971, Nixon terminou então com a convertibilidade do USD em Ouro. Para salvar a sua moeda, convenceu os dirigentes da Arábia Saudita, o maior produtor de Petróleo de então, a cotar os barris de crude apenas em USD. Em troca, os sauditas obtiveram a protecção do exército norte-americano.
Foi assim criado o mercado dos Petrodólares, em que todos os negócios do Ouro Negro passaram a ser realizados em USD. Sabemos o destino de Saddam Hussein e de Gaddafi por terem desafiado este monopólio.
Com os acordos de Bretton Woods, em 1971, qual foi a evolução do USD face ao Ouro? Ora, perdeu aproximadamente 98% do seu valor.
Evolução do preço de uma onça (31,1 gramas) de Ouro entre 1950 e 2022 em USD (escala invertida). Fonte: Yahoo Finance (análise do autor).
Fica, por tudo isto, evidente que este monopólio monetário, desfrutado pelos Estados Unidos, é agora artificial e está a permitir vários abusos.
O primeiro refere-se aos défices comerciais. Se um determinado país regista importações superiores a exportações, como é o caso dos Estados Unidos, significa que as vendas de USD são superiores às compras de USD no mercado de divisas. Ou seja, ocorre uma pressão vendedora. Vamos utilizar um exemplo para ilustrá-lo melhor:
Quando um importador norte-americano adquire bens à China, vende por exemplo 2.000 USD e compra bens chineses no valor de 2.000 USD; o exportador chinês vende os Dólares (USD) ao seu Banco Central e compra Iuanes (CHY);
Quando um exportador norte-americano vende bens à China, recebe por exemplo 1.000 USD e vende os bens norte-americanos no valor de 1.000 USD; para pagar ao exportador norte-americano, o importador chinês compra Dólares (USD) e vende Iuanes (CHY);
Se a pressão vendedora (2.000 USD) supera a pressão compradora (1.000 USD), o USD tende a depreciar-se nos mercados internacionais.
Ou seja, um défice comercial para um dado país, por regra, coloca pressão vendedora no mercado para a sua moeda. No entanto, este não é o caso do USD, dada esta ser a divisa reserva do Mundo.
Isso explica a “despreocupação” dos Estados Unidos com o maior défice da sua balança comercial de sempre, que ocorreu em 2021: 859,1 mil milhões de USDs; e com o maior défice comercial para apenas um mês (109,8 mil milhões de USD), que ocorreu no passado mês de Março.
Esta pressão vendedora de USD não ocorre, porque, na verdade, os grandes países exportadores para os Estados Unidos não convertem os USD que recebem para a sua divisa. Ao receberem os USD dos importadores norte-americanos, através do seu Banco Central, aplicam-nos em instrumentos financeiros denominados em USD, como obrigações do tesouro norte-americano (financiando os défices públicos) ou acções de empresas cotadas em bolsa – como é caso do Banco Central Suíço, um dos maiores accionistas da Apple. Ou seja, nestes casos não há pressão vendedora de USD.
Por outro lado, muitos destes países exportadores também optam por acumular os USD das suas exportações junto do seu Banco Central, pois consideram-nos reservas, dada a sua enorme liquidez no mercado – todos o aceitam.
Por exemplo, países como o Brasil, quando exportam soja para os Estados Unidos, recebem USD; e, em lugar de os vender no mercado, deixam-nos à guarda do seu Banco Central sem colocar pressão vendedora no mercado.
Na sua óptica, caso a sua divisa seja atacada em crises financeiras, como acontece com a Argentina muitas vezes, o seu Banco Central desata a vender USD – utilizando as referidas reservas – e a comprar Pesos argentinos no mercado, apreciando, desta forma, a sua divisa ou evitando a sua queda abrupta nos mercados.
Quando existem crises financeiras, como a de 2008, atendendo que a maioria dos instrumentos financeiros negociados em bolsa estão denominados em USD (matérias primas, como Petróleo), conduzem à inevitável liquidação, ou seja, a uma venda a qualquer preço, visando obter liquidez.
Consiste isto na venda desse instrumento e na compra de USD, colocando, mais uma vez, pressão compradora sobre a divisa norte-americana. Ou seja, quando ocorrem quedas nas cotações na maioria dos activos financeiros, os investidores fogem para os “braços” do USD.
A maioria dos países do dito Terceiro Mundo emite dívida denominada em USD, atendendo que os seus mercados nacionais não possuem poupanças e liquidez para satisfazer a sua oferta de obrigações. Assim, no momento em que emitem empréstimos em USD, não os convertem na sua divisa local, realizando pagamentos internacionais com esses USD.
No futuro, quando ocorre o pagamento de capital e juros, estes países convertem a sua moeda local em USD, ou seja, vendem a divisa local e compram USD para poder pagar aos credores internacionais – apenas aceitam receber em USD. Atendendo que a dívida é crescente, existirá sempre procura por USD nos mercados para proceder a estes pagamentos.
O último abuso – e talvez o mais importante no período que vivemos –, resulta da dimensão dos seus mercados de capitais. Muitos investidores internacionais procuram elevadas rendibilidades, num contexto de taxas de juro 0%, comprando todo o tipo de instrumentos financeiros (acções, obrigações, ETFs, matérias-primas, derivados, etc.), apenas nos mercados norte-americanos, que proporcionam estas oportunidades de investimento. Para tal investimento, os investidores internacionais são obrigados a vender a sua divisa e a adquirir USD para negociarem nessas bolsas de valores.
Estas são as principais razões para que o USD não se afunde nos mercados. A sua situação de moeda reserva do Mundo tem mantido os norte-americanos com um nível de vida que não corresponde à sua produção.
O conflito na Ucrânia parece voltar a confirmar esta teoria. Em crises, os investidores correm para a moeda reserva do Mundo, vendendo activos financeiros e convertendo-os em USD. Todas as principais moedas do mundo ocidental perderam valor frente ao Rublo desde o início do ano, mas, no entanto, o USD foi o que menos perdeu: “apenas” 14%, que confronta com uma queda de 20% no caso do EUR.
Apetece, aliás, perguntar: afinal as sanções foram para a Rússia ou para nós?!
Evolução do preço das principais divisas mundiais entre o final de 2021 e 4 de Maio de 2022 face ao Rublo. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)
Um aspecto crucial na Guerra da Ucrânia está a suceder, aliás. No passado, o lançamento de sanções sobre um dado país, regra geral, levava à ruína da sua divisa.
Isso não parece estar a acontecer com o Rublo russo.
No início do conflito, o USD frente ao Rublo valorizou-se consideravelmente, tendo chegado a atingir os 139 Rublos por 1 USD; mas desde então, o USD caiu mais de 50% frente ao Rublo, tendo cotado na passada quinta-feira no mínimo do ano, em torno de 64 Rublos por 1 USD.
Mas este modelo ocidental, dominado pelos Estados Unidos, em que um dado país paga as suas contas com a “impressora”, parece estar a chegar ao fim, pois a Rússia e a China – ambos grandes exportadores, a primeira de matérias-primas, o segundo de bens de consumo – já não parecem aceitar o USD como moeda reserva do Mundo.
Por um lado, não estão já interessados em acumular USD – veja-se o caso da Rússia, que vendeu todas as obrigações emitidas pelo tesouro norte-americano. Por outro, a China deixou de incrementar substancialmente as suas reservas de USD.
Em conclusão, parece já não ser possível aos Estados Unidos “exportarem” a sua inflação para a China.
Esta dura nova realidade terá agora de ser enfrentada por consumidores norte-americanos e europeus. Em Março último, a inflação situou-se em 8,5% nos Estados Unidos, um máximo desde o início dos anos 80 do século passado.
Fica assim claro que uma nova moeda reserva do Mundo terá que emergir desta crise.
Evolução do USD medido em Rublos entre o final de 2021 e 4 de Maio de 2022. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor).
Julgo que três cenários podem colocar-se:
A emergência do Bitcoin como moeda reserva do Mundo (já irei explicar as razões);
A emergência de uma moeda respaldada por Ouro ou uma combinação de matérias-primas relevantes para a Economia mundial;
A emergência do Iuane chinês como moeda reserva do Mundo, substituindo o USD.
No caso da segunda e terceira opções, estas estariam sempre sujeitas aos “caprichos” e corrupção dos humanos: o imperialismo, os gastos sem fim, as guerras, os défices, provocariam, certamente, a sua queda – por essa razão, o estatuto de moeda reserva durou em média 100 anos. Existe sempre a tentação de abusar da emissão para financiar gastos através da inflação.
Esse não é o caso do Bitcoin.
A emissão em circulação de Bitcoin não depende de nenhum Governo, estando limitada a 21 milhões de tokens em termos absolutos – foi assim que se concebeu, por algoritmo, como oposição ao regabofe dos bancos centrais que imprimem sem limite. Por outro lado, o blockchain está hoje preparado para processar milhões de transferências em curtos espaços de tempo; a rede funciona 24 horas sobre 24 horas, e pode ser acessível a qualquer pessoa ou entidade a todo o tempo, algo impossível nas redes que suportam as moedas fiat.
Por fim, importa ter em mente que emitir novos Bitcoin implica um custo e um “esforço”, ao contrário do Banco Central norte-americano, que apenas tem de carregar num botão para criar nova massa monetária, isto é, sem qualquer custo.
Em suma, os próximos anos serão disruptivos. E a supremacia futura do sistema monetário é, por agora, uma incógnita.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Nos dias que correm, nunca deixamos de escutar um lema já em lengalenga: é preciso defender o nosso modo de vida, a nossa Liberdade, a nossa Democracia, o nosso Estado de Direito…
Tudo isto é repetido ad nauseam pela nossa comunicação social, em particular por comentadores que descobriram que afinal apenas serviam para tal emprego, depois de anos e anos na vida política e em cargos governamentais.
As palavras que ecoam da boca destes comentadores proporcionam-nos a sensação de que vivemos numa espécie de Alice no país das maravilhas, liderado por uma nação excepcional: os Estados Unidos da América (EUA), esse farol da Liberdade.
Todos os dias recebemos as suas directrizes e orientações, caso contrário, como seria possível conhecer os bons e os maus da fita deste mundo perigoso?
Será o mundo ocidental liderado pelos EUA assim tão idílico? Será assim tão respeitador da propriedade privada, dos direitos humanos, da imprensa livre e do estado de direito? Comecemos pela propriedade privada, um direito “sagrado” do mundo ocidental.
A moeda norte-americana, o dólar norte-americano (USD), é desde o final da II Guerra Mundial a moeda reserva do Mundo.
Em 1971, depois de ter financiado a guerra do Vietname com a impressora do seu Banco Central, sem qualquer respaldo por Ouro, os EUA foram obrigados a terminar a convertibilidade do USD no metal amarelo. Desde então, o USD perdeu 98% do seu valor!
A desvalorização de uma moeda, através da impressão massiva de dinheiro, não é mais do que o confisco da propriedade privada dos cidadãos.
Quais as consequências de tal política? Uma inflação descontrolada. Em Março último situou-se em 8,5%, a mais elevada desde o início da década de 80 do século transacto. Segundo a página Shadow Statistics, que aplica o método de cálculo de inflação de há 40 anos, em Março de 2022 a inflação encontrava-se em 17,5%! Podemos imaginar o presente saque às poupanças dos cidadãos do “mundo livre”, com taxas de juro dos depósitos nos 0% e a inflação próxima de 20%!
Evolução do dólar (USD) em função da cotação do ouro (unidade: gramas de ouro por 100 USD). Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)
Como chegámos até aqui? Com a impressão de mais 5 biliões de USD (12 zeros) desde o final de Setembro de 2019, em que ocorreu uma crise no mercado interbancário norte-americano, por parte do banco central norte-americano. A crise “pandémica” e agora a “guerra na Ucrânia” são desculpas perfeitas para justificar as consequências desta loucura monetária.
A classe política do “Mundo Livre” tem de continuar a vencer eleições atrás de eleições. Estes gloriosos feitos requerem dinheiro, muito dinheiro: para as clientelas políticas, para os funcionários públicos, para os empresários e colaboradores em casa sem produzir, para a obnóxia imprensa e para alimentar guerras sem fim, visando incrementar índices de popularidade de líderes caídos em desgraça.
Evolução da taxa de inflação nos Estados Unidos entre 1970 e Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)
Como o fazem? Geram défices públicos monstruosos – em 2020 foi de 3,3 biliões, um valor superior a 16% do PIB norte-americano – que necessitam de ser financiados por novas emissões de dívida pública.
E quem a compra? O Banco Central, usando a respectiva impressora.
O leitor coloca a seguinte pergunta? Mas isso não gera inflação, o tal confisco de propriedade de privada? Claro que sim, mas a culpa é do “Putin” ou da “pandemia”.
Para além da inflação, o assalto à propriedade privada no Ocidente ocorre de outras formas. O maior de todos é perpetrado pelo esquema em pirâmide denominado Segurança Social. Apesar de tudo, apresenta duas diferenças, para muito pior, em relação ao famoso burlão Bernie Madoff: (i) é obrigatória, caso contrário, o destino do rebelde é o cárcere; (ii) a saída não é voluntária nem pode ocorrer a qualquer momento, é quando as autoridades assim o decidam.
Evolução do balanço do Banco Central norte-americano, em biliões de USD, entre 2008 e 2022. Fonte: Stlouisfed (análise do autor)
E quem não se recorda dos assaltos ocorridos em vários países ocidentais – por cá, já ocorreu por diversasvezes – aos fundos pensões privados, mediante a sua transferência para a Segurança Social? Tal desvio do alheio foi propagandeado como uma receita extraordinária para os cofres públicos, com o propósito de salvar as contas e a boa gestão!
Agora até temos um estado vassalo dos EUA, liderado por um membro do World Economic Forum (WEF), que decretou um estado de emergência para colocar um fim às manifestações pacíficas de camionistas e confiscar-lhes as contas bancárias e activos financeiros, depois de se ter apropriado de 12 milhões de USD em fundos angariados em plataformas de crowdfunding.
E os estados vassalos grego e italiano que confiscam todos os meses os seus pensionistas, impondo-lhes sanções pecuniárias apenas por se recusarem à inoculação de substâncias experimentais no seu corpo?!
O que dizer dos EUA e dos seus vassalos europeus que congelam e confiscam as reservas do Banco Central russo? Ou de cidadãos russos, sem qualquer acusação ou direito de defesa, tal como exige um Estado de Direito?
Evolução do défice (vermelho) ou superávit (verde) federal dos Estados Unidos, ano a ano, em milhares de milhões de dólares, entre 1980 e 2021. Fonte: Stlouisfed (análise do autor)
Tal como diz a nossa Constituição, bem como a maioria das constituições do suposto “mundo livre”, no seu nº 1 do artigo 26º: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
Será mesmo assim? E o nosso direito à personalidade, eliminado por umas fraldas faciais durante dois anos, sem qualquer evidência científica de que funcionam?
E a tortura de crianças durante dois anos, prejudicando seriamente a sua educação; ora através de um ensino à distância, prejudicando os mais pobres que não têm Internet ou computador pessoal, ora presencial e com fraldas faciais, sem possibilidade de lerem as emoções e os rostos dos professores, indispensáveis a uma boa Educação.
O que dizer do certificado digital imposto pela União Europeia, utilizado unicamente para discriminar cidadãos que se recusam a inocular-se com uma substância experimental, vedando-lhes o acesso a uma vida normal – ginásios, restaurantes, estádios, teatros –, e impedindo-os de circular livremente, tal como se vivessem numa prisão.
E o discurso de ódio de que foram vítimas, sem que ninguém se indignasse? E o direito ao corpo tantas vezes reclamado para as questões do aborto e da eutanásia, mas que na “pandemia” não se aplicou, caso contrário, tal “negacionista” não passava de um inimigo do bem comum.
A discriminação atingiu novos absurdos: recentemente, a organização do torneio de ténis de Wimbledon baniu os jogadores russos e bielorussos.
O mesmo seguramente terá acontecido aos tenistas norte-americanos Arthur Ashe, Pancho González e Stan Smith durante os torneios de ténis nos finais dos anos 60 e princípios dos anos 70, em resultado dos bombardeamentos de nações soberanas como o Camboja e o Vietname, onde faleceram milhares e milhares de civis inocentes.
Certamente que o mesmo se passou com os jogadores norte-americanos Andy Roddick, James Blake, Andre Agassi e as irmãs Williams durante o torneio de Wimbledon de 2003, como castigo pelo emprego de fósforo branco e urânio empobrecido na cidade iraquiana de Fallujah pelo exército norte-americano.
Uma missão em nome da eliminação de “armas de destruição maciça” que afinal nunca tinham existido. As consequências são ainda hoje visíveis, em que crianças nascem com defeitos congénitos catastróficos.
E o que dizer da mítica final de Wimbledon entre os norte-americanos Pete Sampras e Andre Agassi em 1999, como foi possível tal ter acontecido!, dado que nesse ano a NATO bombardeava a capital sérvia e o “Exército de Libertação do Kosovo” fazia uma limpeza étnica de Sérvios, Judeus e Ciganos – na altura, a nossa imprensa não os veio defender, nem o então presidente da Assembleia da República se indignou com tal chacina!
E o que dizer da detenção por anos a fio de pessoas sem julgamento?
Por cá, o método é um apanágio da nossa justiça há décadas; para não falar dos milhares de cidadãos acusados pelo Ministério Público e posteriormente absolvidos pelos tribunais, com a total indulgência dos magistrados que arruinaram o bom-nome e a reputação dessas pessoas. São autênticos inimputáveis, destruindo vidas com recursos públicos.
Nos últimos dois anos, o governo australiano, outro membro do “Mundo Livre”, quis regressar às suas origens, no tempo em que não era mais que uma colónia penal do império britânico. Para tal, construiu acampamentos para forçar cidadãos saudáveis a isolamento e quarentena, sob o olhar atento de guardas e funcionários de saúde. Caso tentassem escapar, eram encarcerados e acusados de crimes! Tudo em nome do estado de direito, das liberdades e garantias tão características do “mundo livre”.
E no nosso cantinho à beira-mar plantado? Durante a “pandemia”, tivemos cidadãos detidos em prisão domiciliária, apenas por terem acusado positivo num teste sem qualquer fiabilidade, sem qualquer mandado judicial, tal como determina a Constituição, apenas com uma ordem de um funcionário administrativo. Tudo em nome do Estado de Direito!
E o que dizer de Julian Assange, que teve o topete de desmascarar os crimes de guerra dos EUA, há anos detido sem qualquer julgamento? Outro estado vassalo prepara-se agora para o entregar ao país líder do “Mundo Livre”.
Bem, mas o que nos salva é a imprensa livre, sem qualquer censura e dotada de uma imaculada imparcialidade.
Esta “imprensa livre” diz-nos há muito que a censura é necessária, pois serve para nos “proteger da desinformação e da propaganda”.
Talvez por isso, contrataram os famigerados “Fact-checkers”, para nos proporcionar a verdade oficial.
Talvez por isso, sejam os beneficiários de enormes subsídios estatais, possivelmente para compensar os colossais prejuízos em que vivem mergulhados há anos, o suficiente para encerrar portas de qualquer simples negócio.
Talvez por isso, tenham participado na cocção dos cidadãos à inoculação de uma vacina experimental nos seus corpos.
Talvez por isso, puderam publicar em Janeiro do presente ano que a CIA preparou as forças especiais ucranianas a “matar russos”.
Talvez por isso, ignorem que o conflito na Ucrânia existe desde 2014, onde faleceram 14 mil pessoas e foram deslocadas 1,5 milhões de pessoas.
Talvez por isso, as redes sociais agora autorizam discursos de ódio, desde que sejam dirigidos a russos!
Sorria estimado leitor: não perca os discursos encomiásticos às nossas liberdades, à nossa democracia; convença-se e seja feliz neste mundo perfeito, de garantias e de respeito pelos direitos humanos!
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O termo Cisne Negro foi popularizado pelo livro The black swan, de Nassim Nicholas Taleb, que mostra como eventos raros e imprevisíveis e de consequências potencialmente graves são muito difíceis de prever, apesar de, quando ocorrem, se observa uma insistência generalizada de que as suas causas e consequências eram antecipadamente óbvias.
Mas essa imprevisibilidade não significa improbabilidade; apenas significa que não sabemos quando, com exactidão, ocorrerá o evento repentino. Ora, mas se conseguirmos identificar sinais que concorram para esse evento raro e imprevisível, talvez continuemos a não conseguir prever o exacto dia em que irrompe um Cisne Negro por aí fora, mas podemos garantir que ele está a chegar; que a sua chegada é mesmo inevitável.
Qual será então o nosso próximo Cisne Negro?
Uma crise financeira. E económica.
E tudo começa pela política monetária implementada pelos bancos centrais após a crise iniciada pela falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, em Setembro de 2008.
Como se sabe, essa política consistiu na compra de activos financeiros pelos bancos centrais directamente no mercado secundário por contrapartida da impressão massiva de dinheiro. O activo de eleição foi a dívida soberana, com consequências na taxa de juro implícita: a sua inexorável descida a valores próximos de zero, ou mesmo negativos, como aconteceu na Alemanha e outros países do norte da Europa. Uma “impossibilidade” teórica escrita em manuais de Economia.
Como funciona este mecanismo? Os bancos comerciais que participam nos leilões de dívida pública estão plenamente seguros dos seus investimentos, dado que passou a existir um comprador com bolsos infinitos e dinheiro de monopólio: o Banco Central.
No entanto, importa, em primeiro lugar, explicar a relação entre a taxa de juro implícita e o preço de uma obrigação. Vamos supor que uma obrigação proporciona um pagamento de 10 Euros todos os anos, como se mostra na figura seguinte.
Análise do valor de uma obrigação com um cupão anual de 10 euros (valor actual vs. rendibilidade)
Se o leitor investir apenas 100 euros na aquisição dessa obrigação, a taxa de juro que irá receber será 10%; se investir 200 euros será 5%; mas se investir 2000 euros será apenas 0,5%. Vamos resumir:
O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 10% é 100 Euros;
O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 5% é 200 Euros;
O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 0,5% é 2 000 Euros.
A uma taxa de juro mais elevada corresponde um valor actual menor e vice-versa. Para simplificarmos a nossa explicação, vamos suportá-la num exemplo:
os bancos comerciais participam num leilão de dívida pública, em que um dado estado deseja colocar 1000 milhões de Euros no mercado primário;
obrigação emitida pelo estado proporciona o tal cupão anual de 10 Euros;
no leilão determina que o preço da obrigação é 100 Euros, ou seja, uma rendibilidade implícita de 10%;
seguidamente, os bancos comerciais tentam vender a obrigação no mercado secundário;
dada a enorme procura do banco central por estas obrigações, o preço das mesmas sobe, estabelecendo-se um novo preço de 200 Euros por obrigação;
a nova taxa de juro implícita é 5%, em lugar de 10%, uma descida de 10 pontos percentuais.
Isto foi precisamente o que aconteceu nos últimos 13 anos. Os Estados e os bancos comerciais passaram a estar seguros de que as suas obrigações eram sempre vendidas ao Banco Central; por essa razão, ocorreu a inexorável descida das taxas de juro implícitas nos últimos anos, em particular em 2020, ano em que ocorreu uma massiva impressão de dinheiro para responder à crise Covid-19.
Evolução da taxa de juro implícita (%) das obrigações emitidas por Portugal com maturidade a 10 anos. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)
A pressão compradora do BCE provocou a subida do preço das obrigações, levando à redução da taxa de juro implícita. Na figura anterior, podemos observar que no final de 2021, com a subida da inflação, a taxa de juro implícita está a subir consideravelmente, ainda que de forma controlada.
E qual o impacto desta política no mercado de acções?
Vamos agora imaginar que um investidor tem as seguintes expectativas para a empresa ABC, tal como ilustrado na figura seguinte: hoje, perde muito dinheiro, mas, num futuro longínquo, supõe-se que irá ganhar imenso dinheiro. Isto é o que acontece, regra geral, com as empresas tecnológicas. No arranque perdem imenso dinheiro – Amazon, Tesla, Netflix e Uber –, com o propósito de ganhar uma enorme quota de mercado, e depois consolidam a sua posição, podendo vender a preços mais elevados e gerar enormes lucros.
Expectativa para os resultados da empresa ABC (unidade: euros)
Nesta figura podemos ver que no primeiro ano a empresa perde 250 Euros; ao longo do tempo, espera-se que vá diminuindo as perdas, até que no 9º ano começa a apresentar resultados positivos, passando, a partir daí, a crescer todos os anos a 0,5%.
Qual o valor actual dos resultados futuros caso sejam descontados com diferentes taxas de juro? Se descontarmos a 10%, 5% e 4%, trata-se de um investimento não interessante, tal como podemos observar na próxima figura.
No entanto, para valores inferiores a 4%, o valor actual passa a ser positivo; quando se aproxima dos 0%, o valor actual começa a subir de forma exponencial. Trata-se precisamente do fenómeno que acontece com os mercados financeiros da actualidade. Esta é a explicação para as valorizações estratosféricas a que assistimos recentemente!
Os estímulos dos bancos centrais durante a crise Covid-19 são paradigmáticos desta situação.
No início de 2020, o índice Nasdaq 100 situava-se em 8.000 pontos e a taxa de juro implícita das obrigações do tesouro norte-americano a 10 anos situava-se em torno de 2%.
Quando o Banco Central norte-americano decidiu emitir dinheiro e comprar obrigações do tesouro norte-americano, o preço destes activos financeiros disparou, provocando a descida da taxa de juro implícita para 0,5%.
Repare-se que ao mesmo tempo o Nasdaq 100 subia de 8.000 para 16.000 pontos, praticamente duplicando de valor em resultado de tal “estímulo monetário” – um eufemismo para denominar a impressão de dinheiro.
Valor actual de uma empresa com vários cenários de taxas de juro (%)
Note-se que a partir do final de 2021, com a subida da inflação – a consequência da enorme impressão de dinheiro durante a crise Covid-19 -, os bancos centrais passaram a estar pressionados para reduzir a impressão massiva de dinheiro e a subir os juros.
Desse modo, o índice Nasdaq 100 não recuperou do máximo histórico ocorrido no final do ano transacto, estando em correcção desde então.
Em resumo, o valor dos activos financeiros depende da taxa de juro que se aplica aos fluxos financeiros futuros, tal como sobredito no presente artigo.
O valor de uma obrigação depende do valor do cupão (fluxos financeiros futuros), da capacidade do devedor pagar – se existem dúvidas, o valor da obrigação desce e os juros sobem, como foi o caso da última bancarrota em Portugal – e da taxa juro que se aplica para descontar os cupões.
Tal como vimos no exemplo no início deste artigo, se o preço da obrigação sobe por pressão compradora do Banco Central, a taxa de juro implícita desce, e vice-versa.
No caso das acções, estas funcionam igual às obrigações, mas com uma diferença relevante: os fluxos financeiros futuros não são conhecidos, pois numa obrigação o pagamento dos cupões e do capital estão calendarizados desde o início, enquanto os lucros futuros dependem da gestão, do mercado onde a empresa actua e da situação económica em geral.
Em relação ao Bitcoin (BTC) ou ao Ouro (PAXG), esta relação não se aplica: ou seja, não existe qualquer rendimento – dividendos, cupões, lucros, etc. – associado à sua detenção, dado que a procura por estes activos deriva da sua situação de reserva de valor. São activos com oferta escassa – no caso do Bitcoin, 21 milhões – e não dependentes dos “caprichos” dos bancos centrais.
Qual então o Cisne Negro a que podemos assistir em breve?
Evolução do índice Nasdaq 100 (pontos) e da taxa de juro implícita (%) das obrigações do tesouro norte-americano com maturidade a 10 anos. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor).
Nada mais nada menos que o final da bolha da dívida que se iniciou desde o final de Bretton Woods em 1971.
Desde o início dos anos 80, em que o então presidente da Reserva Federal norte-americana subiu os juros acima de 15%, a política tem sido uma redução sistemática dos juros, através da impressora dos bancos centrais, provocando a subida sistemática da dívida no sistema. Esta situação agravou-se a partir de 2008 e particularmente com a crise Covid-19 em 2020.
A impressão massiva de dinheiro para aquisição de obrigações emitidas pelos estados do Ocidente elevou a dívida pública à estratosfera, e poderá ser o Canto do Cisne da enorme bolha que é hoje o mercado de dívida – pública, privada e empresarial.
Se, nos próximos meses, a taxa de juro implícita das obrigações norte-americanas com maturidade a 10 anos subir de forma descontrolada – isto é, atingir os 3% e continuar a subir rapidamente –, poderá advir daí uma visita do Cisne Negro, que porá um fim à bolha de dívida que tem caracterizado a Economia ocidental.
O dinheiro, tal como o poder, ocupa sempre o vazio.
Se toda massa monetária “fugir” do mercado de dívida – pois ocorre uma venda descontrolada de obrigações do tesouro norte-americano, e do mercado de acções –, terá inevitavelmente de ir para algum lado.
Esse lado, na minha opinião, será o das Criptomoedas – em particular, o Bitcoin –, o Ouro e as matérias-primas. Ou seja, activos reais não dependentes de bancos centrais.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
No próximo dia 25 de Abril de 2022, o actual regime irá completar 17.532 dias, ultrapassando o Estado Novo, que durou 17 499 dias.
Pela semelhança de duração, julgo estar na hora de realizar um balanço; no fundo, aquilatar os resultados obtidos em cada período. Sem pruridos. A democracia, ser democrata, devia significar não ter medo de comparações.
Esta avaliação política seguramente não irá ocorrer nas próximas comemorações do 25 de Abril, onde os nossos representantes, por razões óbvias com uma fralda a tapar-lhes a cara – em 2020 não podia haver mascarados –, irão proferir discursos encomiásticos à nossa insigne democracia, por contrapartida às misérias e desgraças do Estado Novo.
A incessante entoação de panegíricos ao regime também conta agora com uma comissão organizadora dos 50 anos, presidida por um apaniguado, que terá direito a uma sinecura de seis anos, com um salário mensal de cerca de 4.500 euros brutos e um préstito de assessores.
Uma das bandeiras do actual regime é o desenvolvimento económico. Será mesmo assim?
Será que a economia portuguesa tem convergido com economias desenvolvidas ao longo dos últimos 170 anos?
Se analisarmos a evolução do produto interno bruto (PIB) per capita de Portugal, corrigido pela paridade do poder de compra (PPC), em relação a uma média simples de 12 países desenvolvidos para os últimos 170 anos, podemos constatar que o período do Estado Novo foi aquele de maior enriquecimento dos portugueses.
Evolução do PIB per capita português (%) face à média aritmética simples de 12 países (Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos da América, França, Holanda, Noruega, Reino Unido e Suécia) em USD (corrigido pelo PPC); Fonte: Luciano Amaral (Convergência e crescimento económico em Portugal no pós-guerra) até 1992; Banco Mundial, a partir de 1992 (análise do autor).
A 1ª República deu continuidade à divergência económica que ocorreu durante todo o século XIX, em que Portugal ficou completamente relegado à irrelevância, com uma queda de 7,6 pontos percentuais. Em 1974, o PIB per capita de Portugal era de 57,5% da média aritmética do PIB per capita de 12 países desenvolvidos, uma subida de mais de 30 pontos percentuais.
O que logrou o presente regime?
Para além de três bancarrotas – seguramente virá aí a quarta –, apenas uma convergência positiva de 4,8 pontos percentuais ao longo de 46 anos. No entanto, com uma agravante: a dívida pública encontra-se agora na estratosfera. Nunca na História de Portugal tivemos uma dívida desta dimensão.
Evolução da dívida pública portuguesa em percentagem do PIB entre 1850 e 2021. Fonte: Mata e Valério (1994); Banco Mundial; Eurostat (análise do autor)
No final de 1974, a dívida pública em percentagem do PIB era de apenas 13,9%; actualmente, situa-se acima em 127,4%. Ou seja, enquanto o Estado Novo reduziu-a em 60 pontos percentuais, o presente regime presenteou-nos com uma subida de 114 pontos percentuais.
Para elevar a dívida pública ao Olimpo, o actual regime serviu-se do seu carácter frascário: estádios sem espectadores, duas e três auto-estradas para o mesmo trajecto, parcerias público-privadas sem risco e com retorno assegurado para os amigos, aeroportos sem passageiros e aviões, comboios de alta velocidade que nunca saíram do papel, clientelas em casa sem trabalhar enquanto decorria uma “pandemia” anunciada por uma imprensa obnóxia.
Em resumo, esta mísera convergência económica foi alcançada com uma dívida pública astronómica, que se agravou substancialmente a partir de 2000 com a adesão ao Euro, esse projecto, anunciado na altura pelo actual possidónio que lidera a ONU, que nos ia retirar das profundezas do atraso económico.
No que respeita ao mercado de capitais, em lugar de melhorarmos, simplesmente estamos muito pior, apesar de um autêntico exército de reguladores e polícias de mercado. O actual mercado de capitais vale apenas 38% do PIB, enquanto em 1974 valia 66%.
Quem não se recorda da equipa do ex-vendedor de PCs Magalhães, aquele que recebeu um milhão de contos num cofre da sua mãe – até hoje ainda não descobrimos como os converteu em euros -, e que se encarregou de destruir várias empresas cotadas na bolsa de Lisboa, em conluio com o então DDT do regime?
PIB português em 2021 vs. capitalização bolsista no final de 2021 e 1974 em milhares de milhões de euros. Fonte: Filipe S. Fernandes (Os Empresários de Marcello Caetano), CMVM; Eurostat (análise do autor)
O que tem acontecido nas últimas décadas desde a adesão ao Euro?
Não parámos de descer na ordenação descendente do PIB per capita.
Entre 1999 e 2020, passámos de 15ª posição, num conjunto de 25 países da União Europeia, para o 19ª. Em 2021, fomos ultrapassados pela Hungria; agora, corremos o risco de sermos ultrapassados pela Roménia: um país que viveu durante décadas um pesadelo comunista!
A Grécia, o país que nos tem acompanhado na vida de mendicante, com uma dívida pública colossal, acima de 220% do PIB, e que tem passado a vida a solicitar perdões de dívida, está agora em risco de ser ultrapassada pela Bulgária!
Já não falta muito para nos tornarmos junto com a Grécia um dos países mais envelhecidos do mundo e a caminho de ser o carro-vassoura da Europa: vamos seguramente disputar o pódio com os gregos em breve.
Somos agora, além de tudo isto, um país envelhecido, resignado, manietado e que aceita sem qualquer assuada todas as directrizes do poder, independentemente de as mesmas terem qualquer base constitucional. O que importa é a reforma, o subsídio ou a sinecura junto do Estado; esse é o desejo de qualquer jovem licenciado que deseja ter uma “vida sossegada”.
PIB per capita, corrigido pelo paridade do poder de compra, em 1999 e 2020 de 25 países da União Europeia (Unidade: USD). Fonte: Banco Mundial (análise do autor).
Aqueles que desejam alcançar algo na vida, nada mais lhes resta do que emigrar, atendendo que a produção de riqueza é tributada com enorme violência. Em 2018, a receita fiscal em percentagem do PIB era de 37,1%, quando no Estado Novo não superava os 15%, apesar de ter enfrentado uma guerra colonial a decorrer em várias frentes.
Estamos agora sem qualquer soberania. A soberania monetária foi entregue há muitos anos ao Banco Central Europeu (BCE). A partir de então temos passado a viver de mão estendida, à espera de que esta entidade nos adquira a nossa dívida pública para que possamos pagar as contas.
A soberania política também não existe, a maioria das nossas leis é aprovada em Bruxelas sem qualquer controlo democrático.
O nosso Parlamento apenas serve para ratificar o que lá se aprova, e enviar comitivas a Bruxelas para suplicar a mutualização da dívida pública europeia, que aconteceu como uma medida de “combate à crise pandémica”.
Os líderes do regime não cabiam em si de contentes, quando a grande líder, eleita ao melhor estilo de uma ditadura comunista, nos visitou para anunciar que não só iria haver dívida mutualizada, mas também a bazuca europeia estaria a caminho.
Apenas se esqueceu de dizer que a Europa não tem dinheiro, e que irá utilizar a impressora do BCE para “produzir” aquele que nos faz falta. Ao mesmo tempo, todos vão assobiar para o ar e acusar a Rússia pela inflação desta loucura monetária que estamos a viver.
E para que servirá o dinheiro da bazuca? Enquanto a inflação dispara e destrói o poder aquisitivo da população, os hábitos dissipadores dos nossos líderes vão continuar de boa saúde.
Podem continuar a vencer eleição atrás de eleição com a maior das felicidades, anunciando promessas com o dinheiro dos outros, alimentando clientelas eleitorais – reformas, pensões e subsídios – e pagando à imprensa para se manter submissa e incapaz de qualquer escrutínio.
Com uma população submissa e envelhecida, incapaz de compreender o empobrecimento contínuo e a riqueza de uns poucos, tudo será cada vez mais fácil.
Em conclusão, a ópera-bufa que irá ter lugar daqui a uns dias, acompanhada de panegíricos sem qualquer sentido, será o símbolo perfeito da decadência a que chegámos.
De um país que foi a moeda reserva do mundo entre 1450 e 1530; que foi pioneiro da globalização; que realizou um dos maiores desembarques anfíbios da História – a tomada de Ceuta, em 1415 –; que possuía a quarta capital europeia mais populosa no início do século XVIII; que enfrentou sozinho a esquadra do império otomano em 1717; que foi, até ao final do século XVIII, um dos países mais ricos do Mundo, é agora o gracejo da Europa.
O seu supremo prócere máximo até liga agora para um programa em directo para felicitar a senhora que o realiza aos guinchos e aos berros.
O actual regime faz bem em manter a estátua colossal do facínora no topo da Avenida da Liberdade, pois partilha com o Estado Novo o desprezo absoluto pelas liberdades dos portugueses, e a homenagem a tal tirano. Nisso estão juntos com Salazar!
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Por diversas vezes, usamos a expressão Estado Totalitário para definir um Estado marcado pela inexistência de direitos, garantias e liberdades, a par com uma forte repressão da população, incluindo a pena de morte.
Existe sempre alguma dificuldade em defini-lo; no entanto, amiúde recorre-se a duas formas extremas que ocorreram no passado recente, em particular nas décadas de 20, 30 e 40 do século passado: o Fascismo e o Socialismo.
Em relação ao primeiro, vem-nos de imediato à memória o regime fascista italiano de Benito Mussolini e o regime nazi de Adolfo Hitler. São exemplos paradigmáticos de regimes totalitários.
Como podemos caracterizar as principais diferenças entre Fascismo e Socialismo? No primeiro, permaneceu a existência da propriedade privada dos meios de produção; ou seja, existiam donos de fábricas, lojas e escritórios. No segundo, nada disso, atendendo que todos os meios de produção eram colectivizados; o Estado tornou-se o único proprietário e, por essa razão, a iniciativa privada e o livre mercado eram inexistentes.
Mas será que a diferença era assim tão expressiva? Efectivamente, nos regimes fascistas existia propriedade privada, mas apenas no papel. Na verdade, o Estado determinava o que se produzia, em que quantidade, os métodos de trabalho, como era distribuído o resultado da produção, os salários, os preços, bem como os dividendos que os proprietários podiam receber. Na prática, um planeador central do regime condenava o proprietário a assumir um papel de mero “pensionista”, ou mesmo um fiel depositário dos títulos de propriedade, em lugar de um empreendedor movido pelo lucro.
Segundo os fascistas, o bem comum estaria sempre acima dos interesses mesquinhos e egoístas de cada indivíduo que constitui a sociedade.
Os planeadores centrais sabiam o que era melhor para cada membro. Neste sentido, nada melhor que a frase definidora do fascismo de Benito Mussolini: “Tudo dentro do Estado; Nada fora do Estado; Nada contra o Estado”. A negação do capitalismo e do livre sistema de preços era uma característica comum a estes regimes.
Em que regime vivemos presentemente?
Desde 2020, estamos a entrar na nova etapa do regime criado com o término dos acordos de Bretton Woods em Agosto de 1971: um regime “socio-fascista” suportado na total digitalização e vigilância permanente de toda a sociedade, castigando qualquer dissidente com um único propósito: evitar a queda do gigantesco esquema em pirâmide que é hoje o sistema monetário internacional, dominado pelo Dólar norte-americano (USD) desde o final da segunda guerra mundial, que favorece em exclusivo um grupo restrito de pessoas.
Como se sustém um esquema em pirâmide? Evitando que as saídas superem as entradas de novo dinheiro.
O Sr. Madoff, nos Estados Unidos, dizia aos seus investidores que caso saíssem não mais podiam regressar ao “clube exclusivo” que constituía a sua “mágica estratégia de investimento”. No caso do USD, este é protegido pelo exército norte-americano: sempre que um país ameaça deixar de realizar comércio internacional em USD, ou coloca em questão a hegemonia do USD, a sua invasão é inevitável – a deposição de Muammar al-Gaddafi, na Líbia, foi imediata assim que este tentou implementar uma divisa ligada ao ouro.
O que se alterou em Agosto de 1971, que permitiu tornar o esquema em pirâmide ainda mais gigantesco? O USD deixou de ser convertível em ouro; o activo do Banco Central, em lugar do ouro, passou a ser a dívida pública emitida pelo Tesouro norte-americano. O dinheiro, que é uma invenção do livre-mercado, por essa razão o ouro foi o dinheiro da humanidade durante cinco mil anos, passou a estar nas mãos de um planeador central, tal como um regime socialista. As taxas de juro – em lugar de resultarem da oferta e procura por poupança – e a quantidade do dinheiro em circulação passaram a ser ditadas por um “comité central”, ao melhor estilo de uma ditadura comunista.
A partir desta data, os bancos centrais passaram a emitir moeda sem fim, a âncora ouro deixou de constituir um obstáculo – inflação imparável. O que aconteceu à dívida pública norte-americana desde então? Como podemos observar na figura seguinte, subiu ao ritmo de 8,9% ao ano, multiplicando-se por 71 vezes desde então.
Evolução da dívida pública norte-americana (em biliões de USD) desde o final de Bretton Wood em 1971. Fonte: Fiscal Data (análise do autor)
O mesmo aconteceu a países como Portugal, Itália, Grécia e Espanha desde a adesão ao Euro, onde um gigantesco banco central, o Banco Central Europeu (BCE), encarregou-se de patrocinar a orgia de crédito e gasto público: Jogos Olímpicos em homenagem aos clássicos gregos, estádios faraónicos sem espectadores, aeroportos sem aviões e passageiros, duas e três auto-estradas a cobrir o mesmo trajecto, parcerias público-privadas onde o privado obtém retornos chorudos e sem risco, projectos de comboios de alta-velocidade que nunca saíram do papel, “pandemias” com as clientelas eleitorais sem trabalhar e a ver séries Netflix…
Um sem fim de glórias eleitorais, apesar de algumas bancarrotas pelo caminho.
A impressora dos bancos centrais, para além de comprar as classes dirigentes, também tem servido para destruir o capitalismo e proporcionar uma concentração empresarial sem precedentes, o tal fascismo de um conjunto restrito de grandes empresas globais que tudo dominam. Um dos exemplos paradigmáticos é a Netflix – um dos veículos da propaganda do presente regime e um enorme esquema em pirâmide.
A subida da sua cotação na bolsa de valores norte-americana é do domínio da quinta dimensão: do início de 2009, em que cotava em torno dos 5 USD por acção, à sessão de 25 de Março de 2022, em que encerrou a cotar nos 373 USD por acção, registou uma subida de 7.141%.
Evolução da cotação (USD oor acção) da Netflix. Donte: Yahoo Finance (análise do autor)
Como evita reflectir tal situação na sua conta de resultados? Capitalizando as despesas que efectua na produção de séries e filmes, para depois provisionar apenas uma parte na sua conta de resultados. Como o crescimento das despesas na produção de conteúdos está sempre a subir, constituindo na prática um autêntico esquema em pirâmide, a sua conta de resultados pode exibir uns resultados suculentos, apesar de estar a queimar caixa como se não houvesse amanhã. Este é o capitalismo servido pelos bancos centrais!
Em que consiste o modelo de negócio destas empresas? Vender um serviço ou um produto ao mercado a um preço que não cobre nem de perto nem de longe os seus custos operacionais. Ou seja, a perder sistematicamente rios de dinheiro, mas adquirindo rapidamente clientes e quota de mercado, assente em preços predatórios, justificados quase sempre pela “tecnologia revolucionária” por detrás do “inovador” modelo de negócio.
Ora, num capitalismo com taxas de juro que reflectissem a oferta e a procura por poupança, em lugar da decisão arbitrária de um “conjunto de iluminados”, as taxas de juro seriam consideravelmente mais elevadas que as actuais, obliterando por completo a existência de tais negócios. Teriam, certamente, uma existência de apenas alguns meses, em lugar de estarem anos sem fim a receberem novos fundos dos seus accionistas, enganados pelas taxas 0% dos bancos centrais.
O dono de um restaurante recém-aberto, com poucos clientes e com perspectivas pouco optimistas, enfrenta de imediato escassez de liquidez. Qual a consequência mais provável? Fechar portas.
O capitalismo é precisamente isto: satisfazer as necessidades de um cliente com lucro – essa palavra tão abominada nos dias que correm –, caso contrário haverá lugar para outros. E tem de haver, a todo o momento, respeito pelas regras do jogo: propriedade privada e acordos assinados entre as partes (clientes, fornecedores, autoridades…).
Como funciona o capitalismo patrocinado pelos bancos centrais? Garantido aos “gigantes tecnológicos” uma fonte inesgotável de fundos grátis, através dos mercados de capitais, em particular junto dos que possuem dimensão e liquidez, como é o caso das bolsas norte-americanas.
Como sobrevivem estes gigantes anos a fio a “queimar caixa”? Por que razão não estão sujeitas às leis económicas do “Restaurante do Zé” ou do “Bar do Tó”?
Tudo se deve à repressão financeira dos bancos centrais, que proporcionam dinheiro grátis a estes desastres empresariais: sobrevivem graças a uma fonte inesgotável de fundos grátis, esta é a actual realidade dos mercados de capitais norte-americanos.
Vamos supor que uma obrigação proporciona um pagamento de 10 Euros todos os anos, tal como se ilustra na figura seguinte. Se o leitor investir apenas 100 euros na aquisição dessa obrigação, a taxa de juro que irá receber será 10%; se investir 200 euros será 5%; mas se investir 2000 euros será apenas 0,5%. Vamos resumir:
a) O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 10% é 100 Euros;
b) O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 5% é 200 Euros;
c) O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 0,5% é 2 000 Euros.
Análise do valor de uma obrigação com um cupão anual de 10 Euros (valor actual vs. rendibilidade)
A uma taxa de juro mais elevada corresponde um valor actual menor e vice-versa.
Vamos agora imaginar que um investidor tem as seguintes expectativas para a empresa ABC, tal como ilustrado na figura seguinte. Hoje, perde muito dinheiro, mas, num futuro longínquo, supõe-se que irá ganhar imenso dinheiro, em resultado de actuar praticamente em monopólio, depois de ter arrasado a concorrência através do dumping de preços e por confinamentos decretados em nome de uma “pandemia”.
Na figura podemos ver que no primeiro ano a empresa perde 250 Euros; ao longo do tempo, espera-se que vá diminuindo as perdas, até que no 9º ano começa a apresentar resultados positivos, passando, a partir daí, a crescer todos os anos a 0,5%.
Expectativa para os resultados (em euros) da empresa ABC
Qual o valor actual dos resultados futuros caso sejam descontados com diferentes taxas de juro? Se descontarmos a 10%, 5% e 4%, trata-se de um investimento não interessante, tal como podemos observar na figura seguinte.
No entanto, para valores inferiores a 4%, o valor actual passa a ser positivo; quando se aproxima dos 0%, o valor actual começa a subir de forma exponencial. Trata-se precisamente do fenómeno que acontece com os mercados financeiros da actualidade. Esta a explicação para as valorizações estratosféricas a que vimos assistindo!
Valor actual de uma empresa com vários cenários de taxas de juro (%)
Se o preço do dinheiro reflectisse o resultado da oferta e procura por poupança, nunca tal situação teria lugar.
Há umas décadas atrás, os depósitos bancários faziam concorrência aos mercados capitais: e porquê? O seu negócio passava por captar poupanças a 4%, 5% e 6% e proporcionar empréstimos a pequenas e médias empresas a 8%, 9% e 10%, obtendo receitas da diferença entre os juros recebidos e os juros pagos aos seus depositantes.
A aplicação de poupanças em pequenos negócios era realizada de forma indirecta, através do sistema bancário, atendendo que este proporcionava condições de remuneração competitivas. Era uma concorrência às bolsas de valores, algo que deixou de o ser no “Novo Normal”; agora só resta investir na bolsa.
Os bancos centrais, na ânsia de “dar uma mão” a governos falidos e grandes empresas, ao decretarem, de forma administrativa, taxas de juro 0%, eliminam a competitividade dos bancos comerciais, pois deixam de proporcionar condições de remuneração atractivas aos aforradores. Os bancos comerciais passam a poder financiar-se “gratuitamente” junto da “máquina de imprimir notas” do banco central.
Os aforradores são forçados a encontrar alternativas, nem que seja jogar na “roleta”, sem terem a percepção de que estão a jogar na roleta. A repressão financeira efectuada pelos bancos centrais, ao colocar os juros a 0%, obriga os investidores a correr para os mercados de capitais e a realizar propostas de compra totalmente especulativas. Quem beneficia? As grandes empresas norte-americanas com acesso às gigantes bolsas de valores norte-americanas – as que proporcionam liquidez, oportunidades e dimensão.
Neste ambiente de taxas de juro a 0%, não é uma casualidade que o índice NASDAQ 100 tenha subido 1.150% entre 2009 e 2022, tal como podemos constatar na figura seguinte.
Evolução do índice Nasdaq 100 entre o final de 2008 e Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)
Por que razão foi tão positiva a evolução para as empresas tecnológicas que constituem este índice?
As receitas potenciais futuras aumentaram consideravelmente, pois os pequenos negócios estão obliterados por confinamentos nunca vistos na História da Humanidade, e onde a interacção entre as pessoas tornou-se crescentemente digital. Por outro lado, a permanente supressão das taxas de juro por parte dos bancos centrais empurrou as valorizações para a estratosfera.
Nem nos nossos melhores sonhos ocorreria tal evolução para os salários da plebe, confrontada agora com uma inflação sem precedentes, em resultado desta orgia de inflação servida pelos bancos centrais. Enquanto os lacaios da Sra. Lagarde restringiam a actividade económica, encerravam pequenos negócios, limitavam a liberdade de circulação, suspendiam o direito à educação, eliminavam o direito à assistência médica, suspendiam manifestações, censuravam dissidentes, limitavam a liberdade de expressão, esta imprimia quatro biliões de Euros (12 zeros atrás do 4!) entre 2020 e o início de 2022!
Evolução dos activos totais (em biliões de Euros) do balanço do BCE. Fonte: Fred Economic Data (análise do autor)
Quais as consequências de tal política?
As principais matérias-primas sobem ao “céu”, tornando a vida miserável para as classes mais desfavorecidas, com a inevitável recessão económica a curto prazo.
Entre o final de 2019 e o final de Fevereiro de 2022, entre outras, a Madeira subiu 230%, a Aveia 139%, o Gás Natural 101%, o Café 81% e o Milho 80%, apesar da Sra. Lagarde e lacaios dizerem-nos agora que tudo é culpa do Sr. Putin.
Variação de preço (%) das principais matérias.primas entre o final de 2019 e fim de Fevereiro de 2022. Fonte; Yahoo Finance (análise do autor)
Para evitar que o esquema em pirâmide não desabe, a repressão sobre a sociedade acentuar-se-á da seguinte forma:
O dinheiro físico será eliminado, dando lugar à moeda digital dos bancos centrais. Desta forma, ninguém poderá retirar notas do sistema, passando a haver apenas saldos electrónicos disseminados por carteiras digitais e saldos bancários, obviamente sob vigilância das autoridades;
Ninguém poderá fugir ao confisco de juros negativos, dado que deixamos de levantar notas dos bancos e a guardá-las em casa ou no bolso. Se as autoridades decidirem implementar juros negativos sobre os depósitos bancários não haverá fuga possível, pois apenas posso movimento o saldo do banco A para o banco B ou da carteira A para a carteira B;
O anonimato do dinheiro físico irá desaparecer: cada cidadão irá receber uma carteira digital do estado, movimentada apenas por dispositivos associados a uma identidade digital. Nem as Criptomoedas irão escapar, tal como decorre da proposta de lei na União Europeia para regular estes activos digitais (ver proposta), onde se pretende a identificação exaustiva de cada movimento financeiro;
A moeda digital dos bancos centrais será programável, podendo haver limites de consumo, justificados pela protecção do ambiente – “já encheste o tanque demasiadas vezes” – ou castigo por algum comportamento considerado repreensível pelas autoridades;
A identidade digital será obtida através da recolha de dados genéticos dos cidadãos – a coacção para uma vacinação experimental foi um primeiro passo. Em lugar de um cartão de cidadão, iremos ser um chip em movimento, vigiado 24 horas por câmaras e dados recolhidos pelas grandes empresas tecnológicas e transmitidos às autoridades.
A eliminação de dissidentes já não será através da força, sem prisões ou execuções: bastará o congelamento da carteira digital do cidadão para o fazer desaparecer. O tirano do Canadá já iniciou há semanas esta experiência;
A informação será absolutamente censurada, controlada por um oligopólio de empresas que define a narrativa oficial que devemos seguir. A Google já nos informa carinhosamente porque a censura é necessária – why censorship is important. É pelo bem comum, tal como proclamavam os fascistas.
Estamos a caminhar para um autêntico regime “Socio-Fascista”.
Adolfo Hitler ou Stalin não imaginariam tal, nem nos seus melhores sonhos.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
No final do século XVIII, tiveram lugar as primeiras revoluções liberais do mundo ocidental.
A primeira deu-se com a independência dos Estados Unidos da América no dia 4 de Julho de 1776. A sua Constituição foi aprovada no dia 17 de Setembro de 1787.
A segunda iniciou-se com a tomada da bastilha no dia 14 de Julho de 1789. No dia 3 de Setembro de 1791, inspirada na Constituição norte-americana, a França aprovou a sua primeira Constituição.
Que visavam estas revoluções? Limitar o poder do monarca. Os regimes absolutistas concentravam todos os poderes na pessoa do Rei: (i) a lei, (ii) os tribunais e (iii) o poder executivo. A soberania era transmitida de Deus para o Rei – a sua legitimidade provinha do Céu.
Para evitar tal concentração de poderes numa única pessoa, infelizmente, muito sangue teve que escorrer e muitas cabeças rolaram pelo cadafalso.
As constituições norte-americana e francesa vieram modificar este estado de coisas. As pessoas passaram de súbditos a cidadãos; a estar em pé de igualdade perante a lei, incluindo o monarca; e a soberania passou a residir na Nação, através dos seus representantes eleitos.
A tributação sem representação deixou de ser possível; apenas os representantes eleitos passaram a poder aplicar impostos à população, deixando de ser uma matéria da exclusiva responsabilidade de apenas uma pessoa.
Por último, a divisão de poderes e a sua independência: o poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial passaram a estar separados e a actuar com total independência, evitando, desta forma, a concentração de poderes, tal como acontecia durante o absolutismo.
Estas restrições ao poder real já tinham sido iniciadas pelos ingleses em séculos anteriores: a Magna Carta em 15 de Junho de 1215 e a Declaração de Direitos de 16 de Dezembro de 1689, em resultado da Revolução Gloriosa nos anos 1688 e 1689.
Existe, no entanto, um quarto poder que ninguém quer escrutinar ou reconhecer: o Dinheiro.
Há uns séculos atribui-se ao banqueiro Amschel Bauer Rothschild a seguinte citação: “Dê-me o controlo do dinheiro de uma Nação e não me importo com quem faz as suas leis”. Talvez a maior verdade dos nossos dias.
Para os senhores do dinheiro, tal como para os monarcas absolutos, existe uma lei, para a plebe, e outra totalmente diferente para eles.
Segundo nos informam, a manipulação de mercado é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, podendo passar pela “prática que consiste em alguém que tem uma influência significativa sobre a oferta ou procura de determinado instrumento financeiro, aproveitar-se dessa possibilidade de forma a distorcer o preço de referência”.
Se olharmos para a figura seguinte, podemos observar a evolução da taxa de juro implícita da dívida pública portuguesa com maturidade a 10 anos negociada no mercado secundário. Com a intervenção do BCE (Banco Central Europeu), em meados de 2012, a taxa de juro desceu de um máximo de 17,4%, em 2012, para valores negativos em 2020!
Evolução da taxa de juro implícita das obrigações emitidas pelo Estado português com maturidade a 10 anos (mercado secundário; unidade: %; período mensal). Fonte: Reuters (com análise do autor)
É isso, estimado leitor, existem investidores que emprestam dinheiro ao estado português e lhe pagam juros, em lugar de os receber: uma manipulação sem precedentes!
Como o fizeram? Simples, tal como o burlão Alves dos Reis, que imprimia notas para se tornar no maior dissipador da cidade de Lisboa – claro está, sem produzir qualquer bem ou serviço útil à sociedade –, o BCE emite moeda do “ar” e compra dívida pública portuguesa no mercado secundário – um autêntico milagre dos pães!
Alguém com este poder aquisitivo, que tem uma fábrica ilimitada de produzir dinheiro, como se estive a jogar Monopólio, pode colocar uma uma enorme pressão compradora no mercado – a tal influência significativa sobre a procura com moldura penal – e faz subir expressivamente o preço de mercado das obrigações – o instrumento financeiro emitido pelo estado português.
Tal como podemos observar na figura seguinte, entre o mínimo de 2012 e o máximo histórico em 2020, as obrigações portuguesas, com uma maturidade a 10 anos, subiram 393% no mercado secundário! Um verdadeiro milagre de Fátima!
Evolução do preço das obrigações emitidas pelo Estado português com maturidade a 10 anos (mercado secundário; unidade: %; período mensal). Fonte: Reuters (com análise do autor)
A subida do preço de mercado das obrigações reduz a respectiva taxa de juro implícita, chegando-se a valores negativos, como actualmente, permitindo ao Estado português e aos demais Estados europeus reduzirem substancialmente os encargos com juros, ou mesmo recebendo por pedir emprestado, como é agora o caso.
Se o leitor decidir viver submergido em dívidas e não as pagar, é garantido que lhe sobem as taxas de juro e vêm atrás de si para as cobrar.
Em relação aos Estados e Bancos Centrais é tudo diferente: é em nome do Bem Comum!
Precisamente o contrário do que acontece para um simples cidadão: um simples manipulador inadimplente, que merece ir dentro.
Poderíamos pensar que a “dádiva” dos juros baixos pudesse provocar a reflexão da nossa casta dirigente. Nada disso. Como podemos observar na figura seguinte, a dívida pública em 1999, no momento de aparecimento do BCE, era de 6.600 euros por português aproximadamente; hoje, é de 26.700 Euros por português. Em 21 anos, a dívida multiplicou-se por quatro!
Evolução da dívida pública portuguesa (unidade: milhões de euros). Fonte Eurostat (com análise do autor).
Por que não se lhe ocorre a reflexão?
Existem eleições para vencer.
Como se assegura a vitória?
Pela compra de votos: empregos seguros no Estado, para uma grande parte da população, clientela política e família; subsídios e ajudas estatais, apenas concedidos a quem se dirige à fila da esmola a implorar, precisamente a quem lhe destruiu o ganha-pão em nome de uma “pandemia”; “negócios da China” atribuídos a empresas amigas do regime, sem qualquer risco e com grande parte da receita a partir de fundos europeus provenientes da máquina de imprimir notas do BCE.
As actuais democracias tornaram-se num autêntico casino. Para incitar os clientes a jogar sem parar, proporcionam-se-lhes bebidas, comida, viagens, estadas a preços simbólicos, ou mesmo “grátis”; mas, no fim, a casa fica com tudo, nem que para isso lhes desgracem por completo a vida – relógio, casa, carro, qualquer coisa serve.
Agora, o dono do casino é o banco central e a casta dirigente os seus clientes. Como são atraídos para a partida, qual é o champanhe da nossa história? O dinheiro grátis!
Proporciona muita coisa: aeroportos sem passageiros, auto-estradas sem carros, estádios sem espectadores, comboios de alta velocidade que apenas existem na nossa imaginação, compra de empresas de aviação falidas, realização de eventos faraónicos… um sem fim de glórias eleitorais.
A casa como se cobra? De três formas:
Primeira: a primeira, em particular quando a coisa aperta, através da entrega das jóias por um preço simbólico – eléctricas, aeroportos, portos, bancos, tudo serve;
Segunda: solicitando a aprovação de leis propostas pelos donos do casino, para lhes incrementar o poder, como a supervisão de todos os bancos da zona Euro ou a possibilidade de aplicar multas sem freio, através de uma legislação Kafkiana sobre o sistema financeiro;
Terceira: exigindo a tributação da plebe – aquela que não come à mesa do orçamento – sem quaisquer contemplações; tributos e taxas sem fim, suportado numa máquina fiscal intimidatória, com recursos inimagináveis e pagos pela plebe, obviamente com a legislação toda a seu favor.
Com a crise da covid-19, apareceu a oportunidade perfeita para vampirizar todas as gotas de sangue da plebe. Para tal, os bancos centrais já nos vieram explicar como irão explorar esta oportunidade, publicando para o efeito os respectivos planos.
O primeiro, elaborado pelo BIS (plano BIS), o banco central dos bancos centrais – admirável, ainda existe outro por cima dos demais! –, o segundo, elaborado pelo BCE (plano BCE) e enquadrado nas directrizes do BIS.
Por que motivo foram elaborados? Servem para preparar o lançamento de moedas digitais, dada a sua estreme “preocupação” com o decréscimo da utilização do numerário – notas e moedas – como meio de pagamento, no contexto de uma “pandemia”, tal como indica a página 13 do relatório do BCE:
…interrupções nos sistemas de pagamentos oferecidos pelo sector privado, banca on-line e levantamentos em caixas multibanco (ATMs) podem afectar significativamente os pagamentos e minar a confiança no sistema financeiro em geral.
Nestes cenários, um euro digital, juntamente com numerário, poderia constituir um possível mecanismo de contingência para os pagamentos electrónicos que poderia continuar a ser utilizado mesmo quando não existissem soluções no sistema financeiro.
Uma pandemia também pode ser considerada como incluída neste cenário, por exemplo, porque o distanciamento social pode modificar os hábitos de pagamento dos consumidores. Os consumidores podem até perceber que o dinheiro é um factor de infecção, apesar da falta de evidências de quaisquer riscos específicos de infecção associados ao uso de notas…”
O relatório do BIS, na sua página 1, no primeiro parágrafo, aparece uma declaração altissonante: “Os bancos centrais têm fornecido dinheiro confiável ao público por centenas de anos, como parte dos seus objectivos de política pública. Dinheiro confiável é um bem público”.
Esta protérvia não fica completa sem mencionar o que consta da página 7 do relatório do BCE, em que esta entidade afirma que o seu dinheiro não tem qualquer risco; na página 10, define tal conceito: sem risco de mercado e sem risco de insolvência do emissor.
O ouro foi a moeda da Humanidade durante 5.000 anos. No entanto, em 1971, o dólar norte-americano (USD) deixou de ser convertível em ouro, colocando-se um fim ao regime monetário de Bretton Woods, estabelecido no final da segunda guerra mundial. Desde então, o USD perdeu 98% do seu valor de mercado, quando medido no metal precioso, tal como se pode observar na figura seguinte.
Fica claro que o dinheiro fornecido por estas entidades não apresenta qualquer risco de mercado!
Evolução do dólar americano (USD) medido em onças de ouro entre 1971 e 2020 (unidade: onças de ouro por 1.000 USD). Fonte Reuters (com análise do autor)
Por que motivo desvaloriza a moeda fornecida pelos Bancos Centrais?
Ao imprimirem “dinheiro” do ar, por contrapartida de dívida, tanto pública como privada, os Bancos Centrais introduzem enormes quantidades de massa monetária na Economia, sem ocorrer a produção de qualquer bem ou serviço, gerando uma enorme inflação dos activos financeiros (o índice NASDAQ 100 subiu mais de 40% em 2020) e perpetuando os hábitos de Governos dissipadores.
Se o leitor ou eu fizéssemos o mesmo, o nosso destino seria seguramente a cadeia, tal como estabelece o artigo 262.º, com o título “Contrafacção de moeda”, do Código Penal português: “Quem praticar contrafacção de moeda, com intenção de a pôr em circulação como legítima, é punido com pena de prisão de três a doze anos”. Isto é para nós, para eles, justifica-se em nome do bem comum!
Como propõem o funcionamento destas moedas digitais, em particular o Euro Digital?
Em primeiro lugar, estas moedas devem estar sujeitas à política monetária dos bancos centrais, por outras palavras, deve ser possível remunerar ou cobrar juros em relação a um saldo de moeda digital, tal como se menciona na página 13 do documento do BCE “the digital euro should be remunerated at interest rate(s) that the central bank can modify over time”.
Depois, cada indivíduo terá direito a um saldo e um número de transacções limitado, tal como se menciona na página 13 do documento do BCE “limiting the quantity of digital euro that users can hold and/or transact”.
Em seguida, os proprietários de euros digitais não poderão beneficiar do anonimato, ao contrário do que acontece com o numerário (nota e moedas), de acordo com a página 6 do documento do BIS “Full anonymity is not plausible” e página 27 do documento do BCE “Anonymity may have to be ruled out”.
A transacção inicial obrigará à identificação prévia do usuário, tal como acontece na abertura de uma conta bancária, tal como indicado na página 28 do documento do BCE “This would require every digital euro userto be identified at least during onboarding: anonymity would not be possible in order to avoid the circumvention of restrictions by impersonating multiple users.”
Qualquer transacção com euros digitais obrigará ao reconhecimento e validação das partes (a que envia e a que recebe), através da leitura de dados biométricos (reconhecimento da íris, impressões digitais…) de ambos, com o propósito de verificar se os mesmos coincidem com a base de dados do BCE, tal como explicado na página 30 do documento do BCE “The device could, for instance, record information on physical attributes of the intended user (known as biometrics, e.g. fingerprint and iris recognition) and the user must provide matching elements when initiating a payment”.
Para possibilitar a realização de transacções offline, tal como acontece para o numerário há milénios, os terminais (telemóveis, PCs…) devem ser previamente certificados, tal como consta na página 30 do documento do BCE “User-friendly devices to be used in offline digital euro payments would need to be certified”; para se adquirir um telemóvel com estas características, os dados biométricos de cada um serão incorporados nas bases de dados dos novos senhores feudais, para que estes conheçam os proprietários associados a tais telefones.
Neste “Novo Normal”, um burocrata do Banco Central poderá conhecer todos os pagamentos e recebimentos de determinado indivíduo: a que horas sai de casa, por onde se desloca, onde toma refeições, as suas preferências ideológicas, através dos livros ou revistas que adquire, os seus hábitos de consumo, as pessoas com que interage… o Big Brother de George Orwell a caminho!
Qual o único obstáculo à existência deste “Novo Normal”?
Correcto, estimado leitor: o numerário (notas e moedas), a única forma de dinheiro que ainda preserva a nossa anonimidade. Mas eles sabem disso, e confessam-no nos seus documentos.
A necessidade de impor um saldo máximo a cada cidadão – ainda podemos usar tal definição, não será melhor regressarmos ao conceito de súbdito? – está relacionada com a necessidade dos euros digitais competirem com o numerário, pois a taxa de juro associada às notas e moedas que levamos no bolso é 0%.
Assim, se a quantidade de euros digitais que cada um pudesse adquirir fosse ilimitada, numa situação de taxas de juro negativas – obriga ao pagamento de juros em qualquer depósito num banco –, iria criar um forte incentivo à transformação dos depósitos bancários em euros digitais, destruindo, desta forma, o negócio bancário – realmente o banco central, o Frankenstein, irá um dia devorar os seus criadores, os bancos comerciais.
À casta dirigente já pouco lhe resta para entregar ao dono do casino; da última vez, quase tudo teve que ser entregue (eléctricas, aeroportos, bancos…). Agora, a completa ruína está próxima.
O que poderá entregar para continuar a desfrutar do brilho das luzes, das viagens pagas, dos banhos de champanhe, das suítes de hotel à borla, das miúdas e das bebidas, disfarçado de “bazuca” europeia?
Já só lhe resta eliminar o numerário e entregar toda a população. A todos, tal como de gado se tratasse, se lhes irá marcar a pele com a queimadura do ferro – uma base de dados com os dados biométricos de toda a população, o moderno selo do ferro.
Desta forma, a casta poderá continuar na primeira fila do bar, enquanto a plebe, sem escapatória, pois não haverá numerário que a salve, irá entregar todas as gotas do seu sangue, pagando juros, tributos e taxas sem contemplação aos novos senhores feudais do “Novo Normal”, tal como se indica na nota de rodapé (nota 18), da página 18 do documento do BCE:
Uma moeda digital irá ajudar a eliminar o limite inferior da política de juros – jargão de burocrata, o limite inferior é a taxa de juro 0% do numerário –, desta forma alargando as opções disponíveis numa situação de crise (o Covid-19 irá ter a segunda, terceira, quarta, quinta… octogésima vaga, as que forem necessárias), se o numerário desaparecesse “A CBDC could help to eliminate the effective lower bound on policy rates, and thereby widen the policy options available in crisis situations, if cash were to disappear”.
A queda da Monarquia Absoluta no século XVIII teve a ajuda de guilhotinas a executarem durante dois anos, de 1792 a 1794. Agora, quem irá vencer? O verdugo Big Brother, controlado pelos novos monarcas absolutos, ou a guilhotina?
Aceitam-se apostas.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Em Março de 2022, Vladimir Putin, o presidente da Federação Russa, afirmou que o “Ocidente é o Império das Mentiras”.
Certamente, o homem não terá razão. Mas, mesmo assim, por mera análise académica, vamos proceder a uma breve mas necessária cronologia dos factos.
A expansão da NATO
Em 1990, vários líderes ocidentais, como James Baker, Helmut Kohl, Margaret Thatcher, asseguravam aos soviéticos que a NATO nunca se iria expandir para o Leste; as palavras de James Baker, o então secretário de Estado norte-americano: “…não apenas para a União Soviética, mas também para outros países europeus, é importante ter garantias de que…nem uma polegada da actual jurisdição militar da NATO se espalhará para leste”.
Desde a queda o Muro de Berlim, apesar de todas as promessas em sentido contrário, a NATO expandiu-se para a Polónia, a República Checa e a Hungria em 1999; para a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Eslovénia, a Eslováquia, a Bulgária e a Roménia em 2004; para a Albânia e Croácia em 2009; para o Montenegro em 2017; para a Macedónia do Norte em 2020.
Hoje, a Rússia tem bases de mísseis apontados ao seu território a poucos quilómetros das suas fronteiras, não existindo algo semelhante, em termos de proximidade, em relação aos Estados Unidos.
Em 1997, em contradição com as promessas ocidentais, a NATO assina um acordo de cooperação de longo prazo com a Ucrânia, tendo como objectivo final a sua adesão.
Em 2002, é assinado um plano de acção entre a NATO e a Ucrânia, reafirmando o compromisso do estabelecimento de “laços mais estreitos” e delineando um plano de longo prazo para a implementação de “reformas” que tornariam aquele país adequado para a sua plena integração nesta organização.
Em 2008, a secretária de Estado norte-americana, Condoleeza Rice, e o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Volodymyr Ohryzko, assinam uma Carta de Parceria Estratégica Estados Unidos-Ucrânia, onde se “enfatiza o compromisso contínuo dos Estados Unidos de relação estreita entre a NATO e a Ucrânia”.
Em Fevereiro de 2008, Viktor Yanukovych, natural de Donetsk, venceu as eleições presidenciais e tornou-se o quarto presidente da Ucrânia eleito democraticamente, obtendo a maioria da sua votação na região leste do país, etnicamente russa; até a imprensa ocidental reconhecia a justeza do acto eleitoral: “Observadores internacionais elogiaram calorosamente a eleição…”.
Em Abril de 2008, na cimeira da NATO em Bucareste, assegurava-se que a Ucrânia e a Geórgia seriam membros da NATO. Em Junho de 2008, o parlamento ucraniano aprovou uma lei que impossibilitava a adesão da Ucrânia a qualquer bloco militar. A BBC lamentava o fim da caminhada da Ucrânia em direcção à NATO.
Em Agosto de 2008, o então presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, interessado na adesão à NATO do seu país, decidiu reincorporar duas regiões separatistas, a Abkhazia e a Ossétia do Sul. A Rússia, através de uma rápida intervenção militar, colocou um fim a esta aspiração, deixando claro que se opunha veementemente a uma eventual adesão da Ucrânia e Geórgia à NATO.
Golpe de Estado: A deposição de um líder democraticamente eleito
Em Março de 2012 surge a primeira versão do acordo de associação entre a União Europeia e a Ucrânia, prevendo-se a assinatura por Viktor Yanukovych no final de Novembro de 2013, na cimeira europeia na cidade de Vilnius, na Lituânia.
Em Outubro de 2012, o partido de Viktor Yanukovych venceu novamente as eleições, reforçando a sua maioria no parlamente ucraniano, onde, pela primeira vez, a extrema-direita marcava a sua presença, através do partido Svoboda, liderado por Oleh Tyahnybok, que obteve mais de 10% dos votos e elegeu 37 deputados.
A 21 de Novembro de 2013, o Governo ucraniano emitiu um decreto a suspender o acordo de associação com a União Europeia; o então primeiro-ministro, Yuriy Boyko, alertava para o prejuízo que representaria para a Economia ucraniana. A alternativa seria a União Aduaneira Euro-Ásia, onde a Economia russa tem um papel preponderante; as sondagens de então indicavam um país dividido 50/50. Dias depois do decreto, ocorreram as primeiras manifestações na Praça Maidan.
A 28 de Novembro de 2013, numa cimeira da União Europeia, Viktor Yanukovych não assinou qualquer acordo de associação, sugerindo um acordo trilateral, envolvendo a Ucrânia, a Rússia e a União Europeia. Esta proposta foi rejeitada liminarmente pela União Europeia. Anunciaram-se milhares de manifestantes na Praça Maidan; outros ocuparam a prefeitura de Kiev. Os políticos da oposição começaram a acusar Viktor Yanukovych de “traição”; alguns pediram a repetição da eleição presidencial, apesar de apenas 18 meses de distância da última.
A 29 de Novembro, os manifestantes apresentaram as suas exigências, uma delas a renúncia imediata de Viktor Yanukovych.
A 1 de Dezembro, os manifestantes iniciaram acções violentas, derrubando barreiras policiais. A polícia retirou-se da Praça Maidan; cerca de 200 pessoas ficaram feridas, incluindo uma centena de polícias.
A 2 de Dezembro, os manifestantes erigiram barreiras em redor da Praça Maidan, bloquearam o acesso a edifícios governamentais e tentaram assaltar o edifício onde se encontrava a equipa do presidente Viktor Yanukovych. Até o insuspeito Guardian dava conta do desaparecimento de cena da polícia! Ao mesmo tempo, o líder da extrema-direita, Oleh Tyahnybok, pedia aos polícias e militares que desertassem e se juntassem à oposição.
A 8 de Dezembro, os manifestantes derrubaram uma estátua de Lenine, onde pintaram uma grafite “Viktor Yanukovych: tu és o seguinte”. O Kyiv Post noticiava que os manifestantes vestiam máscaras, carregavam consigo latas de gás, bastões e cocktais molotov.
A 11 de Dezembro, a vice-secretária de Estado norte-americana, Victoria Nuland, e o seu embaixador Geoffrey Pyatt, juntaram-se aos protestantes na Praça Maidan e conversaram com os líderes da oposição. Os dois foram fotografados a cumprimentar pessoas e a distribuir comida. A importante revista norte-americana Foreign Affairs publicava um artigo com o título: “Viktor Yanukovych tem de sair.”
A 13 de Dezembro, o então senador norte-americano John McCain também se juntou aos manifestantes da Praça Maidan, realizando um discurso em que afirmou: “Estamos aqui para apoiar a vossa justa causa”. Até foi fotografado com o líder da extrema-direita Oleh Tyahnybok!
Depois de uma “trégua natalícia”, as manifestações prosseguiram a 14 de Janeiro de 2014; no dia seguinte, numa reunião do Comité das Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, o vice-secretário de Estado-Adjunto, Thomas Melia, admitiu que o Departamento de Estado gastou cinco mil milhões de dólares americanos a “ajudar a Ucrânia”, incluindo 180 milhões em “programas de desenvolvimento” para “juízes, deputados e partidos políticos”.
A 16 de Janeiro, o parlamento ucraniano aprovou dez novos projectos-lei que permitiam uma repressão estrita à actividade de protesto, incluindo a remoção da imunidade dos parlamentares que promovessem a violência e a anulação da carta de condução a quem obstruísse as vias públicas.
A 19 de Janeiro ocorreram confrontos entre a polícia de choque e os manifestantes na rua Hrushevskoho; muitos dos manifestantes pertenciam a grupos de extrema-direita, como o partido Svoboda e Sector Direita, e foram vistos a usar símbolos nazis.
A 25 de Janeiro, o presidente Viktor Yanukovych estendeu a mão aos líderes da oposição, oferecendo-lhes um acordo de partilha de poder, propondo Yatseniyuk como primeiro-ministro e Vitaliy Klitschko como vice. A oposição recusou a oferta.
A 28 de Janeiro, num gesto de compromisso, o parlamento revogou nove das 10 leis, aprovando um diploma que concedia amnistia a todos os envolvidos nos protestos, desde que deixassem de ocupar edifícios governamentais. A oposição,uma vez mais, recusou a oferta.
A 7 de Fevereiro, conversas mantidas entre Victoria Nuland e Geoffrey Pyatt foram publicadas, onde se escutava a expressão: “Que se f…a União Europeia”. Numa das conversas, datada de 28 de Janeiro de 2014, discutia-se a composição do futuro Governo, após a eventual saída de Viktor Yanukovych. Numa sondagem publicada pelo Kyiv Post a maioria dos ucranianos opunha-se às manifestações na praça Maidan.
A 16 de Fevereiro, em mais uma tentativa de compromisso, o governo libertou todos os detidos durante os protestos; desta vez a oposição respondeu positivamente, suspendendo a ocupação da Prefeitura de Kiev que já durava três meses.
A 19 de Fevereiro, Viktor Yanukovych declarou uma “trégua”, numa declaração conjunta assinada pelos três principais líderes da oposição, comprometendo-os à negociação de uma paz duradoura.
A 20 de Fevereiro, snipers abriram fogo contra a multidão na Praça Maidan, resultando em pelo menos sessenta mortes. Manifestantes e polícias acabam mortos no tiroteio. A EuroNews relatou que a “trégua tinha sido quebrada” poucas horas depois de ter sido assinada.
A 21 de Fevereiro, apesar do derramamento de sangue, as negociações continuaram, resultando no “Acordo sobre a resolução da crise política na Ucrânia”, assinado por todas as partes, mais os ministros das Relações Exteriores da Alemanha e da Polónia. O acordo exigia a criação de um “Governo de Unidade Nacional” temporário, a ser substituído após novas eleições presidenciais até ao final de 2014. Também se exigia uma investigação completa aos disparos que ocorreram na Praça Maidan no dia anterior.
Viktor Yanukovych prometeu que o Governo não declararia o Estado de Emergência, não chamaria os militares e iria retirar a polícia do local dos protestos: em troca, os manifestantes deveriam entregar todos os edifícios públicos ocupados e armas ilegais.
Os líderes dos manifestantes – incluindo Dmitryo Yarosh, do Sector de Direita Neonazi – rejeitaram o acordo e ameaçaram invadir o Parlamento e a Residência Presidencial se Viktor Yanukovych não renunciasse imediatamente.
A 22 de Fevereiro, em lugar de respeitarem os termos do acordo, assim que a polícia recuou, os manifestantes invadiram os prédios do Governo e tomaram o controle de Kiev. Yanukovych fugiu para a cidade de Kharkiv, no leste da Ucrânia. Uma notícia da Time relatava os eventos assim: “Quando a polícia abandonou os seus postos em toda a capital, a oposição estabeleceu o controle sobre todos os principais cruzamentos e capturou o palácio presidencial, estabelecendo um perímetro em torno da antiga residência de Yanukovych”.
Poucas horas após a tomada da cidade de Kiev, o parlamento ucraniano votou a destituição de Viktor Yanukovych com 328 votos a favor e 0 contra, com mais de 120 deputados ausentes da votação. Obviamente, a votação foi inconstitucional, e não vinculativa – onde já vimos isto?
A 24 de Fevereiro, o parlamento demitiu um terço dos membros do Tribunal Constitucional da Ucrânia e emitiu um mandado de prisão para o presidente Viktor Yanukovych. No dia seguinte, traído pelo próprio partido, Viktor Yanukovych exilou-se na Rússia, afirmando que a sua vida se encontrava em perigo.
A 27 de Fevereiro, Arseniy Yatsenyuk tomou posse como primeiro-ministro interino da Ucrânia, cargo que ocuparia em pleno após as eleições de Maio de 2014. Vitaly Klitschko, o campeão de boxe, foi relegado para presidente da câmara de Kiev. Oleh Tyahnybok retomou seu cargo de simples deputado. A composição do Governo correspondeu exactamente à descrita na conversação de 28 de Janeiro de 2014 entre Victoria Nuland e Geoffrey Pyatt! Nesse mesmo dia, Anders Fogh Rasmussen, secretário-geral da NATO, disse à imprensa que “a porta ainda está aberta” para a adesão da Ucrânia!
No início de Março de 2014, surgem evidências de que os snipers que atiraram sobre as multidões na Praça Maidan não estavam às ordens do Governo ucraniano e que dispararam para ambos os lados, polícia e manifestantes, visando simplesmente gerar o caos.
Tal evidência foi apresentada à representante da política externa da União Europeia, Catherine Ashton, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Estónia, Urmas Paet, num telefonema que mais tarde vazou para a imprensa, e foi confirmado como genuíno pelo Governo da Estónia. Nem a União Europeia nem o novo Governo da Ucrânia fizeram qualquer esforço para investigar essas evidências ou levar os assassinos à justiça.
A 21 de Março de 2014, o Governo interino da Ucrânia assinou o controverso acordo de associação com a União Europeia, através da aprovação de uma lei.
Em Outubro de 2014, o Governo que saiu das eleições, suportado por uma aliança de 5 partidos, considera a adesão à NATO uma prioridade nacional da Ucrânia!
A “invasão” da Crimeia
Em 1954, o líder soviético Nikita Kruschev, natural da Ucrânia, assinou um decreto a transferir a Crimeia da República Socialista Soviética (RSS) da Rússia para a RSS da Ucrânia. A Crimeia fazia parte da Rússia desde 1783, após a derrota do Império Otomano pelo exército de Catarina, a Grande, em 1774.
Em 1965, a cidade de Sebastopol, o maior porto da Crimeia, juntamente com outras nove cidades, recebeu o título de “Cidade Herói da União Soviética”, por ter resistido heroicamente aos ataques nazis durante a Segunda Guerra Mundial.
Em 1990, com a queda da União Soviética, a Ucrânia tornou-se independente e levou consigo o território da Crimeia.
Em Janeiro de 1991, a Crimeia realizou um referendo, perguntando à população se queriam regressar ao estatuto de República Socialista Soviética Autónoma da Crimeia, abolido em 1945. A votação foi de 94% a favor e a Crimeia declarou-se independente.
Em Fevereiro de 1991, o parlamento da Ucrânia reconheceu a independência da Crimeia, fazendo aprovar uma lei sobre a restauração da República Socialista Soviética Autónoma da Crimeia.
Em Setembro de 1991, o parlamento da Crimeia reverteu esta decisão, declarando o território como parte constituinte da Ucrânia.
Em 1992, o parlamento da Crimeia declarou novamente a independência da Ucrânia, constituindo-se como “República da Crimeia”. Elaboram a sua própria Constituição e decidiram agendar um referendo em relação à secessão da Ucrânia.
O parlamento ucraniano recusou-se a reconhecer a declaração e forçou o cancelamento do referendo. Como solução de compromisso, a Ucrânia propôs à Crimeia um estatuto especial de autonomia, desde que adicionassem uma linha à sua Constituição designando a Crimeia como parte da Ucrânia.
Em 1994, o recém-eleito presidente da Crimeia, Yuriy Meshkov, realizou um referendo, colocando três perguntas à população, com destaque para estas duas: (i) Apoia um regresso à Constituição de Maio de 1992 que não garante que a Crimeia faça parte da Ucrânia? (ii) Apoia que todos os cidadãos da Crimeia tenham direito à dupla cidadania com a Rússia? As três perguntas são aprovadas com pelo menos 77% dos votos. O presidente Meshkov restaurou então a antiga Constituição. O Governo ucraniano declarou o referendo ilegal e recusou-se a reconhecer os resultados ou a nova Constituição.
Em 1995, o Governo ucraniano extinguiu o cargo de presidente da Crimeia e reduziu os poderes do parlamento ucraniano, passando a governar o território por decreto.
Em 2001, num Censo realizado à população da Crimeia, 60% declarou-se etnicamente russa, e 77% considerou o russo como sua língua nativa.
Em 2004, na sequência da vitória eleitoral de Viktor Yanukovych, um aliado do Ocidente, políticos de diversas regiões da Ucrânia, nomeadamente da região do Donbass e da Crimeia, solicitaram um referendo para transformar a Ucrânia numa federação, mas foram completamente ignorados por Kiev.
Em 2006, no seguimento do conflito entre a Geórgia e a Rússia, a BBC enviou um repórter para a Crimeia. Este escreveu um artigo que detalha o forte sentimento pró-russo na península, o papel fundamental que a cidade portuária Sebastopol desempenhou na História da Rússia, e os avisos de muitos habitantes da Crimeia de que “os nacionalistas em Kiev” estavam a tentar “expulsar os russos”.
Entre 2009 e 2011, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento realizou uma série de pesquisas na Crimeia sobre a questão da reunificação com a Rússia. Cada pesquisa retornou 65-70% de respostas positivas, entre 16 a 25% de indecisos e apenas 9 a 14% a favor da permanência na Ucrânia.
Em 28 Janeiro de 2014, com as manifestações a decorrerem na Praça Maidan, o presidente do conselho da cidade de Sebastopol, numa carta aberta, pediu ao presidente Viktor Yanukovych que proibisse o “grupo extremista” Svoboda e convidou os munícipes da cidade a formarem “Esquadrões do Povo”, conforme descrito na lei ucraniana, visando defender a fronteira da Crimeia: “É impossível permitir que militantes especialmente treinados e armados do “Sector Direito” e outras organizações pró-fascistas e extremistas penetrem na nossa cidade e ditem seus termos. Forneceremos uma defesa confiável de Sebastopol. Extremismo, ilegalidade e banditismo não passarão na cidade dos heróis”.
A 14 de Fevereiro, o Yahoo News informou: “A região autónoma da Crimeia da Ucrânia inclina-se para Moscovo”. O artigo dava conta que o parlamento da Crimeia emendou a sua constituição, incluindo a descrição de que a Rússia era o “garante da segurança da Crimeia”, e que as autoridades eleitas tinham pedido ajuda à Rússia no caso dos manifestantes da Praça Maidan tentarem mudar-se para a Crimeia.
A 20 de Fevereiro, o deputado e Presidente do Parlamento da Crimeia, numa reunião internacional em Moscovo, afirmou que a Crimeia “pode separar-se da Ucrânia, se o país se dividir”.
A 22 de Fevereiro, no dia em que Viktor Yanukovych perdeu o poder, em consequência das manifestações na Praça Maidan, o insigne jornal norte-americano The Washington Post perguntava: “A batalha por Kiev acabou, a batalha pela Crimeia está prestes a começar?”
A 23 de Fevereiro, numa das primeiras leis do regime que resultou da “revolução Maidan”, foi revogada a lei que atribuía ao russo o estatuto de língua oficial do Estado ucraniano. Os líderes da extrema-direita, Oleh Tyanobohk e Dimitri Yarosh, propuseram a ir-se mais além: banir tanto o Partido das Regiões, que suportava Viktor Yanukovych, como o Partido Comunista Ucraniano, ambos com forte implementação popular no leste da Ucrânia e na península da Crimeia.
Com o novo regime a implementar-se em Kiev, a 26 de Fevereiro de 2014, o parlamento da Crimeia reuniu-se numa sessão especial para discutir os eventos em Kiev. O líder do parlamento discursou a uma multidão que se encontrava fora do edifício: “Partilho o vosso alarme e preocupação com o destino da Crimeia…Lutaremos pela nossa república autnoma até o fim…Hoje, Kiev não quer resolver nossos problemas, portanto devemos unir-nos e agir de forma decisiva. O povo da Crimeia tem força suficiente. O neonazismo não funcionará na Crimeia. Não vamos trair a Crimeia.”
Na madrugada de 28 de Fevereiro, homens em uniformes, mas sem qualquer insígnia, assumiram o controlo de todos os aeroportos, portos marítimos, estações de comboio e passagens de fronteira na península da Crimeia; protegeram igualmente todos os prédios do Governo em Simferopol. Esses homens são mais tarde revelados como tropas russas das bases de Sebastopol.
Kiev e os principais dirigentes da NATO chamaram a presença destas tropas de invasão, mas a Rússia defendeu a sua presença, alegando que as tropas estavam lá a convite das autoridades locais da Crimeia e de Viktor Yanukovych, a quem eles ainda reconheciam como o legítimo presidente da Ucrânia. Além disso, os russos afirmaram que o contrato assinado entre a Rússia e a Ucrânia permitia uma presença militar de até 25 mil efectivos estacionados na Crimeia; em nenhum momento esse número tinha sido excedido.
A 11 de Março de 2014, o parlamento da Crimeia declarou-se independente da Ucrânia e anunciou a realização de um referendo para 16 de Março; em lugar de colocar a pergunta, independente ou não, propôs: (i) a manutenção da Crimeia na Ucrânia; (ii) o regresso à Rússia. Dois dias mais tarde, o parlamento da Crimeia convidou formalmente observadores internacionais da OSCE para assegurar que o referendo fosse justo. A OSCE descreveu a votação como “ilegal” e recusou-se a comparecer.
A 16 de Março, o resultado do referendo deu uma votação de 97% a favor da reunificação com a Rússia. A 21 de Março, a Rússia reconheceu o resultado do referendo.
Em Abril, o Governo da Ucrânia, alegando a cobrança de uma dívida da Crimeia, fechou a barragem no Canal da Crimeia do Norte, reduzindo o fluxo de água doce para a península. O acesso à água é protegido pelo artigo 29 da Convenção de Genebra; cortar o acesso para punir uma população civil pode ser classificado como crime de guerra.
A guerra civil na Ucrânia
Após a reunificação da Crimeia com a Rússia, de imediato surgiram manifestações anti-Kiev na região do Donbass, hoje as repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk.
A 25 de Fevereiro de 2014, o recém-empossado ministro do Interior da Ucrânia dissolveu a tropa de choque Berkut da Crimeia que voltava para Sebastopol, depois desta reprimir protestos em Kiev. Ao retornarem a Sebastopol, essas unidades foram recebidas como heróis e foram-lhes emitidos passaportes russos; alguns, juntaram-se a unidades paramilitares para combater na região do Donbass.
A 18 de Março, manifestantes pró-russos ocuparam o edifício da câmara municipal de Mariupol.
A 6 de Abril, vários manifestantes pró-russos ocuparam os edifícios dos serviços de inteligência da Ucrânia nas cidades de Donetsk e Luhansk.
A 16 de Abril, protestantes pró-russos e contrários ao novo regime pós Maidan, atacaram uma coluna militar do exército ucraniano a caminho da cidade portuária de Mariupol (Donetsk).
A 6 de Maio, deu-se o massacre de Odessa (a ocidente da Crimeia), depois de enfrentamentos iniciados no decurso de uma partida de futebol. Grupos extremistas e favoráveis ao Governo ucraniano, resultante da “revolução Maidan”, cercaram dezenas de manifestantes contrários, que se tinham refugiado num prédio de uma Central Sindical, e provocaram um incêndio criminoso, usando cocktais molotov.
Os extremistas impediram a saída das pessoas – espancando as que tentaram fugir –, enquanto incendiavam as dependências do edifício do sindicato. O resultado foram 46 pessoas assassinadas, muitas das quais morreram sufocadas pelo fumo, outras queimadas, e ainda houve as que se atiraram da janela, tentando fugir das chamas. Os vídeos deste massacre são eloquentes.
A 9 de Maio de 2014, o recém-nomeado chefe do departamento de polícia da cidade de Mariupol, Valery Androschuk, convocou uma reunião da polícia local, acompanhado do chefe do batalhão especial “Denpr” – um grupo paramilitar de extrema-direita. Durante a reunião, o chefe de polícia deu ordem para dispersar a manifestação do “Dia da Vitória” sobre o fascismo – derrota de Hitler em 9 de Maio de 1945 -, bem como prender os “cidadãos mais activos”.
Alguns dos polícias recusaram-se a cumprir a ordem; de seguida, Valery Androschuk disparou um tiro sobre um dos polícias revoltosos. De imediato houve resposta, com Androschuk a ser ferido e o chefe do esquadrão “Dnepr” a ser morto. Os polícias revoltosos recusaram-se a obedecer a quaisquer ordens e declararam que não fariam guerra ao seu próprio povo. Androschuk barricou-se num dos escritórios do prédio e chamou a Guarda Nacional para ajudá-lo a reprimir os polícias revoltosos.
Imediatamente, foi enviada a Guarda Nacional e militantes do Sector Direita, com a ajuda de tanques, resultando no bombardeamento do edifício da polícia. Estima-se que morreram cerca de 100 pessoas neste incidente. Depois disto, os militares retiraram-se para a periferia da cidade, continuando o controlo da cidade a milícias pró-russas.
Após um impasse, a 13 de Junho, o Governo da Ucrânia tomou uma posição de força, enviando o batalhão Azov (constituído por forças extremistas) e o Dnipro-1 para recuperar o controlo da cidade, resultando num sucesso. Petro Poroshenko, o novo presidente da Ucrânia, ordenou a mudança da capital regional de Donetsk para Mariupol.
Após o prolongamento do conflito, no início de 2015, a 12 de Fevereiro foram assinados os acordos de Minsk (Bielorrússia), com a participação da Rússia, Ucrânia, França e Alemanha. Foi decretado um cessar-fogo entre as forças ucranianas e separatistas, obrigando as partes a retirarem do terreno o equipamento militar pesado. A OSCE foi chamada como observadora para o terreno.
Os acordos nunca foram respeitados; os combates transformaram-se numa guerra de trincheiras, envolvendo cerca de 75 mil soldados dos dois lados ao longo de uma linha de frente de 420 km de comprimento, cortando áreas densamente povoadas.
A guerra arruinou a Economia e as indústrias pesadas da região, gerou milhões de refugiados e transformou a zona de conflito em uma das áreas mais contaminadas por minas do mundo. Número de vítimas mortais deste conflito, segundo a OSCE: 14 mil pessoas. Alguém se indignou? Alguém solicitou a intervenção do Tribunal Internacional Penal? Os crimes estão aqui amplamente detalhados – dispensa comentários!
O menino do papá
Em Fevereiro de 2014, Hunter Biden, o filho do actual presidente dos Estados Unidos, foi dispensado do Exército em virtude de um teste de drogas – cocaína –, que acusou positivo.
Em Abril de 2015, um dos executivos da Burisma – uma empresa de gás ucraniana fundada por Mykola Zlochevksy –, de seu nome Vadym Pozharskyi, foi apresentado a Joe Biden, pelo seu filho Hunter Biden.
Nesse mesmo dia, Hunter Biden foi contratado pela Burisma para integrar o seu Conselho de Administração. Seria uma espécie de relações públicas entre a empresa e a Administração norte-americana. Salário mensal: 50 mil USD (cerca de 45 mil Euros). A partir de Maio de 2017, sofreu um ligeiro corte, dois meses depois de o seu pai abandonar o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos.
Em Fevereiro de 2016, o procurador-geral da República da Ucrânia, Victor Shokin, iniciou uma investigação à Burisma. Nesse dia, ocorreu uma busca à casa de Mykola Zlochevksy.
Em Março de 2016, o parlamento ucraniano despediu Victor Shokin. A União Europeia aplaudiu esta decisão.
Em Janeiro de 2018, Joe Biden numa conferência afirmou: “Olhei para eles e disse: vou-me embora em seis horas. Se o procurador não for demitido, não irá receber o dinheiro”. Referia-se a um empréstimo de mil milhões de dólares americanos à Ucrânia. A cabeça de Shokin foi servida num prato.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
Winston Churchill foi assim?
Volodymyr Zelenskyy fez fortuna no mundo do entretenimento, através da empresa que fundou: Kvartal 95 Studio. Durante anos, esteve ligado ao oligarca Ihor Kolomoisky, uma relação que se desenvolveu em 2012, no mesmo ano em que o actual presidente ucraniano fundou as suas empresas em offshores.
Os Pandora Papers revelaram o nome de Zelensky. Uma das empresas ligadas à Maltex (uma empresa na qual detinha participações) recebeu 1,2 milhões de dólares americanos em 2013 de outra empresa offshore que estava ligada ao Grupo 1+1 de Kolomoisky. A quantia foi paga em forma de taxas de licenciamento para o show “Make a Comedian Laugh“. Impostos para a Ucrânia não é com ele.
Em Abril de 2019, Volodymyr Zelenskyy vendeu a sua empresa Kvartal 95 Studio ao seu amigo Serhiy Shefir – mais tarde tornou-se seu conselheiro na presidência.
Em Maio desse ano, o ex-comediante Volodymyr Zelenskyy foi eleito presidente da Ucrânia.
Em Agosto de 2019, mandou prender o seu opositor político Viktor Medvedcuk, do partido “Pela Vida”. Motivo: traição à Ucrânia.
A 2 de Fevereiro de 2021, Volodymyr Zelenskyy anunciou o fecho de três canais de televisão da oposição. Segundo a sua opinião, não eram mais do que propaganda russa no país.
Em Março de 2021, Volodymyr Zelenskyy despediu o presidente do Tribunal Constitucional da Ucrânia, Oleksandr Tupytskiy, e outro juiz desse mesmo tribunal, Oleksandr Kasminin, “por representarem uma ameaça à independência e segurança nacional da Ucrânia”.
Em Agosto de 2021, Volodymyr Zelenskyy considerou o gasoduto Nord Stream 2, que liga directamente a Rússia à Alemanha, “uma arma perigosa, não apenas para a Ucrânia, mas para toda a Europa (…) Encaramos este projecto exclusivamente pelo prisma da segurança e consideramos que é uma arma geopolítica perigosa do Kremlin”. Por sua vez, a subsecretária de Estado norte-americana, Victoria Nuland – aquela da Praça Maidan – disse: “Se a Rússia invadir a Ucrânia, o Nord Stream 2 não avançará”. E assim aconteceu!
A 12 de Fevereiro de 2022, Volodymyr Zelenskyy, numa conferência em Munique (Alemanha), anunciou a sua intenção de terminar com o Memorandum de Budapeste (1994), que proíbe a Ucrânia de desenvolver, proliferar e usar armas atómicas.
Portanto, estamos na presença de um novo Winston Churchill? Ressuscitou ele na Ucrânia?
O leitor decida!
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
A invasão de um estado soberano por parte da Rússia continua. No momento em que escrevo, a maior vítima deste conflito é definitivamente a população civil da Ucrânia: colapso de infra-estruturas, casas destruídas, poupanças evaporadas e risco de vida. Uma enorme crise de refugiados, com a população em fuga para países na fronteira ocidental da Ucrânia, carregando consigo apenas a roupa do corpo e alguns bens.
Não há palavras para uma ignomínia desta dimensão. A Rússia junta-se a outro estado excepcional, daqueles que se julgam legitimados pelo Divino a desrespeitar as fronteiras de outro país, tal como aconteceu no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, apenas para citar alguns exemplos obliterados por guerras sem sentido.
Esta guerra está a aprofundar precedentes perigosos, em particular o desrespeito pela propriedade privada e o direito de qualquer cidadão a defender-se de uma acusação.
Na Bíblia, apesar de Deus conhecer o assassínio de Abel pelo seu irmão Caim, não quis deixar de interpelar Caim e conhecer as suas razões; ou seja, devemos sempre ouvir alguém expressar a sua versão da história. Parece que agora este valor das sociedades ocidentais desvanece-se todos os dias.
Há umas semanas, várias pessoas no Canadá viram as suas contas bancárias congeladas e mesmo confiscadas, apenas porque tinham apoiado financeiramente uma manifestação – um direito inscrito na Constituição da maioria dos países ocidentais. Tudo isto, sem qualquer ordem judicial ou defesa.
Com a guerra, este ataque às liberdades e direitos apenas se acentua: pede-se agora o confisco dos bens de todos os russos residentes no Ocidente; assim, sem mais, sem uma acusação, sem defesa. Apenas por serem russos.
Os danos não se ficam por aqui: o Tesouro norte-americano decidiu congelar todos os activos do Banco Central da Rússia e de um fundo de investimento soberano – cujo gestor é amigo de Putin –, custodiados nos Estados Unidos.
É óbvio que os investidores têm memória e tomam nota: se aconteceu com este também pode acontecer comigo. Mas estas medidas são sempre um precedente perigoso, dado que a confiança é um activo que custa a conquistar; demora tempo, implica seriedade e estabilidade da legislação, podendo, no entanto, ruir numa questão de dias, como agora. É bom que os dirigentes ocidentais reflictam sobre isto.
Para além do confisco de activos, segundo a agência de notícias Reuters, sete instituições financeiras russas deixaram de ter acesso ao SWIFT, um sistema de mensagens entre bancos que permite realizar compensações e acertar saldos entre bancos. Trata-se da rede em que assenta a maioria das transferências bancárias no Mundo.
Para um exportador russo de gás receber dinheiro de um importador alemão, ambos têm de recorrer a bancos que comunicam entre si através da rede SWIFT. Desta forma, os movimentos de capitais para e desde a Rússia estão severamente limitados, em particular com países ocidentais.
Para além das medidas já mencionadas, a guerra do ocidente assenta essencialmente em sanções económicas, que consistem na exclusão da Rússia do comércio internacional. Mas não só a Rússia: a Ucrânia, devido à invasão, deixou também de poder realizar negócios com o exterior.
A impossibilidade de comprar petróleo e gás à Rússia e cereais à Ucrânia, um dos maiores produtores mundiais, está a provocar uma escalada descontrolada dos preços da maioria das matérias-primas. Este é um agravamento da inflação que já vinha detrás, em virtude da impressão massiva de moeda pela maioria dos bancos centrais do ocidente. Para nossa surpresa, parece que vão usar esta crise para continuar a imprimir.
Variação (%) de preços de matérias-primas entre 31 de Dezembro de 2021 e 2 de Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance.
Para termos uma ideia do descalabro, podemos observar que o petróleo regista uma subida de 50% em 2022, de 66 €/barril no final de 2021 para 99€/barril no final da sessão do dia 2 de Março.
O trigo e o milho sobem 40% e 27%, respectivamente. Tudo isto em apenas dois meses! É fácil imaginar o impacto destas subidas de preços na frágil economia europeia, muito dependente da importação de “energia” da Rússia.
Este movimento é agravado pela desvalorização do Euro: no presente ano regista uma queda superior a 2% em relação ao USD, adicionando-se à desvalorização de cerca de 8% em 2021.
O Rublo também se afunda frente ao USD, perdendo mais de 35% no presente ano!
Trata-se de um cataclismo para os aforradores russos, que vêem as suas poupanças arruinadas pela desvalorização da sua moeda. Face ao exterior, são agora profundamente pobres!
Evolução (%) das principais dividas face ao dólar americano (USD) em 2022, até 2 de Março. Fonte: Yahoo Finance.
No dia 1 de Março, para evitar o colapso da moeda russa, o presidente Putin proibiu a residentes a realização de empréstimos em moeda estrangeira e/ou a realização de transferências para o exterior, evitando a saída de capitais. Na prática, os russos passaram a estar vedados de vender Rublos e de adquirir Euros ou USD, evitando a erosão das suas poupanças.
Havia uma alternativa. Qual? As Criptomoedas.
Não por acaso, o Bitcoin foi a Criptomoeda em maior destaque na última semana, com uma subida de 13%, apenas superada pela Luna – esta por razões que irei analisar no final do artigo.
O fecho dos mercados de Forex aos russos também pode causar vítimas “deste lado”.
A pergunta que agora se coloca é a seguinte: estará o mundo ocidental, e em particular a Europa, capaz de suster esta guerra económica, vendo-se obrigado a comprar matérias-primas essenciais à sua indústria a preços exorbitantes e descontrolados, tudo para evitar importá-las da Rússia?
Variação (%) da cotação das principais criptomoedas entre 26 de Fevereiro e 3 de Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance.
Vamos então ver em que estados se encontram as economias ocidentais.
No que respeita ao endividamento público, a situação é um autêntico plano inclinado em direcção a um buraco negro. Os Estados Unidos, cuja moeda é a reserva do Mundo, quase superam o endividamento público português, em torno de 130% do PIB. E a Rússia? Apenas 19%.
E em relação à balança de transacções correntes, ou seja, ao saldo líquido das relações com o exterior?
A situação do ocidente é igualmente débil. Os Estados Unidos apresentam uma das situações mais negativas da sua balança de transacções correntes em muitos anos. Ou seja, o exterior está constantemente a financiar os Estados Unidos, estando estes dependentes de recursos financeiros externos. Algo que não ocorre com a Rússia, que possui excedentes nos últimos anos.
A situação russa até é provável que ainda seja melhor, em resultado da subida do preço das matérias-primas, pois vende mais caro!
Evolução do rácio dívida pública/PIB (%) na Grécia, Itália, Portugal, Estados Unidos e Rússia no triénio 2019-2021. Fonte: Eurostat, FED; Trading Economics.
A subida inexorável da inflação não parece preocupar a presidente do BCE, Christine Lagarde, que afirmou recentemente que as dificuldades sentidas pela economia europeia, em resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia, é motivo para a impressora não abrandar o ritmo.
Atentemos à sua afirmação: “A presidente do BCE, Christine Lagarde, alertou que o Conselho do BCE poderia prejudicar a recuperação da economia se se apressasse a apertar a política monetária…”.
Qual a conclusão de tudo isto que estamos a viver?
Primeiro, o sistema bancário apresenta-se crescentemente perigoso; em qualquer momento, um cidadão pode sofrer o confisco das suas contas; qualquer motivo serve: (i) um imposto para salvar o país de uma bancarrota; (i) um pequeno donativo para ajudar um banco em apuros, que necessita da ajuda dos seus depositantes. As Criptomoedas em endereços controlados apenas pelos investidores são os únicos activos financeiros a salvo deste tipo de contratempos;
Segundo, a rede SWIFT, utilizada pela maioria dos bancos ocidentais, serve de arma de guerra. Em oposição, atendendo à descentralização do seu funcionamento, as Criptomoedas estão ao abrigo desta guerra. Funcionam sempre, sem olhar a quem;
Evolução do rácio balança de transacções correntes/PIB (%) na Grécia, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Itália e Rússia no triénio 2019-2021. Fonte: Eurostat, FED; Trading Economics.
Terceiro, os bancos centrais vão utilizar esta guerra como argumento para continuar a imprimir, agravando, desta forma, a taxa de inflação, já de si altíssima e descontrolada, erodindo ainda mais as poupanças dos aforradores europeus e tornando o seu custo de vida insuportável. Por outro lado, a situação gravíssima de endividamento público da maioria dos países ocidentais impede a subida das taxas de juro, caso contrário, a bancarrota está ao virar da esquina;
Quarto, a repressão financeira dos aforradores vai acentuar-se. Desta forma, os projectos de finanças descentralizadas (DeFi), como é o caso do Anchor Protocol, do blockchain Terra, que permite rentabilidades anuais em torno de 20%, são uma alternativa óbvia aos depósitos tradicionais. A subida em 500 milhões de USTs das reservas do Anchor Protocol fez com que disparassem os fundos captados, que se situam agora acima de 8 mil milhões de USTs. Esta foi a razão para a subida imparável da Luna, a Criptomoeda do blockchain Terra.
Termino com a pergunta: afinal, as sanções aplicam-se a quem: a nós ou aos russos?
Independentemente da resposta, para mim, fica óbvio que as Criptomoedas são a única fuga a esta loucura!
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Diz-se que a expressão “Negócio da China” surgiu a partir das viagens do famoso explorador italiano Marco Polo ao Oriente, durante o século XIII. Com as descobertas portuguesas, em particular no século XVI, após a descoberta da Rota do Cabo, o Oriente tornou-se mesmo um grande “Negócio da China”, atendendo às oportunidades de negócio altamente lucrativas, tão bem descritas no livro “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto.
Para as principais farmacêuticas, em particular as que se dedicaram ao desenvolvimento de vacinas covid-19, os dois últimos anos foram um grande “Negócio da China”. Tudo começou com chineses a cair redondos no chão, acompanhados de gente vestida com indumentária Chernobyl – que se tornou muito popular na imprensa desde então –; depois, foram filas de camiões militares carregados de caixões no norte de Itália. O terror estava instalado. Entretanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) informava-nos da existência de uma “pandemia”: circulava um vírus chinês!
Num ambiente crescentemente plangente e distópico, encerraram-nos em casa e impeliu-se a falência compulsiva de milhões de pequenos negócios. Ao mesmo tempo, surgia um teste para detectar o vírus chinês: o famoso PCR – o teste que, no final de 2020, até teve a sua fiabilidade posta em causa por sentença do Tribunal da Relação de Lisboa. Outras histórias.
Nesta pandemia tivemos uma absoluta novidade: antigamente, no caso de vírus respiratórios, bastava os sintomas e o bom senso para sabermos se estávamos doentes. Desde Março de 2020, tudo mudou. Para conhecermos o nosso estado de saúde, os Governos ordenavam que nos testássemos a toda a hora e entrássemos em quarentena apenas porque podíamos estar infectados mas assintomáticos, porque mesmo assim poderíamos infectar. O “poderia” sempre.
Ao mesmo tempo, através de uma imprensa obnóxia, anunciavam-se milhões de casos positivos, instilando o terror em toda a população. Para os que acusavam positivo: prisão domiciliária sem um mandado judicial; a ordem de um conspícuo funcionário administrativo tornava-se suficiente.
A degradação da nossa liberdade individual não terminou por aqui: obrigaram-nos a usar uma máscara em praticamente todos os lugares – sem uma cabal evidência científica que suportasse o seu uso universal –, que se designou pomposamente por equipamento de protecção individual (EPI).
Mascarados, passámos a desconfiar uns dos outros; na nossa mente, quando olhávamos o próximo, dávamo-nos conta da existência de uma “pavorosa pandemia”. Mesmo nas ruas, livres e arejadas. O fim do Mundo aproximava-se!
Apenas uma vacina podia salvar a Humanidade, garantiam-nos, apesar de há décadas não existir qualquer vacina suficientemente eficaz para doenças causadas por vírus respiratórios.
Porém, no Novo Normal, numa questão de meses, enquanto tratamentos alternativos eram ocultados, apareceram diversas vacinas contra a covid-19, usando em diversos casos tecnologia inédita para seres humanos, e muitas dezenas de projectos, alguns de multinacionais farmacêuticas, ficaram pelo caminho. Designaram esta corrida contra o tempo por Warp Speed.
Em Abril de 2020, na Alemanha, a BioNTech, uma participada da Pfizer, realizou o primeiro ensaio clínico de uma vacina Covid-19, com tecnologia experimental mRNA. Apenas oito meses depois, no dia 2 de Dezembro, o Reino Unido, o primeiro país, autorizou a vacinação Covid-19 à sua população. Seguir-se-iam vários países, com destaque para os Estados Unidos, que emitiu a autorização de uso de emergência no dia 11 de Dezembro.
Em resumo, em apenas oito meses, as farmacêuticas recebiam uma autorização de uso de emergência que as escudava de qualquer acção judicial e do pagamento de indemnizações, atendendo que não existiam quaisquer tratamentos alternativos certificados pelas autoridades – por essa razão, a ivermectina, por exemplo, foi um dos fármacos vilipendiados pela maioria da imprensa e autoridades de saúde. Ao contrário, outros, como o remdesivir, comercializado pela Gilead, foram “acarinhados” e comprados por muitos países, como Portugal, apenas dias antes de a OMS recomendar que não fossem usados em doentes-covid.
A rapidez da aprovação das vacinas em contexto de emergência, mesmo para grupos etários onde claramente a covid-19 não constituía um perigo em pessoas saudáveis (e.g. crianças e adolescentes) manteve-se para todas as vacinas. Os Estados Unidos estão tão obcecados que se aprestam para vacinar até bebés.
Mas vejamos como correu a “vida”, a partir de 2020, para as principais farmacêuticas, em particular para as envolvidas no desenvolvimento de vacinas covid-19, quer entre as comercializadas (e mais conhecidas) quer mesmo entre aquelas que ainda agora “nasceram” ou ainda se encontram em fase de ensaios clínicos.
Podemos destacar, desde já, a Novavax, cuja vacina usa uma réplica da proteína S, sintetizada artificialmente do vírus, e que foi apenas aprovada na União Europeia em Dezembro do ano passado. Esta empresa norte-americana viu a cotação das suas acções em bolsa subir 2.450%! De 3,98 USD por acção para 111,51 USD por acção, num espaço de apenas um ano. Um investimento de 100 USD no final de 2019 valeria 2.550 USD no final de 2020.
A Vaxart também subiu 1.386%, fruto do desenvolvimento de uma vacina oral para a Covid-19, ainda em fase de ensaios clínicos.
Em particular nestas duas farmacêuticas, estas valorizações, ainda antes da sua comercialização, mostram o carácter especulativo em torno das vacinas, e que se estendeu às farmacêuticas mais conhecidas.
Com efeito, a Moderna e BioNTech também participaram da festa: em 2020, a cotação das suas acções subiu 386% e 119%, respectivamente; tudo impulsionado por dinheiros públicos, na sua maioria provenientes da impressora de Bancos Centrais.
Tudo isto foi muito estranho, atendendo que o desenvolvimento de uma vacina é um processo que demora entre cinco e 10 anos, segundo a insuspeita universidade John Hopkins, que taxativamente escreve o seguinte: “Um cronograma típico do desenvolvimento de uma vacina leva cinco a 10 anos, e às vezes mais para avaliar se a vacina é segura e eficaz em ensaios clínicos, concluir os processos de aprovação regulatórios e fabricar a quantidade suficiente de doses da vacina para ampla distribuição.”
Isto era a Ciência antes de 2019: para certificar uma vacina como segura e eficaz, uma série de testes de longo prazo eram obrigatoriamente realizados. Este processo envolvia ensaios clínicos que abrangiam várias fases e estudos observacionais, envolvendo um grande número de indivíduos ao longo de períodos de tempo medidos em anos. Apenas 2% das vacinas propostas para aprovação superavam todos os testes. Hoje, nada disso acontece: as vacinas são consideradas seguras e eficazes ao final de oito meses.
Anteriormente a 2020, mesmo após a aprovação formal, as vacinas continuavam debaixo de um escrutínio rigoroso, podendo inclusive serem retiradas do mercado, no caso do aparecimento de efeitos adversos, como foi o caso de diversas vacinas, como as contra os rotavírus e a doença de Lyme, entre outras.
Com um processo de duvidosa credibilidade, entre o final de 2020 e Fevereiro de 2022, mais de 60% da população foi vacinada com injecções com aprovações em circunstâncias especiais, nunca antes assim concedidas. Com o negócio de vento em popa, 2021 foi novamente fantástico: Por exemplo, as cotações da BioNTech, Dynavax e Moderna subiram 243%, 243% e 164% respectivamente.
Atentemos agora à evolução da capitalização bolsista destas empresas. Podemos observar que em 2020 e 2021 apenas 15 farmacêuticas registaram uma subida da sua capitalização bolsista superior a 300 mil milhões de Euros, 50% mais que o PIB português e cerca de seis vezes a capitalização bolsista de todas as empresas cotadas em bolsas nacionais.
Destaque para a Pfizer, Moderna e Johnson & Johnson, que viram o seu valor em bolsa subir 99, 85 e 55 mil milhões de euros respectivamente.
Em resumo: isto foi um opíparo banquete, servido pelos contribuintes da maioria dos estados ocidentais às farmacêuticas.
Podíamos ainda aqui referir o fiasco da imunidade de grupo, que inicialmente, mas nunca alcançado, porque nenhuma vacina conseguiu eliminar a capacidade de a pessoa que a toma em transmitir a doença ou de ser infectada por outra pessoa, mesmo se vacinada.
Podíamos ainda salientar os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, em dimensão nunca antes vista em outras, como se pode confirmar facilmente no OpenVAERS, e que deveria levar à aplicação dos princípios da prevenção e da análise de benefício-risco-incerteza.
Ou poderíamos ainda destacar que a mortalidade atribuída à covid-19 durante o Verão de 2021, já com grande parte da população vulnerável vacinada, foi superior à contabilizada no Verão de 2020, ainda sem as vacinas.
Ou poderíamos também acrescentar o efeito da Ómicron, uma variante mais transmissível, mesmo ou sobretudo entre os vacinados, mas com menor letalidade, pelo que a descida da mortalidade neste Inverno terá sido mais devido à singularidade da nova variante (menor agressividade por afectar sobretudo as vias respiratórias superiores) do que às vacinas.
Mas depois de se ouvir aquilo que o “insuspeito” Bill Gates disse anteontem numa conferência na Munich Security Conference, está tudo dito.
Atente-se às suas palavras, textuais: “Infelizmente, o próprio vírus, particularmente a variante chamada Ómicron, é um tipo de vacina. Ou seja, cria imunidade de células B e células T. E fez um trabalho melhor em chegar à população mundial do que as vacinas. Se pesquisar nos países africanos, algo como 80% das pessoas foram expostas à vacina ou a várias variantes. Isso significa que risco de doença grave, que está principalmente relacionada com a idade, obesidade ou diabetes, agora é drasticamente reduzido por causa da exposição à infecção. É triste, não fizemos um bom trabalho na terapêutica. Só daqui a dois anos teremos uma boa terapêutica. As vacinas levaram-nos dois anos para chegar ao excesso de oferta. Hoje há mais vacinas do que procura por vacinas. E isso não era verdade. Na próxima vez, em vez de dois anos, deveríamos tentar fazê-las em seis meses. Certamente, algumas das plataformas padronizadas, incluindo mRNA, nos permitiriam fazer isso. Levámos muito mais tempo desta vez do que deveríamos“.
Nada acontece por acaso no mercado bolsista.
E, por isso, não por acaso – e Bill Gates não será a única pessoa com bons conhecimentos antecipados –, desde o início de 2022 o mercado de capitais das farmacêuticas associadas à pandemia está a dar fortes sinais de que este processo de vacinação foi um absoluto desastre. Na verdade, que toda a estratégia política de gestão da pandemia foi um desastre absoluto.
As quedas nas cotações das acções em bolsa da quase generalidade das farmacêuticas associadas às vacinas são disso prova. Podemos observar as quedas vertiginosas que se registam já no presente ano – até ao final da sessão de 17 de Fevereiro – da Moderna, Novavax e BioNTech: 43%, 42% e 39% respectivamente.
Note-se que, por exemplo, uma empresa que suba 100% e depois tenha uma queda de 50%, volta à casa da partida, portanto atente-se à dimensão das quedas, em prazo tão curto.
O descalabro tem sido de tal ordem, que o CEO da Moderna, Stéphane Bancel, vendeu há dias 10 mil acções na sua posse, por um valor equivalente a 1,6 milhões de euros. Trata-se do clássico rato a abandonar barco em pleno naufrágio; mas, neste caso, o flibusteiro transporta o tesouro consigo. O que mais se poderia chamar a este saque?
Veremos os próximos tempos, os próximos episódios.
Se ninguém da Justiça intervir, haverá, por certo, muitos mais que entraram bem no negócio, e que agora não querem sair mal na fotografia.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário