Campanhas eleitorais trazem sempre muito convívio com o povo, arruadas, comícios. E beijinhos. Muitos beijinhos. Muitos abraços. Tudo sem álcool-gel, sem distanciamento de dois metros, sem máscaras cirúrgicas ou de pano, daquelas com bonecos. Já ‘não há’ covid-19. Já não há testes (não dariam jeito nenhum). Já não há quarentenas. Agora, é beijinhos atrás de beijinhos. (Viva a Ómicron!)
Pois esta jornalista, não comparecendo em comícios, fugindo de arruadas e de qualquer tipo de ajuntamento de caça ao voto, não conseguiu escapar de uns beijinhos de um candidato.
Miguel Guimarães, na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia.
O próprio candidato também não se deve ter apercebido, até agora, a quem deu dois beijinhos de cumprimento em plena campanha eleitoral. Se soubesse quem eu era, ter-me-ia cumprimentado com tanto entusiasmo? Com aquele entusiasmo de candidato em campanha? Desconfio que… não.
Isto porque o candidato em questão é, nada mais nada menos, do que Miguel Guimarães. Esse mesmo. O antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual cabeça de lista no círculo do Porto na coligação Aliança Democrática (AD), que junta o PSD, o CDS-PP e o PPM.
Para quem não sabe, ou se tiver esquecido, pode ficar a saber mais sobre a ‘relação’ entre Miguel Guimarães e o PÁGINA UM nesta notícia AQUI ou esta AQUI e ou ainda AQUI (e há tantas outras). O PÁGINA UM intentou três processos de intimação contra a Ordem dos Médicos por informações escondidas por Miguel Guimarães, e por três vezes o Tribunal Administrativo de Lisboa deu-nos razão. Em troca, Miguel Guimarães – em conjunto com a Ordem dos Médicos, o pneumologista Filipe Froes e o pediatra Luís Varandas – processou o director do PÁGINA UM. Aliás, o processo acabará mesmo em tribunal, porque agora, mesmo que Miguel Guimarães queira desistir da queixa, Pedro Almeida Vieira já manifestou formalmente a sua oposição.
Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e candidato pela coligação AD. (Foto: AD)
Mas, pergunta, e bem, o leitor: em que circunstâncias é que a jornalista foi ‘apanhada’ no meio de um evento de caça ao voto de Miguel Guimarães?
Passo a explicar. Tudo aconteceu no dia em que o PÁGINA UM foi fotografar Joaquim Rocha Afonso, presidente do partido Nós, Cidadãos. A sessão fotográfica foi combinada para o mesmo local onde tinha entrevistado aquele mesmo líder partidário, no dia anterior: o Clube Militar Naval, na Avenida Defensores de Chaves, em Lisboa.
O edifício apalaçado é belíssimo e os interiores prestam-se a sessões fotográficas. As diferentes salas, a decoração, os ambientes, a escadaria, os vitrais…
Ora, acontece, que nesse dia, estava agendado um jantar-debate com a presença de Miguel Guimarães. Eu sabia que estava marcado um jantar-debate, mas desconhecia que o candidato da AD seria um dos presentes.
Assim, estava eu no hall no rés-do-chão, a aguardar pelo presidente do Nós, Cidadãos, quando passa por mim Miguel Guimarães, em passo apressado, a caminho de subir a escadaria para o primeiro andar.
Com aquele gesto automático de político em plena campanha, que lhe terão ensinado, Miguel Guimarães olha para mim com um largo e simpático sorriso – como se tivesse gostado muito de me ver – e toca a cumprimentar-me com dois rápidos beijinhos no rosto, bem à português (obviamente, o português ‘normal’, não o português com tiques de aristocrata ou da linha de Cascais).
Nem tive tempo de reagir. Inicialmente, pensei que se dirigia a mim porque nos conhecíamos (como jornalista, conhecemos muita gente, mas a minha memória já teve melhores dias e não guarda todas as caras e nomes).
Depois, quando vi o enorme sorriso, desconfiei (imaginem a cena em câmara lenta, mas a acontecer, na realidade, em milésimos de segundo). Pensei: “está a sorrir em demasia, não deve saber que sou a jornalista Elisabete Tavares, do PÁGINA UM”.
Sede do Clube Militar Naval. (Foto: D.R.)
Quando, por fim, me cumprimenta com dois beijinhos, entusiasticamente, tive a certeza: “não sabe quem sou e pensa que sou uma participante do jantar-debate”.
Foi tudo tão rápido que apenas me saiu um automático: “Como está?”. Fiquei a sentir-me mesmo parva por não ter travado o candidato da AD para me apresentar convenientemente. Ao mesmo tempo, chega o Joaquim Rocha Afonso e Miguel Guimarães já ia escadaria acima, apressado. É que ainda havia muitos abraços, cumprimentos e beijinhos a dar. E vírus a espalhar.
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Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
É, para mim, um dos sinais de que estou a ficar mais velha: falo sem filtro, digo o que me apetece, sem o cérebro ter tempo para dar ordem à boca para que não saiam algumas frases. Isto tem-me acontecido, cada vez mais vezes. Se calhar, não tem nada a ver com a idade. Mas é a minha desculpa.
Isto vem a propósito das minhas gafes constantes. Atenção: sempre cometi imensas gafes. Tenho episódios da minha vida que servem para entreter os filhos e sobrinhos com boas gargalhadas, tais são as trapalhadas e embaraço que as minhas ‘falhas’ provocaram. (O já célebre episódio do garfo espetado num tomate, a meio de um almoço chique, continua a ser o preferido na família).
Isto vem a propósito da minha entrevista com a porta-voz do partido PAN-Pessoas Animais Natureza, Inês Sousa Real, e de uma grande gafe que cometi, depois de desligados os microfones e após as fotografias.
Estava eu a conversar amenamente com os três membros de topo, a cúpula do PAN, quando me sai a expressão “ando há muitos anos a virar frangos”. Ora… falar com vegans ou vegetarianos usando estas expressões não será a coisa mais inteligente. Mas saiu-me.
Rapidamente, me dei conta da falha. Estava ainda a minha boca a dizer a palavra “virar” e já eu me estava dar conta da trapalhada. (O emoji da mulher com a mão na cabeça veio-me à mente).
Rapidamente, expressei o meu sincero arrependimento pela expressão muito mal escolhida.
Valeu a boa disposição da cúpula do PAN que, rapidamente, sugeriu substituir a expressão “virar frangos” por “andar há muitos anos a virar tofu“. “Ou virar seitan” – acrescentei eu, na tentativa de salvar a ‘pele’ e a imagem.
Mais tarde, fiquei feliz por não ter usado também a expressão “puxar a brasa à minha sardinha”. Mas foi por mera sorte, acredite.
Eu, que até fui vegetariana durante mais de 15 anos, sei perfeitamente quais são as regras de ‘etiqueta’ nestas matérias. Respeito muito e admiro – e escrevo a sério – todos os que promovem a causa animal.
Valeu a capacidade de ‘encaixe’ e compreensão da direcção do PAN. É que os meus filhos e os meus sobrinhos já sabem das minhas gafes e trapalhadas. Mas o PAN não.
A entrevista sem gafes (espero) a Inês Sousa Real será publicada a 24 de fevereiro.
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De um lado temos o Jornalismo e a Democracia. Do outro temos os grandes grupos de media, as suas parcerias comerciais e a constante propaganda política.
Hoje, fala-se muito em ‘ajudar’ os media e em usar dinheiro dos contribuintes para ‘apoiar’ o Jornalismo. E confunde-se Jornalismo com os actuais grandes grupos de media, como Global Media Group, Trust in News e Impresa.
Mas, desengane-se quem pense que financiar grupos de media é o mesmo que ‘salvar’ o Jornalismo e a Democracia.
Desengane-se quem pense que os grandes grupos de media são sempre sinónimo de Jornalismo, liberdade de expressão, de informação livre, plural e independente. (Basta constatar o facto de que teve de ser um órgão de comunicação social independente – o PÁGINA UM – a colocar acções em tribunal para obrigar entidades públicas e o próprio Governo a divulgarem informação que têm vindo ilegalmente a esconder dos portugueses).
A realidade nua e crua é que, em geral, nos grandes grupos de media as parcerias comerciais multiplicam-se e crescem, enquanto jornalistas são despedidos e as reportagens são cada vez mais uma ‘coisa’ rara. Não há dinheiro para investigar e viajar em reportagem, mas há para bons salários para directores e administradores, carros topo de gama, cartões de crédito, almoços gourmet, avenças para comentadores amigos e para jornalistas que não incomodam o poder.
Muitos bons jornalistas – dos que incomodam – são colocados na prateleira ou ‘dispensados’. (Sei de alguns que, estando em funções, têm sido impedidos de publicar ‘cachas’ por serem temas que não agradam aos ‘patrocinadores’). Estagiários baratos ou grátis que não fazem perguntas e executam na perfeição a cópia de comunicados de imprensa são ‘promovidos’.
Pouco jornalismo se faz, hoje, nas redacções cheias de jornalistas ocupados a fazer ‘corta e cola’ de ‘takes‘ da agência Lusa ou de comunicados do Governo ou de empresas. O churnalism é uma realidade que envenena as redacções. As parcerias comerciais são a erva daninha semeada com a ajuda de directores que é, hoje, impossível de arrancar.
A realidade nua e crua é que os grupos de media vivem para os seus ‘clientes’, que são as empresas, bancos e entidades públicas que lhes pagam para fazer conferências, summits, tertúlias, talks, entrevistas e podcasts. Promovem-se líderes empresariais, marcas, produtos, campanhas, tendências…
Mas vemos jornalistas a dizer que a crise nos media é um problema do ‘modelo de negócio’ e a culpa é da Internet e das redes sociais. Além disso, dizem que a culpa também é … dos leitores. Como se os jornalistas e os vícios dos grandes grupos de media não tivessem nada a ver com a crise no sector.
A antiga directora do Público, Bárbara Reis, afirmou que “a elite portuguesa, incluindo médicos, professores e pessoas com boas reformas, desvaloriza a informação livre e independente”, referindo-se aos grupos de media. Ora, esta afirmação espelha bem a ‘bolha’ em que vive a maioria dos jornalistas que trabalham para os grandes grupos.
Aquilo que os “médicos, professores e pessoas com boas reformas” desvalorizam é a mistura de notícias com conteúdos pagos, a mistura de entrevistas com parcerias comerciais e os suplementos patrocinados até ao tutano para vender peixe alheio. Aquilo que desvalorizam é noticiários que dedicam os primeiros 30 minutos a políticos. Ou a promoção descarada de empresas e partidos. Ou o ‘bajular’ em directo de certas personalidades.
A classe perdeu a noção da realidade, ao ponto de achar normal um congresso de jornalistas com mais de uma dúzia de patrocinadores, e em que jornalistas se ‘babam’ frente ao Presidente da República, num espectáculo desprestigiante e triste.
O pudor desapareceu por completo. A classe dá-se conta da gigantesca promiscuidade com o poder político e económico?
Há muito que os maiores grupos de media se divorciaram do público. Mas vivem naquela relação tóxica de ter pedido o divórcio, mas de quererem manter o público por perto. Não entendem por que motivo o público está a seguir em frente. Não entendem que o público se sente traído e partiu, sem olhar para trás.
“Não compro jornais há anos”. “Ver telejornais, para quê? É só políticos e propaganda”. As frases de desgosto e lamento sobre o estado dos media em Portugal multiplicam-se pelos fóruns e comentários na Internet e nas ruas. Falando com jovens, a realidade é similar: “Ver notícias? LOL”, é uma das respostas que recebo quando pergunto a um universitário se lê jornais.
Não tenho visto muitos jornalistas publicamente a colocar a mão na consciência e a admitir que nas suas redacções se faz cada vez mais do que ‘não é jornalismo’ do que o que ‘é jornalismo’.
Aquilo que tenho visto é a hipocrisia atroz e patológica de se culpar apenas a Internet, as redes sociais e os problemas financeiros dos grupos de media pela grave crise que atinge o sector.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no V Congresso dos Jornalistas. O evento, que foi patrocinado e ‘apoiado’ por mais de uma dúzia de entidades públicas e privadas, incluindo empresas e bancos, exigia o pagamento de entrada a jornalistas interessados apenas em cobrir o congresso, o qual teve ainda o ‘Alto Patrocínio’ da Presidência da República. (Foto divulgada pelo Congresso dos Jornalistas; D.R.)
A verdade é que jornalistas têm ficado em silêncio sobre o que se passa nas redacções. Já perdi a conta de jornalistas que me dizem que apoiam o trabalho do PÁGINA UM e que tudo vai mal nos grupos de media, incluindo a propaganda que fazem. Mas, depois, esses jornalistas fazem algo para acabar com isso? Confrontam a direcção? Enfrentam os CEOs? Recusam executar parcerias comerciais (quando delas se apercebem)?
A verdade é que o terrível corporativismo da classe ameaça ajudar a acabar com ela. Jornalistas infractores, que mantêm actividades incompatíveis com a profissão, seguem como se tudo fosse normal. Jornalistas a executar contratos comerciais – sobretudo directores – prosseguem como se fosse tudo normal. Nas barbas da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e do Sindicato dos Jornalistas.
Em Portugal, esta é uma prática tóxica – todos se calam para não ‘parecer mal’. E assim, se ‘lixa’ toda uma classe e a credibilidade do sector.
Agora, os media e os jornalistas pedem dinheiro ao Estado e ajudas.
A surgirem ajudas dos contribuintes – seja através de um Carlos Moedas ou de um Ministério governamental – servirão para pagar baixos salários de estagiários e alguns jornalistas destacados para fazerem ‘copy-paste’ de ‘takes’ da Lusa e comunicados do Governo.
As ‘ajudas’ servirão também para pagar carros topo de gama de administradores e directores, além das senhas de gasolina, despesas extra diversas, almoços, cartões de crédito, prémios anuais e os seus razoáveis salários.
As ‘ajudas’ servirão para pagar avenças de comentadores pagos a peso de ouro ‘porque sim’ – do amigo, ao amigo do político ‘amigo’ – enquanto o estagiário é ‘esfolado’.
As ‘ajudas’ servirão para financiar ‘vícios’ e formas de estar nos media que têm prejudicado a Democracia, o Jornalismo e beneficiado o poder político e económico (e ajudado alguns jornalistas, directores e administradores a construir piscinas na casa de campo).
As ‘ajudas’ servirão para manter tudo como está, quando os leitores pedem mudança urgente nos media. As ‘ajudas’ servirão para tapar o buraco criado por negócios opacos e negociatas que correram mal.
Há jornalistas que sabem disto, que dizem isto à porta fechada. Está na altura de os jornalistas se deixarem de atirar culpas e olharem para o que se passa nas redacções e nos seus grupos.
Não é só na Global Media que há contas e negócios a escrutinar. E na Trust in News? E na Impresa? E os milhões devidos ao Estado, à Autoridade Tributária, à Segurança Social? Aos bancos?
Este cenário beneficia muito quem andar a ‘dar apoios’ ao Jornalismo. Sobretudo porque os apoios ajudam a que se faça ‘jornalismo’ apenas em algumas áreas que se quer. Esse condicionamento será a morte do Jornalismo.
Já hoje é visível a tendência de se fazer ‘jornalismo de investigação’ apenas em certos temas para os quais ‘se pode ir buscar dinheiro e bolsas’. Aliás, toda a indústria do chamado ‘fact-checking’ não passa disso mesmo, uma oportunidade para ‘ir buscar uns milhares ou milhões’. Depois, tem é de se escrever o que se sabe que se espera que seja escrito… ou seja, a ‘verdade’ é só a que sai de Governos, comunicados ‘oficiais’ e pouco mais… Como se isto tivesse qualquer semelhança com Jornalismo, cujo ADN consiste precisamente em questionar… as autoridades e os comunicados oficiais.
Agora, querem que se dê ‘apoios’?
Esta tese das ‘ajudas’ públicas aos grandes grupos de media, além de usar um argumento falso – ‘salvar o Jornalismo e a Democracia’ – só vai servir para alimentar o ‘monstro’ em que se tornou a interferência comercial e política no sector. Falso argumento porque existe muita imprensa para lá dos grandes grupos, incluindo imprensa regional e projectos de jornalismo independente, como o PÁGINA UM.
Esta tese de se vir a ‘ajudar’ os grandes grupos de media, faz-me lembrar o filme ‘O Exterminador Implacável’. A tese é de que se nada se fizer, ‘O Exterminador Implacável’ chegará para eliminar o ‘Jornalismo’. Acontece que no filme de culto protagonizado por Linda Hamilton e Arnold Schwarzenegger é precisamente na tentativa de se travar o aparecimento do ‘exterminador’ que se acaba por activar a fatídica Skynet e libertar o poder da inteligência artificial, que lança uma guerra contra a Humanidade.
Na tentativa de se ‘salvar’ o ‘Jornalismo, ‘ajudando grandes grupos de media, arrisca-se a que seja activada uma outra ‘Skynet’, com os grupos de media, ainda mais dependentes de ajudas financeiras externas – públicas e privadas –, ainda mais vulneráveis e condicionados, unidos numa cruzada contra os ‘dissidentes’ que questionem o poder político e económico.
A ‘máquina’ dos media, financiada pela ‘máquina’ política e económica, seria aperfeiçoada para ‘eliminar’ todos o que ‘desobedecessem’ ao poder instalado e verdades ‘oficiais’, e a liberdade de imprensa e de expressão seriam apenas uma lembrança – tal como a Democracia .
Ajudar os grandes grupos de media, como eles são hoje – com toda a promiscuidade e dependência comercial de entidades públicas e privadas – é impedir a sua urgente limpeza, mudança e transformação.
Dificilmente, mantendo a actual promiscuidade com o poder político e económico e os actuais ‘vícios’ e salários e avenças de luxo, os grupos irão mudar. Pelo contrário, vão saber que, se quiserem sobreviver, têm de se ‘rebaixar’ mais.
Sem se fazer esta ‘limpeza’, não há ajudas que valham para os ‘salvar’. Mas, se calhar, é isso que se quer. Num mundo em que os media são controlados por políticos e grandes grupos económicos, tudo é mais fácil.
Num admirável mundo novo dos grupos de media financiados por ‘ajudas’, uma nova era nasceria em que a censura e o pensamento único seriam, em definitivo, a norma.
Tal como no filme ‘O Exterminador Implacável’, arriscamos caminhar a passos largos para esse mundo em que mais ‘jornalistas’ se ajoelham perante o poder, fazem vénias a entidades públicas e privadas – sejam de saúde, tecnológicas, financeiras ou militares -, beijam a mão do Presidente da República e agradecem as ‘ajudas’. As ‘ajudas’ que os ajudam a não mudar.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Era um documento simples e fácil de compreender. Nele constava uma lista específica, ordenada, de casas com as respectivas áreas e preços. Havia na redacção quem não conseguisse entender o que lá estava escrito, incluindo uma jornalista que tempos depois acabou a escrever duas manchetes falsas que o jornal publicou.
Infelizmente, ao longo de mais de 25 anos no jornalismo económico, constatei que este caso que aqui relato está longe de ser o único. A maioria dos jornalistas que encontrei não lida bem com números, tabelas, estatísticas – e factos científicos. Em muitos jornalistas mais jovens, junta-se a falta de ‘memória’ sobre acontecimentos históricos, como o ‘Muro de Berlim’, o qual era visto pelo regime soviético como essencial para ‘proteger’ o povo dos elementos e influências ‘fascistas’ e a sua ‘desinformação’.
A baixa literacia em várias áreas, que afecta como um vírus a classe jornalística, é bem vista por governos e grandes empresas. Torna-se mais fácil fazer passar os comunicados de imprensa com números e dados falsos ou enviesados. Com jornalistas desgastados, cansados, com jornalistas com baixa literacia em áreas-chave, com ausência de pensamento crítico, é muito fácil transformar a imprensa em ‘colaboracionista’. E é isso que temos, hoje, em geral.
A baixa literacia matemática, estatística, financeira – e também científica – não afecta apenas jornalistas. E o objectivo é que tudo se mantenha assim.
Ainda no dia 21 de Dezembro foi chumbada no parlamento uma recomendação ao governo para que “dê a preponderância devida à literacia financeira em contexto escolar”. A proposta teve os votos contra do PS e do Bloco e a abstenção do PCP e do Livre.
Manter a população na ignorância é bom para quem quer governar (ou lucrar a vender produtos e bens) sem grandes perguntas ou oposição.
Uma proposta sobre reforço da promoção da literacia financeira em contexto escolar foi chumbada.
No caso dos jornalistas, se poucos souberem fazer cálculos simples, melhor. Se poucos (raros) souberem ler artigos científicos, compreender metodologias e interpretar dados, melhor. Viu-se na pandemia de covid-19 como a maior parte dos jornalistas demonstrou ser fácil de enganar. (Pudera. Se não conseguem contestar dados, fazer cálculos simples ou relacionar eventos da actualidade com a História…)
Este terreno de baixos conhecimentos em áreas-chave, nomeadamente por parte de jornalistas, é ideal para a construção do novo ‘Muro de Berlim’, que está em marcha avançada. Como o muro erguido para dividir a Alemanha, que o regime soviético via como essencial para ‘proteger’ o povo de ‘más’ influências e ‘propaganda’ fascista.
Desta vez, é um muro invisível mas bem real que está a ser erguido por um regime político ocidental capturado por interesses económicos, minado pela corrupção e conflitos de interesses, assente numa ideologia tecno-totalitária. Um regime que está a legalizar, através da aprovação de novas leis, a censura de jornalistas e de notícias verdadeiras, o silenciamento de ‘dissidentes’.
Muro de Berlim. Antes era físico.
O ‘combate’ à ‘desinformação’ e ao ‘discurso de ódio’ é a desculpa deste regime e desta ‘revolução cultural’ para reprimir o povo, a liberdade e a imprensa. Como no tempo do regime soviético e do Muro de Berlim que ‘protegia’ o povo dos ‘fascistas’ e da sua ‘desinformação’. As desculpas mudam. Os objectivos são os mesmos: reprimir, silenciar, vigiar e controlar.
Um regime que premeia o lucro e a ganância (veja-se o caso, na União Europeia, da milionária compra opaca e suspeita de vacinas contra a covid-19, a recente prorrogação por uma década da autorização do uso do perigoso glifosato na agricultura ou as medidas políticas restritivas impostas na pandemia sem qualquer base científica, as quais levaram grandes empresas e bancos a obter lucros recorde e obscenos estes últimos anos, face aos danos gigantescos provocados à população e pequenos negócios).
Um regime que promove guerras enquanto apoia o legalizar da repressão da liberdade de imprensa e dos direitos humanos no espaço digital (e na saúde, através de actualizações previstas ao Regulamento Sanitário Internacional). Um regime que está a legalizar o silenciamento de ‘dissidentes’, pessoas com visões diferentes das do regime. Um regime que está a trabalhar para garantir que impedir alguém de circular ou aceder ao seu dinheiro será tão fácil quanto carregar numa única tecla.
Um regime que está a legalizar o que em 2020 ainda não era legal: censurar; coagir; prender sem culpa; deixar alguém à fome, sem acesso ao seu dinheiro. Da União Europeia, passando por países como a Irlanda, o Canadá, o Brasil, as leis de repressão avançam.
Desta vez, não é um muro feito de betão, mas de leis, financiamento, regulamentos e cumplicidade entre o grande poder económico e político. Desta vez, o muro não tem arame farpado, mas normas, reguladores, grandes tecnológicas e comités políticos que podem decidir o que é ‘verdade’ e quem está autorizado a se expressar. Mas este muro tem o mesmo propósito: manter os cidadãos reféns do regime.
Este novo muro de Berlim também não divide a Alemanha; ele está a ser construído em redor dos países do chamado mundo ocidental onde os cidadãos vivem cada vez mais controlados, manietados e vigiados – e não é para o seu bem.
Os media têm um papel crucial em qualquer ‘revolução cultural’. Por isso, outra ‘pedra’ que está a ajudar a erguer este muro são os incentivos financeiros e políticos criados – as ‘cenouras’ – para que os media produzam notícias exclusivamente dentro das narrativas oficiais. São disso um exemplo os apoios para alegado ‘fact-checking‘ (que tem sido, em geral, muito tendencioso e com pouco rigor científico, por exemplo) ou apoios e contratos comerciais diversos vindos de entidades públicas ou privadas.
Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Restringir a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão é uma das ‘pedras’ necessárias para a construção do novo muro e está a ser implementada em diversos países e também na União Europeia, com a aprovação de directivas comunitárias criadas alegadamente para defender jornalistas e combater a ‘desinformação’ e o ‘discurso de ódio’, mas que conferem poderes às ‘autoridades’ que podem usar usados abusivamente para minar a democracia, os direitos digitais e o Jornalismo.
Como em qualquer ‘revolução cultural’ – como a que está em marcha –, ‘para o bem de todos’, estão a ser criadas leis cuja consequência poderá ser o continuar da censura de notícias verdadeiras – que ‘desautorizam’ a versão ‘oficial’ –, o silenciamento de jornalistas e dos que questionem as políticas de governos e ‘autoridades’. Como nos regimes totalitários – fascistas ou comunistas.
Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Outra ‘pedra’ que está a servir para construir o novo muro é o acto de se ameaçar e intimidar os grandes espaços de informação digital (como as plataformas que operam rede sociais) – como o Digital Services Act na UE ou legislação drástica anunciada na Irlanda. Como aconteceu durante a pandemia, continua a ser eliminada informação verdadeira e silenciadas vozes que contrariam comunicados ‘oficiais’, sob o falso pretexto de ‘desinformação’ (para regimes totalitários, tudo o que não estiver alinhado com as narrativas oficiais é obviamente desinformação).
Sob o comando de Ursula von der Leyen, antiga ministra da Defesa da Alemanha, os lucros de gigantes das indústrias farmacêutica, de armamento e do sector financeiro prosperam ajudados por dinheiros europeus. Além disso, sob o seu mandato, a Comissão Europeia implementou, desde 2020, medidas anti-democráticas, sem base científica, que deixaram um rasto de empobrecimento, doenças e excesso de mortalidade, tendo ainda violado direitos humanos e civis (como o apartheid infame do ‘passaporte de vacina’). Mais recentemente, têm estado a ser aprovadas directivas comunitárias que abrem a porta a abusos políticos e ataques à liberdade de imprensa, de expressão e direitos digitais.
Nova legislação imposta para alegadamente proteger os jornalistas e os media contém artigos que, segundo alguns, são autênticos cavalos de Tróia e potenciais ameaças ao Jornalismo e a todas as notícias verdadeiras que as autoridades ou as Big Tech decidam classificar como ‘desinformação’. É o caso de legislação imposta no Canadá e o Media Freedom Act aprovado preliminarmente, em meados deste mês, na UE.
Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Artistas, actores, escritores, políticos, comediantes, cientistas, professores, jornalistas que falem algo que contrarie ou questione os comunicados ‘oficiais’, são postos de lado, difamados, cancelados, despedidos. São postos num novo Gulag invisível mas eficaz, onde são denegridos, difamados e ostracizados pelos media, não têm trabalho ou apoios públicos e são atirados para o deserto dos classificados como ‘teóricos da conspiração’.
Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Nos media, é bem visível a onda de se cobrir de forma idêntica os principais temas, além do recurso a insultar e enxovalhar ‘vozes dissidentes’ (lembram-se dos termos ‘chalupas’ ou ‘negacionistas’, ‘putinistas’, etc?) – a onda de ‘revolução cultural’ assente numa ideologia/religião minada de fanatismo.
Factos e dados não valem nada nesta cultura actual, onde alguns temas ascenderam a categoria de ‘religião’ – seja na saúde, na Ciência, ou na política internacional. Os ‘dissidentes’ são difamados como sendo de ‘extrema-direita’ (em outros regimes eram ‘fascistas’ ou ‘comunistas’) ou com outras acusações falsas que visam apenas desacreditá-los. Os nomes e acusações mudam mas a táctica é a mesma.
Até factos históricos e literatura são ‘reconstruídos’ ou mesmo eliminados neste regime – esta revolução ‘cultural’ – que nasce com o novo muro.
Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Com identidade e dinheiro digitais – em desenvolvimento acelerado –, o controlo e vigilância potenciais são absolutos. Totais. E poderão ser meios usados abusivamente para restringir a liberdade e o acesso a rendimentos de ‘vozes dissidentes’.
Um muro invisível aos olhos da imprensa, dos jornalistas cegos ou alinhados, mas um muro real. Tão real como um muro de betão e arame farpado e protegido por guardas armados.
Como sucedeu tantas vezes na História, de forma silenciosa e gradual, um ciclo de totalitarismo ameaça estar à espreita. Do lado de dentro deste novo ‘Muro de Berlim’ não estão parte da Alemanha, ou países como a outrora subjugada Polónia pela Rússia, … Dentro deste muro de Berlim invisível estamos todos nós, ocidentais.
Este muro não existia nos últimos anos, mas o início deste regime totalitário já era visível. Para implementar medidas anti-democráticas, desde 2020, foram violadas as leis fundamentais dos países. Foram detidos cidadãos, alguns com recurso a violência extrema, em certos países. Foram congeladas ilegalmente contas bancárias a cidadãos que questionaram medidas em países, como o Canadá. Foram impostos mandatos que violaram os direitos humanos e civis e que deixaram um rasto de mortes e mortalidade em excesso e doenças. A pobreza disparou e os mais vulneráveis foram dos mais prejudicados.
Tudo foi feito de forma ilegal. As novas leis, o novo muro que está a ser construído, ameaça tornar todo esse tipo de violações ‘legais’ no futuro. A normalização da ideia iniciada na pandemia de que quem decide o que é ‘verdade’ não são jornalistas ou cientistas mas reguladores e ‘Big Techs’. A tentativa de eliminação do conceito de direitos humanos em políticas de saúde, bem como o adulterar do conceito de direitos digitais. A normalização da ideia de que não somos soberanos sobre o nosso próprio corpo. A legalização da ideia de que não somos guardiões nem educadores últimos dos nossos próprios filhos.
E está em marcha a normalização do silenciamento de jornalistas – sob o falso pretexto de ‘desinformação’ – e até do encarceramento de jornalistas – veja-se o caso de Assange, jornalista e preso político num país do Ocidente.
Memorial relativo ao Muro de Berlim
O fanatismo, a ganância (por lucro e poder) e a ignorância foram a base para a instalação de regimes totalitários, para a repressão e para crimes contra a Humanidade.
As novas ‘religiões’ criadas em torno de temas ‘incontestados’, o fanatismo alimentado pelos media, a ganância de grandes indústrias tecnológicas (e não só) e a ignorância são, hoje, de novo, os alicerces para a construção deste novo muro de Berlim.
São novos fanatismos, ideologias totalitárias em pleno século XXI. Mas é, sobretudo, cegueira. Uma perigosa cegueira que contribui para ajudar este muro a levantar-se em torno do mundo ocidental. Um muro silencioso e invisível mas que está a erguer-se.
Mas, tal como vivemos neste regime pré-totalitário, também surgiram, nos últimos anos, na sociedade ocidental, novas estruturas e plataformas em defesa dos direitos humanos e civis, novos meios de comunicação social independentes, processos na Justiça para aceder a informação escondida e combater os fanatismos, os actos de ganância e a censura.
Se é verdade que um muro se está a erguer, também a sociedade civil está mais forte, hoje, do que estava em 2020, está mais organizada e preparada para lidar com ataques à democracia, à liberdade de imprensa e aos direitos humanos, civis e direitos digitais.
E, como diz o ditado, não se consegue enganar toda a gente, o tempo todo. E não se consegue comprar toda a gente, nem para sempre.
O muro pode estar a ser construído, mas junto com ele está a erguer-se uma sociedade civil mais consciente e atenta. Estão a erguer-se estruturas – desde jornais independentes a organizações de profissionais e de direitos no mundo digital – que colocam em causa o novo regime que ameaça mergulhar o mundo ocidental numa ditadura comandada, não pela repressão política ou militar, mas pela repressão ideológica, tecnológica e financeira.
E, se a sociedade civil prosseguir com o reforço dessas novas estruturas e organizações, no final, o mundo ocidental sairá mais forte e também mais consciente. Haverá mais consciência de que é urgente preservar o conhecimento acumulado e a História. E de que é preciso estar atento. Porque, afinal, mesmo com tudo o que a História nos ensina sobre os perigos das ditaduras e ‘revoluções culturais’ com censura à mistura, mesmo com toda a evolução científica e tecnológica, haverá sempre quem esteja disposto a tentar eliminar a democracia, a imprensa e o livre arbítrio. A tentar eliminar o que é preciso preservar a todo o custo: a liberdade.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. Neste caso, o director subscreve até as gralhas.
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Cá em casa, gostamos de ver o ‘velhinho’ filme Jurassic Park e as suas sequelas. Num dos filmes da saga, a fuga acidental de um dinossauro cheio de garras e armado de dentes afiados lança o caos num moderno parque temático, quando este se encontra apinhado, com milhares de visitantes.
Um grupo de vilões com más intenções, que tinha já ‘um pé’ dentro da organização que geria o parque, vê naquela situação de crise uma oportunidade para tirar lucros e assume o poder. Nessa altura, vê-se então que o parque servia não só para entreter multidões de visitantes mas também servia interesses privados obscuros ligados à indústria de armamento. O principal cientista – que criava os dinossauros – estava comprado pelos ‘maus’ e era parceiro dos vilões.
Este enredo faz-me lembrar o que se passa com a Global Media e com o estado dos grupos de comunicação social, em geral. Os ‘vilões’ já lá tinham um pé e apenas agarraram a oportunidade para assumir o controlo. Os interesses comerciais e também políticos, ou ideológicos, comandam.
Imagem de uma cena do filme Jurassic World.
A crise criou a oportunidade. Em geral, hoje não se faz Jornalismo nos media mainstream – ou os grandes órgãos de comunicação social que distribuem notícias para as massas. Eles são híbridos: produzem muitas notícias, reportagens e entrevistas que foram encomendadas, ‘conteúdos’ que são feitos no âmbito de contratos de parceria comercial, sem que os leitores/ telespectadores/ ouvintes percebam bem isso. Tudo nas barbas dos reguladores e do sindicato.
Os interesses comerciais tomaram de assalto as redacções. Os directores de hoje são marketeers a moderar conferências e talks e estão demasiado próximos do poder político, económico e financeiro. Depois, os media mainstream têm uma agenda de cobertura de acontecimentos e temas que é dominada pela agenda política e agenda financeira e de empresas. Ou seja, a maior parte da agenda dos media é feita por … gabinetes de comunicação e spin doctors que trabalham para políticos e para empresas.
Acresce a isso a praga do churnalism (sobre a qual já aqui escrevi aqui, no PÁGINA UM), o ‘corta e cola’ de notícias da Lusa, dos outros meios de comunicação social e de comunicados de imprensa e sobra pouco para fazer Jornalismo. Poucos jornalistas disponíveis, poucas páginas nos jornais, pouco tempo nos espaços informativos das TV’s e das rádios.
Outro fenómeno é o facto de os grandes meios de comunicação social operarem segundo uma lógica de ‘manada’, ou de ‘matilha’, consoante as circunstâncias.
Em ‘manada’, quando vão uns atrás dos outros na cobertura noticiosa. Onde vai um, vão todos. Se um cobre ‘assim’, o outro cobre ou não cobre ‘assado’ nem ‘cozido’. Todos parecem mais ou menos iguais.
Em ‘matilha’, quando todos atacam um alvo em simultâneo. Estes ataques, na forma de blitz, são executados pelos media, mas muitas vezes não são meros acasos, mas ataques pensados e orquestrados por gabinetes de comunicação que trabalham para governos, organizações ou empresas e visam abater um concorrente, um adversário ou algo ou alguém que consideram ser uma ameaça aos seus lucros e interesses.
Veja-se o que aconteceu quando nasceu o PÁGINA UM e publicou investigações na área da saúde, tendo de imediato sido alvo de uma campanha de difamação, com notícias falsas a serem divulgadas quase em simultâneo por muitos dos media mainstream nacionais.
Este ‘hibridismo’ e modus operandi, além de trair o Jornalismo, tem sido extremamente nefasto para os jornalistas e para a Imprensa. E para os consumidores de informação. (Já sobre a actuação em ‘matilha’, obviamente que é condenável e abjecta a todos os níveis.)
Tanto no caso da actuação em ‘manada’, como na actuação em ‘matilha’, falta algo importante: racionalidade; pensamento crítico; ética; e Jornalismo. A bestialidade tem vindo a tomar conta das redacções, engolindo jornalistas e o Jornalismo quase por inteiro. O histórico jornalista Fernando Dacosta falou, num debate recente, sobre o fenómeno do ‘jornalismo’ acéfalo. Esta postura acrítica de se estar nas redacções, longe dos tempos em que intelectuais enchiam os quadros de pessoal dos jornais.
É neste cenário e contexto que chegamos então à grave crise na Global Media, dona de títulos como o histórico Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF, o Jogo e o Dinheiro Vivo. (E aqui deixo uma declaração de interesses, pois fui jornalista neste grupo entre meados de 2017 e o final de 2021, assinando no DN, no JN, no DV e fazendo entrevistas na TSF.)
Podemos falar, claro, na sucessão de accionistas que por lá foram passando, que, além de ligações políticas, também foram deixando um rasto de cortes e decisões ‘estratégicas’ destrutivas – como retirar o DN de banca. Podemos e devemos analisar a forma como a diminuição das redacções tem tido um forte impacto na qualidade do trabalho lá produzido. Não se fazem omoletas sem ovos. Ou na contratação, ao logo dos anos, a peso de ouro, de ‘estrelas’, jornalistas e comentadores ‘amigos’, que são, sobretudo, despesa. Este último ‘mal’, é comum em muitos meios mainstream nacionais.
A explosão das redes sociais e do consumo de informação (e publicidade) no meio digital não explica toda a crise que afecta os grandes grupos de comunicação social. Há falta de dinheiro mas os grandes media nacionais também têm esbanjado dinheiro em ‘projectos’ e em ‘amigos’ e estão demasiado colados aos poderes instalados, tanto políticos como financeiros e empresariais. E isso nota-se.
Para quê comprar uma subscrição num jornal que representa mais os poderosos do que os leitores? Para quê subscrever jornais que escrevem praticamente as mesmas coisas e publicam os mesmos ‘takes‘ da Lusa?
No meio do caos, os ‘vilões’ aproveitaram a oportunidade: corrompendo o trabalho das redacções; pondo de parte o Jornalismo; colocando na liderança directores que estão alinhados e até podem ganhar prémios por desempenho comercial. O Jornalismo sai derrotado. Os jornalistas que não são despedidos, saem desmoralizados, cansados.
Na maioria dos grupos de comunicação social, os jornalistas não são respeitados. Os leitores não são respeitados. Prevalecem os interesses comerciais.
José Paulo Fafe, presidente-executivo da Global Media, traiu-se a si próprio numa entrevista recente, ao mostrar o que pensa realmente dos jornalistas e dos jornais, ao referir-se a Pedro Almeida Vieira – jornalista, fundador e director do PÁGINA UM –, como ‘um tipo de um site’. O PÁGINA UM é um jornal digital, com notícias online, como também são as edições online do DN e do JN. Pedro Almeida Vieira já trabalhou no Expresso, na Grande Reportagem e no DN.
Para este tipo de CEOs de grupos de media, para muitos directores do departamento comercial, para políticos e banqueiros, os jornalistas são hoje uns meros ‘tipos de um site’ que eles usam a seu favor. Só os jornalistas ainda não perceberam isso.
No filme Jurassic World, o ‘vilão’ mais perigoso não era, afinal, o dinossauro cheio de garras e dentes mas a rede de interesses militares e comerciais. Nos media, o ‘vilão’ mais perigoso não é o ‘dinossauro’ gigante que é o Google ou o Facebook – em relação aos quais existem ‘armas’ e soluções.
Nos media, o maior ‘vilão’ é a rede de oportunistas que assaltou as redacções e colocou na liderança de jornais, rádios e TVs funcionários ‘alinhados’ para usar os meios de comunicação social em seu benefício, fazendo cobertura enviesada de temas e implantando assuntos e entrevistas sugeridas. Na pandemia, isso foi mais do que evidente.
Destruir o Jornalismo interessa a todos os que queiram ter mais poder e mais lucros. E isso tem estado a ser feito de forma sistemática nas redacções.
No filme (alerta de spoiler), morre muita gente, entre trabalhadores do parque e visitantes. Morrem muitos dinossauros ‘bons’. Morrem também ‘vilões’, mas não todos. O cientista escapa num helicóptero topo de gama, junto com muitos ‘activos’ que roubou do laboratório. O parque fica destruído para sempre, sem qualquer réstia de credibilidade.
No sector dos media, directores podem escapar para novos cargos dentro ou fora do sector, levando indemnizações simpáticas, depois de terem conseguido pagar casas novas e piscinas e alcançado a fama nas TVs. Jornalistas e comentadores ‘estrela’ também se ‘safam’ com outros ‘amigos’. Activos que ainda existam, são vendidos. Os jornalistas, esses ficam sem emprego. É o pagamento que recebem por terem fechado os olhos e ficado em silêncio durante anos, perante o subverter do Jornalismo e os assaltos às redacções pelos interesses comerciais e políticos. É o pagamento pelo facto de os jornalistas permitirem que os tratem anos a fio como ‘uns tipos de uns sites’.
No sector dos media, o assalto último ainda pode estar a ser preparado, se, aproveitando a profunda crise, uma voz sussurrar que o Estado deve ‘salvar’ grupos de media. Então, o poder político anunciará a criação de uma criativa ‘bondosa’ e ‘generosa’ solução que ‘alguém’ propôs, que passa pelo contribuintes injectarem mais dinheiro em grupos de media, depois das injecções já feitas durante a pandemia, do financiamento via publicidade estatal e ‘parcerias comerciais’ pagas por entidades públicas.
Tudo isto para ‘o bem comum’, para o ‘bem’ do ‘jornalismo’, o qual será feito por ‘uns tipos’ desesperados quaisquer que, no final, acabarão, na mesma, por ser engolidos pelo dinossauro gigante e mau.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. Neste caso, o director subscreve até as gralhas.
É um caso de marketing e de propaganda para totós. Ainda assim, jornalistas cobrem estes eventos como se fossem sérios e realmente produtivos, com o objectivo de se melhorar o mundo e as vidas de todos. Ainda assim, se fazem debates sobre esses eventos, como se realmente houvesse algo, de substância, para se debater no que lá se diz que se vai fazer.
Um desses eventos é a “Cimeira do Clima” ou sobre o Ambiente, ou Alterações Climáticas… O nome do “espectáculo” pode ir mudando, mas o assunto é sempre o mesmo: líderes mundiais deslocam-se nos seus aviões para um local remoto do Mundo, para anunciar a “atribuição” de dinheiros e criação de fundos e medidas que vão melhorar a saúde do planeta e o futuro de todos os que nele vivem.
Muitos comunicados de imprensa. Muitos discursos “inspiradores” e “assertivos” escritos pelas diversas equipas de comunicação e os melhores spin doctors. Os resultados são, invariavelmente, clichés como “não há humanidade B”, frase de António Costa nesta última Cimeira do Clima, citado na Lusa, frase que foi repetida até à exaustão pelos gabinetes de relações públicas do Governo, ou seja, os principais media do país.
Nestas cimeiras e conferências, os políticos de repente acordam para a causa ambiental e, tal como um cristão renascido, banham-se nas límpidas águas das diversas cimeiras do clima para sair delas discípulos da Nova Terra salva da poluição e imaculada. Pelo menos, até aterrarem de novo com os seus aviões nos países de origem e tudo voltar ao “business as usual“, que é como quem diz, ao andar de carro para cima e para baixo, conceder o licenciamento de empresas poluidoras e apelar ao consumo desenfreado para salvar empregos e “a economia”.
Desde pequena que ouço falar na desertificação, na necessidade de se reduzir o consumo, na urgência de se poupar água e proteger o meio ambiente. Desde pequena que assisto a sucessivos governos portugueses e descurar a ferrovia e a despejar dinheiro dos contribuintes na construção de estradas (ou melhor, nas construtoras suas amigas que construíram as estradas).
E todos os anos, sem excepção, assistimos a descargas ilegais em rios, a poluição diversa no mar. A investimentos estapafúrdios em obras e construção de monos com dinheiros públicos. Fecha-se os olhos a projectos poluidores porque criam empregos? Baixam-se os requisitos ambientais para atrair aquele investimento na fábrica que até foi classificado de PIN (projecto de interesse nacional)? Autoriza-se o abate daquelas árvores protegidas para aquele empreendimento de luxo? Dá-se o OK a mais um campo de golfe em zona onde falta a água? Avança-se com a construção de um novo aeroporto em zona de migração e nidificação única na Europa? Olha-se para o lado para o uso de pesticidas que acabam com espécies de relevo e causam cancro? Arrasa-se aquele rio selvagem e aqueles ecossistemas para construir mais uma barragem?
O presidente da COP28, o Sultão Al Jaber. A cimeira teve este ano lugar no Dubai, capital dos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores produtores de petróleo do mundo.
E incentiva-se ao consumo. Muito consumo. A quantidade de embalagens e lixos produzidos hoje é estonteante. Avassaladora. Os governos lucram com isso através dos diferentes impostos cobrados. O ambiente é que se lixa, tal como todos nós. E o planeta.
Desta vez, Costa pediu acção mais rápida e ambiciosa. Todos concordaríamos com isso, se não tivéssemos visto o que Costa fez, por exemplo, na gestão da pandemia de covid-19, desde 2020. Mas, como vimos e sentimos na pele e nos bolsos o que fez, o que lemos nessa intenção do “rápido e ambicioso” é isto: muitos vão encher os bolsos (de novo) e nós vamos ficar agarrados aos problemas e aos prejuízos. Além do atropelo que fez à Constituição da República.
Ou seja: há o risco de um acelerar no caminho da destruição da democracia, por via de leis e medidas inconstitucionais, e um novo o empurrão para fortes cargas de impostos sobre “poluidores”, que vão acabar por cair afinal sobre os consumidores finais. Há o risco de se inventarem mais “políticas verdes”, mas que irão beneficiar empresas amigas. Vão anunciar-se regras que serão aplicáveis aos comuns dos mortais, enquanto os que têm amigos e cunhas serão poupados.
O primeiro-ministro, António Costa, e o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, na COP28, que este ano se realizou no Dubai. (Foto: D.R.)
Talvez porque acompanhe os mercados de capitais há várias décadas, desconfio destas promessas “verdes” que até agora renderam milhares de milhões a fundos e “veículos” de investimento, filantropos, fundações e políticos a vender este peixe da economia “verde” e trouxeram mais e mais problemas ao planeta e às populações.
Estas cimeiras do clima ou do ambiente fazem-me também lembrar os congressos dos jornalistas (vai-se agora para o 5º Congresso). Fala-se muito e não se muda nada. Fala-se muito, mas não se mexe naquilo que se precisa mesmo mexer para que haja mudanças.
Na política, continua a promover-se o crescimento eterno das economias e a cultura de consumo, como se isso fosse racional ou sensato. O crescimento eterno do Produto Interno Bruto, vendido nos telejornais como sinal de sucesso político…
Nos congressos de jornalismo fala-se que o sector está em crise, os jornalistas são mal pagos e até que há disparidade de salários e promoções entre homens e mulheres. Mas, hoje, há que assumir, que os jornalistas não têm quase nenhum poder e estão alinhadíssimos com o poder político e empresarial.
Cartaz do 5º Congresso de Jornalistas, criado pelo ilustrador e cartoonista André Carrilho com base no lema “Jornalismo, Sempre” do evento que vai decorrer de 18 a 21 de janeiro de 2024.
A liberdade de imprensa está ameaçada (sobretudo, desde 2020) e há notícias verdadeiras a serem censuradas no mundo digital. Os grupos de comunicação social estão vendidos (rendidos) às “parcerias comerciais” (conteúdos e eventos patrocinados por entidades públicas ou privadas). Directores de jornais, revistas, TVs e rádios fazem o papel de entertainers e apresentadores em eventos e conferências e actuam como embaixadores de políticos, de reguladores, de figuras da autoridade e todos os “clientes” que pagam as “parcerias comerciais” aos seus grupos.
As redacções estão magras, mas cheias de jornalistas e estagiários que fazem copy/paste (churnalism) das notícias da Lusa e de comunicados de imprensa. Não há tempo (nem pensamento crítico) para mais. E há que falar nos jornalistas que têm empresas e funções incompatíveis com a profissão. Nos grupos de comunicação social com “clientes” que lhes pagam para escrever “notícias” e fazer eventos sobre os quais depois escrevem (sempre) favoravelmente. E há que falar na evidente subserviência do sector em geral face ao poder, seja do Governo, de autoridades, de reguladores, de direcções-gerais, da Comissão Europeia, (como, de resto, se viu na pandemia).
Além de que se tem obrigatoriamente de falar na falência completa de reguladores e dos que deveriam ser vozes em defesa da profissão e do sector, com destaque para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Mas também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social só tem actuado quando sente pressão. E o Sindicato de Jornalistas tem ficado em silêncio perante irregularidades e situações de promiscuidade inaceitáveis.
A lista de patrocinadores do Congresso é extensa.
Como jornalista, ao longo dos anos sempre me mantive afastada de congressos e do corporativismo patente no sector da comunicação social. Não me identifico com operações de autopromoção, nem com os silêncios sobre os problemas graves, como as “parcerias comerciais”, nem com a cultura das palmadinhas nas costas enquanto o sector arde.
A meu ver, na defesa do ambiente e do planeta e na defesa do jornalismo existe algo em comum: jamais serão defendidos por políticos do actual establishment, nem pelas grandes indústrias, por bilionários donos de multinacionais ou filantropos com um histórico ético duvidoso. Nem por jornalistas que há muito se vergaram perante dinheiros públicos, privados ou de fundações, com medo de perderem o emprego, a nomeação a prémios e bolsas, além dos que não escondem agendas ideológicas.
Nem a defesa do planeta, nem a defesa do jornalismo irão ser feitos por aqueles que têm contribuído para criar os problemas existentes, seja pelas suas acções seja porque pactuaram com os ataques, ficando em silêncio.
O jornalista Pedro Coelho, em declarações à RTP Madeira, numa visita àquela região para promover o 5º Congresso dos Jornalistas.
Num mundo de árvores de Natal de plástico, enfeitadas de bolas e fitas de fantasia em material sintético, o jornalismo é hoje um adereço brilhante para vender frases bonitas sobre como políticos e bilionários que contribuíram para nos trazer ao desastre, são agora os maiores defensores do ambiente e da vida no planeta.
Num mundo de cimeiras do clima da tanga e congressos dos jornalistas da treta, temos de começar a pensar se está na altura de deixarmos de ser totós. Em relação aos políticos, aos media que destroem o jornalismo e em relação ao que podemos fazer sobre o futuro do planeta e do jornalismo.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Desdobram-se em campanhas publicitárias a marcas. Mercantilizam a sátira, o humor e os seus nomes. Beliscam poderosos, mas pouco e preferem atacar a Cristina Ferreira, o Ronaldo e o Luís Goucha. Fogem de temas tabu como o diabo da cruz.
“DesConfiam” de “histórias inspiradoras” e de “gurus” da auto-ajuda – o mote de um espectáculo da autoria da comediante da Rádio Renascença Joana Marques. Mas não “DesConfiam” nada, nadinha, das políticas anti-democráticas em marcha, de medidas que aumentam a pobreza, financiam guerras, nem desconfiam da ganância de empresas que incentivam o consumo desenfreado. Aliás, alguns comediantes trabalham para essas empresas, como Joana Marques, que protagoniza a recente campanha sobre a Black Friday da Fnac.
São comediantes pop, famosos e “fofinhos”, ambientados a um status quo decadente, em que a democracia definha, o jornalismo com J grande está praticamente às moscas, os músicos e artistas são facilmente comprados e a cultura de cancelamento e a censura são o normal.
Joana Marques, humorista e guionista da Rádio Renascença em anúncios publicitários à seguradora Logo, do Grupo Generali.
Com honrosas excepções em Portugal, como é o caso de Herman José que, ainda assim, vai “mexendo” com personalidades “intocáveis” – e que já foi censurado pela estatal RTP no passado –, a maioria dos comediantes famosos portugueses não passam hoje de bobos da corte para fazer circo e distrair as massas, “elevados” a estrelas das revistas Caras e Flash!.
Ninguém no poder os teme realmente. Nenhuma grande indústria os ameaça com processos. Pelo contrário. Tanto entidades públicas como empresas e bancos os contratam para venderem o seu “peixe”.
Vamos ser claros. Se és comediante e grandes empresas que vendem produtos de consumo te contratam para vender os seus produtos, então estás a falhar no teu trabalho.
Se és comediante e uma direcção-geral te contrata para um anúncio, então não estás a ser bom no teu trabalho.
Se és comediante e ainda não foste cancelado por ninguém, então estás a fazer um mau trabalho.
Se ainda não tiveste um vídeo ou um podcast censurado numa das grandes redes sociais, então estás a falhar como comediante ou guionista.
Ricardo Araújo Pereira, do programa “Isto é gozar com quem trabalha”, da SIC, é o rosto da Worten.
Se te tratam como uma estrela pop e recebes prémios ao estilo da revista Caras, do género ‘Globo de Ouro’, então és um comediante falhado.
Se receberes, por fim, alguma medalha, honra ou comenda de Marcelo, então o insucesso será total, mesmo se a tua conta bancária disser o contrário.
Pior. Se não tens sucesso como comediante (verdadeiro), e apenas és um comediante “bonzinho” e vendido a empresas, a entidades públicas, e ao establishment – que promove guerras, o consumo e a divisão –, então isso quer dizer outra coisa: fazes parte do status quo. E do problema.
As democracias nos países ocidentais têm vindo a ser enfraquecidas pelos governos, sobretudo desde 2020, com sérios ataques às leis fundamentais. Reforçaram-se alianças entre governos e gigantes empresariais e criaram-se novas formas de censura, nomeadamente recorrendo às últimas ferramentas tecnológicas e ao acelerado mundo digital, onde motores de busca e redes sociais globais dominam o espaço de acesso a informação.
Joana Marques, humorista/guionista do programa “As três da manhã” e “Extremamente Desagradável”, da Rádio Renascença, anunciou um espectáculo que tem segunda data agendada.
Passou a ser normal, no mundo da Internet, se considerados não se sabe bem por que ‘forças’, a censura de desalinhados comediantes, jornalistas, académicos, cientistas, médicos, professores e artistas. Por exemplo, na pandemia foram eliminadas no YouTube imitações de ir às lágrimas de personalidades como Anthony Fauci – estratega da política covid nos Estados Unidos, que está hoje sob suspeita de ter autorizado (e tentado ocultar) o financiamento irregular de uma empresa norte-americana que conduziu investigação controversa (gain-of-function) com o vírus do coronavírus no laboratório em Wuhan, na China.
A censura e eliminação de notícias verdadeiras e sketchs cómicos “não autorizados” pela tecno-ditadura prossegue, hoje. Já para não falar de que se tem vindo a instalar uma cultura de cancelamento, em que todos os que não alinham com o establishment são postos de lado e deixam de ter trabalho ou de ser entrevistados pelos media.
Hoje, comediantes a sério em Portugal são avisraras. Há humoristas muito engraçados, mas limitam-se a fazer uma comédia soft, comercial, fácil e levezinha e enterram a cabeça na areia no que toca a assuntos urgentes para a democracia e o país. Brincam com coisas sérias, mas só um bocadinho. Atacam estrelas e famosos e beliscam um bocadinho alguns poderosos, mas só um bocadinho. Ah! E claro, seguem a regra número um dos comediantes que se venderam (renderam) à era do capitalismo sem alma e das políticas anti-democráticas: não se metem com temas tabu.
Joana Marques, Nilton e Nuno Markl no Palácio de São Bento numa amena conversa com o primeiro-ministro António Costa, promovida pela Rádio Renascença em 2019. Um exemplo simbólico de como hoje, os comediantes já se sentam à mesa do poder. E riem-se com eles.
Alguns dos famosos comediantes portugueses têm-se desdobrado, nos últimos anos, em anúncios e campanhas publicitárias. Isso nada tem de mal, se não fosse uma consequência do seu insucesso como comediantes a sério, daqueles que agitam democracias em decadência e em acelerada transição para ditaduras, como é o caso de Portugal.
Não tem nada mal, mas se ainda não foram cancelados, nem censurados pelo status quo decadente dominante, então andam a fazer o quê? Já sei: andam a brincar. E a fazer pela vida, isto é, a ganhar dinheiro. E a entreter as massas sem beliscar o poder. São os comediantes do Regime.
Andar a brincar não tem mal. Nem todos os comediantes têm de ficar na História como profissionais corajosos e admirados décadas a fio. Há espaço para humoristas fofinhos e amigos do poder e das grandes empresas. Mas tinham de ser tantos? Quase todos?
No caso da humorista Joana Marques, angariou recentemente uma campanha publicitária para promover a FNAC. “Calma, jovem! A Black Friday FNAC está a chegar, mas até lá treina com os Black Deals”, diz um dos slogans com uma foto ao lado da humorista. Traz-lhe dinheiro e ajuda a espalhar a sua “marca” e imagem.
“Só víamos a Joana Marques como cara desta campanha. Ninguém melhor do que uma das melhores humoristas do País para, de forma simples e eficaz, passar a mensagem de que na Black Friday FNAC é possível encontrar os melhores produtos aos melhores preços e sem stress”, revelou, em comunicado, Inês Condeço, diretora de marketing e comunicação da FNAC, citada pela Marketeer.
Só esta frase da responsável da FNAC deveria deixar uma humorista como Joana Marques com vergonha.
Além dos diferentes anúncios, incluindo vídeos, a FNAC desenvolveu, citada na Marketeer, “uma campanha essencialmente digital, utilizando canais como o Instagram e o Spotify, e ainda uma breve presença no programa As Três da Manhã, da rádio Renascença, junto ao podcast Extremamente Desagradável”.
É uma pena. A humorista “Extremista Desagradável” – por se ter tornado conhecida pelos ataques agrestes e contundentes que lança a personalidades famosas – deita pela sanita abaixo “o menino junto com a água do banho”. Vende-se e isso nota-se. Além da campanha da FNAC, tem sido também o rosto da seguradora Logo, do Grupo Generali, Logo, que aliás patrocina o seu novo espectáculo anunciado para o Altice Arena.
Sem surpresas, o povo inebriado, anestesiado – como numa Roma em chamas –, bate palmas a este tipo de circo amigo de Nero, e esgotou a primeira data daquele espectáculo de Joana Marques. Vai haver mais circo.
Bruno Nogueira foi o rosto nesta campanha do Banco Montepio.
Não surpreende que, como membro do establishment, Joana Marques tenha sido um dos ‘famosos’ que fez campanha com a DGS. “Sou adepta de futebol mas sou também agente de saúde pública”, disse num dos vídeos de “várias figuras do futebol e da sociedade [que estiveram] unidos em campanha para garantir o regresso do futebol e da Liga NOS em segurança”.
Eis no ponto em que estamos: uma comediante a dizer que é um “agente [de qualquer coisa] pública”… A mim, nascida em Abril de 1974, ver alguém dizer “sou um agente de saúde pública” ou “sou um agente”, simplesmente, traz-me arrepios e remete-nos aos negros tempos de ditadura. Qualquer um que tenha tido aulas de História conseguiria ver os sinais. Mas muitos comediantes, incluindo Joana Marques, não viram. Não vêem. Não “DesConfiam”. Não lhes dá jeito, também. Por isso, alguns comediantes lusos alinharam com a tendência de chamar “negacionista” ou anti-vacinas” a todas as vozes consideradas “dissidentes”, não alinhadas com os comunicados de imprensa do governo na pandemia.
Quando os portugueses mais precisaram de comediantes a sério, em geral, eles acobardaram-se (como de resto, também jornalistas, artistas, músicos) e meteram o rabinho entre as pernas. Num país pequeno como Portugal, que vive à custa da distribuição de dinheiros do Estado e das autarquias, os comediantes apenas beliscam poderosos, mas não incomodam. Nunca mordem, e sequer ladram; dão latidos. Agora nunca se metem em temas tabu que lhes possam afectar as audiências. E as receitas.
Herman José tem sido um caso raro de humor português que não receia quebrar tabus.
Atacar Jesus e Maomé? Na boa! Atacar celebridades, como a Cristina Ferreira? Maravilha! Jogadores de bola como o Cristiano Ronaldo? Obviamente! Agora, mexer com as políticas que de facto interessam? Mexer com a forte ameaça que os governos têm sido para a democracia? Mexer no facto de os grupos de comunicação social estarem corrompidos e o jornalismo ter sido reduzido a pó? Mexer na mortalidade em excesso e a morte inexplicada de cada vez mais jovens? Mexer na desastrosa gestão da pandemia? Mexer nas farmacêuticas, como aliás Herman José fez brilhantemente há umas décadas (a partir do 1,30 minutos)? Não! Isso não tinha piada nenhuma… para a sua conta bancária.
Infelizmente, este cenário não é único em Portugal. Por exemplo, no caso de temas tabu da pandemia e das políticas covid, em Portugal restaram-nos alguns sketchs de Herman José, meio a medo. Lá fora, a maioria acobardou-se. O deserto de pensamento crítico de comediantes desde 2020 era tal que Charlie Chaplin ‘ressuscitou’ com o seu brilhante monólogo no final do filme “O Grande Ditador” para preencher o espaço deixado em branco pelos humoristas do século XXI em plena descida aos infernos de políticas anti-democráticas, de censura e apartheid.
No estrangeiro, ainda assistimos a exemplos de comediantes corajosos, que abordaram temas “proibidos” durante a pandemia. Mas mesmo assim a custo. E com custos. Por exemplo, o humorista norte-americano, Jimmy Dore, só quando sofreu reacções adversas à vacina contra a covid-19, fez um stand-up elegante e brilhante sobre este tema, que então viralizou. (Curiosamente, fui rever este vídeo no YouTube para este texto e surgiu o anúncio sobre Black Friday da FNAC…)
Charlie Chaplin no seu famoso monólogo de “O Grande Ditador”, que protagonizou o filme, estreado em 1940, antes dos Estados Unidos se envolverem na II Guerra Mundial. A película foi censurada em diversos países com regimes fascistas e levou a que os Estados Unidos, mais tarde, perseguissem o génio da comédia, acusando-o de ser comunista.
Também o actor Woody Harrelson demonstrou ter mais coragem do que todos os Ricky Gervais deste Mundo. Num monólogo no programa Saturday Night Live, há cerca de nove meses, em apenas um minuto, obliterou o tabu em torno de fazer comédia e sátira com temas proibidos da pandemia [a partir dos 5,44 minutos], num sketch agora famoso.
Aliás, desde 2020 deu para concluir que os comediantes dos nossos dias são “fofinhos”, porque não são nada burros. Falar de determinados temas fá-los perder mais do que ganhar. Sempre que criam uma piada têm de pensar se perdem o programa na rádio ou na TV. Se perdem o patrocínio. Se perdem o cachet para encher aquela grande sala. Se perdem as campanhas de publicidade à seguradora, à empresa de electrodomésticos, à distribuidora de café, ao detergente, àquela bebida de Verão. Se perdem a possibilidade de sair em revistas, de ser nomeados para os “Globos de Ouro”, de ficarem esquecidos por talkshows onde ‘famosos’ se auto-convidam.
Enfim, para quê perder aquela campanha milionária da companhia de seguros só por causa de uma piada?
Para quê perder o cachet e a oportunidade de vender electrodomésticos na Worten só para “brincar” com aquelas medidas que vão destruir para sempre a nossa Constituição e a nossa democracia? Para quê “brincar” com aqueles telejornais e jornalistas que vendem marcas de empresas e autarcas e ministros em directo na TV em espaços de informação? Para quê?
Nuno Markl numa campanha publicitária aos detergentes Surf.
Eles, cá em Portugal, seguem a bitola internacional. A esmagadora maioria dos comediantes fazem parte do statusquo de um Ocidente em decadência, que vende por um prato de lentilhas os seus princípios democráticos, os direitos humanos, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
E isto porque se deixou, e eles (os comediantes) deixaram, que o cancelamento se instalasse (e houve muitos que colaboraram). E a malta tem filhas a estudar no estrangeiro. E piscinas para construir. E a cozinha para remodelar, que não é só jornalistas que precisam de remodelar cozinhas. Não há cá pão para malucos. Fazer piadas expondo as democracias a ir ao fundo? Não senhor! Os comediantes vão continuar a actuar junto com a orquestra até o Titanic afundar.
Sem jornalistas – porque hoje a maioria faz parte do establishment. Sem humoristas dissidentes, sem artistas revolucionários, sem músicos fora do ritmo, sem cantores irreverentes, sem defensores da democracia e da liberdade de ser e de se expressar. Estamos assim com muitas ausências, e com demasiados defensores e propagandistas dos cânones das religiões da moda, cheias de crentes no wokismo mas simultaneamente fãs da uma Economia de consumo e do supérfluo… É assim que estamos.
“A ganância envenenou as almas dos homens, barricou o Mundo em ódio, lançou-nos na miséria e no derramamento de sangue. Desenvolvemos velocidade, mas fechámo-nos em nós próprios. Máquinas que nos dão abundância e nos deixam em falta”, disse Chaplin em 1940. Disse-o num filme, com uma acutilância naquela época de horror em que um comediante, brilhante como ele, achou que um comediante tem o dever também de ir mais além em tempos perigosos.
Ricardo Araújo Pereira num anúncio da Worten alusivo ao Natal.
E hoje parecem-nos já tão longínquos os tempos em que comediantes colocavam os dedos nas feridas. Hoje temos comediantes que bebem no mesmo banquete daqueles que promovem políticas anti-democráticas e ambicionam a instalação de ditaduras com mãos tecnológicas e que compram facilmente os media com “parcerias comerciais”.
Hoje, os comediantes refastelam-se no status quo para seu favor financeiro. Comem dinheiros públicos e privados à grande e à francesa, banqueteiam-se numa festa onde o motivo para a risota não é só a Cristina Ferreira ou o Ronaldo ou os tiques do Marcelo ou a voz do Moedas ou a articulação do Costa, ou as esquisitices e extravagâncias mais ou menos esotéricas de personagens das redes sociais. A piada, somos, afinal, todos nós. E eles continuam, alarvemente, como Comediantes do Regime para a risota (e descanso) do poder. Há uns séculos, nas monarquias, eram chamados de Bobos da Corte.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Dizem-se “competentes” e “independentes” ao mesmo tempo que distribuem, em conferências patrocinadas, elogios e sorrisos por governantes, banqueiros e empresários. Falam em atingir “objectivos” e em “trabalhar em equipa”, mas apostam em estagiários low cost ou que trabalham de graça.
Foram estes directores de órgãos de comunicação social que ajudaram a criar (e a manter incólume) a “marca” António Costa – ajudados por muitos comentadores. Como agora vão ajudar a criar a marca do seu sucessor (e assim aparecem “Pedros Nuno Santos” a serem promovidos, com o seu tempo de antena num programa dito “informativo” de um canal de TV, ou se assobiam nomes como o de Medina em editoriais e artigos de opinião).
Adoram palavras como “crescimento” e “liderança”, e sentem-se como gestores. Pelo meio, mencionam “liberdade” e “democracia”, como quem canta a tabuada no antigo liceu. São, assim os directores de órgãos de comunicação social dos nossos dias.
São jornalistas, com carteira profissional passada, mas queriam era mesmo ser administradores ou ir para o Governo. Mas não. Estão (ainda) a trabalhar em grupos de media, com olhos num futuro mais risonho e bem-sucedido.
Demonstram militância em relação aos poderosos, o que impede que haja nas suas redacções qualquer semelhança com o jornalismo.
(Nunca se viu tal comunhão entre Governo e autarcas e directores de jornais como nos últimos anos. Era só ler as manchetes. Ver os telejornais. Não se distinguiam os soundbites de governantes das linhas lidas por pivôs ou nas palavras gordas das manchetes.)
Até lá, até serem administradores, empresários, consultores, estes directores somam “sucessos”, “vitórias”. Saltitam alegremente de conferência em conferência. De talk em talk. De cimeira em cimeira. Sempre sorridentes ao lado de governantes, autarcas e empresários e banqueiros de renome. Sentem-se um deles. Sentem que têm poder, assim, ao lado de gente “de topo”.
Imitam. Podem ter carros de gama alta, cartões de crédito e outros benefícios à disposição. Podem ter prémios, seja por conseguir reduzir custos (despedir mais jornalistas) ou pelo desempenho… comercial.
No reinado de Costa, raramente questionaram as políticas do Governo. Era tudo magnífico. Maravilhoso. Quase não se distinguiam as notícias dos anúncios do Governo. As mesmas palavras, os mesmos slogans, as mesmas palavras-chave.
A política na Saúde? Uma maravilha! Melhor do que antes! A política na Educação? Espectacular, e a melhorar! A política fiscal? Impecável (sobretudo por Medina fechar os olhos às dívidas de grandes grupos de media)! A política externa? Nada a apontar.
Até a desastrosa gestão da pandemia foi, segundo se lê nos media, “um sucesso”. Excesso de mortalidade assustador desde 2021? E a continuar depois do programa de vacinação contra a covid-19? Isso não interessa nada. Se Costa não fala no excesso de mortalidade e diz que foi um sucesso a gestão da pandemia, e se a Direcção-Geral da Saúde não dá os números diários de portugueses que morrem sem explicação, incluindo jovens, então para quê noticiar?
Para estes directores de jornais, António Costa e a maioria dos seus ministros eram anjos na Terra. Uns santos. Uns líderes inquestionáveis (e insubstituíveis).
O mesmo se aplica a Marcelo. Num só jornal diário consegue-se identificar dezenas de chamadas de capa maravilhosas sobre o Presidente, apenas no espaço de um ano. E também quase uma dezena de chamadas de primeira página a promover o novo favorito dos media para a Presidência, um novo anjo na Terra: o “futuro incontestado líder” Gouveia e Melo.
(Já diz o ditado: quem mais cedo promover, mais benesses poderá ter… sobretudo se fizer ouvidos moucos às críticas e aos factos.)
Estes directores traem o jornalismo, traem os órgãos de comunicação social que dirigem e traem as suas equipas de jornalistas e profissionais de media, traem as suas redacções. Traem toda a classe e todos os que vieram antes deles. Traem os leitores, os ouvintes, os telespectadores. E traem o país e a democracia. Alguns nem percebem que estão a usurpar funções, porque nunca foram nem nunca serão jornalistas, porque não sabem o que isso é. Outros sabem, mas têm hoje um estilo de vida que não permite voltar atrás.
(Quem lhes pagaria as elevadas contas e despesas dos filhos ou as obras na casa de campo?)
Confundem mais e mais parcerias comerciais com sucesso. Confundem mais conferências com sucesso. Confundem mais edições patrocinadas com sucesso. Confundem mais entrevistas e notícias pagas com sucesso.
(Sim, as parcerias comerciais incluem, por vezes, entrevistas e notícias, que nem sempre são publicadas com a indicação de serem conteúdos pagos).
Confundem sucesso com a publicação de uma entrevista boazinha a um ministro. Com a publicação de um artigo de opinião de um banqueiro.
Confundem sucesso com redacções vazias de jornalistas seniores e cheias de estagiários a escreverem notícias abençoadas ou patrocinadas.
Na realidade, a verdade é que acumulam uma sucessão de insucessos. De falhanços. De derrotas.
Porque é um falhanço redondo o emagrecimento contínuo das redacções ao longo dos anos. O empobrecimento das redacções a todos os níveis. O apagar de gerações das redações. O apagar de sabedoria e conhecimento. Muito conveniente, de resto.
Porque é uma enorme derrota o nível recorde de promoção de anúncios de governantes e autarcas e a publicidade a comunicados de empresas e bancos como nunca se viu. Escrutínio? Investigação? Questionar? Ouvir o contraditório? Quase zero.
Os directores editoriais confundem-se hoje com gerentes de supermercados: “lideram” equipas de trabalhadores obedientes (muitos com salários baixos, outros nem tanto), dependentes, que desembalam, expõem nas prateleiras e arrumam, sem pestanejar. Sem perder tempo. Não há tempo porque há artigos a vender e as marcas já pagaram as campanhas a destacar na entrada na loja… na primeira página do jornal. No telejornal.
São directores de jornais, de TVs, de rádios? São. São jornalistas? Não, não são. São líderes? Também não. Não, pelo menos, de meios de comunicação social.
Quando confrontados com esta verdade, respondem que estão a “salvar” o jornalismo e a Imprensa. Que é o dinheiro dos bancos, dos Ministérios, das direcções-gerais, das autarquias e das empresas que paga os salários dos jornalistas (ou quererão dizer os seus salários e prémios?). Que sem parcerias comerciais os jornais, as TVs, as rádios faliam.
Não compreendem. Não percebem que vendem nessas parcerias comerciais o corpo e a alma dos meios de comunicação social, e que não sobra nada similar a jornalismo. Graças a eles, hoje, banqueiros, governantes e empresários perderam o respeito pelos jornalistas e o jornalismo. Fazem troça. Afinal, são eles quem “financiam” os jornais.
E enquanto directores aparecerem sorridentes ao lado de governantes, banqueiros, empresários, a fazer vénias e a vergarem-se perante as chorudas parcerias comerciais, também não são competentes.
Serão competentes quando as redacções regressarem com jornalistas que questionam e têm tempo e capacidade para investigar, com salários dignos. Serão competentes quando escrutinarem governantes e as suas políticas. Quando escrutinarem banqueiros e os empresários e os seus negócios.
Serão competentes e independentes quando recusarem aparecer em conferências e talks em que se promovem marcas, políticos (e as suas políticas), banqueiros e empresários.
Até lá, não passam de servos dos departamentos comerciais. Dos banqueiros, dos governantes, das empresas patrocinadoras. Não são directores nem são administradores. São servos.
E são também cangalheiros a enterrar o Jornalismo. Todos juntos, os muitos directores de jornais, de revistas, de TVs, de rádios. Juntos a levar em ombros o caixão onde jaz morto o Jornalismo. Nisso sim, estão a ser muito competentes, sendo ajudados pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, que, fechando os olhos às infracções cometidas nas parcerias comerciais, até leva flores para o funeral.
Enquanto ajudam a promover, a criar novos primeiros-ministros, novos presidentes, dão mais um passo no cortejo fúnebre do Jornalismo. De forma muito competente.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O ano escolar terminou e chegou a hora da devolução à escola dos manuais escolares usados para serem reutilizados. Em escolas públicas do ensino básico, professores receberam uma tarefa de última hora, uma espécie de prémio de final de ano: apagar com borracha os milhares de páginas de todos os manuais que os seus alunos usaram ao longo do ano.
A justificação para esta “prenda” é de que não há auxiliares de educação nem administrativos disponíveis para “limpar” os livros e apagar os exercícios feitos a lápis pelos alunos.
Assim, depois de um ano lectivo, ainda sem férias, há professores a rever uma a uma mais de 18.000 páginas de manuais escolares usados para apagar com borracha cada palavra, frase, gatafunho ou desenho feitos pelos alunos.
Isto é normal? É. Mas não devia ser.
Quando se ordena um professor a executar esta tarefa está-se, sobretudo, a desmotivar e a afastar cada vez mais os professores da escola pública. Se calhar é esse o objectivo. Está-se a abusar do professor, das suas competências, talento e experiência. Da sua função.
Para os professores, este tipo de ordens soma-se à crescente burocracia e tarefas fora da sala de aula que são obrigados a cumprir.
Sempre que ouço professores e assisto a reuniões com directores de turma fico a pensar como ainda aguentam trabalhar assim, nas condições que hoje em dia enfrentam. O desgaste. Os fins-de-semana a trabalhar para pôr tarefas em dia.
E os alunos é que pagam também, por esta relação tóxica que muitas escolas (e a tutela) assumem com professores.
Sabe-se que em muitas escolas os meios são escassos. As escolas fazem o que podem para manter tudo a funcionar. Diz-se que “o país é pobre”, que “não há recursos”. Mas há. Para a TAP. Para o Novo Banco. Aquela obra pública cujo custo sai o triplo do orçamento previsto. Para os amigos de políticos e gestores públicos que ganham concursos e contratos de consultadoria. Para familiares de governantes. Para os amigos de autarcas.
Só não há dinheiro para as escolas. Ou para centros de saúde. Para hospitais. Maternidades. Ainda se fossem companhias aéreas, bancos falidos, empresas desfalcadas…
Olho para este caso dos professores a apagar manuais usados, e penso nos jornalistas, nos polícias, e em todos os profissionais que acabam a ter de cumprir tarefas que não era suposto estarem a executar. Penso no abuso que sofrem muitos profissionais, apenas para manterem o salário e o emprego.
No caso dos jornalistas, a desmotivação é grande. Hoje, os mais “antigos” nas redacções estão resignados e a contar os dias para a reforma ou saída antecipada. Entre os mais novos, muitos nem sabem o que é jornalismo porque começam logo a fazer “notícias” e cobrir conferências que são pagas por empresas ou organismos públicos, autarquias, etc.
Muitos jornalistas hoje, quando escrevem notícias ou fazem entrevistas, fazem-no no âmbito de uma qualquer “parceria comercial” contratada. São encomendas que estão previstas em cadernos de encargos obscuros e secretos porque não são do domínio público.
Isto é normal? É. Normalizou-se e hoje é o dia-a-dia das redacções nos grandes órgãos de comunicação social no país.
Deveria o regulador dos media exigir a divulgação de todos os contratos das chamadas “parcerias comerciais” feitas com grupos e órgãos de comunicação social? Obviamente. Mas não. Ficam no segredo dos deuses.
Conhecem-se apenas os contratos com entidades do Estado e que obrigatoriamente são divulgados no Portal Base. E mesmo esses são publicados sem a respectiva e obrigatória divulgação dos cadernos de encargos. É lá que está descriminado o que é encomendado: quantas entrevistas e notícias o órgão de comunicação terá de publicar no âmbito daquela encomenda.
Para quem não sabe, é proibido jornalistas executarem encomendas. Mas é isso que vemos todos os dias. É só ir à rede social LinkedIn e ver que a cada meia-hora há uma conferência em directo do Público, do Expresso e de outros jornais, rádios e TVs.
Cada uma dessas conferências tem directores, editores ou jornalistas a executar encomendas previstas num caderno de encargos. Cada uma dessas conferências tem contratos assinados com entidades que pagam para que ali estejam jornalistas, editores, directores. Cada uma dessas conferências tem jornalistas a escrever sobre o que lá se está a passar e a fazer entrevistas com os “convidados”. É só ler os textos e as entrevistas, assistir a algumas dessas conferências para perceber que alguém – um autarca, um gestor, uma empresa, um produto, um sector – está a ser promovido. Uma “mensagem”, várias “mensagens” de marketing estão a passar para o público, para os leitores, os ouvintes, os telespectadores.
Há cadernos de encargos que são um autêntico filme de terror para quem ama o jornalismo. Mas mesmo os contratos mais “suaves” são de fugir. Porque são uma violação da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista.
Dizem que “o país é pequeno”, “não há leitores”, que os jornais “estão em crise”. Dizem que são as parcerias comerciais que pagam os salários das redações. Podem até ser. Mas o que as redações fazem hoje, muitas vezes, não é jornalismo. Portanto, essas parcerias comerciais pagam para que os meios de comunicação social se transformem em máquinas de marketing e promoção, usando de forma abusiva a profissão, os jornalistas, o jornalismo.
Se não há dinheiro para se fazer jornalismo, fazer notícias e entrevistas pagas não é a solução. Porque notícias pagas e entrevistas encomendadas é o oposto de jornalismo. É o anti-jornalismo. Mais vale assumir e fechar. Ou trabalhar a sério para se encontrar uma solução “para a crise”. Como desbastar os milhares de euros pagos a colunistas amigos e políticos. Como cortar salários e prémios na direcção. Como cortar em carros de empresa, cartões de crédito. Como debater de forma séria formas de financiar de forma sustentável um sector que é crucial para a democracia e o país. Terá de envolver financiamento público? Debata-se isso! Mas publicar notícias pagas travestidas de jornalismo é que não. Mais vale fechar.
Mas terá de passar por directores de jornais e TVs deixarem de querer ser “gestores”, “administradores” e ter futuros cargos políticos ou em grandes empresas. Terá de começar por haver directores que amem o jornalismo e queiram ser… jornalistas. Queiram fazer e honrar o jornalismo. Sem o vender ao desbarato, arruinando-o. Sem o usar para fins comerciais ou políticos.
Mas terá de começar pelos jornalistas dizerem “não” e recusarem serem usados para “vender” bens e serviços, fazer marketing e executar cadernos de encargos de publicidade e comunicação.
No caso dos jornalistas, como no dos professores, enquanto ninguém der um murro na mesa e disser “não”, a relação de abuso, o desgaste e o ambiente tóxico vão continuar.
Até lá, perde o jornalismo e o ensino. Perdem os leitores. Os alunos. Perdemos todos.
A proposta da nova Lei do Tabaco, com as suas diversas proibições, está a fazer “sair da casca” aqueles que tão obedientemente estiveram a pactuar com medidas totalitárias, e sem nexo nem senso-comum, nos últimos três anos.
Não deixa de ser curioso assistir, agora, a grandes actos de revolta; a grandes manifestações de incredulidade perante tamanhas proibições e tamanhos actos deste regime que começa a ser chamado até de “ditatorial”.
Ora, mas isto não deixa de ser curioso porque, de facto, nos últimos três anos, aquilo que tivemos em Portugal foi uma população extremamente obediente, mesmo em relação a medidas que eram completamente anti-Ciência; que prejudicaram a população, deixaram um rasto de mortalidade em excesso, um rasto de uma epidemia de saúde mental; e deixaram a Economia como sabemos, com as taxas de juro a dispararem, com todos os efeitos na inflação e nas condições de vida das famílias.
Nos últimos dias, conclui-se que, de facto, as pessoas só se mexem se lhes tocarem em pontos mais sensíveis. Porque, de resto, não se interessam e até obedecem de boa vontade.
Agora, é sobretudo curioso ver jornalistas muito revoltados com estas medidas. É curioso porque quando eu comecei como jornalista na profissão – e eu nunca fumei –, nas redacções vivia-se num ambiente de fumo; mais de 90% dos jornalistas fumava. E eu lembro-me de chegar a casa ao fim do dia e toda a minha roupa tinha de ser lavada imediatamente, tal era o cheiro entranhado em mim, como se eu fosse fumadora.
Durante anos, enquanto era permitido fumar no interior dos edifícios e dos escritórios, nunca vi jornalistas incomodados com o facto de fumarem constantemente para cima de colegas.
Por tudo isto, é curioso ver agora esta grande revolta. Mas sobretudo ver esta revolta – e não é só em Portugal – por causa deste tipo de proibições, de o Estado e os políticos se quererem substituir aos próprios indivíduos para definir as suas escolhas.
Isso é algo que tem vindo a acontecer, meus caros, mas não é de agora apenas: é desde 2020. Não é nenhuma surpresa agora. Vocês recordam-se daquelas pessoas que em Portugal queriam obrigar os outros a vacinarem-se, com novas vacinas que, afinal, podem causam problemas do foro cardíaco, por exemplo? Pois, eu recordo-me.
A ideia de que deve desaparecer o livre-arbítrio e deve desaparecer a vontade e a soberania individual, prevalecendo um indefinido bem-comum, é uma nova ideologia, uma nova moda que tem ressurgido.
Meus caros, a nova Lei do Tabaco é apenas uma das partes que mostra esta nova ideologia: a liberdade e a vontade individual não contarão para nada.
Por isso, saúdo estes “novos revoltados” contra esta ideologia ditatorial, ainda mais associada a uma onda de censura.
Basta ver a legislação em aprovação em diversos países e também a regulamentação arquitectada pela União Europeia, toda no sentido de classificar e condicionar a informação possível de ser divulgada – em suma, a autorizar a censura e também a estabelecer limitações à liberdade de imprensa –, para compreender que o ressurgimento de uma nova onda, cíclica, de regimes totalitários está aí à porta.
Já era visível em 2020, e é cada vez mais visível para qualquer um que olhe para as muitas políticas em desenho e em implementação: é só juntar os pontinhos. Nem é preciso ser muito inteligente: basta colocar as várias políticas, a legislação e as várias regulamentações que têm estado a ser desenhadas a vários níveis, para compreender que, juntando tudo, há uma estratégia clara e um sentido comum: a anulação da vontade individual, do livre-arbítrio, da soberania individual.
Portanto, é bom ver estes revoltados de agora, por causa da questão do tabaco, vejam que isto não surge isolado; é mais um dos pontos. Olhem à volta, meus caros. Olhem.
Há muito mais que está a acontecer, há muitos alertas. Acordem, porque se não, quando um dia perceberem, poderá já ser tarde demais.
Este texto baseia-se no episódio 123 do podcast Caramba, à Galamba.