Etiqueta: Educação

  • ‘Há pais endividados e outros terão de retirar os filhos da escola’

    ‘Há pais endividados e outros terão de retirar os filhos da escola’

    “Do nada, disseram-nos que temos de arranjar 380 euros para pagar ao colégio na próxima semana ou temos de retirar a nossa filha da escola”. O relato é de Ana, mãe de uma criança com três anos, que, como outros pais foi informada pela escola, situada em Mafra, de que a filha deixa de beneficiar do apoio estatal para frequentar a creche a partir de Março. “Não esperávamos nada disto. Ficou toda a gente em pânico. A situação é dramática. Há pais endividados, outros terão de retirar os filhos da escola”, disse esta mãe ao PÁGINA UM.

    Também João foi informado pela escola que a filha de três anos frequenta, nos arredores de Lisboa, de que a menina não tem apoio estatal. A mensalidade em Março passa a ser de quase 300 euros. Além disso, João e outros pais foram informados de que terão também de pagar, retroactivamente, as mensalidades relativas aos meses entre Setembro e Fevereiro. Ou seja, João tem agora uma dívida de 1800 euros junto da escola da filha. “Não sabemos como vamos fazer. Estamos a analisar. Mas não podemos tirar a nossa filha da escola porque precisamos de trabalhar”, disse.

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    Os casos repetem-se por todo o país: famílias com crianças de três anos de idade em creches do ensino privado são informadas que o apoio anunciado pelo Governo, em Junho, afinal ainda não se concretizou e terão de pagar as mensalidades na íntegra para manter os filhos na escola, no ensino pré-escolar.

    O PÁGINA UM encontrou casos similares a afectar dezenas de pais com crianças em escolas privadas em diferentes zonas do país, mas sabe que há mais colégios a viver a mesma situação e o número de famílias que está a viver este dilema será muito superior.

    Na origem desta situação está a forte expectativa criada pelo anúncio do Governo, em Junho de 2024, de que iria garantir o acesso universal de crianças ao ensino pré-escolar e apoiar a sua transição gratuita após a creche, que tem sido apoiada pelo programa denominado ‘Creche Feliz’. Em comunicado, o Governo revelou quer iria criar um grupo de trabalho para realizar, até ao final de desse mês, um diagnóstico detalhado da rede existente de estabelecimentos de creche e de jardim de infância, com vista à
    apresentação de um plano de ação que garanta a gratuidade na educação pré-escolar em 2024/2025. E prometia também, até ao final de Novembro do ano passado, uma estratégia para dar continuidade na transição da creche para a educação pré-escolar e a qualidade pedagógica em crianças entre os 0 e os
    6 anos.

    Dois meses depois, em Agosto, o Executivo emitiu novo comunicado com o título: “Governo garante resposta para crianças a partir dos três anos”. Neste comunicado, o Executivo de Luís Montenegro indicava que “respondeu à necessidade das crianças beneficiárias da ‘Creche Feliz’ que fazem três anos em 2024, na sequência do levantamento da rede de estabelecimentos de creche e de jardim de infância, feito pelo Grupo de Trabalho nomeado pelo Executivo”.

    Segundo o Governo, mais de 12.000 crianças continuavam sem acesso à educação pré-escolar. Na sua maioria, são crianças com três anos, mas também com quatro e cinco anos que não têm vaga, sobretudo nos grandes centros urbanos.

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    As crianças mais afectadas são as chamadas de ‘condicionais’, nascidas entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro de 2021. Nas escolas, a escassez de vagas, leva a que transitem para o ensino pré-escolar, o qual não tem apoio estatal e a promessa do Governo tarda em chegar. O problema é que, neste ano lectivo, tanto pais como escolas ficaram a contar com a concretização da promessas. Agora, a factura ‘rebentou’ nas mãos dos pais’.

    “Disseram-nos que esta medida ia ser válida. Mas nada aconteceu. Agora, a escola fez-nos um preço ‘especial’ e em vez de 380 euros teremos de pagar 350 euros se quisermos manter as crianças na escola”, disse Ana.

    Segundo Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), o cenário é aflitivo e urgente tanto para as muitas famílias que estão a ser afectadas pelo problema, como para as escolas. “Após o anúncio do Governo, ficou criada a expectativa de que iria haver apoio ao pré-escolar. Entretanto, muitas crianças saíram das escolas porque os pais não podiam suportar pagar mais tempo as mensalidades”, afirmou.

    A ACPEEP já tinha denunciado que o facto de o Governo não ter ainda concretizado as promessas feitas às famílias está a causar muitos constrangimentos, deixando crianças em situação vulnerável, sem acesso ao pré-escolar. Já os pais, procuram, em desespero, quem cuide dos filhos enquanto vão trabalhar. “As famílias estão desiludidas com as promessas que foram feitas antes do início do ano letivo 2024/2025, em como o Governo iria garantir a continuidade pedagógica às crianças que completaram 3 anos e saíram do programa ‘Creche Feliz’. Muitas voltaram para casa”, lê-se num comunicado que a associação emitiu no final de Janeiro.

    Segundo a ACPEEP, actualmente, os colégios privados conseguem assegurar quase metade das vagas em falta, podendo garantir o acesso ao ensino pré-escolar a 5.800 crianças.

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    Avisou que, “no desespero, para poderem ir trabalhar, há pais a deixar os filhos com amas ilegais, sem formação”.

    Já começam a chegar à ACPEEP mais casos de pais em situação de desespero. A associação pediu uma reunião urgente ao Governo, até porque daqui a poucas semanas começa a época de matrículas para o próximo ano lectivo. Mas, até ao momento, a associação não obteve qualquer resposta do Executivo.

    Para as escolas, o problema está mesmo na falta de cumprimento da promessa pelo Governo. “O maior problema é para os pais, porque são eles que têm de decidir se conseguem pagar”, disse Elsa Rodrigues, directora do infantário ‘Planeta dos Traquinas’, na Póvoa de Santa Iria. “Os pais ficaram esperançosos, visto que o Estado deu garantias de que iria apoiar, mas o apoio não chegou”, disse.

    Neste caso, como em outros colégios, as escolas alegam não poder manter as crianças de três anos nas salas de creche por falta de vagas.

    Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Inovação. /Foto: D.R.

    Paulo Cardoso, da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), afirmou ao PÁGINA UM que a organização vai contactar o Governo e aguardar uma resposta sobre a actual situação que afecta famílias em todo o país. “Vamos fazer chegar aos Ministérios e esperar uma resposta”, disse. Lamentou que parte do problema seja também o da falta de informação por parte dos pais, que nem sempre compreendem bem os procedimentos para ter acesso aos apoios, como por exemplo, terem de matricular os filhos no ensino público, mesmo que não existam vagas.

    Adiantou que a situação mais premente, em termos de escassez de apoios e vagas, envolve as famílias migrantes. “Há migrantes sempre a chegar e a situação com a falta de vagas já é complicada, ainda fica mais difícil”, afirmou.

    Wagner é brasileiro e reside em Portugal com a esposa e a filha há mais de três anos. Foi uma das famílias afectadas pelo não cumprimento da expectativa de garantir a transição gratuita das crianças que perdem o direito ao apoio para frequentar a creche. “Foi um choque. De repente, em Novembro, disseram-nos na escola que a mensalidade passava a ser de 330 euros. Não podemos pagar. Tirámos a menina da escola”, contou. A mãe da criança tinha acabado de ficar desempregada e procurava novo emprego, mas teve de ficar em casa com a filha. A menina não reagiu bem ao afastamento da sua rotina e dos amigos do colégio que frequentava em Vila Nova de Gaia. “Foi muito difícil. Teve de ficar em casa com a minha esposa. Ela colocava a mochila às costas e pedia para a levarmos para a escola, tinha saudades das educadoras e dos coleguinhas”. No caso de Wagner, houve um desfecho feliz. Após dois meses de angústia, teve resposta positiva de uma IPSS-Instituições Particulares de Solidariedade Social e conseguiu vaga na creche para a filha.

    Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. / Foto: D.R.

    Mas muitas crianças não estão a ter a mesma sorte e os pais sentem que estão num beco sem saída. “Vamos organizar uma petição para pedir ao Governo que resolva este problema que foi criado pela promessa que fez e que ainda não cumpriu”, garantiu Ana, que já contactou também a ACPEEP e assegura que vai mobilizar mais pais. “Num outro colégio, na Amadora, que é do mesmo grupo do que é frequentado pela minha filha, há ainda mais crianças na mesma situação”, apontou.

    Para já, do Governo, há apenas o silêncio em torno deste problema que a sua promessa de Junho criou. Nem o gabinete do ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, nem o gabinete da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho estiveram disponíveis para responder às questões do PÁGINA UM. Também a coordenadora nacional do programa Garantia para a Infância, Sónia Almeida, não se mostrou disponível para falar sobre este tema.

    Para muitos pais, a aflição vai continuar este ano lectivo, mas ameaça prolongar-se para o próximo, já que não se vislumbra um calendário de implementação do apoio prometido pelo Governo de Luís Montenegro para as crianças em transição para o pré-escolar.

  • 31 milhões em três anos: Porto Editora aproveita manuais digitais para vender computadores

    31 milhões em três anos: Porto Editora aproveita manuais digitais para vender computadores

    Desde 2018, os contribuintes desembolsaram 36,6 milhões de euros em contratos feitos com a Porto Editora, na maioria por ajuste directo, mas grande parte da verba (30,8 milhões) advem de contratos a partir de 2022. O grupo portuense, que possui conhecidas editoras de manuais escolares, tem beneficiado de muitos contratos por ser o escolhido pelos agrupamentos escolares e escolas do ensino público para fornecer manuais digitais e licenças de acesso a conteúdos. Mas, à boleia, a Porto Editora acaba a vender ‘kits’ de computadores, muitas vezes sem concorrência, porque as escolas decidem, de forma questionável, não separar as aquisições. Em contratos recentes, a Porto Editora cobrou 490 euros por cada portátil. Somando os manuais digitais e software, cada ‘kit’ para alunos rendeu mais de 900 euros. No top 20 dos maiores contratos ganhos pela Porto Editora, a Região Autónoma da Madeira dá um ‘baile’ ao Continente. As escolas madeirenses são responsáveis pelos 16 contratos mais valiosos feitos com a Porto Editora. Na sua maioria, são adjudicações feitas no último ano e meio por ajuste directo.


    As licenças de acesso a manuais digitais têm sido o’ cavalo de Tróia’ da Porto Editora para facturar milhões de euros em contratos com as escolas do ensino público, muitas vezes sem concurso. O grupo editorial, que detém a Areal e a Raiz, ganhou já contratos no valor de 36,6 milhões de euros desde 2018, na maioria por ajuste directo, mesmo quando o objecto do negócio foi a venda de ‘kits’ informáticos para os alunos, num sector com ampla concorrência.

    As escolas e os professores têm autonomia para escolher os manuais escolares a adoptar a cada ano lectivo, mas no que toca o material informático, o caso muda de figura. Ainda assim, à boleia da compra de manuais digitais e licenças de acesso a conteúdos pedagógicos, há escolas a adjudicar contratos por ajuste directo de milhares de euros sem a devida fundamentação legal.

    A Porto Editora tem beneficiado desta prática. Num levantamento feito pelo PÁGINA UM a contratos públicos registados no Portal Base, a Porto Editora é a ‘rainha’ da venda de manuais e licenças digitais, detendo 100% dos contratos. Na mesma análise, constata-se que em diversos contratos, além dos manuais e das licenças digitais, a empresa vende ‘kits’ informáticos para alunos.

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    Já em Setembro do ano passado, o PÁGINA UM tinha denunciado esta prática, de haver contratos por ajuste directo com a Porto Editora para vender tablets e computadores em ‘packs‘ à boleia dos manuais e licenças digitais. Em contratos recentes, a Porto Editora cobra mais de 900 euros por cada ‘kit’ para alunos do 10º ano, por exemplo, com o custo de cada portátil a sair a quase 500 euros ao Estado.

    De resto, este ano, a editora obteve os dois maiores contratos de sempre feitos com o Estado, ambos envolvendo a venda de ‘kits’ e manuais digitais a escolas da Região Autónoma da Madeira. O seu maior contrato de sempre, no valor de e 1.036.411,89 euros, que, acrescido de IVA, eleva a despesa dos contribuintes para 1.264.422,50 euros, foi efectuado a 22 de Julho com a Secretaria Regional de Educação, Ciência e Tecnologia – Escola Secundária Francisco Franco, no Funchal, referente à ‘Aquisição de manuais escolares digitais, bens e serviços conexos, 2024/2025’. Apenas a Porto Editora concorreu a este concurso público anunciado a 7 de Junho e com data-limite para entrega de propostas a 8 de Julho.

    Este contrato inclui a venda, pela Porto Editora, de 780 portáteis Chromebook, com bolsa de proteção personalizada, para alunos do 10º ano, disponibilização da ‘Plataforma LMS-Learning Management System com conteúdos e recursos educativos’, licenças ‘para Firewall Cloud (Secure Access Service Edge – SASE)’, licenças de acessos aos ‘Manuais em Formato digital’ e ainda licenças da ‘plataforma MDM-Mobile Device Management, para gestão centralizada dos equipamentos’. Cada ‘kit’ foi vendido ao preço de 907,52 euros, excluindo IVA. Além disso, o contrato abrangeu o fornecimento de licenças digitais a alunos do 11º ano ao preço de 416,64 euros, cada.

    Valor (em euros) dos contratos públicos relativos à compra de manuais digitais, licenças de acesso ou ‘kits’ com manuais digitais e computadores ou tablets. A Porto Editora foi a entidade contratada em 100% dos contratos detectados pelo PÁGINA UM. Fonte: Portal Base.

    O segundo maior contrato, no valor de 797.852,37 euros, foi efectuado a 19 de Agosto com a Escola Secundária Jaime Moniz, no Funchal. Este contrato engloba, por exemplo, a venda de 600 ‘kits’ no valor de 907,52 euros para os alunos do 10º ano, que inclui um portátil ‘Chromebook com bolsa de protecção’, num valor global de 544.512 euros, sem IVA. No caso dos ‘kits’ para os alunos do 11º ano, a Porto Editora cobra 416,64 euros por cada um, apenas para disponibilizar manuais digitais, software de cibersegurança e a plataforma LMS-Learning Management System. Fazendo as contas, significa que a Porto Editora vendeu, neste contrato, computadores portáteis para alunos ao preço de 490,88 euros sem IVA.

    De resto, os 16 maiores contratos da Porto Editora com entidades públicas foram celebrados com escolas da Região Autónoma da Madeira em contratos adjudicados, na sua maioria, no último ano e meio, tendo gerado mais de 8,1 milhões de euros de receita à Porto Editora. Destes contratos, 12 foram feitos por ajuste directo.

    Numa análise a várias compras de ‘kits’ informáticos para alunos feitas por escolas públicas, nos últimos meses, e registadas no Portal Base, o PÁGINA UM detectou contratos em que cada ‘kit’ composto por portátil, uma mochila de transporte, um ‘headset‘ e um rato com ligação USB custa em redor dos 410 euros ou 415 euros, incluindo um sistema operativo. Além do custo mais baixo, alguns dos contratos para a aquisição de portáteis para os alunos são feitos através de concurso ou consulta prévia, mas, na sua maioria, têm sido adjudicados por ajuste directo, apesar de existirem diversas empresas a operar no mercado.

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    Nos contratos registados no Portal Base referentes à aquisição de manuais e licenças digitais, todos feitos com a Porto Editora, verifica-se que o ‘pico’ das compras ocorreu em 2023, quando o valor total da despesa atingiu os 12,4 milhões de euros. Contudo, este ano o valor global dos contratos vai em 10,3 milhões de euros e há ainda procedimentos que não estarão registados no Portal Base.

    Além da Porto Editora, outras empresas que surge ligada a compras por ajuste directo relacionadas com a digitalização das escolas e a aquisição de material informático são a Meo e a Altice, que facturaram 460 mil euros com contratos públicos. Estes contratos feitos pelas escolas surgem num contexto de políticas que têm promovido uma maior digitalização do ensino público e a desmaterialização dos manuais escolares em papel.

    Recorde-se que, em 2018, a Direcção-Geral das Actidades Económicas e a Associação de Editores e Livreiros assinaram uma convenção relativa à venda de manuais escolares destinados aos ensinos básico e secundário, na qual se previa a distribuição de licenças digitais a todos os alunos do ensino público abrangidos pela medida de gratuitidade dos manuais escolares. Nesse sentido, anualmente, o Estado tem subsidiado ‘vouchers’ que são enviados aos encarregados de educação dos alunos para serem trocados por manuais escolares novos ou usados, os quais vem acompanhados por licenças de acesso a conteúdos digitais das editoras.

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    Neste caso, são os pais que recebem os ‘subsídios’ e, por isso, não surgem compras de manuais escolares às diferentes editoras no Portal Base. “A relação é entre o Ministério da Educação e os pais, que recebem os ‘vouchers’, pelo que não há uma compra de manuais às editoras por parte de nenhuma escola”, afirmou Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), em declarações ao PÁGINA UM.

    Pedro Sobral defendeu que, no caso da compra de manuais digitais por parte das escolas, como as que estão registadas no Portal Base, faz sentido que sejam feitas por ajuste directo, já que “são as escolas que escolhem os manuais que pretendem”. Recordou que essas compras surgem inseridas em programas de digitalização das escolas e desmaterialização dos manuais em papel.

    Estes programas surgiram no âmbito do ‘Plano de Ação para a Transição Digital’ aprovado pelo Governo socialista em Abril de 2020. Nesse âmbito, desde então que o Ministério da Educação, Ciência e Inovação tem vindo a implementar, por exemplo, um projecto-piloto relativo ao uso de manuais digitais que, no ano lectivo passado, abrangeu 24 mil alunos de 104 agrupamentos escolares e escolas não agrupadas. No total, para o ano lectivo de 2023-2024, foi fixado o tecto de 24,167 milhões de euros que o Governo autorizou a gastar em licenças digitais de manuais.

    Página online da ‘Escola Virtual’ do grupo Porto Editora. Foto: Captura de ecrã/PÁGINA UM

    Mas a aposta na ‘desmaterialização’ dos livros escolares está em ‘banho-maria’ e tem um futuro incerto. “Felizmente, o anterior Governo decidiu, e bem, suspender esse plano”, disse Pedro Sobral, frisando que existem muitos estudos científicos que revelam a importância que o uso de livros em papel tem para o adequado desenvolvimento das crianças, nomeadamente nas suas capacidades de leitura, escrita e compreensão de textos.

    “Na APEL, pugnamos por uma complementariedade de formatos”, juntando o manual em papel com conteúdos digitais, frisou Pedro Sobral. “Não somos contra a digitalização, pelo contrário. Pensamos que é complementar”, salientou.

    Também o actual Governo já indicou que a estratégia de apostar numa maior digitalização dos manuais escolares está sob análise. Isto acontece numa altura em que persistem as dúvidas sobre os benefícios do uso exclusivo de livros digitais pelos alunos e também os ‘efeitos adversos’ que surgem com a excessiva exposição de crianças e jovens a ecrãs. Ao mesmo tempo, aumenta a pressão por parte de movimentos como o ‘Menos Ecrãs, Mais Vida‘, para travar o projecto dos manuais digitais nas escolas públicas.

    Seja como for, o negócio dos manuais digitais já rendeu milhões à Porto Editora e, até ordem contrária, as escolas irão continuar a comprar licenças se quiserem que os alunos continuem a poder usar os computadores comprados em ‘kit’ junto com os manuais digitais.


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  • Exclusivo: ‘Chumbos’ no 7º ao 9º ano quase duplicam entre 2020 e 2023

    Exclusivo: ‘Chumbos’ no 7º ao 9º ano quase duplicam entre 2020 e 2023

    Os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgados na semana passada e analisados pelo PÁGINA UM, revelam que a taxa de retenção no ensino básico, que vinha a baixar desde 2013/2014, já é passado: a tendência agora é a subida dos ‘chumbos’, que aumentaram, em especial no 3º ciclo, pelo terceiro ano consecutivo. A pior evolução neste ciclo, que abrange os alunos dos 7º ao 9º ano, resultou numa quase duplicação das reprovações em apenas três anos lectivos. Em termos absolutos, em todo o ensino básico, ‘chumbaram’ mais 16 mil alunos no ano lectivo de 2022/2023 do que em 2019/2020, passando de 19 mil para 35 mil retenções, sendo que grande parte frequentava o 3º ciclo.


    Pelo terceiro ano consecutivo, as taxas de retenção de alunos do 3º ciclo (7º ao 9º anos de escolaridade) aumentaram, após um período de queda contínuo entre os anos lectivos de 2012/2013 e 2019/2020. Os novos dados sobre os ‘chumbos’ do ensino básico, relativos ao ano lectivo 2022/2023 foram revelados na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), tornando já desactualizados os dados que o Ministério da Educação disponibilizou recentemente a alguns meios de comunicação social que foram interpretados num cenário de melhoria “em todos os níveis de ensino”.

    A realidade é bem diferente. Face ao ano lectivo anterior, a taxa de retenção na globalidade do ensino básico registou um acréscimo de 0,8 pontos percentuais, cifrando-se em 3,8%. Este valor é semelhante ao registado em 2018/2019, mas há está bem abaixo do nível de ‘chumbos’ até ao ano lectivo de 2013/14 que rondava ou ficava acima dos 10%, chegando mesmo a aproximar-se dos 20% no 3º ciclo. Independentemente da melhorias no ensino, foram também orientações administrativas para dificultar os ‘chumbos’ – ou facilitar as aprovações – que estavam a contribuir fortemente para uma redução das taxas de retenção até ao início da pandemia (ano lectivo 2019/2020). A partir desse ano, a tendência inverteu-se.

    João Costa, ex-ministro da Educação do governo socialista, deixou como herança uma tendência negativa, um retrocesso na taxa de ‘chumbos’ no ensino básico. (Foto: D.R.)

    O agravamento na taxa de retenção mostra-se mais evidente nos alunos do 3º ciclo do ensino básico, que compreende o 7º, 8º e 9º ano de escolaridade. A taxa de retenção (incluindo por desistência) mais do que duplicou entre 2019/2020 e 2022/2023. No ano lectivo que apanhou o início da pandemia da covid-19 (2019/2020), a taxa de ‘chumbos’ situou-se em 3,0% – o valor mais baixo de sempre –, para subir no ano lectivo seguinte (ainda com fortes restrições nas aulas presenciais, com a imposição de máscaras e condicionamento de recreios, além de aulas online) para os 4,3%. No ano lectivo de 2021/2022, a taxa voltou a subir ligeiramente (4,6%) e em 2022/2023 (dados agora revelados pelo INE) voltou a subir para os 6,2%, suplantando mesmo os valores do ano lectivo de 2018/2019.

    Saliente-se que, embora ainda escasseiem os estudos sobre o impacte da pandemia na aprendizagem, e a assumpção de erros políticos nas restrtições impostas a crianças em jovens numa doença que lhes causava uma mortalidade virtualmente nula, de acordo com dados da Organização Mundial para a Cooperação Económica (OCDE), Portugal foi dos países mais radicais em termos de fecho de escolas, tendo mantido os alunos do ensino básico afastados da escola durante mais tempo.

    No restantes níveis do ensino básico, os novos dados actualizados do INE mostram também aumentos relevantes não só face a 2021/2022 como em relação a 2019/2020. No 1º ciclo, que vai até ao 4º ano (classe), a taxa de retenção subiu de 1,4% em 2020 para 1,9% no ano lectivo do ano passado, sendo que em 2021/2022 a taxa foi de 1,8%. Quanto ao 2º ciclo, que inclui o 5º e o 6º ano, a taxa de retenção aumentou de 2,4% para 3,6%. Mas também aumentou face a 2021/2022, quando a taxa de ‘chumbos’ se situou em 3,1%. Assim, os ‘chumbos’ no ensino básico, no geral, têm aumentado desde 2020, passando de uma taxa de ‘repetentes’ e desistentes de 2,2% para 3,8% em 2023. No lectivo de 2021/2022, a mesma taxa foi de 3,1%.

    Evolução da taxa de retenção no ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

    Segundo o histórico de dados do INE sobre taxas de retenção dos alunos do ensino básico, desde o ano lectivo de 2012/2013 que se observava uma melhoria, com menos alunos a ficarem retidos. Para se ter uma ideia, naquele ano lectivo 10,4% dos alunos do ensino básico não passavam de ano. Em termos de ciclos, 4,9% dos alunos do 1º ao 4º ano ficaram retidos em 2012/2013. No caso do 2º ciclo, a taxa de retenção foi de 12,5%. Já no 3º ciclo, 15,9% dos alunos ficaram ‘retidos’ no mesmo ano de escolaridade.

    Em termos absolutos, no ano lectivo de 2012/2013 frequentaram o ensino básico quase 1,2 milhões de alunos, pelo que, com essa taxa de retenção (10,4%), terão chumbado cerca de 120 mil alunos, sendo que cerca de 69 mil estavam no 3º ciclo. Se considerarmos as taxas de retenção de 2019/2020, também por força da redução da população jovem, de entre os 970 mil alunos do ensino básico nesse ano houve pouco mais de 19 mil ‘chumbos’, sendo que quase 11 mil frequentavam o 3º ciclo.

    Perante o número de alunos em cada ciclo do ensino básico em 2022/2023 – quase 375 mil no 1º ciclo; 213 mil no 2º ciclo e um pouco menos de 343 mil no 3º ciclo –, o número total de retenções superou os 35 mil alunos – ou seja, mais 16 mil alunos ‘chumbados’ do que três anos lectivos antes. Destes, sete mil frequentavam o 1º ciclo, quase oito mil o 2º ciclo e cerca de 21 mil frequentavam o 3º ciclo.

    Apesar de o aumento da taxa de retenção em Portugal ser um alvo de preocupação, em alguns concelhos do país os valores mantêm-se extraordinariamente elevados. No ano lectivo de 2022/2023, o concelho açoriano do Corvo registou, de longe, o pior resultado do 1º ciclo, com uma taxa de ‘chumbos’ de 23,1%, seguido de Vila Velha de Rodão, onde 9,9% dos alunos do 1º ciclo ‘chumbaram’ em 2022/2023. Nos concelhos com maior nível de repetentes no 1º ciclo em 2022/2023 encontram-se ainda Figueira de Castelo Rodrigo (9,4%) e Moura (8,2%). Um total de 22 concelhos registaram mais de 5% de ‘chumbos’.

    Evolução da taxa de retenção no 1º ciclo do ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

    Em Lisboa, a taxa de retenção no 1º ciclo subiu ligeiramente em 2022/2023, para 2,4% comparando com o ano anterior (2,1%) e com o ano de 2018/2019 (2,3%). No Porto, também houve mais alunos da ‘Primária’ a ‘chumbar’ em 2022/2023, já que a taxa aumentou de 1,2% em 2021/2022 para 1,4% em 2022/2023. Os concelhos com menor nível de repetentes no 1º ciclo foram Ponte de Lima, Fafe, São João da Madeira e Vizela, todos com uma taxa de 0,1%. Registaram-se 63 concelhos com taxas de retenção inferior a 1%.

    No caso do 2º ciclo, Mourão, no Alentejo, registou no mesmo ano lectivo uma taxa de retenção de 27,3%, sendo o único concelho acima da fasquia dos 20%. Ou seja, mais de um em cada quatro alunos ficou no mesmo ano lectivo. Seguiram-se, entre os piores municípios, Idanha-a-Nova (19,8%), Cuba (16,1%) e Serpa (14,1%). Nos municípios de Figueira de Castelo Rodrigo, Vila Real de Santo António, Porto Moniz, Avis e Manteigas, as taxas de retenção situaram-se entre os 10% e os 13,3%.

    Em Lisboa, subiu de 6,3% em 2021/2022 para 6,7% em 2022/2023. No Porto, a taxa de ‘chumbos’ no 2º ciclo também tem vindo a subir nos últimos anos. Em 2022/2023 aumentou para 4,6% de 3,2% no ano lectivo anterior. Em 2018/2019 a taxa era de 3,2% e caiu para 1,7% em 2019/2020.

    No extremo oposto, destacam-se os concelhos de Fafe, Vizela e Alcochete com uma taxa de 0,2% de retenção no 2º ciclo, havendo mais 31 com ‘chumbos’ abaixo de 1%.

    Evolução da taxa de retenção no 2º ciclo do ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

    Quanto ao 3º ciclo, foi em Figueira de Castelo Rodrigo que se registou a mais alta taxa de ‘chumbos’ em 2022/2023: 28,1%. Mas já nos dois anos lectivos anteriores este município tinha registado ‘chumbos’ na casa dos 24%. Trata-se uma acentuada inversão da tendência de melhoria verificada nos anos de 2018/2019 e 2019/2020 quando Figueira de Castelo Rodrigo registou taxas de retenção de 4,9% e 6,5%, respetivamente.

    Na lista dos concelhos com os piores desempenhos ao nível do 3º ciclo estão ainda Idanha-a-Nova (25,7%), Serpa (20,6%) e Sobral de Montagraço (18,3%). De resto, contabilizam-se mais de quatro dezenas de municípios com taxas de retenção no 3º ciclo acima dos 10%.

    Em Lisboa, também houve mais alunos a chumbar no 3º ciclo no ano lectivo de 2022/2023, com a taxa de retenção a fixar-se nos 6,6%, acima dos 5,3% e 5,1% observados, respetivamente em 2021/2022 e 2020/2021. O valor também está acima dos 6,5% registados em 2018/2019, antes do ano lectivo marcado pelas medidas restritivas radicais adoptadas pelo Governo na pandemia.

    No caso do Porto, observa-se a mesma tendência de regressão neste indicador. Em 2018/2019, a taxa de retenção estava nos 4,9%, no ano seguinte desceu para 2,4% e tem vindo sempre a subir até aos 5,5% no ano passado.

    Evolução da taxa de retenção no 3º ciclo do ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

    No 3º ciclo, os conselhos com melhor desempenho em 2022/2023 foram Arcos de Valdevez (0,2%), Ponte de Lima (0,5%) e Pinhel (0,6%). Apenas nove municípios ficaram abaixo de uma taxa de retenção de 1%: além dos três indicados, também Terras de Bouro, Sever do Vouga, Armamar, Lajes do Pico, Mortágua e Tarouca.

    Mas mesmo nestes casos, como em outros, estes desempenhos devem ser olhados numa perspectiva múltipla, para se compreender evoluções por vezes espantosas. Por exemplo, o concelho de Penamacor, que em 2014/2015 apresentou um cenário desolador de quase três ‘chumbos’ em cada 10 alunos (28,3%), está agora com uma taxa de 1,2%. Tal como noutros municípios, as quedas na taxa de retenção são abruptas em períodos muito curtos.


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  • ‘Bandalheira’: 228 contratos da DGEstE entre 2017 e 2021 só foram divulgados em 2023

    ‘Bandalheira’: 228 contratos da DGEstE entre 2017 e 2021 só foram divulgados em 2023


    Silêncio absoluto (e comprometedor) da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). Mas a realidade é feita de factos: entre 2017 e 2021, esta entidade pública celebrou 228 contratos, dos quais 96 por ajuste directo e outros 23 por consulta prévia, mas só os colocou no Portal Base ao longo do ano de 2023. Em 43 contratos, os atrasos são superiores a seis anos, quando a lei determina a divulgação ao fim de, no máximo, 20 dias. Significa assim que os pagamentos não poderiam ser processados, pelo menos nos ajustes directos e consultas prévias. Alguns documentos das obras podem até já ter sido destruídos, havendo até casos de contrato que nem sequer foram escritos. O PÁGINA UM escalpelizou todos os contratos e identificou os beneficiários deste esquema que mostra uma situação de desrespeito generalizado pelas normas da contratação pública por parte da DGEstE.


    2017, 2018, 2019 e 2020 são, cronologicamente falando, anos da década passada. A atender ao ano de 2023, o ano de 2017 tem já cinco anos a separar, com muita água a ter passado debaixo das pontes. Entre 2023 e 2018 são quatro anos de separação. Entre 2023 e 2019 são três. E mesmo entre 1 de Janeiro de 2023 e 31 de Dezembro de 2020 distam 1096 dias.

    Mas para a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), que importância têm os dias, as semanas, os meses e mesmo os anos se o Código dos Contratos Públicos determina que devem ser publicados os contratos no Portal Base até ao 20º dia útil da sua celebração ou início de execução.

    A resposta é: NENHUMA.

    João Gonçalves, director-geral dos Estabelecimentos Escolares.

    Apenas assim se compreende – ademais, atendível também à ausência de explicações do director-geral da DGEstE, João Gonçalves –  que tenham sido colocados no Portal Base, ao longo do ano de 2023, um total de 43 celebrados em 2017, no valor total de cerca de 3,4 milhões de euros; mais 71 contratos celebrados em 2018, no valor total de cerca de 5,1 milhões de euros; mais 73 contratos celebrados em 2019, no valor total de cerca de 5,2 milhões de euros; e mais 26 contratos celebrados em 2020, no valor total de quase 1,6 milhões de euros. Se ainda se quiser ser ainda rigoroso mais rigoroso, foram entregues com atraso inclassificável mais 15 contratos celebrados em 2021, no valor total de 787 mil euros.

    De entre os 228 contratos celebrados pela DGEstE entre 2017 e 2021 que apenas foram inseridos no Portal Base ao longo de 2023, um total de 96 foram celebrados por ajuste directo e outros 23 por consulta prévia. O Código dos Contratos Públicos é taxativo a determinar que “a celebração de quaisquer contratos na sequência de consulta prévia ou ajuste direto deve ser publicitada, pela entidade adjudicante, no portal dos contratos públicos” sendo que constitui “condição de eficácia do respetivo contrato, independentemente da sua redução ou não a escrito, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos”.

    Ou seja, tendo em consideração a quantidade de empresas envolvidas nestes contratos celebrados entre 2017 e 2021 – um total de 93 – e os montantes em causa – quase 12,3 milhões de euros, se forem excluídos 23 contratos por concurso público (no valor total de 3,7 milhões de euros) –, significa que a DGEstE fez pagamentos à margem da lei. Ou mesmo violando sistematicamente a lei. Refira-se que o PÁGINA UM detectou, no âmbito de uma investigação ainda em curso, que, embora existam mais entidades públicas com atrasos assinaláveis, a DGEstE destaca-se, negativamente, na quantidade de contratos por ajustes directos ou por consulta prévia com mais de quatro anos de atraso.

    brown abaca
    Não admira os problemas de Matemática em Portugal. A entidade que gere os estabelecimentos escolares acham que 20 dias podem ‘significar’ anos.

    De entre os contratos de 2017 colocados no Portal Base com atrasos por vezes superiores a seis anos – por terem sido inseridos apenas em 2023 – destacam-se nove com valores acima de 100 mil euros, cinco dos quais por ajuste directo, sendo que os outros foram por concurso público. O contrato mais elevado deste grupo de contratos ‘retardatários’ foi um ajuste directo celebrado pela então directora-geral Maria Manuela Faria com a Manuel Vieira & Irmãos, uma empresa de Amarante, no valor de 486.480 euros para diversas reparações na Escola Secundária de Alpendorada, no concelho de Marco de Canavezes.

    O contrato até refere que o ajuste directo foi publicitado no Portal Base em 3 de Julho, mas a data da celebração foi o dia 1 de Setembro, mas, na verdade, a data de publicação foi apenas o dia 4 de Outubro de 2023. Ou seja, o contrato esteve sem divulgação – e sem efectivação surge nesta plataforma com um atraso de cerca de seis anos. Refira-se que a Manuel Vieira & Irmão tem uma relação privilegiada com a DGEstE, pois já celebraram cinco contratos públicos.

    O segundo maior ajuste directo com publicitação absurdamente retardatária foi celebrado em 14 de Janeiro de 2019, mas só ficou no Portal Base a partir de 27 de Julho de 2023. O beneficiário deste contrato foi a empresa Thermotelha, com sede em Loures, que recebeu 347.462,48 euros (sem IVA) para reparação de danos em três escolas de Montemor-o-Velho causados pela tempestade Leslie. A justificação para o ajuste directo por urgência é estranha, porque o contrato foi celebrado quase quatro meses depois da tempestade, que teve a sua passagem pela região Centro em 13 de Outubro de 2018. Mais estranho ainda é o facto de a DGEstE ter decidido que nem valia a pena reduzir o contrato a escrito. E a justificação, mais uma vez, é a urgência. Aparentemente, neste processo somente não houve urgência para colocar o contrato no Portal Base, condição legal para a sua efectivação e para a realização dos pagamentos.

    Reparações na Escola Secundária de Alpendorada: obras feitas em 2017 custaram 486.480 euros, mas contrato apenas foi divulgado em 2023 no Portal Base.

    Tal como sucede com a Manuel Vieira & Irmãos, também para a Thermotelha tem relações privilegiadas com a DGEste, sendo que em nenhum contrato teve concorrência relevante: dos seis celebrados entre 2017 e 2019, três são por ajuste directo e os restantes por consulta prévia. Saliente-se que, de entre estes contratos, cinco foram divulgados com atrasos de mais de quatro anos.

    O rol de casos é de tal monta que seria fastidioso elencar todas as situações a merecer uma investigação pelo Tribunal de Contas – ou pelo Ministério Público. Em todo o caso, refira-se quem o PÁGINA UM detectou pelo menos 29 empresas que beneficiaram de três ou mais contratos da DGEstE entre 2017 e 2020 que apenas foram divulgados no Portal Base a partir de Janeiro de 2023.

    E os casos de contratos por ajuste directo sem sequer ter sido celebrado contrato escrito não se circunscreveu à reparação das escolas de Montemor-o-Velho, por causa da tempestade Leslie, que, aliás, serviu na perfeição como ‘boa desculpa’. Com efeito, também por causa da intempérie de Outubro de 2018, a substituição urgente de cobertura em fibrocimento na Escola Secundária Fernando Namora, em Condeixa-a-Nova”, também mereceu ajuste directo sem contrato escrito celebrado em 27 de Fevereiro de 2019, no valor de 150.300 euros, com a Construtora Santovaiense. Só foi divulgado em 2 de Maio de 2023, ou seja, quatro anos e dois meses depois.

    Contratos celebrados (montante e números) pela DGEstE entre 2017 e 2021 mas que foram divulgados apenas em 2023, por tipo de procedimento. Fonte: IMPIC / Portal Base. Análise: PÁGINA UM.

    E como não há duas sem três, a substituição alegadamente urgente de cobertura em fibrocimento danificada pela mesma tempestade na Escola Básica São Silvestre, em Coimbra, levou a um ajuste directo quatro meses depois, pois o contrato foi celebrado em 27 de Fevereiro de 2019, no valor de 140.135 euros. O beneficiário foi a empresa Alfredo Cortesão & Marçal. A informação do contrato no Portal Base somente surgiu em 2 de Maio de 2023.

    Em termos globais, a empresas mais beneficiada por estes contratos ‘retardatários’ da DGEstE (celebrados entre 2017 e 2021, mas divulgados apenas em 2023) foram as Manuel Vieira & Irmão, que amealhou 1.098.158 euros, dos quais 825.152 euros de contratos ganhos em 2017. Segue-se a Paredes & Paredes com contratos no valor de 993.629 euros, todos celebrados entre 2018 e 2019. Também neste caso, a DGEsTE é, até agora, o único cliente público desta empresa de construção de Odivelas, acumulando 10 contratos, dos quais apenas três ganhos por concurso público.

    Fecha o pódio a empresa Cunha & Costa com um ‘portefólio’ de 888.422 euros de contratos ‘retardatários’, mais outra empresa de construção civil, esta de Lousada, que tem na DGEste um cliente público relevante, contabilizando já 12 empreitadas, apenas metade das quais ganhas por concurso público. Os contratos celebrados entre 2017 e 2021, mas apenas divulgados no Portal Base em 2023, totalizam 886.422 euros.

    Se ainda considerarmos mais duas empresas para termos um top 5, encontram-se mais dois casos em que a DGEstE é também um assíduo cliente público: a Construtora Santovaiense e Thermotelha, que amealharam com os contratos ‘retardatários’, respectivamente, 764.920 euros e 751.121 euros.

    Em volume de facturação de contratos ‘retardatários’ celebrados pela DGEste, destacam-se ainda oito empresas com mais de 300 mil euros: Coberfer (464.289 euros), Obrimofer (452.999 euros), A Construtora de Pedroso (431.713 euros), Canas Engenharia e Construção (430.907 euros), Togamil (399.519 euros), Magnurbe (381.470 euros), Conjugaresta (374.384 euros), Gravita Ideia (312.411 euros) e CSQL (300.779 euros).


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  • Em Abrantes, de pequenino se torce o pepino: Escola mostra contratos de tostões mas que até podem, afinal, custar milhões

    Em Abrantes, de pequenino se torce o pepino: Escola mostra contratos de tostões mas que até podem, afinal, custar milhões


    A direcção do Agrupamento de Escolas nº2 de Abrantes tem um método muito ‘sui generis’ de abastecer os bufetes: faz ajustes directos onde apenas estipula o valor unitário, escolhe os fornecedores e depois é “bar aberto”. Não há limite para despesa e mesmo nos contratos já terminados, os valores gastos registados no Portal Base são completamente fictícios. Assim se ‘aprende’ na escola como se gerem dinheiros públicos…


    Nas escolas ensina-se mais do que as letras e os números; fornecem-se os rudimentos de cidadania, presume-se, incluindo que se vive numa sociedade onde as entidades públicas, incluindo as escolas, claro, gerem dinheiros públicos. E, por esse motivo, a contratação pública deveria seguir um modelo de rigor e transparência, com responsabilidade.

    É provável que esses ensinamentos até sejam transmitidos também nas Escolas Dr. Manuel Fernandes e Octávio Duarte Ferreira, que formalmente integram o Agrupamento de Escolas nº 2 de Abrantes, cujos lema, no seu site é “uma janela para o Mundo“. Mas são pouco praticados. Com efeito, para abastecer os bufetes, a direcção deste agrupamento escolar teve a ideia de criar uma espécie de “bar aberto”: definiu os produtos que seriam eventualmente necessários, colocou um preço unitário e pôs-se a assinar contratos por ajuste directo sem haver um limite de quantidades a comprar até ao final do ano lectivo.

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    O mais absurdo destes contratos, num total de 17, todos publicados no passado dia 22, é aparentarem serem bastante económicos. Na verdade, só chamaram à atenção ao PÁGINA UM pelos valores ridiculamente baixos dos preços contratuais que surgem nos registos do Portal Base, que vão desde os 0,01 euros até aos 12,59 euros. Na verdade, esses montantes, quando se consultam os contratos, referem-se ao preço unitário, se for apenas um produto, ou ao preço unitário médio, se forem vários.

    Nenhum destes contratos estipula as quantidades máximas ou médias ou mínimas, ou o que quer que seja, até os contratos expirarem ao fim de 365 dias. Ou seja, mesmo em fins-de-semana, feriados e férias escolar, há “bar aberto”, porque as quantidades vão sendo combinadas entre a direcção escolar e os felizardos fornecedores.

    O contrato com o valor mais baixo, com registo de 1 cêntimo no Portal Base, diz respeito ao “Lote 15” que consiste na compra de saquetas de açúcar e de adoçante para as duas escolas do agrupamento escolar de Abrantes. O fornecedor é a empresa Manuel Rui Azinhais Nabeiro Unipessoal, do Grupo Nabeiro, distribuidor dos cafés Delta em Portugal Continental e nos Açores. O contrato teve início a 11 de Setembro de 2023 e termina a 31 de Agosto de 2024. Se se quiser saber quantas saquetas de açúcar poderão, no máximo, ser compradas, não se sabe. Quanto será a factura no final do ano de ajuste directo, não se sabe. No limite, é aquilo que o fornecedor e a direcção escola quiserem.

    Exemplo de um contrato, que estipula o preço unitário, mas nunca as quantidades máximas a adquirir. É um autêntico “bar aberto” até à data final do contrato.

    Nos restantes contratos celebrados em Setembro passado, e publicados apenas na semana passada, passa-se o mesmo com os mais variados produtos. E além destes contratos por ajuste directo serem opacos e esconderem as despesas efectuadas pelo agrupamento escolar, o agrupamento não disponibiliza outros documentos – como cadernos de encargos ou propostas dos fornecedores. O agrupamento também escusou-se a responder às perguntas do PÁGINA UM sobre estes contratos.

    Este modus operandi vem de trás, e ninguém parece estranhar. No total, incluindo a aquisição de produtos do ano lectivo anterior, só em 2023 o agrupamento registou no Portal Base 35 ajustes para a compra de bens alimentares para os seus bufetes, todos sem concurso público. O valor global destes contratos por ajuste directo registados no Portal Base é de uns meros 93,04 euros, mas, na verdade, o preço final, além de ser uma incógnita, pode, em teoria, não ter limite.

    Acresce que o agrupamento registou 14 dos contratos no Portal Base seis meses após a respetiva assinatura: estes contratos assinados em Setembro de 2022 só deram entrada no Portal Base em Março deste ano. A lei determina que seja feito no prazo de 20 dias após a celebração dos contratos e determina também que seja colocada informação sobre a execução dos contratos.

    Escola Secundária Dr. Manuel Fernandes, em Abrantes.

    Na consulta dos contratos já terminados, claramente os valores que lá constam não são verdadeiros, uma vez que indicam um gasto que corresponde ao valor unitário ou ao valor médio unitário, como sucede no contrato com a empresa Manuel Rui Azinhais Nabeiro Lda., que terminou em Agosto passado.

    Este contrato englobava a compra de três produtos (café, descafeinado e cacau), com um preço unitário médio de 14,89 euros, e a direcção escolar indicou no Portal Base que gastou apenas 14,89 euros até ao final do contrato, algo impossível porque cada unidade de café (1 kg) custava 16,89 euros, cada unidade de descafeinado (150 saquetas) custava 21,38 euros e cada unidade de cacau (1 kg) custava 6,41 euros. A não ser que a direcção escolar não tenha comprado afinal nenhum café nem descafeinado e tenha comprado apenas 2 kg de cacau e mais 323 gramas de um terceiro saco de 1 kg, este valor será falso…

    Noutro contrato, relativo à compra de pão, aquele agrupamento registou no Portal Base a indicação de “cumprimento integral do contrato”, voltando a mencionar como valor de despesa o montante referido no contrato efetuado por ajuste directo: uns meros 12 cêntimos. Ou seja, o valor só é verdadeiro se a direcção escolar tiver comprado apenas um pão em todo o ano…

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    O registo dos contratos sem um valor indicativo de despesa global previsto é um caso raríssimo, para não dizer único. De acordo com a pesquisa efectuada pelo PÁGINA UM no Portal Base, o Agrupamento de Escolas nº2 de Abrantes aparenta ser o único a omitir o valor da despesa envolvida em cada compra. Os contratos remetem detalhes para o caderno de encargos, mas nenhum dos contratos tem caderno de encargos disponível para consulta.

    Saliente-se que apenas duas compras efectuadas por este agrupamento escolar em 2023 não envolveram ajuste directo. Foi o caso de um contrato feito através do procedimento de consulta prévia com a Beltrão Coelho para a “instalação de equipamentos multifuncionais de cópia, impressão e digitalização em regime de outsourcing”, no valor de 7.500 euros. O segundo, também por consulta prévia, envolveu a “aquisição de serviços de consultoria” para a gestão de um projeto relativo aos cursos profissionais financiados pelo Programa Operacional Capital Humano (POCH). Para este, a empresa Another Step recebeu um montante de 7.990 euros.

  • Polígrafo faltou ao rigor e isenção por classificar PCP, Bloco de Esquerda e MAS como extrema-esquerda

    Polígrafo faltou ao rigor e isenção por classificar PCP, Bloco de Esquerda e MAS como extrema-esquerda

    Por causa do seu protagonismo na contestação às políticas de Educação, a imprensa tem escrutinado o passado do líder do STOP, André Pestana, colocando-o como de “extrema-esquerda” e com alusões nada abonatórios. Ainda na passada semana, a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou que “André do STOP está ao nível do outro André da extrema-direita”. Para pôr tudo em pratos limpos, o Polígrafo meteu-se na querela, compondo um fact checking. Saiu “chamuscado” na tarefa: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concluiu que, afinal, a análise não foi nem rigorosa nem isenta nem fundamentada. Em artigos académicos, estes partidos são classificados, na verdade, como esquerda radical, no sentido de ruptura política, sem qualquer conotação depreciativa.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concluiu que o verificador de factos Polígrafo “não cumprir as exigências de rigor informativo” numa análise feita em 6 de Fevereiro deste ano ao passado político de André Pestana, o líder do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP). No artigo, assinado pelo jornalista Carlos Gonçalo Morais, o mote em questão centrava-se sobretudo no alegado ponto de diferenciação deste sindicato face aos restantes: a sua independência face a um directório político partidário, algo que acabava por nem sequer ser abordado.

    No mesmo dia, no programa SIC Polígrafo, apresentado por Bernardo Ferrão, director-adjunto de informação do canal televisão do Grupo Impresa, foi emitida uma peça similar, que considerava como “Verdadeiro” que “o professor que coordena o STOP tem passado na extrema-esquerda”. Em concreto, concluía-se que “o currículo de André Pestana é vasto em experiência politico-partidária, especificamente ligada a movimentos de extrema-esquerda”.

    André Pestana, líder do STOP.

    Note-se, contudo, que em órgãos de comunicação generalistas, a tentativa de colagem do STOP a movimentos denominados de extrema-esquerda foi frequente na imprensa generalista, como se pode observar em notícias do Diário de Notícias, da Sábado e do Observador. Aliás, neste último periódico, mostra-se evidente o sentido depreciativo do uso do termo, quando a jornalista Ana Kotowicz cita “um dirigente sindical [que não identifica, pelo que pode ser inventado] que tem acompanhado o STOP nas reuniões com o ministro da Educação, onde considera que as suas atitudes são sempre muito extremadas”.

    Nessa notícia do Observador é colocada na boca desse ignoto sindicalista, sem nome nem filiação, a seguinte afirmação: “Além da extrema-direita do André Ventura ficávamos com a extrema esquerda do André Pestana”, sobre uma possível candidatura à autarquia de Lisboa.

    Até nos sectores ideologicamente mais à esquerda do Governo, o protagonismo de André Pestana e do seu STOP na contestação dos professores tem sido cada vez mais criticado, sobretudo por estar fora da esfera de influência política dos sindicatos tradicionais. E não se perde oportunidade para o atacar. Ainda na passada semana, a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou categoricamente que “André do STOP está ao nível do outro André da extrema-direita”, aludindo ao caso dos cartazes contra o primeiro-ministro António Costa, mesmo se o seu autor é professor afiliado na FENPROF.

    Porém, na deliberação hoje divulgada no seu site – que apenas é incidente no Polígrafo, em reacção a uma queixa não identificada –, a ERC considera que, apesar de se comprovar que André Pestana foi (mas já não é) militante da Juventude Comunista (JCP), Bloco de Esquerda (BE) e Movimento Alternativa Socialista (MAS), a análise do Polígrafo “não cuida de fundamentar a razão pela qual tais partidos pertencem a um espectro ideológico-partidário de extrema-esquerda”, mais grave por se estar perante um fact checking.

    Polígrafo (e SIC Polígrafo) fizeram fact checking sobre passado de André Pestana, e não tiveram dúvidas em classificar Partido Comunista, Bloco de Esquerda e Movimento Alternativa Socialista como partidos de extrema esquerda. Sem rigor nem fundamentação, concluiu ERC.

    Mesmo dizendo que não cabe a si catalogar os partidos referidos num espectro político, o regulador dos media conclui que “a notícia do Polígrafo aqui visada não logrou comprovar o que sustenta a classificação daqueles partidos políticos [JCP, BE e MAS] como sendo de extrema-esquerda, inexistindo factos no texto que sustentem tal conclusão”, lê-se na deliberação, acrescentando ainda que “ao invés, a total ausência de fundamentação padece não só de rigor informativo, como também parece resultar de uma avaliação subjetiva de quem escreve a notícia e, portanto, não cuidando de demarcar os factos da opinião”.

    O jornal dirigido por Fernando Esteves – que, curiosamente, proíbe os seus colaboradores de serem militantes de partidos e assume não possuir “uma agenda político-ideológica” – ainda argumentou que aquela denominação “não é uma originalidade do Polígrafo”, acrescentando que “há várias esquerdas e que nem sempre é fácil categorizá-las com rigor quase científico”, e defendendo ainda que “não é esse o papel dos jornais”.

    A ERC, contudo, não concordou com essa argumentação, criticando mesmo o Polígrafo por este fact-checker – que tem um poder quase ilimitado no Facebook para tachar publicações como fake news, com repercussões gravosas para os seus autores – promover a simplificação. “A simplificação no discurso, embora atendível em certa medida, não pode fazer perigar o rigor jornalístico, muito menos em trabalhos jornalísticos que se apresentam como verificadores de factos, que, enquanto tal, criam a expetativa de um cumprimento acrescido do dever de rigor”, salienta-se na deliberação do regulador.

    Incómodo com acções do STOP, fora das estruturas sindicais tradicionais, associadas à CGTP e à UGT, são evidente, mesmo no espectro político de esquerda. A ex-eurodeputada socialista Ana Gomes, na sua coluna de opinião na SIC, já “colou” André Pestana a André Ventura, líder do Chega.

    Refira-se que, como facilmente se pode encontrar em trabalhos académicos – que devem ser usados como fonte na verificação de factos –, os partidos de esquerda em Portugal como o PCP, BE e o MAS são classificados como “esquerda radical”, no sentido de ruptura, e não de violência.

    Por exemplo, num artigo científico publicado em 2016 por José Santana Pereira, investigador do Instituto de Ciências Sociais, sobre a esquerda radical no período pós-2009, considera-se a existência de três grupos de partidos de esquerda radical: um formado por PCP e BE, já com décadas de presença no parlamento nacional e europeu; outro formado pelos “novos partidos, criados após a crise das dívidas soberanas (MAS e Livre)”; e um terceiro por “micropartidos de esquerda radical, com décadas de existência e incapacidade reiterada de obter representação”, exemplificando com o maoista PCTP-MRPP, mesmo usando slogans mais virulentos. O uso por académicos de termos como “extrema-esquerda” quase sempre se aplicam em ambientes políticos de violência ou de atitudes não-democráticas.

    Esta é a quarta vez que a ERC considera que o mais conhecido verificador de factos português, o Polígrafo, falha no rigor das suas análises. Nesta deliberação, hoje publicada, o regulador destaca a gravidade da actuação do Polígrafo “por se tratar de conduta reincidente”, remetendo para a deliberação ERC/2021/362 e a deliberação ERC/2021/151.

    Contudo, além destes dois casos, a ERC também já este ano relembrou ao Polígrafo – e, neste caso, também à sua parceira SIC, com quem tem um programa televisivo (Polígrafo SIC) –, “o dever de informar com rigor e isenção”, uma obrigação “ainda mais premente nos conteúdos jornalísticos que têm como missão a verificação dos factos (fact check)”, após queixas dos secretários de Estado da Natureza e Florestas e das Pescas.

    Mas além destes casos, há três anos, por causa da emissão de imagens chocantes sem aviso prévio no Polígrafo SIC, a ERC aplicou mesmo uma multa de 30.000 euros à Impresa. A parte irónica desta coima está no facto de a emissão dessas imagens, ao longo de um minuto e 20 segundos de corpos a boiar, ter servido para corrigir um erro de fact checking: ao contrário do que SIC e Polígrafo tinham dito em programa anterior, aquelas imagens não eram da passagem por Moçambique do furacão Idai em Março de 2019, mas sim de uma outra tragédia ocorrida no Paquistão em 2017.

  • Bolsas há muitas

    Bolsas há muitas

    De entre as diversas entidades que atribuem bolsas, algumas associadas ao Estado, outras a entidades privadas ou personalidades, o PÁGINA UM foi “visitar” algumas para perceber se a Associação Sara Carreira “inventou a roda” e, se não – ou seja, se há mais entidades a apoiarem o estudo a jovens carenciados –, saber se escondem também os valores do apoio aos bolseiros.


    A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), associada ao Estado, é porventura a entidade que mais apoios concede, mas não tendo como critério a situação económica do candidato. Abre anualmente concursos para bolsas “de diversas tipologias”, e em todas as áreas científicas, abrange bolsas de investigação para doutoramento; de doutoramento no âmbito de protocolos e parcerias; e bolsas de curta duração.  

    Segundo consta no “Aviso de Abertura de Concurso” de Janeiro de 2023, “o número de bolsas a atribuir é de 1.450, das quais um máximo de 400 serão alocadas à linha de candidatura específica para planos de trabalho em entidades não académicas”. Estes números são, no entanto, indicativos, “podendo ser revistos de acordo com a disponibilidade orçamental ou em função do número de candidaturas admitidas em cada linha de financiamento”. Os bolseiros também têm direito a um “seguro de acidentes pessoais relativamente às atividades de investigação, suportado pela entidade financiadora”.

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    Tal como estipula o Regulamento de Bolsas de Investigação da FCT, I. P., de 16 de Dezembro de 2019, os valores mínimos mensais previstos para bolsas em Portugal vão desde os 412 euros, para bolsas de iniciação à investigação, a 1.600 euros para bolsas de investigação pós-doutoral. A estes valores acrescem ainda subsídios para actividades de formação complementar; apresentação de trabalhos em reuniões científicas; inscrição, matrícula ou propinas; e subsídio de viagem ou de instalação, quando aplicável.

    As candidaturas são abertas a “cidadãos nacionais, cidadãos de outros estados-membros da União Europeia, cidadãos de estados terceiros, apátridas ou cidadãos beneficiários do estatuto de refugiado político”. Entre as condições para a elegibilidade do candidato, constam a residência permanente e habitual em Portugal, não ter já obtido o grau de doutor, nem ter beneficiado já de uma bolsa da instituição.

    Já o Instituto Camões tem diferentes tipos de bolsas: Bolsas da Cooperação, Bolsas da Língua e Cultura Portuguesas, Bolsas de Governos/ Instituições estrangeiras e Bolsas PROCULTURA PALOP-TL. Destas últimas, são atribuídas “48 bolsas de estudos internacionais para licenciatura e mestrado e, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, 60 bolsas para residências artísticas nas áreas da Música e das Artes Cénicas, entre 2019 e 2020, a cidadãos nacionais de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste e residentes nestes países”.

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    As Bolsas da Cooperação abrangem os graus de licenciatura, mestrado e doutoramento. Os valores são revelados, variando desde os 380 euros de subsídios de manutenção para licenciatura até aos 870 euros para doutoramento. Acresce um subsídio de instalação e outros pequenos apoios.

    Em Portugal, a Comissão Fullbright também disponibiliza bolsas que possibilitam aos estudantes e professores portugueses prosseguir os estudos, investigação, ou leccionar nos Estados Unidos, e aos estudantes e professores norte-americanos fazer o mesmo em Portugal. A oferta é vasta – algumas resultam de parcerias com outras instituições –, tanto para candidatos portugueses como estrangeiros. Para os portugueses, a Bolsa Fullbright para Mestrado, por exemplo, concede um financiamento máximo de 30 mil dólares para o primeiro ano de estudos, além de um Plano complementar de saúde e acidentes durante o período da bolsa.

    Por seu turno, os bolseiros da Bolsa Fullbright para Investigação, que tem a duração de 4 a 9 meses consecutivos, têm os seguintes benefícios: “Comparticipação financeira de $1.500 dólares americanos por mês de estadia, num total mínimo de $6.000 (4 meses) e máximo de $13.500 (9 meses); atribuição de um montante de €900 para apoio na aquisição de viagem de ida e volta entre Portugal e os EUA; plano complementar de saúde e acidentes durante o período da bolsa (ASPE).; emissão dos documentos necessários ao visto J-1, e isenção do pagamento do visto”.

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    Também com ares do outro lado do Atlântico, a Fundação Luso-Americana, em parceria com o Centro de Estudos Portugueses da Universidade da Califórnia, em Berkeley, “atribui uma bolsa para estudantes de doutoramento ou de mestrado que tenham sido aceites na Universidade da Califórnia, em Berkeley”, abrangendo todas as áreas científicas. Nesta edição de 2023, “a Bolsa será atribuída a um estudante de doutoramento”, com um financiamento de até 60 mil dólares, repartido ao longo dos cinco anos do doutoramento, “ou a um estudante de mestrado que vai receber até um total de 26 mil dólares durante os dois anos do seu programa de estudo”.

    Já a Bolsa para Junior Visiting Researcher @UC Berkeley 2023/2024 destina-se a “doutorandos portugueses ou residentes em Portugal que queiram fazer investigação para desenvolver a sua tese de doutoramento na UC Berkeley”, e o valor da bolsa totaliza 10 mil dólares, sem incluir seguro de saúde. Metade da bolsa será disponibilizada directamente pela FLAD ao bolseiro; e a outra metade é paga directamente ao Centro de Estudos Portugueses/ Instituto de Estudos Europeus da Universidade da Califórnia, Berkeley, para “cobrir os encargos com o processo inicial para a obtenção de visto, acesso à estrutura académica e serviços da Universidade”.

    A Fundação Oriente disponibiliza cinco tipos diferentes de bolsas – algumas de curta duração, outras para alunos provenientes do Oriente para aprender a língua e cultura portuguesas e vice-versa, e outras para doutoramento ou investigação. O objectivo dos programas é sempre “reforçar a relação entre Portugal e o Oriente”, apoiando directamente “a formação avançada de investigadores, artistas e estudantes nas mais diversas áreas”.

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    A Fundação estipula o pagamento de um valor mensal “e, nos casos em que se justifique, o pagamento de uma viagem de ida e volta do local de residência ao país de estudo”.

    A Embaixada da República Federal da Alemanha tem um programa de incentivo de alunos estrangeiros ao estudo de alemão, existente em 84 nações, e inclui uma “estadia de quatro semanas na República Federal da Alemanha aos melhores alunos de alemão selecionados com base num processo de seleção específico”. Em Portugal, através de um concurso, serão escolhidos dois jovens, entre os 15 e os 17 anos para beneficiar deste programa em 2023. Os premiados terão direito a aulas de alemão; excursões a diversas cidades alemãs, como Berlim ou Hamburgo; participação em eventos para jovens e eventos desportivos, e visitas a universidades, museus, teatros e outros estabelecimentos culturais.

    O Serviço Alemão de Intercâmbio Académico (DAAD) também tem um leque de programas que abrange diversas áreas académicas e científicas, e que inclui bolsas para mestrados, pós-graduações ou investigação em universidades alemãs. Dependendo do programa escolhido, as bolsas podem estender-se entre 10 a 24 meses de duração, e compreendem o pagamento de propinas mensais de 934 euros e de seguros de saúde e de viagem, existindo a possibilidade de o candidato obter benefícios adicionais, dependendo das circunstâncias específicas.

    A Fundação Calouste Gulbenkian, por sua vez, também disponibiliza uma oferta variada de bolsas, incluindo para formação em Artes no estrangeiro, para estudantes arménios noutros países, e bolsas de “mérito” ou de “novos talentos”.

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    As bolsas de mérito são atribuídas a candidatos pela primeira vez ao ensino superior, e com escassos recursos financeiros, que tenham tido uma nota de candidatura à universidade igual ou superior a 170 pontos. O financiamento é de 2.000 euros por ano lectivo, e “inclui um apoio adicional único para a realização de um período de mobilidade internacional, Erasmus ou outro programa similar oferecido por cada instituição de ensino”, também no valor de 2.000 euros.

    As bolsas de “novos talentos” destinam-se, por sua vez, a estudantes de universidades portuguesas com uma média igual ou superior a 17 valores. O valor anual da bolsa varia entre os mil e os 3 mil euros, consoante diversos factores.

    A Fundação Cidade de Lisboa não organizou, excepcionalmente, bolsas no último ano. No entanto, de acordo com o regulamento de 2019/2020, as bolsas são concedidas por concurso, com vista ao acesso garantido a uma universidade de Lisboa, pelo que os candidatos devem ter o 12º ano. A bolsa tem a duração de 12 meses, e o valor mensal é fixado anualmente pela Fundação.

    Também a Associação Duarte Tarré atribui bolsas sociais, individualmente, “a estudantes do Ensino Superior que apresentem dificuldade financeira para prosseguir o seu percurso de formação académica. Abrangendo todo o território nacional, este programa atribui, no minímo, 25 bolsas sociais anualmente. Ativo desde 2012, este apoio aos estudantes já beneficiou mais de 150 pessoas”.

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    De acordo com o regulamento, “o valor mínimo das bolsas a atribuir, a alunos de licenciatura, mestrado ou doutoramento, será de 1.200 euros”, e faz-se de forma faseada. A atribuição das bolsas “não é incompatível com a atribuição de outras bolsas ou prémios de mérito de outras instituições, mas terão de ser comunicadas à associação, sob pena de cancelamento.

    Também a ANA – Aeroportos de Portugal concedeu bolsas para o Ensino Superior, destinadas a alunos do 12º ano, com até 20 anos de idade, “que tenham tido bom aproveitamento (média igual ou superior a 14 valores) e que residam, e frequentem uma escola pública, num concelho limítrofe de um aeroporto” desta empresa. Além disso, o rendimento per capita do respetivo agregado familiar não deve ser superior ao salário mínimo nacional.

    O Programa Bolsas de Estudo ANA Solidária foi criado em 2012 para atribuir 12 bolsas, no valor de 3000 euros anuais, pagos em 10 prestações mensais.

    A Fundação da Caixa Agrícola do Vale do Távora e do Douro atribui Bolsas de Estudo, por mérito e por carência económica, aos estudantes universitários dos concelhos do seu âmbito de acção. Nas bolsas atribuídas por carência económica, o valor das propinas é integralmente coberto. Por sua vez, as bolsas de mérito – para os alunos com média igual ou superior a 15 valores –, compreendem um prémio habitualmente no valor de 600 euros.

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    Ainda de acordo com o seu regulamento, “compete ao Conselho de Administração da Fundação da Caixa Agrícola proceder à selecção dos candidatos a quem será atribuída a bolsa, de acordo com critérios objectivos e no respeito dos requisitos fixados”.

    A Fundação António Aleixo concede Bolsas de Estudo a alunos carenciados, que preencham os seguintes requisitos: “não ter idade superior a 25 anos à data da 1.ª candidatura para Licenciaturas, Mestrados e Mestrados Integrados; ser residente há mais de 5 anos no concelho de Loulé; ser natural do concelho de Loulé, ou filho de naturais do concelho de Loulé, residindo fora deste há menos de 3 anos”.

    O número e o valor das bolsas a atribuir é fixado anualmente pela Direcção da Associação Poeta Aleixo, e existem três modalidades, nomeadamente os escalões A, B e C, consoante variam os montantes.

    De acordo com o seu regulamento, a Fundação Millennium BCP atribui, anualmente, bolsas de estudos para mestrados, “a cidadãos provenientes de países africanos de expressão portuguesa e Timor, com os quais a Fundação e as entidades ligadas ao Grupo Banco Comercial Português (Millennium bcp) estabeleçam especiais relações de cooperação”.

    Os bolseiros têm direito ao reembolso de uma determinada quantia das propinas, mas o apoio financeiro definido nunca poderá “ser superior ao vencimento base de funcionário bancário de nível 1”.

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    A Fundação Eugénio de Almeida atribui bolsas em vários programas diferentes, incluindo de Alojamento, as bolsas “Eugénio Almeida”, e de Mérito. As Bolsas Eugénio Almeida custeiam “as propinas de alunos da Universidade de Évora (UE) de baixo rendimento económico e com aproveitamento escolar”. As Bolsas de Alojamento, por exemplo, têm como objectivo ajudar “a suportar o custo das despesas de alojamento de estudantes do Ensino Superior, nos diferentes ciclos, a estudar em qualquer instituição de ensino pública ou privada, em território nacional”, e os destinatários são os “estudantes do ensino superior, com residência oficial na região do Alentejo (Alentejo Central, Alto Alentejo, Baixo Alentejo e Alentejo Litoral)”

    A Fundação Rotária Portuguesa atribui bolsas de estudo sobretudo a jovens com dificuldades financeiras, privilegiando “estudantes do ensino secundário com bom aproveitamento escolar ou estudantes do ensino técnico-profissional se as aptidões o aconselharem”.

    As bolsas “resultam de donativos efectuados à Fundação por empresas, instituições ou pessoas singulares com essa finalidade”, e têm o valor de 500 euros para o ensino secundário, e 750 euros para o ensino superior.

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    A Fundação Caixa Agrícola do Noroeste atribuiu, em 2016, bolsas de estudo “no valor de 1000 euros, a alunos do distrito de Viana do Castelo e do concelho de Barcelos”. As bolsas foram entregues por mérito ou carência económica a alunos com uma média igual ou superior a 15 valores.

    Por fim, a Fundação José Neves tem em curso um ambicioso programa de bolsas de estudos “baseado no modelo Income Share Agreement”, ou seja, consiste sobretudo num sistema de empréstimo para estudar, incluindo o pagamento de propinas, sendo que o reembolso do valor investido apenas será reembolsado quando o rendimento do bolseiro ficar acima de um determinado patamar. É, por isso, um modelo ideal para estudantes carenciados.