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  • ‘Oops! I did it again’: Autoridade Tributária e Aduaneira continua em estranhas ‘limpezas’ com franceses da Samsic

    ‘Oops! I did it again’: Autoridade Tributária e Aduaneira continua em estranhas ‘limpezas’ com franceses da Samsic


    Business as usual. A Autoridade Tributária e Aduaneira did it again, e com a maior das naturalidades. Melhor explicando: Nuno Roda Inácio, subdirector-geral responsável pela área de recursos financeiros e patrimoniais da entidade que escrupulosamente vela pelos deveres dos contribuintes assinou mais um contrato milionário por ajuste directo invocando “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis“. Assim, desde 2017, para a Autoridade Tributária e Aduaneira limpar as suas instalações é uma “urgência imperiosa” que resulta da sujidade causada pelos seus funcionários e contribuintes, algo classificado como “acontecimentos imprevisíveis”. Com este esdrúxulo argumento tem-se justificado cerca de duas dezenas de contratos de ‘mão-beijada’ sempre à mesma empresa, a francesa Samsic.

    O mais recente contrato por ajuste directo foi celebrado na passada sexta-feira, pelo valor de 928.016,85  euros, que com IVA se transforma em 1.141.460,73 euros, e abrange serviços que começaram já em Outubro e se finalizam no próximo domingo. Ou seja, como em casos anteriores, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou o início da prestação de serviços por uma empresa sem existir um contrato a suportá-lo, corrigindo a ilegalidade poucos dias antes do termo dessa aquisição.

    Helena Borges, directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

    Esta situação recorrente da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao arrepio do espírito subjacente ao Código dos Contratos Públicos – que considera a livre concorrência e a transparência como pilares da contratação pela Administração Pública – tinha sido detectada já pelo PÁGINA UM no passado mês de Outubro. Nessa altura, num levantamento ao Portal Base, o PÁGINA UM contabilizara, nos últimos sete anos, um total de 17 contratos por ajuste directo que envolveram um montante de 20.965.651 euros. Com IVA, que é dedutível pela empresa francesa, a conta chegava próximo dos 26 milhões de euros. Com este novo contrato sobe para 27 milhões. Parece quase o mesmo: é “só” mais um milhão de euros.

    Tal como sucede com o mais recente contrato, e apesar de a limpeza de instalações ser um serviço perfeitamente programável – e onde os concursos públicos fazem todo o sentido, por uma questão do melhor preço e qualidade –, na generalidade dos casos, os contratos entre a Autoridade Tributária e a Samsic foram também assinados já no decurso do período de vigência. A entidade pública normalmente faz ajustes directos trimestrais, mas em outros casos abrangem outras durações sem se perceber os motivos.

    Com este contrato, contabilizam-se seis ajustes directos em que a assinatura do contrato pela Autoridade Tributária – na generalidade a cargo de Nuno Roda Inácio, o subdirector-geral responsável pela área de recursos financeiros e patrimoniais – tem sido feita nas duas últimas semanas de vigência. Este dirigente ocupa o cargo, que inclui, por subdelegação, o estabelecimento de contratos, desde 2015, tendo sido nomeado pela então ministra social-democrata Maria Luís Albuquerque. Antes, e desde 2009, Roda Inácio já ocupava funções de relevo na “máquina fiscal’.

    person holding yellow plastic spray bottle

    Todos estes contratos da Samsic foram assinados por Roda Inácio, embora em alguns o seu nome seja indevidamente rasurado alegando-se o Regulamento Geral da Protecção de Dados. Estão neste lote os dois últimos contratos: o ajuste directo abrangendo o período Abril a Setembro, e o ajuste directo do último trimestre deste ano. Nos elementos disponibilizados nunca são identificadas as instalações a limpar.

    O PÁGINA UM não detectou qualquer anúncio de concurso público no Portal Base para aquisição de serviços de limpeza por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que se deduz, pelo histórico, que se o deixarem o subdirector-geral Roda Inácio fará ‘rodar’ mais um ajuste directo milionário para a Samsic.

    A forma como os diversos contratos de limpeza têm sido celebrados entre a Autoridade Tributária e a Samsic deixam sérias dúvidas de legalidade, havendo mesmo dois casos onde se evidenciam fortes indícios de terem sido forjados. Em grande parte dos casos, para justificar a assinatura de contratos enquanto já decorriam os serviços a prestar, invoca-se a retroactividade.

    Nélson Roda Inácio, à esquerda (cumprimentando em 2016 o então presidente da autarquia de Pombal) foi nomeado subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 2015, tendo assinado todos os ajustes directos com a Samsic.

    Mas essa modalidade, que só pode ocorrer em situações excepcionais e devidamente justificadas – e não por norma, como sucede nestes contratos de limpeza –, só pode ser aplicada se não impedir, restringir ou falsear a concorrência prevista no Código dos Contratos Públicos. Ora, sistemáticos ajustes directos com eficácia retroactiva de contratos constituem restrições de concorrência, até porque não se vislumbra qualquer motivo razoável para que, desde 2017, não se consiga pôr em pé um concurso público e que opte por sistemáticos ajustes directos assinados ‘tarde a más horas’.

    Mas há dois casos particulares no lote de 18 ajustes directos que se revestem de ainda maior gravidade. Conforme em Outubro passado o PÁGINA UM revelara, no primeiro trimestre de 2018 – depois de três contratos em 2017, o último dos quais terminara em 31 de Dezembro –, a Autoridade Tributária e a Samsic decidiram assinar um novo contrato por ajuste directo por um prazo de 287 dias.

    Ministério das Finanças teve tempo em Outubro para apresentar o gato Faísca à imprensa, mas não teve tempo ainda, nos últimos três meses, para explicar os estranhos ajustes directos da Autoridade Tributária e Aduaneira para aquisição de serviços de limpeza

    A vigência desse contrato de 2018 iniciava-se no dia 19 de Março e terminava a 31 de Dezembro, mas existem evidências de os preços terem sido inflacionados para compensar a inexistência de suporte contratual entre 1 de Janeiro e 18 de Março. Com efeito, enquanto o preço médio diário das limpezas em 2017 foi de 6.626 euros, o contrato de 2018 (com 287 dias de duração) ficou por 8.837 euros por dia. Ou seja, um aumento de 33%. Se o contrato de 2018 tivesse sido estabelecido para os 365 dias do ano, o custo diário era de 6.949 euros, aproximando-se assim daquele que fora o do ano anterior.

    No ano seguinte, em 2019, repetiu-se o expediente para compensar mais ‘acertos’ em limpezas sem contrato, mas com sinais de fraude ainda muitíssimo mais evidentes. Nos primeiros dois meses e meio não se encontra qualquer contrato de limpeza que tenha estado em vigor, mas em 19 de Março desse ano, a Autoridade Tributária decidiu fazer mais um muito suspeitoso ajuste directo beneficiando a Samsic.

    Com uma duração de apenas 13 dias, porque só foi assinado no dia 19 e expirava a 31 de Março, envolveu um pagamento de 648.402 euros, significando assim que, formalmente, em cada um dos poucos dias deste contrato de limpeza a Autoridade Tributária pagou 49.877 euros à Samsic. No mês seguinte, em Abril, entraria em vigor um novo contrato por ajuste directo, que durou 275 dias, até ao final do ano. Como teve um preço contratual de 1.984.242,74 euros, significa que por dia custou 7.215 euros, bem demonstrativo de que o contrato de Março de 2019 foi forjado para ter um preço médio mais de sete vezes superior.

    Ajuste directo de Março de 2019 só vigorou por 13 dias a um preço diário exorbitante e terá sido o segundo contrato suspeito de ter sido ‘forjado’. Generalidade dos contratos foram assinados quando o prazo de vigência estava a decorrer; em alguns casos quase a terminar.

    Para confirmar as fortíssimas suspeitas de contrato forjado em Março de 2019 acrescente-se que os contratos de limpeza a partir de 2020 apresentam um preço médio diário a rondar os 10.000 euros por dia.

    Saliente-se também que, desde 2017, os seis maiores contratos por ajuste directo assinados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, qualquer um deles acima de um milhão de euros, foram sempre no sector da limpeza e todos a beneficiar a Samsic.

    Em Outubro, o PÁGINA UM insistiu várias vezes junto do Ministério das Finanças para comentar estes ajustes directos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas, mantendo-se válidas as perguntas não respondidas, decidiu-se não renovar as questões.

    O mais recente contrato entre a Samsic e Autoridade Tributária e Aduaneira integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 22 e 25 de Dezembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV


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    Nos últimos quatro dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 1.096 contratos públicos, com preços entre os 1,30 euros – para aquisição de sal, pela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, através de consulta prévia – e os 10.068.125,17 euros – para fornecimento de combustíveis rodoviários, pela Guarda Nacional Republicana, ao abrigo de acordo-quadro.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 26 contratos, dos quais 13 por concurso público, nove ao abrigo de acordo-quadro e quatro por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 18 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: dois da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (um com a Siemens, S.A., no valor de 999.346,83 euros, e outro com a Intergaup, no valor de 760.885,00 euros); Autoridade Tributária e Aduaneira (com a Samsic – Facility Services, no valor de 928.016,85 euros); Município de Lisboa (com a Vítor Lança – Construções, no valor de 674.170,87 euros); dois do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (um com a Derichebourg Facility Services, no valor de 458.324,51 euros, e outro com CSL Behring, no valor de 196.900,00 euros); Município de Oeiras (com a Associação Informática da Região Centro, no valor de 423.345,00 euros); C. E. C. D. Mira Sintra – Centro de Educação para o Cidadão Deficiente (com a Mercedes-Benz Retail, no valor de 274.320,00 euros); dois do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (um com a ITAU – Instituto Técnico de Alimentação Humana, no valor de 255.965,29 euros, e outro com a Sanofi, no valor de 251.878,50 euros); Município de Vila Franca de Xira (com a Medidata.Net – Sistemas de Informação para Autarquias, no valor de 235.356,14 euros); Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (com a Novo Nordisk, no valor de 216.702,60 euros); Município de Viana do Alentejo (com a Inovbuild, Construção, no valor de 185.399,84 euros); Universidade de Coimbra (com a The Mathworks, SL, no valor de 158.113,64 euros); Universidade do Porto (com a Headhunter Systems Limited, no valor de  124.128,04 euros); Polícia Judiciária (com a Life Technologies Europe B.V., no valor de 117.906,40 euros); Município de Gondomar (com a Construções Pardais – Irmãos Monteiros, no valor de 106.368,00 euros); e o Instituto Politécnico do Porto (com a Paralab – Equipamentos Industriais e de Laboratório, no valor de 100.650,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 22 a 25 de Dezembro

    1Fornecimento de combustíveis rodoviários em Portugal Continental  

    Adjudicante: Guarda Nacional Republicana

    Adjudicatário: Petróleos de Portugal – Petrogal

    Preço contratual: 10.068.125,17 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    2Fornecimento de electricidade em regime de mercado livre para Portugal Continental

    Adjudicante: Guarda Nacional Republicana

    Adjudicatário: Endesa Energia

    Preço contratual: 5.539.305,74 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    3Empreitada para construção da Escola de Pós-Graduação no Campus Politécnico de Portalegre, no âmbito do PRR

    Adjudicante: Instituto Politécnico de Portalegre

    Adjudicatário: Nova Gente – Empreitadas

    Preço contratual: 3.534.931,64 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Aquisição de energia eléctrica 100% proveniente de fontes de energia renovável

    Adjudicante: CMPEAE – Empresa de Águas e Energia do Município do Porto

    Adjudicatário: Endesa Energia

    Preço contratual: 2.556.826,02 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    5Empreitada para recuperação do edifício da antiga Escola EB1/JI da Portela

    Adjudicante: Associação de Apoio à Juventude Deficiente

    Adjudicatário: Cálculos & Títulos – Construções

    Preço contratual: 2.410.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 22 a 25 de Dezembro

    1 Empreitada de concepção de construção de alteração de instalações especiais      

    Adjudicante: Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros

    Adjudicatário: Siemens S.A. 

    Preço contratual: 999.346,83 euros


    2Aquisição de serviços de limpeza para o 4º trimestre do ano de 2023

    Adjudicante: Autoridade Tributária e Aduaneira

    Adjudicatário: Samsic Portugal – Facility Services

    Preço contratual: 928.016,85 euros


    3Aquisição de serviços de elaboração do projecto de arquitectura e coordenação de especialidades

    Adjudicante: Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros

    Adjudicatário: Intergaup – Gabinete de Arquitectura, Urbanização e Planeamento          

    Preço contratual: 760.885,00 euros


    4Intervenção urgente para a criação de medidas de segurança nos edifícios norte e poente do Complexo da Boa Vista, na freguesia da Misericórdia

    Adjudicante: Município de Lisboa

    Adjudicatário: Vitor Lança – Construções

    Preço contratual: 674.170,87 euros


    5Prestação de serviços de higiene e limpeza para o mês de Dezembro de 2023

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte

    Adjudicatário: Derichebourg Facility Services

    Preço contratual: 458.324,51 euros


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  • À conta do BES, Banco de Portugal mete sucessivas ‘prendas no sapatinho’ da Vieira de Almeida

    À conta do BES, Banco de Portugal mete sucessivas ‘prendas no sapatinho’ da Vieira de Almeida


    Na semana passada saiu mais uma ‘prenda’ para a sociedade de advogados Vieira de Almeida: um ajuste directo, entregue de mão-beijada pelo Banco de Portugal, para ainda tratar da resolução do BES. Sobretudo a partir de 2018, a conta desta sociedade de advogados tem aumentado, com mais seis contratos a ultrapassarem os 22 milhões de euros, sempre sem concorrência, porque o regulador liderado por Mário Centeno alega que não há mais ninguém capaz de fazer o mesmo (ou melhor). Mas os contratos e as peças procedimentais nem sequer explicitam em concreto o objecto dos sucessivos ajustes directos. O Banco de Portugal disse ao PÁGINA UM que a manutenção da Vieira de Almeida se justifica por “interesse público”e que a aplicação das regras deontológicas e eventuais conflitos de interesses, “atento o tipo de litigância em causa, reduz em termos muitíssimo substanciais o universo de possíveis adjudicatários.” Mas não apresenta provas de que esses critérios levem à completa ausência de concorrência, o que pode implicar a ilegitimidade na invocação da norma para afastar concorrentes.


    Não há 12 sem 13. A sociedade de advogados Vieira de Almeida garantiu na semana passada o 13º ajuste directo do Banco de Portugal desde 2011, desta vez no valor de 4,6 milhões de euros, IVA incluído, mas as receitas tem estado a aumentar de forma espantosa desde há cinco anos.

    De acordo com o Portal Base, os contratos de mão-beijada entre a instituição liderada por Mário Centeno e esta conhecida sociedade de advogados tem ganhado contornos de grande intimidade desde 2018, não tanto pelo número de contratos mas pelos elevados montantes envolvidos sem que haja qualquer concorrência. Com efeito, se o número de contratos entre 2011 e 2017 até são superiores ao do período a partir de 2018 (sete vs. seis), as verbas envolvidas passaram a atingir verbas astronómicas para simples aquisição de serviços que, em abono da verdade, constitui trabalho intelectual sob a forma de trabalho jurídico.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.

    Somando os sete contratos entre 2011 e 2017 (sete anos), a Vieira de Almeida facturou ao Banco de Portugal um total de 7,38 milhões de euros (IVA incluído), enquanto os contratos a partir de 2018 (seis anos) já ascendem aos 22,33 milhões de euros (IVA incluído). De entre os contratos a partir de 2018 destacam-se cinco contratos de valor (sem IVA) igual ou superior a 2,5 milhões de euros: o primeiro assinado em Junho de 2018 (4,85 milhões de euros), o segundo em Fevereiro de 2020 (quase 4,37 milhões de euros), o terceiro em Novembro do mesmo ano (2,5 milhões de euros), o quarto e o quinto em Outubro e Dezembro de 2023, respectivamente de 1,8 milhões e 3,75 milhões de euros.

    A divisão dos contratos de mão-beijada entregues pelo Banco de Portugal antes e depois de 2017 não se deve apenas à diferença de montantes. Também o alegado fundamento para o ajuste directo se alterou. Antes de 2017, o Banco de Portugal justificou a não abertura de concurso público e a adjudicação directa à Vieira de Almeida invocando uma excepção no Código dos Contratos Públicos em que, com jeitinho, cabe tudo.

    Com efeito, no artigo invocado refere-se que se pode escolher o ajuste directo se “a natureza das respectivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual ou a serviços financeiros indicados na categoria 6 do anexo II-A da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam qualitativamente definidos atributos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º, e desde que a definição quantitativa, no âmbito de um procedimento de concurso, de outros atributos das propostas seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objectivos da aquisição pretendida”.

    Sociedade Vieira de Almeida tem ‘coleccionado’ ajustes directos com o Banco de Portugal sem o incómodo da concorrência.

    Portanto, quando não se quer lançar um concurso público em aquisição de serviços, esta norma mais do que vaga serve a contento. Mas com o aumento dos montantes, com contratos acima de 2,5 milhões ou até acima de 4 milhões de euros, o Banco de Portugal terá achado ser abusivo manter a mesma desculpa. E arranjou outra, que tem o condão de ser ainda pior, porque, enquanto entrega de mão-beijada milhões à Vieira de Almeida, passa um autêntico atestado de incompetência à generalidade das outras sociedades de advogados, e a todos os advogados em geral.

    De facto, em todos os seis últimos contratos entre estas duas entidades invoca-se a norma que possibilita uma excepção ao concurso público (ou a outros procedimentos em que há concorrência) se “o objeto do contrato só possam ser confiadas a determinada entidade” no caso concreto em que “não exista concorrência por motivos técnicos”. Ou seja, o ajuste directo justificar-se-á por mais nenhuma sociedade de advogados nem outro qualquer advogado em Portugal (ou no estrangeiro) se mostram capazes de fazer o trabalho da Vieira de Almeida para o Banco Portugal.

    Não se consegue saber como o Banco de Portugal conseguiu saber isso, porque jamais houve sequer um concurso público anterior ou sequer uma consulta prévia, nem tão-pouco se conhecem declarações públicas de outras sociedades de advogados a proclamarem ser incapazes de fazer aquilo que a Vieira de Almeida faz sobre os assuntos jurídicos a prestar.

    Ricardo Salgado e o antigo BES continuam a custar dinheiro aos contribuintes portugueses. Resolução do banco tem sido um maná para a Vieira de Almeida.

    Até porque, na verdade, através dos contratos, e algumas peças procedimentais, constantes no Portal Base nem sequer se descortina quais são os serviços jurídicos em concreto que a Vieira de Almeida prestou ou vai prestar ao Banco de Portugal. Por exemplo, no mais recente ajuste directo, o contrato assinado no passado dia 18, diz apenas que, no objecto do contrato, com um prazo de três anos, que “o segundo outorgante [Vieira de Almeida] obriga-se perante o primeiro outorgante [Banco de Portugal],a prestar serviços de assessoria jurídica e de patrocínio judiciário, nos termos e condições definidos nos cadernos de encargos e na proposta adjudicada, que constituem, respectivamente, os anexos I e II do presente contrato, e que dele fazem parte integrante”.

    Mas nas peças do procedimento no Portal Base não consta nada da proposta adjudicada, enquanto o caderno de encargos é completamente omisso em detalhes sobre os serviços a desempenhar nem sequer estipula preços por hora. Mais opaco seria difícil.

    O contrato assinado em Outubro passado também sofre de similar falta de transparência, mas com a agravante de ter uma cláusula de retroactividade. Ou seja, a Vieira de Almeida começou a trabalhar primeiro antes de facturar. Tudo facilitismos com dinheiros públicos. Aliás, este contrato de Outubro de 2023 – que terá terminado em Novembro – previa a possibilidade de renovações até dois anos. Mas o Banco de Portugal terá optado por fazer outro contrato por mais três anos.

    Banco de Portugal invoca falta de concorrência e invoca “interesse público” para ajustes directos com a Vieira de Almeida. Nunca explicou como surgiu a ideia de escolher esta sociedade de advogados no primeiro contrato nem prova que efectivamente há ausência de concorrência, porque todos os contratos foram celebrados por ajuste directo.

    Contactado pelo PÁGINA UM, o Banco de Portugal diz que “os elementos publicitados no Portal Base correspondem ao que é legalmente exigido e, bem assim, ao que decorre das regras e dos termos de funcionamento desse Portal”. Convém referir que tal não corresponde à verdade, patente no próprio articulado do contrato onde se salienta que, por exemplo, a proposta de adjudicação faz parte integrante do contrato. Ao optar deliberadamente por omitir a proposta de adjudicação – único elemento que detalhará os serviços a prestar –, o Banco de Portugal estará a colocar um contrato “mutilado” no Portal Base.

    Apesar disso, o departamento da instituição liderada por Mário Centeno diz que “observa escrupulosamente, no âmbito dos procedimentos aquisitivos impostos pela prossecução das suas atribuições, o disposto nas normas legais aplicáveis e, em particular, no Código dos Contratos Públicos”, incluindo-se a “contratação de serviços jurídicos, em várias vertentes (especialmente, no que concerne ao apoio à representação do Banco de Portugal em juízo, em Portugal e noutras jurisdições).

    A mesma fonte do Banco de Portugal acrescenta ainda que na escolha do tipo de procedimento, se “tem em consideração o disposto no CCP [Código dos Contratos Públicos] e a jurisprudência nacional e europeia nomeadamente no que respeita aos princípios e requisitos de legalidade aplicáveis”, defendendo que “o ajuste direto é um tipo de procedimento aquisitivo que encontra previsão normativa no nosso ordenamento jurídico, quer por via do critério do valor, permitindo celebrar contratos até ao limite previsto (…), quer por via de critérios materiais, como sucede no caso vertente, permitindo celebrar contratos de qualquer valor quando se verificam circunstâncias materialmente relevantes que justificam o afastamento da concorrência”.

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    Só a partir do ponto 3 dos seus esclarecimentos enviados ao PÁGINA UM, o Banco de Portugal acaba por revelar que tipo de serviços a Vieira de Almeida tem estado a desenvolver para obter tantos ajustes directos nos últimos anos, apesar de nada constar nos elementos disponibilizados no Portal Base,

    “Trata-se, fundamentalmente, de assegurar a continuação da prestação de serviços de representação do Banco de Portugal em juízo”, diz o departamento de comunicação do regulador bancário e financeiro, salientando que “estão em causa processos judiciais associados à resolução de uma instituição bancária [que mais adiante identifica como sendo o BES], com a inerente excecionalidade e imprevisibilidade, e que, como é sabido, se prolongam por um extenso período de tempo”, e que “a prossecução do interesse público postula, nestes casos, a manutenção dos serviços de representação em juízo por quem tem o domínio dos concretos processos e tem assegurado a sua condução até ao momento”.

    Saliente-se, contudo, que nada existe em concreto na lei, e muito menos no Código dos Contratos Públicos, que postule esta alegação do Banco de Portugal, excepto se estiver em causa a continuação de serviços ou empreitadas que tenham sido alvo de anterior concurso público. Ora, o Banco de Portugal nunca fez um concurso público para a escolha de sociedade de advogados que o assessoraria na resolução do BES. Além disso, o Banco de Portugal – repita-se – alega sistematicamente a ausência de concorrentes por motivos técnicos, e não por um não provado “interesse público”.

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    Com ‘jeitinho’, o princípio da concorrência prevista no Código dos Contratos Públicos pode sempre transformar-se em sistemáticos ajustes directos, escolhendo adjudicatários a dedo, e abrindo a porta a eventuais actos de má gestão de dinheiros públicos e até à corrupção. Basta que o Tribunal de Contas tape os olhos a invocações sem fundamento ou a alegações infundadas.

    Mas sobre a questão de ausência de concorrência para justificar a contínua contratação da Vieira de Almeida, o Banco de Portugal dá também uma justificação sui generis, sabendo-se que existem centenas e centenas de sociedades de advogados em Portugal. “Ao mesmo tempo, a prossecução do interesse público e as próprias regras deontológicas de exercício de advocacia exigem que se assegure a inexistência de conflitos de interesses, o que, atento o tipo de litigância em causa, reduz em termos muitíssimo substanciais o universo de possíveis adjudicatários”.

    De facto, a ser isto verdade, a redução “em termos muitíssimo substanciais [d]o universo de possíveis adjudicatários” a apenas um [a sociedade Vieira de Almeida] só poderia ser confirmada, salvo melhor opinião, através de concurso público, algo que o Banco de Portugal nunca quis fazer.

    O Banco de Portugal diz também que, mesmo se a fundamentação feita através de critérios materiais aparenta ser falaciosa (e eventualmente ilegal), não se aplica os limites impostos para sucessivos contratos à mesma entidade.


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  • OFICIAL: Cristiano Ronaldo, com 30%, destaca-se como novo ‘patrão’ da CMTV e Correio da Manhã

    OFICIAL: Cristiano Ronaldo, com 30%, destaca-se como novo ‘patrão’ da CMTV e Correio da Manhã


    Do ódio à paixão. Ou, então, à dominação. Cristiano Ronaldo é efectivamente o ‘homem forte’ da CMTV e do Correio da Manhã, órgãos de comunicação social com quem, durante anos, teve uma relação mais do que conflituosa, com processos judiciais e mesmo lançamento de microfones à água. O registo formal dos novos accionistas no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), mostra que o mais celebrado futebolista português detêm direitos de voto de 30% na Medialivre. O accionista individual que mais se aproxima de CR7 é um dos fundadores da Cofina, Domingos Vieira de Matos, com 16%. Todos os outros, incluindo Paulo Fernandes, detém 10% ou menos. Por agora, CR7 não revela interesses em influir na gestão da nova empresa que sucede à Cofina Media, pois apenas meteu na administração, sem poderes executivos, o seu amigo Miguel Paixão dos Santos.


    Processou, amesquinhou e lançou mesmo microfones de um incómodo jornalista num passeio da selecção nacional para um lago de Lyon em 2016. Em troca, a CMTV e o Correio da Manhã foram brindando Cristiano Ronaldo, na televisão e páginas do jornal de maior audiência nacional, com a revelação de ‘escândalos’ ou fait divers voyeuristas da sua vida privada. O mais recente ‘confronto’ ocorreu já dois anos quando o Correio da Manhã revelou que a cobertura do luxuoso apartamento de CR7 junto ao Parque Eduardo VII estava ilegal, obrigando o futebolista a demolir a ‘marquise’.

    Mas, negócios são negócios, e tudo mudou com a operação de venda da Cofina Media aos seus próprios gestores e accionistas, entre os quais estavam Paulo Fernandes, o homem-forte da Altri. Desde o verão sabia-se que Cristiano Ronaldo seria um dos accionistas da ‘nova’ Cofina Media, que passou a partir deste mês a denominar-se Medialivre. Mas até agora não havia qualquer confirmação oficial da participação do futebolista nem a de outros accionistas, sobretudo quadros da Cofina Media e mesmo de actuais e antigos responsáveis da CMTV e Correio da Manhã, como Carlos Rodrigues e Octávio Ribeiro.

    Cristiano Ronaldo entrou nos media através da compra de 30% dos novos donos de dois dos órgãos de comunicação social que mais o irritaram ao longo dos anos. Interesse económico ou petit vengeance?

    Mas, a partir de agora, já se sabe porque o PÁGINA UM já confirmou essa informação no registo que conta: o Portal da Transparência dos Media gerida pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). E Cristiano Ronaldo é, de longe, o accionista de referência da Medialivre, muito à frente de qualquer outra pessoa.

    A Medialivre é, de acordo com a informação transmitida para o regulador, uma sociedade anónima praticamente detida pela holding Expressão Livre II, com 99,79% das acções, sendo a restante percentagem (0,21%) acções próprias sem direito a voto. Foi através dessa holding, como veículo financeiro, que se concretizou a compra da Cofina Media pelo grupo de gestores da própria empresa – um processo financeiro denominado Management Buy Out (MBO). E também foi no seio dessa holding que se decidiu a parte que caberia a cada um dos accionistas individuais.

    Sabia-se já, desde o Verão passado, que estavam neste MBO, a equipa de gestão da Cofina Media, quadros da empresa e um conjunto de investidores, entre os quais Luís Santana, Ana Dias, Octávio Ribeiro, Isabel Rodrigues, Carlos Rodrigues, Luís Ferreira, Carlos Cruz, Domingos Vieira de Matos, Paulo Fernandes e João Borges de Oliveira. E sabia-se que Cristiano Ronaldo, como investidor externo, tinha sido convidado e acedera a ser também um investidor.

    27 de Maio de 2021: Correio da Manhã revelou a ‘marquise’ ilegal de Cristiano no seu luxuoso apartamento em Lisboa, e não ‘descansou’ até ver a demolição.

    Mas até agora, e incluindo o momento em que foi anunciado na semana passada a nova denominação da empresa – a Medialivre, para se desligar definitivamente da marca Cofina –, não tinha sido divulgada a participação concreta das diversas empresas com interesses na holding Expressão Livre II: a Actium Capital, a Caderno Azul, a Livre Fluxo, a Sorolla e ainda a CR7, uma das sociedades anónimas de Cristiano Ronaldo.

    Ora, de acordo com uma pesquisa do PÁGINA UM aos registos da Plataforma da Transparência dos Media, uma das empresas de Cristiano Ronaldo, a CR7 S.A., detém efectivamente 30% da participação e dos direitos de voto na Expressão Livre II. Se o investimento do futebolista na compra tiver sido proporcional à posição que detém, para já teve de desembolsar 17,4 milhões de euros, ou seja, 30% dos 56,8 milhões de euros que envolveram a concretização do MBO.

    Essa participação, de entre as seis com acções naquela holding, nem é a maior, porque a Sorolla SGPS tem 32%. Porém, Cristiano Ronaldo é, na prática, a pessoa com maior poder no novo grupo de media, uma vez que a CR7 é detida quase integralmente por ele (do capital social de 500.000 euros, há outros quatro sócios, incluindo a sua filha Alana, com quotas de 1 euro), ao contrário da Sorolla.

    “O que é isso CMTV?” Em 2014, Cristiano Ronaldo recusava-se sequer a responder a perguntas. Agora, é o accionista de referência, e terá investido pelo menos mais de 17 milhões de euros para ficar com 30% direitos de voto da Medialivre.

    De facto, analisando os accionistas da Sorolla – que integram gestores da antiga Cofina Media e ainda o actual director da CMTV e Correio da Manhã, Carlos Rodrigues, e o antigo, Octávio Ribeiro –, observa-se uma grande dispersão individual, uma vez que conta com sete accionistas. Luís Santana, o gestor que liderou o processo do MBO e assumiu agora a função de CEO tem uma posição de 29% na Sorolla, o que significa assim que detém, indirectamente, um peso de apenas 9,3% na Medialivre.

    Outros dois accionistas da Sorolla têm participações de 18% (Ana Isabel Fonseca e Octávio Ribeiro) – implicando assim um peso de 5,8% na Medialivre para cada um – e mais três contam com 11% (o director do Correio da Manhã e CMTV, Carlos Rodrigues, Isabel Rodrigues e Luís dos Reis Ferreira), o que significa um peso de 3,5% para cada um. Por fim, o advogado Carlos Barbosa da Cruz – que dinamizou todos os procedimentos legais da operação de compra da Cofina Media através de MBO – tem agora 2% da Sorolla, o que significa um peso de apenas 0,6% da Medialivre.

    A pessoa que acaba por se aproximar mais da posição de Cristiano Ronaldo na Medialivre é o Domingos Vieira de Matos, um dos fundadores da Cofina, com interesses também na Greenvolt e na Ramada Investimentos e Indústria. Através da Livrefluxo, uma empresa de consultadoria do Porto criada em 2008 e da qual possui 90,09% das acções, Vieira de Matos tem uma participação de 18% na holding que agora detém a antiga Cofina Media. Significa assim que o seu peso indirecto nos destinos dos órgãos de comunicação social da Medialivre é de cerca de 16,2%.

    2016: Cristiano Ronaldo lançou, por desprezo, um microfone da CMTV num lago em Lyon. 2023: Cristiano Ronaldo é o accionista de referência da dona da CMTV.

    Os restantes dois accionistas da Expressão Livre II têm apenas 10%. Um deles é Paulo Fernandes, o CEO da Altri, através da Actium Capital, integralmente sua. Ou seja, tem um peso de 10% na Medialivre. O outro é a empresa Caderno Azul, na área da consultadoria de gestão, que é detida em 50,1% por João Borges de Oliveira, outro administrador de longa data da Cofina. Ou seja, tem 5% da Medialivre.

    Por agora, CR7 não mostra sinais de querer influenciar na gestão da Medialivre. A comissão executiva da empresa, eleita em Novembro passado, é integralmente formada, nesta fase, por accionistas da Sorolla (Luís Santana, Isabel Fonseca, Octávio Ribeiro e Isabel Rodrigues), ou seja, por pessoas com ligações fortes à antiga Cofina Media; portanto, de continuidade.

    No conselho de administração da dona da CMTV e Correio da Manhã, e de forma evidente, o ‘dedo’ de Cristiano Ronaldo apenas está presente através do seu amigo de longa data Miguel Paixão dos Santos, que é um dos oito administradores.

    O investimento de Cristiano Ronaldo para entrar na Medialivre (30% de 56,8 milhões de euros) terá sido inferior a um mês do seu salário na Arábia Saudita

    Mas essa postura discreta, sobretudo pelo peso dos 30% – que tem sempre relevância em operações de investimento –, pode mudar-se em qualquer momento. Recorde-se, por exemplo, que a família Balsemão, através da Balseger, apenas controla directa e indirectamente cerca de 36% da Impresa (dona do Expresso) e da SIC, mas põe e dispõe, há mais de duas décadas daqueles órgãos de comunicação social, incluindo a indicação dos membros do conselho de administração.

    Uma coisa é certa: será interessante acompanhar a partir de agora a cobertura noticiosa pela CMTV e Correio da Manhã da vida e façanhas de Cristiano Ronaldo, o seu novo ‘patrão’.

  • Zé Pedro: Junta de Freguesia dos Olivais está a montar local de ‘culto’ aos Xutos & Pontapés

    Zé Pedro: Junta de Freguesia dos Olivais está a montar local de ‘culto’ aos Xutos & Pontapés


    O guitarrista e fundador dos Xutos & Pontapés, falecido em 2017, vai ter um lugar de ‘culto’ na freguesia onde cresceu, em Lisboa. A Junta de Freguesia dos Olivais já encomendou a escultura a ser instalada no jardim que em Novembro do ano passado recebeu o nome de Zé Pedro. O espaço ainda beneficiará de mais melhoramentos e o objectivo da autarquia é transformar aquela zona verde num local de visita e peregrinação de fãs do músico e da banda que foi fundada há 45 anos nesta freguesia lisboeta. Pedro Barbosa foi o artista escolhido para criar a escultura em homenagem a Zé Pedro. A cerimónia de homenagem à ‘estrela de rock’ está agendada para o próximo dia 6 de Maio, coincidindo com o 627º aniversário daquela freguesia.


    Na freguesia dos Olivais, na zona oriental de Lisboa, vai nascer um local de ‘culto’ aos Xutos & Pontapés e sobretudo de homenagem a Zé Pedro, seu guitarrista e fundador, falecido em 30 de Novembro de 2017, aos 61 anos. Depois da autarquia de Lisboa ter decidido baptizar com o nome do músico o jardim na envolvente da Rua General Silva Freire, estão previstos melhoramentos paisagísticos e ainda uma escultura de Zé Pedro, baptizado José Pedro Amaro dos Santos Reis.

    A Junta de Freguesia dos Olivais já encomendou a obra ao escultor Pedro Barbosa, que reside no Porto, através de um contrato por ajuste directo no valor de 45.000 euros, celebrado no dia 15 de Dezembro, e divulgado no Portal Base de sexta-feira passada. A escolha deste procedimento, previsto do Código dos Contratos Públicos, foi no sentido de obter a colaboração e aprovação da família de Zé Pedro, nascido no Hospital Militar da Estrela, tendo depois vivido em Timor, até regressar à capital aos seis anos, para os Olivais, onde fundaria a icónica banda de rock portuguesa.

    Zé Pedro, fundador e guitarrista da banda Xutos & Pontapés

    A actriz e cantora Wanda Stuart – que é membro do executivo da Junta dos Olivais, com o pelouro das políticas culturais –, disse ao PÁGINA UM que o objectivo é tornar “aquele jardim um local de ‘culto’ para que os fãs prestem homenagem ao Zé Pedro”. O jardim está, na verdade, bem localizado, por ficar nas imediações da estação de metropolitano da Encarnação. O actual jardim, aliás, passará a ocupar uma área maior “abrangendo todo o quarteirão, e vai ter alguns elementos”, incluindo a estátua a homenagear o músico, salientou Wanda Stuart.

    O descerrar da placa toponímica e inauguração do jardim, incluindo a apresentação da escultura, ocorrerá em 6 de Maio, data em que a freguesia celebra o seu 627º aniversário. O evento deverá contar com a presença dos elementos da banda Xutos & Pontapés, e incluirá um concerto por artista a anunciar.

    Wanda Stuart, que diz ter crescido “no prédio em frente ao do Zé Pedro”, acompanhou o crescimento do músico e a fundação dos Xutos & Pontapés. A meio do seu mandato naquela Junta de Freguesia, expressou que a vontade de homenagear o músico já existia quando surgiu a petição em 2018 para dar o seu nome ao jardim, que contou com um pouco menos de 1.800 assinaturas, mas ganhou força no último ano. A Câmara Municipal de Lisboa acabaria por aprovar a atribuição do nome de Zé Pedro, após a ‘luz verde’ da Assembleia Municipal de Lisboa em Maio do ano passado.

    “Quando soubemos da petição, pensámos em juntarmo-nos à homenagem”, recorda Wanda Stuart, manifestando o desejo de o jardim, que se localiza nas imediações da própria sede da Junta de Freguesia dos Olivais, “se torne num local de culto”. O previsto arranjo do jardim, constituída por uma ‘mancha verde’ que rodeia alguns prédios, abrangerá o quarteirão, permitindo “embelezar aquela área”.

    Wanda Stuart está confiante de esta homenagem ser bem-recebida: “O Zé Pedro é uma pessoa unânime. Toda a gente lhe tem carinho”. A escolha do escultor, feita com a família do músico, teve em conta a “linguagem” artística expressada por Pedro Barbosa nas suas obras, tendo estado na mesa outros artistas.

    Não se conhece, contudo, se a escultura representará Zé Pedro em corpo inteiro e se incluirá a sua omnipresente guitarra, embora as esculturas deste artista sejam, geralmente, realistas. “É um escultor muito talentoso, e tenho a certeza vai também fazer justiça ao talento e carisma do Zé Pedro”, acrescenta Wanda Stuart. O escultor Pedro Barbosa nasceu em 1978 em Tomar, sendo licenciado em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

  • Covid-19: Reforços vacinais são irrelevantes, conclui estudo austríaco

    Covid-19: Reforços vacinais são irrelevantes, conclui estudo austríaco


    A estratégia de vacinar constantemente a generalidade da população contra a covid-19, através de sucessivos reforços, foi posta em causa por um estudo científico que tem como co-autor o mais prestigiado epidemiologista mundial, o norte-americano John Ioannidis. Baseado num estudo observacional realizado na Áustria, os investigadores concluíram que a eficácia da quarta dose de vacina para impedir a morte por covid-19 não é significativa, além de conferir uma imunidade muito transitória e em rápida quebra. Além disso, o estudo salienta que “a imunidade natural pode ser um determinante principal da proteção imunológica numa população”, pelo que, atendendo ao risco-benefício, as vacinações adicionais deixam de ser uma opção aceitável na fase endémica da covid-19.


    Um estudo científico desenvolvido na Áustria e com participação do norte-americano John Ioannidis, o mais prestigiado e citado epidemiologista mundial, questiona a estratégia de se vacinar sucessivamente a população, em geral, com novos reforços de vacina contra a covid-19.  

    Publicado no European Journal of Clinical Investigation, e contando com a participação de 10 investigadores, sobretudo de universidades da Áustria (Viena, Graz e Insbruck), o estudo analisou epidemiologicamente a população daquele país europeu em função do estatuto vacinal e da ocorrência de infecção prévia por SARS-CoV-2, e concluíram que a eficácia de uma quarta dose para prevenir a morte por covid-19 era fraca. Além disso, constataram que a eficácia relativa de uma quarta dose para impedir infecções era transitória e revertia no médio prazo.

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    Os investigadores também observaram que “infeções repetidas anteriores e infecções mais recentes por SARS-CoV-2 foram ambas associadas a reinfeções significativamente reduzidas”. Daí os investigadores aproveitaram para questionarem “se as recomendações para reforços vacinais repetidos contra o SARS-CoV-2 são atualmente justificadas para grandes partes da população em geral com uma história de infeções anteriores”.

    No entanto, de uma forma prudente, salientam que “isso não contradiz o benefício para a saúde das vacinações iniciais de populações desprotegidas na fase inicial da pandemia de covid-19 e das vacinações de populações de muito alto risco a qualquer momento”.

    Em concreto, os investigadores procuraram neste estudo – financiado pelo Austrian Science Fund – estimar “o risco de mortes por covid-19 e infeções por SARS-CoV-2, de acordo com o status de vacinação em indivíduos previamente infetados na Áustria”, com base em dados recolhidos em Novembro e Dezembro de 2022, comparando principalmente indivíduos com quatro doses de vacina versus três doses. Os investigadores fizeram também uma análise prolongada entre Janeiro e Junho do ano passado.

    Assim, comparando com três doses de vacina, os investigadores concluíram que “aqueles com menos ou nenhuma vacinação não diferiram em relação à mortalidade por covid-19, mas tiveram risco reduzido de infeções por SARS-CoV-2”.

    John Ioannidis, conceituado epidemiologista e professor de Medicina na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

    E salientam que “os grupos menos vacinados também produziram um risco de infeção por SARS-CoV-2 significativamente menor em comparação com o grupo de quatro doses da vacina em 2023, uma descoberta que se encaixa bem com um estudo de acompanhamento de relativamente longo prazo do Catar”.

    Os autores do estudo lembram ainda que os dados do mesmo estudo no Qatar “sugerem que a imunidade natural confere uma proteção muito forte contra covid-19 grave sem evidência de redução de imunidade, uma conclusão que é suportada por uma revisão sistemática e meta-análises”.

    Assim, os dados observados neste estudo na Áustria levaram à conclusão de que “na população geral da Áustria com história de infeção por SARS-CoV-2 não observámos uma eficácia relativa da vacina (ERV) significativa para uma quarta dose da vacina para mortes por covid-19 durante um período com risco absoluto já muito baixo para este desfecho”.

    Quanto a infecções, os investigadores documentaram “uma ERV transitória para infeções por SARS-CoV-2, mas este efeito foi revertido durante o acompanhamento prolongado (dos sujeitos) em 2023”.

    Assim, “até 30 de junho de 2023, um total de 536.376 indivíduos tinham recebido a quarta dose da vacina, com relativamente poucas quartas vacinas adicionais em 2023”, e observou-se que “a ERV da quarta vacinação versus todos os grupos menos vacinados diminuiu gradualmente de novembro de 2022 a junho de 2023”.

    Segundo os investigadores, as suas “descobertas encaixam-se bem na hipótese de diminuição de eficácia e, assim, na mudança das relações risco-benefício de vacinações adicionais durante a transição da pandemia de covid-19 para sua fase endémica.”

    Salientam que “tendo em vista a forte proteção imunológica em toda a população devido a infeções e vacinações anteriores, é tentador especular que as infeções por SARS-CoV-2 já podem assemelhar-se, em 2023, a outros coronavírus humanos”. 

    Explicam ainda que “as infeções e/ou vacinas por SARS-CoV-2 contribuíram para a transição desta pandemia de covid-19 para a endemicidade com taxas de letalidade muito baixas, conforme documentado na nossa investigação”. Frisam que “a magnitude das alterações no risco de infeção em função do tempo decorrido após a última infeção anterior sugere que a imunidade natural pode ser um determinante principal da proteção imunológica numa população”.

    Deste modo, os autores do estudo destacam que “a contribuição relativa para esta proteção contra a mortalidade por covid-19 por imunidade natural e/ou induzida por vacina, pelas características da variante Omicron, pelos avanços no tratamento de covid-19 ou por outros fatores, continua a ser especulativo”.

    white thermometer at 36 degrees celsius

    Os investigadores terminam salientando que os seus dados “exigem confirmação em outras populações nacionais e são importantes para decidir futuras políticas de saúde pública e vacinas contra a covid-19”. Mas sublinham que os seus dados “também ressaltam o papel crítico da vigilância nacional ativa da saúde durante uma pandemia”.

    Em Portugal, as vacinas contra a covid-19 são grátis (suportadas pelo Estado) e recomendadas para os grupos mais vulneráveis, incluindo os maiores de 65 anos e os portadores de doenças de risco, entre os seis meses e os 59 anos de idade, e ainda para os profissionais que tenham contacto com pacientes e as grávidas.

  • Global Media e Páginas Civilizadas aproveitam ser accionistas da Lusa para lhe dar calote

    Global Media e Páginas Civilizadas aproveitam ser accionistas da Lusa para lhe dar calote


    Os órgãos de comunicação social da esfera da Global Media – onde se destacam os periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e a rádio TSF – não pagam há anos os serviços disponibilizados pela Lusa, que inclui o acesso à publicação de notícias e o acesso à base de dados fotográfica. O abuso destes accionistas minoritários (que detêm em conjunto 45,71%) só agora foi revelado num comunicado do Ministério da Cultura, onde se salienta que a conclusão da compra das participações daqueles accionistas privados estaria condicionada ao pagamento da dívida cujos valores não são revelados. Entretanto, o World Opportunity Fund já domina formalmente a cúpula da Global Media, após a nomeação na semana passada de dois gerentes da Páginas Civilizadas, um dos quais é João Paulo Fafe, antigo director do Tal & Qual. Curiosamente, a actual sede da Páginas Civilizadas é a mesma da redacção do Tal & Qual, no Taguspark.


    Mais do que a notícia de que o Governo não vai adquirir as participações na Agência Lusa detidas pela Páginas Civilizadas e pela sua subsidiária Global Media, a grande novidade trazida por um comunicado da imprensa do Ministério da Cultura, divulgado esta quinta-feira, é a revelação de que aqueles accionistas privados não pagam os serviços da agência noticiosa maioritariamente detida pelo Estado. Saliente-se que a Global Media é a detentora dos periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e da rádio TSF, tendo também participações em outros órgãos de comunicação social, incluindo o Diário de Notícias da Madeira.

    Em comunicado, o Ministério da Cultura apontou para a falta de consenso com o PSD como causa para abortar o negócios, mas salienta também que “o eventual sucesso da operação dependeria sempre da liquidação simultânea da dívida que as empresas do Grupo Global Media acumularam, ao longo dos anos, perante a Lusa, em decorrência dos serviços que lhes foram prestados pela Agência”. O comunicado do Ministério tutelado por Pedro Adão e Silva não indica os valores dos calotes, mas o PÁGINA UM revelou em Agosto passado que as dívidas da Global Notícias ao Estado e a outros entes públicos ascendia aos 10 milhões de euros, tendo aumentado sete milhões apenas em 2022.

    Confirmando ter havido “abertura” para “assumir uma posição mais significativa na estrutura accionista” da Lusa – o que a ocorrer significaria uma posição acima dos 95% do capital –, o Governo diz agora que “deixou sempre claro que se considerava obrigado a partilhar a sequência de decisões que pudesse vir a tomar com os partidos políticos com assento parlamentar, e designadamente com o maior partido da oposição”, o que veio a ser “feito desde o início, com total transparência, mesmo num contexto político que era ainda muito distinto do atual”.

    Nessa medida, o Ministério da Cultura, que tutela a Comunicação Social, salienta que “uma operação desta natureza implicava o cumprimento de um conjunto de outros requisitos, indispensáveis para salvaguardar tanto os interesses do Estado quanto os da Lusa”, onde se incluía “a liquidação da dívida que as empresas do grupo Global Media têm perante a Lusa”.

    O comunicado também refere que na quarta-feira da semana passada, dia 22, a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças apresentou mesmo “uma proposta formal de aquisição”, que incluía a liquidação integral da dívida do grupo Global Media à Lusa. Os valores não foram divulgados, alegando-se confidencialidade, o que levanta algumas dúvidas legais.

    Tudo à pala: órgãos de comunicação social da Global Media usufruíam dos serviços da agência noticiosa de capital maioritariamente do Estado e não pagavam, nem nunca os serviços lhes foram suspensos.

    Em todo o caso, adiante-se que a proposta do Estado nunca poderia ultrapassar, mesmo sem a dedução da dívida das duas empresas à Lusa, muito mais do que 2,5 milhões de euros, tendo em conta que a participação da Páginas Civilizadas na Lusa (22,35%) decorreu de uma aquisição à Impresa nos últimos dias de 2021 por 1,25 milhões de euros. A Global Media já era accionista da Lusa, com uma participação de 23,36%. Mas mesmo que o Governo aceitasse chegar ao dobro, os cinco milhões de euros seriam metade da dívida ao Estado por parte da Global Media.

    O comunicado do Ministério da Cultura diz ainda que era intenção do Governo levar a cabo no próximo ano uma nova revisão da indemnização compensatória – que este ano será de cerca de 14,3 milhões de euros – para “permitir isentar os órgãos de comunicação social do pagamento dos serviços prestados pela Agência Lusa”, sendo essa “uma forma concreta de apoiar a comunicação social no seu conjunto, com um instrumento não condicional, sem a complexidade de mecanismos de financiamento assentes em métricas sempre discutíveis, ou em escolhas discricionárias que devem estar totalmente afastadas da relação entre o Estado e os media.

    Para esta decisão, e para a falta de consenso, também não serão alheias as dúvidas sobre o futuro da Global Media, agora controlada por um fundo das Bahamas controlado por Clement Ducasse, um francês de 41 anos de que pouco se sabe.

    Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, revela no comunicado sobre o não-acordo da compra das participações da Lusa que era intenção do Governo tornar gratuitos os serviços da agência noticiosa para os diversos órgãos de comunicação social.

    No entanto, a sua presença já se evidencia de forma determinante na estrutura administrativa, uma vez que o World Opportunity Fund, o sócio maioritário da Páginas Civilizadas, já indicou na semana passada os dois gerentes (em três): Filipe Queirós Nascimento e José Paulo Fafe, que acumula já com o cargo de CEO da Global Media. Quanto a Marco Galinha, do Grupo Bel, está como gerente (sem poder de decisão) na Páginas Civilizadas e tem o simbólico estatuto de chairman da Global Media, mas também sem qualquer possibilidade de influenciar medidas mais fulcrais.

    No meio destas movimentações surgiu, entretanto, uma situação insólita detectada pelo PÁGINA UM: José Paulo Fafe, que refundou em 2021 o semanário Tal & Qual, abandonou a direcção daquele jornal em Maio passado e deixou mesmo de ser sócio da empresa que o detém (Parem as Máquinas, Lda.). Contudo, de acordo com os registos societários, a Páginas Civilizadas – que saiu da esfera do Grupo Bel com a posição maioritária assumida pelo fundo controlado por Clement Ducasse – está agora sedeada exactamente onde funciona a redacção do Tal & Qual e a empresa Parem as Máquinas, no escritório 481 no núcleo central do Taguspark.

  • Em Abrantes, de pequenino se torce o pepino: Escola mostra contratos de tostões mas que até podem, afinal, custar milhões

    Em Abrantes, de pequenino se torce o pepino: Escola mostra contratos de tostões mas que até podem, afinal, custar milhões


    A direcção do Agrupamento de Escolas nº2 de Abrantes tem um método muito ‘sui generis’ de abastecer os bufetes: faz ajustes directos onde apenas estipula o valor unitário, escolhe os fornecedores e depois é “bar aberto”. Não há limite para despesa e mesmo nos contratos já terminados, os valores gastos registados no Portal Base são completamente fictícios. Assim se ‘aprende’ na escola como se gerem dinheiros públicos…


    Nas escolas ensina-se mais do que as letras e os números; fornecem-se os rudimentos de cidadania, presume-se, incluindo que se vive numa sociedade onde as entidades públicas, incluindo as escolas, claro, gerem dinheiros públicos. E, por esse motivo, a contratação pública deveria seguir um modelo de rigor e transparência, com responsabilidade.

    É provável que esses ensinamentos até sejam transmitidos também nas Escolas Dr. Manuel Fernandes e Octávio Duarte Ferreira, que formalmente integram o Agrupamento de Escolas nº 2 de Abrantes, cujos lema, no seu site é “uma janela para o Mundo“. Mas são pouco praticados. Com efeito, para abastecer os bufetes, a direcção deste agrupamento escolar teve a ideia de criar uma espécie de “bar aberto”: definiu os produtos que seriam eventualmente necessários, colocou um preço unitário e pôs-se a assinar contratos por ajuste directo sem haver um limite de quantidades a comprar até ao final do ano lectivo.

    girl holding two eggs while putting it on her eyes

    O mais absurdo destes contratos, num total de 17, todos publicados no passado dia 22, é aparentarem serem bastante económicos. Na verdade, só chamaram à atenção ao PÁGINA UM pelos valores ridiculamente baixos dos preços contratuais que surgem nos registos do Portal Base, que vão desde os 0,01 euros até aos 12,59 euros. Na verdade, esses montantes, quando se consultam os contratos, referem-se ao preço unitário, se for apenas um produto, ou ao preço unitário médio, se forem vários.

    Nenhum destes contratos estipula as quantidades máximas ou médias ou mínimas, ou o que quer que seja, até os contratos expirarem ao fim de 365 dias. Ou seja, mesmo em fins-de-semana, feriados e férias escolar, há “bar aberto”, porque as quantidades vão sendo combinadas entre a direcção escolar e os felizardos fornecedores.

    O contrato com o valor mais baixo, com registo de 1 cêntimo no Portal Base, diz respeito ao “Lote 15” que consiste na compra de saquetas de açúcar e de adoçante para as duas escolas do agrupamento escolar de Abrantes. O fornecedor é a empresa Manuel Rui Azinhais Nabeiro Unipessoal, do Grupo Nabeiro, distribuidor dos cafés Delta em Portugal Continental e nos Açores. O contrato teve início a 11 de Setembro de 2023 e termina a 31 de Agosto de 2024. Se se quiser saber quantas saquetas de açúcar poderão, no máximo, ser compradas, não se sabe. Quanto será a factura no final do ano de ajuste directo, não se sabe. No limite, é aquilo que o fornecedor e a direcção escola quiserem.

    Exemplo de um contrato, que estipula o preço unitário, mas nunca as quantidades máximas a adquirir. É um autêntico “bar aberto” até à data final do contrato.

    Nos restantes contratos celebrados em Setembro passado, e publicados apenas na semana passada, passa-se o mesmo com os mais variados produtos. E além destes contratos por ajuste directo serem opacos e esconderem as despesas efectuadas pelo agrupamento escolar, o agrupamento não disponibiliza outros documentos – como cadernos de encargos ou propostas dos fornecedores. O agrupamento também escusou-se a responder às perguntas do PÁGINA UM sobre estes contratos.

    Este modus operandi vem de trás, e ninguém parece estranhar. No total, incluindo a aquisição de produtos do ano lectivo anterior, só em 2023 o agrupamento registou no Portal Base 35 ajustes para a compra de bens alimentares para os seus bufetes, todos sem concurso público. O valor global destes contratos por ajuste directo registados no Portal Base é de uns meros 93,04 euros, mas, na verdade, o preço final, além de ser uma incógnita, pode, em teoria, não ter limite.

    Acresce que o agrupamento registou 14 dos contratos no Portal Base seis meses após a respetiva assinatura: estes contratos assinados em Setembro de 2022 só deram entrada no Portal Base em Março deste ano. A lei determina que seja feito no prazo de 20 dias após a celebração dos contratos e determina também que seja colocada informação sobre a execução dos contratos.

    Escola Secundária Dr. Manuel Fernandes, em Abrantes.

    Na consulta dos contratos já terminados, claramente os valores que lá constam não são verdadeiros, uma vez que indicam um gasto que corresponde ao valor unitário ou ao valor médio unitário, como sucede no contrato com a empresa Manuel Rui Azinhais Nabeiro Lda., que terminou em Agosto passado.

    Este contrato englobava a compra de três produtos (café, descafeinado e cacau), com um preço unitário médio de 14,89 euros, e a direcção escolar indicou no Portal Base que gastou apenas 14,89 euros até ao final do contrato, algo impossível porque cada unidade de café (1 kg) custava 16,89 euros, cada unidade de descafeinado (150 saquetas) custava 21,38 euros e cada unidade de cacau (1 kg) custava 6,41 euros. A não ser que a direcção escolar não tenha comprado afinal nenhum café nem descafeinado e tenha comprado apenas 2 kg de cacau e mais 323 gramas de um terceiro saco de 1 kg, este valor será falso…

    Noutro contrato, relativo à compra de pão, aquele agrupamento registou no Portal Base a indicação de “cumprimento integral do contrato”, voltando a mencionar como valor de despesa o montante referido no contrato efetuado por ajuste directo: uns meros 12 cêntimos. Ou seja, o valor só é verdadeiro se a direcção escolar tiver comprado apenas um pão em todo o ano…

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    O registo dos contratos sem um valor indicativo de despesa global previsto é um caso raríssimo, para não dizer único. De acordo com a pesquisa efectuada pelo PÁGINA UM no Portal Base, o Agrupamento de Escolas nº2 de Abrantes aparenta ser o único a omitir o valor da despesa envolvida em cada compra. Os contratos remetem detalhes para o caderno de encargos, mas nenhum dos contratos tem caderno de encargos disponível para consulta.

    Saliente-se que apenas duas compras efectuadas por este agrupamento escolar em 2023 não envolveram ajuste directo. Foi o caso de um contrato feito através do procedimento de consulta prévia com a Beltrão Coelho para a “instalação de equipamentos multifuncionais de cópia, impressão e digitalização em regime de outsourcing”, no valor de 7.500 euros. O segundo, também por consulta prévia, envolveu a “aquisição de serviços de consultoria” para a gestão de um projeto relativo aos cursos profissionais financiados pelo Programa Operacional Capital Humano (POCH). Para este, a empresa Another Step recebeu um montante de 7.990 euros.

  • Web Summit: AICEP ‘estoira’ 421.675 euros em alugueres de minivans

    Web Summit: AICEP ‘estoira’ 421.675 euros em alugueres de minivans


    Anteontem, o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) reuniu com a Embaixada da China sobre o ambiente de investimento em território nacional, com foco na fileira produtiva da mobilidade elétrica. Mas no início deste mês, decidiu alugar 50 minivans convencionais para transportar ignotos convidados para a Web Summit. Não foi a primeira vez: já no ano passado, a agência que procura investimento externo decidiu gastar uma boa maquia a levar gentes para uma zona bem servida de transportes públicos. A factura disto tudo já supera os 420 mil euros. Despesismo ou investimento? Da parte da AICEP ‘veio’ o silêncio.


    Na filosofia política que fez germinar, florescer e amadurecer a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), consolidada ao longo de décadas de um mix de marketing diplomático com arte da sedução, certamente não há despesas – há apenas investimento, porque a despesa, se improdutiva, ganha o sufixo ‘ismo’, tornando-se despesismo, enquanto os investimentos subentendem benefícios públicos futuros, mesmo se à primeira vista esse tal investimento surja aos olhos dos incréus como um gasto supérfluo que, enfim, se confunde com despesismo.

    Por esse motivo, por compreender que nem todos os gastos – aparentemente supérfluos – sejam mesmo uns despesismos incompreensíveis, o PÁGINA UM quis saber junto da AICEP o motivo pelo qual decidiu celebrar duas aquisições de serviços para transporte de passageiros para as últimas edições da Web Summit. Não houve resposta.

    Filipe Santos Costa, primeiro à direita, é o presidente da AICEP desde o Verão passado.

    Sabe-se assim apenas que, apesar da localização da Web Summit ser próxima da estação de metro do Oriente, o primeiro contrato de aluguer de minivans, assinado em Outubro do ano passado entre a AIECP e a Choice Car, custou 206.425 euros (IVA incluído). Para a edição deste ano – que decorreu entre 11 e 14 deste mês –, já por concurso público (em que apenas concorreu outra empresa), a Choice Car sacou mais 215.250 euros (IVA incluído).

    Em conjunto, deste modo, apenas em passeios de minivans, transportando não se sabe quantas pessoas, a AICEP pagou, para estas duas edições da ‘feira tecnológica’, um total de 421.675 euros para serviços de cerca de uma dúzia de dias. No caderno de encargos do último contrato apenas se refere que os “serviços serão prestados na área metropolitana de Lisboa e/ou regiões adjacentes à mesma, prevendo-se o transporte de passageiros entre o Aeroporto de Lisboa, as instalações da Feira Internacional de Lisboa, os diversos hotéis onde se encontram hospedados os participantes e outros locais e eventos organizados pela Web Summit”.

    Os montantes dispendidos pela AICEP para estas deslocações dariam para adquirir 63.890 bilhetes diários de metro, ou, se a opção fosse táxi, para pagar 28.783 viagens da redacção do PÁGINA UM até ao Centro de Congressos no Parque das Nações. Noutra perspectiva, daria mais de quatro mil passeios turísticos de tuk-tuk até ao Parque das Nações, ainda com direito a passagem por Marvila para desfrutar de street art e visitar a Fábrica de Unicórnios.

    António Costa Silva (ministro da Economia), Katherine Maher (CEO da Web Summit) e Carlos Moedas (presidente da Câmara Municipal de Lisboa) na abertura de oitava edição da ‘feira tecnológica’.

    Diga-se ainda que, apesar deste avultado ‘investimento’ de mais de 420 mil euros no comércio interno – uma vez que a Choice Car tem capital inteiramente lusitano, apesar da denominação em língua anglo-saxónica –, a presença da AICEP pela Web Summit tem sido sempre bastante discreta.

    Na última edição, o ponto alto atingiu-se no encontro do actual presidente da agência, Filipe Santos Costa, com uma comitiva de empresas luxemburguesas presidida pelo grão-duque herdeiro daquele país. O PÁGINA UM não conseguiu confirmar se Filipe Santos Costa se dirigiu até à Web Summit usando uma das minivans alugadas, que terão transportado um número indeterminado de pessoas a partir de incógnitos sítios para o Parque das Nações, e respectivo regresso.

  • Turismo de Portugal entrega ‘jackpot’ a sociedade de advogados ‘amiga’ [act.]

    Turismo de Portugal entrega ‘jackpot’ a sociedade de advogados ‘amiga’ [act.]


    Se não há duas sem três, para a sociedade de advogados Clareira Legal depois de seis contratos houve um sétimo, e com direito a ‘jackpot’. Na semana passada, o Turismo de Portugal entregou de ‘mão-beijada’, e sem os estorvos de concorrência, um contrato no valor de 1,2 milhões de euros à sociedade fundada por André Luiz Gomes, conhecido por ter sido advogado de Joe Berardo. Os contratos anteriores, vistos na perspectiva do que está em curso, parecem uma ‘pechincha’: custaram, para o mesmo período, ‘apenas’ 190 mil euros.


    Todos os anos, desde 2017, a sociedade Clareira Legal – fundada por André Luiz Gomes, que ficou conhecido por ter sido advogado de Joe Berardo – podia contar com uma coisa: uma avença do Turismo de Portugal para patrocínio judicial e consultadoria em litígio com empresas concessionárias das zonas de jogo, ou seja, sobretudo casinos.

    Assim foi em 2017 – ainda a sociedade se denominava Luiz Gomes & Associados –, logo com um ajuste directo que, formalmente, se iniciou no dia 18 de Dezembro, e durou apenas 13 dias, pelo valor de 150 mil euros. Continuou em 2018, com a assinatura de novo ajuste em 29 de Novembro pelo valor de 190 mil euros, com a particularidade de ter efeitos retroactivos ao início daquele ano.  Repetiu-se a ‘dose’ de 190 mil euros em 2019, com similares circunstâncias: contrato de mão-beijada – leia-se, ajuste directo – celebrado já na segunda metade do ano, mas com efeitos a iniciar-se, mais uma vez, em Janeiro.

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    E escusado quase seria necessário acrescer que em 2020, 2021 e 2022 foi mais do mesmo: no primeiro destes anos, o contrato por ajuste directo de 190 mil euros foi assinado em 20 de Novembro; no segundo destes anos, o contrato de ‘mão-beijada’ calhou ter a data de 8 de Outubro; e no terceiro destes anos, lá se antecipou a ‘coisa’ para o início de Agosto.

    Sabendo-se que já se andava com seis contratos anuais por ajuste directo para o mesmo objecto, cinco dos quais ‘religiosamente’ com a mesma verba, não seria necessário ser-se ‘bruxo’ para prever como certo que este ano, mais dia menos dia, surgisse o habitual ‘beija-mão’ sob a forma de contrato por ajuste directo entre a administração do Turismo de Portugal, agora liderado por Carlos Abade, e pela Clareira Legal, que assumiu esta denominação no Verão passado.

    E assim foi, mas com direito a ‘jackpot’ para a sociedade de advogados: em vez de um ajuste directo com os habituais 190 mil euros, o Turismo de Portugal atribui um contrato de 1,2 milhões de euros, ou seja, o equivalente a mais de seis anos da ‘avença habitual’. No convite à apresentação da proposta para o ajuste directo “com base em critérios materiais” – que não são sequer justificados, pese embora a sociedade de advogados ostente um especialista em direito de jogos –, salienta-se apenas que o objectivo é representar o Turismo de Portugal “junto do Tribunal Arbitral no âmbito dos processos arbitrais propostos contra o Turismo de Portugal e/ ou o Estado português pelas empresas concessionárias das zonas de jogo”.

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    Por sua vez, o contrato não adianta muito mais, apenas referindo que o preço por hora de (suposto) trabalho será de 150 euros, um aumento de 43% face aos honorários praticados no contrato do ano anterior. Mesmo assim o Turismo de Portugal terá contratado 8.000 horas de serviços jurídicos à Clareira Legal, ou seja, 32 horas por dia útil do presente ano.

    O PÁGINA UM contactou o Turismo de Portugal no sentido de obter uma justificação com base legal para sete ajustes directos sucessivos no mesmo âmbito com a Clareira Legal, e sobretudo a razão de um contrato desta natureza em 2023 com um montante tão elevado – e com efeitos retroactivos, o que significa que à data da assinatura quase todo o serviço estava afinal já executado –, mas não obteve qualquer reacção.

    Sem resposta ficaram assim também as perguntas sobre os processos em concreto no Tribunal Arbitral que estiveram a ser patrocinados pela Clareira Legal e se existem garantias de que o sócio da Clareira Legal especialista em direito de jogo (Gonçalo Proença) nunca trabalhou, ou trabalhará, para as concessionárias dos jogos.


    N.D. Pelas 23:18 de 21/11/2023, o PÁGINA UM recebeu o seguinte esclarecimento do Turismo de Portugal:

    O contrato a que se refere o texto [acima] foi celebrado pelo Turismo de Portugal, em cumprimento da obrigação atribuída a este Instituto pelo Estado Português para assegurar os atos e os meios necessários para a representação na defesa do Estado Português, em três ações arbitrais. As ações foram propostas em 2022 e 2023 contra o Estado Português e o Turismo de Portugal, I.P. pelas concessionárias de três zonas de jogo e o valor global dos pedidos de compensação apresentados ascende a mais de 330 milhões de euros.

    A contratação em causa, respeitou integralmente as regras da contratação pública, e teve em consideração a escolha de um escritório de advogados especializado em direito público e, em especial, em contratos de concessões e, em particular, com uma experiência de vários anos no acompanhamento de concessões de exploração de jogos de fortuna ou azar em Portugal, atento o seu regime específico e de contornos muito particulares, circunstâncias determinantes nas ações arbitrais propostas, que aliás tinham ligação a outras ações judiciais já propostas e acompanhadas pelo referido escritório.

    Para a escolha da referida sociedade de advogados foi ainda determinante o facto de ter conseguido obter vencimento nas ações propostas pelas concessionárias perante os tribunais judiciais, protegendo e beneficiando assim o interesse público. Neste caso foi escolhido o prestador em quem se deposita confiança técnica e profissional, sendo que, nestes casos, as próprias Diretivas Comunitárias de contratação pública não se aplicam a este tipo de contratos.

    Daquele que é o conhecimento do Turismo de Portugal, não existe qualquer relação da sociedade de advogados contratada com empresas concessionárias da exploração de jogo em casinos em Portugal.

    Sobre esta matéria, o PÁGINA UM reitera que no contrato por ajuste directo deste ano, pelo valor de 1,2 milhões de euros (mais de um milhão de euros superior às seis avenças anuais anteriores), não se encontra justificação para o montante de horas pagas nas três acções arbitrais, nem ao incremento do preço à hora. O Turismo de Portugal defende que “respeitou integralmente as regras da contratação pública” quando, em sete contratos, todos foram por ajuste directo. Ou seja, aplica a excepção em sete dos sete contratos públicos assinado. O ajuste directo não é a regra do Código dos Contratos Públicos, mas constata-se ser a regra do Turismo de Portugal. Por outro lado, está por provar que a Clareira Legal seja a única sociedade de advogados capaz de defender o interesse público, pelo simples facto de nunca ter tido sequer concorrência. Se for mesmo melhor, em termos de relação qualidade-preço, por certo conseguirá provar isso num regime de livre concorrência, através de concurso público. De resto, o PÁGINA UM continuará a denunciar flagrantes actos de contratação pública, com recurso a dinheiros dos contribuintes, através de ajustes directos decididos por gestores públicos com ‘argumentos’ pouco transparentes.

  • Infarmed diz que contratos dos 33 tratamentos ‘milionários’ para atrofia muscular espinhal são confidenciais

    Infarmed diz que contratos dos 33 tratamentos ‘milionários’ para atrofia muscular espinhal são confidenciais


    Desde 2019, o Infarmed terá autorizado 33 tratamentos para a atrofia muscular espinhal, através da compra de um fármaco da Novartis, conhecido por ser ‘o mais caro do Mundo’, apesar de o Portal Base só registar sete aquisições por hospitais. Quando o PÁGINA UM perguntou as causas, o regulador disse que as compras foram contratualizadas com a Novartis no âmbito de um sistema específico para medicamentos inovadores, e o custo por toma será inferior a dois milhões de euros. Mas o Infarmed não quer mostrar os contratos, apesar do diploma legal, que enquadra a compra deste tipo de medicamentos, não prever a existência de qualquer cláusula de confidencialidade. O PÁGINA UM vai recorrer à Lei do Acesso aos Documentos Administrativos para ver os contratos e as avaliações, podendo avançar também para uma intimação no Tribunal Adminsitrativo.


    No segredo dos deuses – isto é, nos corredores do Infarmed, das administrações hospitalares, do Ministério da Saúde e da farmacêutica Novartis – é como estão as condições contratuais e o valor já gasto pelo Estado português no tratamento de 33 bebés afectados com atrofia muscular espinhal através do recurso ao Zogensma, considerado o medicamento mais caro do Mundo.

    O fármaco da Novartis esteve recentemente envolvido num escândalo que envolveu suspeita de influências ilegais do Presidente da República, que terá, de acordo com uma investigação da TVI, influenciado a sua aplicação em gémeas luso-brasileiras em 2019, no Hospital de Santa Maria, que, além disso, conseguiram nacionalidade portuguesa em tempo recorde.

    Mas mais grave ainda é o secretismo que envolve a aquisição de medicamentos ‘milionários’, que podem atingir os dois milhões de euros, uma vez que as negociações, contratos e avaliações são mantidos secretos pelo Infarmed. E isto quando um diploma legal de 2015, que define e regula o Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias em Saúde, não prevê qualquer confidencialidade; ao invés, estipula explicitamente uma dezena de condições a cumprir nos contratos entre o Infarmed e as farmacêuticas com medicamentos ou intervenções inovadoras e ainda em fase experimental, como é o caso do Zogensma para tratamento da atrofia muscular espinhal.

    O secretismo ainda é maior porque os centros hospitalares nem sequer estão a reportar fielmente no Portal Base as compras estabelecidas através dos contratos entre a Novartis e o Infarmed. Com efeito, há duas semanas, o PÁGINA UM revelara que constava no Portal Base a aquisição de sete compras de Zogensma, com cada dose a rondar os dois milhões de euros: uma em 2020 pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central; uma em 2021 no Centro Hospitalar de São João; quatro em 2022 (três no Centro Hospitalar do Porto e uma no Centro Hospitalar de Gaia-Espinho); e uma este ano (Centro Hospitalar de Coimbra).

    Mas, na verdade, terão sido já adquiridas 33 doses, pelo que assim a esmagadora maioria nem sequer foi colocada no Portal Base. E pior: ignora-se quanto já se gastou, uma vez que o Infarmed diz ser informação confidencial.

    Rui Santos Ivo; presidente do Infarmed: o secretismo de um regulador como forma de estar na Administração Pública, onde a protecção dos negócios das farmacêuticas se sobrepõe à transparência.

    De acordo com as informações detalhadas fornecidas pelo Infarmed a pedido do PÁGINA UM, as compras pelo SNS contabilizam quatros doses em 2019 – duas para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (ambas em Julho) e duas para o Centro Hospitalar de Coimbra (ambas em Outubro) –, seis doses em 2020 – quatro para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (duas em Fevereiro, uma em Março e outra em Julho), uma para o Centro Hospitalar de Coimbra (em Julho) e uma para o Centro Hospitalar do Porto (em Novembro) –, nove doses em 2021 – duas para o Centro Hospitalar do Porto (em Fevereiro e Julho), para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (em Março, Abril e Julho), outras três para o Centro Hospitalar de Lisboa Central (em Março, Abril e Dezembro) e uma para o Centro Hospitalar de São João (em Abril) – 11 doses em 2022 – cinco para o Centro Hospitalar do Porto (duas em Abril, uma em Fevereiro, uma em Março e uma em Junho), uma para o Centro Hospitalar de Lisboa Central (Março), uma para o Centro Hospitalar de Espinho-Gaia (em Abril) e duas para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (em Outubro e Dezembro) e duas para o Centro Hospitalar de Coimbra (ambas em Novembro – e três doses este ano – duas para o Centro Hospitalar de Lisboa Central (ambas em Janeiro) e uma para o Centro Hospitalar de Coimbra (em Abril).

    Numa primeira fase, o PÁGINA UM confrontou o Infarmed sobre os custos destas terapêuticas – com um preço de referência a rondar os dois milhões de euros – e as razões pelas quais nem todos os contratos estavam publicados no Portal Base. O Conselho Directivo do regulador começou por afirmar que, “para efeitos de aquisição por parte das entidades do Serviço Nacional de Saúde foram negociadas condições de aquisição mais favoráveis, em contrato celebrado com a empresa titular de Autorização de Introdução de Mercado, que estão abrangidas por cláusulas de confidencialidade”, acrescentando que no caso da terapêutica para a atrofia muscular espinhal “o pagamento é feito através de um contrato de partilha de risco assente no tipo de doente e no resultado clínico, e é feito num prazo de quatro anos”.

    Hospital de Santa Maria adquiriu doses que não declarou no Portal Base, tal como muitos outras unidades de saúde.

    Ou seja, segundo o Infarmed, “após o pagamento de uma primeira percentagem (anual), se o tratamento não apresentar as melhorias expectáveis, não existirá lugar à continuação do pagamento do medicamento por parte das unidades hospitalares”, referindo ainda que “o valor negociado e aprovado com a decisão de financiamento foi aplicado aos doentes que já tinham utilizado o medicamento até esse momento”. O Infarmed informou ainda o PÁGINA UM de que “existiu ainda um Plano de Acesso Precoce, colocado em prática antes da conclusão do processo de financiamento, onde foi incluído um tratamento sem custos”, que terá sido o da bebé Matilde.

    Atendível o facto de o enquadramento destes contratos não prever qualquer confidencialidade – pelo contrário, o diploma de 2015 estipula aspectos que devem ser incluídos, o que implica que possa ser confirmado por terceiros, incluindo jornalistas –, o PÁGINA UM voltou a questionar o Infarmed sobre a justificação legal para o secretismo.

    O Conselho Directivo do regulador liderado por Rui Santos Ivo, não fazendo referência ao diploma específico de 2015 – porque não prevê, de facto, qualquer secretismo – garante existir “enquadramento no regime legal aplicável, dentro do objetivo central de viabilizar um compromisso bilateral em sede de contrato de partilha de risco”. E acrescenta ainda que “este tipo de contrato é essencialmente regulatório, tendo um conteúdo normativo próprio que enquadra, nomeadamente, ‘as condições de comparticipação ou da decisão de aquisição mediante avaliação prévia da tecnologia de saúde, comprometendo de modo efetivo o titular dessas tecnologias com os objetivos do sistema de saúde’”.

    Zolgensma é considerado o fármaco mais caro do Mundo, mas apresentou-se como uma terapia de uso único para substituir um medicamento da Biogen que custa 200 mil por cada ano de tratamento contínuo. Quantas vidas já salvou e quanto já custou? Não se sabe porque é segredo.

    Mesmo sabendo-se que a transparência é um preceito não apenas legal mas também um princípio democrático, sobretudo quando estão em causa dinheiros públicos – e ainda mais numa situação de défice em termos de Saúde Pública –, o Infarmed diz ser aceitável este secretismo porque “em Portugal vigora o princípio da liberdade contratual e o princípio da legalidade (…) sem que exista qualquer proibição das partes contratantes estabelecerem por acordo entre si a confidencialidade de determinadas condições contratuais, na medida em que a lei lhes concede a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, desde que em obediência à lei e ao direito e dentro dos limites dos poderes conferidos e em conformidade com os respetivos fins”.

    E ainda, considera o Infarmed, que pela conjugação do regime do SINATS e de directivas comunitárias de transparência e de proteção de segredos comerciais, nada impede que “os preços finais pós-negociação não possam ser sujeitos a cláusulas de confidencialidade”.

    Ou seja, tal como sucedeu com as vacinas contra a covid-19, o Infarmed defende um segredo absoluto sobre quanto se pagou, e em que condições, quanto se devia pagar e quanto não se deveria pagar e pagou, e quanto se pagou a mais. E isto tudo, aos milhões de euros, sem sequer se saber se tudo o que se gastou dos impostos dos portugueses conseguiu salvar qualquer vida ou se apenas serviu para cumprir os objectivos dos accionistas das farmacêuticas.


    N.D. O PÁGINA UM considera inadmissível que, mesmo sabendo da bondade de medicamentos que podem salvar vidas, se pactue com secretismos. Vai por esse motivo solicitar formalmente os contratos e avaliações ao Infarmed deste e de outros medicamentos similares, podendo, em caso de recusar, apresentar uma intimação ao Tribunal Administrativo de Lisboa, com o apoio do FUNDO JURÍDICO.