O “estado de emergência” e a proibição judicial de buzinar em Ottawa teve um impacte quase nulo nos manifestantes, que estão a recuperar rapidamente, por outras vias, o financiamento retido pela GoFundMe. Entretanto, o ambiente político no Canadá está a adensar-se.
Apesar do “estado de emergência” decretado anteontem pelo mayor de Ottawa, Jim Wilson, e da decisão judicial de proibição de buzinadelas dos camionistas, continua inabalável o braço-de-ferro entre o Governo de Justin Trudeau e os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy). Nenhuma das partes parece querer ceder.
Ontem, o juiz Hugh McLean ordenou que cessasse o barulho das buzinas como forma de protesto, alegando que não é “uma expressão de qualquer grande pensamento”, no seguimento de queixas de moradores incomodados com a presença de entre quatro e cinco centenas de camiões.
No entanto, essa aparenta ser uma pequena limitação para refrear o dinamismo dos manifestantes, que prometem não arredar pé do centro de Ottawa. Movimentos similares, mas de menores dimensões, surgiram entretanto, durante o fim-de-semana, em outras cidades canadianas, entre as quais Toronto, cidade de Quebec e Winnipeg.
Justin Trudeau, ontem, na Câmara dos Comuns.
Desde que, na sexta-feira passada, o Freedom Convoy viu a plataforma de crowdfunding GoFundMe suspender a campanha que já recolhera 10 milhões de dólares canadiano (cerca de 6,3 milhões de euros), os ânimos dos manifestantes têm sido reforçados com uma redobrada solidariedade, tanto no Canadá como em outras partes do Mundo.
A plataforma da GiveSendGo – que substituiu a da GoFundMe, que se viu, entretanto, obrigada a prometer a devolução incondicional dos montantes retidos aos doadores – conta já com apoios de 6,6 milhões de dólares, o que representa mais de 5,7 milhões de euros. Por outro lado, a comunidade das criptomoedas, através da Tallycoin, já recolheu quase meio milhão de euros em bitcoins.
O mayor de Ottawa, Jim Watson, tem acentuado, em tom dramático, a presença dos manifestantes, dizendo que os residentes da capital “estão aterrorizados”, e acusando as incessantes buzinadelas de serem uma forma de “guerra psicológica”. Após Watson ter, no domingo, declarado o “estado de emergência”, foi solicitado ainda ao Governo federal o envio urgente de 1.800 operacionais da Real Polícia Montada Canadiana, com o objetivo de “recuperar a cidade”.
Organizadores do Freedom Convoy, em conferência de imprensa, têm insistido no pacifismo da manifestação e apelam à negociação para acabar com as restrições.
Poucas horas depois, a polícia de Ottawa terá apreendido milhares de litros de combustível e propano, comprometendo o funcionamento de cerca de mil camiões. No domingo, as autoridades confirmaram a abertura de mais de 60 investigações criminais supostamente associadas aos protestos, alegando danos, roubos, crimes de ódio e danos à propriedade, e chegou mesmo a ameaçar deter quem ajudasse os manifestantes. Terão sido também passadas cerca de 450 multas por excesso de ruído, desde a manhã de sábado.
No entanto, curiosamente, apesar das insistentes acusações de vandalismo e violência, as autoridades canadianas continuam sem disponibilizar imagens ou outras provas de comportamento ilegal dos manifestantes, para além das buzinadelas e da ocupação de ruas por veículos e pessoas. Os organizadores do Freedom Convoy têm sistematicamente negado quaisquer ilegalidades, falando mesmo em boa relação com as forças policiais, insistindo na necessidade de diálogo com as autoridades.
Entretanto, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, reapareceu ontem, num debate de emergência na Câmara dos Comuns, e declarou que os protestos “têm de parar”, acusando os manifestantes de “tentarem bloquear a nossa Economia, a nossa democracia e a vida quotidiana dos nossos concidadãos”.
Este debate mostrou, contudo, o início de uma divisão política em torno da gestão da pandemia, por via das acções do Freedom Convoy. Enquanto Jagmeet Singh, líder do Novo Partido Democrático (NDP), a quarta força política do país, mostrou apoio ao Goveno, considerando que não se está perante um “protesto pacífico”, já a líder da oposição (Partido Conservador), Candice Bergen, acusou Trudeau de alimentar a divisão e o descontamento do país pela forma de gestão da pandemia.
Mesmo no partido de Trudeau, o mal-estar começa a eclodir, o que pode complicar ainda mais a gestão deste delicado conflito social, que dificilmente poderá ser feito através de repressão policial, pelas imprevisíveis consequências na opinião pública canadiana. Hoje, o deputado liberal Joel Lightbound criticou abertamente a gestão da pandemia pelo Governo federal, considerando ser “hora de pararmos de dividir a população”, acrescentando que “nem todos podem ganhar a vida com um MacBook numa casa de campo”, numa alusão às restrições da actividade económicas ao longo da pandemia. O mal-estar desta conferência de imprensa foi de tal dimensão que Lightbound se viu já forçado a pedir, esta noite, a sua demissão de presidente do caucus de Quebec.
N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataformaMIGHTYCAUSE.
Justin Trudeau, primeiro-ministro canadiano, andou uma semana a diabolizar os manifestantes do Freedom Convoy. Na sexta-feira conseguiu aquilo que aparentava ser uma vitória: a plataforma de crowdfunding GoFundMe bloqueou 9 milhões de dólares canadianos, considerando que os organizadores promoviam “violência e assédio”. Como reacção, uma campanha alternativa angariou já, em menos de dois dias, mais de 3 milhões de dólares americanos. E a comunidade de criptomoedas também se está a mobilizar.
O efeito do bloqueio da GoFundMe ao Freedom Convoy está a ser desastroso para o Governo canadiano. Cedendo a pressões políticas, a decisão da maior plataforma mundial de crowdfunding em bloquear, na noite da passada sexta-feira, nove milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros) arrecadados, por donativos de mais de 120 mil pessoas, resultou não só num feroz coro de críticas populares contra a GoFundMe, como incentivou uma onda de solidariedade sem precedentes.
Em cerca de dois dias completos, quando eram 23:00 horas em Lisboa, os organizadores do Freedom Convoy já tinham conseguido ultrapassar os 3 milhões de euros, correspondentes a mais de 3,4 milhões de dólares, através da plataforma GiveSendGo. E aponta-se agora para uma meta acima daquele prevista com a GoFundMe: 16 milhões de dólares.
Até às 21 horas de hoje, em Lisboa, a nova campanha de crowdfunding do Freedom Convoy angariou quase 3,3 milhões de dólares.
Para assegurar a legalidade e transparência do processo de gestão desta verba – para compra de combustíveis, alimentação dos manifestantes e alojamento sobretudo dos motoristas – foi criada a Incorporated Freedom 2022 Human Rights and Freedom Association.
O facto de a GiveSendGo ser claramente de cariz religioso – assume-se como a principal plataforma cristã mundial de angariação de fundos – retira também espaço a ataques sobre extremismos dos protestos contra as políticas restritivas do Governo Trudeau. Em todo o caso, apesar do sucesso da nova campanha de angariação, a plataforma da GiveSendGo tem estado com alguns problemas de acesso, que se deverão, segundo os seus responsáveis, a “fortes ataques de negação de serviço [DDOS attacks] e com bots maliciosos”.
Mas a decisão da GoFundMe trouxe também um reforço da onda de solidariedade da comunidade de criptomoedas, um mundo financeiro alternativo, não controlável pelos bancos centrais e, geralmente, imune às pressões ou intimidações políticas e interesses financeiros.
Por exemplo, uma campanha de angariação na plataforma de crowdfundingTallycoin – exclusivamente usando criptomoedas e não rastreável – propôs angariar 615 milhões de satoshi (SAT), ou seja, 6,15 bitcoins, que equivale actualmente a quase 250 mil euros, envolvendo cerca de 3.600 contributos.
Antes do bloqueio da GoFundMe, esta campanha promovida por alguém sob anonimato (usando o pseudónimo Honkhonk Hodl), tinha apenas recebido um pouco menos de 10 mil euros em bitcoins; neste momento, já foram transferidas criptomoedas no valor de 226 mil euros, superando os objectivos iniciais. Ou seja, cresceu quase 23 vezes em menos de dois dias.
Esta onda de solidariedade coincide com o segundo fim-de-semana de protestos em Ottawa, inicialmente apenas contra a obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19 dos camionistas que atravessassem a fronteira com os Estados Unidos, ou a realização de testes e quarentena. No entanto, as manifestações já se alargaram para outras restrições, sendo também patente protestos por outras causas, que reflectem um mal-estar popular perante as posturas do Governo liberal de Trudeau.
Durante a última semana, o primeiro-ministro Justin Trudeau chegou a acusar os protestantes de serem “uma minoria marginal” e de até “roubarem comida de sem-abrigos”, declarando que “não há lugar no nosso país para ameaças, violência e ódio”.
Em mensagens no Facebook e Twitter, na terça-feira passada, congratulou-se ainda pela condenação unânime no Parlamento do “antissemitismo, islamofobia, racismo anti-negro, homofobia e transfobia que têm sido mostrados em Ottawa nos últimos dias”, lançando um apelo: “Juntos, vamos continuar a trabalhar para tornar o Canadá mais inclusivo”.
Comunidade das criptomoedas respondeu também com solidariedade ao bloqueio da campanha no GoFundMe.
Por proposta do deputado Taleeb Noormohamed, do Partido de Liberal liderado por Trudeau, o comité parlamentar deu ênfase a alegados actos criminosos da campanha de angariação, manifestando o interesse em ouvir responsáveis do Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá (FINTRAC).
O Governo de Trudeau pretendia, assim, diabolizar os protestos e “secar” o seu financiamento. Aparentemente, julgaria ter conseguido com a suspensão da campanha pela GoFundMe. Os últimos dois dias demonstraram, de forma avassaladora, que a estratégia estava errada. Os protestos intensificaram-se mais, e aparentam manter-se caso não haja um recuo governamental. E o sucesso, até financeiro, desta campanha canadiana pode mesmo servir de rastilho para movimentos similares em outros países.
N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataformaMIGHTYCAUSE.
Por pressões do Governo do liberal Justin Trudeau, a principal plataforma de crowdfunding do Mundo bloqueou cerca de 6,3 milhões de euros, provenientes de mais de 120 mil doadores, que deveriam financiar os protestos populares em Ottawa e outras regiões do Canadá contra as restrições no âmbito da pandemia. A GoFundMe acusou o Freedom Convoy de estar a promover acções de violência e assédio. O efeito desta medida está a ser devastador, mas só para a credibilidade da GoFundMe.
A GoFundMe, a mais conhecida plataforma de crowdfunding do Mundo, está a ser inundada de críticas pela decisão de suspender a libertação de 9 milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros) ao Freedom Convoy – o movimento de protesto liderado por camionistas –, por pressão das autoridades canadianas.
Apesar da ausência de evidências revelantes de extremismo na invasão pacífica do centro de Ottawa durante a última semana, aquela empresa de angariação de fundos decidiu cancelar a campanha de crowdfunding por alegada violação dos termos de serviço, considerando que os organizadores estariam a “promover a violência e assédio”.
GoFundMe bloqueou a campanha do Freedom Convoy quando já tinham sido angariados mais de 10 milhões de dólares canadianos.
O efeito desta decisão da GoFundMe – uma empresa de capitais de risco norte-americana – está a ter repercussões fortemente negativas na sua credibilidade, particularmente visível na Internet. Na sua página do Facebook, onde tem mais de 1,9 milhões de seguidores, a GoFundMe nem sequer arriscou fazer referência ao caso Freedom Convoy, mas mesmo assim encontram-se mais de 3.500 comentários de internautas furiosos no seu último post, publicado à meia-noite de anteontem, sobre uma campanha de apoio às crianças de uma escola de Boston.
A Trustpilot – uma conhecida plataforma dinamarquesa de avaliação de consumidores sobre empresas de todo o Mundo – decidiu esta tarde suspender temporariamente as avaliações feitas pelos internautas à GoFundMe. No seu site, o Trustpilot diz estar agora a investigar “um aumento incomum nas avaliações” devido à atenção dos media. O PÁGINA UM percorreu as 1.000 mais recentes críticas anteriores à suspensão, feitas nas últimas seis horas: todas, sem excepção, dão nota 1/5 à GoFundMe, sempre acompanhadas de fortes críticas sobre a decisão de suspender os recursos financeiros doados ao Freedom Convoy.
O impacte desta decisão já atravessou fronteiras. E a nível político. Ron DeSantis, governador da Florida – um dos estados norte-americanos sem restrições no âmbito da pandemia –, considerou esta tarde, nas suas contas do Twitter e do Facebook, estar-se perante “uma fraude”. DeSantis afirmou estar a trabalhar com a procuradora-geral do seu Estado, Ashley Mood, para investigar as “práticas enganosas” da GoFundMe, exigindo que fossem devolvidos imediatamente aos doadores os fundos que tinham dado ao Freedom Convoy.
Esta pressão política – a par de inúmeras críticas nas redes sociais – levou já a GoFundMe a recuar na sua pretensão inicial, divulgada no final da noite de ontem, de encaminhar as verbas recolhidas pelo Freedom Convoy para instituições de caridade, sobre as quais teria um papel de decisão, excepto se os doadores fizessem um pedido de retorno até 19 de Fevereiro. Esta tarde, a empresa já declarou que, afinal, “devido ao feedback dos doadores, estamos simplificando o processo” de devolução, prometendo que será já automático e no prazo de “sete a 10 dias úteis”.
Ao invés de enfraquecer o Freedom Convoy, a pressão do Governo Trudeau e mesmo da Câmara dos Comuns do Canadá – que até desejam ouvir a entidade responsável pelo controlo da “lavagem de dinheiro” – acabou por ter assim um devastador efeito boomerang do ponto de vista da credibilidade e mesmo em termos políticos. E, em vez de esvaziar a contestação, pela perda financeira, até deu um inesperado alento aos organizadores num fim-de-semana com uma redobrada participação popular nos protestos.
Plataforma da GiveSendGo está com dificuldades em aguentar fluxos de visitantes para apoiarem os protestos do Freedom Convoy.
Ainda esta madrugada, foi aberta uma nova campanha em outra plataforma – a GiveSendGo, apresentada como o site cristão líder em crowdfunding. Em 15 horas foram já angariados quase 1,2 milhões de dólares americanos (um pouco mais de um milhão de euros).
O site da GiveSendGo tem, aliás, tido alguns problemas de acesso por via do tráfego elevado. Será expectável que uma grande parte dos doadores da campanha da GoFundMe desloquem as verbas entretanto devolvidas para a campanha no GiveSendGo.
Uma das promotoras da Freedom Convoy, Tamara Lich, aponta agora para os 16 milhões de dólares americanos como meta, o que perspectiva uma “maratona” de protestos contra as políticas de Trudeau. A atitude quase belicista do primeiro-ministro canadiano contra os manifestantes começa a ser criticada, por hostilizar uma contestação nascida nas redes sociais.
Ainda hoje, uma cronista do Toronto Star, Heather Scofield, a pretexto da força dos media sociais e da liberdade de expressão, destacava que os protestos do Freedom Convoy deixaram “claro que, como sociedade, estamos cansados da pandemia, estamos fartos das restrições e estamos perdendo a paciência uns com os outros”, acrescentando que “as redes sociais pegaram esses sentimentos, os exageraram e os incendiaram num momento em que precisamos de nos acalmar.”
N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataformaMIGHTYCAUSE.
Aumentam as pressões políticas sobre a plataforma de crowdfunding GoFundMe para não serem desbloqueados sete milhões de euros doados para apoio dos manifestantes que bloqueiam Ottawa. Governo de Trudeau insiste em associar os manifestantes do Freedom Convoy ao extremismo e mesmo ao terrorismo. A Câmara dos Comuns até já diz querer ouvir o Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá, porque desconfia dos intentos de uma campanha que, na verdade, conta com mais de 120 mil doadores. Este fim-de-semana espera-se um reforço nos protestos.
As autoridades canadianas estão a fazer tudo para “secar” os protestos em Ottawa, insistindo na sua tese de os manifestantes do Freedom Convoy – que exigem o fim das restrições devidas à pandemia, entre as quais a obrigatoriedade de vacinação de camionistas – estarem associados a grupos extremistas e violentos. Neste momento, o Governo de Justin Trudeau aposta na suspensão definitiva da campanha de financiamento através do GoFundMe, alegando que os manifestantes são extremistas.
Anteontem, a plataforma de crowdfunding GoFundMe decidiu suspender temporariamente a libertação dos donativos de nove dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros) já arrecadados, provenientes de mais de 120 mil pessoas – a segunda mais lucrativa de sempre no Canadá –, informando apenas que esta estaria a ser “analisada para assegurar que se encontra de acordo com os termos de serviço e as leis e regulamentos aplicáveis”.
Governo canadiano tenta demover apoio popular acusando manifestantes de defenderem causas extremistas
Os organizadores do Convoy Freedom já contrataram Keith Wilson, advogado do Justice Centre for Constitutional Freedom, para os defender, garantindo que foram cumpridos todos os formalismos legais para a execução da campanha, incluindo o destino e gestão dos donativos.
De acordo com a declaração da campanha no GoFundMe, as verbas serão exclusivamente para alimentação, combustível e eventual alojamento dos camionistas. As verbas remanescentes “serão doadas a uma organização de veteranos credível escolhida pelos doadores”.
As pressões políticas para boicotar os protestos em Ottawa e outras regiões do Canadá têm-se intensificado nos últimos dias, usando sempre mensagens e linguagens que colocam os manifestantes como perigosos extremistas, sobretudo para retirar apoio popular, e evitar a adopção do modelo do Freedom Convoy em outros países.
As autoridades canadianas mostram-se preocupadas com um maior apoio popular durante o fim-de-semana, mas Trudeau já garantiu que não haverá intervenção de forças militares para controlar os manifestantes ou desobstruir a capital dos camiões.
Ontem, o Comité de Segurança Pública e Segurança Nacional da Câmara dos Comuns do Canadá votou por unanimidade uma audição dos representantes do GoFundMe. Os parlamentares querem saber como a empresa de angariação de fundos – que receberá uma comissão de cerca de 10% dos 10 milhões de dólares recebidos – garante que as verbas doadas “não sejam usadas para promover extremismo, supremacia branca, antissemitismo e outras formas de ódio, que foram expressas entre os proeminentes organizadores” do Freedom Convoy.
Manifestantes e polícias no centro de Ottawa, durantes os protestos contra as restrições impostas pelo Governo de Trudeau
Saliente-se que o PÁGINA UM – que consultou dezenas de notícias e analisou as redes sociais, incluindo vídeos – nunca detectou, até agora, quaisquer declarações, frases ou slogans de cariz racial, étnico ou actos promotores de violência, apesar das insistentes tentativas de as autoridades apresentarem os manifestantes do Freedom Convoy como extremistas.
O primeiro-ministro Justin Trudeau chegou mesmo a acusar manifestantes de “roubarem comida a sem-abrigos”.
O parlamento canadiano mostra-se também preocupado com os donativos anónimos. Segundo um levantamento da Canadian Broadcasting Corporation, pelo menos um terço dos donativos da campanha do GoFundMe serão donativos sem identificação, incluindo seis dos 10 maiores, todos individualmente superiores a 10.000 dólares canadianos.
O comité parlamentar quer também que o GoFundMe explique como impede donativos provenientes do estrangeiro que possam financiar grupos extremistas.
Estas alegações, refira-se, fazem pouco sentido, porque o GoFundMe – que é uma das plataformas de financiamento usadas pelo PÁGINA UM – permite apenas que os doadores se mantenham no anonimato perante terceiros, ou seja, os promotores têm acesso à sua identidade.
Além disso, os donativos, tanto no Canadá como em Portugal e em outras partes do Mundo, são feitos exclusivamente através de um cartão de crédito válido, como se pode confirmar em qualquer uma das milhares de campanhas em curso nesta plataforma de crowdfunding. Como se pode confirmar noutras campanhas activas no Canadá, ou mesmo na do PÁGINA UM.
Em todo o caso, por proposta do deputado liberal Taleeb Noormohamed, do partido de Justin Trudeau, o comité parlamentar quer também ouvir o Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá (FINTRAC).
Tamara Lych, à esquerda, em conversa no centro de Ottawa.
Este é órgão fiscalizador das operações de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, o que demonstra uma clara estratégia de ligação do Convoy Freedom a actos extremistas.
Ontem, em conferência de imprensa, Tamara Lich – uma das principais organizadoras do protesto, e que pertence a uma das etnias autóctones canadianas, a métis – garantiu que os protestos continuarão até que o Governo apresente um plano claro para a eliminação de todos os mandatos e restrições à covid-19, tal como tem sucedido nas últimas semanas com países europeus.
Congratulando-se pelo crescimento do movimento anti-restrições “no Canadá e em todo o Mundo, porque as pessoas comuns estão cansadas dos mandatos e restrições”, Lich lamentou que os governos federal, provincial ou municipal estejam a usar a comunicação social “para nos retratar como racistas, misóginos e até terroristas”. “Como mulher com herança métis, mãe e avó, sinto-me ofendida por isso”, concluiu.
No Canadá, de acordo com o Worldometers, 34.366 pessoas tiveram a covid-19 como causa de morte desde o início da pandemia. Este valor equivale, numa população de 38 milhões de habitantes, a menos de metade dos óbitos registados em Portugal.
Actualmente, com um Inverno bastante gélido – às 13 horas de hoje estavam 11 graus negativos em Ottawa –, a mortalidade diária (média móvel de sete dias) por covid-19 é de 142, ou seja, equivalente a cerca de 37. Segundo a Statistics Canada – a agência oficial de estatísticas deste país –, a média de óbitos diários no período 2016-2020, foi de 834 no mês de Fevereiro. Ou seja, a covid-19 estará agora a representar 4,4% de todas as mortes.
Apesar destes valores, o Canadá mantém-se como um dos países do Hemisfério Norte com maiores restrições para controlar a pandemia, o que tem causado uma “fadiga pandémica”. De acordo com um estudo do Angus Reid Institute, divulgado no final do mês passado, um em cada três canadianos relatam problemas com a sua saúde mental e 23% confessam que estão deprimidos.
Hoje mesmo este instituto de estudos sociológicos revelou também, no contexto do Freedom Convoy, que 37% dos canadianos acham que o Governo não concede espaço para compromissos políticos, sendo esta proporção ainda mais alta no núcleo mais conservador do país, em Alberta, Saskatchewan e Manitoba. E menos da metade (42%) diz que o Canadá tem um “bom sistema de governo”.
O primeiro-ministro canadiano não tem poupado palavras para enfraquecer a imagem dos protestantes, acusando-os de racismo, antissemitismo e até transfobia. Mas os protestos não cedem à luta de palavras, e não se restringem a camionistas, nem apenas ao bloqueio na capital. Num fim-de-semana que se prevê gélido no Canadá, o cenário político está a aquecer. Para já, no Quebec caiu o anunciado imposto adicional de saúde para os não-vacinados.
Ao quinto dia de protestos em Ottawa, sob um frio glaciar – com as previsões meteorológicas a apontarem para os 20 graus negativos no final desta semana –, o Freedom Convoy ameaça transformar-se mais do que numa mera arrelia ou dor de cabeça para as autoridades canadianas.
Os bloqueios não se circunscrevem à capital do Canadá, e consolidam-se em outras regiões. Na província de Alberta, uma das principais auto-estradas de acesso aos Estados Unidos continua bloqueada, e em Cagliary anuncia-se um congestionamento de camiões similar ao da capital. Segundo a BBC, a fila de camiões na província de Alberta prolonga-se por vários quilómetros, na pequena vila de Coutts, bloqueando uma das principais portas de entrada para os Estados Unidos.
Os organizadores do denominado Comboio da Liberdade, embora garantindo uma postura pacifista, prometeram já não dar tréguas ao Governo canadiano, ameaçando com um “pesadelo logístico”.
Contudo, esforçam-se também, cada vez mais, em dar uma imagem contrária àquela que as autoridades canadianas se esforçam por transmitir à opinião pública.
Por agora, mais do que nas estradas, o “combate” tem-se intensificado nas palavras, com palco central na comunicação social, incluindo redes sociais.
Em declarações à imprensa antes de se refugiar em parte incerta, o primeiro-ministro Justin Trudeau chegou até a acusar os protestantes de “roubarem comida de sem-abrigos”, além de outros actos desrespeitoso e ilegais, declarando também que “não há lugar no nosso país para ameaças, violência e ódio”.
Anteontem, Trudeau aumentou o tom crítico, congratulando-se no Facebook e Twitter pela condenação unânime no Parlamento do “antissemitismo, islamofobia, racismo anti-negro, homofobia e transfobia que têm sido mostrados em Ottawa nos últimos dias”, lançando um apelo: “Juntos, vamos continuar a trabalhar para tornar o Canadá mais inclusivo”.
Em resposta, os organizadores do Freedom Convoy têm multiplicado os vídeos de convívio multiétnico – o Canadá é um dos países mundiais mais inclusivos do Mundo –, bem como participantes limpando grafittis e mesmo a estátua de corredor Terry Fox, que no fim-de -semana passado fora ornada com um chapéu, cachecol e uma placa de protesto, causando críticas por desrespeito aos heróis nacionais.
Além disso, o cunho patriota dos manifestantes tem sido muito explorado e é um dos principais trunfos: as bandeiras canadianas são abundantes em todos os camiões e em outros veículos, e nas reportagens da imprensa local cada vez mais se mostra evidente que os protestos não se circunscrevem a camionistas. Em declarações à Fox News, um dos participantes no bloqueio disse que os manifestantes, neste protesto, são “todos irmãos , e estamos aqui por uma causa, que é lutar pelas liberdades dos canadianos e pelo Canadá”.
Apesar da forte cobertura noticiosa nunca ter fotografado ou gravado em imagem qualquer acto violento, as autoridades policiais apontam alegadas ilegalidades e equacionam tomar medidas mais repressivas.
A polícia de Ottawa terá já detido três pessoas, mas teme-se que a situação possa complicar-se no próximo fim-de-semana. “Pode não haver uma solução de policiamento” para resolver o impasse, declarou à BBC Peter Sloly, chefe da polícia da capital canadiana.
Por seu turno, o primeiro-ministro da província de Alberta, Jason Kenney, assegurou que o bloqueio viola a Lei de Segurança no Trânsito, e que os protestos são um “inconveniente significativo para os motoristas que estão dentro da legalidade”. Kenney tem, contudo, apelado para os governos do Canadá e dos Estados Unidos desistam da obrigação de aplicar uma quarentena aos camionistas não-vacinados, esperando que “os protestos cessem imediatamente”.
Sem prejuízo das tentativas do Governo canadiano em diabolizar o Freedom Convoy, os protestos já deram frutos para o lado daqueles que contestam medidas discriminatórias. O primeiro-ministro da província do Quebec, François Legault, recuou já no prometido imposto adicional de saúde aos não-vacinados.
Depois de ter proposto a medida no mês passado, Legault disse esta terça-feira que entendia agora que tal medida “dividiria os quebequenses, e neste momento precisamos de construir pontes”.
Noutra linha, as pressões sobre o GoFundMe – a plataforma de crowdfunding que, aliás, o PÁGINA UM também utiliza – levaram esta empresa a suspender novamente, pelo menos de forma temporária, a angariação de fundos do Freedom Convoy, após esta ter ultrapassado os 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros). O GoFundMe diz que a campanha está ser “analisada para assegurar que se encontra de acordo com os termos de serviço e as leis e regulamentos aplicáveis”.
Caso o GoFundMe considere, também por pressão do Governo canadiano, que a campanha promove e incentiva acções ilegais, pode suspender a transferência dos fundos para os organizadores do protesto. Se tal suceder, os montantes arrecadados retornam aos doadores, e o GoFundMe perde a sua comissão de cerca de 10%.
Enquanto nas ruas de Ottawa, os protestos pacíficos contra as restrições para não-vacinados se mantêm, nos bastidores os políticos canadianos acusam os manifestantes de um sem número de tropelias para evitar uma maior adesão popular ao movimento. George Russ, um escritor canadiano, fala já em manipulação política da realidade e de uma “orgia irracional da histeria” em torno do Freedom Convoy.
O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, insistiu esta segunda-feira que os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy), que ocupam desde sábado o centro de Ottawa, erguem “bandeiras racistas”, numa clara tentativa de incutir a ideia de os protestos na capital terem motivações políticas ou violentas.
O Freedom Convoy, dinamizado por camionistas que atravessaram o Canadá de costa a costa, assentou arrais desde sábado em plena capital, em protesto contra as medidas consideradas demasiado restritivas de gestão da pandemia. E tem vindo a granjear cada vez maiores apoios público, entre os quais o fundador da Tesla, Elon Musk.
Por outro lado, a campanha de angariação de fundos no GoFundMe – com o objectivo de pagar custos de combustíveis, alimentação e dormidas – tem superado as expectativas, e deverá atingir esta noite a meta dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros). Em comunicado, esta plataforma de crowdfundig revelou que esta é, por agora, a segunda campanha mais lucrativa no Canadá.
Apesar das acusações de Trudeau para estereotipar os manifestantes, certo é que dois dos principais dinamizadores do movimento, e que dão a cara pela campanha no GoFundMe, até pertencem a minorias: Benjamim Dichter é judeu e Tamara Lich pertence à etnia métis, um dos três grupos nativos canadianos, conforme destaca o National Post.
O incómodo político tem vindo, aliás, a aumentar. O premier (primeiro-ministro) do governo da província de Ontário, Doug Ford, já exigiu, segundo o canal CTV News, que os manifestantes abandonem as ruas e deixem “o povo de Ottawa viver as suas vidas”.
Imagem do mural de uma das páginas do Facebook a favor do protesto contra Justin Trudeau.
Com o receio dos protestos se eternizarem, ainda mais com o sucesso dos apoios já arrecadados, as autoridades têm tentado, por todas as vias, incutir a ideia de os manifestantes estarem a desrespeitar até a memória do povo canadiano. Os incidentes considerados mais graves, porém, são manchas de urina na neve que cobre o Memorial Nacional de Guerra, a dança de uma mulher no túmulo do Soldado Desconhecido e bandeiras colocada na estátua do atleta Terry Fox, um activista da luta contra o cancro, falecido em 1981, e considerado um herói nacional. Trudeau aproveitou estes pequenos casos para argumentar que se cometeu “um insulto à memória e à verdade”, citado pela BBC.
O escritor canadiano George Russ veio já clamar dos exageros na descrição dos acontecimentos feita pelos políticos, defendendo estar-se perante uma “orgia irracional da histeria”. E exemplifica com o episódio da estátua de Terry Fox. “Ouvindo os políticos e especialistas, poderia pensar-se que ele foi pintado com tinta vermelha, teve seus membros cortados e foi arrancado do seu pedestal, um destino que muitos outros monumentos canadianos encontraram recentemente”, escreveu Russ.
E acrescenta depois que, na verdade, “uma bandeira canadiana foi enrolada no pescoço da estátua, um chapéu foi colocado na sua cabeça e uma placa que dizia ‘Mandato de Liberdade’ foi colocada entre as suas mãos. A exibição era de mau gosto, mas temporária e inofensiva. A maior consequência da ‘desfiguração’ da estátua de Terry Fox foi uma onda de doações para a Fundação Terry Fox, o que é indiscutivelmente uma coisa boa.”
Estátua de Terry Foz “paramentada” pelos manifestantes e que chocou o primeiro-ministro Trudeau. Foto: Adrian Wyld.
O primeiro-ministro canadiano, que está fora de Ottawa, continua a recusar reunir com os manifestantes, e garante não ceder “a quem participa em vandalismo”, criticando também a iconografia usada nos protestos.
“A liberdade de expressão, reunião e associação são pedras angulares da democracia, mas o simbolismo nazista, imagens racistas e profanação de memoriais de guerra não são”, disse Trudeau, citado pela BBC, em alusão às imagens dos participantes nos protestos que consideram que a actual política de discriminação dos não-vacinados recorda os primórdios da implantação do nazismo.
Saliente-se que as pessoas geralmente críticas da estratégia em redor da pandemia, ou que não aceitam a vacinação, têm sido repetidamente apelidadas de “negacionistas”, um termo associado geralmente a quem, nega o Holocausto. O Canadá tem, neste momento, 80% da população vacinada, mas é um dos países com maiores restrições contra os não-vacinados.
Em declarações ao National Post, os organizadores consideraram “hilariante” a ideia de que apoiariam o racismo e renegam eventuais actos de pessoas que se possam ter “colado ao movimento”. Por outro lado, a comunicação social canadiana, com constante cobertura dos protestos, tem destacado sempre o caráter pacíficos dos manifestantes. E a polícia de Ottawa já esclareceu não se ter registado “motins, nem feridos ou mortos”.
Ontem, numa reportagem do jornalista Rupa Subramanya, do jornal National Post, salientava que “os manifestantes incluíam canadianos, jovens e velhos, de todas as convicções políticas”. E destacava-se ainda que, “embora o objetivo declarado do comboio seja de oposição aos mandatos federais de vacinação e outras restrições, dois dos líderes e alguns dos manifestantes estão vacinados”, embora defendam que a vacinação deveria ser uma escolha individual.
Este repórter, que aliás deu voz a várias pessoas não relacionadas com os camionistas para justificarem as suas participações nos protestos, sublinhou que, entre os manifestantes, se veêm “indo-canadianos, canadianos com raízes árabes, canadianos de origem chinesa, canadianos negros, e quase todos os outros canadianos étnicos que vivem sob o sol”.
Numa luta com potência e muito metal, manifestantes contra as restrições da gestão da pandemia pelo Governo do Canadá pressionam Justin Trudeau a deixar cair a quarentena obrigatória de camionistas transfronteiriços. O protesto pacífico já aparenta, porém, agregar apoiantes de outras vertentes, tanto assim que já houve donativos para esta causa superiores a nove milhões de dólares canadianos, ou seja, 6,4 milões de euros.
O denominado “Comboio da Liberdade” (Freedom Convoy) que iniciou este fim-de-semana um imprevisível cerco físico e político a Ottawa, capital do Canadá – em contestação da política transfronteiriça de gestão da pandemia – tem estado a alcançar uma adesão popular inesperada e avultada.
Esta madrugada, as verbas recolhidas para apoio dos manifestantes, através da plataforma de crowdfunding GoFundMe, ultrapassaram já os nove milhões de dólares canadianos, ou seja, quase 6,4 milhões de euros. Este valor é quase o dobro daquele que tinha sido angariado até ao dia 25.
Após um breve período de diferimento da administração da plataforma GoFundMe – para garantir a correcta aplicação dos fundos para pagamento dos combustíveis, alimentação e eventualmente dormidas dos camionistas –, já foi libertado o primeiro milhão de dólares canadianos. Até às 7:30 horas desta manhã realizaram-se mais de 112 mil donativos, totalizando 9.077.990 dólares canadianos. Duas dezenas de doações individuais atingiram 10.000 ou mais dólares.
A coluna de camionistas – em número que tem sido alvo de controvérsia – iniciou a travessia pelo Canadá a partir da costa oeste, no dia 23, em direcção à capital, na costa leste. O objectivo é pressionar o governo federal do liberal Justin Trudeau – que abandonou entretanto a cidade para evitar os protestantes – para abandonar a obrigatoriedade de os camionistas transfronteiriços não-vacinados tenham de cumprir sempre uma insustentável quarentena.
Actualmente, o Canadá tem 79% da sua população vacinada contra a covid-19 e os Estados Unidos 64%. No primeiro país, a mortalidade atribuída a esta doença ronda agora, em pleno Inverno (com temperaturas que, esta noite, chegaram aos 17 graus negativos), os 161 óbitos por dia (média móvel), equivalente a 42 óbitos em Portugal. No caso dos Estados Unidos, a mortalidade ronda os 2.175 óbitos (média móvel), equivalente a 66 óbitos em Portugal.
Apesar de os protestos serem dinamizados por camionistas, os apoios populares têm sido crescentes, e mesmo o dono da Tesla, Elon Musk – nascido na África do Sul, mas também canadiano de nacionalidade, por via materna – já deu o seu apoio explícito. Ainda ontem, através do Twitter, publicou uma foto irónica sobre o Freedom Convoy.
Apesar das autoridades canadianas terem já acusado os manifestantes de diversas acções ilegais e de distúrbio, a manifestação dos camionistas ameaça, sim, transformar-se numa contestação generalizada às políticas de gestão da pandemia. Antes de sair da capital, Trudeau garantiu estar-se perante “uma pequena minoria”, muitos dos quais “expressam opiniões inaceitáveis”, acusando-os de não quererem que se continue “a garantir nossas liberdades, nossos direitos, nossos valores como país”.
Porém, os organizadores da angariação de fundos – entre os quais Tamara Lich, uma dirigente do Maverick Party, um partido separatista de direita, mas que oficialmente não está ligado ao evento – têm apelado ao pacifismo das iniciativas, defendendo que as medidas estão a destruir emprego e a vida de muitas famílias, e que as medidas restritivas têm de terminar.
“Não podemos atingir nossos objetivos se houver ameaças ou atos de violência. Este movimento é um protesto pacífico e não toleramos nenhum ato de violência”, salientam na página do GoFundMe, alertando que “a difusão da Internet e a comunicação global instantânea dão mais poder às palavras e ideias do que qualquer arma física, tornando-se uma ferramenta poderosa que pode ser usada contra a tirania e o autoritarismo”. E concluem ainda: “por isso que eles nos censuram; e por isso, devemos permanecer pacíficos, não importa o custo.”
Certo é que, ao fim de dois dias de ocupação, o Comboio da Liberdade “sitiou” o centro de Ottawa, transformando-se num melting pot de frustração e raiva já contra todas as medidas rigorosas de gestão da pandemia.
A CTV News, um canal televisivo canadiano, refere que têm sido escassos os incidentes, sempre sem violência. O município da capital tem sistematicamente indicado os encerramentos de vias rodoviárias no centro da cidade, sobretudo em redor de Parliament Hill, e sempre com um aviso sobre a duração: unknown (desconhecida). Nesta segunda-feira, além de escolas, bibliotecas e outros serviços públicos, a própria sede do município estará encerrada.
Nos próximos dias, não será ainda previsível conhecer um vencedor nesta luta de paciência e política. Será longa, por certo, até porque dinheiro já não falta aos manifestantes.
O município de Lisboa tem decidido pagar testes de antigénio aos residentes e não-residentes da capital – que permite assim que qualquer pessoa possa, no limite, fazer 14 testes por mês –, através da contratação de uma empresa ligada à Associação Nacional de Farmácias. Em apenas dois contratos nos últimos nove meses, o município agora liderado por Carlos Moedas gastou 9 milhões de euros, mais do que todas as outras autarquias juntas gastaram para o mesmo fim. Na capital portuguesa vive 5% da população do país.
Desde Maio do ano passado, a Câmara Municipal de Lisboa gastou 9 milhões de euros no financiamento de testes de diagnóstico da covid-19, um montante que daria para quatro anos do Plano de Saúde Gratuito prometido por Carlos Moedas aos munícipes carenciados da capital com mais de 65 anos. Ainda sobraria um milhão para financiamento de um ano da Fábrica de Empresas, o hub criativo de startups anunciado pelo novo presidente da autarquia.
Este gasto foi, até agora, consubstanciado sobretudo em dois contratos, ambos assinados entre a Câmara de Lisboa e a Farminvest – uma empresa pertencente à Associação Nacional de Farmácias –, e que está na base da generalização dos testes gratuitos em farmácias da capital.
Estratégia de testagem massiva em Lisboa não encontra paralelo em outro qualquer município.
Os detalhes dos contratos com a Farminvest, sempre por ajuste directo – ou seja, sem qualquer concorrência nem avaliação de preços de mercado –, não estão ainda sequer no Portal BASE, mas a atender a outro contrato similar concretizado entre aquela empresa e o Instituto de Administração da Saúde da Madeira, cada teste de antigénio deverá ter custado 15 euros.
Este é, aliás, o valor máximo fixado numa portaria do secretário de Estado da Saúde, Diogo Serra Lopes, em 3 de Dezembro passado. O Estado português garante, em qualquer região, a comparticipação integral de quatro testes por mês a cada pessoa.
O primeiro contrato, assinado em 26 de Maio, ainda no tempo de Fernando Medina à frente dos destinos da edilidade lisboeta, a Farminveste recebeu 5.699.885 euros, para garantir testes gratuitos aos munícipes durante seis meses em farmácias aderentes.
Na quarta-feira passada, dia 19, foi concretizado um novo contrato, desta vez com o valor de 3.225.000 euros e uma duração de 120 dias, ou seja, até meados de Maio.
Em termos globais, significa que a Câmara Municipal de Lisboa gastará, nos 300 dias dos dois contratos, uma média diária de quase 30 mil euros.
Recorde-se que a Câmara Municipal de Lisboa decidiu reforçar a “comparticipação” – leia-se, pagamento integral – de testes rápidos de antigénio na rede de farmácias aderentes da Associação Nacional das Farmácias, para além dos quatro testes mensais suportados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). E alargou também esse “direito” aos não-residentes. Cada pessoa poderá fazer um teste a cada três dias, o que tem vindo a ser utilizado massivamente sobretudo por jovens na sexta-feira, com ajuntamentos à porta destes estabelecimentos. No limite, qualquer pessoa em Lisboa consegue assim fazer 14 testes de antigénio por mês.
Esta estratégia de testagem massiva em Lisboa é ímpar a nível nacional. Embora desde o início da pandemia se contabilizem dezenas de autarquias que optaram por reforçar a comparticipação do SNS, pagando testes à população, a edilidade da capital portuguesa tem-se esmerado e destacado, oferecendo testes “à discrição”.
Gastos totais e per capita nos 10 municípios com maior despesas em contratos de testes de diagnóstico da covid-19
Contabilizando todos os contratos para a realização de testes PCR e de antigénio (rápidos), incluindo compra de reagentes, constantes no Portal BASE, o PÁGINA UM apurou que 59 Câmaras Municipais gastaram já 16.486.928 euros, sendo que a autarquia de Lisboa foi responsável por quase 55% do total.
A autarquia de Cascais – que tem sido uma das que mais tem gastado na luta contra a covid-19 – pagou 1.925.730 euros em testes de diagnóstico à presença do SARS-CoV-2, enquanto a autarquia do Porto despendeu 1.032.400 euros. Em montantes menos elevados, acima dos 100.000 euros (mas inferiores a 400.000 euros) encontram-se mais 11 autarquias: Albufeira, Amadora, Oeiras, Loulé, Braga, Vila Nova de Gaia, Vizela, Guimarães, Vila Franca de Xira, Loures e Castelo Branco).
Em termos relativos, o gasto da autarquia alfacinha também se salienta em comparação com as demais autarquias, caso se se considere a população de cada concelho, de acordo com os recentes Censos do ano passado. Com efeito, no lote das 10 autarquias que mais gastaram em contratos para testagem desde o início da pandemia, a autarquia de Lisboa pagou 16,5 euros por cada um dos seus 545.923 munícipes, quase o dobro da segunda mais gastadora, Cascais (9,0 euros). O Porto despendeu, até agora, 4,5 euros por munícipe e Vila Nova de Gaia – o terceiro mais populoso concelho do país – nem chega ao um euro por munícipe (74 cêntimos).
Note-se que a autarquia de Sintra, a segunda do país com mais população, não consta da lista de adjudicante em contratos de testes, havendo apenas contratos feitos pelos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento destinados ao rastreio de funcionários.
No segundo ano da pandemia, as farmacêuticas “insuflaram” quase 1,3 milhões de euros para os “pulmões” da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. A norte-americana Pfizer deu uma “ajuda” de cerca de 370 mil euros, quase tudo para uma campanha generalizada de promoção de uma vacina – a pneumocócica – que a Direcção-Geral da Saúde só recomenda para maiores de 65 anos e grupos de risco.
A Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) recebeu 320.000 euros da Pfizer, na segunda metade do ano passado, destinada a desenvolver uma campanha de promoção da vacinação contra a pneumonia pneumocócica em pleno processo de vacinação contra a covid-19 entre a população jovem. Este apoio financeiro é o maior jamais concedido a uma sociedade médica por parte da indústria farmacêutica para um só “evento”, de acordo com os dados da Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed, uma base de dados que compila este tipo de informação desde 2013.
A mensagem da campanha – “Sou maior e quero ser vacinado” – remete exclusivamente para a vacina contra a pneumonia pneumocócica, cuja vacina é comercializada em Portugal sobretudo pela Pfizer (sob a marca Prevenar) e, em menor quantidade, pela Merck (sob a marca Pneumovax). Porém, a sua leitura remetia de imediato para a vacinação contra a covid-19. A campanha decorreu até à segunda quinzena de Dezembro, recorrendo aos órgãos de comunicação social, a outdoors e ao online. Os canais televisivos e as rádios acabaram por beneficiar bastante com os spots publicitários.
Campanha decorreu entre Setembro e Dezembro do ano passado
Saliente-se que a Pfizer já assegurou em Portugal a venda de vacinas contra a covid-19 no valor de 88.909.898 euros, de acordo com o Portal Base, mas em virtude da redução da actividade gripal – que “abre portas” para infecções bacterianas, como a causada pelo Streptococcus pneumoniae –, as vendas da sua vacina pneumocócica têm-se reduzido, embora nunca tenham ultrapassado muito os cinco milhões de euros por ano.
Ou seja, o financiamento da Pfizer à SPP para o desenvolvimento da campanha de promoção da vacinação pneumocócica – que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) apenas recomenda a maiores de 65 anos e a grupos de risco maiores de 18 anos –, surge algo desfocada face aos montantes envolvidos e à população-alvo (toda a população) que supostamente pretende alcançar.
A pneumonia pneumocócica foi a causa de morte de 4.700 pessoas em 2019, mas 96% dos óbitos ocorreu em maiores de 65 anos. Na população com menos de 35 anos – que representa 34,9% da população portuguesa – registaram-se 12 mortes (0,26% do total), seis das quais com menos de 15 anos.
Um outro aspecto incomum desta campanha da SPP – presidida por António Morais, pneumologista do Hospital de São João (Porto), e que tem Filipe Froes como coordenador do Grupo de Trabalho de Infecciologia Respiratória – é o reforço da parceria comercial com a Pfizer.
Em Portugal, esta farmacêutica atribuiu verbas para marketing às sociedades médicas através de duas subsidiárias: a Pfizer Biofarmacêutica Sociedade Unipessoal e a Laboratórios Pfizer. Entre 2017 e 2019, ambas deram à SPP apenas uma média anual de 10.183 euros. No primeiro ano da pandemia (2020), esse valor subiu para apenas 12.000 euros. No ano passado (2021) disparou para 358.500 euros – ou seja, cerca de 30 vezes mais do que o habitual.
Filipe Froes coordena o Grupo de Trabalho de Infecciologia Respiratória da SPP.
Além da campanha de promoção da vacinação em 2021, a Pfizer atribuiu também um inédito apoio à SPP de 35.000 euros para o 37º Congresso Nacional de Pneumologia, que se realizou em Novembro passado na cidade de Albufeira, e que registou até um surto de covid-19 que atingiu 15 médicos, conforme noticiou o Observador.
O valor atribuído pela Pfizer num só ano à SPP não encontra paralelo em nenhum outro ano nem com outra qualquer farmacêutica. Antes de 2021, o valor máximo conseguido por esta sociedade médica de uma só farmacêutica situava-se em 205.338 euros, atribuído em 2017 pela italiana A. Menarini.
O ano de 2021 foi, aliás, bastante favorável financeiramente para a SPP, que parece ter encontrado um filão monetário com o surgimento da pandemia da covid-19. Embora fosse já uma das sociedades médicas portuguesas mais beneficiadas pelas farmacêuticas – que ajustam as verbas de marketing em função da facturação –, o ano passado foi excepcional: 1.298.422 euros, de acordo com o levantamento exaustivo feito pelo PÁGINA UM, tendo assim ultrapassado pela primeira vez a fasquia de um milhão de euros. Em relação ao ano anterior (2020), o crescimento destas receitas foi de 65%.
A Pfizer foi, com grande destaque, a farmacêutica mais generosa para a SPP em 2021, mas mesmo assim ainda nem sequer atinge o pódio no período 2017-2021. A alemã Boehringer Ingelheim ocupa a primeira posição, tendo doado 524.668 euros nos últimos cinco anos. Por exemplo, para patrocínio do recente Congresso Nacional de Pneumologia foram 113.400 euros. Segue-se a helvética Novartis, que deu uma média de quase 91 mil euros por ano no último quinquénio, e um total de 454.572 euros no período. Fecha o pódio de “mecenas” da SPP a portuguesa BIAL com 446.181 euros ao longo dos últimos cinco anos.
Verbas concedidas pelas farmacêuticas e empresas de produtos médicos à Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2017 e 2021 (Fonte: Infarmed)
No total, de entre 30 farmacêuticas e empresa de produtos médicos, a SPP recebeu 4.349.011 euros no período 2017-2021.
No âmbito da investigação que o PÁGINA UM está a desenvolver sobre o financiamento das sociedades médicas, a SPP não mostrou disponibilidade, mesmo com insistência, para responder a um conjunto de questões nem quis fornecer informação financeira sobre as suas relações comerciais com farmacêuticas.
O empresário Lourenço Rosa transformou uma empresa de brindes e estampagem de t-shirts numa máquina de facturação de milhões que começou em contratos por ajuste directo com a autarquia de Cascais para aquisição de material de protecção contra a covid-19. Viralizou a sua actividade para o sector público, sempre sem visto do Tribunal de Contas e sem pormenores no portal BASE. Estendeu o negócio para o privado. Acabou o ano passado com um lucro de 18 milhões de euros, quase 60 vezes o valor registado em 2019. Quer que a pandemia acabe, para bem dos seus filhos, mas, enquanto tal não sucede, participa no próximo mês, pela segunda vez, no Rally Dakar. Tem um bom patrocinador: a ENERRE Pharma, a sua empresa.
Três dias antes do anúncio da primeira morte oficial por covid-19, em 16 de Março do ano passado, Lourenço Rosa usava a sua página pessoal do Facebook para vender álcool gel estilizado em garrafinhas e canetas gravadas com marca da sua empresa. Prometia entregar qualquer encomenda, mesmo a particulares, no prazo de uma semana, e até respondia pessoalmente às (poucas) solicitações sobre entregas ao domicílio. Fornecia até o seu e-mail profissional da empresa – lourenco.rosa@enerre.com – a quem desejasse mais informações sobre onde e como comprar.
A empresa em causa – a ENERRE criada em 1976 pelos pais de Lourenço Rosa, actual administrador único – sempre laborara em torno da produção e comercialização de brindes, têxteis e estampagem de t-shirts e outros artefactos de merchandising. Com armazém, loja e escritório na Matinha, em Lisboa, a ENERRE fazia pela vida. Em 2019, imediatamente antes da pandemia, registou um volume de negócios de cinco milhões de euros, e um lucro de 310 mil euros – ou seja, um pouco mais de 25 mil euros por mês. Não era mau, mas, em termos fiscais, estava classificada como “pequena entidade”.
Lourenço Rosa, administrador único da ENERRE
Pequena também, aparentemente, seria a qualidade apercebida de alguns dos seus serviços. Pelo menos a atender ao nível de satisfação dos clientes. Embora na página do Google sobre a ENERRE já constem agora algumas boas classificações (sem comentários), as “análises” anteriores à pandemia eram arrepiantes. Um dos clientes afiançava que «a qualidade dos produtos é baixa, [e] os atrasos são constantes”, acrescentando: “o atendimento ao cliente é péssimo”. Outro, assegurava que na ENERRE, “pensam em tudo, menos no cliente», dando uma dica: “se quiserem estampados em preto, peçam em branco”.
As queixas não eram apenas de índole cromática. Um outro cliente lamentava que «sempre que a roupa é lavada, a roupa encolhe cada vez mais”, aditando que “só com 5 ou 6 lavagens, uma sweat tamanho L já está mais pequena do que roupa de 14 anos”. E, para terminar, mais um decepcionado cliente acusava a ENERRE de vender gato por lebre: “Tshirts? Parecem tops…”.
A Câmara Municipal de Cascais – que apenas tivera um contacto em 2019 com a ENERRE para a produção de brindes – terá pensado de forma diferente. Na segunda quinzena de Março do ano passado – poucos dias, portanto, após o post de marketing de Lourenço Rosa –, a autarquia liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras nem tempo quase teve de pestanejar entre contratos com a ENERRE para aquisição de material de protecção, máscaras e termómetros no valor total de 2.200.400 euros.
Em menos de uma semana daquele mês foram três, todos por ajuste directo: o primeiro em 17 de Março por uma verba de 361.500 euros; o segundo três dias depois pelo montante de 1.178.900 euros; e o terceiro no dia 23 por um montante de 600.000 euros. Apesar dos contratos constarem no portal BASE, não estão incluídos os anexos que os integram, que listam a quantidade e preços unitários dos materiais comprados. Aliás, a exclusão de elementos essenciais sobre prestações de serviços ou aquisição de bens nesta base de dados começa a ser uma prática cada vez mais frequente – e aceite pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, que gere o portal BASE –, o que facilita a manutenção de negócios obscuros.
Primeira página do contrato assinado entre a ENERRE e a Câmara Municipal de Cascais publicado no portal BASE
Durante Abril do ano passado, ao segundo mês da pandemia, a autarquia de Cascais continuou a comprar materiais à ENERRE como se não houvesse amanhã. E com ajustes directos cada vez mais chorudos. Nesse breve período foram mais oito contratos relacionados com o combate à pandemia. Factura total: 6.474.900 euros. Também nestes casos se ignora detalhes das compras, por não constarem no portal BASE. Ou seja, em menos de 50 dias, o município de Carlos Carreiras – que tem uma população de 214 mil habitantes – despachou para a ENERRE cerca de 8,7 milhões de euros, portanto 40 euros por munícipe.
No entanto, embora a Câmara Municipal de Cascais continue a ser um cliente privilegiado da ENERRE – até hoje foram assinados 24 contratos por ajuste directo relacionados com a pandemia no valor de 13.639.935 euros –, Lourenço Rosa já deixou há muito de ter necessidade (e interesse) em fazer marketing no seu mural da rede social de Zuckerberg. Nem tempo.
Na verdade, nos primeiros meses da pandemia, a ENERRE não teve mãos a medir. Lourenço Rosa começou a despachar contratos num ritmo que se assemelhou ao da chegada de encomendas com máscaras e outros materiais da China, por avião ao aeródromo militar de Figo Maduro. Talvez não por acaso – porque, no mundo dos negócios, raramente há acasos –, o Estado-Maior-General das Forças Armadas também contratou, logo em Março, por ajuste directo, “equipamento de protecção individual (COVID)” no valor de 1.065.850 euros. No portal BASE, esta instituição tutelada pelo Ministério da Defesa “descartou-se” de elencar aquilo que se comprou, e meteu mesmo uma cláusula de sigilo com duração de cinco anos.
Com o prolongamento da pandemia, o EMGFA ainda faria mais compras à ENERRE (já gastou, até agora, em mais de 2,2 milhões de euros), e a apetência pelos materiais contra a covid-19 pela empresa de Lourenço Rosa alastrou aos outros ramos: o Estado Maior da Força Aérea já lhe fez compras de 433.761 euros. A Marinha foi mais modesta: “apenas” 92.750 euros.
Porém, ao nível da contratação pública, as autarquias e os hospitais são os principais clientes da ENERRE. Digamos que os contratos viralizaram a partir de Cascais. Desde Março de 2020, até ontem, a ENERRE assinou 217 contratos públicos com 66 entidades distintas num total de 31.645.963 euros – uma média mensal de 1,4 milhões de euros.
No caso de hospitais e outras entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde, a ENERRE engordou a sua carteira de clientes em 24, e os seus cofres com 9.912.807 euros em contratos por ajuste directo. O Hospital Amadora-Sintra (2,1 milhões de euros), a empresa pública Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (1,7 milhões de euros) e o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (1,6 milhões de euros) foram os mais generosos para a saúde da empresa de Lourenço Rosa. Registam-se ainda mais cinco hospitais ou centros hospitalares com contratos entre 500 mil e um milhão de euros: Espírito Santo (Évora), Barreiro-Montijo, Garcia de Orta (Almada), Coimbra e Divino Espírito Santo (Ponta Delgada).
Lucro de um ano vale 60
Se a ENERRE já chegou a ser acusada por um cliente insatisfeito de vender t-shirts que se transformavam em tops, a sua influência comercial no apetecível mundo autárquico esbijou muito nos últimos dois anos. Depois de Cascais, Lourenço Rosa alargou o seu portefólio de máscaras e outros apetrechos a mais 17 concelhos, através de 37 contratos no valor total de quase 3,3 milhões de euros. Atrás da autarquia de Carlos Carreiras, surgem agora os municípios de Lisboa (cerca de 1,6 milhões de euros) e de Albufeira (quase 500 mil euros). Aveiro, Sintra e Porto contabilizam contratos entre 100 mil e 400 mil euros. Tudo por ajuste directo e contornando o visto do Tribunal de Contas. O regime de excepção por causa da pandemia tudo permitiu.
Antes deste período, a ENERRE não era assim tão afortunada no universo público: entre 2010 e 2019 apenas conseguiu contratos públicos, grande parte dos quais por concurso, num total de 3.069.168 euros – portanto, em 10 anos, uma média mensal de pouco mais de 25 mil euros. De entre estes, destacam-se dois contratos com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de compra de brindes de promoção dos jogos no valor de cerca de 2,3 milhões de euros, contratualizado em 2015. Outros tempos, antes de uma pandemia “conceder” uma espécie de “euromilhões” a Lourenço Rosa.
Não se pode dizer, em abono da verdade, que a ENERRE andou a viver exclusivamente à custa do Estado. Embora Lourenço Rosa não tenha reagido sequer às questões colocadas pelo PÁGINA UM, as demonstrações financeiras da empresa no ano passado mostram que a janela aberta pelos contratos públicos abriu portas no sector privado. Em 2020, segundo a contabilidade da empresa, as receitas e prestação de serviços atingiram os 68,8 milhões de euros.
Tendo em conta os ajustes directos com entidades públicas atingiram, no primeiro ano da pandemia, cerca de 24 milhões de euros, significa então que dois em cada três milhões facturados vierem do sector privado. Recentemente, a CNN Portugal revelou que a ENERRE é o fornecedor principal de material médico relacionado com a covid-19 dos principais hipermercados do país.
Em todo o caso, tenha o dinheiro vindo de onde se quiser, o contabilista da ENERRE já não trabalha em euros como unidade; já digita milhões. O volume de negócios da empresa da Matinha – que continuou, estranhamente, a reger-se pela norma contabilística e de relato financeiro para pequenas entidades – aumentou 14 vezes entre os anos de 2019 e 2020. E a margem de lucro subiu estrondosamente, porque a ENERRE serviu sobretudo como mero importador de produtos fabricados na China – o que deveria levar a uma reflexão sobre as razões do Estado português nunca ter accionado uma central de compras públicas durante a pandemia.
Com efeito, a ENERRE conseguiu um “milagre de produtividade” com a graça da pandemia. Mantendo quase os mesmos custos com pessoal (subiram de 916 mil euros em 2019 para 1,17 milhões euros em 2020), Lourenço Rosa logrou transformar aquilo que comprou por um pouco menos de 44 milhões de euros em vendas de quase 69 milhões. Uma deliciosa receita que, deduzidos outros gastos e despesas, bem como impostos, lhe deu um lucro líquido no ano passado de 18.198.324 euros. E mais 28 cêntimos.
Se Lourenço Rosa mantivesse a ENERRE com um desempenho ao ritmo de 2019 (lucro anual de cerca de 300 mil euros), teria de trabalhar quase 59 anos seguidos para alcançar o que na realidade obteve no primeiro ano da pandemia. Como tem 44 anos, teria de passar esse objectivo aos filhos.
De Reguengos até ao Dakar
Os negócios da ENERRE estão agora, mais do que nunca, de vento em popa, e Lourenço Rosa não tem parado de expandir a sua actividade. Em Fevereiro passado anunciou a construção de um edifício de raiz para a sua nova sede, no Prior Velho. Montou também uma unidade de produção de máscaras com capacidade de 40 mil por dia. E tem também projectada uma fábrica de luvas biodegradáveis em Grândola. Já recebeu entretanto subsídios estatais de 1,44 milhões de euros. Os resultados de 2021 não são ainda conhecidos, obviamente, embora seja de esperar que tenham superado largamente os já extraordinários registados no primeiro ano de pandemia.
Apesar disso, em declarações recentes à CNN Portugal, Lourenço Rosa diz ansiar pelo fim da pandemia. “Sinceramente, queria que isto acabasse já. Não é vida para ninguém. Tenho filhos e não quero que eles vivam com este horror”, garantiu então o empresário.
Porém, quem o vir em muitos vídeos pelo Youtube e posts da sua página do Facebook Lourenço Rosa – Adventure, com cerca de dois mil seguidores, não terá essa percepção.
O sucesso empresarial em redor da pandemia empurrou, por exemplo, o seu hobby de piloto amador para planos estratosféricos. Em Maio de 2019 entretinha-se ele pela Baja TT Reguengos de Monsaraz, por pachorrentas terras alentejanas, mas agora apresta-se para o seu segundo Rally Dakar pelas areias da Arábia Saudita. Na primeira aventura, tripulando um veículo SSV (side-by-side) classificou-se em 15º lugar na categoria. Irradiava de felicidade quando saiu de Portugal no dia a seguir ao Natal do ano passado em direcção à mítica prova, enquanto, ao lado do seu navegador, gravava uma live no interior do aeroporto de Lisboa… sem máscara.
Há dois meses, esteve também no Rally de Marrocos, e já passou pela Baja Hail, nos desertos árabes. Em todas as suas imensas lives e fotos, vestido à piloto profissional, nada nele transparece o “horror” destes tempos em que vivem os seus filhos. Talvez, porque as suas aventuras automobilísticas, aos comandos de um vistoso Can-Am Maverick XRS, estejam a ser suportado pelo patrocinador, ostensivamente mostrado no seu veículo: a ENERRE Pharma.
Lourenço Rosa, com o seu navegador Joaquim, ambos sem máscara, no aeroporto de Lisboa, de partida para o Rally Dakar de 2021
Esta empresa, como o nome indicia, pertence também a Lourenço Rosa. Tem sido, aliás, a ENERRE Pharma que tem ele usado na maioria dos contratos públicos desde Setembro último. Funcionando assim como uma espécie de “subsidiária” de produtos médicos da empresa-mãe, a ENERRE Pharma, deu pelo nome de Brindextil Print Solutions Lda. até 2019, tendo então atingido vendas de 79 mil euros e um lucro de 10 mil.
No ano passado, apresentando as contas já como ENERRE Pharma, os resultados ainda foram mais modestos: 9.200 euros de receitas e um prejuízo de 483 euros. Apesar disso, teve “capacidade” para patrocinar as aventuras do seu proprietário Lourenço Rosa. Não em um Dakar, mas dois Dakar.
E mais haverá, por certo, mais ainda, sobretudo se houver mais pandemia. Mesmo se o horror para os seus filhos se mantiver. E, claro, se se mantiverem os habituais contratos por ajuste directo, sem qualquer visto nem controlo com o Estado e as autarquias portuguesas.