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  • Infarmed diz que contratos dos 33 tratamentos ‘milionários’ para atrofia muscular espinhal são confidenciais

    Infarmed diz que contratos dos 33 tratamentos ‘milionários’ para atrofia muscular espinhal são confidenciais


    Desde 2019, o Infarmed terá autorizado 33 tratamentos para a atrofia muscular espinhal, através da compra de um fármaco da Novartis, conhecido por ser ‘o mais caro do Mundo’, apesar de o Portal Base só registar sete aquisições por hospitais. Quando o PÁGINA UM perguntou as causas, o regulador disse que as compras foram contratualizadas com a Novartis no âmbito de um sistema específico para medicamentos inovadores, e o custo por toma será inferior a dois milhões de euros. Mas o Infarmed não quer mostrar os contratos, apesar do diploma legal, que enquadra a compra deste tipo de medicamentos, não prever a existência de qualquer cláusula de confidencialidade. O PÁGINA UM vai recorrer à Lei do Acesso aos Documentos Administrativos para ver os contratos e as avaliações, podendo avançar também para uma intimação no Tribunal Adminsitrativo.


    No segredo dos deuses – isto é, nos corredores do Infarmed, das administrações hospitalares, do Ministério da Saúde e da farmacêutica Novartis – é como estão as condições contratuais e o valor já gasto pelo Estado português no tratamento de 33 bebés afectados com atrofia muscular espinhal através do recurso ao Zogensma, considerado o medicamento mais caro do Mundo.

    O fármaco da Novartis esteve recentemente envolvido num escândalo que envolveu suspeita de influências ilegais do Presidente da República, que terá, de acordo com uma investigação da TVI, influenciado a sua aplicação em gémeas luso-brasileiras em 2019, no Hospital de Santa Maria, que, além disso, conseguiram nacionalidade portuguesa em tempo recorde.

    Mas mais grave ainda é o secretismo que envolve a aquisição de medicamentos ‘milionários’, que podem atingir os dois milhões de euros, uma vez que as negociações, contratos e avaliações são mantidos secretos pelo Infarmed. E isto quando um diploma legal de 2015, que define e regula o Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias em Saúde, não prevê qualquer confidencialidade; ao invés, estipula explicitamente uma dezena de condições a cumprir nos contratos entre o Infarmed e as farmacêuticas com medicamentos ou intervenções inovadoras e ainda em fase experimental, como é o caso do Zogensma para tratamento da atrofia muscular espinhal.

    O secretismo ainda é maior porque os centros hospitalares nem sequer estão a reportar fielmente no Portal Base as compras estabelecidas através dos contratos entre a Novartis e o Infarmed. Com efeito, há duas semanas, o PÁGINA UM revelara que constava no Portal Base a aquisição de sete compras de Zogensma, com cada dose a rondar os dois milhões de euros: uma em 2020 pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central; uma em 2021 no Centro Hospitalar de São João; quatro em 2022 (três no Centro Hospitalar do Porto e uma no Centro Hospitalar de Gaia-Espinho); e uma este ano (Centro Hospitalar de Coimbra).

    Mas, na verdade, terão sido já adquiridas 33 doses, pelo que assim a esmagadora maioria nem sequer foi colocada no Portal Base. E pior: ignora-se quanto já se gastou, uma vez que o Infarmed diz ser informação confidencial.

    Rui Santos Ivo; presidente do Infarmed: o secretismo de um regulador como forma de estar na Administração Pública, onde a protecção dos negócios das farmacêuticas se sobrepõe à transparência.

    De acordo com as informações detalhadas fornecidas pelo Infarmed a pedido do PÁGINA UM, as compras pelo SNS contabilizam quatros doses em 2019 – duas para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (ambas em Julho) e duas para o Centro Hospitalar de Coimbra (ambas em Outubro) –, seis doses em 2020 – quatro para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (duas em Fevereiro, uma em Março e outra em Julho), uma para o Centro Hospitalar de Coimbra (em Julho) e uma para o Centro Hospitalar do Porto (em Novembro) –, nove doses em 2021 – duas para o Centro Hospitalar do Porto (em Fevereiro e Julho), para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (em Março, Abril e Julho), outras três para o Centro Hospitalar de Lisboa Central (em Março, Abril e Dezembro) e uma para o Centro Hospitalar de São João (em Abril) – 11 doses em 2022 – cinco para o Centro Hospitalar do Porto (duas em Abril, uma em Fevereiro, uma em Março e uma em Junho), uma para o Centro Hospitalar de Lisboa Central (Março), uma para o Centro Hospitalar de Espinho-Gaia (em Abril) e duas para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte (em Outubro e Dezembro) e duas para o Centro Hospitalar de Coimbra (ambas em Novembro – e três doses este ano – duas para o Centro Hospitalar de Lisboa Central (ambas em Janeiro) e uma para o Centro Hospitalar de Coimbra (em Abril).

    Numa primeira fase, o PÁGINA UM confrontou o Infarmed sobre os custos destas terapêuticas – com um preço de referência a rondar os dois milhões de euros – e as razões pelas quais nem todos os contratos estavam publicados no Portal Base. O Conselho Directivo do regulador começou por afirmar que, “para efeitos de aquisição por parte das entidades do Serviço Nacional de Saúde foram negociadas condições de aquisição mais favoráveis, em contrato celebrado com a empresa titular de Autorização de Introdução de Mercado, que estão abrangidas por cláusulas de confidencialidade”, acrescentando que no caso da terapêutica para a atrofia muscular espinhal “o pagamento é feito através de um contrato de partilha de risco assente no tipo de doente e no resultado clínico, e é feito num prazo de quatro anos”.

    Hospital de Santa Maria adquiriu doses que não declarou no Portal Base, tal como muitos outras unidades de saúde.

    Ou seja, segundo o Infarmed, “após o pagamento de uma primeira percentagem (anual), se o tratamento não apresentar as melhorias expectáveis, não existirá lugar à continuação do pagamento do medicamento por parte das unidades hospitalares”, referindo ainda que “o valor negociado e aprovado com a decisão de financiamento foi aplicado aos doentes que já tinham utilizado o medicamento até esse momento”. O Infarmed informou ainda o PÁGINA UM de que “existiu ainda um Plano de Acesso Precoce, colocado em prática antes da conclusão do processo de financiamento, onde foi incluído um tratamento sem custos”, que terá sido o da bebé Matilde.

    Atendível o facto de o enquadramento destes contratos não prever qualquer confidencialidade – pelo contrário, o diploma de 2015 estipula aspectos que devem ser incluídos, o que implica que possa ser confirmado por terceiros, incluindo jornalistas –, o PÁGINA UM voltou a questionar o Infarmed sobre a justificação legal para o secretismo.

    O Conselho Directivo do regulador liderado por Rui Santos Ivo, não fazendo referência ao diploma específico de 2015 – porque não prevê, de facto, qualquer secretismo – garante existir “enquadramento no regime legal aplicável, dentro do objetivo central de viabilizar um compromisso bilateral em sede de contrato de partilha de risco”. E acrescenta ainda que “este tipo de contrato é essencialmente regulatório, tendo um conteúdo normativo próprio que enquadra, nomeadamente, ‘as condições de comparticipação ou da decisão de aquisição mediante avaliação prévia da tecnologia de saúde, comprometendo de modo efetivo o titular dessas tecnologias com os objetivos do sistema de saúde’”.

    Zolgensma é considerado o fármaco mais caro do Mundo, mas apresentou-se como uma terapia de uso único para substituir um medicamento da Biogen que custa 200 mil por cada ano de tratamento contínuo. Quantas vidas já salvou e quanto já custou? Não se sabe porque é segredo.

    Mesmo sabendo-se que a transparência é um preceito não apenas legal mas também um princípio democrático, sobretudo quando estão em causa dinheiros públicos – e ainda mais numa situação de défice em termos de Saúde Pública –, o Infarmed diz ser aceitável este secretismo porque “em Portugal vigora o princípio da liberdade contratual e o princípio da legalidade (…) sem que exista qualquer proibição das partes contratantes estabelecerem por acordo entre si a confidencialidade de determinadas condições contratuais, na medida em que a lei lhes concede a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, desde que em obediência à lei e ao direito e dentro dos limites dos poderes conferidos e em conformidade com os respetivos fins”.

    E ainda, considera o Infarmed, que pela conjugação do regime do SINATS e de directivas comunitárias de transparência e de proteção de segredos comerciais, nada impede que “os preços finais pós-negociação não possam ser sujeitos a cláusulas de confidencialidade”.

    Ou seja, tal como sucedeu com as vacinas contra a covid-19, o Infarmed defende um segredo absoluto sobre quanto se pagou, e em que condições, quanto se devia pagar e quanto não se deveria pagar e pagou, e quanto se pagou a mais. E isto tudo, aos milhões de euros, sem sequer se saber se tudo o que se gastou dos impostos dos portugueses conseguiu salvar qualquer vida ou se apenas serviu para cumprir os objectivos dos accionistas das farmacêuticas.


    N.D. O PÁGINA UM considera inadmissível que, mesmo sabendo da bondade de medicamentos que podem salvar vidas, se pactue com secretismos. Vai por esse motivo solicitar formalmente os contratos e avaliações ao Infarmed deste e de outros medicamentos similares, podendo, em caso de recusar, apresentar uma intimação ao Tribunal Administrativo de Lisboa, com o apoio do FUNDO JURÍDICO.

  • Sem contas à mostra, Start Sines Campus já vai com dívidas de mais de 180 milhões de euros

    Sem contas à mostra, Start Sines Campus já vai com dívidas de mais de 180 milhões de euros


    A Start Sines Campus está a construir um centro de dados mas, ironicamente, nem sequer mostra os seus dados financeiros – leia-se, as demonstrações financeiras. A empresa que está no ‘olho do furacão político’ não tem as contas de 2022 publicadas na Base de Dados das Contas Anuais mas mesmo assim, uma investigação do PÁGINA UM, mostra que os accionistas andam a investir sobretudo com dinheiro de terceiros: desde 2021 já foram emitidos 183 milhões de euros em obrigações com taxas bastante elevadas, o que confirma ser este um projecto de elevado risco. Desse montante, 32 milhões de euros foram obtidos menos de duas semanas antes da detenção do CEO da empresa, Afonso Salema, e do consultor Lacerda Machado.


    Não há contas; só há notícias de sucessivas operações de endividamento. A empresa no ‘olho do furacão político’ do momento, a Start – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus, não entregou as demonstrações financeiras do ano passado na Base de Dados das Contas Anuais, e as únicas informações relevantes mais recentes que lhe são conhecidas são oito empréstimos obrigacionistas que aumentaram a sua dívida em 126 milhões de euros desde Novembro de 2022.

    Apesar da empresa que está a construir o data center – e que substituiu hoje Afonso Salema por Robert Dunn como presidente executivo – ter manifestado a sua aposta em “assegurar que o projeto alcance, em breve, a sua fase operacional”, ainda está por avaliar os efeitos do processo judicial junto dos investidores, que têm sido sobretudo obrigacionistas e não accionistas.

    Para já, a única consequência da Operação Influencer foi a aplicação de uma caução de 600 mil euros, mas ainda é incerto se as autorizações futuras para o avanço do projecto em zona protegida (Zona Especial de Conservação) serão consideradas nulas pela Justiça, o que poderia colocar em causa a dimensão ou mesmo o avanço integral do projecto.

    De acordo com os elementos recolhidos pelo PÁGINA UM, a Start Sines Campus, apesar de contar apenas com um capital social de um milhão de euros já emitiu dívida, através de obrigações, no valor de 183,1 milhões de euros desde a sua criação.

    Nos últimos 12 meses foram oito as emissões: seis milhões de euros em Novembro de 2022, mais duas tranches no mês seguinte no valor total de 23,6 milhões de euros, mais 16,5 milhões de euros em Fevereiro deste ano, mais 12 milhões em Julho, mais 20,1 milhões em Agosto, mais 15,6 milhões em Outubro e mais 32 milhões em 31 de Outubro, poucos dias antes da detenção dos dois responsáveis máximos da empresa, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves.

    Robert Dunn, o novo CEO da Start Sines Campus, trabalhou entre 2016 e 2021 na Digital Realty, uma empresa norte-americana gestora de um centro de dados em Austin (Texas).

    Não são conhecidas as condições destas emissões obrigacionistas nem as contas de 2022 – e a Start Sines Campus não respondeu aos pedidos do PÁGINA UM –, mas, com o agravamento da Euribor a 12 meses ao longo deste ano, será sensato admitir que a empresa estará a pagar uma taxa de juro próxima de 14%, ou seja, um spread de 10%.

    Essa elevada rendilidade potencial mostra sobretudo que os obrigacionistas vêem o projecto do data center em Sines como de risco.

    Diga-se que se desconhecem os subscritores das obrigações, e além disso a emissão é particular, o que implica que nem sequer há obrigatoriedade de registo e cumprimento de outros preceitos, entre os quais um prospecto com informação detalhada aos investidores, na Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM).

    Com efeito, nas contas de 2021 da Start Sines Campus refere-se que foi celebrado “um contrato com a Adare Finance DAC, denominado de “Programme Agreement”, que determina um montante de empréstimo à Empresa até ao montante agregado de 50.000.000,00 euros, com juros à taxa fixa de 10%”. Como nesse período a Euribor estava em terreno negativo, e agora está nos 4,2%, significa que a Start Sines estará a oferecer um rendimento potencial acima de 14%.

    Em todo o caso, sem a consulta das contas de 2022 não será possível ter uma ideia mais concreta da saúde financeira deste investimento, nem sequer confirmar aquilo que foi dito pelos então responsáveis da empresa durante o inquérito desta semana no Tribunal de Instrução Criminal: um investimento, até este mês, de 162 milhões de euros” na aquisição de direitos sobre terenos, em equipamentos e em construção”.

    Afonso Salema, antigo CEO da holding Start Campus, renunciou à administração, mas mantém um pé através da gestão de uma subsidiária.

    Através do cruzamento das contas até 2021 com a emissão de obrigações até à data, consegue-se constatar que entraram na empresa, para serem investidos, pelo menos 187 milhões de euros, dos quais 183,1 milhões de euros de dinheiro dos obrigacionistas (até à data), um milhão de capital social e mais três milhões para cobertura de prejuízos. Ou seja, os accionistas estarão a entrar com uma ínfima parte do investimento, o que significa que, caso a situação se desmorone, serão os obrigacionistas a perder a fatia mais considerável do dinheiro.

    Saliente-se, contudo, que, pelo menos pela amostra das contas de 2021, a Start Sines Campus mostra ser um sorvedouro de recursos para os ditos trabalhos especializados, a saber: nesse ano gastou mais de 613 mil euros em serviços de consultoria, quase 157 mil euros em serviços jurídicos e cerca de 134 mil euros em estudos. Além disso, a empresa ainda pagou mais de 760 mil euros ao AICEP pelas rendas dos terrenos onde está a ser implantado o data center.

  • Aqui há gato: Autoridade Tributária e Aduaneira ‘forja’ contratos de limpeza com franceses da Samsic

    Aqui há gato: Autoridade Tributária e Aduaneira ‘forja’ contratos de limpeza com franceses da Samsic


    Na semana em que o Ministério das Finanças anunciou que há um gato, o Faísca, a passear pelo seu chão, o PÁGINA UM andou a esquadrinhar os 17 ajustes directos consecutivos para limpeza das instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira. Nos últimos sete anos, a entidade que recolhe os impostos dos portugueses já gastou 21 milhões de euros, sempre a beneficiar a mesma empresa, e quase sempre com contratos assinados quando o período de vigência já estava a terminar. No meio ainda se encontram dois contratos com indícios de terem sido forjados. Um deles vigorou, em Março de 2019, durou menos de duas semanas e custou quase 50 mil euros por dia, um preço médio sete vezes superior ao contrato assinado no mês seguinte. O Ministério das Finanças não quis, durante mais de uma semana, esclarecer os estranhos contratos da Autoridade Tributária e Aduaneira sempre em benefício da Samsic, uma empresa francesa.


    Custa a acreditar, mas é verdade. Desde 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem estado sistematicamente a celebrar contratos por ajuste directo com uma empresa de capitais francesa – a Samsic Portugal – Facility Services – para a limpeza de instalações fazendo tábua rasa das mais elementares regras de boa gestão públicas. Num levantamento do PÁGINA UM contabilizam-se, nos últimos sete anos, um total de 17 contratos por ajuste directo que envolvem um montante de 20.965.651 euros. Com IVA, que é dedutível pela empresa francesa, a conta chega próximo dos 26 milhões de euros.

    Apesar de ser um serviço programável – e onde os concursos públicos fazem todo o sentido, por uma questão do melhor preço e qualidade –, na generalidade dos casos, os contratos entre a Autoridade Tributária e a Samsic estão a ser assinados já no decurso do período de vigência, que normalmente são trimestrais, mas podem abranger outras durações sem se perceber os motivos.

    person holding yellow plastic spray bottle

    Em cinco destes contratos, a assinatura pela Autoridade Tributária – na generalidade a cargo de Nuno Roda Inácio, o subdirector-geral responsável pela área de recursos financeiros e patrimoniais – tem sido feita na última semana de vigência. Este dirigente ocupa este cargo, que inclui, por subdelegação, o estabelecimento de contratos, desde 2015, tendo sido nomeado pela então ministra social-democrata Maria Luís Albuquerque. Antes, e desde 2009, Roda Inácio já ocupava funções de relevo na “máquina fiscal’. Todos os contratos da Samsic foram assinados por ele, embora em alguns o seu nome seja indevidamente rasurado alegadamente por causa do Regulamento Geral da Protecção de Dados.

    Por exemplo, o contrato mais recente, abrangendo o período de 1 de Abril a 30 de Setembro deste ano – ou seja, seis meses – e envolvendo um valor de mais de 1,8 milhões de euros, foi assinado por Nuno Roda Inácio na véspera de terminar. Deduz-se que seja a Samsic a continuar, no presente mês de Outubro, a efectuar as limpezas das instalações da Autoridade Tributária. E deduz-se pelo passado desde 2017, porque apesar de múltiplas insistências, o Ministério das Finanças não quis dar quaisquer explicações ou esclarecimentos sobre os estranhos contratos estabelecidos desde 2017 pela entidade que recolhe os impostos dos portugueses e que raramente perdoa falhas.

    A forma como os diversos contratos de limpeza têm sido celebrados entre a Autoridade Tributária e a Samsic deixam sérias dúvidas de legalidade, havendo mesmo dois casos onde se evidenciam fortes indícios de terem sido forjados. Em grande parte dos casos, para justificar a assinatura de contratos enquanto já decorriam os serviços a prestar, o contrato invoca retroactividade.

    Nélson Roda Inácio, à esquerda (cumprimentando em 2016 o então presidente da autarquia de Pombal) foi nomeado subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 2015, tendo assinado todos os ajustes directos com a Samsic.

    Mas essa modalidade, que só pode ocorrer em situações excepcionais e devidamente justificada – e não por norma, como sucede nestes contratos de limpeza –, só pode ser aplicada se não impedir, restringir ou falsear a concorrência prevista no Código dos Contratos Públicos. Ora, sistemáticos ajustes directos com eficácia retroactiva de contratos constituem restrições de concorrência, até porque não se vislumbra qualquer motivo razoável para que, desde 2017, não se consiga pôr em pé um concurso público e que opte por sistemáticos ajustes directos assinados ‘tarde a más horas’.

    Paulo Morais, presidente da Associação Frente Cívica diz não se compreender que ajustes directos para serviços desta natureza sejam sistematicamente assim celebrados em detrimento de concursos públicos, ademais sabendo-se que se destinam a aquisição de serviços banais. “Um ajuste directo deve ser uma excepcionalidade, quando sucede algo previsto, e muito menos se justifica alegar por regra retroactividade do início da sua vigência sem sequer a justificar”, salienta.

    Mas há dois casos particulares no lote de 17 ajustes directos que se revestem de ainda maior gravidade. Ainda no primeiro trimestre de 2018 – depois de três contratos em 2017, o último dos quais terminara em 31 de Dezembro –, a Autoridade Tributária e a Samsic decidiram assinar um novo contrato por ajuste directo por um prazo de 287 dias.

    Ministério das Finanças teve tempo para apresentar o gato Faísca à imprensa, mas não teve para explicar os estranhos ajustes directos da Autoridade Tributária e Aduaneira.

    A vigência desse contrato de 2018 iniciava-se no dia 19 de Março e terminava a 31 de Dezembro, mas existem evidências de os preços terem sido inflacionados para compensar a inexistência de suporte contratual entre 1 de Janeiro e 18 de Março. Com efeito, enquanto o preço médio diário das limpezas em 2017 foi de 6.626 euros, o contrato de 2018 (com 287 dias de duração) ficou por 8.837 euros por dia. Ou seja, um aumento de 33%. Se o contrato de 2018 tivesse sido estabelecido para os 365 dias do ano, o custo diário era de 6.949 euros, aproximando-se assim daquele que fora o do ano anterior.

    No ano seguinte, em 2019, repetiu-se o expediente para compensar mais ‘acertos’ em limpezas sem contrato, mas com sinais de fraude ainda muitíssimo mais evidentes. Nos primeiros dois meses e meio não se encontra qualquer contrato de limpeza que tenha estado em vigor, mas em 19 de Março desse ano, a Autoridade Tributária decidiu fazer mais um muito suspeitoso ajuste directo beneficiando a Samsic.

    Com uma duração de apenas 13 dias, porque só foi assinado no dia 19 e expirava a 31 de Março, envolveu um pagamento de 648.402 euros, significando assim que, formalmente, em cada um dos poucos dias deste contrato de limpeza a Autoridade Tributária pagou 49.877 euros à Samsic. No mês seguinte, em Abril, entraria em vigor um novo contrato por ajuste directo, que durou 275 dias, até ao final do ano. Como teve um preço contratual de 1.984.242,74 euros, significa que por dia custou 7.215 euros, bem demonstrativo de que o contrato de Março de 2019 foi forjado para ter um preço médio mais de sete vezes superior.

    Ajuste directo de Março de 2019 só vigorou por 13 dias a um preço diário exorbitante e terá sido o segundo contrato suspeito de ter sido ‘forjado’. Generalidade dos contratos foram assinados quando o prazo de vigência estava a decorrer; em alguns casos quase a terminar.

    Para confirmar as fortíssimas suspeitas de contrato forjado em Março de 2019 acrescente-se que os contratos de limpeza a partir de 2020 apresentam um preço médio diário a rondar os 10.000 euros por dia.

    Saliente-se também que, desde 2017, os seis maiores contratos por ajuste directo assinados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, qualquer um deles acima de um milhão de euros, foram sempre no sector da limpeza e todos a beneficiar a Samsic.

    Paulo Morais considera que casos como estes mostram ser fundamental a existência de auditorias sérias “para que não se pense que tudo é possível”. “O Tribunal de Contas não pode manter uma atitude passiva, fazendo apenas análises por amostragem e de forma simples”, defende o presidente da Associação Frente Cívica, para quem se mostra cada vez mais evidente que “o país está a saque”.  

  • SIRESP: Motorola já facturou 32,3 milhões de euros em contratos públicos depois de vender quota ao Estado

    SIRESP: Motorola já facturou 32,3 milhões de euros em contratos públicos depois de vender quota ao Estado


    No ano passado, a então presidente da recém-nacionalizada SIRESP S.A. acusava o Ministério da Administração Interna de andar a beneficiar a Motorola. A Polícia Judiciária ainda fez buscas em Outubro de 2022, mas tudo continuou na santa paz dos negócios. E a empresa norte-americana nunca facturou tanto como nos últimos 12 meses em contratos públicos, grande parte dos quais por ajuste directo. Em Dezembro do ano passado, ficou com o lote mais “gordo” de um concurso para manutenção da rede SIRESP, e já este ano soma cinco contratos, o último dos quais celebrado na passada semana: para a compra de equipamento, fez-se um ajuste directo pela módica quantia de 6.829.999,90 euros.


    Nos últimos 12 meses, a Motorola celebrou oito contratos relacionados com o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) envolvendo já mais de 31,6 milhões de euros. Desde que deixou de ser accionista da empresa que gere o sistema de comunicações do Estado (a SIRESP S.A.), a empresa norte-americana amealhou dinheiros públicos como nunca: desde 2020, em 22 contratos , dos quais 16 por ajuste directo, já contabiliza mais de 32,3 milhões de euros.

    O mais recente contrato – concretizado no dia 20, e publicado na sexta-feira passada, para compra de equipamento para a rede SIRESP –, foi feito por ajuste directo por 6.829.999,90 euros, sendo adjudicante a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna. A justificação para o ajuste directo foi a inexistência de concorrência directa “por motivos técnicos”. O Ministério tutelado por José Luís Carneiro passou, desde Janeiro do ano passado, por via do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a centralizar as compras das denominadas “infraestruturas críticas digitais eficientes, seguras e partilhadas”, substituindo assim, nessa função, a empresa pública SIRESP S.A..

    Recorde-se a Motorola foi em 2003 um dos accionistas originais da SIRESP S.A. – e que teve como companheiros de negócios, numa polémica parceria público-privada, a então Portugal Telecom (hoje Altice), a Esegur (uma empresa de segurança então detida pelo Banco Espírito Santo e a Caixa Geral de Depósitos), a Sociedade Lusa de Negócios e ainda a Datacomp – até à nacionalização desta empresa no final de 2019, através da aquisição das participações socais pelo Governo de António Costa por 7 milhões de euros. Nessa altura, a empresa pública Parvalorem já detinha 33%, estando a Motorola ainda com 14,9% e a PT Móveis (Altice) com 52,1%.

    No exercício de 2019, quase todo ainda sob gestão maioritariamente privada, a SIRESP S.A. apresentava um passivo de perto de 22,5 milhões de euros e contabilizou, nesse ano, um prejuízo de 1,3 milhões de euros. Nesse último ano como accionista dessa empresa, agora totalmente pública, a Motorola apenas arrecadara, como fornecedora, cerca de 811 mil euros. De acordo com o relatório e contas, no ano anterior, em 2018, a empresa norte-americana facturara à SIRESP S.A. cerca de 1,6 milhões de euros.

    Com a sua saída como accionista, paradoxalmente os negócios da Motorola aumentaram não apenas directamente com a empresa SIRESP S.A. como com outras entidades públicas que funcionam sob a rede de comunicações SIRESP.

    O contrato mais substancial foi obtido no final do ano passado, já depois de uma enorme polémica envolvendo acusações em Março do ano passado da então presidente do SIRESP, Sandra Perdigão Neves, de que o secretário-geral do ministério, Marcelo Mendonça de Carvalho (e indiretamente o secretário de Estado Antero Luís) de favorecer a Motorola no caderno de encargos do um concurso para a operação e manutenção da rede SIRESP. A administradora, uma ex-quadro da Altice, denunciava alegados vícios neste concurso, sabendo-se também que um consultor que trabalhava para o Ministério da Administração Interna, Hélder Santos, fora director da Motorola em Portugal.

    Apesar de Sandra Neves e Hélder Santos terem sido afastados pelo Governo, e já depois de buscas domiciliárias e não-domiciliárias em Outubro do ano passado, pela Polícia Judiciária, no decurso de um inquérito titulado pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), o polémico concurso público seguiu o seu curso, sendo limitado por prévia qualificação, onde compareceram 10 empresas: Motorola, Moreme, NOS, Altice Labs, NoLimits Consulting, Claranet II Solutions, Motorola, Vodafone, Omtel, Nokia Solutions e Sandokan Unipessoal.

    A empresa pública SIRESP acabou por distribuir a aquisição de serviços por sete lotes entregando-os a seis empresas, tendo a Motorola ficado com a fatia de leão: o lote com o maior contrato, no valor de 23,6 milhões de euros, quase tanto como o conjunto dos outros seis lotes.

    José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, por via do Plano de Recuperação e Resiliência, centralizou as aquisições das denominadas “infraestruturas críticas digitais eficientes, seguras e partilhadas”, substituindo assim a empresa pública SIRESP,

    Com efeito, a NOS venceu dois dos lotes, mas no total facturará de cerca de 7,8 milhões de euros (um de 2,8 milhões e outro de quase 4,0 milhões), a NoLimits Consulting teve direito a um contrato de 6,3 milhões de euros, a Omtel de outro de um pouco menos de 5,7 milhões de euros, a Altice Labs outro de 3,1 milhões de euros e a Moreme de outro ainda de apenas 2,8 milhões de euros. Ou seja, no total as cinco empresas concorrentes arrecadaram seis dos sete lotes a concurso, mas facturaram apenas 52% do bolo a jogo.

    Mas além deste contrato de 23,6 milhões de euros e também da venda de equipamento à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (no valor de 6,8 milhões de euros), o Governo ainda pagou em Agosto passado mais 53.887 euros à Motorola por “estudos de cobertura e planeamento rádio para implementação de novas estações base na rede SIRESP”. Neste caso, a decisão surgiu após uma consulkta prévia também á NOS.

    Mas os restantes cinco contratos do último ano da Motorola foram todos por ajuste directo, dos quais três com a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC). O mais recente foi celebrado no dia 7 deste mês, com vista à aquisição de consolas SIRESP para os comandos regionais do Norte, de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve e de seis novos comandos sub-regionais. Preço sem concorrência: 440.577 euros, alegando-se, para um contrato de mão-beijada, ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. Os outros dois contratos envolveram montantes muito mais reduzidos: um de 8.700 euros, para baterias destinadas a terminais, e outro de 37.850 euros para aquisição de software de programação remota de rádios SIRESP.

    Evolução dos montantes anuais (em euros) de contratos públicos celebrados pela Motorola entre 2008 e 2023 (até 24 de Setembro). Fonte: Portal Base.

    Os outros dois contratos nos últimos 12 meses envolvendo a rede SIRESP, e beneficiando por ajuste directo a Motorola, foram assinados em Novembro do ano passado, com a autarquia de Lisboa (no valor de 58.077 euros) e com o Instituto Nacional de Emergência Médica (no valor de 181.766,70 euros).

    Assim, contas feitas, e de acordo com os dados do Portal Base, consultados pelo PÁGINA UM, desde a sua saída formal da SIRESP S.A. – nacionalizada pelo Governo de António Costa em finais de 2019 –, a Motorola conseguiu um total de 22 contratos envolvendo cerca de 32,3 milhões de euros, dos quais 23,8 milhões em 2022 e cerca de 7,5 milhões este ano. Isto é, uma média de quase 8,1 milhões de euros por ano. Entre 2008 e 2019, quando era accionista da SIRESP S.A., a empresa norte-americana apenas facturou, também curiosamente em 22 contratos públicos, apenas cerca de 5,3 milhões de euros, ou seja, uma média pouco superior a 500 mil euros por ano. Conclusão: após a sua saída como accionista da empresa agora pública, a facturação média da Motorola aumentou, em quatro anos, mais de 15 vezes.

  • Governo gasta mais 222 milhões de euros em vacina que já (quase) ninguém quer

    Governo gasta mais 222 milhões de euros em vacina que já (quase) ninguém quer


    Com a crónica crise no Serviço Nacional de Saúde, em Portugal só não falta dinheiro para uma coisa: vacinas contra a covid-19. O Governo acaba de decidir gastar mais 222 milhões de euros até 2026, aumentando a factura destas vacinas para os 1,1 mil milhões de euros. O montante médio anual previsto (55,5 milhões de euros) daria, nas primeiras fases, para comprar mais de 2,8 milhões de doses, mas, a não ser que os preços unitários praticados pelas farmacêuticas tenham disparado, comprar-se-á para deitar fora. Com efeito, a adesão ao terceiro booster em Portugal foi de apenas 4% (400 mil pessoas), de acordo com dados do European Centre for Disease Prevention and Control. Na Europa foi ainda mais baixo (2,4%) e já há mais de uma dezena de países onde praticamente deixou de se administrar reforços, devido à baixa procura.


    Apesar de um desinteresse generalizado, em toda a Europa, no reforço da vacinação contra a covid-19, o Governo português destinou mais 222 milhões de euros para a compra de doses até 2026. Tendo em conta que nos anos anteriores os custos globais de aquisição de doses e de material para a administração de vacinas já vai em quase 877 milhões de euros, a factura vai assim ascender aos 1,1 mil milhões de euros.

    De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros publicada hoje, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) fica autorizada a gastar um montante de 223.326.350,32 euros até 2026, ficando os encargos anuais entre os cerca de 50 milhões de euros, no próximo ano, e os 65,4 milhões a gastar este ano.

    Centros de vacinação para o terceiro reforço estiveram às moscas. Apenas 4% dos portugueses aderiram.

    Embora o Governo queira manter secretos os contratos assinados com as farmacêuticas – estando uma intimação a correr no Tribunal Administrativo de Lisboa, por iniciativa do PÁGINA UM –, as diversas Resoluções de Conselho de Ministros desvendam já um pouco do véu sobre os sumptuosos gastos para uma operação vacinal sem precedentes, mas que foi perdendo muito gás durante os últimos dois anos, não apenas em Portugal mas em todos os países abrangidos pelo European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC).

    De acordo com esta instituição, Portugal até foi, no grupo dos 30 países europeus abrangidos, aquele com maior adesão na vacinação primária: 87% da população. Mas no primeiro booster já só respondeu ao “convite” 69% da população, sendo até já ultrapassado pela Itália (76%).

    Mas foi com a chamada para o segundo e terceiro booster – numa altura em que a eficácia das vacinas e os seus efeitos secundários, a par do secretismo das autoridades e da dominância de variantes menos agressivas, levaram ao aumento da desconfiança – que se observou um quase completo alheamento. No caso de Portugal, o segundo booster somente teve uma adesão de 30,8%, mesmo assim uma procura apenas ultrapassada pela Bélgica (33,6%) e a Dinamarca (32,3%).

    Evolução da adesão (% da população total) ao programa vacinal na Europa nas diversas fases. Nota: sd (sem dados). Fonte: ECDC.

    Já com o terceiro booster, a queda da procura ainda foi maior, sobretudo em Portugal, que nas outras fases estava no “pelotão da frente”. De acordo com os dados do ECDC, apenas 4% da população portuguesa foi à chamada para o terceiro booster – ou seja, ao terceiro reforço após a vacinação inicial com uma ou duas doses, consoante a marca –, ficando assim atrás da Holanda (12,6%), Finlândia (9,9%), Irlanda (9,6%), Islândia (4,9%) e Bélgica (4,3%).

    Aliás, na generalidade dos países, a procura pelo terceiro reforço é bem demonstrativo de que a confiança na vacinação contra a covid-19 – ou a percepção da sua utilidade face à imunidade natural e à ocorrência de variantes menos agressivas – é agora praticamente nula. Os dados da ECDC revelam 11 países com adesão nula ou inferior a 1% ao terceiro booster. Contam-se ainda cinco países sem dados para o terceiro booster, dos quais quatro (Croácia, Lituânia, Polónia e Roménia) onde provavelmente a adesão foi nula, visto que a procura do segundo booster já era bastante baixa.

    Em termos globais, a ECDC aponta assim para uma adesão de apenas 2,4% dos europeus aos terceiro booster, quando atingira 14,7% no segundo booster, os 54,6% no primeiro booster e os 73% na vacinação primária. Em termos absolutos, nos países europeus abrangidos pelo ECDC (União Europeia e ainda Islândia, Liechtenstein e Noruega), foram administradas mais de 330 milhões de doses em vacinação primária (houve cerca de 342 milhões de pessoas que optaram apenas por uma dose), baixando para 248 milhões quando as autoridades consideraram a necessidade de um reforço. Ao segundo reforço só responderam já um pouco menos de 67 milhões de pessoas. E para o terceiro booster já só mostraram interesse menos de 9 milhões de europeus. Assim, entre a vacinação primária e o terceiro reforço, contabiliza-se uma redução de 97,3%.

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    Mesmo que Portugal mantenha, para os próximos reforços previstos até 2026, os níveis de adesão do terceiro reforço (4%) – o que corresponde a cerca de 400 mil pessoas –, as quantidades susceptíveis de serem adquiridas, atendendo ao montante atribuído à DGS pelo Governo, aparentam ser excessivos, se se tiver em conta os preços praticados nas primeiras fases da vacinação.

    As primeiras compras do Governo português tiveram um preço entre os 15 e os 20 euros por dose, significando que, se o preço unitário se mantivesse nesses níveis, seria apenas necessário gastar 8 milhões de euros por ano. E não os 55,5 milhões de euros a gastar, em média por ano, até 2026.

    Porém, mostra-se expectável, que as farmacêuticas, com a forte redução da procura, aumentem substancialmente os preços unitários para manter as expectativas de receita. Só assim se justifica que o Governo preveja um gasto médio anual de 55,5 milhões de euros, que dariam para quase 2,8 milhões de pessoas, ou seja, quase sete vezes mais do que o número de vacinados com a terceira dose de reforço.

    Evolução da administração de doses contra a covid-19 nos países europeus nas diversas fases do processo de vacinação contra a covid-19. Fonte: ECDC.

    Recorde-se, mais uma vez, que o Ministério da Saúde está a fazer todos os esforços para manter secretos os contratos das vacinas contra a covid-19, onde constam os preços unitários. Desde o final do ano passado decorre um processo de intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa, quase kafkiano, para acesso aos contratos de compra das vacinas.

    Ainda esta semana, a juíza do processo exigiu que o Ministério da Saúde provasse, com documentação, que os contratos entre a Direcção-Geral da Saúde e as farmacêuticas, solicitados pelo PÁGINA UM, se encontravam no site da Comissão Europeia. Aguarda-se essa “prova”, até porque, na verdade, aquilo que consta no site da Comissão Europeia são apenas os acordos, barbaramente rasurados, entre a Comissão von der Leyen e as diversas farmacêuticas, algumas das quais nem sequer venderam qualquer dose a Portugal.

    O actual director-geral interino da Saúde, André Peralta-Santos – um dos principais candidatos a substituir Graça Freitas como Autoridade de Saúde Nacional –, e que colaborou no ano passado por quatro vezes com a farmacêutica Pfizer, defendeu em Julho passado, junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, que o Ministério da Saúde deveria, “para efeitos de contestação” à intimação do PÁGINA UM para acesso aos contratos de compras de vacinas e outros documentos associado às aquisições, “questionar, mesmo nesta fase do processo, se os Tribunais nacionais serão os competentes para julgar esta matéria”. A Pfizer foi a empresa farmacêutica que mais vendas terá efectuado a Portugal.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Cidade Europeia do Vinho: autarcas do Douro gastam 316 mil euros em copos

    Cidade Europeia do Vinho: autarcas do Douro gastam 316 mil euros em copos

    Não se sabe quantas garrafas foram ou serão necessárias abrir, e quanto vinho será entornado, mas certo é que a Comunidade Intermunicipal do Douro não teve problemas em despachar a compra de 316 mil euros a uma empresa unipessoal da região para o fornecimento de dezenas de milhar de copos para promover a região. Um dos dois contratos define o número preciso de copos de duas qualidades, de dois estilos: 66 mil. Os copos de melhor qualidade custam por unidade, no mercado, mais de sete euros. Mas estes são apenas dois dos 42 contratos já assinados pelos autarcas do Douro para promover os vinhos desta região, que envolvem mais de 2,6 milhões de euros. Mas é pouco provável que haja escândalo na imprensa mainstream por causa disto: CMTV, SIC e TVI estão entre os beneficiários destes contratos públicos.


    Foi tudo para copos. E nem sequer estamos a falar no custo do vinho. A Comunidade Intermunicipal do Douro (CIMDOURO) – uma associação de 19 municípios criada em 2009, e abrangida pelo direito público – já gastou quase 316 mil euros na aquisição de copos para eventos da Cidade Europeia do Vinho. O mais recente contrato, colocado hoje no Portal Base, foi assinado em Julho, havendo um outro em Abril.

    O Douro foi escolhido no ano passado pela Rede Europeia das Cidades do Vinho (RECEVIN) – derrotando as candidaturas, também lusitanas, do Algarve e Vale do Lima –, e as iniciativas começaram há sete meses, prevendo-se o culminar das festividades em 13 de Janeiro do próximo ano.

    Photo of Person Pouring Wine into Glass besides Some Cheese Pairings

    Do primeiro contrato dos copos não existem muitas referências, apenas constando que incide sobre “aquisição de bens/serviço para a “MERCHANDISING – COPOS DE VINHO – DOURO CIDADE EUROPEIA DO VINHO 2023” (sic). O valor do contrato, entregue à empresa unipessoal Amadeu Araújo por consulta prévia – embora o Portal Base não identifique as outras empresas convidadas – foi de 85.755,60 euros, IVA incluído, estando omitida a quantidade ou qualidade dos copos.

    Porém, no caso do segundo contrato existem já referências muito concretas. De acordo com esse contrato assinado em Julho, e hoje publicado no Portal Base, a associação municipal decidiu contratar também a empresa unipessoal Amadeu Araújo para fornecer no prazo de 100 dias, um total de 36 mil copos de acrílicos em tritan – cujo preço de mercado, em pequena quantidade, ronda os 5 euros – e mais 30 mil copos do tipo Riedel Degustazione Red Wine, que, também em pequenas quantidades pode atingir um preço unitário acima dos 7 euros. Há garrafas de vinho do Douro, de qualidade já bastante razoável, que custam isso ou pouco mais.

    Este contrato é o mais oneroso de todos os 43 contratos públicos detectados pelo PÁGINA UM já estabelecidos este ano pela CIMDOURO, liderada por Carlos Silva Santiago, presidente social-democrata da autarquia de Sernancelhe, para eventos no âmbito da Cidade Europeia do Vinho, em diversas localidades da região duriense. No total, a conta vai nos 2.146.829 euros sobretudo em acções de promoção e festividades, que incluem pagamentos de concertos a artistas (Pedro Abrunhosa, Ana Bacalhau, Miguel Araújo e António Zambujo) e contratos com estações de televisão. Sem IVA. Com IVA a conta segue acima dos 2,6 milhões de euros.

    Carlos Silva Santiago, presidente da autarquia de Sernancelhe e da Comunidade Intermunicipal do Douro, de copo na mão, durante a gala de abertura da Cidade Europeia do Vinho em Fevereiro.

    Apesar da decisão de entregar a organização da Cidade Europeia do Vinho para 2022 ter sido decidida em Bruxelas em Junho do ano passado, apenas um dos 42 contratos já assinados pela CIMDOURO foi por concurso público, curiosamente o da aquisição dos 66 mil copos. Porém, foi um concurso público muito sui generis, porque o anúncio foi publicado em 12 de Junho deste ano e somente havia seis dias para apresentação de propostas. Resultado: só houve um concorrente, a Amadeu Araújo Unipessoal.

    Esta empresa de Amadeu Araújo tem sede fiscal em Santa Marta de Penaguião, mas o seu proprietário exerce actividade em toda a região duriense, com 19 contratos públicos no valor total de quase 475 mil euros, grande parte dos quais a autarquia e entidades públicas de Peso da Régua, entre as quais a Santa Casa da Misericórdia. Segundo pesquisa do PÁGINA UM, Amadeu Araújo é suplente do Conselho Fiscal dessa Santa Casa, além de ser vogal da Associação Comercial e Industrial dos Concelhos do Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião e Mesão Frio (ACIR). Também foi entre 2013 e 2016 vogal da A2000 – uma associação de desenvolvimento local de direito público –, com quem a sua empresa estabeleceu dois contratos.

    Além dos 316 mil euros em copos, a CIMDOURO não teve grandes problemas em gastar mais de 183 mil euros (IVAS incluídos) em divulgação do eventos em caixas multibanco, em dois contratos por ajuste directo com a MOL 2. A sociedade Quinta da Pacheca, em Lamego, que possui também um hotel, também não se deu mal: em dois contratos de catering para dois eventos amealhou quase 98 mil euros.

    black and red round fruits on green leaves during daytime

    Também os principais órgãos de comunicação social participaram na festa – e na distribuição de dinheiros públicos. Excluindo IVA, a Cofina recebeu 40.000 euros pela transmissão televisiva pela CMTV da gala de abertura da Cidade Europeia do Vinho no passado dia 4 de Fevereiro.

    Em contrato assinado em 3 de Maio, a SIC assinou um contrato de 61.483 euros para promoção, sem que seja estipulado de que género, tanto mais que o caderno de encargos não se encontra no Portal Base. O contrato foi assinado após consulta prévia, tendo a TVI como perdedora, mas a televisão da Media Capital não ficou a chuchar no dedo, porque em janeiro assinara um outro contrato similar, embora num valor mais reduzido: 34.224 euros.

    Por sua vez, a Porto Canal, através da sociedade Avenida dos Aliados, presidente por Jorge Nuno Pinto da Costa, amealhou verbas para promover a Cidade Europeia do Vinho, encaixando  41.600 euros. O jornal regional Viva Douro recebeu 19.750 euros para os mesmos efeitos.

    people tossing their clear wine glasses

    Apesar de o contrato dos copos ser, até agora, o mais dispendioso, a análise dos contratos feita pelo PÁGINA UM mostram que o evento da gala de abertura, realizada em Lamego, teve também um custo elevado, rondando os 280 mil euros.

    Este montante inclui, além dos custos de transmissão televisão e de produção, os cachets de Ana Bacalhau e Pedro Abrunhosa (19.040 euros, no conjunto), Miguel Araújo (12.500 euros), António Zambujo (10.350 euros) e Ópera da Academia e da Cidade (10.000 euros).  


    Lista dos contratos assinados pela Comunidade Intermunicipal do Douro no âmbito da Cidade Europeia do Vinho (excluindo IVA)

    1 – Aquisição de copos – Merchandising – Cidade Europeia do Vinho (Concurso público) – Amadeu Araújo Unipessoal – 187.140 euros

    2 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Outdoors Autoestradas (Consulta prévia) – Dreammedia Portugal – 74.996 euros

    3 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aluguer de estrutura móvel para eventos (Consulta prévia) – Multitendas – 74.750 euros

    4 – Douro Wine RoadShow – Aquisição de atrelado caixa fechada expansível – Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Raceland – 74.643 euros


    5 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Redes de multibanco (Ajuste Directo Regime Geral) – MOL 2- Multimédia Outdoor Online – 74.550 euros

    6 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Redes de multibanco – Fase II (Ajuste directo regime geral) – MOL 2 – Multimédia Outdoor Online – 74.532,45 euros

    7 – Merchandising – T-Shirt Oficial – Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Primine – 74.000 euros

    8 – Estrutura, som e audiovisuais da gala de abertura da Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Fun Addict – 72.500 euros

    9 – Gestão e coordenação – Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Plataforma Coerente – 72.500 euros

    10 – Merchandising – Copos de vinho – Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Amadeu Araújo Unipessoal – 69.720 euros

    11 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Serviços de catering comemorativo Cidade Europeia do Vinho – I (Consulta prévia) – Quinta da Pacheca – 65.467 euros

    12 – Promoção da Cidade Europeia do Vinho 2023 – Rádios nacionais (Consulta prévia) – Intervoz Publicidade – 65.000 euros

    13 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Televisão generalista (Consulta prévia) – SIC-Sociedade Independente de Comunicação – 61.482,78 euros

    14 – Produção de conteúdos digitais da Cidade Europeia do Vinho 2023 – Fotografia e Vídeo (Consulta prévia) – I Love Douro – 59.800 euros

    15 – Produção do espectáculo da gala de abertura da Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – PLW – Artes do Espetáculo e Turismo – 56.500 euros

    16 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aquisição de serviços de pirotecnia (Consulta prévia) – Pirotecnia Minhota – 55.000 euros

    17 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aluguer de material para eventos – Mesas e cadeiras (Consulta prévia) – Jet Stand – 54.820 euros

    18 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aluguer de bancadas para eventos (Consulta prévia) – Hélio Coelho – Organização de Eventos – 47.717 euros

    19 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Televisão por cabo (Consulta Prévia) – Avenida dos Aliados – 41.600 euros

    20 – Transmissão televisiva da gala de abertura Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta Prévia) – Cofina Media – 40.000 euros

    21 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Desenvolvimento de uma campanha promocional televisiva (Consulta prévia) – TVI – Televisão Independente – 35.224 euros

    22 – Execução da Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Peacock Smartbusiness Services – 19.950 euros

    23 – Aquisição de serviços de promoção da Cidade Europeia do Vinho 2023 – Jornal regional Viva Douro (Ajuste directo regime geral) – Vivacidade Sociedade de Comunicação Social – 19.750 euros

    24 – Concerto de Música – Ana Bacalhau e Pedro Abrunhosa – Gala de abertura Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Sons em Trânsito Espectáculos Culturais – 19.040 euros

    25 – Aquisição de serviços para desenvolvimento de branding e APP – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Twoplay – 19.000 euros

    26 – Aquisição de merchandising – Brindes para Passeio Mota Douro – Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 (Ajuste directo regime geral) – Álvaro Augusto Ramos Fonseca – Pulibrindes – 18.176,4 euros

    27 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aquisição de serviços de aluguer de som e luz (Ajuste directo regime geral) – Braga Eventos – 17.635 euros

    28 – Douro Wine RoadShow – Exposição Douro – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Fundação Museu do Douro – 17.500 euros

    29 – Promoção do evento – Pórticos – Cidade Europeia do Vinho 2023 (Ajuste directo regime geral) – Factory Play – 16.355 euros

    30 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Serviço de aluguer de barco – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Tomaz Douro – Empreendimentos Turísticos – 15.305,28 euros

    31 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Serviços de catering comemorativo Cidade Europeia do Vinho – II (Ajuste directo regime geral) – Quinta da Pacheca – 14.000 euros

    32 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aquisição de serviços de segurança privada (Ajuste directo regime geral) – 3XL Segurança Privada – 13.704 euros

    33 – Douro Wine RoadShow – Aluguer de viatura/carrinha curta e média duração – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Vitoria & Pereira Rent-a-Car – 13.200 euros

    34 – Concerto de música – Miguel Araújo – Gala de abertura Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Primeira Linha – 12.500 euros

    35 – Douro Wine RoadShow – Cidade Europeia do Vinho 2023 – Alojamento e viagens – National Geographic Food Festival (Ajuste directo regime geral) – Realvitur Viagens e Turismo – 11.616,6 euros

    36 – Douro Wine RoadShow – Cidade Europeia do Vinho – Chefs de cozinha – National Geographic Food Festival (Ajuste directo regime geral) – António Luís Gomes Gonçalves – 11.500 euros

    37 – Conceção e aquisição de materiais gráficos Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Hermínio Manuel Lopes – 11.265 euros

    38 – Concerto de música – António Zambujo – Gala de abertura Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Brain Entertainment – 10.350 euros

    39 – Concerto de música – Orquestra – Gala de abertura Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Ópera da Academia e da Cidade – Associação Cultural – 10.000 euros

    40 – Douro Wine RoadShow – Cidade Europeia do Vinho 2023 – Transporte de stand e bens alimentares regionais – National Geographic Food Festival (Ajuste directo regime geral) – Totalplan – 9.500 euros

    41 – Douro Wine RoadShow – Aquisição de tenda – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Factory Play – 9.160 euros

    42 – Palco, luz e som para o Encontro de Cantadores de Janeiras no âmbito da Cidade Europeia do Vinho 2023 (Ajuste directo regime geral) – Simbólico Aplauso – 5.540 euros

  • JMJ em Lisboa: “voaram” 614 mil euros para reforço da limpeza durante três semanas, mas lixo nem aumentou

    JMJ em Lisboa: “voaram” 614 mil euros para reforço da limpeza durante três semanas, mas lixo nem aumentou

    Enquanto a autarquia de Loures tratou do lixo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) com a “prata da casa”, já o município liderado por Carlos Moedas decidiu contratar a “peso de ouro” três centenas de cantoneiros a uma empresa de trabalho temporário, e durante quase três semanas. Custo total da operação: 614.119,32 euros, IVA incluído. O contrato com a Talenter só foi divulgado um dia depois do fim da JMJ, mesmo se começou no dia 24 de Julho, terminando formalmente na passada sexta-feira. E gastar todo este dinheiro do erário público parece ter sido muito mais fácil à autarquia de Lisboa do que indicar ao PÁGINA UM onde se poderiam ver os cantoneiros contratados, cada um, a 108 euros por turno diário. A Valorsul veio entretanto dizer que não houve aumento do fluxo de lixo indiferenciado, e apenas um crescimento de 11 toneladas de plástico e metais nos ecopontos.


    O contrato de reforço da limpeza urbana durante a Jornada Mundial da Juventude, que levou a Câmara Municipal de Lisboa a pagar mais de 614 mil euros à Talenter, uma empresa de recrutamento de trabalho temporário, terminou apenas na última sexta-feira, mas o PÁGINA UM nunca conseguiu que a autarquia indicasse onde, em concreto (horas e ruas), se pudesse observar alguns daqueles trabalhadores a exercerem funções.

    Na semana passada foram quatro dias de perguntas e “buscas” por alguns dos 300 cantoneiros temporários contratados pelo município liderado por Carlos Moedas, mas nem o gabinete de comunicação da autarquia nem o gabinete do vice-presidente, Filipe Anacoreta Correia, se mostraram interessados em mostrar que houve mesmo trabalho realizado ao longo da última semana pelos cantoneiros da Talenter. Cada um dos trabalhadores temporários – que alegadamente cessaram funções apenas na sexta-feira passada – custou ao erário público quase 108 euros por cada turno diário, correspondendo a quase 13,5 euros por hora.

    De acordo com o contrato apenas publicado no Portal Base em 7 deste mês, no dia a seguir ao fim da Jornada Mundial da Juventude, a Talenter comprometeu-se a fornecer trabalhadores para reforço das equipas do Departamento de Higiene Urbana entre 24 de Julho e 11 de Agosto. Ou seja, um contrato de 19 dias, apesar do evento apenas se ter realizado durante seis dias. Contudo, a empresa refere na sua página do Facebook – onde colocou dois posts sobre este contrato, nos dias 1 e 3 de Agosto – que disponibilizou 400 trabalhadores.

    Significa assim que o custo total deste reforço da limpeza urbanos rondou os 32.315 euros em cada dia, pelo que se o fornecimento de trabalhadores se tivesse registado apenas em sete dias – visto que após o regresso do Papa ao Vaticano houve uma debandada geral de peregrinos –, o custo para o erário público apenas atingiria os 226 mil euros – porquanto, quase 390 mil euros a menos.

    No caderno de encargo do concurso público – para o qual se candidataram quatro empresas, sendo que três eram de trabalho temporário e apenas uma (Suma) trabalha na área dos resíduos – surge referido que a “prestação de serviços terá lugar na cidade de Lisboa, designadamente nos locais onde decorram atividades no âmbito da JMJ”, tendo ficado ainda estipulado o número de trabalhadores: 300.

    Sob a supervisão da Divisão de Higiene Urbana da autarquia, no caderno de encargos ficou definido que esses cantoneiros de limpezas seriam distribuídos em três turnos de oito horas: 75 trabalhadores temporários entre as 8 e as 17 horas; outros 75 entre as 17 e as 2 horas da manhã e mais 150 trabalhadores entre as 22 e as 7 horas da manhã. Toda a coordenação e fiscalização, incluindo a verificação da qualidade do serviço e do fardamento e equipamentos de protecção, estavam sob alçada da Câmara Municipal de Lisboa. A autarquia poderia mesmo exigir a substituição de cantoneiros temporários que não apresentassem qualidade e também exigir indemnizações à Talenter por ausências de trabalhadores.

    Contudo, uma coisa é o contrato, outra foi o que sucedeu na hora de o PÁGINA UM querer ver os cantoneiros temporários contratados pela autarquia de Lisboa ao longo da semana passada – logo a seguir a ser detectado o contrato de reforço da limpeza. A autarquia fechou-se em copas.

    Uma primeira mensagem de correio electrónico na madrugada da terça-feira passada para o gabinete do vice-presidente da autarquia lisboeta, Filipe Anacoreta Correia, não obteve resposta. Nessa missiva questionava-se sobre “a necessidade de reforçar a recolha de RSU [resíduos sólidos urbanos] mais de uma semana antes do início da JMJ e mais cinco dias depois do seu término” e solicitava-se ainda que fossem indicados locais onde se pudessem “observar várias equipas da empresa [Talenter] em funções até à próxima sexta-feira.” Um segundo e-mail, a reiterar o pedido, foi enviado pela manhã de quarta-feira.

    Apesar de um enorme fluxo de peregrinos durante a Jornada Mundial da Juventude, a quantidade de resíduos indiferenciados manteve-se estável. E o comportamento cívico dos jovens, mormente na limpeza, foi também um dos destaques.

    Somente na quinta-feira de manhã, a autarquia de Lisboa reagiu, através do Departamento de Marca e Comunicação. Numa longa mensagem, o município da capital justificou a contratação dos 300 cantoneiros por alegadamente a estrutura municipal de limpeza urbana estar “dimensionada para a população residente (cerca de 500.000 cidadãos)”, pelo que “mostrou-se essencial definir um modelo capaz de lidar com um aumento populacional significativo, inerente à JMJ.”

    Acrescentando também que se “antecipou um modelo de suporte do serviço de limpeza urbana e de remoção de resíduos, por forma a servir convenientemente os visitantes e especialmente os residentes locais”, e se privilegiou “sempre a sustentabilidade ambiental”, incentivando “a máxima separação possível”, o que, “naturalmente, acrescentou complexidade à operação.”

    Embora não apresentando qualquer estudo, análise ou relatório que justificasse a necessidade de uma contratação tão avultada, nem como se chegou ao número de 300 cantoneiros, a mesma fonte da autarquia afiançou que o “planeamento foi realizado ao longo de vários meses e coordenado com os demais serviços municipais e as 24 juntas de freguesia da cidade”. Além de outros considerandos, o município garante que “durante o período de 24 de julho a 7 agosto, a empresa contratualizada [Talenter] participou na distribuição de mais de 11.000 contentores, na limpeza dos principais locais de passagem dos peregrinos – uma medida imprescindível para garantir uma via pública salubre e transitável – e na manutenção dos espaços dos eventos.”

    Porém, quanto ao pedido em concreto do PÁGINA UM – isto é, visualizar e comprovar a existência de equipas da Talenter ainda a trabalhar durante a passada semana, em cumprimento de um contrato público ainda em vigor e que implicava um pagamento diário de 32.315 euros –, o Departamento de Comunicação da autarquia nada disse. E o PÁGINA UM insistiu de novo.

    E continuou o jogo do rato e do gato.

    Salientando-se que não houvera resposta ao pedido principal, o PÁGINA UM perguntou em concreto, pelas 15:09 horas da passada quinta-feira, onde se poderiam encontrar esses trabalhadores temporários. E pedia-se também se houvera negociações com os funcionários camarários de limpeza urbana para a eventual realização de horas extraordinárias antes da opção por um concurso público que levou à contratação da Talenter, e que implicou a contratação de cantoneiros a 108 euros em cada turno.

    A resposta da autarquia chegou pelas 17:50 horas: o Departamento de Comunicação da autarquia acrescentou apenas que, estando o contrato “em vigor até esta sexta-feira (…) os trabalhadores contratados estão ao serviço até essa data em vários locais da cidade”.

    Talenter, a empresa de trabalho temporário que terá disponibilizado 300 cantoneiros para reforço da limpeza urbana em Lisboa, colocou no Facebook duas fotos das suas equipas, mas a autarquia de Lisboa não quis apresentar nenhuma ao PÁGINA UM ao longo de quatro dias.

    Pelas 18:27 horas, o PÁGINA UM insistiu em saber os locais em concreto; que fossem indicados três. A resposta só veio pelas 21:47 horas desse dia, quinta-feira. Numa curta mensagem, o Departamento de Comunicação da Câmara Municipal de Lisboa informava que “alguns dos locais em que amanhã, sexta-feira, estarão a trabalhar as equipas, são a Baixa de Lisboa, o Rego e o Parque Tejo”, não indicando horas nem as ruas em concreto, nem disponibilizando qualquer contacto para combinar encontro. Aliás, as missivas do Departamento de Comunicação da autarquia nunca vieram assinadas.

    O PÁGINA UM passeou pela Baixa de Lisboa e pelo Parque Tejo durante a manhã e a tarde de sexta-feira passada em busca de trabalhadores temporários. Não viu ninguém. No Parque Tejo, aliás, quase não se via vivalma. Na Baixa, tudo pareceu normal, e não se viu qualquer equipa de cantoneiros que pudesse sugerir serem trabalhadores temporários da Talenter. Saliente-se que a limpeza dos arruamentos é, em grande medida, já feita sobretudo por funcionários das Juntas de Freguesia, mas a autarquia de Lisboa ainda tem 922 cantoneiros, de acordo com o seu mapa de pessoal.

    Portanto, limpeza eficaz, mesmo, parece ter sido apenas dos mais de 614 mil euros do erário público, ao mesmo tempo que se constata que a entidade pública que os distribuiu– Câmara Municipal de Lisboa – em benefício de um terceiro se mostrou zelosa em obstaculizar qualquer possibilidade em se confirmar se houve ou não uma correcta aplicação de dinheiros públicos.

    Até porque, entretanto, também na passada sexta-feira, a Valorsul – a empresa pública de tratamento de resíduos urbanos da Grande Lisboa – acabou por divulgar que nos primeiros oito dias deste mês “não se registou qualquer variação na receção de resíduos urbanos indiferenciados” na central de incineração de São João da Talha. Ou seja, a JMJ não teve qualquer impacte relevante no fluxo de lixo e em necessidades especiais de limpeza urbana.

    Ricardo Leão, presidente do município de Loures, entre Isaltino Morais e Carlos Moedas. Cada um gastou mais ou menos, contratou mais ou menos, segundo critérios muitos próprios. Os gastos das autarquias durante a Jornada Mundial da Juventude fizeram-se “à vontade do freguês”.

    Apenas se observou, segundo a Valorsul, um aumento de 22% na recolha de plástico e metal nos municípios de Lisboa e Loures face ao ano anterior, mas isso apenas nos ecopontos usados pelos peregrinos, turistas e residentes, e que somente necessitam de ser esvaziados com recurso a camiões e recursos humanos próprios do Departamento de Higiene Urbana do município. Ou seja, enquanto no ano passado, entre 1 e 8 de Agosto tinham sido recolhidas 70 toneladas de embalagens nos ecopontos amarelos destes dois munícipios, no período da JMJ recolheram-se mais 11 toneladas, enquanto “voavam” 614 mil euros em mais um estranho contrato público.

    Note-se que a autarquia de Loures não terá contratado qualquer reforço similar à do município de Lisboa. Numa nota daquele município, e num vídeo colocado no Facebook na quinta-feira passada, a autarquia liderada pelo socialista Ricardo Leão diz que “foram encaminhados para a Valorsul cerca de 120 toneladas de resíduos indiferenciados e cinco toneladas de embalagens, resultantes das 24 horas de ocupação daqueles terrenos, acrescentando que “esta intervenção foi executada por uma centena de trabalhadores da Câmara Municipal de Loures e dos Serviços Intermunicipalizados, apoiados por diversos meios mecânicos”.

  • Mortes súbitas: vacinas contra a covid-19 associadas a 1.241 casos na Europa

    Mortes súbitas: vacinas contra a covid-19 associadas a 1.241 casos na Europa

    No filme “Apollo 13”, lançado em 1995, ficou célebre a frase “Houston, we have a problem”. Em 2023, ninguém – leia-se, políticos, autoridades de saúde, certos investigadores e imprensa mainstream – quer ouvir frases preocupantes, e prefere-se apagar o rádio. As mortes súbitas associadas às vacinas contra a covid-19 não serão certamente tão frequentes como apontou há dois anos o documentário Died Suddenly, mas não são zero. Nem meia dúzia. O PÁGINA UM foi vasculhar a (intencionalmente desorganizada e pouco detalhada) base de dados da Agência Europeia do Medicamento, a EudraVigilance, e descobriu números preocupantes quando escreveu “Sudden death”. E que merecem investigação, e não obtusas atitudes de avestruz, porque a Ciência não é negar os riscos; é avaliar e quantificar riscos. Sejam estes pequenos ou grandes.


    Nos meios científicos, o debate cada vez está mais intenso. E felizmente agora começa a haver mais abertura de revistas científicas para publicar artigos que não “endeusam” apenas as vacinas. Por exemplo, os quatro editores japoneses da revista científica Vaccines apelaram para o envio até ao final deste mês de artigos para a publicação numa edição especial dedicada à tolerância imunológica e doenças autoimunes após a vacinação contra a covid-19 e seus efeitos adversos relacionados.

    No convite, estes editores, três dos quais do Centro Médico Ohashi da Universidade de Toho (Tóquio), destacam que “as vacinas têm sido usadas para combater a pandemia global de COVID-19, mas as reações adversas pós-vacinação aumentaram proporcionalmente”. E apontam que as “causas plausíveis de reações pós-vacinação incluem a libertação de citocinas inflamatórias, a regulação negativa de ACE2, dano vascular induzido pela proteína spike e autoimunidade”, concluindo que agora “existe uma preocupação particular de que as doenças autoimunes possam aumentar no futuro devido a essas características”. E acrescentam ainda que “várias doenças autoimunes pós-vacinação foram relatadas, incluindo alopecia areata, distúrbio do espectro da neuromielite óptica, trombocitopenia imune e artrite reumatoide.”

    Mas falar de mortes associadas às vacinas contra a covid-19 – e sobretudo de mortes súbitas – continua a ser um dos grandes temas tabu para políticos e sobretudo para a comunicação social que apelou incessantemente para a vacinação desde finais de 2020, e que apelou mesmo para a discriminação das pessoas que optassem por não se vacinar – mesmo se alegassem imunidade natural.

    E, no entanto, tudo isto remete para o dito castelhano: “Aquí no hay brujas, pero que las hay, las hay“. Teóricos da conspiração dirão que houve aos milhares – e a cada pontada de coração ou morte repentina de um jovem, a vacina contra a covid-19 logo é apontada como suspeita. Mas se esse é, por certo, um extremo, não menos extremista é a postura das autoridades de saúde, a começar pela portuguesa, ao ignorar esse risco, como se não existisse, como se fosse zero.

    Num perturbante e desafiador editorial da edição deste Verão do Journal of American Physicians and Surgeons, a médica Jane M. Orient coloca o dedo na ferida ao criticar a fraca aposta da comunidade científica em desvendar a efectiva segurança das vacinas e sobretudo em estudar em detalhe as eventuais suspeitas de mortes súbitas associadas à vacina contra a covid-19 – que há dois anos foram catapultadas através de um polémico documentário, logo classificado como associado a teorias da conspiração, intitulado Died Suddenly.

    Investigar as reacções adversas e até as mortes súbitas associadas à vacina da covid-19 já não é um tabu completo, mas ainda há muita informação a desvendar para se avaliar qual o nível de risco para uma gestão prudente.

    Sendo certo que aquele documentário tinha falhas e alguma falta de sustentação cientifica, Jane Orient salienta que, no lado oposto, existe pouca fundamentação para estarmos seguros de que não existem quaisquer problemas. Numa busca no banco de dados PubMed da Biblioteca Nacional de Medicina realizada por esta médica em 17 de abril deste ano, apenas surgiram 20 artigos científicos mencionando a morte súbita e a vacinação contra a covid-19, mas “uma revisão adicional das publicações listadas mostrou que desse conjunto muito pequeno, apenas alguns artigos foram realmente dedicados à descrição de casos de morte súbita após vacinação, ou à discussão dos mecanismos supostos que poderiam vincular a vacinação à morte súbita”.

    Destacando um fenómeno que ainda é mais marcante nos Estados Unidos, Orient refere que as agências governamentais norte-americanas, como a FDA e a CDC, ao invés de investigarem as correlações (que diz serem impressionantes) entre a vacinação contra a covid-19 e as mortes súbitas estão e estiveram sobretudo apostadas a “incentivar os ‘verificadores de factos’ da ala esquerda a repreender o público por ‘ceder a medos irracionais’ enquanto não faziam nada para dissipar de maneira crível esses medos”, acrescentando que “os sites de notícias da media mainstream estão inundados de artigos de verificação de factos que são, na verdade, ataques disfarçados de ‘artigos de verificação de factos objetivos’ que se referem [apenas] à autoridade do CDC e de agências semelhantes para desacreditar relatos independentes sobre mortes súbitas após vacinações.”

    A médica norte-americana também critica a Academia, que diz “controlada por administradores da ala esquerda e professores adeptos do wokeismo”, afirmando que muitos investigadores “gastam tempo e esforço substanciais para descartar a importância das mortes súbitas”, criando “narrativas elaboradas para explicar os episódios preocupantes consistentes com morte súbita ou quase-morte, alegando que ocorreram como resultado de patologias muito menos comuns e menos prováveis, como a commotio cordis.

    Mas, chegados aqui, que fazer, se efectivamente as autoridades não querem estudar?

    Na verdade, fazer o que o PÁGINA UM decidiu fazer: pegar numa complexa e exaustiva base de dados da Agência Europeia do Medicamento (EMA) que despeja autenticamente os registos de fármacos num site, sem permitir uma pesquisa fácil, e procurar registo a registo pela expressão “Sudden deaths”.

    Pois bem, numa pesquisa realizada intensamente durante três dias, às 914.536 reacções adversas expostas no portal do EudraVigilance, foram inventariadas 1.241 mortes súbitas, em grande parte das quais sem sintomatologia associada.

    [Note-se que não se pesquisou, neste caso, devido à morosidade do processo a totalidade das mortes (não súbitas), mas até ao final do ano passado seriam mais de 13.000 na Europa, de acordo com uma busca preliminar do PÁGINA UM. Em Portugal, o Infarmed reportou, até 31 de Dezembro do ano passado, um total de 142 mortes associadas à vacinação contra a covid-19 – um valor que a ser verdadeiro daria uma incidência inferior à da generalidade dos países europeus.]

    Extracto de uma das folhas dos registos da EMA para uma das vacinas. Cada registo individual pode depois ser impresso (ver exemplo).

    Com o processo de vacinação a ser iniciado ainda em 2020 – mas com poucas doses administradas, daí que nos países do Espaço Económico Europeu estejam somente reportadas 807 reacções adversas consideradas graves –, é no ano de 2021 que contabilizam mais mortes subidas nos registos das diversas vacinas administradas, com um total de 842. Destas 536 foram da Pfizer (Elasomeram), 179 da Astrazeneca, 112 da Moderna (Elasomeran) e 15 da Janssen.

    Refira-se que o número absoluto não permite traçar o perfil de segurança, que não é possível de se fazer porque as autoridades nunca revelaram com precisão o número de doses de cada farmacêutica. Contudo, como se registam o número total de casos de reacções adversas sérias, consegue-se estimar um indicador próximo: as mortes súbitas por cada 1.000 efeitos adversos graves.

    Assim, em 2021, a vacina da Pfizer contabilizou 2,4 mortes por 1.000 efeitos graves (ou 24 por cada 10.000), enquanto a Moderna registou 1,5 e a Astrazeneca e a Janssen 1,0 cada.

    Número de mortes súbitas associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano). Fonte: EMA / EudraVigilance

    No ano passado, em que já houve uma redução do processo de vacinação – e também entrada de outras vacinas, como as bivalentes da Pfizer e da Moderna, bem como as da Novavax e Valneva (a da Sanofi só entrou este ano), estas últimas com fraca adesão –, o número de registos de mortes súbitas diminuiu no registo da Eudravigilance. Foram 330, entre os 376.662 registos de efeitos adversos graves.

    A vacina da Pfizer de primeira geração (Tozinameran) manteve o maior número, com 220 mortes súbitas associadas, seguindo-se a primeira vacina da Moderna (Elsaomeran). A Astrazeneca tem, na base de dados da EMA; 37 mortes súbitas associadas, enquanto as duas vacinas bivalentes da Pfizer oito, e a Janssen apenas cinco.

    Para 2022, o indicador das mortes súbitas por 1.000 efeitos adversos graves para a globalidade das vacinas contra a covid-19 foi de 1,4, quando no ano anterior fora de 0,9. Se excluirmos as vacinas mais recentes, as vacinas aparentaram um menor risco de morte súbita, embora se desconheça detalhes sobre as circunstâncias da associação dos óbitos às vacinas nem se estas foram confirmadas por autópsia ou se até existe subnotificação. Até porque a maioria dos reportes de efeitos adversos foram enviados pelas próprias farmacêuticas à EMA.

    Número de reacções adversas graves associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano). Fonte: EMA / EudraVigilance

    Por fim, este ano, foram contabilizadas apenas 89 mortes súbitas associadas às vacinas contra a covid-19, mas tal deveu-se sobretudo à redução do processo de vacinação. Essa evidência mostra-se numa análise à evolução das doses administradas por país e a nível mundial, bem como na redução do número de reacções adversas graves desde Janeiro: apenas 49.551.

    Com efeito, analisando o indicador das mortes súbitas por 1.000 casos de efeitos adversos graves até se observa um ligeiro agravamento face ao ano passado. Globalmente, este indicador situa-se, actualmente, em 1,4 mortes súbitas por 1.000 efeitos adversos graves, subindo mesmo, face a 2022, para a quase generalidade das vacinas.

    De notar a estranha situação da vacina da Sanofi e GSK contra a covid-19, que perdeu o comboio contra a Pfizer e as outras três farmacêuticas, só recebendo autorização no final do ano passado, embora a tempo de receber garantias de compra pelos acordos secretos da Comissão von der Leyen.

    Número de mortes súbitas por cada 1.000 reacções adversas graves associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano). Fonte: EMA / EudraVigilance

    Mesmo estando a ser pouco usada nos países do Espaço Económico Europeu, sobre esta vacina a EMA tem já dois registos de mortes súbitas entre 349 reacções adversas graves, o que dá uma incidência de 5,7 mortes súbitas 1.000 efeitos adversos graves.

    Mas, na verdade, como se deve olhar para estes números?

    Com preocupação. Com cautela. E com exigência – não é sensato ouvir um “Houston, we have a problem”, e desligar o rádio. Na verdade, desligá-lo, nessas circunstâncias é criminoso.

    com Maria Afonso Peixoto

  • Presidente do Real Madrid “limpa” 9 milhões à Santa Casa em ajustes directos

    Presidente do Real Madrid “limpa” 9 milhões à Santa Casa em ajustes directos

    Por cerca de 2,8 milhões de euros, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa assinou ontem um contrato para limpeza das suas unidades de saúde na Grande Lisboa com uma empresa de capitais espanhóis, cuja holding é liderada por Florentino Pérez, presidente do Real Madrid. Foi um déjà vu, porque exactamente um ano antes a SCML assinou outro quase igual, e há dois anos outro similar. Em todos estes três contratos é invocada a urgência para não se fazer concurso público. A empresa beneficiada, a Clece, não tem tido mãos, e baldes, a medir desde que assentou arraiais em Portugal: a partir de 2015 já facturou mais de 55 milhões de euros em contratos públicos. A SCML é o seu melhor cliente com cerca de 9,4 milhões de euros por mor de quatro contratos. Todos por ajuste directo.


    A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), agora liderada pela ex-ministra socialista Ana Jorge, assinou ontem o terceiro contrato consecutivo por ajuste directo, em três anos, com a empresa Clece, uma subsidiária da ACS, o grupo empresarial de Florentino Pérez, presidente do Real Madrid. O contrato desta semana aproxima-se dos 2,8 milhões de euros, mas somam-se aos quase três milhões em 2021 e os também cerca de 2,8 milhões em 2022.

    Por esses três contratos para a prestação de serviços de limpezas das suas unidades de Saúde na Grande Lisboa (na capital, Cascais, Sintra e Mafra), a SCML já despendeu assim um total de quase 8,5 milhões de euros. Junta-se a estes, um outro contrato assinado em 2017 por 830 mil euros.

    Florentino Pérez, presidente do Real Madrid e presidente executivo do Grupo ACS, que detém a Clece, que opera em Portugal na área das limpezas e agora também da residência de idosos.

    Em nenhum destes casos os administradores da SCML optaram pelo concurso público – como se poderia esperar tendo em conta o montante envolvido, a existência de empresas concorrentes e a recorrência dos serviços. Aliás, a estranheza sente-se mais sabendo-se que para a contratação de serviços de limpezas para as suas outras instalações, por um período de três anos, a SCML decidiu abrir concurso público – bastante concorrido, por sinal, uma vez que estava em causa um negócio apetecível.

    Esse concurso acabou por ser ganho pela Servilimpe, que assinou um contrato em finais de Novembro do ano passado por quase 5,56 milhões de euros. Nesse concurso, a Clece foi um dos outros 14 concorrentes preteridos.

    Mas para a entrega dos três contratos para limpeza das suas unidades de saúde da Grande Lisboa, assinados por ajuste directo à empresa de Florentino Pérez, a SCML considerou que não havia tempo para concurso público, recorrendo sempre a uma ambígua cláusula de excepção do Código dos Contratos Públicos que permite ajustes directos independentemente do objecto e do valor do contrato. Mas essa fundamentação – “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [em que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante” – poderia até aceitar-se num primeiro ano, em 19 de Agosto de 2021.

    Com efeito, a SCML tinha tido então graves problemas com os três contratos de limpeza que então firmara em 2021, todos também por ajuste directo, com a Ambiente & Jardim. Os contratos – que totalizavam 4,5 milhões de euros – acabaram sendo revogados na segunda metade desse ano. E, de facto, nesse ano houve, efectivamente, urgência em encontrar uma solução rápida.

    Mas já se mostra estranho ter sido usado o mesmo argumento uma segunda vez, em 9 de Agosto de 2022. E uma terceira vez, ontem, precisamente no mesmo dia. Ou seja, apesar de os contratos preverem sempre a mesma duração (12 meses), e a SCML ter já ficado “queimada” com contrato por ajuste directo, continuou sempre a invocar “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” para o continuar a fazer numa prestação de um serviço básico – a limpeza – onde não falta concorrência.

    A relação contratual entre a Clece e a SCML remonta, porém, a 2017, quando então foi contratada, também por ajuste directo, para a “limpeza para as residências, lares, creches, centros de acolhimento, centros de dia e Colónia de Férias de São Julião da Ericeira da Ação Social”. O valor do contrato foi de quase 830 mil euros por meio ano de trabalho.

    A SCML é liderada por Ana Jorge (quarta à esquerda), desde Maio deste ano. O recente contrato com a Clece foi assinado por João Correia, ex-secretário de Estado da Justiça (quinto à esquerda), que, por ironia, integra uma sociedade de advogados conhecida pelas iniciais CSA.

    Embora estivesse presente em Portugal desde 2007, a Clece apenas começou a ter uma actividade empresarial mais intensa a partir de finais de 2015, deixando assim de ser uma mera sucursal da casa-mãe. E começou logo de forma auspiciosa, com o seu primeiro contrato, como sociedade anónima do grupo ACS, a ser assinado ainda em Dezembro desse ano com a Administração Regional de Saúde do Norte no valor de cerca de 240 mil euros. Por ajuste directo, claro, porque nem tempo houvera para se secar a tinta das canetas que assinaram a constituição da empresa.

    Em 2016, a Celce entrou em força no mercado das limpezas, conseguindo 23 contratos públicos, dos quais apenas quatro por concurso público. Terminou o ano com uma facturação por contratos públicos da ordem dos 5,43 milhões de euros, dos quais quase metade por ajuste directo. Destaca-se neste período o contrato de quase dois milhões de euros, por ajuste directo com o Centro Hospitalar de São João.

    Nos anos seguintes, os contratos públicos continuaram a fluir, mas já mais em função da concorrência, uma vez que a empresa teve de fazer pela vida, lutando pela vitória em concursos públicos.

    Entre 2017 e 2020, a empresa de Florentino Pérez para as limpezas facturou um pouco mais de 21 milhões de euros em 106 contratos públicos, sendo que 56 foram por ajuste directo, 18 por concurso público e os restantes por outras modalidades. A facturação por concurso público foi, contudo, largamente minoritária: 5,6 milhões de euros, ou seja, cerca de 27% do total.  

    Por isso, os maiores negócios da Celce nestes quatro anos foram sendo conseguidos sobretudo ao abrigo de acordos-quadro – dos quais se destacam os contratos assinados com a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (3,9 milhões de euros, em 2018), a EGEAC (quase 1,9 milhões de euros, em 2018) e a Câmara da Amadora (1,4 milhões de euros, em 2019) – ou por consulta prévia, de que é exemplo o contrato de 1,3 milhões de euros, em 2018, com a Fundação Centro Cultural de Belém.

    Nos anos de 2021 e 2022, a facturação por contratos públicos da Celce ultrapassou os 10 milhões de euros – e aí por “responsabilidade” dos contratos com a SCML, que passou a ser, de longe, o seu principal cliente, embora não seja a entidade com maior número de contratos.

    Com efeito, o Centro Hospitalar do Algarve é a entidade com mais contratos: 17, dos quais 14 entregues à Celce por ajuste directo, envolvendo quase 3,1 milhões de euros. Deste montante, um pouco mais de um milhão de euros foi por ajuste directo.

    De entre as cerca de sete dezenas de clientes institucionais da Celce para a prestação de serviços de limpeza, em termos de volume de negócios destacam-se, além da SCML (9,3 milhões de euros) e do Centro Hospitalar do Algarve, entidades como a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (3,9 milhões de euros) o município de Lagos (3 milhões de euros), a EGEAC (2,9 milhões de euros), a Fundação do Centro Cultural de Belém (2,7 milhões de euros) e a Câmara Municipal de Lisboa (2,5 milhões de euros, neste caso por concurso público).

    Monochrome Photography of People Shaking Hands
    Ajustes directos deveriam ser, numa sociedade transparente, uma excepção. Em alguns casos, de forma abusiva, são a regra, constituindo também uma forma de concorrência desleal e uma forma de promoção da corrupção.

    No total, a empresa de capitais espanhóis já obteve 213 contratos públicos para limpezas, sendo que um pouco mais de metade (109) foram por ajuste directo, encaixando, por essa via, 17,3 milhões de euros. Os concursos públicos conseguem, no entanto superar esse montante (quase 21,6 milhões de euros), apesar de derivarem apenas de 44 contratos. Os acordos-quadro, num total de 24 contratos, representaram rendimentos de 10,5 milhões de euros. As restantes vias, com 36 contratos, completam uma facturação que já se aproxima dos 56 milhões de euros desde finais de 2015 apenas em negócios com entidades públicas.

    Mas Florentino Pérez tem estado a expandir a sua actividade em Portugal também para as residências e lares de idosos, tendo criado no início de 2017 a Clece II – Serviços Sociais. Em Abril deste ano foi anunciado que a empresa do presidente do Real Madrid previa inaugurar, através da marca Clecevitam, uma nova residência de idosos em Cascais, que se juntará às já existentes em Lisboa e Fátima. A expansão da actividade da empresa espanhola neste sector deve, aliás, aumentar, impulsionada pela compra da CSN Care Group no ano passado por 23,8 milhões de euros.

  • Dona da Visão confessa: dívida ao Fisco é de 11,4 milhões de euros. E Medina em silêncio

    Dona da Visão confessa: dívida ao Fisco é de 11,4 milhões de euros. E Medina em silêncio

    A directora da revista Visão adoraria mesmo que a investigação do PÁGINA UM sobre as contas da Trust in News fosse mesmo fantasiosa; só que não. O empresário Luís Delgado acabou por ter de admitir à Entidade Reguladora para a Comunicação Social que deve mesmo 11,4 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira, acabando assim por dar um selo de rigor ao PÁGINA UM, que revelou, há duas semanas, uma situação financeira desesperante da Trust in News, que publica, além da Visão, mais 16 outros periódicos, entre os quais a Exame, a Caras, a Activa e o Jornal de Letras. Com um capital social de apenas 10 mil euros, a Trust in News já conta com um passivo de mais de 27 milhões de euros, dos quais 42% são calotes ao Estado, e detém activos de valor muito dúbio.


    A Trust in News – a empresa unipessoal responsável por 17 títulos de imprensa, entre as quais a Visão, a Exame, a Caras e o Jornal de Letras – admitiu, finalmente, através do Portal da Transparência dos Media, que tem mesmo uma colossal dívida de 11,4 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira.

    Confirma-se assim a veracidade e rigor da investigação do PÁGINA UM que, há duas semanas, num dossier sobre a empresa de Luís Delgado – um ex-jornalista, administrador do Mercado da Ribeira/ Time Out e comentador político da SIC Notícias – identificara uma situação financeira desastrosa. Apesar de possuir um capital social de apenas 10 mil euros, a Trust in News tinha um passivo, no final do ano passado, superior a 27 milhões de euros.

    Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Não pagou ainda tudo, e aumentou para níveis astronómico a dívida ao Fisco.

    O PÁGINA UM detectara, numa análise às demonstrações financeiras desta empresa, desde a sua criação – que adquiriu um portfolio de 17 revistas à Impresa no início de 2018 –, que a dona da Visão acumulara dívidas ao Estado no valor de 11,4 milhões de euros. No último triénio, essa dívida subiu em ritmo superior a três milhões de euros ao ano, mas Luís Delgado conseguiu o “milagre” de nunca constar na lista de devedores do Fisco ou da Segurança Social. Também se identificaram dívidas avultadas ao Novo Banco – por empréstimos concedidos – e ainda ao Grupo Impresa, por a finalização da compra – que deveria ter ocorrido em 2020 – estar a ser constantemente adiada por faltas nos pagamentos.

    Apesar da Trust in News nunca ter respondido ao pedido de esclarecimentos da PÁGINA UM, ontem a “confissão” de Luís Delgado surgiu no Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Se até à semana passada, os registos com os indicadores financeiros de 2021 e 2022 omitiam qualquer identificação de entidades detentoras do passivos – ou seja, das quais a dona da Visão era devedora [como se pode ver aqui e aqui, gravado em 27 de Julho] –, agora estão lá claramente.

    Saliente-se que a falta de comunicação ou a comunicação defeituosa à ERC das informações financeiras constituem “contraordenações muito graves”, com coimas que podem chegar aos 250 mil euros. Sem adiantar se foi já aberto algum procedimento contra a Trust in News, a ERC garante, contudo, que “todos os casos desconformes detetados (…) são naturalmente objeto de averiguação, respeitando os procedimentos legais.”

    Fernando Medina, ministro das Finanças, não explica como é possível uma empresa de media com capital social de 10 mil euros consegue chegar aos 11,4 milhões de euros de calote ao Fisco sem antes fechar as portas.

    Agora, com os dados correctos finalmente introduzidos pela própria empresa de Luís Delgado, ficou-se a saber que a Autoridade Tributária e Aduaneira detinha 35% do passivo da Trust in News em 2021– correspondente a cerca de 8,2 milhões de euros de dívidas fiscais, de entre um passivo total de 23,6 milhões.

    Além dessa dívida, e como o PÁGINA UM também revelara, a Impresa Publishing detinha então 19% do passivo (quase 4,5 milhões de euros) e o Novo Banco 15% (cerca de 3,5 milhões de euros).

    Em relação a 2022, a dona da Visão admite agora, a dívida fiscal aumentou para os 11,4 milhões de euros (mais 3,2 milhões em apenas um ano), uma vez que a Trust in News refere que a Autoridade Tributária e Aduaneira detém 42% do seu passivo. Em termos práticos, se o Estado exercesse, neste momento, um mecanismo coercivo de pagamento desta dívida, a Trust in News encerrava de imediato ou passava a ser controlada pela máquina fiscal ou política do Estado.

    No caso dos passivos detidos pela Impresa e pelo Novo Banco, estes diminuíram percentualmente (para 15% e 13%, respectivamente). No caso da instituição bancária, o montante da dívida mantém-se estável face ao ano anterior, enquanto a dívida à Impresa reduziu-se para cerca de 4,1 milhões de euros, não significando, contudo, que o diferencial, face ao ano anterior, se deva a qualquer pagamento.

    O antes e o depois de uma investigação do PÁGINA UM: dona da revista Visão não assumia dívidas fiscais, à Impresa e ao Novo Banco; agora teve de assumir.

    Com efeito, o negócio da venda das revistas da Impresa à Trust in News continua envolto em mistério, porque, apesar de um comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em Janeiro de 2018, informando o montante do negócio (10,2 milhões de euros), não se consegue apurar, passados mais de cinco anos, qual a quantia efectivamente já paga.

    Nos relatórios e contas do Grupo de Francisco Pinto Balsemão apenas constam paulatinamente, ano após ano, as renegociações da dívida, mas ignora-se o fluxo financeiro que efectivamente houve entre este e a Trust in News. Também se ignora se há cláusulas de reversão do negócio, ou seja, se a Impresa tem a obrigação de reaver as revistas – e os seus funcionários, incluindo jornalistas, bem como as dívidas entretanto assumidas – em causa da Trust in News se tornar insolvente.

    Nesse aspecto, o PÁGINA UM tem solicitado esclarecimentos à CMVM, uma vez que, desde 2018, a Impresa nunca mais comunicou ao mercado uma alteração do negócio, e muito menos quanto dos 10,2 milhões de euros recebeu, uma vez que não é absolutamente nada claro que seja o diferencial entre o valor anunciado da venda e o remanescente da dívida, agora apontada para ser saldada apenas em 2036, ou seja, para as calendas.

    Trust in News: um portfolio de 17 revistas à custa de 11,4 milhões de euros de fenomenal calote ao Fisco

    Mas a CMVM, que em outras situações tem sido implacável com emitentes, apenas adianta que “até ao momento, a Impresa não divulgou ao mercado qualquer informação sobre uma eventual reversão do negócio de venda do portfólio de revistas”, remetendo outras informações para os relatórios e contas daquele grupo de media.

    No entanto, repita-se, a informação nesses relatórios – que são feitas à posteriori e não no momento da ocorrência – são omissos sobre os fluxos financeiros, informando apenas do stock da dívida, susceptível de ter sido alterado por via negocial e não pela efectivação de um pagamento.

    Menos que pouco esclarecedor sobre a situação financeira da Trust in News é a posição do Ministério das Finanças, ainda mais incompreensível agora que a própria empresa assumiu um astronómico calote fiscal. O PÁGINA UM voltou hoje a contactar o Ministério liderado por Fernando Medina, perguntando se “existe algum acordo entre o Governo e os principais grupos de media que lhes permitam aumentar dívidas fiscais, ou algum acordo para pagamento diferido de impostos”. A resposta foi o silêncio.

    Mafalda Anjos, directora da Visão, apelidou de “fantasiosos” os artigos de investigação jornalística do PÁGINA UM sobre as contas da empresa do seu patrão. A realidade é outra… sob a a forma de calote de 11,4 milhões de euros aos contribuintes portugueses.

    Certo é que, com uma dívida de 11,4 milhões de euros à Autoridade Tributária, uma espada de Dâmocles fiscal ergue-se sobre todas as revistas do universo da Trust in News, onde pontifica a Visão, dirigida por Mafalda Anjos.

    O PÁGINA UM quis agora também saber a opinião da directora da revista Visão que, há duas semanas, e em duas ocasiões distintas, se insurgira, através de mensagens de correio electrónico, pelo uso de fotografias suas publicadas nas redes sociais. O PÁGINA UM não obteve resposta.


    N.D. Num e-mail em 26 de Julho, voluntariamente remetido por Mafalda Anjos, a directora da Visão. embora escrevendo que “não me pronuncio sobre o conteúdo dos artigos” do PÁGINA UM sobre as contas da Trust in News, acabava por os rotular de “fantasiosos”. A directora da Visão também acrescentava que não permitia “que me citem diretamente em ON em qualquer artigo”. Note-se que um pedido desta natureza – declarações em OFF, que não devem ser usadas – carece de acordo prévio da outra parte, ou seja, do PÁGINA UM. Mafalda Anjos livremente decidiu depreciar o trabalho rigoroso de um colega de profissão – rotulando os artigos de “fantasiosos”, quando estes eram rigorosos. A “confissão” do seu patrão, Luís Delgado, mostra que, afinal, é Mafalda Anjos que vive num mundo de fantasia – mas onde há uma dívida de 11,4 milhões de euros do seu patrão ao Fisco.