Etiqueta: Economia em Férias

  • Roma ou a nova queda de um império

    Roma ou a nova queda de um império


    Em férias, aproveito para ler o livro The failure of the “New Economics”: an analysis of the Keynesian fallacies, de Henry Hazlitt. Como sabem,Keynes foi o “economista” que mais justificou o estado omnipresente e omnipotente do Estado.

    O Estado Social, com um peso na Economia sem precedentes, teve a sua justificação “académica” com Keynes. Obviamente, para os poderes instalados, as suas “receitas económicas” foram como música celestial. A estrada para um poder estatal sem limites estava aberta.

    Para além de um investidor de bolsa fracassado, Keynes era um estatístico que nunca estudou verdadeiramente Economia; só assim se justifica a quantidade de disparates que escreveu ao longo da vida. Apesar disso, o seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, objecto de análise no livro de Henry Hazlitt, foi elevado ao estatuto de fundador da Macroeconomia!

    John Maynard Keynes (1883-1946)

    Para Keynes, o mais importante era o nível de despesa da sociedade: denominado de despesa agregada. Se gasta muito, os produtores são incentivados a produzir mais, empregando, desta forma, mais trabalhadores e promovendo o pleno emprego. Se a despesa total subir demasiado, para além do pleno emprego, ocorre uma subida do nível geral dos preços, i.e., inflação.

    A recessão é o processo ao contrário: a sociedade gasta pouco, os produtores reduzem a produção, gerando desemprego e queda dos preços. Nunca pode haver desemprego com inflação.

    Segundo Keynes, a despesa é uma espécie de acelerador da Economia: se vai a fundo, temos pleno emprego e inflação; se vai a meio gás, fantástico, temos pleno emprego sem inflação; se não se acelera, temos recessão e desemprego. Cabe ao Estado acelerar e desacelerar: é simples!

    As recessões são causadas por quedas abruptas no nível de despesa agregada. Keynes nunca nos explicou as razões por detrás das mesmas, utilizando apenas o esmorecimento dos “animals spirits” como argumento. Ao longo do século XX, e ainda hoje, os seus discípulos continuam a tentar explicar as razões por detrás desse esmorecimento. Até hoje, sem grandes resultados.

    low-angle photography of high rise building

    Sempre que há uma recessão e subida do desemprego, qual a solução? O Governo tem de estimular a despesa agregada. Keynes propôs três soluções: (i) inflação, imprimindo moeda; (ii) subida da despesa pública, com o agravamento do défice orçamental; (iii) e redução de impostos.

    A terceira hipótese nunca foi verdadeiramente considerada por Keynes. A redução de impostos significa mais dinheiro no bolso dos contribuintes; imaginem se decidem poupar esse dinheiro em lugar de o gastar? Sacrilégio, funesto. Poupar é algo terrível, gerador de um cataclismo económico.

    Tais disparates são compreensíveis. Keynes, herdeiro de uma enorme fortuna, nunca trabalhou verdadeiramente na vida; nunca compreendeu, ou não quis, que a poupança é civilização, prosperidade e progresso. Sem poupança, ainda hoje, estaríamos a viver na Idade da Pedra.

    Os factores originais que Deus colocou na terra foram: (i) a força de trabalho dos homens; (ii) e a terra, incluindo os seus recursos naturais, como o petróleo, a água, as árvores de fruto…Nada mais. Um náufrago que tenha conseguido sobreviver a nado para uma ilha deserta encontrar-se-á nesse estado: sem bens de capital. O que são? Não satisfazem directamente uma necessidade humana, mas permitem uma enorme expansão da capacidade produtivas, ou seja, da riqueza.

    Uma cana de pesca não mata a fome, mas ajuda a incrementar a produtividade de quem tenta pescar; com as próprias mãos seria uma tarefa bem mais complicada! Um barco de pesca é igualmente um bem que não satisfaz qualquer necessidade humana, mas incrementa substancialmente a produtividade de um pescador. Ambos são bens de capital.

    pink pig coin bank on brown wooden table

    Para produzir um bem de capital, esse náufrago irá ter de restringir o consumo para se dedicar a construir uma cana de pesca. Se trabalha durante seis horas a recolher frutos para a sua subsistência, tem duas opções para obter um bem de capital: (i) aumenta as horas de trabalho, por exemplo, para oito horas, com o propósito de obter uma maior quantidade de frutos, não consumido uma parte que servirá para o alimentar na construção da cana de pesca; (ii) diminui as horas dedicadas a recolher frutos, aceitando comer menos durante o tempo que demora a construir a cana de pesca.

    Não há milagres. A poupança implica sempre um sacrifício do consumo presente. Não podemos trabalhar mais de 24 horas e os recursos na Natureza são escassos. Para obtermos bens de capital, aquilo que nos irá permitir obter um maior número de bens e serviços por hora de trabalho, necessitamos de poupar.

    A poupança é aplicada a criar bens de capital, aquilo que designamos por investimento, como construir uma cana de pesca. O investimento acarreta riscos, apesar de muitos burocratas terem estabelecido que tal não existia – seguro de depósitos bancários é um bom exemplo.

    Que riscos podem existir no nosso exemplo? A cana de pesca pode não funcionar; alguém que viveu anteriormente na ilha pode ter deixado uma cana de pesca já construída, deitando a perder as horas de trabalho.

    Essa é precisamente a função do empreendedor, utilizar as suas poupanças num negócio, correndo sempre o risco de as perder, mas com a possibilidade de lucros enormes, caso a iniciativa seja um sucesso. Que riscos podem ser? Eis alguns exemplos: a procura que pensava ter pode não aparecer; as preferências do consumidor podem alterar-se, afectando a procura pelos seus produtos.

    person standing near the stairs

    Um trabalhador corre riscos, pois as poupanças do empreendedor são utilizadas para o pagamento do seu salário mensal. Os eventuais lucros ou perdas são sempre imputados ao empreendedor, é assim que deverá funcionar um mercado livre.

    Em conclusão, a teoria keynesiana do “paradoxo da poupança” é, pois, um completo disparate, porque, para esta corrente económica, a poupança agrava uma recessão!

    As outras duas vias para o estímulo da despesa agregada são o aumento da despesa ou a impressão de moeda. Ambas, com um impacto muito negativo a longo prazo, como seguidamente explicarei. Para Keynes tal não importa, pois no “no futuro estaremos todos mortos”.

    Não interessa que a impressão de moeda significa a redistribuição de riqueza a favor de uma casta de privilegiados junto da impressora de notas; isto sem ocorrer a produção adicional de um carro, de um prego, de nada, apenas uma fatia maior do mesmo bolo a favor de uma casta de privilegiados.

    Também não interessa que o aumento da despesa fiscal signifique um agravamento do défice público e, por conseguinte, incremento da dívida pública. No futuro alguém irá pagar a conta com maiores impostos; afinal, estaremos todos mortos!

    Do lado “oposto” a esta corrente económica, temos uma espécie de oposição controlada, fundada por esse paladino do “mercado livre”, Milton Friedman. Esta é designada por escola monetarista ou escola de Chicago.

    Milton Friedman (1912-2006)

    Milton Friedman, esse arauto do “mercado livre”, foi o inventor das retenções na fonte – por exemplo, as retenções de IRS (podemos imaginar a nossa reacção se a conta fosse apresentada de uma única vez!?) – e conselheiro de Richard Nixon, presidente norte-americano que terminou em 1971 com a convertibilidade do Dólar norte-americano em ouro.

    Segundo os monetaristas, o problema do desemprego resolve-se pelo ajuste dos salários. A livre interacção entre a procura e oferta resolve o problema. Desta forma, bastará uma descida dos salários e as empresas voltam a contratar, fazendo desaparecer o desemprego.

    O grande temor dos monetaristas é a descida do nível dos preços: a deflação. Ai Jesus, se tal acontece – tal conclusão, sempre me espanta, dado que beneficia os mais pobres, pois adquirem mais por menos!

    Tal como os Keynesianos, para as monetaristas a despesa agregada não pode cair, dado que provoca deflação. Se tal ocorre, as pessoas irão diferir consumo e acentuar a recessão. Segundo a teoria, o Banco Central tem de aparecer e imprimir dinheiro para que tal não aconteça. O confisco da população, em particular dos mais pobres, é justificado em nome de um benefício colectivo: evitar uma recessão!

    Qual o suporte teórico para tudo isto? No livro Monetary history of the United States, 1867–1960, Milton Friedman e Anna J. Schwartz analisam a História Monetária dos Estados Unidos. Nesse livro de factos estatísticos, com quase 900 páginas, não dedicam uma linha à enorme inflação criada pela Reserva Federal, o Banco Central norte-americano, durante os anos 20 do século transacto.

    U.S. American flags under clear sky

    Depois da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra voltou ao padrão-ouro, tentando regressar ao rácio de conversão pré-guerra, mesma depois de ter impresso Libras Esterlinas sem respaldo por ouro, para financiar a guerra. Desta forma, havia o risco de vários países europeus solicitarem a conversão das Libras Esterlinas em Ouro, nesse momento a moeda reserva do Mundo, colocando a nu a inflação criada pelo Banco de Inglaterra durante a guerra.

    Quem apoiou o Banco Central inglês? O Banco Central norte-americano, imprimindo enormes quantidades de Dólares norte-americanos, para posterior venda por contrapartida de Libras Esterlinas, evitando a sua queda nos mercados internacionais. Apesar do nível geral dos preços nos Estados Unidos não ter subido durante esses anos, a massa monetária criada pela Reserva Federal canalizou-se para o imobiliário e mercado de acções, onde se sentiu a inflação… Onde já vimos isto?

    Milton Friedman nunca nos explicou as razões para a grande depressão que se iniciou em 1929, em particular a impressão massiva de dinheiro e as políticas intervencionistas que agravaram a recessão – impostos sobre o comércio internacional, subsídios, proibição de ajustes salariais e regulação sobre os negócios. Para ele e a co-autora, a Reserva Federal não tinha impresso moeda em quantidades suficientes, deixando esse diabo à solta chamado deflação!

    concrete statues near wall

    No livro também não nos fala da recessão no início da década de 20 do século transacto, que se iniciou com piores indicadores que a Grande Depressão dos anos 30, mas que foi resolvida por redução de despesa e subida de juros (contracção da massa monetária) por parte da Reserva Federal. Nunca as comparou, tornando evidente o erro das políticas económicas – oculta-se quando não interessa.

    Temos agora duas correntes oficiais de teoria económica, ambas suportam intervenções estatais de todo o género, incluindo a impressão massiva de dinheiro em caso de recessão.

    Tais teorias económicas, apesar de serem um falhanço completo, são as únicas hoje ensinadas na maioria das faculdades do Mundo Ocidental. Apenas existem e são possíveis pela existência de dinheiro estatal, que pode ser criado em quantidades infinitas e com custos praticamente nulos – basta o apertar de um botão.

    As intervenções são sempre em nome do interesse colectivo: para “salvar o Euro”, para “evitar uma recessão pandémica”, para evitar a “fragmentação”.

    Quem não se recorda dos falhanços estrondosos destas teorias. Nos anos 70, tínhamos um fenómeno em total contradição com a teoria Keynesiana: inflação e desemprego. Um dos discípulos de Keynes, Paul Samuelson, autor do principal manual de Economia durante décadas desde a Segunda Guerra Mundial, louvava a Economia soviética, mesmo depois do seu colapso no final da década de 80 do século XX.

    close-up photo of assorted coins

    Quem não se recorda do nosso engenheiro das bancarrotas, quando o mandaram gastar sem freio após a crise do subprime em 2008? Sabemos como terminou a experiência Keynesiana: o Estado português esteve em risco de suspender pagamentos caso não aparecesse uma mão salvífica – o empréstimo do FMI e da União Europeia por contrapartida da emissão massiva de dinheiro.

    E a recente inflação, fruto das enormes quantidades impressas de moeda – que irá gerar uma recessão sem precedentes, em nome da necessidade de atingir um objectivo de 2% para a subida do nível geral de preços –, onde já lá vai o objectivo!?

    Em nome de recursos inimagináveis a favor do Estado, por forma a intervir de acordo com as “orientações oficiais” das duas correntes económicas, estamos a destruir a poupança, a fonte da prosperidade e do progresso humano.

    O sistema bancário controlado pelo Estado através do seu Banco Central impõe juros 0% ou mesmo negativos, enquanto a inflação oficial situa-se em torno de 10%. Esta inflação, criada em nome do “bem”, justificada pelas correntes económicas oficiais, apenas é possível porque existe dinheiro estatal, sem quaisquer restrições à sua emissão.

    Temos de voltar a possuir dinheiro sem controlo estatal, onde a taxa de juro seja determinada pela oferta e procura por poupança e que seja escassa, por forma a garantir o seu poder aquisitivo no futuro – uma verdadeira reserva de valor. Para se poupar tem de existir confiança de que essa moeda irá ter um valor estável nos próximos anos, décadas ou mesmo séculos. Caso contrário é uma sociedade que apenas pensa no amanhã e não programa a longo prazo.

    A queda de Roma deveu-se ao deboche dos imperadores – que retiravam o conteúdo de prata ao Denarius ou o ouro ao Áureo criado por Júlio César. Constantinopla sobreviveu mais 1.000 anos, em resultado da reforma monetária do imperador Constantino, que impôs seriedade à cunhagem, não ocorrendo qualquer desvalorização do Soldo durante quase 700 anos. Só assim, as pessoas podem poupar: se confiam na escassez da moeda.

    Com dinheiro estatal tal nunca será possível, por essa razão, o Bitcoin é a alternativa que se irá impor após a crise financeira que se avizinha. É escasso – apenas 21 milhões –, a sua mineração torna-se extremamente cara à medida que nos aproximamos dos 21 milhões, ou seja, não é possível expandir a oferta em resultado da subida do preço, como acontece com outros bens. E, por outro lado, não é controlado pelo Governo, a razão para a desgraça do Ouro, pois quando existem substitutos – notas e depósitos bancários -, torna-se possível a existência de reservas fraccionadas.

    Por fim, outra questão: quase todos os economistas das correntes mainstream detestam o Bitcoin. É um bom sinal!

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Sardenha: não vi o Ricardo Salgado

    Sardenha: não vi o Ricardo Salgado


    Não podia morrer estúpido: na Sardenha, tinha de conhecer Porto Cervo, o local dos famosos, dos multimilionários e do nosso conhecido ex-banqueiro Ricardo Salgado – há uns anos, como sabemos, foi uma espécie de dono do regime.

    No ano passado, a imprensa lusa fez parangonas sobre as férias de Ricardo Salgado, enquanto decorria o seu julgamento. Beneficiou da lei que permitia aos arguidos com mais de 70 anos não marcarem presença em tribunal devido aos riscos associados à putativa pandemia. Por Porto Cervo, segundo fotografias na imprensa, andava ele descontraído, sem máscara e longe dos tais riscos – o “bicho” por lá não aparecia.

    crystal blue water on white sand beach

    Hospedei-me em Olbia, a cerca de 30 quilómetros de Porto Cervo, onde me foi possível encontrar um local para pernoitar a preços acessíveis. Em Porto Cervo, ou nas redondezas, os preços do alojamento são proibitivos. Acima dos 300 euros por quarto em cada noite.

    As estradas na Sardenha são miseráveis; mais se parecem com as estradas de Portugal nos anos 80, onde para percorrer 30 quilómetros se demora 45 minutos. É o oposto da Madeira – com a população a ganhar na sua maioria menos de 1.000 Euros por mês e governada por um tiranete –, onde existem túneis e estradas de luxo para qualquer lugar.

    O empreendimento de Porto Cervo está impecável, vivendas e apartamentos perfeitamente integrados na paisagem, com lojas de luxo em redor de uma marina, onde cada barco parece disputar a primeira posição em tamanho, esplendor e tripulação. Praticamente não se avistam carros de luxo.

    Não vi Ricardo Salgado. Também não vi o café a 10 Euros anunciado pela imprensa mainstream. Também não ouvi ninguém falar português de Portugal, apenas escutei o sotaque do país irmão: o Brasil. Não espanta, hoje aquele país possui uma das comunidades empresariais mais dinâmicas e numerosas do Mundo.

    Em relação à inexistência de portugueses, não há qualquer assombro: em 48 anos de socialismo, o regime encarregou-se de “abater” os empresários, enquanto elevava o peso do Estado na Economia, de 18% para mais de 50%, levando a dívida pública à estratosfera e destruindo o mercado de capitais. As empresas cotadas chegaram a valer 66% do PIB; valem agora menos de 40%, e o mercado está muito dependente de duas cotadas em mãos chinesas.

    Apesar do pesadelo instituído durante dois anos pelo facínora Mario Draghi, a Itália continua a ser uma das nações mais ricas do Mundo. Em Porto Cervo, as lojas de luxo são, na sua maioria, de marcas italianas. Também se vende iates de luxo por encomenda, igualmente de fabrico italiano. Ou seja, continua a existir um capitalismo vibrante, onde a indústria de luxo tem uma enorme preponderância e há capacidade industrial.

    Olho para a Itália, e à distância recordo Portugal. Fomos em tempos uma das nações mais prósperas do planeta; hoje, estamos a caminho de ser a nação mais pobre da Europa. Talvez esteja relacionado com a forma como nos relacionamos com o capitalismo e a riqueza.

    Continuamos a pensar que é fruto do acaso, da sorte, da vigarice e dos contactos certos, em lugar do esforço, da poupança, do risco, da excelência, do trabalho em equipa e da perseverança. Para nos aliviar a abjecção, não espanta o novo-riquismo com estradas e carros de luxo.

    Aparentemente, o único português que pode aparecer em Porto Cervo de Iate e aí alojar-se é um ex-banqueiro acusado de subornar os próceres do regime. Talvez por lá também apareçam figurões desse mesmo regime, com riqueza obtida à mesa do Orçamento do Estado e fruto do confisco dos demais portugueses.

    Mas, confesso, que não os vi; e também não vi Ricardo Salgado. Estará ele e os outros, por certo, em outras paragens paradisíacas.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • As missangas do século XXI

    As missangas do século XXI


    De férias, aproveito para ler. Desde sempre, a História e a Teoria do Dinheiro foram temas que me fascinaram. Revejo o livro que mais me marcou a este respeito: The theory of money and credit, do economista Ludwig von Mises, publicado em 1912 em alemão.

    Hoje, a maioria dos estudantes de Economia não compreende o funcionamento do presente sistema monetário, nem tão pouco estudou ou se debruçou sobre o tema. São coisas esotéricas para muitos. Não podemos atribuir-lhes qualquer culpa, pois o ensino dá pouca importância a estas matérias, talvez porque interessa manter a ignorância generalizada.

    man in red and white plaid shirt wearing white scarf

    Eu próprio fui uma vítima deste sistema de ensino: poucas disciplinas tive sobre estes temas no meu tempo de faculdade; mas salvei-me: apesar de tudo, a experiência profissional e a minha curiosidade ajudaram-me a reconhecer a importância do dinheiro no aparecimento de sociedades prósperas e dinâmicas.

    Dentro desta temática, sempre me fascinou um episódio da nossa História: a troca de missangas por ouro e escravos, que os descobridores portugueses realizavam na costa africana. A pergunta que sempre subsistiu na minha cabeça foi a seguinte: qual a razão para uma troca voluntária aparentemente tão desfavorável para os africanos?

    Não devia ser desfavorável. E passo a explicar. As missangas eram pulseiras, podendo ser adaptadas para colares ou braceletes, construídas com pedaços de vidro. Tornaram-se preciosas na África subsariana, porque a tecnologia do vidro era então cara e pouco comum naquela região. Desta forma, tornaram-se dinheiro, ou seja, um meio de troca e uma reserva de valor.

    Os europeus – detentores de tecnologia capaz de produzir vidro em enormes quantidades – foram assim capazes de produzir missangas em enormes quantidades, utilizando-as como meio de pagamento para obter escravos e ouro. Saiu-lhes barato, e acabou por dar cabo das missangas como reserva de valor em África.

    gold and silver round coins

    O colapso do valor das missangas em África, em resultado das enormes quantidades introduzidas pelos europeus, acabou por ser uma tragédia para os proprietários das missangas originais. Os comerciantes europeus, capazes de as produzir em enorme quantidade e a baixo custo, operaram assim uma enorme transferência da riqueza para si.

    Para ser reserva de valor, o dinheiro tem que ser imune à putrefacção, corrosão, e outras formas de deterioração. Por isso, se alguém pensar em acumular riqueza sob a forma de maçãs, peixes ou laranjas, não se dará bem: no futuro, não será capaz de vender estes bens no mercado porque apodreceram ou perderam qualidades com uma eventual congelação – além de que o congelamento teria um custo que depreciaria o valor. Ou seja, devemos utilizar como reserva de valor algo que possua as mesmas características ao longo de anos, ou mesmo séculos, com baixo ou nenhum custo.

    Deste modo, para além de não se poder deteriorar, a reserva de valor exige também que o “dinheiro” seleccionado se mantenha escasso ao longo do tempo. Para tal, é necessário que a emissão do “dinheiro” não aumente de forma drástica ao longo do tempo; caso contrário, o seu valor de mercado irá diminuir drasticamente.

    Ora, as missangas funcionaram bem durante séculos, pois cumpriam os dois critérios: por um lado não eram deterioráveis e, por outro, a sua escassez estava garantida, atendendo à dificuldade em emitir drasticamente novas missangas. Em conclusão: antes da chegada dos europeus, a emissão drástica não era possível.

    Assim, para medirmos a força monetária do dinheiro devemos atender a dois aspectos: (i) o inventário, que consiste em tudo o que foi produzido no passado e deduzido do que foi consumido, e (ii) a produção que irá ocorrer no período temporal seguinte. O rácio entre a quantidade e a produção define a força monetária do dinheiro.

    O ouro transformou-se assim em dinheiro, durante longo tempo, fundamentalmente por possuir uma elevada força monetária, ou seja, a produção de um dado período tem pouco ou nenhum impacto no inventário existente.

    Praticamente todo o ouro extraído da natureza até à data encontra-se na posse de alguém, seja de um particular ou de um Banco Central. Por outro lado, a produção anual de ouro não supera os 2% do inventário, atendendo que a mineração é cara e difícil.

    Diga-se que outros metais não possuem esta força monetária, como, por exemplo, o ferro. Num dado ano, a produção é praticamente consumida, havendo, por conseguinte, pouco inventário; por outro lado, afectando capital e recursos humanos à sua produção, esta pode ser drasticamente incrementada, algo que não acontece com o ouro.

    O sucesso deste metal levou a que Bancos Centrais, governos e bancos centralizassem a sua propriedade. Hoje, estima-se que apenas os Bancos Centrais possam deter mais de 30% do inventário existente.

    grey concrete building

    Tal concentração de propriedade permite a emissão de substitutos, como notas ou cheques, deixando de existir a necessidade de transportar o ouro para realizar o pagamento, bastando a compensação junto do banco, movendo-se a propriedade do mesmo de um cliente para outro.

    Esta capacidade de emitir substitutos permitiu aos governos manipular o inventário do ouro. Para financiar a guerra do Vietname, os Estados Unidos emitiram uma enorme quantidade de notas de dólar sem qualquer respaldo em ouro. E, deste modo, a manipulação do seu inventário levou ao fim do ouro como dinheiro.

    Actualmente, estamos a viver o mesmo drama dos proprietários das missangas. A produção de nova moeda é quase infinita: Euros e Dólares norte-americanos podem ser produzidos com um simples apertador de um botão de computador, praticamente sem quaisquer custos. Isso gera uma transferência de riqueza a favor dos produtores de dinheiro: Bancos Centrais, governos, bancos e apaniguados, em detrimento dos produtores de bens e serviços.

    A força monetária das actuais moedas é mínima, pelo que a sua viabilidade a longo prazo é inexistente. Por outro lado, a alternativa proposta, a moeda digital dos Bancos Centrais mantém o mesmo problema: a sua produção pode ser aumentada drasticamente e sem custos.

    A razão de afirmar, vezes sem conta, que o Bitcoin é uma excelente reserva de valor deriva das suas características, que resolvem os problemas já anteriormente indicados.

    aerial photography of dump trucks

    Primeiro, a sua produção está limitada a 21 milhões de tokens; a emissão é muito cara, pois consome imensa energia, pelo que a produção está fortemente condicionada. Assim, a sua força monetária está assegurada.

    Segundo, a tecnologia em que assenta – o blockchain – elimina por completo a centralização. Cada node pode operar de forma individual e não é possível controlar mais de 50% dos nodes da rede. Em resumo, dispensa uma autoridade central e funciona de forma descentralizada.

    Por fim, ao contrário do ouro – que pode ser manipulado o seu inventário através de substitutos, i.e., o fenómeno das reservas fraccionadas –, o valor de Bitcoins total, e a quem pertence, pode ser auditado com uma simples ligação à Internet, impossibilitando tal prática.

    Isto para concluir, embora seja suspeito por estar nesta área, e mais ainda de férias, que continuo a pensar que a acumulação de riqueza em Bitcoins será altamente compensadora no futuro. Mais do que a moeda fiduciária dos Bancos Centrais, que se transformou nas “missangas do século XXI”.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • O socialismo está a vencer…

    O socialismo está a vencer…


    Ao fim de vários anos, decido gozar um período de férias com a minha família. Regressámos ao princípio dos anos 90: metemo-nos num carro e partimos por essa Europa fora.

    Mas, apesar de tudo, os tempos já são outros. Viajar de carro tornou-se um luxo extremo. A gasolina nunca esteve tão cara. Aproximámo-nos dos míticos 500 escudos por litro (2,5 Euros), algo impensável há três décadas.

    Primeira paragem, a cidade onde vivemos quase 10 anos, onde os meus filhos frequentaram o infantário, a primária e parte do secundário: Barcelona.

    Em dois dias, com uma paragem num hotel de estrada à entrada de Madrid, chegámos. Apenas em Portugal nos cobraram portagem. O litro de gasóleo em Espanha, depois de aplicado o desconto de 20 cêntimos, situa-se agora em torno de 1,85 euros. Em Portugal, está em 2,2 euros. Algo que, enfim, não nos devia espantar, pois, como todos sabem, somos sumamente mais ricos que os nossos vizinhos espanhóis. Talvez seja esta a razão para ninguém levantar um dedo em protesto.

    Em Barcelona, estivemos três dias a rever amigos. Apesar de todos os ataques, a sociabilidade com outros seres humanos é das melhores coisas que levamos desta vida. A esta distância, e depois de voltar a viver em Portugal desde 2019, o que mais me surpreendeu foram os empregos das pessoas, algo que nunca tinha dado a devida atenção.

    Na capital da Catalunha, o grande desejo de qualquer pessoa é ter um negócio ou singrar numa grande empresa – sócio de uma grande sociedade de advogados ou de consultoria, sócio de uma auditora internacional… A burguesia catalã sempre me surpreendeu pela sua riqueza, aptidão para os negócios e obsessão com a educação dos seus filhos. Talvez isso explique a enorme diferença com Portugal: com uma população de apenas 7 milhões (70% da nossa), o seu PIB é superior ao de Portugal.

    Sagrada Famiglia cathedral during daytime

    Para minha surpresa, os tempos parecem estar a mudar. Uma das minhas amigas, que tem um negócio de promoções em jornais, é uma grande proprietária de imóveis em Barcelona. Segundo me explicou, durante a putativa pandemia, o governo de Espanha decidiu impor um tecto às rendas praticadas em determinadas áreas da cidade.

    Esta medida foi “vendida” como uma forma de “partir os dentes à especulação desenfreada” – já ouvimos isto algures… nunca compreendi a obsessão pela fixação de preços, pois nunca resultou. Ninguém se pergunta se, por exemplo, a 800 euros existem inquilinos disponíveis; se sim, por que razão o proprietário é obrigado a cobrar apenas 650 euros? Tem de realizar caridade em nome de quem?

    Por outro lado, muitos inquilinos protestam agora contra o possível aumento de 10% ou mais das rendas no final do presente ano, em virtude de uma taxa de inflação em dois dígitos. É sempre surpreendente que nunca se acuse o Governo de ser o principal responsável dessa mesma inflação, vertida directamente da impressora de notas do seu Banco Central. Ao Governo pede-se o confisco puro e simples dos proprietários.

    Parece que Espanha regressa ao Portugal pós-revolucionário, em que os proprietários se viram impossibilitados de aumentar as rendas em linha com a inflação. Qual foi o resultado? Um parque imobiliário completamente decrépito, em particular nas cidades de Lisboa e Porto.

    A ténue liberalização das rendas e o sucesso do alojamento local fizeram reverter parcialmente esta desgraça. Não será por muitos anos: o socialismo, entranhado nos nossos dirigentes, encarregar-se-á de reverter os ventos favoráveis que se registaram neste sector nos últimos anos.

    No barco para a Sardenha, aproveito para dar uma olhada na imprensa nacional e internacional. Nada de novo. O representante máximo da República, que pisa há mais de dois anos a Constituição que jurou defender, decide ir de férias ao Brasil e visitar um candidato pouco recomendável, em lugar de realizar a visita oficial. A imprensa mainstream, como previsível, rejubilou com o mergulho na praia de Copacabana. Parece que foi o melhor momento da visita: o tronco nu, os calções de banho, a pele e o cabelo molhado.

    Leio, também, que vários aeroportos europeus se encontram perto da ruptura: caos, filas e cancelamentos de voos parecem ser a norma em pleno período de férias. É sempre enternecedor verificar que a imprensa mainstream nunca aponta o dedo aos confinamentos a pretexto de um vírus com uma taxa de sobrevivência superior a 99%. A culpa parece ser do SEF, os que matam ucranianos à pancada, e da falta de funcionários.

    Entretanto, os meus olhos passam por um panegírico, num estilo canino, ao ministro das Infra-estruturas, o tal que enterrou mais de 4 mil milhões de euros na bancarroteira nacional. Parece que foi assinado por alguém que se diz jornalista.

    Por fim, a revolta dos agricultores holandeses, em protesto contra o fecho de 30%, ou mesmo mais, de explorações agrícolas decretado pelo Governo holandês. Parece que o objectivo é reduzir as emissões de poluentes, como os óxidos de azoto, em 50% até 2030. O socialismo continua a prosperar: planeadores centrais decidem quanto e quem pode produzir, em nome do combate às alterações climáticas que ainda ninguém provou que seja um fenómeno ou mesmo causado pelo Homem.

    Tal como na revolta dos camionistas no Canadá, noto a total ausência desta revolta na imprensa mainstream, sempre do lado dos facínoras e aspirantes a tiranos.

    Chego a uma conclusão: é melhor nem ler notícias. Fico-me pelos livros.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.