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  • Este ano contam-se nove meses com mais de 10.000 mortes; antes da pandemia havia dois ou três em cada 12 meses

    Este ano contam-se nove meses com mais de 10.000 mortes; antes da pandemia havia dois ou três em cada 12 meses

    Nos últimos 36 meses registam-se 19 meses com mais de 10.000 óbitos, uma situação sem memória nos tempos modernos. No triénio anterior (2017-2019) houve apenas sete no total, todos em meses de Inverno. Neste ano de 2022 agravou-se o cenário dos dois primeiros anos de pandemia: em 2020 houve seis meses acima daquela fasquia, e em 2021 foram quatro. Tamanha persistência em números elevados é completamente absurda, ainda mais com uma taxa elevadíssima de vacinação contra a covid-19, que supostamente seria eficaz para debelar os efeitos da pandemia. O contínuo excesso pode ser agora por causa das alterações climáticas, como diz o ministro da Saúde… ou, se calhar, com maior grau de probabilidade, de tudo o resto, a começar pelo alheamento do Governo à situação. E pela forma como escondem informação.


    O ano ainda não terminou, ainda faltam nove dias para Dezembro acabar, mas um trágico recorde está garantido: o ano de 2022 contará nove meses com uma mortalidade acima de 10.000 óbitos. Somente Agosto (9.306 mortes), Setembro (8.754) e Outubro (9.525) não superaram aquele número. Dezembro ainda não atingiu as 10.000 mortes, mas será uma questão de tempo: até dia 21 registam-se 8.502 óbitos – uma média diária de quase 405, o que significa que até à passagem de ano será expectável chegar-se a valores que rondem os 12.500 óbitos.

    Esta é uma situação inaudita nos tempos modernos, e mesmo nos dois anos anteriores, em pandemia. Em 2020 foram contabilizados seis meses com mais de 10.000 óbitos: Janeiro (antes da chegada do SARS-CoV-2), Março, Abril, Julho, Novembro e Dezembro. No ano seguinte contabilizaram-se quatro: Janeiro, Fevereiro, Novembro e Dezembro. Nos primeiros dois meses de 2021, a mortalidade total foi, contudo, extraordinariamente elevada: 19.646 e 12.747 óbitos, respectivamente.

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    O significado de nove meses (em 12) com um número de óbitos acima de 10.000 é muito relevante face ao perfil tradicional da mortalidade portuguesa, claramente com uma evolução sazonal: Inverno mais mortífero Verão mais “ameno”. No presente século, e no período anterior à pandemia, geralmente registavam-se somente dois ou três meses com valores acima daquela fasquia – por regra entre Novembro e Fevereiro. Em 2011 e 2004 até só houve um mês com esse nível de mortalidade (Janeiro, com 10.575 óbitos).

    Consultando dados mensais do Pordata a partir de 1980, no final do século XX até era raro um ano ter mais de dois meses acima de 10.000 óbitos, observando-se mesmo um (1982) que não registou qualquer mês nessas circunstâncias.

    A mortalidade em 2022 sempre em níveis anormalmente elevados – e ainda mais sucedendo a dois anos com mais de 120 mil óbitos, em cada um – constitui mais um indicador de uma “mortalidade estrutural”, isto é, que não advém de eventos sazonais associados a infecções respiratórias e/ ou ondas de calor.

    Mortalidade total por mês em 2022. Valor de Dezembro estimado em função da média diária de óbitos até dia 21. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Antes da pandemia, por norma, a mortalidade diária entre o último terço do Outono e em grande parte do Inverno situava-se entre os 350 e os 450 óbitos (em picos de surtos gripais intensos), havendo uma tendência de decréscimo ao longo da Primavera. O Verão constitui a época menos letal, mesmo quando surgem repentinas e mortíferas ondas de calor. Por norma, o mês de Setembro até costuma ser o menos letal, seguindo-se Agosto.

    Em situações normais, o “comportamento letal” do Verão também dependia de como o Inverno tinha sido, e vice-versa. Ou seja, após uma elevada mortalidade associada a um surto gripal, geralmente sucedia um Verão ameno, mas se fosse demasiado ameno, o Inverno seguinte tinha tendência a ser mais mortífero.

    Ora, nada disto sucedeu em 2022, ainda mais quando 2020 e 2021 já tinham sido anos de excesso de mortalidade. Com efeito, se contabilizarmos Novembro e Dezembro de 2021, até Julho deste ano contabilizaram-se nove meses consecutivos acima de 10.000 óbitos, o que significa que houve, grosso modo, em média, mais de 330 óbitos diários. Nem essa inaudita sequência refreou o ressurgimento de níveis elevados de mortalidade, após o período estival geralmente menos letal.

    Número de meses com mais e com menos de 10.000 óbitos entre 1980 e 2022. Fonte: Pordata. Análise: PÁGINA UM.

    Comparando o período pandémico – no pressuposto de que a pandemia ainda assim continua a ser considerada pela Organização Mundial de Saúde – com o período homólogo imediatamente anterior, confirma-se o problema “estrutural” do excesso de mortalidade em Portugal, e que nem se pode argumentar que seja muito por causa da covid-19.

    Com efeito, este ano a covid-19 está a contribuir para a mortalidade total em níveis similares a 2020 (5,7% e 5,6%, respectivamente), o que não deixa de ser paradoxal, uma vez que 2022 tem uma elevada taxa de imunidade vacinal (e com reforços) e o primeiro ano de pandemia apenas começou a contabilizar mortes por covid-19 a partir de meados de Março.

    Em todo o caso, 2022 não se compara com 2021, em que a covid-19 terá representado, de acordo com as classificações oficiais, 9,5% de todas as mortes. Convém, contudo, salientar que a taxa de letalidade a partir do surgimento da variante Ómicron esteve quase sempre abaixo de 0,25%, até início de Outubro, quando a Direcção-Geral da Saúde modificou a estratégia de testagem (quebrando a série estatística). Ou seja, em praticamente todo o ano de 2021, antes da Ómicron, e já com o programa de vacinação em pleno, a taxa de letalidade da covid-19 (então dominada pela variante Delta) até era francamente superior; chegou mesmo a ultrapassar os 3% em Janeiro de 2021 e registou alguns picos acima de 1% entre meados de Outubro e a primeira quinzena de Novembro daquele ano.

    Comparação da evolução da mortalidade diária (média de sete dias) entre 15 de Março de 2020 e 20 de Dezembro de 2022 (1.011 dias) e o período homólogo de 2017 a 2019. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Certo é que o contínuo excesso de mortalidade ao longo dos meses deste ano – e depois de dois anos já de excesso – é difícil de compreender. Ou melhor dizendo, é difícil de admitir, ademais tendo em conta o aparente alheamento das autoridades de Saúde e do Governo, que mostram uma apatia para apurar as verdadeiras causas desta situação.

    Na verdade, não é apatia, é activa atitude obscurantista: recorde-se que o Ministério da Saúde, quer através da Direcção-Geral da Saúde, quer da Administração Central do Sistema de Saúde, tem sistematicamente recusado disponibilizar, entre outras, as bases de dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH) – que permitiriam ao PÁGINA UM apurar os desvios sobre as principais causas de morte e hospitalização nos últimos anos.

    E recorde-se também que o actual ministro da Saúde, Manuel Pizarro, em nada mudou a filosofia da sua antecessora, Marta Temido, no sentido de não promover uma investigação independente às origens do excesso de mortalidade. Aliás, preferiu conjecturar em torno das alterações climáticas como culpadas pelo excesso de mortalidade.

  • Um jogo do gato e do rato: o presidente do Infarmed quer fugir ao tribunal

    Um jogo do gato e do rato: o presidente do Infarmed quer fugir ao tribunal

    Ontem, a Direcção-Geral da Saúde veio, pela primeira vez, apelar aos profissionais de saúde para estarem atentos aos sinais e sintomas de miocardite e pericardite nos jovens que tenham tomado a vacinas, mas continua-se a desconhecer, por obscurantismo, os detalhes que constam no Portal RAM do Infarmed. O longo processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, que opõe o PÁGINA UM ao regulador nacional do medicamento desde Abril deste ano, parece um jogo do gato e do rato: após a juíza exigir que o presidente do regulador seja ouvido em audiência no próximo mês de Janeiro, hoje os seus advogados vieram requerer a anulação do despacho, alegando que estão em causa estão apenas questões técnicas, e que Rui Ivo Santos, com carreira burocrática neste sector desde 1993, é parte interessada no processo, e também por isso não deve testemunhar.


    Os advogados do Infarmed apresentaram hoje um requerimento ao Tribunal Administrativo de Lisboa para que o presidente deste regulador, Rui Ivo Santos, não seja ouvido como testemunha no processo de intimação para acesso aos dados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e o antiviral remdesivir. A actual juíza do processo, Sara Ferreira Pinto, já aceitara a indicação do PÁGINA UM para ouvir aquele responsável que, desde 6 de Dezembro de 2021, tem vindo a recusar o acesso aos dados anonimizados detalhados do Portal RAM.

    A intenção do PÁGINA UM em se ouvir o responsável máximo do regulador prende-se sobretudo com o argumento (estafado) de uma alegada impossibilidade de anonimização dos dados, uma operação habitualmente corriqueira em bases de dados, em especial quando se pretende retirar os campos com informação pessoal. Por outro lado, também se pretende averiguar os detalhes do contrato assinado entre o Infarmed e a empresa Altran Portugal em 12 de Novembro do ano passado para alteração do portal das reacções adversas (Portal RAM) no âmbito do reporte à Agência Europeia do Medicamento (EMA).

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: há um ano a esconder dados do Portal RAM, não quer agora testemunhar perante o Tribunal Administrativo de Lisboa.

    No requerimento agora apresentado pela sociedade de advogados BAS – que desde 2020 “colecciona” 53 contratos de consultadoria jurídica por ajuste directo com entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde –, alega-se que “em função do cargo que ocupa, o Senhor o Senhor [sic] Professor Rui Santos Ivo é parte do presente processo, não podendo depois como testemunha”, solicitando-se assim que “seja revogado o despacho de 13.12.2022, na parte em que [a juíza] admitiu o chamamento do Presidente do Conselho Diretivo do Infarmed como testemunha”.

    Além de alegar questões meramente formais, o requerimento daquela sociedade de advogados tenta retirar o cunho político e administrativo a este processo, para assim evitar o testemunho de Rui Santos Ivo. Ao pretender colocar o assunto como “eminentemente técnico”, a defesa de Rui Santos Ivo diz que, em audiência provisoriamente marcada para o próximo dia 24 de Janeiro, basta ouvir Márcia Silva, directora de Gestão do Risco de Medicamentos do Infarmed – que, aliás, será tão parte interessada no processo como o seu presidente. Note-se que Márcia Silva foi indicada pelo Infarmed, e não mereceu qualquer oposição do PÁGINA UM no âmbito deste processo, como deve suceder numa questão jurídica justa e civilizada.

    Em todo o caso, não deixa de ser curioso que o Infarmed, através do seu representante legal, sustente que Rui Santos Ivo não entenda de questões técnicas relacionadas com o Portal RAM, tendo em consideração vasta experiência deste responsável na regulação de medicamentos e na indústria farmacêutica.

    De facto, a menos que o actual presidente do Infarmed tenha enganado meio-mundo nas últimas três décadas, não deverá haver muitas pessoas com a sua experiência técnica e administrativa no também burocrático sector da indústria farmacêutica.

    Senão veja-se: Rui Santos Ivo licenciou-se em Ciências Farmacêuticas em 1987, tem pós-graduações em Direito da Saúde (Faculdade de Direito, em 1997), em Medicina Farmacêutica (Universidade de Basileia, em 1999), em Regulação (London School of Economics and Political Science, em 1999), em Gestão de Unidades de Saúde (Universidade Católica Portuguesa, em 2000), em Programa de Alta Direção de Instituições de Saúde (AESE Business School, em 2015). Possui uma vasta e invejável carreira no sector da regulação, depois de ter ingressado em 1993 no Infarmed, onde exerceu cargos de vogal e vice-presidente entre 1994 e 2000, e depois de presidente entre 2002 e 2005.

    Durante este último período foi ainda administrador na direção da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) entre 2002 e 2005. Mais tarde, entre 2006 e 2008, foi administrador na Unidade de Produtos Farmacêuticos da Direção-Geral de Empresas e Indústria da Comissão Europeia (2006 -2008), a que se seguiu passagem como diretor executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) até Novembro de 2011, quando então regressou à Administração Pública. Primeiro, ocupou o cargo de vice-presidente e depois de presidente do conselho directivo da Administração Central do Sistema de Saúde, antes de regressar de novo, em Janeiro de 2016, ao Infarmed, para ser vice-presidente. Em Junho de 2019 subiu novamente a presidente do regulador.

    É este, portanto, o homem que, a despeito de se debater uma “questão técnica” – ou seja, a disponibilização de dados anonimizados detalhados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 – não quer justificar-se em tribunal, porque, enfim, não é um técnico, e não sabe como funciona o Portal RAM nem se pode ser facilmente anonimizado.

    A decisão de manter ou não a presença de Rui Santos em sessão do Tribunal Administrativo de Lisboa deverá ser tomada pela juíza do processo nos próximos dias.

    Sede do Infarmed: onde se “sequestra” a verdade e onde se veda o acesso à transparência.

    Saliente-se que este processo de intimação corre desde 20 de Abril passado, e surgiu depois da recusa do Infarmed em disponibilizar o acesso à base de dados do Portal RAM, mesmo se a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) já em 16 de Março deste ano considerou, em parecer não vinculativo, que o Infarmed deveria facultar o seu acesso, salientando que “o interesse público no conhecimento de elementos que possam informar quanto à segurança da vacina é, por conseguinte, manifesto”.

    Ontem, recorde-se, a Direcção-Geral da Saúde veio, pela primeira vez, apelar aos profissionais de saúde que estejam atentos aos sinais e sintomas de miocardite e também pericardite, nos 14 dias após a toma da vacina contra a covid-19. As reacções adversas devem constar, de forma discriminada, no Portal RAM a que o PÁGINA UM quer aceder há mais de um ano.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Em caso de derrota, os custos podem, não incluindo honorários do nosso advogado, atingir mais de 1.400 euros. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Desastre de saúde pública continua: terceiro ano consecutivo acima dos 120 mil óbitos; e o ano de 2022 arrisca ser ainda mais mortífero do que 2021

    Desastre de saúde pública continua: terceiro ano consecutivo acima dos 120 mil óbitos; e o ano de 2022 arrisca ser ainda mais mortífero do que 2021

    Anteontem foi o dia mais mortífero do ano, com 471 óbitos. Os últimos dias têm mostrado um agravamento da mortalidade total, mesmo observando-se um abrandamento dos casos de urgência hospitalar e de infecções respiratórias. De que estão a morrer os portugueses? Ninguém sabe, porque o Ministério da Saúde não divulga os seus estudos e a Administração Central do Sistema de Saúde ainda não cumpriu uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, cedendo dados sobre morbilidade e mortalidade hospitalar.


    Pelo terceiro ano consecutivo, a mortalidade total em Portugal ultrapassará os 120 mil óbitos, segundo estimativas do PÁGINA UM com base nos números registados até 13 de Dezembro de 2022. A situação já era expectável ao longo do presente ano, com sucessivos meses, sobretudo na Primavera e Verão, a baterem recordes de mortalidade no período democrático, embora em Outubro e Novembro se tenha verificado um menor excesso de mortalidade.

    Porém, com a meteorologia mais agreste – embora ainda sem frio –, o mês de Dezembro está a dar sinais de vir a ser muito mais inclemente, mesmo se se está a observar um abrandamento no fluxo das urgências e da prevalência das infecções respiratórias, que tiveram o seu auge, por agora, em meados de Novembro.

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    Certo é que, consultando os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), desde o dia 5 deste mês de Dezembro, a mortalidade total tem estado em níveis extremamente elevados, por norma bem acima dos 400 óbitos, o que constitui uma situação raríssima na primeira quinzena do último mês do ano.

    Seis dos 13 primeiros dias de Dezembro estão com mortalidade total acima dos 400 óbitos, e na segunda-feira passada atingiu-se os 471 óbitos, o valor máximo deste ano. Este número ainda pode vir a subir com as habituais actualizações. O anterior máximo registara-se em 14 Julho (459 óbitos).

    De acordo com estimativas do PÁGINA UM, se até ao final de Dezembro se observar um nível de mortalidade similar ao dos primeiros 12 dias do mês, o ano de 2022 terminará ligeiramente acima dos 125 mil óbitos. Esse número (125.077) será ligeiramente inferior ao de 2021 (125.231). No entanto, se houver um agravamento, 2022 pode mesmo suplantar 2021, “bastando” que entre hoje e o dia 31 de Dezembro a mortalidade média diária suba para os 412 óbitos, o que não se afigura impossível. Por exemplo, nesse período, em 2020 atingiu-se os 418 óbitos de média diária, e em 2016 – portanto, muito antes da covid-19 – o número esteve próximo (409).

    Registos diários dos episódios de urgência e monitorização da gripe e outras infecções respiratórias revelam um desagravamento nas últimas semanas, mas a mortalidade total aumentou. Fonte: SNS.

    Certo é que os três últimos anos terminarão com um excesso absurdamente elevado face aos três anos anteriores, o que não se explica apenas com a mortalidade por covid-19 e pelo envelhecimento populacional. Somando a mortalidade entre 2020 e 2022 (estimada até final de Dezembro) atingem-se cerca de 374 mil óbitos, enquanto nos três anos anteriores se contabilizam 336.140 óbitos. Ou seja, estamos perante um aumento de cerca de 38 mil óbitos, ou, em termos relativos, de 11%.

    Mesmo considerando que, de acordo com dados oficiais – não validados de forma independente, saliente-se – se registaram 25.584 óbitos por covid-19 em Portugal, significa que o acréscimo não-covid será superior a 12 mil. Em todo o caso, convém salientar que a mortalidade por outras doenças fora do âmbito respiratório situar-se-á em valores muitíssimo superiores, porque durante a pandemia houve uma redução muito substancial de mortes pelas habituais pneumonias e doenças afins.

    Recorde-se que o PÁGINA UM aguarda que a Administração Central do Sistema de Saúde cumpra a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, disponibilizando a base de dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos para se poder fazer um balanço mais rigoroso através da mortalidade hospitalar.

    O grupo etário dos mais idosos (acima dos 85 anos) tem sido o mais fustigado pela mortalidade – que, obviamente, tem uma taxa muito superior à das outras idades –, com valores excepcionalmente elevados este ano face aos anos anteriores. Este ano, até ao dia de ontem, se contabilizaram 52.420 óbitos de pessoas com mais de 85 anos, valor que contrasta com os 51.213 óbitos em período homólogo do ano passado, que já era o pior desde que há registos.

    Mortalidade total entre 2009 e 2022. Para o ano de 2022, estimou-se óbitos diários (média) de 403 entre 14 e 21 de Dezembro. Caso a mortalidade diária nesse período seja de 412 óbitos, o ano de 2022 suplantará o de 2021. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Este autêntico gerontocídio – também não explicado apenas pela covid-19, ainda mais face à elevada taxa de vacinação nos últimos dois anos contra aquela doença, nem pelo empobrecimento – fica bem patente quando se compara os anos da pandemia com os anteriores. Com efeito, entre 15 de Março de 2017 e 13 de Dezembro de 2019 (pré-pandemia), o SICO regista 124.457 óbitos de pessoas com mais de 85 anos; o número de mortes desde a primeira morte da covid-19 (15 de Março de 2020) e o dia de ontem (13 de Dezembro de 2022) já vai em 148.040, ou seja, um acréscimo de 19% (mais de 23.500 óbitos).

    O Ministério da Saúde continua sem revelar para quando estará concluído o estudo prometido sobre as causas do excesso de mortalidade em Portugal, embora o ministro Manuel Pizarro já tenha afirmado que os fenómenos extremos tiveram “profundo efeito” na saúde dos portugueses – uma afirmação que carece de provas e de disponibilização de dados oficiais que possibilitem uma análise independente.

  • PÁGINA UM perde processo e, assim, Infarmed pode manter secreta troca de correspondência com a Agência Europeia do Medicamento

    PÁGINA UM perde processo e, assim, Infarmed pode manter secreta troca de correspondência com a Agência Europeia do Medicamento

    Sem mais de uma dezena de processos de intimação, PÁGINA UM não consegue ver reconhecido direito de acesso a documentos. Legislação feita à medida para proteger indústria farmacêutica em caso de problemas graves de saúde pública provocada por fármaco, a par de falta de sensibilidade do Tribunal Administrativo para reconhecer o papel determinante da imprensa, ditam a primeira derrota. Mas há outros motivos para acreditar nesta campanha do PÁGINA UM: noutro processo envolvendo o Infarmed, um despacho da juíza que analisa o acesso aos dados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e do anti-viral remdesivir concordou com a audição do presidente do regulador. A audiência está marcada para o próximo mês de Janeiro.


    O Infarmed e a Autoridade Europeia do Medicamento têm agora ‘carta branca’ para eventualmente esconderem informação ao público sobre problemas com fármacos, e os jornalistas portugueses jamais podem ter pretensões de realizar análises de rotina à troca de comunicações e de documentação na posse destas entidades. Esta é, em suma, a interpretação do Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso do director do PÁGINA UM, através de um acórdão de finais de Outubro.

    Esta é a primeira derrota do PÁGINA UM, que acaba por conceder ao Infarmed o direito de manter secretos eventuais problemas com medicamentos, permitindo-lhe esconder informação relevante e/ou divulgar somente aquilo que os seus dirigentes acharem adequado, mesmo quando estejam em causa a saúde pública.

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    Em causa, neste processo, estava o pedido do PÁGINA UM PARA acesso “de todo e qualquer documento administrativo na posse do INFARMED que tenha sido transmitido por carta normal (em papel); por mensagem de correio electrónico, por outro qualquer sistema digital sonoro ou audiovisual pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) e outras entidades internacionais homólogas do INFARMED, desde 2020 até à presente data.”

    Recorde-se que o PÁGINA UM decidira, em Maio deste ano, recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o Infarmed a revelar os documentos da EMA que enviara para o regulador português sobre o “corpo estranho” num lote de vacinas da Moderna. O Infarmed negou identificar o “corpo estranho”, que seria restos de mosquito, considerando ser matéria “confidencial”. O PÁGINA UM solicitou acesso a toda a documentação trocada entre o Infarmed e a EMA a partir de 2020 por ser a única forma de garantir não haver sonegação de documentação.

    Primeira página do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.

    Contudo, já em finais de Junho passado, uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa não dera, para este caso, razão ao PÁGINA UM, seguindo a tese do Infarmed.

    Nessa sentença, o juiz João Cristóvão considerava que, apesar dos direitos consagrados na Constituição da República e da Lei da Imprensa, o “pedido de informação apresentado” pelo PÁGINA UM “foi configurado de tal forma ampla que o torna susceptível de aceder a um universo quantitativo e qualitativo de documentos impossível de prever, mas sobre os quais impende uma presunção legal de confidencialidade.”

    O juiz referia também estar presumidamente em causa, nessa documentação, “segredo comercial, industrial ou profissional ou um segredo relativo a um direito de propriedade literária, artística ou científica”.

    O acórdão relativo ao recurso intentado pelo PÁGINA UM veio agora confirmar que, sim, a informação trocada pelo regulador português com a EMA é confidencial, beneficiando de “um regime especial” para o qual não se aplica a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Ou seja, o diploma aprovado pelos políticos portugueses permite que Infarmed e EMA, em eventual articulação com as farmacêuticas, possam esconder do público casos graves que afectem a saúde pública.

    Por outro lado, o acórdão diz também que houve “falta de um mínimo de determinabilidade, quando no pedido de acesso à informação se pretende[u] toda e qualquer correspondência, entre as entidades aí referidas, por qualquer meio até à presente data”, mesmo se foi definido claramente um período temporal, e sabendo-se que essa informação pode legalmente ser disponibilizada por fases.

    Nessa medida, o acórdão, salienta que o pedido do Recorrente [director do PÁGINA UM] careceu “da devida identificação de modo a ser determinável e identificável, nem que seja para que o Recorrido/Infarmed possa fazer uso dos poderes descritos no art. 188º, nº 2 in fine [Decreto-Lei nº 176/2006], assim como para o Tribunal aferir da sua necessidade/pertinência”.

    Documento para pagamento das custas judiciais exigidas, como habitualmente, pela outra parte; neste caso, pelo Infarmed.

    Sobre o facto de o PÁGINA UM ter identificado em concreto o interesse em consultar toda a documentação que identificasse o “corpo estranho” presente num lote de vacinas contra a covid-19 da Moderna, o acórdão do Tribunal dá uma interpretação simultaneamente curiosa e preocupante: “(…) atento o princípio da proporcionalidade sempre haveria que na ponderação de interesses [divulgar ou esconder] salvaguardar informação científica e farmacêutica da qual inexiste a devida certeza de molde a evitar especulações ou receios infundados na população”.

    Em suma, para evitar especulação ou receio – infundados ou não – na população, o acórdão assinado por três desembargadores – Ana Cristina Lameira (relatora), Ricardo Ferreira Leite e Catarina Jarmela – acaba por considerar ser mais vantajoso esconder e, assim, nada se saber. No limite, morrer na ignorância. Os desembargadores também nada ponderaram sobre o direito constitucional dos jornalistas de acederem à informação, que, assim, neste caso, ficará no “segredo dos deuses”.

    Pela perda deste processo, o PÁGINA UM foi condenado a pagar as custas processuais, pelo que, além das taxas de justiça que teve de arcar (712 euros), teve o seu director que transferir mais 841,50 euros para os cofres do Infarmed.

    Saliente-se que este processo, agora perdido pelo PÁGINA UM, é independente da intimação que corre desde Maio passado no Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Infarmed que recusa o acesso ao Portal RAM que contém as notificações das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e o anti-viral remdesivir. Neste caso, não há legislação que proíba o acesso, estando apenas em discussão se os dados são passíveis de serem anonimizados.

    Ainda hoje, a juíza responsável pelo processo fez um despacho a marcar uma audiência final na quarta semana de Janeiro do próximo ano para ouvir presencialmente testemunhas – o que não é situação comum –, entre as quais, com carácter de obrigatoriedade, o presidente do Infarmed, Rui Ivo Santos, por indicação do PÁGINA UM.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Em caso de derrota, os custos podem, não incluindo honorários do nosso advogado, atingir mais de 1.400 euros. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Processo disciplinar: Manuel Pizarro segura Filipe Froes

    Processo disciplinar: Manuel Pizarro segura Filipe Froes

    Apesar de estar sob suspeita desde Setembro do ano passado, por causa das suas promíscuas ligações à indústria farmacêutica, Filipe Froes mantém, para já, a confiança do ministro da Saúde, mesmo com um processo disciplinar da Inspecção-Geral das Actividades de Saúde que se arrasta, de forma secreta, há 10 meses. Este ano, o pneumologista mantém os valores “habituais”: recebeu já cerca de 4.000 euros por mês do sector farmacêutico, com destaque para a norte-americana Merck Sharp & Dohme.


    Apesar de estar com um processo disciplinar, instaurado há 10 meses pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, devido a alegadas ligações promíscuas com a indústria farmacêutica, Filipe Froes pode manter-se confiante nas suas funções de consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS). O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, não lhe vai tirar o tapete, pelo menos até à conclusão de um longo processo disciplinar, sem fim à vista.

    Esta posição governamental permitirá assim ao pneumologista manter uma perna nos corredores da autoridade de saúde nacional (DGS), onde se decidem terapêuticas, enquanto mantém a outra perna, bem aberta, para satisfazer solicitações da indústria farmacêutica entre consultadorias, palestras e lobby.

    De acordo com nota do Ministério da Saúde enviada ao PÁGINA UM, Manuel Pizarro aguardará a conclusão do processo disciplinar “para se pronunciar”. Ou seja, uma carta branca para Froes manter a sua posição de consultor da DGS e as suas relações comerciais com as farmacêuticas. O pneumologista destacou-se também, durante a pandemia, por ser o líder do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos, um órgão não-estatutário que inclusive serviu para perseguir médicos com opiniões distintas do bastonário Miguel Guimarães, como sucedeu com Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria.

    Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.

    Conforme noticiou o PÁGINA UM há uma semana, Filipe Froes está a ser alvo de um processo disciplinar, em consequência de um processo de averiguação aberto em Setembro de 2021, mas como está em fase de instrução, as razões da acusação estão inacessíveis pela “natureza secreta do inquérito”.

    A IGAS não adianta quais os motivos de tantos meses para a instrução deste processo disciplinar, mas informa que este deriva das averiguações iniciadas em Setembro do ano passado a que foi sujeito este conhecido consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), presença assídua na imprensa como alegado perito independente durante os anos da pandemia.

    Em 4 de Janeiro passado, o PÁGINA UM tinha já escalpelizado as declarações de Filipe Froes no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed e cruzado com os relatórios e contas dos últimos anos da sua empresa – a Terras & Froes –, detectando sinais de alguma “contabilidade criativa” para que não fosse ultrapassada a média anual (no último quinquénio) de 50 mil euros de recebimentos da indústria farmacêutica. Esta é a fasquia monetária a partir da qual Froes ficaria impedido de ser consultor da DGS.

    A Merck Sharpe & Dohme “perdeu” a corrida das vacinas, optando pelo desenvolvimento de anticorpos monoclonais. Froes elogiou o seu uso e integrou a sua introdução nas terapêuticas anti-covid.

    Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia.

    De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado ultrapassa os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. Este ano, em 11 meses, vai com uma média mensal de 4.327 euros.

    Este ano, Filipe Froes tem dado especial atenção às solicitações da farmacêutica norte-americana Merck Sharp & Dohme (MSD) , contando já com oito colaborações que lhe renderam 21.083 euros. Mas teve relações com mais nove, entre as quais a AstraZeneca, Gilead e Sanofi. Estas relações não o coíbem, contudo, de integrar, por exemplo, a equipa de consultores da DGS que define as terapêuticas anti-covid, onde passaram a constar este ano os anticorpos monoclonais da MSD, o molnupiravir, comercializado sob a marca Lagevrio.

    Em diversas ocasiões, Froes tem promovido, de forma entusiástica, o uso dos anticorpos monoclonais (produzidos pela Pfizer e pela MSD) e a integração da vacina da covid e da gripe numa só dose (comercializada pela Sanofi).

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    Saliente-se, contudo, que estes rendimentos podem pecar por defeito, uma vez que cada vez se torna mais patente que o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed apresenta falhas enormes, porque as farmacêuticas se “esquecem” de registar donativos e patrocínios a médicos e outras entidades, entre as quais os media mainstream, incumprindo o Estatuto do Medicamento.

    Recorde-se que, em Novembro passado, Filipe Froes lançou um pequeno livro com as crónicas que foi publicando no Diário de Notícias, em co-autoria com Patrícia Akester, e o patrocínio da Bial. A farmacêutica portuguesa – que tem como chairman António Horta Osório, que é simultaneamente administrador da Impresa (dona do Expresso e SIC) ainda não colocou o valor do apoio no portal do Infarmed nem sequer respondeu a questões colocadas pelo PÁGINA UM.

  • Relatório Rápido 52: Original do “esboço embrionário” do Instituto Superior Técnico só há em versão digital

    Relatório Rápido 52: Original do “esboço embrionário” do Instituto Superior Técnico só há em versão digital

    Mais um episódio no processo de intimação do Instituto Superior Técnico (IST) que luta para não ceder o relatório supostamente científico que causou alarme no Verão passado: afinal, não há uma versão em papel do Relatório Rápido 52, mas apenas uma versão “digital”. Fica-se na dúvida se a ausência de versão original em papel se deve à falta de recursos (papel, impressora e/ou toner) no IST ou à falta de conhecimentos técnicos dos investigadores do IST para ordenar a impressão em papel timbrado de um ficheiro informático.


    Novos desenvolvimentos sobre o último relatório do Instituto Superior Técnico (IST), o número 52, considerado por esta instituição universitária como “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, uma denominação esdrúxula para evitar que o Tribunal Administrativo de Lisboa autorize, por sentença, o seu acesso pelo PÁGINA UM.

    De acordo com os autos do processo de intimação, o IST já terá entregado anteontem, em mão, a versão digital daquele que será o “original” exigido pela juíza Telma Nogueira. Recorde-se que a magistrada responsável pelo processo exigiu ter acesso ao documento original sem quaisquer “anotações manuscritas a lápis” em que o IST estimou, de forma surpreendentemente alarmista, o impacte das festividades populares de Junho passado na incidência e mortalidade da covid-19.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, enviou cópia manipulada ao Tribunal Administrativo. Foi agora obrigado a enviar original sem qualquer anotação, mas resolveu dizer que só há original em versão digital..

    Tendo em consideração as dúvidas científicas que se colocam em função da evolução epidemiológica naquele mês, o PÁGINA UM pretende conhecer em detalhe se houve rigor ou uma fraude científica por parte dos investigadores, coordenados pelo próprio presidente do IST, o catedrático Rogério Colaço. Como o PÁGINA UM já destacou, naquele período observou uma tendência de redução significativa de casos positivos, pelo que surgiam assim dúvidas sobre o rigor científico daquele relatório feito por uma das mais prestigiadas faculdades públicas portuguesas em articulação com a Ordem dos Médicos.

    Em finais de Julho, a Lusa divulgou as conclusões daquilo que disse ser um “estudo” do IST, ao qual garantiu ao PÁGINA UM existir mermo, tanto mais que coloca sete citações, e que viria a “viralizar” na imprensa mainstream.

    A entrega desta versão digital do original – que, na verdade, se transformará numa versão original em papel se houver uma ordem de computador ligado a uma impressora com toner para imprimir – será, em princípio, o último passo para a decisão de um inaudito processo de intimação que decorre naquele tribunal, por iniciativa do PÁGINA UM.

    Ofício do IST que acompanhou a versão original do “esboço do documento”.

    A decisão de levar este casos para tribunal surgiu após a recusa do presidente do IST, Rogério Colaço, em disponibilizar os dados estatísticos e o relatório escrito que serviram para a Lusa divulgar, em 28 de Julho passado, a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Em todo o caso, existindo agora, e de forma assumida pelo IST, uma versão original, a juíza sempre poderá tomar diligências suplementares, do ponto de vista informático, para apurar se houve, e quando houve, alterações no ficheiro informático, e se estas foram posteriores à data da divulgação da notícia da Lusa.

    Saliente-se também que ao longo dos últimos quatro meses o IST tem mantido uma inquietante postura obscurantista, nada habitual em instituições universitárias públicas, recusando divulgar os dados em bruto e um relatório com impacte relevante. Além disso, mesmo se se estivesse em finais de Julho em face de um alegado “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, quatro meses já deveria ter sido tempo suficiente para o transformar um “relatório”, ou então assumir o erro, algo que é aceitável (e recomendável) em Ciência.

    Independentemente da análise do Tribunal Administrativo de Lisboa sobre o enquadramento semântico do Relatório Rápido nº 52 (se é um relatório ou um esboço), saliente-se que o PÁGINA UM requereu ao IST, estando também para decisão do Tribunal Administrativo, os relatórios anteriores, elaborados em colaboração com a Ordem dos Médicos desde Junho de 2021.

    Como o IST não alegou, para nenhum dos outros 51, que se estava perante situações de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, tudo indica que pelo menos 51 relatórios serão disponibilizados, através de sentença, para uma avaliação independente da qualidade e rigor científico do IST durante a pandemia.   


    Citações (entre aspas) do Relatório Rápido nº 52 do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Filipe Froes está mesmo com um processo disciplinar à perna… mas a “marinar” desde Fevereiro

    Filipe Froes está mesmo com um processo disciplinar à perna… mas a “marinar” desde Fevereiro

    Estrela mediática durante a pandemia, Filipe Froes manteve-se como consultor da Direcção-Geral da Saúde, enquanto acumulava funções de consultor e palestrante de farmacêuticas com fortes interesses no negócio da covid-19. Assumia-se sempre como um perito independente sem conflitos de interesses, apesar de mais de uma vintena de farmacêuticas que, desde 2013, se mostraram interessadas nos seus préstimos. A Inspecção-Geral das Actividades de Saúde, depois de um processo de averiguações, abriu-lhe mesmo um processo disciplinar… que marca passo há mais de nove meses. Já nasceram as crianças que foram concebidas no mesmo dia em que o inspector-geral determinou a instauração deste processo.


    A Inspecção-Geral das Actvidades em Saúde confirmou hoje ao PÁGINA UM que o pneumologista Filipe Froes está mesmo a ser alvo de um processo disciplinar devido às suas ligações à indústria farmacêutica, mas o seu processo arrasta-se desde Fevereiro deste ano. A IGAS acrescenta que o processo disciplinar se encontra ainda em fase de instrução e, nessa medida, inacessível pela “natureza secreta do inquérito”.

    A IGAS não adianta quais os motivos de tantos meses para a instrução deste processo disciplinar, mas informa que este deriva das averiguações iniciadas em Setembro do ano passado a que foi sujeito este conhecido consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), presença assídua na imprensa como alegado perito independente durante os anos da pandemia.

    Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.

    De acordo com a entidade fiscalizadora, o processo disciplinar a Filipe Froes vem no seguimento da “informação de avaliação n.º 149/2022”, que mereceu um despacho em 19 de Fevereiro passado do inspector-geral das Actividades em Saúde, Carlos Carapeto, que deu instruções para ser iniciado um processo disciplinar, ignorando-se o “castigo” eventualmente a aplicar.

    A decisão de instauração de um processo disciplinar a Filipe Froes após um processo formal de averiguações – revelado em Novembro do ano passado pelos semanários O Novo e Expresso – mostra já, em todo o caso, a existência de fortes indícios de irregularidades e/ ou ilegalidades. De facto, o processo de averiguações só avançaria para uma fase posterior se se tivesse apurado matéria suficiente para uma “condenação” em processo disciplinar, o que não surpreenderá, tendo em conta o que se foi tornando público.

    Em 4 de Janeiro passado, o PÁGINA UM tinha já escalpelizado as declarações de Filipe Froes no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed e cruzado com os relatórios e contas dos últimos anos da sua empresa – a Terra & Froes –, detectando sinais de alguma “contabilidade criativa” para que não fosse ultrapassada a média anual (no último quinquénio) de 50 mil euros de recebimentos da indústria farmacêutica. Esta é a fasquia monetária a partir da qual Froes ficaria impedido de ser consultor da DGS.

    Antologia de crónicas de Filipe Froes no Diário de Notícias teve o patrocínio (ainda não declarado) da farmacêutica Bial.

    Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia.

    De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado ultrapassa os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. Este ano, em 11 meses, vai com uma média mensal de 4.327 euros.

    O processo da IGAS pode assim vir a colocar em causa a manutenção de Froes como consultor da DGS e também manchar a sua credibilidade numa fase crucial das eleições para a Ordem dos Médicos. Com efeito, Filipe Froes é mandatário da candidatura de Carlos Cortes a bastonário.

    Filipe Froes (ao centro), entregou como mandatário, no dia 21 de Novembro, a candidatura de Carlos Cortes (quarto à esquerda) a bastonário da Ordem dos Médicos.

    Por outro lado, uma eventual “condenação” confirmaria ainda mais o seu papel de lobista, acusação que o tem constantemente perseguido. Por exemplo, Froes tem sido um defensor do uso do polémico remdesivir, dentro da equipa de consultores que define as terapêuticas anti-covid, e é, em simultâneo, consultor da farmacêutica (Gilead) especificamente para aquele medicamento. Froes também é um acérrimo defensor da vacinação contra a covid-19 em crianças e adolescentes – cujas vacinas são exclusivamente da Pfizer, farmacêutica para a qual este pneumologista tem passado muitas facturas para cobrar colaborações.

    Já este ano, em diversas ocasiões, Froes tem promovido, de forma entusiástica, o uso dos anticorpos monoclonais (produzidos pela Pfizer e pela Merck Sharpe & Dohme) e a integração da vacina da covid e da gripe numa só dose (comercializada pela Sanofi). Saliente-se que só este ano a Merck Sharpe & Dohme e a Sanofi já entregaram oficialmente a Froes um total de 22.261 e 13.583 euros, respectivamente. No total, o pneumologista terá já amealhado 47.602 euros ao longo de 2022.

    Saliente-se, contudo, que estes rendimentos podem pecar por defeito, uma vez que cada vez se torna mais patente que o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed apresenta falhas enormes, porque as farmacêuticas se “esquecem” de registar donativos e patrocínios a médicos e outras entidades, entre as quais os media mainstream, incumprindo o Estatuto do Medicamento.

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    Por exemplo, ainda este mês, Filipe Froes lançou um pequeno livro com as crónicas que foi publicando no Diário de Notícias, em co-autoria com Patrícia Akester, e o patrocínio da Bial. A farmacêutica portuguesa – que tem como chairman António Horta Osório, que é simultaneamente administrador da Impresa (dona do Expressso e SIC) ainda não colocou o valor do apoio no portal do Infarmed nem sequer respondeu a questões colocadas pelo PÁGINA UM.

    Recorde-se que o PÁGINA UM teve acesso, este mês, no decurso de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, a cerca de três dezenas de processos levantados pela IGAS, incluindo ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais, também por incompatibilidades relacionadas com farmacêuticas.

    Por estranhar que não se encontrava no lote o processo de Filipe Froes, o PÁGINA UM insistiu para que este fosse disponibilizado, o que não se mostra legalmente possível por se encontrar em fase de instrução. Contudo, se o processo disciplinar, agora em curso, não estiver concluído até 19 de Fevereiro do próximo ano, a IGAS terá, contudo, de disponibilizar pelo menos o processo de averiguação a Filipe Froes.

  • Nova sentença histórica: Governo esconde, mas Tribunal “desbloqueia” base de dados hospitalar com todos os doentes internados

    Nova sentença histórica: Governo esconde, mas Tribunal “desbloqueia” base de dados hospitalar com todos os doentes internados

    A base de dados dos grupos de diagnósticos homogéneos (BD-GDH) é, porventura, o mais importante sistema de informação sobre saúde em Portugal, com um potencial que permitirá avaliar o impacte real da pandemia a partir de 2020 e, sobretudo, detectar quais as causas do excesso de mortalidade em Portugal nos últimos meses. A análise dessa informação, de forma independente, tem capacidade para reescrever o que se passou nos últimos três anos. Não por acaso, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) andou nos últimos quatro meses a lutar no Tribunal Administrativo de Lisboa para evitar ceder o acesso dessa base de dados ao PÁGINA UM. Valeu tudo; até mentiras sobre a impossibilidade de anonimização de dados nominativos. Perdeu…


    É a maior vitória em prol da transparência por parte do PÁGINA UM desde o seu nascimento. Uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, da passada sexta-feira, determinou que a Administração Central de Sistema de Saúde (ACSS) – um dos organismos centrais da gestão dos serviços hospitalares – tem de “facultar (…) o acesso ou cópia digital da base de dados do GDH [Grupos de Diagnósticos Homogéneos], expurgada dos dados pessoais que nela constem”.

    Esta base de dados (BD-GDH), gerida sem influência governamental, integra todos os doentes internados nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, identificando o diagnóstico principal (aquele que, após o estudo do doente, revelou ser o responsável pela sua admissão no hospital), os diagnósticos secundários (todos os restantes diagnósticos associados à condição clínica do doente, podendo gerar a existência de complicações ou de comorbilidades), os procedimentos realizados, destino após a alta (transferido, saído contra parecer médico, falecido) e, no caso de recém-nascidos, o peso à nascença. Contém também dados de identificação (nome, idade e sexo), mas como em qualquer base de dados modernas, o expurgo de dados nominativos, neste caso o nome do doente, é uma opção prevista na concepção dos perfis de acesso, tornando assim os dados anonimizados e susceptíveis de todo o tipo de tratamento estatístico.

    Marta Temido (ex-ministra da Saúde) e Victor Herdeiro (presidente da ACSS), terceiro e quarto a contar da esquerda, juntos na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho. A antiga governante e o dirigente da ACSS foram companheiros durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.

    Além de esclarecer, de forma clara, o efectivo impacte da pandemia e da covid-19 desde 2020, a BD-GDH possibilitará, à falta de outras bases de dados que o Ministério da Saúde continua a recusar disponibilizar – e que ainda se encontram em análise em outros processos no Tribunal Administrativo –, obter indicadores sobre as principais afecções e doenças que poderão estar a contribuir para o contínuo excesso de mortalidade, numa fase em que a covid-19 se encontra já em fase endémica.

    Esta vitória histórica do PÁGINA UM – que se sucede a outras sentenças favoráveis – surge no decurso de um longo processo de obstaculização por parte do presidente da ACSS, Victor Herdeiro – amigo de longa data da ex-ministra Marta Temido –, que começou, em meados de Maio passado, por expurgar do Portal da Transparência do SNS uma base de dados pública sobre morbilidade e mortalidade hospitalar, uma versão manipulada e mais simplista da BD-GDH.

    A decisão de Victor Herdeiro – justificada pela necessidade nunca provada de “análise interna” – foi uma reacção política ao conjunto de artigos de investigação do PÁGINA UM sobre o desempenho hospitalar desde 2020, e não apenas relacionado com a covid-19.

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    Mesmo sendo uma simplificação da BD-GDH, essa base de dados que estava no Portal da Transparência permitira, através de análise estatística feita pelo PÁGINA UM, revelar que, até Janeiro deste ano, houvera menos 51 mil hospitalizações de crianças durante a pandemia por todas as doenças; apurar que a variante Ómicron tinha indicadores de letalidade inferiores aos da gripe; identificar problemas graves (com aumento de taxas de letalidade mesmo em alas não-covid); determinar que a taxa de mortalidade da covid-19 foi evoluindo ao longo da pandemia e em função dos hospitais, sendo 30% superior à das doenças respiratórias; desmistificar a alegada elevada pressão durante a pandemia, até porque houve menos 280 mil doentes por outras causas não-covid; e também identificar estranhas descidas na mortalidade por cancros e outras doenças, bem como colocar dúvidas sobre a mortalidade por covid-19 nos hospitais.

    Após várias tentativas para “convencer” o Ministério da Saúde – que nunca quis rectificar a conduta de Victor Herdeiro –, o PÁGINA UM apresentou em 19 de Agosto passado uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra a ACSS, mas já não apenas para a reposição da versão original da base de dados da mortalidade e morbilidade – que fora entretanto reposta mas completamente “mutilada”. Com efeito, foi também solicitado o acesso à BD-GDH, por se ter considerado ser uma base de dados mais completa e muito mais “imune” a intervenções políticas.

    No dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho, o PÁGINA UM usou uma base de dados que esteve, durante um período, suspensa. A BD-GDH tem um potencial informativo muito superior.

    Desde logo, a ACSS – através do escritório de advogados BAS, que tem vencido uma quantidade significativa de contratos por ajuste directo de entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde – mostrou que não estava interessada em abrir mão à “secreta” BD-GDH. Alegando que já repusera a base de dados original da morbilidade e mortalidade hospitalar – o que, de facto, terá sucedido em meados de Agosto –, a ACSS começou por tentar iludir a juíza do processo, Ilda Maria Côco, fazendo crer ter já satisfeito o pedido integral do PÁGINA UM, e solicitou assim que a intimação fosse “totalmente julgada improcedente e indeferida, tudo com legais consequências”.

    Somente após um requerimento do advogado do PÁGINA UM, Rui Amores, provando que estava sobretudo em causa a continuada recusa do acesso à BD-GDH, a ACSS veio pronunciar-se sobre este assunto – ou seja, foi obrigada a justificar a recusa. Mas recorrendo à mentira.

    Com efeito, através da mesma sociedade de advogados, a ACSS defendeu que a BD-GDH continha “dados pessoais” e que “as funcionalidades dos sistemas de informação nos quais se encontram localizadas não permitem tecnicamente a respetiva consulta sem acesso aos dados pessoais em causa”, acrescentando que “reprodução (digital) da informação da base de dados com expurgo dos dados pessoais implicaria a criação ou adaptação da base de dados com um esforço desproporcionado que ultrapassa a simples manipulação”. E concluiu que, “associado à extensão dos dados em causa e à própria arquitetura dos sistemas de informação em que se suportam as bases de dados”, obrigar a anonimização “acarretaria para ACSS uma atuação administrativa, com gestão dos recursos disponíveis para a prossecução das respetivas atribuições legais em desvio dos princípios aplicáveis e pelos quais se deve reger a atividade administrativa, nomeadamente, os princípios do interesse público, da boa administração, da proporcionalidade e da razoabilidade”.

    Este arrazoado tinha, porém, apenas um fito: continuar a esconder a BD-GDH do escrutínio público, tentando convencer a juíza do processo de que a anonimização de uma base de dados deste género não é um processo corriqueiro, nem que basta seleccionar as variáveis que se pretenda e, nessa linha, excluir aquelas que não se pretendem. Destaque-se que o PÁGINA UM jamais teve a pretensão de revelar dados pessoais de doentes, sobretudo por não ser ético, mas também por ser de interesse nulo para quaisquer diagnósticos em saúde pública.

    Mas tinha também este arrazoado jurídico uma perna curta. De facto, a anonimização da BD-GDH é um procedimento tão corriqueiro e bem conhecido da ACSS, tanto assim que esse expediente administrativo costuma estar expressamente delegado num dos vice-presidentes para conceder acessos a investigadores. Por exemplo, no presente conselho directivo da ACSS, Victor Herdeiro delegou na sua vice-presidente Sandra Brás a competência “para autorizar o fornecimento de dados anonimizados provenientes da Base de Dados Nacional de Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH)”, conforme a Deliberação 835/2021 publicado em Diário da República em 9 de Agosto do ano passado.

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    Perante esta evidência, acabou por ser com naturalidade que a juíza Ilda Côco deu razão ao PÁGINA UM. De acordo com a magistrada, como a ACSS apenas se limitou a “alegar, de forma conclusiva, que o expurgo de dados pessoais implicaria a criação ou adaptação da base de dados com um esforço desproporcionado (…), mas sem que alegue quaisquer factos concretos que permitam concluir no sentido por si pretendido”, terá assim 10 dias para facultar o acesso à base de dados… carregando no teclado e/ ou no rato do computador para expurgar os dados nominativos.

    A ACSS poderá ainda recorrer desta sentença, o que a observar-se constituirá mais um sinal de obscurantismo no sentido de evitar uma avaliação independente das políticas de saúde nos últimos anos. O PÁGINA UM enviou a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa ao Ministério da Saúde para saber se o ministro Manuel Pizarro tomará alguma diligência junto da ACSS para libertar a BD-GDH ou para que recorra para o Tribunal Central Administrativo Sul. Sem resposta até agora, o que era uma situação habitual nos tempos de Marta Temido, e que não se modificou com a entrada em funções governamentais do médico Manuel Pizarro.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Relatório Rápido 52: Instituto Superior Técnico manipulou documentos enviados ao Tribunal Administrativo

    Relatório Rápido 52: Instituto Superior Técnico manipulou documentos enviados ao Tribunal Administrativo

    Mais um episódio caricato no processo de intimação do Instituto Superior Técnico que luta para não ceder relatório supostamente científico que causou alarme no Verão: a juíza fez hoje despacho para que seja enviado o original e não uma cópia com anotações a lápis. A manipulação do IST visaria convencer o tribunal de que se está perante um esboço, e não um relatório científico, mesmo se de duvidosa qualidade. Uma novidade deste despacho é que, finalmente, se sabe quantos relatórios o IST terá feito em articulação com a Ordem dos Médicos: 52. Se a sentença for inteiramente favorável ao PÁGINA UM, todos serão tornados públicos.


    A juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa, Telma Nogueira, ordenou hoje que o Instituto Superior Técnico lhe enviasse o relatório original sobre o impacte das festividades populares de Junho passado na incidência e mortalidade da covid-19 – cujas conclusões foram divulgadas pela Lusa e “viralizaram” na imprensa mainstream –, e não uma cópia manipulada com “anotações manuscritas a lápis”. 

    Este é o mais recente episódio de um inaudito processo de intimação que decorre naquele tribunal, por iniciativa do PÁGINA UM, após a recusa do presidente do IST, Rogério Colaço, em disponibilizar os dados estatísticos e o relatório escrito que serviram para a Lusa divulgar, em 28 de Julho passado, a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, enviou cópia manipulada ao Tribunal Administrativo. Foi hoje obrigado a enviar original sem qualquer anotação.

    Na verdade, como o PÁGINA UM destacou, naquele período observou uma tendência de redução significativa de casos positivos, pelo que surgiam assim dúvidas sobre o rigor científico daquele relatório feito por uma das mais prestigiadas faculdades públicas portuguesas em articulação com a Ordem dos Médicos.

    Em sede de processo em Tribunal Administrativo, o IST começou por afirmar que não divulgara qualquer relatório, e que apenas concebera um “esboço embrionário, consubstanciado num mero ensaio para um eventual relatório”. Com este expediente, Rogério Colaço e os outros investigadores daquela instituição universitária tentaram que juíza Telma Nogueira não concedesse direito de acesso ao PÁGINA UM, dado que a lei determina que um “esboço” não é considerado um documento administrativo.

    Além disso, o IST argumentava ainda que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Neste envelope, lacrado, o Instituto Superior Técnico enviou ao Tribunal Administrativo uma cópia do Relatório Rápido nº 52, mas com anotações a lápis, para dar a ideia que não estava concluído e que era um esboço. Juíza do processo exige agora envio do original.

    Porém, a juíza do processo de intimação decidiu analisar, pessoalmente, o conteúdo dos documentos em causa, o que foi feito esta semana pelo envelope lacrado com a classificação de confidencial.

    Através da leitura do despacho da juíza Telma Nogueira, denota-se que o IST tentou influenciar a decisão fazendo acrescentos à mão no documento enviado ao Tribunal Administrativo, para dar a ideia de que a versão impressa não era a final, e que se estaria perante um esboço.

    Com efeito, no seu despacho de hoje, a juíza ordena que se “notifique a Entidade demandada [IST] para, em cinco dias, juntar aos autos o original do Relatório Rápido nº 52 sem anotações manuscritas a lápis, em envelope lacrado, a entregar em mão no Tribunal dentro de outro envelope fechado ou a enviar via correio postal dentro de outro envelope fechado e a título confidencial”.

    Além dos sinais evidentes, independente do rigor científico, de se estar perante um verdadeiro relatório – daí a denominação Relatório Rápido n.º 52, pela primeira vez assumido pelo IST –, o despacho da juíza não deixa de ser revelador de uma certa incredulidade em redor deste processo, onde estão sobretudo em causa questões de semântica, nomeadamente sobre o que é um estudo, o que é um esboço e, agora, o que é o “Relatório Rápido nº 52”. Até porque a existência do relatório do IST foi confirmada pela direcção da agência noticiosa Lusa, e a notícia o cita, entre aspas, por sete vezes.

    Em todo o caso, mostra-se cada vez mais inquietante a postura do IST, como instituição universitária pública, por se manter firme numa postura obscurantista, recusando divulgar os dados em bruto e um relatório com impacte relevante – e que no Verão foi usado pela imprensa mainstream para criar alarme injustificado e eventualmente falso –, e tentando levar a crer que, em Julho passado, aquele não estava concluído, e que era apenas um esboço.

    Mas, mesmo que assim fosse, passaram entretanto quatro meses, entre Julho e Novembro. Quatro meses que seriam tempo mais do que suficiente para transformar esse alegado “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório” num verdadeiro e conclusivo relatório. Quatro meses que, contudo, aparentemente, foram insuficientes para a equipa de cinco investigadores do IST, supervisionado pelo seu presidente, o catedrático Rogério Colaço.

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como mais tarde esclareceu.

    Independentemente da análise do Tribunal Administrativo de Lisboa sobre o enquadramento semântico do Relatório Rápido nº 52 (se é um relatório ou um esboço), saliente-se que o PÁGINA UM requereu ao IST, estando também para decisão do Tribunal Administrativo, os relatórios anteriores, elaborados em colaboração com a Ordem dos Médicos desde Junho de 2021.

    Como o IST não alegou, para nenhum dos outros 51, que se estava perante situações de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, tudo indica que pelo menos 51 relatórios serão disponibilizados, através de sentença, para uma avaliação independente da qualidade e rigor científico do IST durante a pandemia.   


    Citações (entre aspas) do Relatório Rápido nº 52 do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Ruas e debates civis tornam-se agora os (únicos) palcos na defesa dos direitos humanos

    Ruas e debates civis tornam-se agora os (únicos) palcos na defesa dos direitos humanos

    No espaço de 10 dias, Lisboa viu três concentrações e manifestações nas ruas em defesa dos direitos humanos, direitos civis e da democracia. Contestação contra as propostas de revisão constitucional levou a plataforma cívica Cidadania XXI a mobilizar-se em duas concentrações na capital, juntando mais de uma centena de pessoas. Já este Sábado, Lisboa juntou-se a muitas outras cidades do mundo numa Manifestação Mundial para os Direitos Humanos e Liberdade, com a presença de cerca de mais de uma centena e meia de pessoas.


    Estamos em plena Europa do século XXI, mais propriamente em 2022, mas não parece. A sociedade civil está a ter necessidade de regressar às ruas dos países ocidentais, em manifestações, para defesa dos direitos cívicos. Na Europa, berço da Democracia, incluindo Portugal. Duas concentrações em Lisboa, nas últimas duas semanas, são disso exemplo: uma contra as propostas de revisão constitucional; a outra, integrada na Manifestação Mundial pelos Direitos Humanos e a Liberdade (World Freedom Rally 2022). Ambas trouxeram às ruas não mais de duas centenas de pessoas; ainda poucas, por agora, mas as duas com muitas palavras de ordem em defesa dos direitos, liberdades e garantias, sempre com a democracia em pano de fundo.

    Mas além da manifestação e das concentrações, a sociedade civil mexe-se por outras vias. A plataforma cívica Cidadania XXI tem estado particularmente activa, tendo já feito chegar aos líderes dos dois maiores partidos políticos portugueses (PS e PSD) um manifesto/ petição intitulado Em Defesa da Liberdade da Constituição.

    Joana Amaral Dias, psicóloga, ex-deputada e activista, a discursar no dia 10 de Novembro numa concentração contra a revisão constitucional.

    Esta plataforma cívica é um movimento de cariz cívico que nasceu em 2020 e se notabilizou por diversas iniciativas de amplitude, sobretudo os debates denonimados Tertúlias da Junqueira, que reuniram notáveis da vida académica, médica, científica, jurídica e dos media para debater a censura e as muitas medidas ilegais e anticientíficas que foram adoptadas durante a pandemia. Além disso, organizaram uma grande manifestação no dia 25 de Abril de 2021 que desceu a Avenida da Liberdade, em plena pandemia.

    Na petição entregue a António Costa e Luís Montenegro, esta plataforma cívica manifesta “preocupação [com] o processo de Revisão Constitucional em curso e em particular a proposta que o Governo enviou à Assembleia da República do dia 9 de Novembro”.

    Salienta-se que, de entre as alterações propostas pelos dois principais partidos (que constituem maioria qualificada, ou seja, mais de dois terços dos deputados), está a possibilidade de detenção de um cidadão sem mandato judicial, algo que a Cidadania XXI considera uma “perigosa intenção” por “ficar aberta a possibilidade de um qualquer Governo prender um cidadão, com base em regras estipuladas por si, retirando a legitimidade e a autonomia fundamental dos Tribunais para decidir sobre os Direitos, Liberdades e Garantias”.

    António Jorge Nogueira, fundador e presidente da Plataforma Cívica – Cidadania XXI (à direita), entregou um manifesto contra a proposta de revisão constitucional ao primeiro-ministro, António Costa.

    Segundo esta plataforma cívica, com uma Constituição nos termos propostos, “estaremos perante um regime constitucional em que o Governo poderá exercer sobre os cidadãos o mesmo tipo de autoritarismo totalitário que actualmente vigora no regime chinês”.

    A possibilidade de detenção de cidadãos sem mandato judicial, apenas por ordem das autoridades sanitárias, surge após ter sido considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional os confinamentos forçados de cidadãos, a coberto de alegados riscos, durante a pandemia da covid-19. Visto que as detenções sem mandato judicial violaram a Constituição, o Governo decidiu assim aproveitar para propor uma alteração à Lei Fundamental do país.

    Vários juristas têm vindo, contudo, a alertar para os perigos desta revisão constitucional. O próprio bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, denunciou que, caso PS e PSD avancem com a aprovação desta revisão, “está em causa a supressão de direitos, de liberdades e de garantias”.

    Uma das concentrações contra a proposta de revisão da Constituição, em que participou a Cidadania XXI, juntou mais de uma centena de pessoas, durante a noite do passado dia 10 de Novembro, junto ao Hotel Epic Sana Marquês, onde decorreu o Conselho Nacional Extraordinário do PSD. A Cidadania XXI entregou a sua petição a alertar para os perigos levantados pelas propostas de revisão constitucional ao presidente do PSD, Luís Montenegro.

    António Jorge Nogueira, presidente da Cidadania XXI (à esquerda), entregou um manifesto contra as propostas de revisão constitucional ao presidente do PSD, Luís Montenegro.

    A plataforma cívica deslocou-se também à sede do PS, no Largo do Rato, entregando o mesmo documento ao primeiro-ministro e secretário-geral do PS, António Costa, e ao presidente do partido que sustenta o Governo, Carlos César. Este documento também será entregue ao Presidente da Assembleia da República, aos Grupos Parlamentares, ao Presidente da República, à Ordem dos Advogados, ao Conselho Superior da Magistratura “e a diversas outras instituições da sociedade portuguesa”, segundo António Jorge Nogueira.

    “Não nos podemos esquecer que durante dois anos o Presidente da República, o Governo e diversas instituições actuaram conscientemente e sistematicamente contra a Constituição, conforme já declarado 23 vezes por juízes do Tribunal Constitucional”, afirmou António Jorge Nogueira ao PÁGINA UM. Com este projecto de revisão da Constituição, “já não estamos em modo democrático”, lamentou.

    No âmbito destas iniciativas, a Cidadania XXI vai organizar ainda outros eventos públicos, onde se incluirá um novo ciclo de Tertúlias da Junqueira em torno do tema da defesa dos direitos, liberdades e garantias. A plataforma pretende também reunir com os diferentes grupos com assento parlamentar.

    Joana Amaral Dias, antiga deputada, psicóloga e activista, que marcou presença nas concentrações e na manifestação de sábado, tem sido uma acérrima crítica das posições de PS e PSD. “Repare-se que em nenhuma circunstância, mesmo que se reúnam dois terços dos deputados ou a totalidade dos parlamentares, é permitido alterar ou abolir esses mesmos direitos”, escreveu esta psicóloga em artigo de opinião no semanário O Novo. “O artigo 288.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) constitui uma barreira intransponível, bloqueia em absoluto qualquer tentativa de os adulterar”, adiantou, frisando: “a razão é simples: mexer-lhes, alterar o contemplado no artigo 24.º, é atacar o magma da democracia” e que “sem esses direitos não há Estado de direito e, por isso, o tal 288 não o permite em circunstância alguma”.

    Manifestação Mundial levou para as ruas cidadãos em diversas cidades do mundo, no passado Sábado.
    (Fotos em cima: Manifestação em Lisboa. Foto em baixo: Manifestação em Toronto, no Canadá)

    A ex-deputada do Bloco de Esquerda foi, aliás, uma das individualidades que subiu ao palco para discursar no âmbito da Manifestação Mundial pelos Direitos Humanos e a Liberdade (World Freedom Rally 2022) no passado sábado, a par da médica Margarida Oliveira, que foi alvo de processo pela Ordem dos Médicos, por delito de opinião, apesar de defender medidas com base na evidência científica.

    Recorde-se que a Ordem dos Médicos e o seu bastonário, Miguel Guimarães, tiveram, durante a pandemia, um papel de relevo na tentativa de silenciar e punir médicos que se mostraram contra medidas e recomendações do Governo e da Direcção-Geral da Saúde.

    Desde 2020, que cidadãos em diversos países têm participado em manifestações e marchas em defesa dos direitos humanos e civis, perante as medidas drásticas e ilegais que foram adotadas por Governos alegadamente para combater a pandemia de covid-19, incluindo a política de segregação criada com a introdução do chamado “certificado digital” ou “passaporte covid-19” e vacinação obrigatória em diversos setores.

    A Suécia, um país que geriu com sucesso a pandemia, foi a excepção, tendo recusado aderir a confinamentos e máscaras faciais, em geral, nem impôs medidas drásticas como a maioria dos restantes países, registando menos óbitos com covid-19, menores impactos económicos e menos mortes em excesso, comparando com pares na Europa.

    Manifestação em Lisboa no âmbito do World Wide Rally for Freedom

    Hoje, sabe-se, com base em dados e em estudos científicos, que os confinamentos tiveram um impacto devastador na saúde e na economia, tendo sido uma política errada a seguir, como cientistas tinham avisado logo em março de 2020.

    Por outro lado, os dados revelam ainda haver em 2022 milhares de mortes em excesso sem explicação em vários países, como Portugal, faltando investigações independentes ao tema. Enquanto isso, diversos países começam a recuar na vacinação de certas camadas e faixas etárias da população, enquanto mais estudos e dados mostram que riscos de reacções adversas aconselham cautela na vacinação com as novas vacinas, sobretudo em determinados grupos de pessoas, como homens e crianças e jovens.

    Mas, apesar das medidas erradas adoptadas, os direitos humanos e civis que foram amputados desde 2020 não foram repostos na maioria dos países, e teme-se que possam mesmo ser definitivamente abolidos em países como Portugal, com as propostas de revisão constitucional. Por outro lado, também há receios de que a onda de medidas totalitárias seja reforçada agora para gerir a crise ambiental que se anuncia.


    N.D.: A jornalista e cronista do PÁGINA UM Elisabete Tavares é membro fundador da Plataforma Cívica – Cidadania XXI, embora não exerça papel activo nesta associação desde Outubro de 2021.