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  • Sentença: PÁGINA UM ganha processo em prol da transparência contra Entidade Reguladora para a Comunicação Social

    Sentença: PÁGINA UM ganha processo em prol da transparência contra Entidade Reguladora para a Comunicação Social

    Em Agosto passado, o regulador dos media acusou o director do PÁGINA UM de ser um “cidadão” que se intitulava jornalista e que tinha “comportamentos nos quais, consideramos, que a classe jornalística não se revê”. E tinha razão: nunca nenhum outro jornalista foi tão longe para obrigar a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a mostrar documentos administrativos que queria esconder. O Tribunal Administrativo de Lisboa acaba de conceder a quinta vitória do PÁGINA UM em processos em prol da transparência da Administração Pública.


    Como habitual, tudo valeu. A sociedade de advogados contratada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – a Vaz Mendes & Associados – até chegou a alegar que o requerimento do PÁGINA UM para o processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa do PÁGINA UM não cumpria as regras, porque “ao invés de numerais ordinais, usualmente utilizados no articulado legal, o Requerente utiliza numeração composta por numerais cardinais”.

    Mas, nem esse comezinho expediente surtiu efeito: na sentença decretada esta semana pela juíza Maria Carolina Duarte o Tribunal é bastante claro e pouco abonatório para a entidade que regula os media e que, ainda por cima, é presidida por um juiz conselheiro: a ERC vai mesmo ter de revelar os documentos onde consta a identidade de todas as empresas de comunicação social (e argumentos aduzidos) que solicitaram confidencialidade de dados financeiros no Portal de Transparência dos Media, de modo a esconder relações de dependência económica.

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    A sentença determina que, nos processos já concluídos, a ERC poderá, no máximo, apagar “dados pessoais e outros que revelem segredos comerciais ou sobre a vida interna das empresas, mas terá sempre de justificar, caso a caso, “o motivo do expurgo”. Relativamente aos processos não concluídos, a sentença permite que se possa diferir “a entrega dos documentos até à tomada da decisão ou ao arquivamento do processo”, embora dentro de um limite temporal específico.

    Este é o culminar de mais um processo litigioso em prol da transparência protagonizado pelo PÁGINA UM, neste caso incidindo no modus operandi da ERC. Em finais de Julho, o PÁGINA UM solicitara ao juiz conselheiro Sebastião Póvoas, presidente do regulador desde Dezembro de 2017, “o acesso a cópia digital ou analógica de todos os requerimentos – desde 2017 até à data – das empresas de comunicação social que solicita[ram] confidencialidade dos principais fluxos financeiros e identificação das pessoas singulares ou colectivas que representam mais de 10% dos rendimentos totais e mais de 10% do montante total de passivos no balanço e dos passivos contingentes.”

    A promoção da transparência da titularidade, da gestão e dos meios de financiamento das entidades que prosseguem atividades de comunicação social tem sido uma das matérias mais sensíveis nos últimos anos no sector da comunicação social. Em 2015, uma lei aprovada na Assembleia da República estipulou que as empresas detentoras de órgãos de comunicação social disponibilizassem, no denominado Portal da Transparência dos Media, a relação de titulares e de detentores, discriminando as percentagens de participação social e identificando toda a cadeia de entidades a quem uma participação de pelo menos 5% pudesse ser imputada.

    Por outro lado, ficou também estipulada a obrigatoriedade de comunicar à ERC a informação relativa aos principais fluxos financeiros daquelas entidades (com contabilidade organizada). Esta obrigação deveria, por lei, incluir “a relação das pessoas individuais ou coletivas que tenham, por qualquer meio, individualmente contribuído em, pelo menos, mais de 10% para os rendimentos apurados nas contas de cada uma daquelas entidades ou que sejam titulares de créditos suscetíveis de lhes atribuir uma influência relevante sobre a empresa”, mas em “termos a definir no regulamento da ERC”.

    Efectivamente, a ERC criaria um regulamento em Outubro de 2020, onde, além de estabelecer a obrigação do envio do relatório anual de governo societário (RGS), concedia excepções arbitrárias que, na prática, destruíam o princípio da transparência. Com efeito, no artigo 8º do regulamento – que não teve de passar pela Assembleia da República – refere-se que “atendendo à sensibilidade e ao caráter sigiloso de alguns dados solicitados, as entidades poderão solicitar à ERC a aplicação do regime de exceção”.

    Em 6 de Julho passado, no decurso de um pedido de confidencialidade da TVI S.A. – empresa detentora da TVI e da CNN Portugal –, que o PÁGINA UM noticiou em primeira mão, a ERC não quis identificar quais as outras empresas que solicitaram igual tratamento.

    Última página da sentença favorável ao PÁGINA UM contra a Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

    O regulador adiantou então apenas que “os pedidos podem incidir sobre informação muito específica ou cumulativamente sobre vários elementos comunicados em cumprimento das obrigações legais da transparência”, acrescentando ainda que “os requerentes invocam, genericamente, (…) a sensibilidade dos dados e antecipam impactos negativos resultantes da sua divulgação, relacionados com estratégias de negócio, estruturas de receitas e a sustentabilidade económico-financeira do meio, em particular em mercados locais.”

    A ERC também não indicava o número absoluto de pedidos entre 2017 e 2021, dando somente dados relativos. Segundo o regulador, naquele quinquénio, mais de três quartos dos pedidos de confidencialidade (77%) tinham sido indeferidos pelo Conselho Regulador, “que entendeu que os argumentos apresentados não justificavam a não disponibilização da informação”.

    Perto de 12% dos pedidos foram deferidos, “salientando-se que uma parte incidia sobre uma informação muito específica, como a percentagem que representa um cliente relevante”. Em perto de 11% das situações o Conselho Regulador concedeu deferimento parcial. No entanto, não sabe o número absoluto que esses 23% representam nem que dados ficaram assim escondidos e porquê.

    Já quanto ao presente ano, no início de Julho a ERC informava que recebera 22 pedidos de confidencialidade submetidos por entidades de comunicação social, que incluía o da TVI S.A., que veio entretanto a ser indeferido. No entanto, desconhece-se a identidade das outras 21 empresas, e quais foram as decisões da ERC.

    Por esse motivo, o PÁGINA UM decidiu, em finais de Julho, formalizar um pedido expresso ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Inicialmente, a ERC nem reagiu ao requerimento, tendo optado por iniciar uma campanha de descredibilização do PÁGINA UM, fabricando inopinados incidentes envolvendo o seu director.

    Recorde-se que num comunicado em 9 de Agosto, a ERC chegou a acusar explicitamente o director do PÁGINA UM de “insultar os membros do Conselho Regulador” e de “exercer coação sobre os funcionários que o atendem” a pretexto da consulta de outros processos naquela entidade reguladora. A ERC conseguiu mesmo que a agência Lusa fizesse uma notícia, através de um comunicado de imprensa, em que identificava o director do PÁGINA UM como um “cidadão” que “intitulando-se jornalista (…) tenta legitimar comportamentos nos quais, consideramos, que a classe jornalística não se revê”.

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    Mais tarde, já com o processo de intimação no Tribunal Administrativo, O presidente da ERC acabou por defender a pretensão do PÁGINA UM por razões de “inutilidade, desrazoabilidade e não economia processual”.

    Porém, em sede de Tribunal Administrativo, nem o pedido do PÁGINA UM foi considerado, inútil, nem desrazoável, nem a juíza Maria Carolina Duarte encontrou razões para se invocar qualquer preceito relacionado com economia ou deseconomia processual.

    Na extensa sentença de 35 páginas, a juíza relembra o papel da comunicação social como “um dos pilares da democracia”, defendendo também que a sua natureza “justifica que os agentes que nele operam estejam adstritos a especiais deveres de reporte de informação e transparência”, para depois admitir que, embora a ERC possa permitir a confidencialidade de alguma informação, esse “argumento não legitima a recusa de acesso in totum”, ou seja, no seu todo. E depois determina as condições para que o regulador forneça a informação que tem vindo a recusar.

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    Além da condenação ao pagamento das custas processuais, a juíza determinou a notificação da sentença ao “Dr. Sebastião José Coutinho Póvoas e ao Dr. Pedro Correia Gonçalves, membros da direção executiva da entidade requerida [ERC], advertindo-os de que devem diligenciar pelo cumprimento da intimação, sob pena de não o fazendo, sem justificação aceitável, poderem vir a ser condenados em sanção pecuniária compulsória (…), sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar”.

    A ERC tem um prazo de 10 dias para cumprir esta sentença, podendo também – tanto mais que gere dinheiros públicos e aqueles que são provenientes das taxas da comunicação social – optar pelo recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, pagando assim também mais 42,88 euros, a que acresce IVA à taxa legal em vigor, à sociedade de advogados Vaz Mendes & Associados, que foi quem patrocinou a causa em primeira instância.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 14 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.115 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.

    Na secção TRANSPARÊNCIA começámos a divulgar todas as peças principais dos processos em curso no Tribunal Administrativo. Este processo específico da Entidade Reguladora para a Comunicação Social ficará disponível nos próximos dias.

  • ‘Rigor informativo de uma notícia não assenta exclusivamente na veracidade’, defende SIC para justificar imagens falsas

    ‘Rigor informativo de uma notícia não assenta exclusivamente na veracidade’, defende SIC para justificar imagens falsas

    Já são três as deliberações, envolvendo quatro canais televisivos. A Guerra da Ucrânia tem sido o palco para absurdos e propaganda dos media mainstream portugueses, incluindo uso de imagens de videojogos para retratar a suposta realidade. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social lança farpas às televisões, mas para estas parece estar tudo bem. A SIC até defende que se pode ser rigoroso mesmo com imagens falsas.


    Depois da CNN Portugal, agora foi a vez da SIC, da SIC Notícias e da RTP levarem um “puxão de orelhas” da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), através de duas deliberações distintas, por terem transmitido imagens falsas sobre a guerra na Ucrânia.

    No caso da SIC e da SIC Notícias, a ERC deliberou sobre uma queixa contra os canais de televisão do grupo Impresa devido à transmissão de uma “peça sobre um piloto ucraniano apelidado de ‘Fantasma de Kiev’”. Os dois canais televisivos abordaram, no passado dia 25 de Fevereiro, a história de “um piloto ucraniano, apelidado de ‘Fantasma de Kiev’, que alegadamente abatera vários caças russos”. As imagens usadas para ilustrar as notícias não eram reais, antes eram imagens de um jogo de vídeo de simulador de voo. E o “Fantasma de Kiev” era um verdadeiro fantasma: nunca ninguém o vira.

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    Na verdade, a ERC confirma o teor da queixa: as imagens transmitidas foram retiradas de “um vídeo de YouTube, [o] que demonstra que as peças (…) não reproduzem o atual conflito”. Embora o regulador esclareça na deliberação que este vídeo já não se encontra acessível, “antes da sua remoção foi possível identificar a peça em causa e apreender os fundamentos da presente participação”.

    No caso da RTP, a queixa feita junto da ERC diz respeito a uma peça emitida a 1 de Março sobre a “utilização de cocktails Molotov por civis ucranianos contra carros de combate russos”. Também as imagens eram falsas, por não retratarem a realidade então vigente. Segundo o denunciante, as imagens eram iguais às de um vídeo de YouTube, onde se exibiam imagens de um conflito anterior, de 2014, e não as do actual conflito. De facto, as imagens retratam as manifestações na Praça Maidan em 24 de Fevereiro de 2014, um conflito interno que viria a depois derrubar um governo ucraniano pró-russo.

    Deste modo, em ambos os casos, a ERC não tem dúvidas em garantir que foram difundidas imagens falsas, considerando que “a utilização destas imagens põe em causa o rigor informativo”. Recorde-se que o regulador também já detectara o uso de imagens falsas na CNN envolvendo também o uso de imagens de um videojogo.

    SIC e SIC Notícias divulgaram propaganda ucraniana, através de uma história inverídica e com imagens de um videojogo.

    Assim, o regulador deu “por verificado que a RTP, na emissão de 1 de março de 2022, exibiu imagens de um conflito de 2014, publicadas no Youtube há vários anos, referindo-se às mesmas como imagens do atual conflito na Ucrânia, induzindo os telespetadores em erro quanto à sua atualidade e proveniência”.

    Na análise que fez, a ERC nota que as imagens em causa foram “transmitidas no final da reportagem, por 40 segundos, sem qualquer relato jornalístico sobreposto, apenas se ouvindo o som das explosões”, ou seja, “durante 40 segundos aquele vídeo é verdadeiramente a notícia e o telespectador médio considerará, necessariamente, que são imagens atuais, o que não é o caso”.

    Em sua defesa, a RTP alegou que a ERC não teve em conta “convenções mais correntes e comummente aceites no jornalismo televisivo em todo o mundo no que respeita à distinção entre imagens notícia e imagens meramente ilustrativas”, e argumentou que “nem todas as imagens são notícia”.

    Quanto à SIC, na sua deliberação final, a ERC dá “por verificado que a peça transmitida pela SIC e SIC Notícias utilizou imagens de um jogo de vídeo de simulador de voo para retratar o atual conflito na Ucrânia”. Conclui ainda que “a utilização destas imagens põe em causa o rigor informativo da peça jornalística, imposto” pela Lei da Televisão de Serviços Audiovisuais a Pedido.

    Na deliberação, a ERC considera “que é essencial que, no ambiente atual em que prolifera a desinformação, os media noticiosos ditos tradicionais garantam uma informação rigorosa e pugnem por alcançar a máxima credibilidade junto do público”. Diz também que os media mainstream “devem posicionar-se como portos seguros onde se encontra informação de qualidade”.

    O regulador decidiu “instar a SIC e a SIC Notícias a respeitarem o rigor informativo, sobretudo na cobertura noticiosa de guerra e conflitos armados, devendo assegurar a idoneidade e a atualidade de imagens ou discursos provenientes de fontes de informação oficiais e não oficiais, de forma a não veicularem conteúdos de desinformação ou propaganda”.

    Aliás, com base já nas três deliberações sobre má conduta de quatro canais televisivos (CNN Portugal, RTP, SIC e SIC Notícias), a ERC aproveitou para divulgar novamente a sua directiva sobre cobertura informativa televisiva de guerras e conflitos armados, aprovada em Agosto passado,

    Imagens de Fevereiro de 2014 na Praça Maidan, em Kiev, foram transmitidas pela RTP como se fossem de 2022.

    O regulador ainda decidiu “recomendar à SIC e à SIC Notícias que, nos fact-checks que realizem sobre conteúdos que também divulgaram, assumam o facto de também terem transmitido informação incorreta, reconhecendo o seu erro perante o público”. Isto porque a SIC Notícias, em parceria com o Polígrafo, até acabou por desmentir a história do “Fantasma de Kiev”, mas somente 20 dias depois e nunca revelando que também cometera esse erro, e que não tinha sido algo apenas das redes sociais.

    Na verdade, o mais curioso nestes dois processos acaba por ser os argumentos defendidos pelos canais televisivos.

    Por exemplo, notificada a pronunciar-se sobre as imagens falsas, a SIC admite-as, mas ainda argumentou que, “aquando da elaboração da peça, foram respeitados os deveres” jornalísticos. A SIC defende mesmo que “o rigor informativo de uma notícia não assenta exclusivamente na veracidade, o modo de construção da notícia respeitou os padrões de exigência e rigor jornalístico – ainda que se tenha vindo a provar que as imagens não eram reais – não só por a notícia ter sido apresentada de modo dubitativo, ou pelo menos não confirmado, mas outrossim por se tratar de uma notícia amplamente difundida, em particular por fontes oficiais ucranianas”.

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    A estação de televisão justificou o erro na difusão da notícia com o facto de estar no início do conflito. Explicou que a “notícia surgiu na sequência da publicação online do vídeo em causa”, a par “de fotografias de um piloto ucraniano – publicadas em 2019 pelo Ministério da Defesa ucraniano –, com a indicação de que um piloto ucraniano teria abatido sete caças russos”. E culpa as redes sociais, destacando que a “informação” foi “difundida, nas redes sociais, por várias contas ucranianas, assim como por órgãos informativos tidos por fidedignos”.

    Mas a SIC admitiu que “como se veio a perceber dias depois […] as imagens e a notícia foram veiculadas no âmbito da guerra de propaganda em curso nas redes sociais, utilizando imagens de um simulador de voo e imagens de um piloto ucraniano, de 2019”.

    Mas estes argumentos não foram acolhidos pela ERC, que enfatizou, na sua deliberação, que “a exibição de imagens virtuais como sendo imagens reais não configura um ‘modo dubitativo’ [como alegou a SIC], mas antes uma violação grosseira do dever de assegurar o rigor informativo”.

    O regulador salientou ainda que “o dever de rigor informativo impõe a verificação da autenticidade das imagens exibidas, de forma a detetar imagens virtuais, manipuladas digitalmente, etc.”, sustentando ser “necessário exercer um especial cuidado na utilização de imagens retiradas de redes sociais, nomeadamente através da confirmação da sua veracidade, sob pena de a sua exibição configurar desinformação”.

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    Sobre a alegação da SIC, de que a notícia foi desmentida, tendo o programa ‘Polígrafo SIC’ abordado o assunto no dia 14 de março, a ERC discorda que se trate de uma rectificação.

    “Tendo sido visionado o programa ‘Polígrafo SIC’, verifica-se que, de facto, a história foi desmentida”, salienta o regulador, relembrando, porém, que a SIC não aproveitou a oportunidade para referir que aquelas imagens tinham também sido transmitidas naquele canal. “Na verdade, não procedeu à devida retificação da sua notícia”, conclui a entidade presidida pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas.

    Quanto à alegação dos canais da Imprensa de a sua peça ter sido apresentada em tom dubitativo, o regulador entende que “perante as dúvidas existentes quanto a veracidade da história e daquelas imagens, deveria a SIC ter refletido sobre a pertinência de contar aquela história”.

    Para a ERC, com a difusão daquela notícia falsa, “a SIC acaba por aderir à propaganda ucraniana”. E frisa que “não parece, assim, que fosse necessário um trabalho jornalístico minucioso para verificar que se tratava de imagens de um simulador de jogo, e não imagens reais”.

    Saliente-se, contudo, que apesar de ter esse poder, a ERC não obrigou a SIC, a SIC Notícias e a RTP, tal como já sucedera com a CNN Portugal, a pedirem desculpas aos telespectadores.

  • Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Assumindo a sua “autoridade científica”, o Instituto Superior Técnico começou, primeiro de forma sobranceira, a recusar ao PÁGINA UM o acesso a um relatório alarmista sobre a covid-19 disponibilizado à Lusa. Intimado através do Tribunal Administrativo de Lisboa, a instituição tem alegado que só fez um “esboço embrionário”. A juíza quer saber se é verdade. E obrigou esta entidade universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço a entregar-lhe o documento, em envelope lacrado, para o analisar.


    A juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa, Telma Nogueira, exige ver o alegado estudo do Instituto Superior Técnico divulgado pela imprensa em finais de Julho que estimava a ocorrência de centenas de mortes por causa das festas populares e festivais de música em Junho passado, numa altura em que, na verdade, se observou uma tendência de redução significativa de casos positivos.

    Em causa estão as estimativas e análises sobre a pandemia elaboradas pelo Instituto Superior Técnico desde Junho de 2021, em parceria com a Ordem dos Médicos, que inclui aquele que se debruçou sobre os efeitos das festividades de Junho, mas que agora a instituição universitária diz não ser, afinal, um relatório, apesar de a agência Lusa ter garantido ao PÁGINA UM que assim é. As estimativas apontavam para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Durante o processo judicial no Tribunal Administrativo, o Instituto Superior começou por defender que não tem o dever de disponibilizar os documentos ao PÁGINA UM – incluindo os dados em bruto e a metodologia – por se estar perante um “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.

    Já na semana passada, o Instituto Superior Técnico veio argumentar, também em sede do processo de intimação instaurado pelo PÁGINA UM, dizendo que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E dizia ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [director do PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    A instituição universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço argumentava, por fim, que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Mas agora a juíza Telma Nogueira quer mesmo saber se o Instituto Superior Técnico está a contar a verdade. No seu despacho, e “com vista a apurar se o documento em causa nos autos constitui um ‘esboço’ conforme alegado”, a juíza ordena que o Instituto Superior Técnico entregue, num prazo de 10 dias, “o referido documento que designa de ‘esboço’, em envelope lacrado” e dentro de outro envelope. A juíza dá a alternativa desse documento chegar ao Tribunal em mão ou via correio postal.

    Se o Instituto Superior Técnico conseguir convencer a juíza de que o documento em causa é um esboço – por exemplo, um guardanapo de papel com meros tópicos rascunhados é considerado um “esboço” –, a lei não o obriga a cedê-lo para consulta, mas ficará assim patente que a imprensa mainstream divulgou informação imprecisa, incompleta e errada, com a agravante de lhe chamar relatório. Se o documento estiver minimamente estruturado, então a equipa liderada pelo matemático Henrique Oliveira, e supervisionada pelo próprio presidente da instituição, poderá ser escrutinada sob o ponto de vista científico.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos.

    O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. O PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente em meios universitários.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Desde Junho de 2021, o Instituto Superior Técnico, investido da sua autoridade científica, elaborou relatórios sobre pandemia em parceria com a Ordem dos Médicos. No último estudo conhecido, divulgado há pouco mais de dois meses pela imprensa, atribuía directamente às festas populares e aos concertos em Junho várias centenas de mortes por covid-19, numa altura em que os casos positivos até apresentavam, afinal, forte tendência decrescente. Perante a recusa em ceder a informação, o PÁGINA UM apresentou um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Independentemente do seu resultado prático – acesso à informação –, este processo acaba por ser revelador de uma certa forma de “fazer” Ciência em Portugal, e da postura dos denominados “peritos”.


    Em processo que corre no Tribunal Administrativo de Lisboa (TAL) – intentado pelo PÁGINA UM para aceder a um alegado estudo (incluindo dados numéricos e metodologia) que associava as festas populares de Junho passado a um incremento directo de mortes por covid-19 –, o Instituto Superior Técnico (IST) veio agora reinterpretar o significado de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, conceito que usara inicialmente para classificar um relatório profusamente divulgado pela imprensa em final de Julho.

    A notícia original foi elaborada pela agência Lusa – que garantiu ao PÁGINA UM que “o relatório (…) existe, naturalmente, caso contrário (…) não teria feito notícia” – e reproduzido então por mais de uma dezena de órgãos de comunicação social de âmbito nacional.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos. O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. Saliente-se que o PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Numa alegação entregue na passada quarta-feira no TAL, a advogada mandatada por Rogério Colaço veio agora dizer que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E diz ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    Saliente-se, porém, que o PÁGINA UM apenas recebeu de um dos investigadores do Instituto Superior Técnico uma explicação vaga sobre a suposta metodologia, mas nunca lhe foi remetido qualquer parte do alegado relatório escrito – que chegou mesmo a merecer citações expressas no take da Lusa, difundido pela restante imprensa – nem qualquer ficheiro com dados numéricos que possibilitasse qualquer conclusão.

    De acordo com a notícia da Lusa, de 28 de Julho passado – que continha sete citações expressas (vd. em baixo) do suposto relatório –, os peritos do Instituto Superior Técnico – supervisionados pelo próprio presidente – apontavam, entre outros aspectos, para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Sucede, porém, que na realidade ao longo do mês de Junho se registou uma redução sistemática do número de casos positivos e de mortes atribuídas à covid-19, tornando paradoxal, e pouco sustentável cientificamente, que as festividades tivessem tido um impacte agravante. Ou seja, o levantamento das restrições e a maior proximidade física das pessoas sem máscara não foi acompanhada de um acréscimo de casos nem de óbitos.

    Foi exactamente para averiguar o cumprimento de preceitos de rigor científico que o PÁGINA UM pretendeu aceder ao suposto relatório do Instituto Superior Técnico, que a Lusa diz existir, e que a instituição universitária pública esclarece agora que “não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso (…) era um esboço”.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    No entanto, esboço ou qualquer outra coisa que seja, certo é que o Instituto Superior Técnico nunca veio a público negar a validade das notícias da Lusa e dos outros órgãos de comunicação social, mesmo se agora a sua advogada garanta que desconhece como aquele (esboço ou relatório) “chegou à comunicação social”.

    Convém, aliás, notar que, na troca de e-mails no final de Julho passado entre o PÁGINA UM e o investigador Henrique Oliveira – coordenador da equipa de peritos do Instituto Superior Técnico –, aquele matemático não ignorava, pelo contrário, a repercussão mediática daquele esboço ou relatório.

    Com efeito, argumentando que toda a equipa estava de férias – e que ele era “o único do grupo de trabalho mandatado a falar sobre esses assuntos de análise” –, Henrique Oliveira fez mesmo gala de ter recusado “diversos convites” da imprensa, “nomeadamente de três televisões nacionais para falar sobre o assunto”. E a sua recusa para falar às televisões não fora por não reconhecer o relatório – ou por não o considerar válido ou validado –, mas sim porque, adiantava ao PÁGINA UM, “entrei de férias e as férias são, digamos, pouco científicas”.

    Resposta de Henrique Oliveira em 29 de Julho ao PÁGINA UM, em que informa ter recusado convites para falar com três televisões nacionais por estar de férias, nunca se demarcando da divulgação de informação não autorizada ou não validada cientificamente pela instituição universitária.

    Acrescente-se também que o PÁGINA UM seguiu o conselho de Henrique Oliveira e pediu o relatório e os dados em bruto ao gabinete de imprensa do Instituto Superior Técnico, mas este não foi satisfeito. Essa recusa seria mesmo reiterada por Rogério Colaço por mensagem enviada do seu telemóvel. Um posterior pedido formal, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, nem mereceu resposta, razão pela qual o PÁGINA UM fez entrar um processo de intimação junto do TAL.

    Mas agora o Instituto Superior Técnico ainda defende que, independentemente da classificação do documento em causa – relatório, ensaio, esboço ou outro qualquer termo –, o PÁGINA UM não deve ter acesso. “Considerando o princípio da proporcionalidade, salvo melhor opinião, não nos parece que o direito à informação do requerente [PÁGINA UM] se revele suficientemente relevante para justificar o acesso a um documento em estado embrionário, um estudo sem estar concluído”, acrescenta a defensora do Instituto Superior Técnico.

    Um relatório anterior do Instituto Superior Técnico alertava que haveria um aumento das infecções com as festividades, mas tal não sucedeu. O suposto relatório de finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, a instituição universitário optou por recusar essa validação externa. As festas populares em Lisboa este ano tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de covid-19 regrediram face a Maio.

    E conclui ainda que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Saliente-se que a única pretensão do PÁGINA UM, neste caso, é analisar a qualidade da produção científica do Instituto Superior Técnico que, em articulação com a Ordem dos Médicos, ao longo dos meses apresentou e divulgou estudos sobre a pandemia. E sobretudo perceber se esta instituição científica fez algo para evitar que o seu nome fosse usado mediaticamente para transmitir informação errada ou inexacta, tanto mais que é o próprio Instituto Superior Técnico que admite que o seu (assim classificado) “ensaio de projeção/ estimativa” afinal “pode não conter informações exatas e precisas”.

    Em Março passado, Henrique Oliveira, que é professor do Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico, zurziu no relatório semanal da Direcção-Geral da Saúde, dizendo que era pobre. Em declarações à CNN Portugal disse mesmo que tinha “muito pouca qualidade, nebuloso mesmo”, e que, “como matemático, não hesitaria em chumbar um aluno que me apresentasse um relatório destes”. Sobre os relatórios do próprio Henrique Oliveira, em breve o PÁGINA UM saberá da sua qualidade, se a sentença do Tribunal for favorável a esse conhecimento público.


    Citações (entre aspas) do (suposto) relatório do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Público quis convencer Tribunal que podia difamar o PÁGINA UM sem direito de resposta. Perdeu…

    Público quis convencer Tribunal que podia difamar o PÁGINA UM sem direito de resposta. Perdeu…

    Uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa negou provimento ao Público de uma providência cautelar para suspender uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social que concedia o direito ao PÁGINA UM a exercer um direito de resposta a um artigo difamatório. O jornal da Sonae, que acumula prejuízos de quase 13,9 milhões de euros no último quinquénio, justificou o artigo que publicou em Dezembro do ano passado por ser necessário criar um “consenso social” para a vacinação contra a covid-19. Após trânsito em julgado, o Público terá 48 horas para publicar o direito de resposta do director do PÁGINA UM.


    O jornal Público, que assumiu ter publicado uma notícia difamatória contra o director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira – por este jornalista alegadamente ter tomado “posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor de vacinação” contra a covid-19 –, viu o Tribunal Administrativo de Lisboa negar-lhe provimento à providência cautelar, com a qual pretendia evitar a publicação de um direito de resposta.

    Em causa estava a tentativa do jornal do grupo Sonae – com um capital social de 6,5 milhões de euros – em anular os efeitos de uma deliberação de Agosto passado da Entidade Reguladora para a Comunicação Social que concedera ao director do PÁGINA UM – cuja empresa detentora tem um capital social de 10 mil euros – o “direito de resposta” a um artigo difamatório do Público, no passado dia 23 de Dezembro, enquadrada numa “campanha difamatória” iniciada pela CNN Portugal e reproduzida, no mesmo dia, em outros órgãos de comunicação social.

    Manuel Carlos Carvalho, director do Público, defendeu, através do seu advogado, que havia “necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação, algo que o jornal assumiu e defendeu desde a primeira hora”.

    Com efeito, após a publicação de uma investigação jornalística do PÁGINA UM sobre os verdadeiros impactes da covid-19 nas crianças, tanto a CNN Portugal como o Público (e outros media mainstream como o Observador, o Expresso e a Lusa) faziam crer que não se estava perante uma notícia de um órgão de comunicação social, mas sim de “dados clínicos de crianças (…) expostos numa página de negacionistas anti-vacinas no Facebook”.

    O Público remetia mesmo, com um link, para a notícia da CNN Portugal onde se dizia que a “página onde consta a publicação é feita por um jornalista com carteira profissional e pretende tornar-se num jornal digital sustentado por ‘crowdfunding’, donativos”, acrescentando ainda que “desde o início da pandemia, tem lançado críticas a vários investigadores que falam publicamente sobre a covid-19.”

    Apesar de o PÁGINA UM e o seu director nunca terem sido citados nas notícias – de forma propositada, numa tentativa de condicionar eventuais consequências legais, e para não se expor que se tratava meramente de um “ataque” a um órgão de comunicação social que tinha acabado de nascer –, o Tribunal Administrativo de Lisboa não teve dúvidas sobre a quem o artigo do Público se estava a referir.

    Notícia do PÁGINA UM, de Dezembro de 2021, que revelou dados anonimizados de crianças internadas com covid-19. Foi baseada em informação oficial, e fruto de investigação jornalística, cumprindo todas as regras deontológicas.

    De acordo com a sentença da juíza Sara Ferreira Pinto, “analisando o teor da notícia em questão [do Público] é possível concluir pelo caráter ofensivo da notícia de uma forma objetiva passível de ser formulado em relação a qualquer profissional não só porque se refere à publicação do Contrainteressado [director do PÁGINA UM] como ‘página de negacionistas anti-vacinas no Facebook’, mas também o identifica como tratando-se de ‘jornalista com carteira profissional e pretende tornar-se num jornal digital sustentado por crowdfunding, donativos’”.

    Para a juíza, tanto a CNN Portugal como o Público tornaram possível identificar o Contrainteressado [Pedro Almeida Vieira] e a publicação Página Um”, salientando mesmo que “os Requerentes [Público] expressamente reconhecem nos artigos 22, 23 e 30 do requerimento inicial”.

    Saliente-se que, nesse requerimento da providência cautelar, o advogado do jornal da Sonae – empresa que em 2021, em plena pandemia, apresentou lucros de 268 milhões de euros, um acréscimo de 45,6% face ao ano anterior – , garantiu que “a omissão do nome da página do Facebook ou do jornal que a alimenta [ PÁGINA UM] foi uma decisão deliberada da Direcção Editorial do jornal PÚBLICO e da editora da secção da Sociedade que, com sentido de responsabilidade, não quiseram dar publicidade à publicação que, manifestamente, tinha tomado posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação, algo que o jornal assumiu e defendeu desde a primeira hora”.

    Para negar a providência cautelar, a juíza também ponderou sobre a probabilidade da acção principal intentada pelo Público – que regista prejuízos acumulados de quase 13,9 milhões de euros no último quinquénio –  ser bem sucedida. Em relação a esse aspecto relevante, a sentença diz que, “não podendo concluir[-se] pela existência de uma probabilidade forte de a ação principal vir a proceder”, então “tem de ser recusada a requerida suspensão da eficácia da Deliberação do Conselho Regulador da Requerida Entidade Reguladora para a Comunicação Social por não se verificar um dos requisitos cumulativos de que a lei faz depender a sua concessão (fumus boni iuris)”.

    Após o conhecimento formal da sentença, o Público terá 48 horas para publicar o direito de resposta do director do PÁGINA UM, sob pena de multa. O director do Público, Manuel Carvalho, pode sempre decidir, em seguida, ordenar a retirada de linha do seu difamatório de 23 de Dezembro do ano passado, embora tal não se apague das “páginas da vergonha” da História do Jornalismo português.


    N.D. Este processo PÁGINA UM vs. Público demonstra como desiguais são as armas de um jornal independente e as de um jornal da imprensa mainstream que pode até dar-se ao luxo de apresentar 13,9 milhões de euros de prejuízo em cinco anos e, mesmo assim, continuar a desbaratar pontos de credibilidade ao assumir-se como um órgão doutrinário em prol de um “consenso social”.

    E não tendo, nessa “tarefa”, sequer escrúpulos em usar o seu poderio comunicacional para denegrir a imagem de um jornalista que o seu director sabia ser independente e rigoroso, tanto assim que o Público chegou a acolher alguns artigos de opinião.

    Não me queixo dessa luta desigual, porque o PÁGINA UM quis assumir-se como um projecto independente de acesso livre, sem publicidade nem parcerias comerciais com o Estado e empresas, valendo-se somente do valor intrínseco das suas notícias e outros textos.

    Sabíamos que, por esse motivos, a nossa dimensão será pequena. E que seríamos um alvo a abater pelo descomprometimento e desassombro. Talvez tenha ficado surpreendido por nem sequer nos terem dados mais de dois dias de vida, antes do primeiro soez ataque de 23 de Dezembro passado.

    Hoje, sabemos que valemos aquilo que os nossos leitores nos reconhecem. E assim será sempre.

    Em todo o caso, olhamos para este alegre desenlace – uma sentença favorável; com a sensação de que se fez Justiça – também me merece uma profunda tristeza. Esta sentença não é uma vitória do jornalismo; é uma derrota.

    Foi triste assistir às acções e reacções da comunicação social mainstream durante este processo. Idem em relação à ERC e à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPOJ).

    Particularmente, para mim, como jornalista e leitor, entristece-me a postura de um jornal (Público), que, reconheço, teve, durante cerca de 30 anos, um papel determinante na nossa vida democrática.

    E a tristeza advém também porque, para se fazer Justiça – e porque o PÁGINA UM tem parcos recursos –, foi necessário um esforço quase hercúleo durante largos meses. Recordo que, após a publicação do artigo difamante do Público, e da sua recusa em publicar o meu direito de resposta – que “encerraria” a questão, porque esclareceria logo os leitores –, foi depois necessário apresentar queixa formal na ERC, em seguida ainda elaborar uma reclamação a uma primeira deliberação estranhamente desfavorável, e agora gastar mais tempo a argumentar (como parte contra-interessada) junto do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Foram infindáveis horas gastas a escrever e a argumentar (na parte final apenas com a ajuda do nosso incansável advogado Rui Amores), mais as taxas de justiça.

    Perdemos sobretudo horas irrecuperáveis, que poderiam ser dedicadas a fazer jornalismo.

    Já Manuel Carvalho, circunstancial director do Público, apenas continuou serenamente a fazer o “seu jornalismo” em prol do “consenso social”. E, neste processo em concreto, só teve necessidade de puxar pelo livro de cheques da Sonae para pagar ao seu advogado.

    Esta talvez seja a razão pela qual o Público é hoje o jornal que reconhecemos… ou que já nem conhecemos.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 13 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 11.653 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.

  • Comissão Europeia e imprensa: entre a protecção e o controlo

    Comissão Europeia e imprensa: entre a protecção e o controlo

    A proposta da Comissão Europeia para a criação de uma nova legislação para o setor dos media apresenta-se como benigna, visando a proteção da liberdade de imprensa e a salvaguarda do pluralismo. Mas a proposta, que terá ainda de ser aprovada pelos Estados-Membros e o Parlamento Europeu, está a levar alguns a torcerem o nariz. Entre os receios que existem, surge à cabeça a possível tentativa de Bruxelas de querer, com as novas regras, reforçar o seu poder e obter controlo sobre o setor da comunicação social. A Comissão Europeia negou que tenha essa intenção. Mas, apesar de a proposta ter recebido muitos elogios, as dúvidas sobre as reais intenções de Bruxelas persistem.


    “De boas intenções está o Inferno cheio”. É este ditado que vem à memória quando se ouvem algumas críticas sobre a nova regulação que pode vir a ser adotada para os media europeus.

    As novas regras para o setor dos media propostas pela Comissão Europeia deixam dúvidas, incluindo sobre se se trata de uma tentativa de Bruxelas de obter poder para controlar o setor.

    A proposta da nova legislação denominada “European Media Freedom Act” (EMFA) foi apresentada no dia 16 de Setembro e já mereceu muitos elogios mas também críticas. Sobretudo, fica no ar a questão sobre quais são as reais intenções da Comissão Europeia com este novo pacote legislativo para regular um setor tão crítico e fundamental para a democracia.

    Segundo a Comissão Europeia, “o objetivo da Lei Europeia da Liberdade dos Meios de Comunicação é proteger o pluralismo e a independência dos meios de comunicação social no mercado único da União Europeia, onde os meios de comunicação social podem operar mais facilmente além-fronteiras sem interferências indevidas”.

    A Comissão considera que “as questões relacionadas com os meios de comunicação social têm sido tradicionalmente da competência dos Estados-Membros, mas tal é a ameaça à liberdade dos meios de comunicação social que se tornou necessária uma acção à escala da União Europeia para proteger os valores democráticos”.

    A proposta de nova legislação visa responder a sinais de ameaças à liberdade de imprensa em países como a Hungria e a Polónia, e pressões sobre jornalistas em países como Malta, Grécia e Eslovénia. A iniciativa vem complementar a recomendação recentemente aprovada sobre a proteção, segurança e capacitação dos jornalistas e a diretiva para proteger os jornalistas e os defensores dos direitos de litígios abusivos (pacote anti-SLAPP).

    Segundo a Comissão, “os quatro principais pilares da EMFA são: salvaguardar a prestação independente de serviços de comunicação social no mercado interno; reforçar a cooperação regulamentar e a convergência; assegurar um mercado funcional dos serviços de comunicação social; assegurar uma alocação transparente e justa dos recursos económicos”.

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    A proposta, que vem acompanhada ainda de um pacote de “Recomendações” sobre “boas práticas”, coloca na mesa a criação de um regulador europeu para o setor. O “European Board for Media Services” (Conselho Europeu de Serviços de Media) composto pelos reguladores nacionais do setor.

    Este regulador, a ser criado, irá garantir a implementação e cumprimento das novas regras europeias e opinar sobre operações de concentração entre empresas de media no espaço europeu. Mas também vai ter um papel “específico na luta contra a desinformação, incluindo interferência externa e manipulação de informação”.

    Para ser adotada, a nova legislação terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu e ter luz verde do Conselho Europeu.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia

    Apesar das publicitadas boas intenções deste “European Media Freedom Act” há quem desconfie que a Comissão Europeia possa pretender ter controlo sobre o setor dos media e o jornalismo produzido no espaço europeu.

    Para a Civil Liberties Union for Europe, a proposta da Comissão Europeia, “na sua forma atual, não aborda adequadamente os problemas mais prementes, incluindo ameaças crescentes à independência das autoridades nacionais de media e emissoras públicas, a falta de um banco de dados transparente e disponível ao público sobre a propriedade da media e o papel dos auxílios estatais tóxicos e subsídios estatais”.

    Para empresas do setor, as novas regras cheiram a possível intromissão no setor por parte dos políticos e burocratas de Bruxelas. “Os reguladores de mídia agora podem interferir na imprensa livre, enquanto os editores estão afastados de suas próprias publicações”, disse Ilias Konteas, diretor executivo da European Magazine Media Association e da European Newspaper Publishers Association ao jornal Politico.

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    Num comunicado conjunto, um grupo alargado de organizações europeias pela defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos – incluindo o Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e dos Media e a Federação Europeia de Jornalistas – , considerou que a iniciativa legislativa é bem-vinda.

    Contudo, alertaram que “para que o EMFA se torne eficaz na luta pela garantia do pluralismo dos meios de comunicação social, pela proteção dos direitos dos jornalistas e pela independência editorial do impacto dos interesses comerciais e políticos instalados, deve reforçar os esforços para aumentar a transparência na propriedade dos meios de comunicação social”.

    Segundo as mesmas organizações, o EMFA deve prever “regras para reger todas as relações financeiras entre o Estado e os meios de comunicação social [para além da publicidade] e “garantir a independência dos reguladores nacionais, bem como a independência do Conselho Europeu dos Serviços aos Meios de Comunicação Social”. Defenderam ainda que a iniciativa deve “proteger totalmente os jornalistas de todas as formas de vigilância [além de spyware]”.

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    O comissário do Mercado Interno, Thierry Breton, afirmou numa conferência de imprensa – citado pelo Politico – que não houve “absolutamente nenhuma tentativa da Comissão de ter poder” sobre os media.

    Por outro lado, as novas regras visam endereçar a questão dos conteúdos noticiosos divulgados nas redes sociais, incluindo notícias que são eliminadas por irem contra as normas impostas por cada plataforma, como o Facebook e o Twitter.

    Tendo como base a “Lei dos Serviços Digitais”, o EMFA inclui salvaguardas contra a remoção injustificada de conteúdos noticiosos.

    “Nos casos que não envolvam riscos sistémicos, como a desinformação, as grandes plataformas online que pretendam remover certos conteúdos legais de media considerados contrários às políticas da plataforma terão de informar os órgãos de comunicação social sobre as razões” antes de as retirar.

    Além disso, “quaisquer reclamações apresentadas por órgãos de comunicação social terão de ser processadas com prioridade por essas plataformas”.

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    Para a Repórteres sem Fronteiras (RSF), a iniciativa é bem-vinda mas precisa de uns “retoques”.

    “A referência explícita no EMFA à “Journalism Trust Initiative (JTI)” como um standard de auto-regulação que permite que os media se identifiquem como tal em plataformas online, beneficiando de proteção específica face às operações de moderação das plataformas, é um passo importante”, apontou a RSR num comunicado.

    Mas ressalvou que os critérios para definir as entidades que são classificadas como “media” não são satisfatórios atualmente. “Se a auto-declaração como um órgão de comunicação social for suficiente para gozar de proteção, então este mecanismo corre o risco de dificultar os esforços que as plataformas devem empreender para combater a desinformação”, avisou.

    Certo é que, notícias verdadeiras têm sido classificadas como “desinformação” devido a erros cometidos por verificadores de factos, os quais operam em parceria com as plataformas de redes sociais, enquanto notícias falsas ou com graves erros escapam a qualquer tipo de escrutínio.

  • “Negacionista”: Directora do Diário de Notícias diz que Fernando Nobre devia vacinar-se para dar “o exemplo”

    “Negacionista”: Directora do Diário de Notícias diz que Fernando Nobre devia vacinar-se para dar “o exemplo”

    O Diário de Notícias foi o paradigma da rotulagem à contestação da gestão da pandemia com os epítetos de “negacionismo” e “negacionistas”. Em resposta a uma queixa junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), a directora do periódico da Global Media, Rosália Amorim, defendeu que “os portugueses” esperavam que Fernando desse “o exemplo na vacinação”, e que, por não o ter dado, colocou “em causa a segurança de outros cidadãos”, constituindo “especial motivo de indignação”. O fundador da AMI diz que estas declarações são “estapafúrdias”. Por sua vez, a ERC defende agora que, “doravante”, o Diário de Notícias deve “diligenciar no sentido de um mais amplo e rigoroso enquadramento dos factos noticiados”.


    São 834 resultados disparados numa pesquisa interna do site do Diário de Notícias quando se colocam as palavras “pandemia” e “negacionistas”. No topo dos mais relevantes, destaca-se uma notícia de 31 de Março de 2021 intitulada “Extrema-direita e negacionistas da pandemia aproximaram-se”. Estava lançado o mote.

    Seguem-se também, na longa lista, duas polémicas notícias de Novembro do ano passado, em que explicitamente se chama “negacionistas” a agentes da Polícia Judiciária, da GNR e da PSP e a militares das Forças Armadas que tomaram a decisão voluntária e legal de não se vacinarem. E também diversas sobre “ameaças à saúde pública” supostamente causadas pelos “negacionistas”.

    Rui Castro, sempre chamado “juiz negacionista”, foi uma presença constante nesta pesquisa, sobretudo durante o processo que levou à sua expulsão pelo Conselho Superior da Magistratura. Há, no site do Diário de Notícias, por agora, 148 notícias com esta expressão no título ou no conteúdo.

    Fernando Nobre, fundador e presidente da AMI, em Março de 2020, apresentando recomendações sobre a covid-19.

    A polarização social, política e mesmo partidária foi uma constante desde o início da pandemia nas páginas deste secular diário. Num artigo de opinião de Bernardo Pires de Lima, actual conselheiro político do presidente da República, publicado em 4 de Abril de 2020, no início da pandemia, e sugestivamente intitulado “A insustentável leveza dos negacionistas”, começou a ser óbvia a colagem ideológica que se preparava então para pôr políticos polémicos (Trump, Bolsonaro, Salvini, Órban) em linha com qualquer pessoa que contestasse minimamente a narrativa imposta. E vice-versa.

    Com efeito, nas centenas e centenas de notícias e artigos de opinião do Diário de Notícias onde o tema central é a pandemia, “negacionista” é o rótulo invariavelmente escolhido quer para quem jurava que o SARS-CoV-2 nunca existiu, quer para quem dizia que se está perante uma cabala, quer para quem contestava que a gestão da pandemia violava direitos fundamentais – que, aliás, agora têm estado a ser confirmadas pelo Tribunal Constitucional –, quer para quem alertava para os riscos de se menorizar as outras doenças, quer para quem denunciava a existência de manipulação e sonegação de informação por parte das autoridades; quer para quem questionava a vacinação universal em todos os grupos etários…

    Nunca interessou ao Diário de Notícias, e a bem dizer à imprensa mainstream, fazer distinções nem promover o debate: tudo foi metido no mesmo saco, numa explícita e depreciativa alusão aos movimentos negacionistas do Holocausto.

    Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias.

    Por isso, não surpreende que aquando do anúncio de a Ordem dos Médicos ter aberto um processo disciplinar a Fernando Nobre, fundador da AMI e antigo candidato à Presidência da República, o Diário de Notícias tenha escrito, em 21 de Setembro do ano passado, que essa decisão advinha das declarações que prestara “numa manifestação de negacionistas da pandemia de covid-19 realizada junto à Assembleia da República”.

    Ora, tal como já sucedera com a notícia sobre os “agentes negacionistas” (assim rotulados só por não se terem vacinado), também este artigo do Diário de Notícias, desta vez sobre Fernando Nobre, caiu na alçada da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), em resultado de uma queixa não-identificada. E em deliberação de Setembro passado (mas apenas divulgada na passada semana), o regulador concluiu que “a abordagem jornalística dada pelo Diário de Notícias deveria ter providenciado um enquadramento mais amplo e fundamentado da problemática”. A ERC acrescentou ainda que o jornal da Global Media deverá, “doravante, diligenciar no sentido de um mais amplo e rigoroso enquadramento dos factos noticiados”.

    Sem relevância significativa, por não ter efeitos sancionatórios, quer o processo quer esta deliberação contra o Diário de Notícias têm, contudo, dois aspectos peculiares muito relevantes.

    Por um lado, o Conselho Regulador da ERC foi muito mais crítico com o Diário de Notícias do que fora, numa análise similar, com o Observador que, também em 21 de Setembro do ano passado, noticiara, nos mesmos moldes, o processo aberto contra Fernando Nobre.

    O Diário de Notícias usou e abusou de expressões que, antes da pandemia, estavam “reservadas” apenas para quem negasse o Holocausto.

    Essa notícia do Observador, tal como a do Diário de Notícias, também destacou que a causa do processo da Ordem dos Médicos tinha sido as declarações “numa manifestação de negacionistas em frente à Assembleia da República”, salientando, igualmente, as posições do fundador da AMI sobre o uso da máscara, os testes e os medicamentos que, alegadamente, “não têm eficácia comprovada no tratamento da covid-19”.     

    A deliberação da ERC sobre o Observador, logo aprovada em Dezembro do ano passado, foi porém muitíssimo mais branda. Na verdade, o regulador arquivou a queixa, “por não se verificarem indícios de desrespeito pelos limites à liberdade de imprensa”.

    Note-se, contudo, como o PÁGINA UM já revelou noutros casos, a ERC tem vindo, ao longo deste ano, a mudar a sua posição sobre o uso indiscriminado do termo “negacionista”, muito em voga pela imprensa durante a pandemia. Até finais de 2021, aceitava o uso desta terminologia; a partir deste ano começou a “torcer o nariz”.

    Por esse motivo, a defesa da directora do Diário de Notícias, Rosália Amorim, não foi particularmente bem acolhida pelo regulador. E compreende-se. Nas nove páginas da sua argumentação, a que o PÁGINA UM teve acesso – e que divulga na íntegra por o considerar um testemunho relevante sobre a imprensa nacional –, a directora daquele periódico tece considerações surpreendentes.

    O uso do termo “negacionista” foi mediatizado como sinónimo de anti-ciência e de ideologias extremistas.

    Rosália Amorim começa logo por evocar, através do seu advogado, o adágio popular: “Quem não quer ser lobo, não lhe vista a pele”, aludindo assim ao suposto direito de se chamar “negacionista” a Fernando Nobre e a quem estivesse presente na manifestação em frente à Assembleia da República.

    Alegando que o termo “negacionista” sempre foi usado por vários órgãos de comunicação social e opinion-makers – remetendo mesmo para artigos de Pacheco Pereira e do ex-secretário de Estado Manuel Delgado, demitido por causa do escândalo da associação Raríssimas em 2017 –, Rosália Amorim defendeu que “é, cremos, medianamente evidente, [que] escrever sobre o tema [pandemia e vacinação], censurando a palavra em causa [negacionismo], será pretender ‘enfiar a cabeça na areia’ e fazer o serviço que tais movimentos pretendem”.

    Apesar de rejeitar a existência de “qualquer incentivo ao ódio e à discriminação contra pessoas que não se querem vacinar”, e também considerar que as queixas junto da ERC por jornalistas usarem indistintamente a palavra “negacionista” configuram “uma pressão ao jornalismo”, a directora do Diário de Notícias acaba por se insurgir sobretudo com as posições de Fernando Nobre.

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    Não apenas foram catalogados de “negacionistas” quem negava claramente a existência do vírus SARS-CoV-2; o termo passou a ser aplicado para qualquer pessoa que fugisse da “narrativa oficial”.

    Na carta à ERC, Rosália Amorim assegura que “os portugueses [presume-se que todos] esperam que cidadãos com as especiais obrigações de Fernando Nobre (como responsável médico e anterior candidato à Presidência da República) dêem o exemplo na vacinação e, se o não fazem, além de poderem pôr em causa a segurança de outros cidadãos e de instigarem outros a fazê-lo, causam especial motivo de indignação”.

    E acrescenta que “foi este o objecto noticioso, cumprindo o DN [Diário de Notícias]– a quem compete sempre noticiar (e não esconder) –, o dever de informação aos leitores acerca do que se passa no seu país, observando os princípios fundamentais que regem a liberdade de imprensa”.

    Contactado pelo PÁGINA UM, Fernando Nobre considera serem “estapafúrdias” as declarações da directora do Diário de Notícias. “Foi precisamente por eu ter a responsabilidade que tenho perante o povo português que fiz questão de deixar a minha posição como testemunho futuro”, diz o presidente da AMI.

    “Não podia ficar calado”, acrescenta o médico, para se insurgir sobre a questão do exemplo que deveria supostamente dar: “Só faltava essa”. E afirma que voltaria a defender o que afirmou diante da Assembleia da República há um ano.

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    Destacando os efeitos secundários que, na sua opinião, estas vacinas têm, Fernando Nobre garante que nunca se vacinará para dar o exemplo, porque “seria violar a minha consciência enquanto pessoa, enquanto médico, cientista e também político, que fui.”

    Sobre o andamento do processo disciplinar instaurado em Setembro de 2021 pela Ordem do urologista Miguel Guimarães, o fundador da AMI adianta nada saber. “Há um ano que aguardo para ser ouvido na Ordem dos Médicos; há um ano que as minhas testemunhas, incluindo figuras de relevo, aguardam para serem ouvidas na Ordem dos Médicos”, salienta.

    Fernando Nobre acusa ainda a comunicação social, em geral, de ter sido parcial ao longo da pandemia. “Nunca deu direito ao contraditório. Houve dois posicionamentos e devia ter havido contraditório para o esclarecimento da população”, argumenta. E conclui: “O unanimismo [que se criou] só existe em regimes ditatoriais, não é compatível com a argumentação científica”.

  • Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo também sob a “mão pesada” da Lei do Tabaco

    Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo também sob a “mão pesada” da Lei do Tabaco

    A Tabaqueira “brincou com o fogo” e tentou contornar a Lei do Tabaco, que proíbe taxativamente a publicidade directa e indirecta aos produtos do tabaco. Este ano multiplicou-se em pagamentos de conteúdos comerciais a vários órgãos de comunicação social. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social já concluiu que, em quatro conteúdos de periódicos da Global Media, houve ilegalidade. Seguem-se agora processos para aplicação de coimas que podem ascender aos 250 mil euros por cada infracção. O Público ficou entretanto hoje também sob a alçada punitiva do regulador.


    Dias difíceis para as parcerias entre os grupos de media e a Tabaqueira. Na mesma semana em que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) revelou ao PÁGINA UM a abertura de um “procedimento” por alegada violação da Lei do Tabaco, foi também ontem divulgada uma deliberação que custará quatro processo de contra-ordenação devido a publicidade a produtos de tabaco a três jornais da Media Capital: Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo.

    Em causa, de acordo com a deliberação ERC/2022/296, estão dois conteúdos patrocinados pela Tabaqueira no Jornal de Notícias (nas edições de 20 e 29 de Abril deste ano), um no Diário de Notícias (2 de Junho) e outro no Dinheiro Vivo (20 de Abril), onde se faz promoção da marca Tabaqueira e dos seus produtos, quer directa quer indirectamente, o que viola a Lei do Tabaco.

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    A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano. Contudo, nos últimos meses, recorrendo a parcerias comerciais, extremamente dúbias, a Tabaqueira foi lançando uma imagem de empresa preocupada com a saúde e o ambiente, e na vanguarda da Ciência, enquanto aborda os seus novos produtos, designadamente os cigarros electrónicos e o tabaco aquecido.

    A ERC analisou, nesta fase, dois artigos patrocinados do Jornal de Notícias, intitulados “Investir em ciência para construir um mundo sem fumo” e “’Gaia não é um Cinzeiro’ procura limpar da cidade as beatas dos cigarros”.

    No primeiro artigo reflecte-se sobre o desenvolvimento da Ciência em prol dos consumos tabágicos menos nocivos, anunciando que substituir “os cigarros tradicionais por novos produtos menos nocivos é o grande objetivo da Philip Morris International, que investiu mais de 8,1 mil milhões de dólares nesta missão”, adiantando-se que próximo passo será uma aposta no sector da saúde e do bem-estar.

    Conteúdos comerciais da Tabaqueira são publicidade proibida mesmo que não se promova directamente produtos.

    No segundo artigo, é dada uma visão de marketing social desenvolvido entre a Tabaqueira e a Câmara de Gaia para benefício geral da comunidade e ambiente, mas onde também surge a promoção aos novos produtos da empresa, supostamente “substanciadas por evidência científica”.

    No artigo do Dinheiro Vivo, intitulado “Como a inovação está a ajudar a Philip Morris International a transformar o seu negócio”, é feita, segundo a ERC, uma retrospectiva do percurso da Philip Morris International (PMI) na venda de produtos de tabaco e a inversão das campanhas promocionais, que apelam a um consumo sem fumo. ERC exemplifica com o seguinte excerto: “A inversão oficial da estratégia da empresa deu-se em 2016, quando anunciou que iria comercializar produtos alternativos, mais modernos e com redução dos riscos do tabaco. ‘Dissemos que conseguíamos reduzir drasticamente os malefícios do tabaco e que podíamos ter um produto que retira 95% dos elementos tóxicos do fumo de tabaco’, afirmou o empresário polaco, que assumiu a gestão do grupo em 2021. O grande objetivo passa pela substituição dos cigarros a combustão por produtos de tabaco aquecido sem fumo.”

    O argentino Marcelo Nico, director-geral da Tabaqueira, tentou contornar a Lei do Tabaco, fazendo parcerias com grupos de media para publicar conteúdos comerciais para dar boa imagem à empresa. A ERC diz agora ser proibido.

    Por fim, no Diário de Notícias, através do artigo pago (e assumidamente identificado como publicidade) intitulado “Uma jornada de transformação para a construção de Um Amanhã Melhor”, é feita, também seguindo a síntese da ERC, uma apologia aos novos produtos de tabaco sem combustão, pela British American Tobacco (BAT), em que se defendem valores da marca socialmente responsáveis, evidenciando-se as seguintes características, «[a] marca de tabaco aquecido da BAT, o glo, é composta por um dispositivo eletrónico portátil que contém uma bateria de iões de lítio que alimenta uma câmara de aquecimento. Por fim, os produtos modernos orais, que incluem bolsas de nicotina sem tabaco, são igualmente uma das novas categorias da marca. Sendo que também incluem produtos orais tradicionais, como os tabacos húmidos ‘snus’ e ‘snuff’.”

    Segundo a ERC, os quatro artigos pagos pela Tabaqueira às três publicações da Global Media “têm um carácter eminentemente institucional de posicionamento das empresas e marcas associadas a produtos de tabaco e a cigarros eletrónicos, em que se defendem valores sociais relevantes como sejam a saúde e o ambiente.”

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social “ameaça” aplicar multas ao Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, e também Público, por receberem patrocínios da Tabaqueira em violação à Lei do Tabaco.

    No procedimento aberto pela ERC, a Global Media veio defender que aqueles artigos publicitários tenham tido “por efeito direto ou indireto a promoção de cigarros eletrónicos”, alegando, por exemplo, que os textos do Jornal de Notícias tinham um “cariz e estilo informativo”, designadamente sobre o Fórum Económico de Delfos, na Grécia, realizado em Abril de 2022, em que se “reporta a ciência sobre o tabaco sem fumo, o investimento que uma empresa está a fazer em inovação, os objectivos”.

    Por outro lado, o grupo de media liderado por Marco Galinha – que se tem especializado em parcerias mediáticas com todo o tipo de empresas e entidades públicas, incluindo autarquias e Governo – diz que, algumas daquelas publicações se enquadravam no conceito de “brandstory”.

    Segundo a Global Media, “as designadas ‘brandstories’ afastam-se do fenómeno publicitário qua tale, já que, originariamente, constituem a criação de textos em torno da história de determinada marca e da sua identidade”. E acrescenta que, nesta lógica peregrina, se “procura comunicar a identidade da marca, englobando todas as definições da sua construção, como a personalidade, o propósito, os valores, a cultura, a missão e a visão.”

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    A ERC mostrou-se, contudo, pouco favorável à argumentação da Global Media, até porque a Lei do Tabaco é muito clara. Com efeito, esse diploma legal dizer ser “proibida a comunicação comercial em serviços da sociedade da informação, na imprensa e outras publicações impressas, que vise ou tenha por efeito direto ou indireto a promoção de cigarros eletrónicos e recargas, com exceção das publicações destinadas exclusivamente aos profissionais do comércio de cigarros eletrónicos e recargas, e das publicações que sejam impressas e publicadas em países terceiros, se essas publicações não se destinarem principalmente ao mercado da União Europeia.»

    Para o regulador, com a publicação daqueles textos no Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, existe a finalidade de promover uma marca [Tabaqueira], uma imagem [responsabilidade social, defensora do ambiente, promotora da Ciência através de tecnologia para consumo de tabaco supostamente menos lesiva] e, consequentemente os produtos/ serviços por esta distribuídos, promovendo o engagement do leitor com a marca.”

    Na deliberação, encabeçada pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas, acrescenta-se que “ainda que se possa considerar que o conteúdo ali veiculado não é promovido através de publicidade tradicional, não deixa de ser um conteúdo patrocinado por uma marca que visa a distribuição e venda de produtos de tabaco.”

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    E a ERC não tem dúvida que se trata de publicidade, ainda que encapotada. “Quando uma empresa que tem como atividade principal, a venda de cigarros, com ou sem combustão, promove incessantemente campanhas em prol da saúde, está a promover, ainda que indiretamente, um produto cuja comunicação comercial é proibida, a pretexto de promover um debate que confunde os leitores e os induz a práticas de promoção e consumo, com o subterfúgio de não se estar a promover um produto”, salienta o regulador na sua deliberação.

    Saliente-se que as tabaqueiras têm usado estratagemas para convencer os consumidores de que o uso dos novos produtos, como o tabaco aquecido, não são prejudiciais à saúde, A própria Organização Mundial de Saúde acusou em Maio de 2020 “a indústria do tabaco de usar um milhão de dólares por hora a tentar vender os seus produtos e de querer viciar cada vez mais jovens em cigarros eletrónicos como se fossem doces.”

    O passo seguinte desta deliberação ERC será a “instauração de processo contraordenacional contra a Global Notícias”, a empresa da Global Media detentora daqueles três periódicos. Em princípio, serão abertos quatro processos de contra-ordenação, tantos quanto as ilegalidades cometidas, ademais face ao facto de estarem em causa três periódicos distintos. Além disso, a ERC determinará ainda se a aplicação das coimas, que podem atingir os 250 mil euros cada, será também paga pela Tabaqueira.

    Recorde-se que hoje o PÁGINA UM noticiou que a ERC iniciou um “procedimento” contra o Público com vista à aplicação de um processo de contra-ordenação pelos mesmo motivos.

    O PÁGINA UM tentou ter a opinião sobre estes processos junto da Tabaqueira, mas sem sucesso.

  • Lei do Tabaco: publicidade encapotada já “queima” o jornal Público

    Lei do Tabaco: publicidade encapotada já “queima” o jornal Público

    A publicação de um conteúdo comercial da Tabaqueira, elogiando o tabaco aquecido, e que coincidiu com o lançamento de um novo sistema daquela empresa, levou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social a instaurar hoje um “procedimento” contra o Público. A multa pode atingir os 250 mil euros.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu instaurar um “procedimento” contra o Público por violação da Lei do Tabaco que pode resultar na aplicação de uma coima até 250 mil euros. A informação foi confirmada esta tarde ao PÁGINA UM – que revelara essa ilegalidade na quarta-feira passada – pelo Departamento de Supervisão do regulador, que informa também que “a publicação periódica Público foi notificada, nesta data [hoje], para pronúncia sobre os factos descritos”.

    Em causa está a publicação no diário da Sonae, na sexta-feira da semana passada, de um conteúdo comercial da Tabaqueira que promove o consumo de tabaco aquecido e elogia este produto, citando várias vezes o director-geral da empresa, Marcelo Nico, que chegou a destacar o lançamento da “última tecnologia” que começou a ser vendida a partir do dia 4 deste mês.

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    A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano.

    O conteúdo não-jornalístico – que antes se denominava publireportagem – pago pela Tabaqueira ao Público termina mesmo com uma foto claramente de carácter publicitário, apresentando o novo sistema de tabaco aquecido por indução IQOS Iluma, a aposta da Philip Morris neste sector, e que começou a ser comercializado no dia 4 deste mês.

    O texto do conteúdo pago aceite pelo Público começa por anunciar que “o tabaco de combustão deverá ter os dias contados”, mas que “são cada vez mais as alternativas que surgem no mercado e que têm como objectivo diminuir o seu consumo, substituindo-o por opções menos nocivas e com a sua eficácia comprovada cientificamente”, adiantando ainda que causa “alguma estranheza” que seja a Tabaqueira a fazer “este esforço”.

    Na semana em que lançou o seu novo sistema de tabaco aquecido, a Tabaqueira conseguiu publicar um conteúdo comercial no Público a elogiar a nova tecnologia por si desenvolvida.

    O director-geral da Tabaqueira, o argentino Marcelo Nico, surge também sempre a transmitir uma atitude de autoridade em matéria científica, de que é exemplo a seguinte afirmação: “É uma tecnologia [referindo-se implicitamente ao IQOS Iluma] com menos cheiro, que não necessita de limpeza, que é mais intuitiva, e que resolve alguns dos problemas encontrados pelos utilizadores de tabaco aquecido. Podemos afirmar que a nossa empresa, hoje, é caracterizada pela ciência, pela tecnologia e pela inovação. E a tecnologia é, sem dúvida, o que distingue esta nova geração”.

    Saliente-se que a lei define “publicidade ao tabaco” como “qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo directo ou indirecto de promover um produto do tabaco ou o seu consumo”.

    Além da questão da publicidade proibida, as alegadas vantagens do tabaco aquecido não estão provadas. Por exemplo, em 2 de Abril de 2019, uma dúzia de sociedades científicas – incluindo as Sociedades Portuguesas de Pneumologia, de Cardiologia, de Oncologia, de Pediatria, de Estomatologia e Medicina Dentária, de Medicina Interna, de Medicina do Trabalho e de Angiologia e Cirurgia Vascular – emitiu uma posição extremamente crítica sobre os produtos de tabaco aquecido, relembrando que contêm à mesma “nicotina, substância altamente aditiva que existe no tabaco, causando dependência nos seus utilizadores, para além de estarem presentes outros produtos adicionados que não existem no tabaco e que são frequentemente aromatizados”

    A ERC vem agora dizer que, “em virtude da análise prévia do referido artigo [conteúdo pago da Tabaqueira], considera-se que os factos alegados poderão constituir violação” da denominada Lei do Tabaco. A coima está compreendida entre um mínimo de 30 mil e um máximo de 250 mil euros, além de eventuais sanções acessórias. O valor pode vir a ser aplicado tanto ao Público como à Tabaqueira.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário do director do Público, mas não obteve resposta.

    Também contactada a Tabaqueira, não houve sequer interesse em passar o telefonema para o gabinete de comunicação desta empresa. A comunicação electrónica, entretanto enviada pelo PÁGINA UM para o endereço geral da Tabaqueira, questionando se a empresa iria suspender este tipo de publicidade, ainda não teve qualquer reacção.

  • Jornal Público permite publicidade “encapotada” ao tabaco aquecido

    Jornal Público permite publicidade “encapotada” ao tabaco aquecido

    É ilegal desde 2005, mas a crise está a empurrar os media para engenhosas tentativas de contornar a lei. Na semana passada, o diário Público autorizou um conteúdo comercial da Tabaqueira onde são tecidos controversos elogios ao tabaco aquecido e se anuncia uma nova tecnologia. Nem de propósito, a subsidiária da Philip Morris começou a comercializar na semana passada o seu novo sistema IQOS Iluma.


    O jornal Público aceitou publicar na sexta-feira passado um conteúdo comercial da Tabaqueira que promove o consumo de tabaco aquecido e elogia este produto, citando bastamente o director-geral da empresa, Marcelo Nico, que destacou o lançamento da “última tecnologia” que começou a ser vendida a partir do dia 4 deste mês.

    A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano.

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    Actualmente, depois de uma actualização da legislação para incorporar o consumo de tabaco sem combustão, a violação dos normativos de publicidade implica coimas entre 30 mil e 250 mil euros para pessoas colectivas, podendo os processos ser instaurados pela Direcção-Geral do Consumidor ou pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). A ser aplicada uma coima, pode ser subsidiariamente aplicada à Tabaqueira e ao Público.

    O conteúdo não-jornalístico – que antes se denominava publireportagem – pago pela Tabaqueira ao diário da Sonae termina mesmo com uma foto claramente de carácter publicitário, apresentando o novo sistema de tabaco aquecido por indução IQOS Iluma, a aposta da Philip Morris neste sector, e que começou a ser comercializado no dia 4 deste mês.

    Com efeito, na legenda daquela foto faz-se referência ao evento de lançamento da nova geração de tabaco aquecido, destacando a “busca incessante” da Tabaqueira dos “insights, da recolha e análise de dados que permitiu a criação da tecnologia avançada SmartCore Induction System, graças à qual o tabaco é aquecido através de indução e a partir de dentro, sem ser preciso lâmina”. E conclui: “O que acontece é uma experiência optimizada e sem resíduos de tabaco ou necessidade de limpeza.” 

    Na semana em que lançou o seu novo sistema de tabaco aquecido, a Tabaqueira conseguiu publicar um conteúdo comercial no Público a elogiar a nova tecnologia por si desenvolvida.

    O texto do conteúdo pago aceite pelo Público começa por anunciar que “o tabaco de combustão deverá ter os dias contados”, mas que “são cada vez mais as alternativas que surgem no mercado e que têm como objectivo diminuir o seu consumo, substituindo-o por opções menos nocivas e com a sua eficácia comprovada cientificamente”, adiantando ainda que causa “alguma estranheza” que seja a Tabaqueira a fazer “este esforço”.

    Ao longo de cinco parágrafos, incluindo quatro citações do director-geral da Tabaqueira, encontram-se sete referências explícitas ao tabaco aquecido, sempre em tons encomiásticos. Exemplo disto é o seguinte parágrafo: ”A PMI [Philip Morris International] e, subsequentemente a Tabaqueira, assumem-se como pioneiras a nível global no lançamento de produtos de tabaco aquecido. Desde 2016 que o trabalho tem sido desenvolvido nesse sentido e hoje, 6 anos depois, são 70 os países onde se encontra disponível. ‘Portugal foi o 4º país onde foi lançado, e agora é o 6º onde iremos lançar a última tecnologia que temos. Que é uma tecnologia melhor, seja para os fumadores que passam para o tabaco aquecido, quer para os restantes fumadores’, partilha Marcelo Nico, acrescentando em seguida que Portugal se encontra à frente nesta transição, contando já com 400 mil utilizadores de tabaco aquecido.”

    O director-geral da Tabaqueira surge também sempre a transmitir uma atitude de autoridade em matéria científica, de que é exemplo a seguinte afirmação: “É uma tecnologia [referindo-se implicitamente ao IQOS Iluma] com menos cheiro, que não necessita de limpeza, que é mais intuitiva, e que resolve alguns dos problemas encontrados pelos utilizadores de tabaco aquecido. Podemos afirmar que a nossa empresa, hoje, é caracterizada pela ciência, pela tecnologia e pela inovação. E a tecnologia é, sem dúvida, o que distingue esta nova geração”.

    Saliente-se que a lei define “publicidade ao tabaco” como “qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo directo ou indirecto de promover um produto do tabaco ou o seu consumo”.

    Saliente-se, além da questão da publicidade, que as alegadas vantagens do tabaco aquecido não estão provadas. Por exemplo, em 2 de Abril de 2019, uma dúzia de sociedades científicas – incluindo as Sociedades Portuguesas de Pneumologia, de Cardiologia, de Oncologia, de Pediatria, de Estomatologia e Medicina Dentária, de Medicina Interna, de Medicina do Trabalho e de Angiologia e Cirurgia Vascular – emitiu uma posição extremamente crítica sobre os produtos de tabaco aquecido, relembrando que contêm à mesma “nicotina, substância altamente aditiva que existe no tabaco, causando dependência nos seus utilizadores, para além de estarem presentes outros produtos adicionados que não existem no tabaco e que são frequentemente aromatizados”

    Conteúdo comercial da Tabaqueira termina com foto claramente publicitária.

    Estas entidades alertaram ainda que o uso de tabaco aquecido “permite imitar o comportamento dos fumadores de cigarro convencional, podendo haver o risco de os fumadores alterarem o seu consumo para estes novos produtos em vez de tentarem parar de fumar”. E acrescentaram que “do ponto de vista de segurança e do risco para a saúde, actualmente não existe evidência que demonstre que os PTA [produtos de tabaco aquecido] são menos prejudiciais do que o cigarro convencional”.

    Em 27 de Junho passado, a Tabaqueira já tivera um conteúdo pago na secção Estúdio P, mas não fazia referências explícitas a um produto do tabaco, focando-se sobretudo nos resultados de um inquérito sobre ciência patrocinado pela Philip Morris Internacional.

    Em todo o caso, mesmo esse texto acabava por ser indirectamente elogioso ao tabaco aquecido, embora nunca o citando. No texto destacava-se, por exemplo, que os resultados daquele estudo eram “relevantes no panorama actual, especialmente quando confrontados com a legislação dos produtos de tabaco e da nicotina, um sector onde os inquiridos – tanto consumidores e não consumidores – acreditam que os produtos alternativos podem ter um papel importante na redução do impacto social e para a saúde dos produtos de tabaco.” E acrescentava ser “uma visão partilhada pela Philip Morris International e a sua subsidiária portuguesa Tabaqueira, que têm vindo a desenvolver produtos sem combustão, no âmbito da sua estratégia de redução de risco.”

    Contactada pelo PÁGINA UM, a Direcção-Geral do Consumidor diz que, “tratando-se de um conteúdo editado pelo meio de comunicação visado, similar a texto noticioso, compete à Entidade Reguladora para a Comunicação Social fazer respeitar os princípios e limites legais aos conteúdos difundidos pelas entidades que prosseguem atividades de comunicação social”. Essa visão, contudo, é redutora, uma vez que a legislação incumbe ambas as entidades na função de “fiscalização das matérias relativas à publicidade”.

    O PÁGINA UM tentou ainda obter durante a tarde de hoje uma reacção junto da ERC, mas não a obteve em tempo útil.

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    Eduardo Cintra Torres, crítico de media e especialista no sector da publicidade, defende que “a publicidade em forma de conteúdo jornalístico [como sucede com os textos no Estúdio P] é um género praticado há mais de um século, e é aceite por todas as partes”, acrescentando que, na sua opinião, no caso concreto do conteúdo comercial da Tabaqueira está “correctamente identificado como patrocinado”.

    Este professor universitário diz que se mostra evidente “um problema no conteúdo em si mesmo, dado que promove publicitariamente um produto cuja publicitação está proibida, o tabaco aquecido.”, dizendo ainda que “a Direcção-Geral do Consumidor deveria estar atenta e é sua obrigação agir neste caso”, tal como a ERC, “dado que se trata de uma utilização ilegal de um media.”

    O PÁGINA UM também enviou um pedido de comentários ao director do Público, Manuel Carvalho, sem resposta.