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  • CMTV arrisca multa de 150 mil euros por programa comercial ‘travestido’ de informação

    CMTV arrisca multa de 150 mil euros por programa comercial ‘travestido’ de informação


    No meio de críticas à gestão de conteúdos de produção externa, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) instaurou um processo contra a Cofina Media, dona da CMTV, por causa do programa “Falar Global”. Em causa está a emissão de conteúdos comerciais sem aviso ao telespectador, ainda mais feitos por jornalistas. A multa pode chegar aos 150 mil euros. Esta decisão veio no seguimento de uma notícia do PÁGINA UM, em Agosto passado, que revelou que o apresentador do programa, o jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida, é simultaneamente sócio único e gerente da Kind of Magic, tendo assinado contratos de prestação de serviços para o próprio “Falar Global”. A intervenção da ERC não teve, para já, quaisquer efeitos: nos mais recentes programas, até há uma secção de promoção de gadgets ao ‘estilo Calcitrin’ com a participação de uma jornalista.


    Constitui um pequeno passo para acabar com a promiscuidade entre jornalismo e mercantilismo. No meio de muitas críticas, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) instaurou um processo de contraordenação à Cofina Media por causa do programa semanal da CMTV ‘Falar Global’, que transmite conteúdos comerciais num programa supostamente informativo com a participação de jornalistas e com uma ficha técnica onde surge o nome do director daquele canal televisivo e também do Correio da Manhã, Carlos Rodrigues.

    A contraordenação, considerada grave, pode valer à nova dona da CMTV, que tem como sócio o futebolista Cristiano Ronaldo, uma multa entre os 20 mil e os 150 mil euros.

    Falar Global, um programa semanal da CMTV com informação de Ciência e Tecnologia, apresentado por jornalistas, mas que afinal é um programa de conteúdos comerciais, sem aviso aos telespectadores.

    O caso foi noticiado pelo PÁGINA UM em Agosto passado, depois de se ter detectado no Portal Base que a Kind of Magic Unipessoal, uma empresa do autor do programa da CMTV, o jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida, assinara contratos de prestação de serviços de comunicação com entidades públicas, entre as quais a Universidade de Aveiro e a Câmara Municipal de Oeiras, para serem incluídos no programa semanal da CMTV.

    Com a carteira profissional de jornalista 5887, Rodrigues Almeida também é administrador da Universidade Autónoma de Lisboa com os pelouros de Comunicação e das Relações Externas e de Acção Social, e tem a particularidade de se despedir efusivamente das pessoas com quem conversa durante o programa.

    Note-se que o Portal Base apenas detecta contratos com entidades públicas, ignorando-se quais as parcerias comerciais que Rodrigues de Almeida terá estabelecido com empresas privadas. Por exemplo, numa das secções do programa, o Global Gadget, uma jornalista (Suely Costa) conversa sistematicamente com a mesma pessoa (Bruno Borges, da empresa iServices) sobre diversos gadgets, perguntando sempre pelas características e até pelo preço de venda ao público, e indicando mesmo um QR Code onde se pode fazer compra de imediato. Ao melhor estilo da ‘clássica’ publicidade dos programas da manhã ao Calcitrin.

    De acordo com a Lei da Televisão, “os serviços de programas televisivos e os serviços de comunicação audiovisual a pedido, bem como os respectivos programas patrocinados”, devem ser “claramente identificados como tal pelo nome, logótipo ou qualquer outro sinal distintivo do patrocinador dos seus produtos ou dos seus serviços”. Algo que não sucedeu pelo menos nos casos de diversos contratos públicos revelados em Agosto passado pelo PÁGINA UM.

    primeiro em Agosto de 2015, no valor de 66.000 euros, para “aquisição dos serviços de produção de documentários e reportagens relativos à história dos edifícios que albergam os Centros Ciência Viva”; o segundo em Outubro de 2019, no valor de 15.000 euros, por “serviços para produção de conteúdos para jornal impresso, para newsletters digitais, co-gestão das redes sociais e realização de entrevistas no âmbito do Ciência 2019”; e o terceiro em Maio de 2020, no valor de 12.000 euros, para “aquisição de serviços de produção e comunicação de conteúdos no âmbito do Festival da Ciência Online 2020”.

    No caso do segundo contrato, o caderno de encargos estipulou, entre outras funções incompatíveis com a função de jornalista, por serem da área do marketing, que a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida produzisse e editasse o jornal oficial do Encontro Ciência 2019 e realizasse 10 entrevistas diárias durante os três dias do evento. Um dos entrevistados foi o primeiro-ministro António Costa.

    CMTV tentou convencer a ERC de que o programa Falar Global era uma produção externa com autonomia para evitar a contra-ordenação. A ficha técnica do programa não indica essa informação, constando a mesma ficha técnica da generalidade dos programas de informação do canal televisivo da Cofina Media.

    Além desses três contratos, Reginaldo Rodrigues de Almeida ainda fez, a título pessoal, outro contrato em finais de Janeiro de 2021 com a presidente da Ciência Viva, Rosalia Vargas, para “aquisição de serviços especializados de apoio à estratégia de comunicação institucional da Rede de Clubes Ciência Viva na Escola”. O contrato nem sequer foi reduzido a escrito e ter-se-á executado em apenas dois dias a um custo de 17.500 euros, ou seja, 8.750 euros ao dia.

    Num dos programas, Reginaldo Rodrigues de Almeida fez mesmo um papel duplo: jornalista e produtor de conteúdos para uma universidade. No programa ‘Falar Global’ que dedicou sobretudo ao evento Ciência 2023 realizado na Universidade de Aveiro em finais de Julho, através da sua Kind of Magic, sacou ele mais 24 mil euros num contrato com a Universidade de Aveiro para a “aquisição de serviços de gestão, realização e produção de conteúdos relativos ao plano de comunicação do evento Ciência 2023, a decorrer nos dias 5, 6 e 7 de julho”.

    Ou seja, não tendo o dom da ubiquidade, Reginaldo Rodrigues de Almeida conseguiu estar no mesmo sítio – Universidade de Aveiro – a exercer duas funções, mas incompatíveis: jornalista, para o programa de informação ‘Falar Global’, e produtor de conteúdos para um plano de comunicação de um evento. Sem surpresa, o primeiro-ministro António Costa foi entrevistado, o mesmo sucedendo com Rosalia Vargas, presidente da Ciência Viva, e também Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, que também contratara a empresa Kind of Magic.

    Carlos Rodrigues, director do Correio da Manhã e da CMTV. Mesmo depois do início do procedimento da ERC, nada foi alterado. O programa Falar Global continua exactamente como antes.

    Na análise a apenas três programas de Reginaldo Rodrigues de Almeida na CMTV, a ERC começa por salientar que “a participação de jornalistas em conteúdos que resultam do pagamento de contrapartidas por entidades externas compromete não só o seu direito à autonomia e independência, como também o seu dever correspondente”, acrescentando também que “a salvaguarda da independência editorial implica a definição de uma clara esfera de proteção face aos interesses promocionais de entidades externas à redação”.

    Salientando também que “daí decorre que a transparência e independência editorial não podem ser caucionadas de forma cabal em conteúdos pagos que são escritos por jornalistas”, o regulador destaca a singularidade de o jornalista, que é um dos autores do programa e que o apresenta [Reginaldo Rodrigues de Almeida] ser o proprietário da empresa (Kind of Magic) que celebrou os dois contratos com as entidades externas ao órgão de comunicação social, o Município de Oeiras e a Universidade de Aveiro, dos quais resultaram os conteúdos exibidos nas três edições do ‘Falar Global’ aqui em análise”.

    Além de dar um conjunto de ‘recados’ críticos à CMTV, a ERC decidiu ainda remeter a sua deliberação para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) para “averiguação de eventual incumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas”, incluindo-se aqui também a jornalista Suely Costa, que se destaca nas conversas ‘amigáveis’ com um responsável da iServices onde se promovem comercialmente gadgets. Nos mais recentes programas, pode-se assistir a Suely Costa, que tem a carteira profissional de jornalistas 3519, a auxiliar a promoção da venda de auriculares com purificação de ar, de caixotes de lixo que fecham os sacos e até cotonetes electrónicos.

    Saliente-se, contudo, que o envio do caso para a CCPJ tem uma elevada probabilidade de cair em saco roto. A ERC destaca que Reginaldo Rodrigues de Almeida e Suely Costa terão eventualmente incumprido dos deveres profissionais dos jornalistas, “previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, e na alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, do Estatuto do Jornalista”, onde se refere que “o exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias”, e que este tipo de profissionais deve “recusar funções ou tarefas susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade profissional”.

    Mas a CCPJ tem argumentado que legalmente apenas pode agir do ponto de vista disciplinar se forem incumpridos os deveres previstos no nº2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalistas, razão pela qual outros escândalos de jornalistas a executarem tarefas comerciais têm ficado, até agora, impunes. Além disso, um dos três membros da secção disciplinar da CCPJ, Miguel Alexandre Ganhão, é editor de Política e Economia da CMTV e do Correio da Manhã.


    N.D. No início do texto da deliberação da ERC refere-se, abusiva e lamentavelmente, que “deu entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (doravante, ERC), a 10 de julho de 2023, uma exposição de Pedro Almeida Vieira (Página Um), remetendo para a existência de dois contratos assinados pela empresa Kind of Magic, Unipessoal, Lda. (adiante, Kind of Magic), os quais anexa à sua comunicação“.

    Não é a primeira vez que a ERC não responde a questões do PÁGINA UM (como foi o caso da missiva enviada a 10 de Julho para uma notícia que seria publicada apenas a 3 de Agosto) e as transforma em denúncias com os dados que são remetidos para enquadramento do (esperado) comentário. Não sou ingénuo: a ERC quer agir mas com a desculpa de ter sido ‘obrigada’ por um denunciante, ou seja, há um claro fito de me colocar no papel odioso de bufo. Pensava que isso seria uma má prática do Conselho Regulador do senhor juiz conselheiro Sebastião Póvoas, mas parece que está no DNA do regulador, porque se evidencia também logo no início do mandado da professora Helena Sousa.

    Lamenta-se que o regulador dos media ignore, ou queira ignorar, no caso do PÁGINA UM, que o papel fundamental de um jornalista é descobrir situações irregulares, auscultar opiniões e revelar tudo como notícia. É isso que o PÁGINA UM fez, faz e fará, incluindo em matérias sensíveis para a imprensa e para o regulador como a promiscuidade de certos jornalistas que prestam serviços comerciais para entidades externas. Por isso, quando o PÁGINA UM se dirige à ERC a colocar questões, ainda mais dizendo para o que é, a ERC deve interpretar as questões como questões de jornalistas.

    O director do PÁGINA UM quando quiser fazer uma exposição à ERC, identifica a exposição como sendo uma exposição. Ou seja, justifica ao que vai, como se sabe. Julgar-se-ia ser isto claro para o Conselho Regulador da ERC, mas parece não ser.

    De resto, pessoalmente, considero que a ERC tem um papel fundamental na moralização do sector dos media, porque é evidente que a auto-regulação permitiu a ‘selva’ actual. Programas como o ‘Falar Global’, nos moldes apresentados, e a existência de pessoas como Reginaldo Rodrigues de Almeida a vestirem um fato (o de jornalista) que eticamente não se lhe encaixa, apenas contribuem para a degradação do jornalismo. Se o PÁGINA UM é odiado nos meios da imprensa por denunciar esses casos, não é por estar errado – é por estar certo.

  • ERC mostra “cartão amarelo” ao Porto Canal e até identifica “jornalista comercial”

    ERC mostra “cartão amarelo” ao Porto Canal e até identifica “jornalista comercial”

    Menos de um ano após um polémico arquivamento, por caducidade, de um procedimento contra o Porto Canal, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) quis corrigir a mão, e passou a “pente fino” uma dezena de contratos entre o canal televisivo do Futebol Clube do Porto e entidades públicas. Saiu um rol de irregularidades e ilegalidades. E foi identificado, pela primeira vez, um jornalista, Pedro Carvalho da Silva, por participar em conteúdos que consubstanciam a execução de contratos comerciais. Este poderá ser o primeiro caso de muitas dezenas espalhados pelos principais órgãos de comunicação social portugueses. Além disso, a Porto Canal vai ter de exibir e ler um longo texto no seu noticiário para assumir as falhas.


    Ausência de identificação de patrocínios em programas, jornalistas a executarem programas comerciais, publicidade ilegal a bebidas alcoólicas e violação das normas do Código dos Contratos Públicos – este é o rol de irregularidades e ilegalidades detectadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) numa averiguação a “pente fino” de contratos entre o Porto Canal – detida pela empresa Avenida dos Aliados, maioritariamente detida por uma sociedade ligada ao Futebol Clube do Porto e presidida por Jorge Nuno Pinto da Costa.

    A deliberação do regulador, assumida em 22 de Março passado – e à qual o PÁGINA UM teve acesso em primeira-mão, e que ainda não constava hoje no site da ERC –, além de originar três procedimentos autónomos com vista a processos de contra-ordenação, obriga desde já o Porto Canal à leitura e exibição de um longo texto no seu serviço noticioso de maior audiência, “atendendo à colisão com a obrigação e garantir uma programação independente face ao poder económico”.

    Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto SAD e da Avenida dos Aliados S.A., detentora do Porto Canal.

    Nesse texto, o Porto Canal vai ter de assumir que em dois dos seus programas (Imperdíveis, patrocinado pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e Viver Aqui, patrocinado pelo município de Vila Nova de Gaia, em Novembro e Junho de 2021, respectivamente), “ambos sob alçada da Direcção de Informação”, houve publicitação de bens, marcas e serviços de entidades públicas “sem que tal tivesse sido devidamente identificado perante os telespectadores”.

    A ERC obriga também o Porto Canal a assumir que esta sua opção “revestiu-se de opacidade, não cuidando de informar os telespectadores de que tais conteúdos resultaram de contrapartidas monetárias”, e que tal, quando não devidamente identificada, ameaça seriamente a independência do órgão de comunicação social e o livre exercício do direito à informação”.

    O regulador – no âmbito de uma análise detalhada, mas que incidiu somente no período de um ano (1 de Julho de 2021 a 30 de Junho de 2022, e em contratos exclusivamente com entidades públicas – identificou também, pela primeira vez, jornalistas habilitados com carteira profissional a executarem tarefas incompatíveis, ou seja, no cumprimento de tarefas impostas em contratos comerciais.

    Depois de ter deixado caducar um procedimento aberto em 2018, ERC voltou a passar os contratos do Porto Canal a “pente fino”. Irregularidades e ilegalidades são mais que muitas.

    Esta tem sido uma das matérias mais polémicas dentro da classe jornalística, denunciado várias vezes pelo PÁGINA UM, e sobre as quais a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, presidida pela jurista Licínia Girão, nada tem feito em concreto para atalhar.

    Desta vez – e é mesmo uma situação inédita –, a ERC nomeia explicitamente o jornalista Pedro Carvalho da Silva (CP 4108), pivot do Porto Canal e apresentador do programa de “infoentretenimento” Viver Aqui, por participar na produção de conteúdos onde “compromete não só o seu direito à autonomia e independência, como também o seu dever correspondente, tal como determinado no Estatuto do Jornalista”.

    Por outro lado, o Porto Canal comprometeu-se, neste contrato de 15 mil euros, a realizar cinco reportagens de 10 minutos em cinco meses, com conteúdos articulados entre as duas entidades, e ainda uma reportagem alargada de uma hora, ficando a hipótese de “dar ênfase ao Património Histórico ou até mesmo fazer várias reportagens em simultâneo em várias Caves de Vinho do Porto.” Ou seja, ingerências escandalosas na definição editorial de um órgão de comunicação social sob a forma de contrato público.

    Pedro Carvalho da Silva (“mascarado”), jornalista do Porto Canal, que será (em princípio) alvo de um processo disciplinar pela CCPJ, durante o primeiro aniversário do programa Viver Aqui (15 de Março de 2022), patrocinado pela autarquia de Vila Nova de Gaia. Ao seu lado esquerdo, o antigo director do Porto Canal, Tiago Girão, que cessou funções no mês de Março, mas que não foi abrangido pela deliberação da ERC.

    Na sua deliberação, os membros do Conselho Regulador dizem mesmo – e querem agora que o Porto Canal o exponha aos seus telespectadores – que “ao não acautelar as previsões legais e deontológicas exigidas, a televisão do Futebol Clube do Porto SAD “poderá ter comprometido a veracidade , rigor e objectividade dos conteúdos, em prejuízo do interesse público e da livre formação da opinião”.

    Nessa medida, a ERC enviou o processo do jornalista Pedro Carvalho da Silva para instauração de um processo disciplinar pela CCPJ. Ao contrário do que é habitual, desta vez a ERC invoca expressamente o artigo 14º do Estatuto do Jornalista, o que impedirá, em princípio, a CCPJ de não abrir, como é habitual, a abertura deste tipo de procedimentos disciplinares.

    Além de outras situações aparentemente legais mas que revelam grande promiscuidade – como autarcas que patrocinam programas a serem entrevistados nesses mesmos programas, como sucedeu com políticos de Valongo (duas vezes), Vizela e Póvoa de Varzim –, a ERC detectou ainda três casos de contratos públicos celebrados em data posterior à emissão das “peças jornalísticas”, designadamente aqueles assinados entre o Porto Canal e a UTAD e os municípios de Valongo e Póvoa de Varzim. Para estes casos, a ERC remeteu o caso para o Tribunal de Contas que poderá vir a determinar a nulidade destes três contratos e a correspondente devolução das verbas, além da eventual aplicação de multas.

    Excerto do caderno de encargos entre o Porto Canal e o município de Vila Nova de Gaia que estipula a obrigatoriedade da realização de reportagens jornalísticas sobre o município e uma entrevista ao edil.

    No caso do contrato com a UTAD, que envolveu a divulgação e cobertura do evento Vinhos Alumni, a ERC considerou que, pelas declarações dos enólogos, se estava perante publicidade a bebidas alcoólicas, pelo que será levantado um processo de contra-ordenação por violação da Lei da Publicidade.

    Na mesma linha, o patrocínio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte para o programa Norte num Minuto mereceu críticas do regulador que, apesar das justificações do Porto Canal, decidiu abrir um “processo administrativo com vista ao apuramento sistemático e em profundidade das questões legais”.

    Em suma, o regulador pretende analisar com maior detalhe uma prática cada vez mais sistemática dos media mainstream: a encomenda de conteúdos específicos por parte de um patrocinador para serem explicitamente transmitidos por um órgão de comunicação social sem que seja claro para o público que se está perante um condicionamento (pelo menos indirecto) à liberdade editorial.

    Além de tudo isto, a ERC ainda detectou que a empresa Avenida dos Aliados – a detentora do Porto Canal – não tinha colocado no ano passado a informação sobre os fluxos financeiros na Plataforma da Transparência dos Media e se existiam clientes relevantes.

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    Jornalistas a cumprirem contratos comerciais abundam nas redacções, mas até agora a ERC não os identificava nem remetia os processos para a CCPJ invocando o artigo correcto do Estatuto do Jornalista.

    A situação foi entretanto corrigida, ficando-se agora a saber que a empresa do Porto Canal teve um prejuízo em 2021 da ordem dos 233 mil euros e que depende quase exclusivamente da FCP Media (do universo da Futebol Clube do Porto SAD) para sobreviver. Com efeito, dos cerca de 3,7 milhões de euros de rendimentos naquele ano, quase 3,5 milhões (93,94%) foram “injectados” pela FCP Media.

    Saliente-se que esta fiscalização especial ao Porto Canal sucede depois de um polémico arquivamento no ano passado de um procedimento, que deveria ter culminado num processo de contra-ordenação. O arquivamento foi justificado por “caducidade”, através de uma deliberação do Conselho Regulador da ERC, e a celeuma provocou mesmo uma reestruturação interna.

    A ERC, sabe o PÁGINA UM, está também a analisar um vasto conjunto de contratos similares aos do Porto Canal que envolvem a maioria dos principais órgãos de comunicação social, tendo jornalistas habilitados com carteira profissional a executá-los como se fossem “jornalistas comerciais”.

  • Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público

    Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público

    Em casa de ferreiro, espeto de pau. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) recusa ceder documentos administrativos aos próprios jornalistas sobre o seu funcionamento, mesmo se esta entidade é pública. Em causa estão as decisões tomadas desde 2020 pelo órgão regulador e de acreditação de uma profissão que está em polvorosa, com um abaixo-assinado de 1.400 jornalistas, por causa da subida da taxa obrigatória para o exercício da profissão. Num pedido do PÁGINA UM, pretende-se saber a remuneração da presidente da CCPJ, Licínia Girão, que assumiu o cargo em Maio do ano passado. como “jurista de mérito”, mesmo se foi incapaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020.


    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) recusa o acesso às actas do plenário daquele órgão regulador, bem como aos documentos que comprovem as remunerações dos seus membros, numa altura em que se avolumam as críticas contra a entidade reguladora da classe. Este mês, a CCPJ aumentou os emolumentos para o exercício da actividade jornalística, levando à criação de um abaixo-assinado de cerca de 1.400 jornalistas.

    A entidade presidida por Licínia Girão – uma jornalista freelancer cooptada por oito jornalistas que integram o Plenário da CCPJ por ser considerada uma “jurista de mérito”, apesar de nem sequer ter conseguido concluir o estágio de advocacia – decidiu subir os encargos pela aquisição e renovação bianual da carteira profissional, subindo os emolumentos de 66,5 euros para os 76 euros.

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista tem sede no Palácio Foz, na Praça dos Restauradores, em Lisboa.

    A CCPJ – um organismo independente de direito público para a acreditação e disciplina dos jornalistas, embora sem qualquer semelhança com uma Ordem – alegou que os emolumentos são “a única base fundamental do [seu] orçamento (…) para efetuar a sua missão legal, nomeadamente o processamento e a emissão física dos próprios títulos, pagar os salários aos cinco colaboradores que asseguram o serviço diário da Comissão e as despesas inerentes à manutenção deste organismo”.

    Nesse comunicado, o Secretariado da CCPJ – composto por Licínia Girão e Jacinto Godinho, que é jornalista da RTP e professor na Universidade Nova de Lisboa – acrescentou ainda que “a receita anual proveniente dos valores pagos a título de emolumentos pelos jornalistas e equiparados, não são suficientes para a total autonomia financeira da Comissão”.

    Contudo, nem o Orçamento nem o plano de actividades nem tão-pouco os encargos dos funcionários e também dos diversos membros da CCPJ são divulgados no site da entidade nem são revelados, quando pedidos pelos próprios jornalistas.

    Licínia Girão é, desde Maio do ano passado, presidente da CCPJ por ser considerada “jurista de mérito”, mas quando assumiu cargo estava a desenvolver estágio de advocacia, que foi incapaz de concluir, e “chumbou” ainda no acesso ao curso de magistrados do Centro de Estudos Judiciários. Da sua actividade jornalística actual sabe-se pouco: consta apenas na “Ficha Técnica” do jornal Sinal Aberto, surgindo identificada na “Redação” ao lado de pessoas que não possuem carteira profissional, o que não é permitido por lei.

    Em 6 de Fevereiro passado, o PÁGINA UM, no âmbito de outros pedidos, requereu a Licínia Girão “o acesso a presencial de todas as actas do Plenário da CCPJ desde 2020” e ainda “o acesso presencial ao documento administrativo original onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data”.

    Desde Maio do ano passado, a CCPJ é presidida por Licínia Girão, uma jornalista freelancer que vive em Coimbra, não lhe sendo conhecida qualquer ocupação além do cargo no órgão regulador. No seu perfil do LinkedIn, a sua experiência como “Jurista” e “Jornalista Jurista” estão dadas como encerradas em Junho de 2022, sendo assim sensato pensar que estará a ser remunerada como funcionária da CCPJ, o que seria aceitável mas inédito nesta entidade.

    Em resposta ao legítimo requerimento do PÁGINA UM – formalmente apresentado ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos por assim obrigar a uma resposta no prazo máximo de 10 dias –, o Secretariado da CCPJ invocou uma norma da LADA para prorrogar uma resposta por dois meses, mas ainda avisando que desse adiamento “não resulta qualquer assunção expressa ou tácita de que é devido o acesso requerido”. Ou seja, daqui a dois meses, a resposta pode ser não.

    person using magnifying glass enlarging the appearance of his nose and sunglasses

    Além de ser uma justificação bizarra – e ainda mais sendo feita por jornalistas que ocupam cargos públicos perante um pedido de acesso a informação por um colega de profissão –, o Secretariado da CCPJ nem sequer fundamenta, como exige a legislação, a necessidade de um prazo tão alargado para disponibilizar actas e documentos tão simples.

    De facto, a norma alegada pela CCPJ somente é usada, por uma questão lógica de espírito da lei, depois de assumido o direito de acesso, quando é necessário despender muito tempo para agregar os documentos requeridos.

    Ora, a disponibilização de actas e de um documento sobre remunerações dos membros da CCPJ – que devem estar devidamente arquivadas – não aparenta ser tarefa hercúlea que necessite de 60 dias, até porque Licínia Girão foi considerada, pelo seus pares, que a cooptaram, uma “jurista de mérito”.

    Além de Licínia Girão, compõem o Plenário da CCPJ os jornalistas Jacinto Godinho (CP 772), Anabela Natário (CP 326), Miguel Alexandre Ganhão (CP 1552), Isabel Magalhães (CP 1024), Cláudia Maia (CP 2578), Paulo Ribeiro (CP 1027), Luís Mendonça (CP 1407) e Pedro Pinheiro (CP1440).

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    Anteontem, três dos membros da CCPJ foram ouvidos na comissão parlamentar de Cultura sobre o modelo de financiamento e os indispensáveis ajustes dos diplomas que regulam a atividade jornalística. Nessa audição, citado pelo ECO, Jacinto Godinho terá dito que “o trabalho jornalístico mexe directamente com liberdades, direitos e garantias de todos”.

    E, de facto, a recusa da CCPJ em disponibilizar ao PÁGINA UM o acesso à informação (e a documentos) é, efectivamente, algo que mexe indubitável e directamente com liberdades, direitos e garantias.


    N.D. Além dos dois pedidos destacados nesta notícia, o PÁGINA UM solicitou outros dois pedidos de acesso a documentação já solicitados à CCPJ, e recusados. Essa recusa fez com que o PÁGINA UM apresentasse uma intimação no Tribunal Administrativo, mas teve de se voltar à estaca zero (novo pedido formal) por um lapso nos prazos. Com esta postura da CCPJ, o PÁGINA UM não vê outra alternativa que não seja a intimação judicial, o que se lamenta, porque não é aceitável esta postura obscurantista numa “casa de jornalistas”. O ponto 3 do Código Deontológico dos Jornalistas diz o seguinte: “O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos” – e por isso mesmo aqui o fazemos. Saliente-se, por fim, que não assinei, nem como jornalista nem como director do PÁGINA UM, o abaixo-assinado referido na notícia.

  • Instituto Superior Técnico admite que podem ser “fantasmas” os seus relatórios rápidos números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51

    Instituto Superior Técnico admite que podem ser “fantasmas” os seus relatórios rápidos números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51

    O Tribunal Administrativo de Lisboa, depois de uma longa “novela”, obrigou em finais de Janeiro o Instituto Superior Técnico a mostrar ao PÁGINA UM o relatório que quantificava as mortes supostamente causadas pelas festividades de Junho de 2022 e pelo levantamento das restrições. Mas a sentença em primeira instância esqueceu-se de responder ao pedido do PÁGINA UM para aceder aos anteriores relatórios, bem como aos ficheiros numéricos. O Instituto Superior Técnico vem agora alegar que não foi provado que existem mais relatórios para além do Relatório Rápido nº 52, apesar de o PÁGINA UM até ter tido acesso ao Relatório Rápido nº 51, e aí constarem várias referências a “relatórios anteriores”. Que ares pairam pela zona da Alameda, em Lisboa? E é isto a Ciência em Portugal?


    Foi uma parceria apresentada em 14 de Julho de 2021, com toda a pompa e circunstância, em conferência de imprensa pelo presidente do Instituto Superior Técnico (IST), Rogério Colaço, e pelo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães. Em causa estava um indicador de avaliação do risco de pandemia, elaborado por matemáticos do IST e com a participação do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos – então liderado pelo pneumologista Filipe Froes –, prometendo-se uma avaliação semanal.

    No site da Ordem dos Médicos garantia-se que “a ferramenta agora apresentada potencia a transparência e a flexibilidade pois democratiza o conhecimento e, com isso, ajuda não só na coerência das medidas de contenção aplicadas mas também na adesão a essas mesmas medidas.”

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em 14 de Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria, e que não está provada a existência de 52 relatórios, apesar de serem conhecidos dois relatórios: o Relatório Rápido nº 51 e o Relatório Rápido nº 52.

    E também no site no IST se seguia o mesmo diapasão, citando mesmo Miguel Guimarães que “explicou que este novo indicador é ‘democrático’ e poderá ser feito ‘em casa’ por qualquer cidadão”, acrescentando que seria necessário “só colocar os dados que a Direção-Geral de Saúde publica – o Rt, a incidência, os internamentos em enfermaria, os internamentos em cuidados intensivos e também os óbitos”.

    Mas, cerca de um ano depois, estalou a polémica. Em 28 de Julho do ano passado, a Agência Lusa divulgou um relatório do IST – “viralizado” pela imprensa mainstream – que responsabilizava directamente o levantamento das restrições e as festas populares e festivais musicais de Junho por mortes, quantificando-as até.

    De acordo com as notícias, que citaram um relatório então não tornado público, “houve cerca de 242 mil casos de covid-19 registados oficialmente devido às festividades dos santos populares e festivais como o Rock in Rio”. A notícia da Lusa salientava ainda, citando o relatório do IST, que “se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil”. E apontava ainda, expressamente, para as consequências: 790 óbitos devido ao levantamento das restrições e 330 óbitos associados apenas às festas populares de Junho.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, tem procurado afincadamente não disponibilizar relatórios científicos sobre a pandemia realizados em coordenação com a Ordem dos Médicos. Agora, quer fazer crer ao Tribunal Central Administrativo Sul, que, apesar de ter sido obrigado a mostrar o Relatório Rápido nº 52, que não existem provas da existência de mais nenhum.

    Perante a recusa do IST em disponibilizar os dados e o relatório em causa, o PÁGINA UM decidiu requerer a totalidade dos relatórios elaborados desde Julho de 2021, ao abrigo do acordo com a Ordem dos Médicos, bem como os ficheiros numéricos e a metodologia.

    No processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa que se seguiu – onde se revelou que o IST assumia que o polémico relatório que quantificava as mortes causadas pelas festas populares e festivais musicais era afinal “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório” –, a juíza do processo acabou apenas por determinar, por sentença no final de Janeiro deste ano, a obrigatoriedade da entrega desse relatório – denominado Relatório Rápido nº 52 –, não fazendo qualquer referência aos outros 51 relatórios anteriores nem aos ficheiros numéricos. Isto apesar de serem expressamente pedidos e a obrigatoriedade da sentença de justificar uma eventual recusa no acesso.

    Como o requerimento formal do PÁGINA UM, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativo, era muito explícito sobre a totalidade dos relatórios do IST sobre esta matéria – e assumindo que o último tinha o número 52 –, foi apresentado já este mês um recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul. Esse expediente legal visava também evitar que o IST conseguisse “destruir” o original do Relatório Rápido nº 52 que enviara ao Tribunal Administrativo de Lisboa, o que, a concretizar-se, impediria qualquer confronto com a cópia que entretanto esta instituição enviara ao PÁGINA UM logo no dia seguinte à sentença, no passado dia 1 de Fevereiro.

    Investigadores do Instituto Superior Técnico responsabilizaram festividades de Junho pela morte de 330 pessoas e culparam o levantamento das restrições por 790 óbitos. Números constam do Relatório Rápido nº 52, feito no âmbito de uma parceria com a Ordem dos Médicos, dinamizada por Miguel Guimarães e Filipe Froes.

    Mas agora, em sede de contra-alegação, o IST defende que não deve existir qualquer alteração da sentença, porque terá ficado “apenas provada a existência do relatório intitulado Relatório Rápido n.º 52, não se provando a existência de outros elementos”, requerendo assim, em sede de recurso, que não haja lugar a entrega de quaisquer outros relatórios ou ficheiros. O IST também pretende, subsidiariamente, a alteração da sentença que faz equivaler relatórios científicos a documentos administrativos.

    A jurista do IST que assina a contra-alegação, Cláudia Figueira, numa tentativa clara de convencer os juízes desembargadores que irão decidir o recurso de que não existe mais qualquer documento, argumenta que “cabia ao recorrido [PÁGINA UM] fazer prova da existência dos restantes relatórios, assim como, dos alegados ficheiros informáticos com dados numéricos, usados para a elaboração dos supostos relatórios.” E que não terá provado.

    Deste modo, aquilo que o IST dá explicitamente a entender, em suma, é que não existe qualquer relatório elaborado pelos seus investigadores desde Julho de 2021 até ser criado o polémico Relatório Rápido nº 52, em 27 de Julho de 2022, intitulado “Resumo da sexta vaga de COVID-19 em Portugal”, e que o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigou a mostrar.

    Trecho das contra-alegações do Instituto Superior Técnico.

    Ou seja, o IST quer fazer crer agora ao Tribunal Central Administrativo Sul que em cerca de um ano, afinal não houve relatórios periódicos; que não houve o Relatório Rápido nº 1, nº 2, nº 3, nº 4, nº 5, nº 6, nº7, nº 8, nº 9, nº 10, nº 11, nº 12, nº 13, nº 14, nº 15, nº 16, nº 17, nº 18, nº 19, nº 20, nº 21, nº 22, nº 23, nº 24, nº 25, nº 26, nº 27, nº 28, nº 29, nº 30, nº 31, nº 32, nº 33, nº 34, nº 35, nº 36, nº 37, nº 38, nº 39, nº 40, nº 41, nº 42, nº 43, nº 44, nº 45, nº 46, nº 47, nº 48, nº 49, nº 50 e nº 51.

    E ainda que, portanto, segundo esta alegação do IST, quando os seus investigadores decidiram fazer o primeiro relatório sobre esta matéria não viram qualquer falta de lógica em baptizarem-no de Relatório Rápido nº 52, e não de Relatório Rápido nº 1, mesmo se o Ministério da Educação anda há décadas a ensinar as crianças do primeiro ciclo que o número 1 é um número que antecede os números 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12,13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33,34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51 e 52 (e os seguintes, acrescente-se, até ao infinito).

    Mas o argumento do IST aparenta cair por terra quando se analisam os factos conhecidos e evidentes. Por um lado, é público também a existência de um outro relatório – o Relatório Rápido nº 51, que previa um aumento significativo de casos positivos decorrentes das festas populares e festivais de Junho de 2022, e que os próprios investigadores do IST disponibilizaram ao Blind Spot em meados de Julho do ano passado. A previsão do IST, constante no Relatório Rápido nº 51, de que seria previsível um aumento de 350 mil casos positivos de covid-19 foi também divulgado pela Lusa, em 8 de Junho de 2021.

    Capas do Relatório Rápido nº 51 e do Relatório Rápido nº 52, este apenas obtido após sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa. Nas contra-alegações do recurso apresentado pelo PÁGINA UM, o Instituto Superior Técnico alega que só se provou a existência do Relatórios Rápido nº 52, falando nos outros 51 como “supostos relatórios”.

    Na notícia do Blind Spot acrescenta-se também que, apesar das notícias da imprensa não colocarem o relatório em linha, “entrámos em contacto com o IST que nos disponibilizou o relatório”. O Blind Spot colocou o referido Relatório Rápido nº 51 – portanto, anterior ao Relatório Rápido nº 52 – em anexo descarregável.

    Aliás, o PÁGINA UM, quando em 17 de Fevereiro passado esmiuçou o Relatório Rápido nº 52, também analisou, e colocou no seu servidor, o Relatório Rápido nº 51.

    Mas, assumindo ser uma evidência que o Relatório Rápido nº 52 não é “filho único” – porque há o Relatório Rápido nº 51 enviado em Julho do ano passado pelo IST ao Blind Spot –, existem então provas cabais da existência do Relatório Rápido nº 1, nº 2, nº 3, nº 4, nº 5, nº 6, nº7, nº 8, nº 9, nº 10, nº 11, nº 12, nº 13, nº 14, nº 15, nº 16, nº 17, nº 18, nº 19, nº 20, nº 21, nº 22, nº 23, nº 24, nº 25, nº 26, nº 27, nº 28, nº 29, nº 30, nº 31, nº 32, nº 33, nº 34, nº 35, nº 36, nº 37, nº 38, nº 39, nº 40, nº 41, nº 42, nº 43, nº 44, nº 45, nº 46, nº 47, nº 48, nº 49 e nº 50?

    Então, e o PÁGINA UM tem provas cabais da existência da existência de 50 relatórios antes do Relatório Rápido nº 51 e do Relatório Rápido nº52?

    Cientificamente, com um grau de certeza de 100%, não. Não tem, efectivamente, não – não tem essas provas a 100%. Apenas pode apelar ao mais elementares níveis de leitura e entendimento como prova, propondo uma leitura, por exemplo, da primeira frase do Relatório Rápido nº 51, que tem o seguinte conteúdo: “O facto mais marcante a realçar neste relatório é que a mortalidade diária em média a sete dias subiu para 41.4, tal como previsto por nós em anteriores relatórios.”

    Trecho inicial do Relatório Rápido nº 51 da autoria dos investigadores do Instituto Superior Técnico.

    E, já agora, também para a leitura do Relatório Rápido nº 52 – aquele que o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigou o IST a disponibilizar ao PÁGINA UM –, onde são feitas referências a relatórios anteriores. Como, por exemplo, a seguir ao gráfico da da página 6: “A incidência acumulada a 14 dias por 100.000 habitantes desceu entre relatórios de 3.352 para 636. Este é um mau indicador, como já referido nos relatórios anteriores.”

    Mas isto, visto está, agora, com os investigadores do IST – com estes investigadores do IST, que tiveram sempre a supervisão do seu presidente, Rogério Colaço, que sempre mostrou uma atitude obscurantista – pode afinal ser uma ilusão de óptica ou de memória, um lapso, uma banal gralha, até por supostamente estarmos perante “esboços embrionários, que consubstanciam meros ensaios para uns eventuais relatórios”.

    Portanto, colocam-se academicamente duas hipóteses: os investigadores do IST estavam convencidos que, quando escreveram aquela frase, tinham mesmo feito relatórios anteriores aos Relatórios Rápidos nº 51 e nº 52, mas estes afinal eram “fantasmas”.

    Trecho da página 6 do Relatório Rápido nº 52. O IST alega que não se provou a existência de mais relatórios para além do Relatório Rápido nº 52.

    Ou então estão a mentir ao tribunal.  

    Qualquer que seja a verdadeira hipótese, estes investigadores do IST estão a dar uma imagem pouco condizente com a de uma tão prestigiada instituição universitária pública de Portugal. E legitimamente deve levar à questão: é assim que se faz Ciência em Portugal? É esta a qualidade dos nossos cientistas que dão cartas além-fronteiras?  


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Aqui há gato: Instituto Superior Técnico com pressa em “destruir” original do “esboço embrionário” para impedir confronto de documentos

    Aqui há gato: Instituto Superior Técnico com pressa em “destruir” original do “esboço embrionário” para impedir confronto de documentos

    A Ciência costumava ser aberta e transparente, mas o Instituto Superior Técnico tem estado a escrever vergonhosas linhas sombrias. Um simples pedido de envio de um relatório em Julho feito por um jornal, transformou-se numa “recusa infantil” enviada pelo smartphone do presidente da instituição universitária. O caso acabou no Tribunal Administrativo de Lisboa, onde a defesa do catedrático Rogério Colaço garantiu estar-se perante não um relatório, mas sim um “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”. Agora, feita a sentença, que o PÁGINA UM ainda aguarda esclarecimentos, o Instituto Superior Técnico enviou apressadamente o suposto relatório (que recusara em Julho) e não perdeu tempo a requerer a retirada do processo do suposto original que fora obrigado pela juíza a enviar em envelope lacrado. Se a juíza concordar com este expediente, apaga-se a prova de um eventual crime de fraude científica.


    Tem 11 páginas, um sumário, 12 gráficos, uma breve conclusão. O PÁGINA UM recebeu ontem pela manhã, por correio electrónico, o famigerado Relatório Rápido nº 52 do Instituto Superior Técnico, que em Julho do ano passado “responsabilizou” as festividades de Junho (festas populares e festivais de música) da responsabilidade por 330 mortes. Mas esta autêntica “novela científica” está ainda longe do seu epílogo.

    A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, assinada pela juíza Telma Nogueira na sexta-feira passada, concedeu razão ao PÁGINA UM quanto ao considerar a existência do direito de acesso aos relatórios elaborados pelo Instituto Superior Técnico numa parceria – que até teve apresentação pública – com a Ordem dos Médicos. No total, terão sido realizados 52 relatórios.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, quer ver destruído documento enviado ao Tribunal Administrativo de Lisboa para evitar confronto com a cópia que foi remetida ontem. Não deu sequer tempo para o trânsito em julgado. Tanta pressa e falta de transparência alimenta legítimas suspeitas de se estar perante uma fraude.

    Porém, a juíza ter-se-á esquecido de decretar explicitamente que o Instituto Superior Técnico teria também de enviar os outros relatórios, bem como os ficheiros com os dados que permitiram a elaboração das previsões e dos gráficos para se garantir não se estar perante uma fraude científica com objectivos de alarme social ou outros fins menos nobres. No requerimento do PÁGINA UM constava explicitamente esses pedidos, que permitiriam uma avaliação independente do rigor científico, uma tarefa considerada normal e até banal em debates científicos.  

    No entanto, sem sequer aguardar o trânsito em julgado – e, portanto, o direito de o PÁGINA UM requerer a consulta do processo e tomar outras diligências, incluindo recurso ao Tribunal Central Administrativo Sul para satisfação integral dos direitos de acesso aos outros relatórios e aos ficheiros informáticos –, ontem mesmo os serviços jurídicos do Instituto Superior Técnico requereram à juíza Telma Nogueira o “desentranhamento” (retirada e devolução) do original do documento que fora obrigado a enviar em envelope lacrado.

    Última página do relatório nº 52 enviado ontem pelo Instituto Superior Técnico. O conteúdo será similar ao documento enviado à juíza? Existiria em Julho de 2022?

    O envio desse original ao Tribunal teve como objectivo saber se o polémico relatório rápido número 52 era ou não um “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”. Se fosse assim considerado pela juíza, então não seria um documento administrativo e o Instituto Superior Técnico estaria livre de continuar a esconder esse documento ao PÁGINA UM e ao público.

    A solicitação, feita de forma inaudita e tão lesta, para a retirada do suposto relatório original – a única pessoa fora da instituição universitária que, até agora, o viu e analisou foi a juíza Telma Nogueira –, alimenta e sustenta fortes e legítimas suspeitas de o dito original não ser semelhante ao relatório ontem enviado ao PÁGINA UM.

    Se houver deferimento da juíza, algo ao qual o PÁGINA UM já se opôs por requerimento, o Instituto Superior Técnico conseguiria, para todo o sempre, apagar a “prova do crime”.

    Este caso absurdo, aliás, mostra-se ainda mais suspeito, porquanto, apesar do relatório enviado ser de qualidade paupérrima – por não justificar cientificamente qualquer número e conter afirmações pueris do género “Neste momento ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre (…)” –, pela sua estrutura nunca poderia ser considerado um “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”. Quando muito apenas um mau relatório.

    Aliás, durante o processo de intimação, a defesa do Instituto Superior Técnico acabou até por defender que as suas conclusões, que permitiu serem divulgadas com grande destaque pela imprensa em finais de Julho passado, ” “não se vislumbra[va] também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, ” pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Ao longo dos últimos seis meses, a instituição universitária tudo fez para não ser obrigada a divulgar o documento ao PÁGINA UM, o que incluiu até a sugestão de ser ouvida uma testemunha, algo que a juíza considerou não ser necessário.

    A instituição liderada actualmente por Rogério Colaço, integrada na Universidade (pública) de Lisboa esteve intensamente envolvida em actividades de investigação e de parcerias empresariais durante a pandemia, contando com pelo menos 14 projectos em áreas tão distintas como a produção de viseiras, desinfectantes e zaragatoas até um jogo de computador para boas práticas sociais relacionado com a covid-19, passando por modelos de simulação e previsão e até por sistemas de detecção do SARS-CoV-2 através da fala.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria, mas foram elaborados 52 relatórios, sem que nunca se tenha visto ainda os ficheiros de dados

    Além destes projectos, não se conhecem ligações directas dos investigadores do Instituto Superior Técnico a farmacêuticas, mas no famigerado relatório número 52 tecem-se considerações muito elogiosas às “vacinas de nova geração”, mesmo se o foco do estudo não mede indicadores de eficiência das antigas e novas versões. Por exemplo, na página 11 do relatório 52 diz-se, sem se vislumbrar qualquer base científica que “se a hipótese da perda de imunidade se verifica, estas vagas [de infecções] vão-se suceder de forma periódica ao longo dos anos”, concluindo que “a única forma de quebrar estes ciclos será com vacinas de nova geração”.

    Recorde-se que o processo de intimação do PÁGINA UM veio no decurso de uma tentativa informal, em finais de Julho, para que a equipa do Instituto Superior Técnico, supervisionada pelo próprio presidente Rogério Colaço, disponibilizasse o relatório, os dados e a metodologia de um relatório divulgado em exclusivo pela Lusa – e que “viralizaria” pela imprensa mainstream, que nunca o viu. O suposto relatório responsabilizava o levantamento das restrições por 790 mortes atribuídas à covid-19, das quais 330 devidas às festividades de Junho.

    Essa conclusão (supostamente científica de uma prestigiada instituição universitária pública) contrastava, porém, com a realidade: ao longo daquele mês até se observara uma redução dos casos positivos e da mortalidade por essa doença, mesmo a despeito dos grandes ajuntamentos de eventos como as festas de Santo António de Lisboa e do São João do Porto e também de alguns festivais de música.

    Investigadores do Instituto Superior Técnico responsabilizaram festividades de Junho pela morte de 330 pessoas e culparam o levantamento das restrições por 790 óbitos. Números constam do relatório ontem enviado ao PÁGINA UM, mas surgem “caídos do céu”.

    Na verdade, tendo havido uma descida de casos – ao contrário de uma previsão anterior dos investigadores do Instituto Superior Técnico, que apontavam para valores mais elevados –, mostrava-se impossível individualizar um efeito negativo das festividades. E muito menos apontar a responsabilidades directas por mortes, quantificando-as mesmo.

    Apesar de o PÁGINA UM ter como prática a máxima transparência dos documentos recebidos, no caso do relatório enviado ontem pelo Instituto Superior Técnico aguardaremos esclarecimentos do Tribunal Administrativo de Lisboa, estando ainda em análise outro tipo de medidas.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Licínia Girão: a “jurista de reconhecido mérito” sem mérito para concluir estágio

    Licínia Girão: a “jurista de reconhecido mérito” sem mérito para concluir estágio

    A presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Licínia Girão, cancelou a sua inscrição como estagiária na Ordem dos Advogados depois de se mostrar incapaz de concluir o estágio de advocacia iniciado em finais de 2020, e que duraria 18 meses. A este soma-se um “chumbo” nas provas de admissão para o curso de magistrados. Nada de anormal adviria daqui, se não fosse o caso de Licínia Girão, que como jornalista trabalhou sobretudo na imprensa regional, não tivesse sido cooptada para a liderança da CCPJ por, supostamente, ser uma “jurista de reconhecido mérito”.


    A presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, continua a coleccionar “feitos” que contradizem esse estatuto de “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”, condições legais que terão merecido a sua indigitação em Maio passado para liderar este órgão regulador e disciplinador.

    Licenciada em Direito, a jurista de 57 anos – que completou os estudos numa fase já adiantada da sua vida profissional, tendo trabalhado sobretudo na imprensa regional – já tinha fracassado no Verão passado, logo na fase inicial de provas, o acesso ao curso para magistrados do Centro de Estudos Judiciários. Licínia Girão “chumbou” em dois dos três exames, todos de carácter exclusivo, com um total de 24,30 valores (em 60 possíveis), colocando-a no lugar 230 em 269 candidatos.

    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista funciona no Palácio Foz, em Lisboa.

    Agora, apurou o PÁGINA UM, a presidente da CCPJ nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para conclusão do estágio da Ordem dos Advogados, que começara em finais de 2020. A sua inscrição como advogada-estagiária foi mesmo “cancelada” desde 10 de Outubro do ano passado, conforme confirmou ao PÁGINA UM o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, que não adiantou qual a causa.

    De acordo com os regulamentos, o cancelamento – que é diferente da suspensão (temporária) – pode advir de um pedido do próprio candidato, “que pretenda abandonar definitivamente o exercício da advocacia”, ou por falta de idoneidade determinada pela própria Ordem ou após pena disciplinar de expulsão.

    Apesar de Licínia Girão ter estado a realizar parte do estágio-fantasma num escritório de Santo Tirso, a razão para o abandono do estágio não terá sido, em princípio, esta irregularidade com contornos também éticos. De acordo com a mensagem transmitida pelos serviços administrativos da CCPJ – em reacção a perguntas colocadas pelo PÁGINA UM directamente a Licínia Girão –, “o cancelamento da inscrição na Ordem dos Advogados foi solicitado pela então advogada estagiária Licínia Girão, por motivos profissionais”, adiantando ainda que “o Conselho Regional do Porto se limitou a deferir o pedido”.

    O registo de Licínia Girão na Ordem dos Advogados como estagiária, foi feito em 22 de Fevereiro de 2021, mas foi iniciado em 10 de Dezembro de 2020. Indicava um endereço que corresponde ao da sociedade Rodrigues Braga & Associados, onde fez um estágio-fantasma. A sua inscrição como como estagiária foi cancelada em 10 de Outubro do ano passado. Nunca chegou a exercer como advogada.

    Independentemente da veracidade desta declaração, não comprovada por qualquer documento, certo é que a opção pelo cancelamento – em vez de uma suspensão (que implicaria que, a qualquer momento, pudesse reatar a inscrição –, não esconde mais um insucesso de Licínia Girão no “mundo das leis”, sobretudo para quem chegou à liderança da CCPJ rotulada de “jurista de reconhecido mérito”.

    Com efeito, o cancelamento da sua inscrição como advogada-estagiária ocorreu já depois do prazo normal necessário para os candidatos da sua turma concluírem o processo, incluindo exames e prova de agregação. Licínia Girão começara o estágio em 10 de Dezembro de 2020, numa turma integrando 52 candidatos a advogado, e deveria ter concluído esse estágio em 18 meses, ou seja, em Junho do ano passado, se tivesse sido posteriormente aprovada num exigente exame da Ordem seguido de provas escritas e orais de agregação. Mas tal não sucedeu.

    Na verdade, consultando a lista dos 52 advogados-estagiários, onde estava integrada Licínia Girão, apenas 20 surgem já inscritos como advogados, de acordo com uma consulta minuciosa do PÁGINA UM. Na generalidade, estes antigos colegas de turma de Licínia Girão estão inscritos como advogados desde Setembro do ano passado. Além destas duas dezenas de novos advogados, encontram-se 14 outros que ainda têm o estágio em curso – ou seja, não terão conseguido, após o estágio num escritório, aprovação no exame ou nas provas de agregação. E, por fim, além de Licínia Girão, outros 13 não constam agora em qualquer uma das duas bases de dados da Ordem dos Advogados. Ou seja, terão suspendido ou cancelado a inscrição.

    Ao invés do mundo da magistratura e advocacia, Licínia Girão, a actual presidente da CCPJ, tem tido mais “sucesso” nas artes. Por exemplo, em Junho de 2021, obteve a Menção Honrosa na categoria Ensaio/ Prosa no âmbito dos 13º Jogos Florais da Junta de Freguesia de São Domingos de Rana.

    Os dois revezes de Licínia Girão – nos mundos da Magistratura e na Advocacia em apenas um ano – não a impedem de continuar a sua profissão de jurista (embora limitada em termos de actividade profissional), nem de ser considerada pelos seus pares (oito jornalistas) que a cooptaram para a CCPJ, como alguém de “mérito reconhecido”.

    Em todo o caso, saliente-se que Licínia Girão continua afincadamente a tentar enriquecer o seu currículo de jurista: o PÁGINA UM confirma que é um dos 18 candidatos admitidos, em 16 de Dezembro do ano passado, para mediadores de conflitos no Julgado de Paz no concelho de Santo Tirso.

  • Relatório Rápido 52: Original do “esboço embrionário” do Instituto Superior Técnico só há em versão digital

    Relatório Rápido 52: Original do “esboço embrionário” do Instituto Superior Técnico só há em versão digital

    Mais um episódio no processo de intimação do Instituto Superior Técnico (IST) que luta para não ceder o relatório supostamente científico que causou alarme no Verão passado: afinal, não há uma versão em papel do Relatório Rápido 52, mas apenas uma versão “digital”. Fica-se na dúvida se a ausência de versão original em papel se deve à falta de recursos (papel, impressora e/ou toner) no IST ou à falta de conhecimentos técnicos dos investigadores do IST para ordenar a impressão em papel timbrado de um ficheiro informático.


    Novos desenvolvimentos sobre o último relatório do Instituto Superior Técnico (IST), o número 52, considerado por esta instituição universitária como “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, uma denominação esdrúxula para evitar que o Tribunal Administrativo de Lisboa autorize, por sentença, o seu acesso pelo PÁGINA UM.

    De acordo com os autos do processo de intimação, o IST já terá entregado anteontem, em mão, a versão digital daquele que será o “original” exigido pela juíza Telma Nogueira. Recorde-se que a magistrada responsável pelo processo exigiu ter acesso ao documento original sem quaisquer “anotações manuscritas a lápis” em que o IST estimou, de forma surpreendentemente alarmista, o impacte das festividades populares de Junho passado na incidência e mortalidade da covid-19.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, enviou cópia manipulada ao Tribunal Administrativo. Foi agora obrigado a enviar original sem qualquer anotação, mas resolveu dizer que só há original em versão digital..

    Tendo em consideração as dúvidas científicas que se colocam em função da evolução epidemiológica naquele mês, o PÁGINA UM pretende conhecer em detalhe se houve rigor ou uma fraude científica por parte dos investigadores, coordenados pelo próprio presidente do IST, o catedrático Rogério Colaço. Como o PÁGINA UM já destacou, naquele período observou uma tendência de redução significativa de casos positivos, pelo que surgiam assim dúvidas sobre o rigor científico daquele relatório feito por uma das mais prestigiadas faculdades públicas portuguesas em articulação com a Ordem dos Médicos.

    Em finais de Julho, a Lusa divulgou as conclusões daquilo que disse ser um “estudo” do IST, ao qual garantiu ao PÁGINA UM existir mermo, tanto mais que coloca sete citações, e que viria a “viralizar” na imprensa mainstream.

    A entrega desta versão digital do original – que, na verdade, se transformará numa versão original em papel se houver uma ordem de computador ligado a uma impressora com toner para imprimir – será, em princípio, o último passo para a decisão de um inaudito processo de intimação que decorre naquele tribunal, por iniciativa do PÁGINA UM.

    Ofício do IST que acompanhou a versão original do “esboço do documento”.

    A decisão de levar este casos para tribunal surgiu após a recusa do presidente do IST, Rogério Colaço, em disponibilizar os dados estatísticos e o relatório escrito que serviram para a Lusa divulgar, em 28 de Julho passado, a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Em todo o caso, existindo agora, e de forma assumida pelo IST, uma versão original, a juíza sempre poderá tomar diligências suplementares, do ponto de vista informático, para apurar se houve, e quando houve, alterações no ficheiro informático, e se estas foram posteriores à data da divulgação da notícia da Lusa.

    Saliente-se também que ao longo dos últimos quatro meses o IST tem mantido uma inquietante postura obscurantista, nada habitual em instituições universitárias públicas, recusando divulgar os dados em bruto e um relatório com impacte relevante. Além disso, mesmo se se estivesse em finais de Julho em face de um alegado “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, quatro meses já deveria ter sido tempo suficiente para o transformar um “relatório”, ou então assumir o erro, algo que é aceitável (e recomendável) em Ciência.

    Independentemente da análise do Tribunal Administrativo de Lisboa sobre o enquadramento semântico do Relatório Rápido nº 52 (se é um relatório ou um esboço), saliente-se que o PÁGINA UM requereu ao IST, estando também para decisão do Tribunal Administrativo, os relatórios anteriores, elaborados em colaboração com a Ordem dos Médicos desde Junho de 2021.

    Como o IST não alegou, para nenhum dos outros 51, que se estava perante situações de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, tudo indica que pelo menos 51 relatórios serão disponibilizados, através de sentença, para uma avaliação independente da qualidade e rigor científico do IST durante a pandemia.   


    Citações (entre aspas) do Relatório Rápido nº 52 do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Os protestos na China são contra uma estratégia de saúde pública ou contra a pura opressão autoritária?

    Os protestos na China são contra uma estratégia de saúde pública ou contra a pura opressão autoritária?

    O PÁGINA UM analisa uma recente notícia da Associated Press sobre as manifestações em Xangai e outras cidades chinesas. E aponta as falhas, agora recorrentes, da imprensa mainstream, desde a falta de contextualização política até à ausência completa e absurda de um enquadramento que tenha em consideração os mais actuais avaliações sobre a pandemia .


    A pergunta é legítima: por que motivo a imprensa mainstream e mesmo as grandes agências noticiosas, mesmo internacionais, publicam agora notícias importantes que apresentam falhas graves de informação e carecem de contexto?

    É por os jornalistas que as escrevem não deterem conhecimentos e ignorarem o contexto? É por negligência ou mesmo incompetência de editores? É propositado por indicação da política editorial ou comercial das empresas de media?

    red and black heart illustration

    Esta semana, de novo, volta a repetir-se um cenário que tem sido comum desde o início da pandemia: notícias de agências noticiosas internacionais, divulgadas em massa pelos restantes meios de comunicação social, apresentam graves falhas de informação e de contexto.

    O caso de divulgação de notícias com falta de contexto, e até tendenciosas, por parte de agências noticiosas, é mais grave devido ao fenómeno das notícias recicladas – denominado como churnalism. Notícias são replicadas até à exaustão sem a devida verificação de factos e sem que os meios de comunicação social que as replicam assumam qualquer responsabilidade pela sua veracidade e qualidade.

    Saliente-se, desde já, que as agências noticiosas são cruciais e o seu trabalho é de fundamental importância. Habitualmente, é através das agências que os restantes meios de comunicação social conseguem rapidamente obter informação de todo o Mundo sobre conflitos ou catástrofes repentinas, mas também sobre todo o tipo de temas da actualidade, por terem correspondentes sempre presentes. Mas as redacções destas agências têm vindo a ser emagrecidas. Jornalistas com mais experiência são demitidos e, quando substituídos, surgem outros com pouca experiência.

    O advento da Internet e das redes sociais teve um papel relevante, já que hoje muita informação surge diretamente de internautas. O Mundo está muito mais rápido. Mas nada disto serve como justificação para as falhas que noticias cruciais continuam a apresentar. E ainda mais nos últimos anos.

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    Paradigmática desta situação é, por exemplo, a tendência crescente para uma certa complacência e falta de contexto propositado na cobertura de notícias sobre a China e sobretudo da sua abordagem à gestão da pandemia da covid-19. Mas esta tendência para a chinezisação dos media ocidentais será tema a abordar em análise futura.

    Foquemo-nos num exemplo de uma recente notícia de uma conhecida agência internacional para demonstrar como se falha na independência e isenção jornalística. Trata-se de uma notícia de ontem da Associated Press (AP), intitulada “Protests over China’s COVID controls spread across country”. Em tradução livre: “Protestos sobre medidas covid-19 na China alastram no país”.

    Primeiro, vale a pena sublinhar que esta notícia só foi divulgada pela imprensa mainstream quando já circulavam em abundância na Internet relatos, fotos e vídeos sobre a existência daqueles protestos, como se pode confirmar no canal China Uncensored. Ou seja, as agências noticiosas só acordaram quando se mostrou visível que estavam estranhamente a “dormir” sobre o assunto. Mas avancemos.

    Em causa, segundo a AP, e segundo a sua notícia, estão “os protestos contra as medidas de controlo antivirais na China, que confinaram milhões de pessoas nas suas casas” e que “espalharam-se para Xangai e outras cidades” após denúncias de que um incêndio urbano em Urumqi teria causado um número superior de vítimas face à contabilidade oficial. Naquela região, a política de confinamentos impede a saída das pessoas em quaisquer circunstâncias.

    Notícia da Associated Press analisada pelo PÁGINA UM.

    Continuemos com a notícia da AP que nos revela que “a polícia de Xangai usou spray de gás-pimenta contra cerca de 300 manifestantes, segundo uma testemunha”. A notícia acrescenta ainda: “Vídeos publicados nas redes sociais que dizem ter sido filmados em Nanjing, no leste, e em Guangzhou, no sul, e pelo menos cinco outras cidades, mostraram manifestantes a lutar contra a polícia vestida com fatos de proteção brancos ou a desmantelar barricadas usadas para selar bairros”.

    Ao fim da leitura de um título e dos três primeiros parágrafos, a primeira grande falha mostra-se óbvia: nenhuma menção ao facto de a China ser uma ditadura, um regime totalitário, tradicionalmente repressor e autoritário.

    Num regime ditatorial – que persegue minorias e opositores políticos e onde não existe liberdade de expressão –, o facto de se estar a aprisionar em casa milhões de pessoas deveria merecer dúvidas sobre a real justificação para esse acto. Além disso, convém recordar que um regime totalitário tem como principais instrumentos o controlo de informação e a manipulação de dados. Aliás, a propaganda é crucial em qualquer regime totalitário, como é o caso da China. Assim, contextualizando a situação chinesa, o leitor ficaria logo prevenido quanto à fiabilidade dos dados vindos do Governo chinês. 

    Protestos repelidos pela polícia chinesa, vestida com fatos brancos.

    Mas a segunda falta de contexto na notícia da AP é ainda mais perniciosa, porque remete para mitos criados em todo o Mundo relativamente ao controlo da pandemia. No quarto parágrafo da notícia refere-se que “o Governo do Presidente Xi Jinping enfrenta uma raiva crescente com a sua política de “zero-covid”, que tem encerrado o acesso a áreas em toda a China, numa tentativa de isolar todos os casos numa altura em que outros Governos estão a aliviar os controlos e a tentar viver com o vírus”.

    Naquele parágrafo está um dos erros básicos cometidos por jornalistas na cobertura do combate à pandemia da covid-19: escrevem acriticamente, como se fossem relações-públicas de Governos e autoridades de saúde.

    Assim, quando a notícia refere “tentativa de isolar todos os casos”, não está a ser isenta. Deveria antes referir “alegadamente, numa tentativa de isolar todos os casos”. Porquê? Porque é o Governo chinês que diz que as medidas drásticas – que incluem barricar casas, prédios e bairros inteiros – tem o objetivo de “isolar todos os casos” de covid-19.

    Não é o jornalista, nem a AP, que o dizem. É o Governo. E ainda por cima o Governo chinês – que comanda uma ditadura – a dar aquela justificação. Ao escrever aquela frase na notícia, a impressão que passa para o leitor é que se justifica barricar bairros e aprisionar milhões de pessoas nas suas casas; que é uma justificação “verdadeira” e essencial, apesar de tudo. Na verdade, o que o jornalista sabe, é que aquela é uma justificação dada pelo Governo. Apenas isso. Não é a verdade. Não é um facto.

    Mas, no parágrafo seguinte da notícia da AP, surge a grande machadada no jornalismo: “Isso [os confinamentos] manteve a taxa de infecção da China mais baixa do que a dos Estados Unidos e a de outros países”. Ora, afirmar isto, assim, é extremamente grave.

    Primeiro, porque os dados divulgados na China estão sempre ensombrados pela dúvida, porque se trata de uma ditadura, que controla e manipula a informação de forma sistemática. Aliás, todos deveríamos questionar como um país de quase 1,5 mil milhões de pessoas, e que conta 1,45 milhões de casos positivos – ou seja, 0,1% da sua população – e contabiliza oficialmente 5.233 óbitos por covid-19 – que assim matou 0,00036% da sua população –, pode justificar, por razões de saúde pública, medidas tão draconianas. Ou mente nos números da incidência e letalidade; ou então mente na justificação para as medidas, que nada têm de protecção da saúde pública.

    Segundo, em outros países os confinamentos falharam no propósito de reduzir os casos de covid-19, como comprovam diversos estudos científicos. Para a imprensa mainstream custa cada vez mais assumir que o país com o maior sucesso na redução de casos e na gestão da pandemia a médio e longo prazo foi a Suécia, que recusou, em geral, os confinamentos, bem como o uso de máscaras faciais – e preferiu uma política sustentável de saúde pública enquadrando a covid-19 num contexto global do ponto de vista sanitário e socio-económico. Ao contrário do que a notícia da AP veicula para o público, os confinamentos não reduzem o número de casos nem são um instrumento sensato de se usar em sociedade.

    Assim, com este tipo de notícias, a AP assume, mesmo que inconscientemente, o papel de porta-voz do regime chinês, porque “a taxa de infecção da China” é aquela que o Governo chinês quiser, e quiser que se saiba. Deve sempre um jornalista, por isso, na cobertura de temas de regimes que controlam a informação, ter o cuidado de mencionar que os dados são os divulgados por autoridades sem crédito, uma vez que num regime como o chinês os dados de uma pandemia podem ser verdadeiros ou ser fabricados para impor uma qualquer política. Aliás, nem só em ditaduras, diga-se: veja-se as dificuldades do PÁGINA UM em aceder a bases de dados em Portugal, que o obriga mesmo ao recurso a tribunal.

    Mas continuemos na análise. A notícia da AP prossegue então com a seguinte frase: “Mas o Partido Comunista no poder enfrenta crescentes queixas sobre os custos económicos e humanos à medida que as empresas se fecham e as famílias ficam isoladas durante semanas com limitado acesso a alimentos e medicamentos”.

    Finalmente, aqui temos a primeira menção de que se trata de um regime “comunista”. No quinto parágrafo, contudo. E acrescenta ainda a AP que “alguns manifestantes surgiram em vídeos a gritar para Xi se demitir ou o partido no poder resignar”, sem sequer se preocupar em contextualizar a relevância destas manifestações num país onde a liberdade de expressão e de manifestação é zero. Ou seja, haver manifestações deste género em Xangai é de uma relevância política e social sem precedentes desde Tiananmen.

    Mais à frente, a notícia informa que “os líderes partidários [chineses] prometeram, no mês passado, tornar as restrições menos disruptivas, facilitando a quarentena e outras regras, mas disseram que mantinham a política de “covid zero”. Como têm alertado cientistas e médicos, é impossível atingir “zero covid”, e começam a surgir estudos científicos independentes que demonstram o seu fracasso do ponto de vista económico e social. Mas esta informação de contexto não surge em lado algum na notícia da AP.

    A notícia continua com erros de análise e falta de contexto. Escreve ainda o jornalista da AP: “Entretanto, um aumento das infecções, que empurrou os casos diários acima dos 30.000 pela primeira vez, levou as autoridades locais a impor restrições que os residentes reclamam exceder o que é permitido pelo Governo nacional”. Primeiro, há aqui mais uma (habitual) falta de rigor na contabilização e contextualização dos números da pandemia, que foi erro grave mas corriqueiro desde o início de 2020.

    Na China, as actuais contagens de casos positivos variam diariamente, havendo dias em que se ultrapassaram efectivamente os 30 mil casos, mas nos dias anteriores os números foram muito mais baixos, da ordem dos poucos milhares. Em rigor, a média dos últimos sete dias na China anda agora pelos 25 mil casos positivos por dia, estando ao nível do pico de Abril deste ano. Mas atenção, 25 mil casos num universo de quase 1,5 mil milhões de pessoas é quase nada.

    Em Portugal, em Janeiro destes ano, chegámos aos 58 mil casos positivos (média móvel de sete dias) numa população de 10 milhões – ou seja, de menos de 1% da população chinesa. Haver 25 mil casos na China é como haver cerca de 173 casos por dia em Portugal. Actualmente, temos em Portugal uma média diária de 573 casos, o valor mais baixo do último ano.

    Onde está este tipo de enquadramento na notícia da AP?

    E depois, não acham estranho que em sete parágrafos da notícia da AP não surja nenhuma referência ao nível de vacinação contra a covid-19 na China? Não era suposto ser com a vacina que iria terminar com a pandemia e regressarmos à normalidade? Já agora, convém acrescentar que a vacinação contra a covid-19 na China é de 90,1%, segundo os mais recentes dados do Our World in Data. E mesmo assim justificam-se estes confinamentos atrozes? É tudo ainda por causa da covid-19? A AP nada questiona. A imprensa mainstream nada pergunta.

    Outra informação crucial ausente em toda a notícia da AP: o nível de letalidade da covid-19, a nível mundial e na China, antes e depois do surgimento das vacinas, antes e depois da dominância da variante Ómicron, e até por faixa etária, sabendo-se hoje, com Ciência, que os efeitos da pandemia foram praticamente nulos nas faixas mais jovens da população.

    Por exemplo, um artigo científico divulgado no mês passado, onde se destaca como autor John Ioannidis, o epidemiologista mais citado do Mundo, estimou, a partir de 31 estudos nacionais de seroprevalência sistematicamente identificados na era da pré-vacinação, que a taxa de mortalidade por infecção de covid-19 foi de 0,095% para os menores de 70 anos, sendo irrelevante nos grupos etários mais jovens. E apontou também que a taxa de letalidade global se situava entre 0,03% e 0,07% mesmo antes dos programas de vacinação e antes do surgimento da variante Ómicron.  Nada disto importou na notícia da Associated Press, bem como na generalidade das notícias da imprensa mainstream sobre a pandemia.

    Em suma, e sem prejuízo de relatar correctamente uma parte dos acontecimentos na China, a AP – tal como a generalidade da imprensa mainstream – continua a ser a imagem de uma comunicação social auto-sequestrada pela sua conduta durante a pandemia. E que justificou, mesmo no mundo ocidental, uma política de lockdowns nunca vista em tempo de paz, conduzindo a derivas totalitárias que hoje, com apreensão, vemos chegar a extremos na China. E que, a manter-se a falta de rigor informativo, exigível à comunicação social em democracias, podemos ver chegar à Europa um destes dias.

    Aliás, a mudança constitucional prometida pelo PS e pelo PSD, no que diz respeito à retirada de direitos civis em caso de supostas pandemias, não serve para fazer igual ao que se fez desde 2020; é para fazer bem pior. A China está ali para o demonstrar. E com a falta de rigor informativo, patente na imprensa mainstream ocidental, como aqui se demonstra, esse desfecho é não só possível como até aplaudido e comungado por jornalistas do regime.

  • Relatório Rápido 52: Instituto Superior Técnico manipulou documentos enviados ao Tribunal Administrativo

    Relatório Rápido 52: Instituto Superior Técnico manipulou documentos enviados ao Tribunal Administrativo

    Mais um episódio caricato no processo de intimação do Instituto Superior Técnico que luta para não ceder relatório supostamente científico que causou alarme no Verão: a juíza fez hoje despacho para que seja enviado o original e não uma cópia com anotações a lápis. A manipulação do IST visaria convencer o tribunal de que se está perante um esboço, e não um relatório científico, mesmo se de duvidosa qualidade. Uma novidade deste despacho é que, finalmente, se sabe quantos relatórios o IST terá feito em articulação com a Ordem dos Médicos: 52. Se a sentença for inteiramente favorável ao PÁGINA UM, todos serão tornados públicos.


    A juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa, Telma Nogueira, ordenou hoje que o Instituto Superior Técnico lhe enviasse o relatório original sobre o impacte das festividades populares de Junho passado na incidência e mortalidade da covid-19 – cujas conclusões foram divulgadas pela Lusa e “viralizaram” na imprensa mainstream –, e não uma cópia manipulada com “anotações manuscritas a lápis”. 

    Este é o mais recente episódio de um inaudito processo de intimação que decorre naquele tribunal, por iniciativa do PÁGINA UM, após a recusa do presidente do IST, Rogério Colaço, em disponibilizar os dados estatísticos e o relatório escrito que serviram para a Lusa divulgar, em 28 de Julho passado, a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, enviou cópia manipulada ao Tribunal Administrativo. Foi hoje obrigado a enviar original sem qualquer anotação.

    Na verdade, como o PÁGINA UM destacou, naquele período observou uma tendência de redução significativa de casos positivos, pelo que surgiam assim dúvidas sobre o rigor científico daquele relatório feito por uma das mais prestigiadas faculdades públicas portuguesas em articulação com a Ordem dos Médicos.

    Em sede de processo em Tribunal Administrativo, o IST começou por afirmar que não divulgara qualquer relatório, e que apenas concebera um “esboço embrionário, consubstanciado num mero ensaio para um eventual relatório”. Com este expediente, Rogério Colaço e os outros investigadores daquela instituição universitária tentaram que juíza Telma Nogueira não concedesse direito de acesso ao PÁGINA UM, dado que a lei determina que um “esboço” não é considerado um documento administrativo.

    Além disso, o IST argumentava ainda que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Neste envelope, lacrado, o Instituto Superior Técnico enviou ao Tribunal Administrativo uma cópia do Relatório Rápido nº 52, mas com anotações a lápis, para dar a ideia que não estava concluído e que era um esboço. Juíza do processo exige agora envio do original.

    Porém, a juíza do processo de intimação decidiu analisar, pessoalmente, o conteúdo dos documentos em causa, o que foi feito esta semana pelo envelope lacrado com a classificação de confidencial.

    Através da leitura do despacho da juíza Telma Nogueira, denota-se que o IST tentou influenciar a decisão fazendo acrescentos à mão no documento enviado ao Tribunal Administrativo, para dar a ideia de que a versão impressa não era a final, e que se estaria perante um esboço.

    Com efeito, no seu despacho de hoje, a juíza ordena que se “notifique a Entidade demandada [IST] para, em cinco dias, juntar aos autos o original do Relatório Rápido nº 52 sem anotações manuscritas a lápis, em envelope lacrado, a entregar em mão no Tribunal dentro de outro envelope fechado ou a enviar via correio postal dentro de outro envelope fechado e a título confidencial”.

    Além dos sinais evidentes, independente do rigor científico, de se estar perante um verdadeiro relatório – daí a denominação Relatório Rápido n.º 52, pela primeira vez assumido pelo IST –, o despacho da juíza não deixa de ser revelador de uma certa incredulidade em redor deste processo, onde estão sobretudo em causa questões de semântica, nomeadamente sobre o que é um estudo, o que é um esboço e, agora, o que é o “Relatório Rápido nº 52”. Até porque a existência do relatório do IST foi confirmada pela direcção da agência noticiosa Lusa, e a notícia o cita, entre aspas, por sete vezes.

    Em todo o caso, mostra-se cada vez mais inquietante a postura do IST, como instituição universitária pública, por se manter firme numa postura obscurantista, recusando divulgar os dados em bruto e um relatório com impacte relevante – e que no Verão foi usado pela imprensa mainstream para criar alarme injustificado e eventualmente falso –, e tentando levar a crer que, em Julho passado, aquele não estava concluído, e que era apenas um esboço.

    Mas, mesmo que assim fosse, passaram entretanto quatro meses, entre Julho e Novembro. Quatro meses que seriam tempo mais do que suficiente para transformar esse alegado “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório” num verdadeiro e conclusivo relatório. Quatro meses que, contudo, aparentemente, foram insuficientes para a equipa de cinco investigadores do IST, supervisionado pelo seu presidente, o catedrático Rogério Colaço.

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como mais tarde esclareceu.

    Independentemente da análise do Tribunal Administrativo de Lisboa sobre o enquadramento semântico do Relatório Rápido nº 52 (se é um relatório ou um esboço), saliente-se que o PÁGINA UM requereu ao IST, estando também para decisão do Tribunal Administrativo, os relatórios anteriores, elaborados em colaboração com a Ordem dos Médicos desde Junho de 2021.

    Como o IST não alegou, para nenhum dos outros 51, que se estava perante situações de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, tudo indica que pelo menos 51 relatórios serão disponibilizados, através de sentença, para uma avaliação independente da qualidade e rigor científico do IST durante a pandemia.   


    Citações (entre aspas) do Relatório Rápido nº 52 do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Por 31 mil euros, Expresso e SIC usam jornalistas para divulgação de congresso luxuoso da Ordem dos Contabilistas

    Por 31 mil euros, Expresso e SIC usam jornalistas para divulgação de congresso luxuoso da Ordem dos Contabilistas

    É proibido, mas os reguladores dos media e dos jornalistas continuam a fechar os olhos aos lucrativos e enganadores contratos comerciais para a divulgação de “notícias”. Em mais um exemplo da mercantilização de notícias, o PÁGINA UM revela os detalhes da “parceria comercial” para a cobertura do luxuoso 7º Congresso da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) pelo Grupo Impresa, que teve a colaboração directa de jornalistas da SIC Notícias e do Expresso. Alguns detalhes deste acordo comercial de 31 mil euros são desconhecidos, porque no Portal Base a OCC “esqueceu-se” de incluir o caderno de encargos. Mas sabe-se que a Impresa garantiu contratualmente sigilo por tempo indeterminado. Nas notícias que foram apresentadas aos telespectadores e leitores nunca surge a referência a estar-se perante um contrato comercial; quando muito, o Expresso escreveu que “se associou” ao congresso da OCC. Na SIC Notícias, além de peças sobre o evento, a bastonária Paula Franco surgiu em antena, numa entrevista de mais de oito minutos, no próprio dia em que o contrato foi assinado.


    E se pudesse pagar a jornais e televisões, como o Expresso e a SIC, para fazerem notícias sobre temas específicos? É uma possibilidade – ilegal, é certo –, mas que, nos últimos tempos, se tornou normal, mesmo uma “norma”, nos diversos grupos de media mainstream. Para empresas, Governo, autarquias e organizações de índole pública tem-se mostrado uma excelente forma de fazer “sair” notícias, controladas e sem laivos de crítica, que, de outro modo, ou não chegariam ao público ou chegariam, mas, possivelmente, com contraditório ou pouco favoráveis.

    Com um congresso à porta, e muitos euros para abrilhantar o evento, contratar a imprensa foi uma solução de marketing ideal para a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC). A decisão de avançar com o contrato os órgãos de comunicação social do Grupo Imprensa, através de ajuste directo, foi aprovada pelo Conselho Directivo desta Ordem – que, por deter funções públicas é obrigada a cumprir as regras de contratação das entidades públicas – no passado 15 de Setembro, em vésperas do seu 7º Congresso Nacional.

    Congresso da Ordem dos Contabilistas Certificados contou com a presença do Presidente da República, três ministros e um secretário de Estado.

    No dia seguinte, a bastonária Paula Franco assinaria o contrato com o Grupo Impresa para a cobertura noticiosa do evento em troca da módica quantia de 31 mil euros, a que acresceu o IVA, sem espinhas. Da parte da Impresa Publishing e da SIC, assinaram o contrato, os administradores Nuno Conde e Paulo dos Reis. E uma grande coincidência: no mesmo dia, 16 de Setembro, a bastonária Paula Franco surge na SIC Notícias, durante mais de oito minutos, a ser entrevistada por uma jornalista sobre várias medidas de apoio às empresas.

    O contrato, que pode ser consultado no Portal Base, visava expressamente a “aquisição de serviços para a Divulgação do 7º Congresso da OCC, nos Media do Grupo Impresa”, que decorreu entre 21 e 23 de Setembro deste ano, no Altice Arena, na zona da Expo, em Lisboa. No programa constavam, como oradores, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, três ministros e um secretário de Estado, entre outras individualidades.

    Num evento de luxo, a fatia paga pela OCC ao Grupo Impresa acabou até por ser pequena, comparando com outros gastos sumptuosos.

    No mesmo dia em que a Ordem dos Contabilistas Certificados assinou contrato de 31.000 euros com a Impresa, a bastonária Paula Franco é entrevistada na SIC Notícias.

    Na verdade, a Ordem dos Contabilistas não foi nada “poupadinha” e “abriu os cordões à bolsa” sem andar de lápis atrás da orelha para saber onde poderia cortar custos: 281.405 euros foram gastos no aluguer do Altice Arena; 360.00 euros em serviços de catering; 470.000 euros em serviços audiovisuais; 62.200 euros na criação de um espetáculo; 6.100 euros em serviços de pirotecnia; 8.500 euros em serviços de apresentação e representação artística; 15.000 euros na aquisição de jogos à Science4you; e 55.200 euros na compra de caixas de acrílico para medalhas, entre outras despesas.

    Na “ementa”, os oradores podem ter contado muito, mas a parte social teve muito mais brilho. Por exemplo, os jantares à luz de velas foram abrilhantados com concertos exclusivos de Pedro Abrunhosa e Mariza. No total, o evento de três dias teve uma contabilidade fácil de fazer, sempre a somar: uma despesa total de cerca de 1,25 milhões de euros. Na parte da receita, cada contabilista pagou 50 euros de inscrição.

    O congresso propriamente dito contou com dois “mestres de cerimónia” especiais e inusitados: jornalistas. Marta Atalaya (CP 2502) e Rodrigo Pratas (CP 3979), ambos pivots da SIC Notícias, predispuseram-se a contribuir para a execução do contrato comercial entre a sua entidade patronal e a OCC, apresentando e moderando o evento. No programa impresso tiveram até direito exclusivo a fotografia. Não se sabe se a sua participação foi uma exigência do Caderno de Encargos, embora o PÁGINA UM saiba, por outros eventos, que a Impresa costuma indicar jornalistas disponíveis para essas tarefas.

    Programa do 7º Congresso da Ordem dos Contabilistas Certificados.

    Saliente-se já que o Estatuto do Jornalista considera incompatíveis as “funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias” e também as “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    Na parte do contrato disponível, sabe-se que à Impresa coube “fornecer os serviços à entidade adjudicante, OCC, conforme as características técnicas e requisitos constantes do presente Caderno de Encargos e da proposta adjudicada”, que não consta no Portal Base. O grupo liderado por Francisco Pedro Balsemão ficou também obrigado a “recorrer a todos os meios humanos e materiais” que fossem “necessários e adequados à execução do contrato”.

    Como geralmente sucede em contratos já revelados pelo PÁGINA UM relativos a “parcerias comerciais” entre grupos de media e entidades públicas e privadas, a Impresa ficou, neste caso, ainda obrigada a “manter sigilo e garantir a confidencialidade, durante a vigência do presente contrato e após a sua cessação, respeitantes à entidade adjudicante ou a quaisquer outras pessoas, singulares ou coletivas, que com estas se relacionem, nomeadamente, bastonária e demais membros dos órgãos sociais, trabalhadores, fornecedores, parceiros e contabilistas certificados inscritos na Ordem”.

    O jornalista Rodrigo Pratas foi um dos “mestres-de-cerimónia” para cumprimento do contrato comercial da Impresa. A sua colega Marta Atalaya é já uma habitué na função..

    Assim, segundo o contrato, os meios de comunicação social da Impresa ficaram obrigados a não “divulgar quaisquer informações que obtenham no âmbito da formação e da execução do contrato, nem utilizar as mesmas para fins alheios àquela execução, designadamente, extrair cópias, divulgá-las ou comunicá-las a terceiros, abrangendo esta obrigação todos os seus agentes, funcionários, colaboradores ou terceiros que nelas se encontrem envolvidos”.

    Mais: ainda de acordo com o contrato, “o dever de sigilo (…) mantém-se em vigor indefinidamente, até autorização expressa em contrário da Ordem”, acrescentando-se que, em “caso de violação de qualquer um dos deveres (…), obriga-se o adjudicatário [Impresa] a comunicar a situação à Comissão Nacional de Proteção de Dados no prazo máximo de 72 horas, assim como a informar a entidade adjudicante [OCC] dos factos, em igual período”.

    O PÁGINA UM detectou, no decurso da vigência deste contrato, pelo menos seis notícias no Expresso. A primeira surgiu no dia 20 de Setembro, onde se anunciava a realização do 7º Congresso da OCC, mas num estilo noticioso, focando sobretudo o impacto da sustentabilidade na contabilidade das empresas.

    Pormenor do Congresso dos Contabilistas na sua componente mais social

    Esta notícia, não assinada, tem no cabeçalho a indicação “Projetos Expresso”, que constitui uma ambígua secção do jornal Expresso usada em especial para parcerias comerciais de âmbito empresarial, embora escritas por jornalistas. Neste caso, a notícia serviu sobretudo para detalhar quem seriam os oradores e indicar que o congresso poderia ser acompanhado na página do Expresso no Facebook. Na notícia, destacava-se que o Expresso “se associou” ao evento, sem mencionar a verba de 31.000 euros paga pela OCC ao grupo Impresa para a “divulgação”.  

    A segunda notícia foi publicada pelo Expresso, no dia seguinte, abordando a necessidade de rejuvenescimento da profissão de contabilista certificado. Publicada também no site do semanário fundado por Francisco Pinto Balsemão, a notícia tem no cabeçalho a referência a Exclusivo da secção de Economia do jornal e está assinada pela jornalista Rita Robalo Rosa (CP 7992). A notícia está disponível apenas para os assinantes do jornal ou para os leitores que tenham comprado a edição impressa do jornal.

    Outra notícia foi publicada no site do jornal no dia 22 de setembro, assinada pela jornalista Ana Baptista (CP 4430), com o título a citar António Costa Silva, ministro da Economia, que foi orador no congresso: “Temos um modelo económico e social que é predador dos recursos do planeta”.

    Artigos noticiosos, escritos por jornalistas mas pagos pela entidade abordada na notícia, começa a ser uma norma no Expresso, que diz sempre que “se associou” a eventos.

    No dia seguinte, mais uma notícia no Expresso, assinada pela mesma jornalista e com fotos de João Girão (CP 3072), foi publicada na edição online e em papel, com o título: Empresas sob “pressão” para serem mais sustentáveis. A notícia apresenta no cabeçalho da página a indicação “Projectos Expresso” e ainda “Contabilidade”.

    Mas, apesar desta indicação, no final da notícia publicada na edição em papel, o endereço de e-mail indicado é o da secção de Economia do jornal, em vez de um e-mail da área comercial do grupo ou da área de “Projectos Expresso”.

    Com a mesma data, saiu uma notícia assinada pela mesma jornalista, no site do jornal, com a referência a “Projectos Expresso” e com o título: Se as empresas não forem verdes, o financiamento pode desaparecer ou diminuir.

    Depois, no dia 28 de setembro, o Expresso publicou no seu site uma nova notícia, sob o título: A sustentabilidade das empresas para garantir o futuro da economia e da sociedade. Esta notícia vem com a indicação no cabeçalho de ser da área de “Projectos Expresso”. Na entrada, pode ler-se: As declarações dos protagonistas do 7º Congresso da Ordem dos Contadores Certificados, uma iniciativa que o Expresso se associou.

    Ora, aqui a notícia contém uma informação que pode induzir o leitor em erro, visto que o Expresso recebeu dinheiro, através da Impresa, para fazer a divulgação do Congresso da OCC. Não “se associou”, já que o que fez foi sim uma prestação de serviços contratualizada com a OCC.

    Além da já referida entrevista à bastonária na SIC Notícias, o PÁGINA UM apurou que a SIC cobriu o encerramento do Congresso da OCC dando-lhe honras de destaque no Jornal da Noite, a pretexto da presença de Marcelo Rebelo de Sousa. O pivot Bento Rodrigues (CP 1270) apresentou a peça, da autoria dos jornalistas Débora Henriques (CP 5674) e Afonso Guedes (CP 7857), com a duração de três minutos, onde se mostrou a exuberância de um espectáculo cénico no decurso do evento..

    Entre notícias e entrevista, pelo menos oito trabalhos jornalísticos no Expresso e na SIC para cumprimento de um contrato comercial sem aviso aos leitores e telespectadores, e de legalidade mais do que duvidosa.

    Contudo, apesar de ser proibido aos jornalistas fazerem marketing ou publicarem conteúdos patrocinados, os reguladores do sector continuam a fechar os olhos às chamadas “parcerias comerciais”. Estas “parcerias” são, na realidade, contratos de prestação do serviço de publicação de “notícias” pagas e organização de eventos, com a participação de jornalistas, sem que os cadernos de encargos sejam públicos.

    A SIC deu destaque ao 7º Congresso da OCC no Jornal da Noite. A peça, com duração de três minutos, abordou o discurso de encerramento do Presidente da República, e mostrou partes do evento, incluindo o espectáculo de pirotecnia.

    Os meios de comunicação social que celebram estes contratos, envolvem, muitas vezes, alguns dos seus jornalistas sem sequer os informarem que estão a cumprir uma “parceria comercial”. Mas o PÁGINA UM sabe que alguns jornalistas se disponibilizam e beneficiam de um pagamento extra por parte da sua entidade patronal.

    Certo é que estes contratos contribuem para o aumento da promiscuidade não só porque podem obstruir investigações jornalísticas como afectam a independência e credibilidade dos órgãos de comunicação social envolvidos. E não apenas das empresas que aceitam as “parcerias comerciais”, porque se enraíza a percepção social de que o rigor e isenção do sector dos media e da classe jornalística podem ser sempre “contornadas” através de pagamento de notícias favoráveis ou por ausência de notícias desfavoráveis.

    Porém, nem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) nem a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista (CCPJ) demonstraram, até agora, grande preocupação com estes contratos envolvendo notícias pagas e ligações promíscuas entre órgãos de comunicação social e entidades públicas e privadas. Ainda anteontem, o PÁGINA UM insistiu junto da ERC no sentido de saber se foi aberto algum processo aos grupos de media que assinaram mais de meia centena de contratos com entidades públicas, no decurso de uma investigação revelada em Maio passado.

    A bastonária Paula Franco e a ministra Ana Mendes Godinho durante o jantar de gala no Meo Arena. Pelo serviço de catering durante o congresso, a Ordem dos Contabilistas Certificados pagou 350 mil euros. Ignora-se quanto custaram as velas…

    A apatia e permissividade dos reguladores torna-se ainda mais preocupante no caso de contratos durante a pandemia que envolveram farmacêuticas, Governo, autoridades de saúde e organizações “amigas” da indústria do medicamento.

    Foi, aliás, a partir de 2020, que a generalidade dos principais grupos de media em Portugal promoveu opiniões próximas às da indústria farmacêutica e do Governo, evitando divulgar opiniões diferentes. Os media mainstream, em geral, apoiaram e promoveram o clima de censura e até de perseguição que se instalou contra cientistas, médicos, académicos e todos os que apresentavam outras visões e soluções sobre a gestão da pandemia, com muitas a comprovarem ser acertadas.

    Por outro lado, os media, em geral, promoveram estudos e opiniões em linha com a chamada “narrativa oficial”, incluindo relatórios alegadamente científicos, mas de qualidade muito duvidosa, e opiniões de personalidades que são pagas por farmacêuticas ou que têm esse ou outro tipo de incompatibilidades, as quais têm sido expostas pelo PÁGINA UM.

    ERC não revela se já concluiu qualquer análise sobre a legalidade de contratos de prestação de serviços travestidos de notícias em parcerias de duvidosa legalidade. A CCPJ não intervém sobre a promiscuidade que afecta a credibilidade e idoneidade de toda a classe.

    Em contrapartida, por estes serviços, os media mainstream somaram contratos comerciais para a divulgação de eventos do sector farmacêutico, executados por jornalistas na maioria dos casos. Ainda na edição em papel da passada sexta-feira, o Expresso apresentou duas “notícias pagas”, e assinadas por jornalistas, pelas farmacêuticas Pfizer e Sanofi.