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  • Instituto Superior Técnico com processo no Tribunal Administrativo por recusar mostrar relatório alarmista sobre covid-19

    Instituto Superior Técnico com processo no Tribunal Administrativo por recusar mostrar relatório alarmista sobre covid-19

    É a 12ª recusa que o PÁGINA UM recebe de entidades públicas ou equiparadas quando solicita documentos administrativos sensíveis; e é o 12º processo de intimação que o PÁGINA UM faz entrar no Tribunal Administrativo de Lisboa. Desta vez, uma entidade universitária e científica decidiu que um (suposto) relatório alarmista fosse divulgado pela Lusa sem que ninguém mais o pudesse ver nem analisar. Além do processo por falta de transparência, este caso revela sobretudo o estado da Ciência nos tempos modernos.


    O PÁGINA UM avançou esta quinta-feira com um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o presidente do Instituto Superior Técnico (IST), Rogério Colaço, a dar acesso ao relatório revelado pela Lusa em 28 de Julho passado sobre o alegado forte impacte negativo dos Santos Populares na transmissão da covid-19, bem como a todos os dados numéricos e informação metodológica que levaram à sua elaboração.

    Mas não só. O PÁGINA UM também pede o acesso a documentos e informação para escalpelizar a relação existente entre o IST e a Ordem dos Médicos, por via de um protocolo anunciado em Julho de 2021.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusa divulgar os estudos e os dados.

    Em causa está um suposto relatório – a que apenas a Lusa teve acesso, apesar do seu take ter sido difundido pela generalidade da comunicação social – com estimativas da transmissão causada pelo aglomerado de pessoas durante o mês de Junho nos Santos Populares (sobretudo Lisboa e Porto) e em festivais como o Rock in Rio.

    Recorde-se que as conclusões do alegado relatório do IST apontaram, segundo a Lusa – que nunca quis apresentar provas ao PÁGINA UM da existência do documento científico – que “houve cerca de 242 mil casos de covid-19 registados oficialmente devido às festividades dos santos populares e festivais como o Rock in Rio”. A notícia da Lusa salientava ainda, citando o alegado relatório, que “se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil”. E apontava ainda, expressamente, para as consequências: 790 óbitos devido ao levantamento das restrições e 330 óbitos associados apenas às festas populares de Junho.

    Mas, apesar da gravidade das conclusões do alegado relatório, o documento nunca foi tornado público e não foram divulgadas as bases em que os investigadores se fundamentaram para elaborar as estimativas noticiadas.

    Resposta de recusa do presidente do Instituto Superior Técnico ao PÁGINA UM, via e-mail, no passado dia 30 de Julho.

    As conclusões alarmistas do alegado estudo do IST não encontram respaldo nas evidências observadas durante o mês de Junho. Com efeito, enquanto decorreram as festas de Santo António, São João, Rock in Rio e outros festivais ao de Junho, os casos positivos de covid-19 foram sempre descendo.

    Por exemplo, para todo o país, no dia 1 de Junho a média móvel de sete dias estava nos 24.602 casos positivos para todo o país, no dia 8 tinha descido para 20.575 casos, no dia 15 já estava nos 15.368 casos positivos, no dia 22 baixou para os 12.939 casos positivos e no final do mês estava mesmo abaixo dos 10 mil casos.

    Durante o mês de Junho, os casos positivos de covid-19 aceleraram sempre mas na direcção da redução. Em Julho sucedeu o mesmo. De acordo com os dados do Worldometer para Portugal, no final de Julho contabilizavam-se 3.258 casos positivos (média móvel de sete dias). Em Agosto, os casos mantiveram-se sempre estáveis em redor dos 2.500 casos positivos.

    Esta acção em Tribunal surge depois de o PÁGINA UM ter solicitado o acesso ao relatório, tanto junto do IST, através do seu presidente e da assessoria de imprensa, como a um dos autores do dito relatório. O acesso ao documento e aos dados que supostamente serviram de base ao suposto relatório, foi sempre recusado. No dia 30 de Julho, um sábado, o próprio presidente do IST, Rogério Colaço,enviou mesmo, através do seu Galaxy, um e-mail reforçando a recusa: “O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa.”

    Festas populares em Lisboa este ano tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos regrediram face a Maio.

    Saliente-se que em outros relatórios, as análises do IST são sempre assumidas pelos investigadores Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro, mas sempre sob supervisão do presidente daquela instituição, Rogério Colaço, engenheiro de materiais e professor catedrático na área da nanotecnologia.

    Na sua ação junto do Tribunal Administrativo – o 12º processo desde Abril, sempre por recusa de acesso a documentos administrativos – solicita-se que o IST seja mesmo obrigado a disponibilizar “o acesso, para eventual obtenção de cópia, de todo e qualquer documento considerado como administrativo na posse do Instituto Superior Técnico – por publicamente ter sido elaborado e/ou utilizado por investigadores desta instituição universitária – relacionados com a avaliação epidemiológica da covid-19 (ou do seu agente infeccioso, o SARS-CoV-2)”.

    Nesse lote, pede ao Tribunal o PÁGINA UM, deve constar, obrigatoriamente, os dois relatórios sobre estimativas de transmissão da covid-19 durante as festas populares e festivais de música, cujas conclusões foram divulgadas por órgãos de comunicação social em 8 de Junho e em 28 de Julho, bem como os ficheiros informáticos contendo os dados usados para a sua elaboração”, bem como documentos científicos sobre a metodologia usada.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, vai ter de justificar ao Tribunal Administrativo as razões para esconder relatórios e dados científicos, ou então terá de optar por os disponibilizar ao PÁGINA UM.

    Solicita-se ainda a “cópia do protocolo ou outro qualquer documento assinado entre o Instituto Superior Técnico e a Ordem dos Médicos para a realização das análises / estudos iniciados em 14 de Julho de 2021, bem como documentos que atestem a eventual (ou não) contratualização com efeitos patrimoniais dos envolvidos, quer seja pagamento ao Instituto Superior Técnico quer aos seus investigadores”.

    O processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões – já identificado com o número 2683/22.1BELSB – foi intentado pelo PÁGINA UM no último dia do prazo, porque se aguardou, até ao limite, uma resposta voluntária do IST, como instituição científica (ainda por cima pública) com especiais responsabilidade na transparência e debate científico.

    Como nunca houve manifestação de abertura, o Tribunal acabou por ser o derradeiro recurso. O IST terá agora 10 dias úteis para obrigatoriamente justificar ao Tribunal Administrativo a causa da recusa, havendo depois uma decisão teoricamente urgente.


    N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso. Até ao momento, estão em curso 12 processos administrativos, além de uma providência cautelar. Dois dos processos foram ganhos pelo PÁGINA UM em primeira instância, mas as duas entidades (Ordem dos Médicos e Conselho Superior da Magistratura) recorreram.

  • Infarmed e a “arte” dos três E: esconder, enviesar e enganar

    Infarmed e a “arte” dos três E: esconder, enviesar e enganar

    O PÁGINA UM apresenta hoje uma análise detalhada ao recente relatório do Infarmed da farmacovigilância das vacinas contra a covid-19. Além da fé em estudos com mais de um ano, o relatório com dados até final de Julho esconde muito, interpreta de forma enviesada e tenta fabricar uma narrativa. Com esta análise, o PÁGINA UM não pretende afirmar que as vacinas contra a covid-19 são inseguras; exige sim que a informação seja disponibilizada para análise independente e que o Infarmed mostre uma efectiva transparência, defendendo os interesses da Saúde Pública.


    Com dados referentes a 31 de Julho, o Infarmed acaba de publicar mais um relatório de farmacovigilância sobre a monitorização da segurança das vacinas contra a covid-19 em Portugal.

    Antes de debater o estilo deste relatório do Infarmed, diga-se que não disfarça ao que vem: logo na primeira página da Introdução, à terceira frase, dispara-se: “A vacinação contra a COVID-19 é a intervenção de saúde pública mais efetiva para reduzir o número de casos de doença grave e morte originados pela infeção pelo SARS-CoV-2. Diversos estudos comprovam que as vacinas contra a COVID-19 são seguras e efetivas.”

    Mostra-se muito curioso observar um “árbitro”, que ainda por cima tem como função a defesa da saúde pública, fazer essa declaração de princípios. Pode-se dizer que, na verdade, remete para a existência de “diversos estudos”, e até os cita.

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    Fomos ver.

    Descontando a referência ao INFOMED (Base de dados de medicamentos de uso humano) e a relatórios do Public Health England, o Infarmed remete os “comprovativos” de que as vacinas contra a covid-19 para cinco estudos em concreto, presumindo-se que fossem as últimas actualizações com dados científicos independentes e inquestionáveis.

    Desenganem-se já.

    O primeiro intitula-se “Effectiveness of Pfizer-BioNTech and Moderna Vaccines Against COVID-19 Among Hospitalized Adults Aged ≥65 Years” – e, portanto, abrange apenas população com mais de 65 anos – e foi publicado como relatório do United States Department of Health and Human Services em Maio de 2021. Portanto, há 15 meses.

    Refere-se este artigo a dados recolhidos, portanto, numa fase muito prévia da vacinação – ou seja, sem se poder aferir de efeitos a médio e longo prazo. Além disso, este relatório integra quatro investigadores com ligações à Pfizer. Daqui se compreende, desde já, a necessidade de uma regulação independente em termos de farmacovigilância, e que o Infarmed não pode nem deve assumir que este estudo (não inteiramente independente) constitui uma garantia da eficácia e da segurança das vacinas.

    O segundo estudo intitula-se “Effectiveness of BNT162b2 mRNA Vaccine Against Infection and COVID-19 Vaccine Coverage in Healthcare Workers in England, Multicentre Prospective Cohort Study (the SIREN Study)”, e ainda se mostra mais fraco como argumento científico para o Infarmed. Aconselho mesmo que seja retirado de um próximo relatório.

    Capa do último relatório do Infarmed. São 13 páginas com parca e enviesada informação.

    Integrando investigadores associados à vacina da AstraZeneca, este artigo está a “marinar” desde 22 de Fevereiro de 2021 num portal como Preprint. Passaram mais de 17 meses desde a pré-publicação e custa a ser validado pelos seus pares. Formalmente, ainda não é um artigo científico e os 17 meses de espera não são uma boa notícia.

    O terceiro estudo intitula-se “Vaccine side-effects and SARS-CoV-2 infection after vaccination in users of the COVID Symptom Study app in the UK: a prospective observational study”; e este sim está já publicado na revista científica The Lancet Infectious Diseases. Porém, foi publicado em Julho de 2021.

    Como facilmente se compreende aborda apenas os efeitos de curto prazo das vacinas, ainda mais numa fase em que ainda não se tinha decidido politicamente dar doses de reforço (terceira e quarta toma). Basta, aliás, citar a parte final das conclusões deste estudo para perceber que utilizá-lo, como faz o Infarmed, como garantia da eficácia e da segurança das vacinas é perfeitamente abusivo:

    In conclusion, short-term adverse effects of both vaccines are moderate in frequency, mild in severity, and short-lived. Adverse effects are more frequently reported in younger individuals, women, and among those who previously had COVID-19. The post-vaccine symptoms (both systemic and local) often last 1–2 days from the injection. Our data could be used to inform people on the likelihood of side-effects on the basis of their age and sex and the type of vaccine being administered. Furthermore, our data support results from randomised controlled trials in a large community-based scenario showing evidence of reduction in infection after 12 days and substantial protection after 3 weeks.”

    Na verdade, estudos desta natureza mostram, sim, a necessidade de uma farmacovigilância independente – e que analise a informação recolhida ao longo do tempo (e não apenas de curto prazo) sem estar com uma postura pré-concebida de que um medicamento é seguro porque… há estudos.

    Mas avancemos. O quarto estudo citado pelo Infarmed intitula-se “BNT162b2 mRNA Covid-19 Vaccine in a Nationwide Mass Vaccination Setting”. Digamos que “sofre” do mesmo problema do anterior.

    Publicado em 24 de Fevereiro de 2021 no New England Journal of Medicine, mostra bem os “estranhos tempos” da Ciência em tempos de pandemia: o artigo científico aborda a eficácia da vacinação com base na recolha de dados entre 20 de Dezembro de 2020 e 1 de Fevereiro de 2021, e foi logo aceite menos de um mês após ser encerrado. Turbo-ciência. Além disso, estamos perante um estudo da primeira fase da vacinação, e nem sequer se debruça sobre eventuais efeitos secundários. Também não abrangeu população com idade inferior a 16 anos nem população com infecção prévia do SARS-CoV-2.

    Não sei se vale a pena referir que os valores apontados de eficácia das vacinas neste estudo – numa altura em que a variante Ómicron ainda não surgira – são hoje pouco realistas.

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    Onde está a Ciência e o rigor nos tempos que correm?

    O quinto estudo intitula-se “FDA-authorized mRNA COVID-19 vaccines are effective per real-world evidence synthesized across a multi-state health system” e foi publicado na revista Med em Agosto de 2021. Consiste num estudo feito por uma empresa médica (Mayo Clinic), e considerando a data da sua publicação, fácil se mostra concluir que se aplica às primeiras fases da vacinação e quando se estava perante outras variantes dominantes. As anotações sobre as limitações deste estudo, expostas no próprio artigo, deveriam levar o “nosso” Infarmed a uma maior contenção.

    Dissecar estes estudos “lançados” pelo Infarmed para sustentar uma “tese” – que não lhe cabe fazer, porque a sua função é avaliar, de forma independente, eventuais efeitos adversos não detectados nas fases prévias dos ensaios clínicos – serve para demonstrar a falta de independência do regulador nacional nesta matéria.

    E constitui a antecâmara para mostrar a forma enviesada como o Infarmed apresenta números e os comenta no seu relatório.

    Aliás, como esconde dados e como interpreta de forma enviesada as reacções adversas (e a sua gravidade). E quando se esconde ou se interpreta abusivamente, legitimamente há motivos para desconfiar das motivações.

    Através da leitura deste relatório do Infarmed – e dos anteriores – não se sabe, por exemplo, o número de casos por grupo etário das hospitalizações, risco de vida (e quais as afecções e as eventuais sequelas) e morte decorrentes da vacinação.

    Essa informação é vital, porque não é indiferente o risco em função da idade, tendo em conta uma doença (que a vacina pretende evitar) que apresenta taxas de letalidade (também em função da variante e também da imunidade natural) absolutamente distintas.

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    Quem sai beneficiado por não se saber toda a informação? E quem sai prejudicado?

    Um efeito adverso grave num grupo etário em que a doença é bastante letal não pode ser visto da mesma forma que um efeito adverso grave num grupo etário em que a doença é praticamente benigna. Uma morte causada por uma vacina (medicamento), contra uma doença que tem uma taxa de letalidade de 15% num determinado grupo etário numa certa fase, não pode ser olhada nem analisada da mesma forma que uma morte causada num grupo etário em que a taxa de letalidade seja praticamente de 0,00% numa faixa etária de pessoas jovens e saudáveis. Para o primeiro caso, a decisão de manter o medicamento pode justificar-se; no segundo caso não.

    Aliás, veja-se como reagiram as autoridades de saúde da Dinamarca perante a vacinação de menores de idade por força do (re)conhecimento científico. Aliás, este país escandinavo já deixou de permitir a vacinação de menores de 18 anos.

    Ora, no seu relatório, o Infarmed esconde intencionalmente toda essa informação.

    Por outro lado, o relatório do Infarmed impossibilita também de se saber quais os efeitos adversos de médio e longo prazo sobre as pessoas vacinadas, até porque lança logo um aviso quando se refere às mortes causadas pelas vacinas:

    Estes acontecimentos não podem ser considerados relacionados com uma vacina contra a COVID-19 apenas porque foram notificados de forma espontânea ao Sistema Nacional de Farmacovigilância. Na grande maioria dos casos notificados em que há informação sobre história clínica e medicação concomitante, um resultado adverso fatal pode ser explicado pelos antecedentes clínicos do doente e/ou outros tratamentos, sendo as causas de morte diversas e sem apresentação de um padrão homogéneo. A vacinação contra a COVID-19 não reduzirá as mortes provocadas por outras causas, por exemplo, problemas de saúde não relacionados com a administração de uma vacina, pelo que durante as campanhas de vacinação é expectável que as mortes por outras causas continuem a ocorrer, por vezes em estreita associação temporal com a vacinação, e sem que necessariamente haja qualquer relação com a vacinação.

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    Estas frases são muito verdadeiras, mas com um “problema”: quando se tratou ou trata da doença propriamente dita – a covid-19 –, as autoridades de saúde nunca tiveram a mesma interpretação.

    Veja-se como ficaria esta passagem do relatório do Infarmed se se aplicasse à covid-19 [marca-se a negrito as partes alteradas do texto original do Infarmed]:

    “Estes acontecimentos não podem ser considerados relacionados com a COVID-19 apenas porque foram notificados de forma espontânea ao Sistema Nacional de Farmacovigilância. Na grande maioria dos casos notificados em que há informação sobre história clínica e medicação concomitante, um resultado adverso fatal pode ser explicado pelos antecedentes clínicos do doente e/ou outros tratamentos, sendo as causas de morte diversas e sem apresentação de um padrão homogéneo. A COVID-19 não reduzirá as mortes provocadas por outras causas, por exemplo, problemas de saúde não relacionados com a esta doença, pelo que durante a pandemia é expectável que as mortes por outras causas continuem a ocorrer, por vezes em estreita associação temporal com a COVID-19, e sem que necessariamente haja qualquer relação com a COVID-19.”

    Parecem lógicas as frases assim, certo?

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    Quem tem medo da informação? Quem tem medo dos olhares independentes?

    Aliás, há um outro aspecto onde se mostra um enviesamento na análise. Como se sabe, as autoridades andam a inculcar a ideia de existir uma “pandemia” de long-covid – efeitos de longo prazo da covid-19. Porém, se uma parte muito substancial da população que teve covid-19 também foi vacinada, como atribuir cientificamente uma deterioração da saúde a uma causa ou a outra? Ou a outra qualquer?

    Na verdade, está verdadeiramente o Infarmed a considerar os efeitos de longo prazo da vacinação?

    Por outro lado, veja-se o rigor “científico” do Infarmed mesmo quando, escondendo dados essenciais, deixa “rabos de fora”. Na página 6 escreve que “verifica-se que as reações adversas às vacinas contra a COVID-19 são pouco frequentes, com cerca de 1 caso em mil inoculações, um valor estável ao longo do tempo”. Mentira. Falso.

    Fazendo umas contas simples a partir dos quadros disponibilizados, e se compararmos globalmente as vacinas administradas em Abril-Maio de 2022 (441.980 doses) e em Junho-Julho (700.997), verificamos que foram registadas, respectivamente, 480 e 1.204 reacções adversas. Significa que no primeiro período se passou de um registo de 1,08 casos por 1.000 vacinas para 1,72 por 1.000 vacinas no período mais recente. Resultado: temos um incremento de 59% nas reacções adversas que coincidiram com a fase da quarta dose para os mais idosos. Mesmo que existam reportes deferidos (que não é dito), o Infarmed não considera isto relevante?! Não batem as sinetas de alarme?

    E também o Infarmed não considera relevante que, face aos dados de Dezembro de 2021, as reacções adversas da vacinação – contra uma doença que é genericamente benigna para crianças e adolescentes saudáveis – tenham subido de 0,06 casos por 1.000 vacinas para 0,21 na faixa dos 5 aos 11 anos – ou seja, um aumento de 250% –, e tenha incrementado de 0,17 para 0,22 na população dos 12 aos 17 anos (aumento de 25%)? Nada disto conta para o Infarmed?

    Infarmed declara que a “transparência é um [seu] princípio fundamental”, mas luta pelo contrário no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    E depois de tudo isto, ainda tem o Infarmed o descaramento de terminar as suas 13 páginas cheias de coisa nenhuma, e parca e enviesada informação, com a seguinte frase: “A transparência é um princípio fundamental para o Infarmed e para a Agência Europeia do Medicamento”.

    Claro que é! Por isso mesmo, o Infarmed anda a batalhar no Tribunal Administrativo de Lisboa para evitar ser obrigado a entregar os dados anonimizados e em bruto do Portal RAM ao PÁGINA UM. O processo de intimação do PÁGINA UM, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO financiado pelos leitores, foi intentado em Maio, aguardando-se nas próximas semanas uma decisão. Fundamental para se saber a verdade.

  • Corpo Nacional de Escutas exigia certificado digital ou teste em mega-acampamento, mas afinal agora só é uma “recomendação”

    Corpo Nacional de Escutas exigia certificado digital ou teste em mega-acampamento, mas afinal agora só é uma “recomendação”

    Na próxima segunda-feira, inicia-se o 24º acampamento de escuteiros em Idanha-a-Nova. E o Corpo Nacional de Escutas quis ser, em matéria da gestão da covid-19, mais “papista” do que a própria Direcção-Geral da Saúde, impondo “controlo sanitário” prévio de entradas, com distinção entre vacinados/recuperados e não vacinados. Mas, afinal, confrontada pelo PÁGINA UM por via da ilegalidade desta discriminação e falta de sustentação legal e epidemiológica, a organização diz agora que, afinal, não passa de uma “recomendação”.


    O lema cunhado durante a pandemia, “seja um agente de Saúde Pública”, está a fazer escola, e agora multiplicam-se os casos de “exageros de autoridade”, onde entidades sem funções públicas exigem o cumprimento de regras que nem sequer encontram respaldo nem na Ciência nem em normas da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e muito menos na legislação.

    É o caso do Corpo Nacional de Escutas (CNE) que, num mega-acampamento (ACANAC) em Idanha-a-Nova entre 1 e 7 de Agosto, decidiu implementar plano de contingência “fora-da-lei”.

    Foto: ©Agência Ecclesia

    De acordo com os documentos a que o PÁGINA UM teve acesso, a organização deste evento escutista internacional nomeou um número indeterminado de responsáveis com a função de “assegurar que haja um responsável sanitário (poderá ser o responsável de contingente ou não, mas que deverá estar presente em Campo) que se certifique que cada participante do contingente tem pelo menos uma das seguintes condições: certificado de vacinação completo, ou certificado de recuperação válido, ou teste antigénio negativo 24h [24 horas] antes da entrada no ACANAC”. Esse responsável estaria obrigado a assinar um termo de responsabilidade.

    Em e-mail enviado aos pais dos jovens escuteiros, a que o PÁGINA UM também teve acesso, é salientado o facto de se estar perante um “evento privado e como tal, em articulação com as autoridades de saúde pública locais, considerou-se que seria uma mais-valia para a segurança de todos os participantes que fossem cumpridas algumas regras para entrada” no acampamento.

    Sucede, porém, que tanto em eventos privados como públicos, estas exigências não têm já qualquer enquadramento legal nem introduz qualquer benefício sanitário. Um detentor de certificado digital pode estar, no momento da sua exibição, infectado, pelo que a sua entrada sem teste num acampamento – assumindo-se que os testes em assintomáticos são formas eficazes de prevenção epidemiológica – seria até “perigosa”, ao contrário do que sucederia com um não-vacinado a quem se faria um teste para confirmar que estava negativo.

    Idanha-a-Nova vai receber escutistas a partir de segunda-feira.

    Além disso, recorde-se que, actualmente, o detentor de um certificado digital válido não tem já, na prática, e dentro do território nacional, qualquer “direito suplementar” ou benefício face às pessoas não-vacinadas ou que, sendo recuperadas ou recebido doses de vacinas, excederam o prazo do certificado. Todas as normas – algumas de constitucionalidade duvidosa e de eficácia preventiva questionável – que limitavam o acesso apenas a detentores do certificado válido e/ou exigiam, em complemento ou alternativa, um teste ao SARS-CoV-2 foram caindo nos últimos meses.

    Mesmo desde o dia 1 deste mês, por despacho governamental “deix[ou] de ser exigido aos passageiros que entrem em território nacional a apresentação de comprovativo de realização de teste para despiste da infeção por SARS-CoV-2 com resultado negativo ou a apresentação de certificado digital COVID UE ou de certificado de vacinação ou recuperação emitido por países terceiros, aceite ou reconhecido em Portugal”.

    Confirmando ao PÁGINA UM as exigências para a entrada no acampamento que se inicia na próxima segunda-feira, o coordenador de comunicação externa do CNE, Henrique Ramos, diz que a organização pretendeu “garantir o cumprimento de todas as condições de segurança para os participantes, sendo aplicadas e postas em prática pela Equipa Organizadora e de Serviço, todas as medidas que o possam garantir”.

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    Henrique Ramos acrescenta ainda que “quer na preparação quer na realização do ACANAC 2022”, se pretendeu que fossem “implementadas todas as medidas vigentes à data”, daí que “com o objetivo de diminuir o risco de contágio entre os participantes, decidiu a Equipa Organizadora do ACANAC solicitar aos agrupamentos participantes que se certificassem que cada participante do seu contingente não constituísse um risco para os restantes participantes.”

    Porém, o porta-voz da CNE acaba por admitir que, “como estas condições não serão confirmadas pela organização, esta solicitação [exigência de certificado ou de teste prévio para acesso ao acampamento] assume na prática a forma de recomendação, sendo que por esse motivo nenhum participante será impedido de participar na maior festa do escutismo em Portugal.”

    O PÁGINA UM contactou a DGS para comentar esta situação, mas mesmo com insistências, não obteve resposta, como quase sempre sucede.

  • Adesão à vacina contra a covid-19 já não é como era

    Adesão à vacina contra a covid-19 já não é como era

    O PÁGINA UM analisou a evolução das taxas de vacinação contra a covid-19 nos últimos dois meses. Quatro em cada 10 idosos com mais de 80 anos ainda não se vacinaram com a quarta dose e a procura é agora muito fraca. Nos outros grupos etários, a taxa de cobertura da terceira dose é também bastante mais baixa do que aquele que se registou para a primeira e segunda doses.


    A adesão ao segundo reforço do programa de vacinação contra covid-19 – ou quarta dose – está a esmorecer junto da população mais idosa, em linha com uma redução significativa da população mais jovem na toma do primeiro reforço (terceira dose).

    De acordo com os mais recentes dados semanais da Direcção-Geral da Saúde (DGS), na semana de 5 a 11 de Julho apenas terão sido vacinadas cerca de 54 mil pessoas. Destas pouco menos de sete mil eram idosos com mais de 80 anos, os elegíveis para a toma do denominado segundo reforço. A maioria das pessoas que, naquela semana, se deslocaram aos centros de vacinação foi para a terceira dose, dos quais quase oito mil com idade entre os 18 e os 24 anos, e cerca de 33 mil com idade entre os 25 e os 49 anos.

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    Ainda houve, neste período, quase 6.500 crianças entre os 5 e os 11 anos que tomaram a segunda dose para concluir o processo de vacinação completa. Saliente-se, aliás, que a vacinação de reforço (terceira dose) somente foi adoptada, por agora, para os maiores de idade.

    Na semana anterior (28 de Junho a 4 de Julho), o número de pessoas vacinadas terá sido sensivelmente semelhante, embora 13 mil fossem idosos com mais de 80 anos.

    Estes valores absolutos constituem estimativas do PÁGINA UM, com base na percentagem da população vacinada por semana em cada grupo etário e em função da respectiva população indicada pelo Instituto Nacional de Estatística para o ano de 2020. A DGS tomou, desde sempre, a questionável decisão de não divulgar números absolutos da população vacinada, optando por percentagem sem casas decimais. Daí que virtualmente toda a população com mais de 25 anos esteja toda vacinada (100%), o que não corresponde à verdade.

    Certo é que pela análise dos boletins semanais da DGS, nota-se claramente que a vontade em receber mais doses da vacina contra a covid-19 por parte dos portugueses esmoreceu de forma significativa, mesmo nos grupos etários supostamente mais vulneráveis.

    Número de pessoas vacinadas por semana desde 17 de Maio até 11 de Julho de 2022 por grupo etário. Fonte: DGS. Análise: PÁGINA UM

    Tal situação, patente nos números da evolução da campanha em curso, significa uma assumpção da existência de um menor risco de vida perante a dominância da variante Omicron (muito menos letal) ou da percepção da existência de uma forte imunidade adquirida (mais de 50% da população portuguesa já contactou directamente com o SARS-CoV-2) ou também um aumento da desconfiança em termos de segurança.

    Saliente-se que o Infarmed tem recusado ceder os dados detalhados das reacções adversas ao PÁGINA UM, estando em curso um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    A evolução dos números do segundo reforço para os maiores de 80 anos mostra que dificilmente será possível atingirem-se os patamares de adesão à vacinação completa (100%) ou mesmo à vacinação de reforço (97%). Desde a segunda metade de Maio, quando se iniciou o programa para os maiores de 80 anos reforçarem a imunidade vacinal (a quarta dose), apenas 58% deste grupo etário se vacinou, mas a procura está a cair a pique.

    Com efeito, na segunda quinzena de Maio vacinaram-se 21% deste grupo etário, tendo-se depois conseguido, nas quatro semanas subsequentes, vacinar entre 11% e 13% a cada sete dias. Porém, na semana de 21 a 27 de Junho apenas se vacinaram 4%, seguindo-se 2% na seguinte e apenas 1% na semana de 5 a 11 de Julho.

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    No grupo etário dos 65 aos 79 anos, apenas 1% da população foi já vacinada com o segundo reforço, embora o primeiro reforço tenha, segundo os dados da DGS, uma taxa de cobertura de 98%.

    Nas idades mais jovens (menores de 65 anos), o processo está ainda em maior estagnação, mesmo se foram administradas, desde a segunda quinzena de Maio, cerca de 380 mil doses de vacinas, que representam cerca de 5% da população.

    Nestes grupos etários sobressai sobretudo a grande diferença entre a adesão à vacinação completa (duas doses) e ao reforço (terceira dose). Por exemplo, dos 25 aos 49 anos, passou-se de uma adesão (supostamente) de 100% na toma das duas doses para apenas 66% na toma da terceira. Nos 18 aos 24, a dose de reforço já só foi tomada por 52%, quando para a vacinação completa (duas doses) tinha, segundo a DGS, ocorrido uma adesão de 98%.

    Nas crianças entre os 5 e os 11 anos, a maioria (58%) ainda não teve vacinação completa (duas doses). A adesão, aliás, tem sido bastante lenta, tendo apenas aumentado em cinco pontos percentuais nos últimos dois meses, passando de 37% no princípio da segunda quinzena de Maio para 42% em 11 de Julho.

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    A DGS não comenta este crescente desinteresse na vacina contra a covid-19 face à adesão que se verificava anteriormente, tendo apenas transmitido ao PÁGINA UM que “Portugal é dos países com valores mais elevados de cobertura vacinal da Europa”, e que têm sido implementadas “diferentes estratégias de acesso à vacinação, tais como, agendamento local ou central, ou através da modalidade casa aberta”.

    O gabinete de comunicação de Graça Freitas acrescenta que, “neste contexto, as pessoas vão sendo vacinadas à medida que se tornam elegíveis, de acordo com a Norma 002/2021”, afirmando que se continua a “investir em estratégias de comunicação para informar a população sobre o processo de vacinação”.

    Quanto à eventualidade de, nos próximos meses, vir a ser recomendado para os menores um reforço da vacinação (terceira dose), a DGS apenas salienta, por agora, que faz tudo “de acordo com a evidência científica disponível à data”, mantendo-se “a acompanhar a evolução do conhecimento científico, bem como a situação epidemiológica, podendo rever as suas recomendações sempre que se justificar.”

  • Entidade Reguladora para a Comunicação Social demora dois anos para advertir SIC sobre falta de rigor informativo

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social demora dois anos para advertir SIC sobre falta de rigor informativo

    No Verão de 2020, quando as mortes por covid-19 rondavam as três por dia, as televisões mantinham notícias em tom alarmista. A SIC chegou a manipular um gráfico sobre a causa das mortes e nem referiu a fonte de informação. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social demorou dois anos a deliberar sobre o assunto.


    Para advertir a SIC “para a necessidade de cumprir escrupulosamente com os deveres de rigor informativo”, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) demorou quase dois anos.

    A deliberação, hoje divulgada no site do regulador, mas aprovada em 15 de Junho passado, deu resposta à queixa de um telespectador sobre uma peça transmitida no Jornal da Noite de 26 de Junho de 2020 em que foi apresentado um gráfico com várias causas de morte a nível mundial. A notícia alegava que a covid-19 teria ultrapassado a malária no número de vítimas mortais, mas mostrou um gráfico ao qual tinham sido retiradas causas de morte mais relevantes para sobrevalorização relativa da covid-19.

    SIC, que tem um programa em parceria com o Polígrafo, admitiu que manipulou um gráfico e não apresentou a fonte de informação.

    A SIC sustentou que a sua opção editorial teve em conta “os alertas constantes de várias organizações mundiais para a necessidade de não se abandonar a luta contra” a covid-19, mostrando-se assim “essencial uma prestação gráfica de informação que representasse tal realidade de forma clara e sucinta, uma vez que o abandono de comportamentos preventivos poderia significar um aumento superior a 50% na média anual de mortes provocadas pela malária.” (sic)

    Embora a notícia em causa se referisse apenas ao período entre 1 de Janeiro e 20 de Junho do primeiro ano da pandemia, o denunciante argumentou que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), nem a malária, nem a covid-19 constavam ainda das 10 doenças com maior taxa de mortalidade a nível global. Em sua defesa, a SIC alegou que a peça em questão “nunca teve como principal escopo uma representação exaustiva e abrangente das causas de morte em todo o mundo”.

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    Saliente-se, contudo, que o canal televisivo assumiu ter ocultado da sua análise algumas causas de morte relevantes, como “envenenamentos, suicídios, tuberculose, doenças cardiovasculares […], acidentes rodoviários ou doenças gastrointestinais”, de modo a “evitar constrangimentos gráficos e de leitura de informação”.

    Apesar de terem sido necessários dois anos para que a ERC emitisse uma deliberação, o regulador considera que a SIC cometeu apenas uma falha: não ter identificado “qualquer fonte de informação para os dados que apresent[ou]”. Com efeito, somente a 15 de Junho passado, quando a generalidade dos países tinha já abandonado a maior parte das restrições sanitárias e o SARS-CoV-2 já era tido como uma ameaça menor, veio aquela entidade advertir o canal denunciado para a “necessidade de cumprir escrupulosamente com os deveres de rigor informativo”.

    Destaque-se que, em 2020, a covid-19 foi a causa atribuída a quase cerca de 1,9 milhões de mortes, ou seja, um pouco mais de 3% do total a nível mundial. Antes da pandemia, as doenças cardíacas representavam a principal causa de morte a nível mundial (8,8%) à frente dos acidentes vasculares cerebrais (6,2%) e das doenças respiratórias das vias inferiores (3,2%) da doença pulmonar obstructiva crónica (também 3,2%).

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    A covid-19 aumentou, entretanto, o número de vítimas sobretudo nos primeiros meses de 2021. Segundo os registos oficiais, em cerca de dois anos e meio morreram por causa atribuída ao SARS-COV-2 cerca de 6,4 milhões de pessoas a nível mundial, ou seja, aproximadamente 4% de todas as mortes durante este período.

    Em Portugal, o impacte foi mais elevado (8,3%), resultante de 24.346 óbitos por covid-19 num total de quase 295 mil mortes por todas as causas desde o início da pandemia. No entanto, continuam sem ser revelados os dados em bruto do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO) que podem ou não confirmar estes valores.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Atletas e treinadores de judo não-vacinados pagam mais por participação na Taça da Europa de Seniores em Coimbra

    Atletas e treinadores de judo não-vacinados pagam mais por participação na Taça da Europa de Seniores em Coimbra

    A Federação Portuguesa de Judo (FPJ) enviou ontem uma norma para treinadores e atletas impondo uma discriminação entre quem se vacinou e não se vacinou contra a covid-19, que se reflecte no custo da pernoita em dois hotéis de Coimbra. A justificação para a diferença está, segundo a FPJ, nas diferenças de preços entre testes de antigénio (para quem foi vacinado) e PCR (para não-vacinados), algo que não encontra respaldo na lei portuguesa nem nas actuais normas da Federação Internacional de Judo. Hotéis garantem que nada têm a ver com esta política discriminatória.


    Para participarem na Taça da Europa de Seniores, que se realizará em Coimbra nos próximos dias 27 e 28 de Agosto, a Federação Portuguesa de Judo (FPJ) está a exigir que atletas e treinadores não-vacinados paguem em certos casos mais do dobro pela pernoita em dois hotéis da cidade em comparação com os vacinados.

    A discriminação explícita de preços consta da circular nº 117/22, assinada ontem pelo próprio presidente da FPJ, Jorge Fernandes, onde, além de se indicarem normas de participação, se impõe a obrigatoriedade de envio do certificado de vacinação ou de recuperação por parte de atletas e treinadores, de modo a assim permitir destrinçar depois o tipo de exigências à chegada para a competição. Estar ou não vacinado tem repercussões no preço da estadia nos dois hotéis escolhidos oficialmente pela FPJ: Villa Galé e D. Luís.

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    Com efeito, embora a todos os atletas e respectivos treinadores seja exigido um teste PCR negativo feito há menos de 48 horas antes da chegada ao hotel oficial, a FPJ impõe depois uma discriminação imediata entre vacinados (incluindo recuperados há menos de seis meses) e não-vacinados (incluindo aqueles sem esquema vacinal completo).

    Para os primeiros, a FPJ diz que têm de fazer ainda “um teste antigénio à chegada ao hotel oficial”, enquanto os segundos têm de fazer “um teste PCR”. Os custos são distintos: os testes de antigénio, se forem realizados sem credencial do SNS (nesse caso são gratuitos), podem ter um preço de 18 euros (valor cobrado pela Cruz Vermelha Portuguesa) e os PCR rápidos (com resultados em 30 minutos) chegam aos 70 euros. Ou seja, uma diferença de 52 euros.

    Contudo, saliente-se que aquilo que distingue os testes PCR e de antigénio residente são a melhor sensibilidade e especificidade dos primeiros – ou seja, teoricamente, dão menos falsos positivos e falsos negativos. Deste modo, não existe nenhum argumento científico que permita afirmar que um teste de antigénio seja o método mais adequado para uma pessoa vacinada, e que, para se detectar uma eventual infecção de uma não-vacinada, terá que se usar sempre um teste PCR.

    Extracto da circular nº 117/22 da Federação Portuguesa de Judo impondo preços distintos na estadia para atletas e treinadores em função do estado vacinal.

    O diferencial de preços nos testes exigidos aos dois grupos implica assim que a estadia tenha preços distintos. Por exemplo, um quarto individual para um atleta no Vila Galé custará 117 euros para um atleta vacinado e 190 euros para um atleta não-vacinado – ou seja, uma diferença de 73 euros. A mesma diferença (73 euros) se observa no Hotel D. Luís entre vacinados e não-vacinados. Ou seja, a preços de mercado, mesmo que houvesse necessidade de aplicar métodos distintos, os não-vacinados estariam a pagar sempre mais.

    Miguel Galhardas, responsável da comunicação da FPJ, alega que os valores mais elevados pela pernoita dos atletas e treinadores “não é uma discriminação”, devendo-se apenas “as normas exigidas pelas organizações internacionais de judo”, designadamente a European Judo Union (EJU) e a Internacional Judo Federation (IJF).

    Sucede, porém, que essas normas são já conflituantes. Com efeito, as normas da EJU prevêem um tratamento discriminatório aos não-vacinados, exigindo que façam um teste PCR (ao custo de 80 euros), enquanto que ao vacinados exige apenas um teste de antigénio, mesmo assim a um preço bem acima do mercado (40 euros). Já as normas do IJF não fazem discriminação, exigindo testes PCR para atletas e treinadores, independentemente do estado vacinal.

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    No meio desta política discriminatória, os dois hotéis escolhidos pela FPJ mostram-se surpreendidos. Em declarações ao PÁGINA UM, o gerente do Hotel D. Luís em Coimbra diz que nunca houve qualquer política de discriminação de preços com base na vacinação contra a covid-19. “Para nós as pessoas são todas iguais, não fazemos discriminação”, garante Luís Ribeiro da Silva, explicando ainda que “se um hóspede estiver doente, o que fazemos é apenas levar-lhe a comida ao quarto, mas até nessas circunstâncias os preços são iguais “.

    Por sua vez, o Hotel Vila Galé Coimbra esclarece também que os preços praticados pela empresa são sempre idênticos para vacinados e não-vacinados. “Não fazemos preços diferentes nem estamos a perguntar às pessoas se têm a vacina ou se não têm”, frisou André Pereirinha, assistente de direcção daquela unidade hoteleira.

  • Governos europeus estão a indicar números ao Eurostat completamente diferentes dos divulgados ao público

    Governos europeus estão a indicar números ao Eurostat completamente diferentes dos divulgados ao público

    Ainda não estão disponíveis dados de Portugal, mas os registos de alguns países europeus sobre as mortes por covid-19 em 2020 reportados ao Eurostat mostram desvios colossais. Terá a pandemia sido pior do que o reportado ao público? Ou houve um empolamento da covid-19 como causa porque os médicos legistas foram pressionados a atribuir ao SARS-CoV-2 a morte sempre que houvesse teste positivo?


    Quase todos os países que já reportaram ao Eurostat dados sobre as causas de morte ocorridas em 2020 indicaram valores substancialmente superiores àqueles que foram divulgando oficialmente durante o primeiro ano da pandemia.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM à base de dados internacional daquele gabinete de estatística da União Europeia – que, agrega, além dos 27 Estados-membros, os países candidatos e da EFTA –, já houve nove países que, para a totalidade das doenças, indicaram as causas registadas nos certificados de óbitos em 2020, seguindo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial da Saúde (CDI). Ou seja, passa-se a saber, formalmente, qual foi causa principal da morte atribuída pelos médicos legistas aos distintos óbitos, incluindo por covid-19, durante o primeiro ano da pandemia que atingiu a Europa naquele ano.

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    De entre os nove países já com informação no Eurostat para o ano de 2020 – Alemanha, Espanha, Lituânia, Holanda, Polónia, Islândia, Liechtenstein, Sérvia e República Checa –, apenas neste último o número de mortes por covid-19 (código U07.1 da CDI, com vírus identificado) ou por suspeita (código U07.2, com vírus não identificado) é inferior ao que foi indicado pelas autoridades sanitários no final daquele ano.

    Com efeito, a 31 de Dezembro de 2020, a República Checa reportou a ocorrência de 12.017 óbitos atribuídos à covid-19, mas agora na base de dados do Eurostat encontram-se contabilizados 10.397 óbitos com o código U07.1 e mais 173 com o código U07.2. Saliente-se que este país do Leste da Europa encontra-se actualmente no top 10 dos mais atingidos pela covid-19, com 3.751 óbitos por milhão de habitantes, embora a esmagadora maioria das mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 tenham, oficialmente, ocorrido em 2021.

    Esta é, porém, de facto, a única excepção, por agora, porque todos os outros oito países reportaram em “tempo real”, no decurso dos relatórios diários divulgados ao longo de 2020, muito menos óbitos do que aqueles que agora os Governos enviaram ao Eurostat.

    Se houve óbitos inicialmente escondidos (para inicialmente subestimar a pandemia) ou se houve exageros e pressões para que os médicos legistas atribuíssem mortes ao SARS-CoV-2 com base apenas num teste positivo, uma coisa parece, desde já, evidente: as estatísticas oficiais da primeira doença com um desmesurado acompanhamento informático informativo, mostra afinal um rigor das estatísticas oficiais muito sofrível. No mínimo.

    Óbitos reportados ao público (compilados pelo Worldometers) e reportados ao Eurostat para 2020. Fonte: Worldometers e Eurostat.

    O caso mais flagrante sucede na Espanha, onde o desvio entre os dados do Eurostat e os inicialmente apontados no final de 2020 é colossal. No Worldometers surgem, para o país-vizinho, 50.955 óbitos a 31 de Dezembro de 2020, mas no Eurostat as autoridades espanholas indicaram agora, apenas para aquele ano, 60.358 mortes por covid-19 (U07.1) e mais 14.481 com suspeitas (U07.2). Ou seja, somando os dois códigos há um desvio de 23.884 óbitos a mais, representando uma diferença de 47%.

    Em termos relativos, o desvio maior – e extremamente suspeito – surge na Sérvia. Neste país, que tal como a República Checa oficialmente não teria sofrido a primeira vaga da pandemia na Primavera de 2020, as autoridades de saúde indicaram, segundo o Worldometers, 3.250 óbitos até final daquele ano. Afinal, para o Eurostat, durante 2020 os médicos legistas sérvios registaram 8.866 óbitos por covid-19 (U07.1) e mais 1.490 mortes suspeitas por esta doença (U07.2). Portanto, no Eurostat aparece mais do triplo (218%) das mortes por covid-19 do que as indicadas inicialmente pelas autoridades sérvias.

    O desvio da Holanda também foi significativo: 75%. Para este país, no Worldometers contabilizam-se, no final do primeiro ano da pandemia na Europa, 11.565 óbitos por covid-19, enquanto no Eurostat estão agora 17.527 mortes confirmadas (U07.1) e mais 2.685 suspeitas (U07.2). Portanto, há uma diferença de 8.647 mortes por esta causa directa.

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    Na Polónia, por sua vez, o desvio também é relevante: 12.530 óbitos (entre confirmados e suspeitos) na base de dados do Eurostat face aos números que constam em 2020 no Worldometers, o que representa, em termos relativo, uma diferença de 43%. Já na Alemanha, conhecida por ser um país de grande rigor, as estatísticas também não batem certo: o Governo apontou inicialmente que tinham morrido, até 31 de Dezembro de 2020, um total de 34.639 pessoas por covid-19; agora, entre casos confirmados e suspeitos, informou o Eurostat que foram 39.886.

    Apenas os números da Islândia batem certo, mas porventura devido à sua dimensão demográfica (cerca de 370 mil habitantes). No Worldometers surgem 29 óbitos até 31 de Dezembro de 2020, tantos quantos os que surgem agora no Eurostat. No entanto, acresce ainda um óbito suspeito (U07.2).

    Nas próximas semanas será previsível que mais países surjam na base de dados do Eurostat, incluindo Portugal. Até agora, a Direcção-Geral da Saúde mantém segredo sobre toda a informação estatística existente no Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos – razão pela qual o PÁGINA UM intentou um processo de intimação contra o Ministério da Saúde no Tribunal Administrativo de Lisboa – e o Instituto Nacional de Estatística não divulga informação detalhada sobre a covid-19 nas estatísticas da mortalidade de 2020 que tem vindo a revelar nas últimas semanas.

  • ERC dá “raspanete” ao Diário de Notícias por ter chamado negacionistas aos polícias que recusaram vacina

    ERC dá “raspanete” ao Diário de Notícias por ter chamado negacionistas aos polícias que recusaram vacina

    O Diário de Notícias catalogou de “negacionistas” os agentes policiais que optaram por não tomar a vacina voluntária contra a covid-19. Regulador diz que a notícia carece de rigor, não tendo ficado demonstrado que aqueles negassem a existência da pandemia, ou a sua gravidade, ou a validade científica das respostas de combate à doença, como a vacinação.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) acusa o Diário de Notícias de falta de rigor num artigo de Novembro passado em que chamava “negacionistas” aos 1.017 agentes da Guarda Nacional Republicana (GNR), 76 da Polícia Judiciária (PJ) e a um número indeterminado de agentes da Polícia de Segurança Pública que, à data, não se tinham vacinado contra a covi-19. Recorde-se que esta vacina nunca foi obrigatória.

    A notícia, da autoria da jornalista Valentina Marcelino, publicada em 28 de Novembro do ano passado – e que viria a ter chamada de primeira página neste matutino – colocava uma tónica na aplicação, ou não, de medidas restritivas operacionais sobre os agentes que se recusassem vacinar por parte das cúpulas daquelas forças policiais.

    Notícia do Diário de Notícias que a ERC considerou não rigorosa.

    Também era destacada, na notícia, a opinião do pneumologista Filipe Froes que considerava “estes dados [eram] preocupantes, como já [tinham sido] os das Forças Armadas”, defendendo ainda que, para estes casos “a vacinação deve[ria] ser forte e reiteradamente recomendada”.

    O artigo noticioso, agora criticado pelo regulador, surgiu 11 dias depois de uma manchete em que, com letras garrafais, também se chamava negacionistas a “centenas de militares das forças armadas [que] recusaram vacina contra a covid”.

    Manchete de 17 de Novembro de 2021 também chamou “negacionistas” a militares que não optaram pela toma da vacina voluntária.

    De acordo com a deliberação da ERC, hoje conhecida, o Diário de Notícias foi advertido “para o estrito cumprimento das exigências de rigor informativo (…), uma vez que não foram carreados os elementos factuais para a compreensão da matéria noticiada”.

    Para o regulador – que tem estado a mudar a sua postura face ao uso indiscriminado de expressões coloquiais, muito em voga pela imprensa, como o de “negacionista” para rotular qualquer pessoa ou grupo que conteste, mesmo com bases científicas, as medidas governamentais –, a notícia não apresentava “os elementos de factualidade veiculados” que justificassem o uso daquele termo contra os agentes que, legal e voluntariamente, tinham decidido não tomar uma vacina não-obrigatória.

    A ERC salienta mesmo que “a partir das informações constantes da notícia [do DN] não se identificam elementos que permitam concluir que os indivíduos não vacinados nas forças policiais e militares neguem a existência da pandemia de Covid-19, ou a sua gravidade, ou a validade científica das respostas de combate à doença, como a vacinação”.

    E, nessa medida, o regulador concluiu que “a utilização da terminologia ‘negacionistas, no caso em apreço, não encontra evidente correspondência com os factos avançados na peça jornalística.”

    Em sua defesa, o DN ainda chegou a alegar “de que a notícia partiu de ‘informações que chegaram ao Jornal a alertar para a existência de negacionistas (a expressão foi exatamente esta) nestas instituições’”, mas a ERC contrapôs que “no texto da notícia não é possível encontrar tal informação”.

    A ERC também destaca que, em abono da verdade, a peça assinada pela jornalista Valentina Marcelino, apenas usava a palavra «negacionistas» no título da notícia, mas salientava que “os títulos não são autónomos em relação às notícias e devem ser vistos como parte integrante das mesmas, não desvirtuando as exigências de rigor informativo.

    Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias.

    Na verdade, em última análise, os títulos são mesmo escolhidos ou são uma responsabilidade directa da direcção deste jornal liderado por Rosália Amorim. Recorde-se que a directora do DN escreveu diversos editoriais usando aquela expressão desprimorosa de forma indiscriminada, mesmo confessando que “de ciência pouco sei, não é (ainda) a minha área de formação ou investigação”. Com efeito, a jornalista é licenciada em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada de Lisboa.

  • Portugal lidera efeitos adversos do remdesivir, mas lobby da Gilead mantém fármaco na terapia anti-covid

    Portugal lidera efeitos adversos do remdesivir, mas lobby da Gilead mantém fármaco na terapia anti-covid

    Direcção-Geral da Saúde eliminou frases comprometedoras sobre o remdesivir na norma terapêutica aprovada em Janeiro passado, e mantém o fármaco da Gilead como terapia possível no tratamento contra a covid-19. Portugal é o país europeu com mais pessoas que sofreram efeitos adversos pelo uso deste fármaco. Infarmed continua sem ceder dados detalhados pedidos pelo PÁGINA UM, que aguarda entretanto decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa ao processo de intimação.


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) continua a incluir a administração de polémico anti-viral remdesivir, produzido pela Gilead Sciences sob a marca Veklury, na terapêutica para a covid-19, mesmo conhecendo-se, cada vez mais, as evidências de graves efeitos adversos, e de o seu uso já ter sido abandonado pela esmagadora maioria dos países europeus.

    Na revisão da Norma 004/2020, que rege as terapêuticas, e que entrou em vigor no sábado passado, dia 23 de Abril, o remdesivir ainda permanece – dir-se-ia, estoicamente – na lista de medicamentos para o tratamento de “pessoas internadas por pneumonia por SARS-CoV-2 e hipoxemia confirmada”, mas já apenas como uma alternativa a ser considerada após a dexametasona e o metilprednisolona.

    Gilead conseguiu vender largas dezenas de milhões de euros em remdesivir para combate à covid-19 sem existir garantia de eficácia nem de segurança.

    Mesmo assim a última revisão da norma “ameniza” uma actualização feita em Janeiro último, que era bastante comprometedora para o fármaco. Com efeito, na actualização de 5 de Janeiro, a referência ao fármaco da Gilead como opção secundária era acompanhada pela seguinte nota: “Até ao momento, o remdesivir não revelou benefício inequívoco ao nível da mortalidade avaliada aos 28 dias nos ensaios clínicos. Assim, a sua prescrição deve decorrer de uma avaliação clínica individualizada, com ponderação dos riscos e benefícios para o doente, e de acordo com o Resumo das Características do Medicamento (RCM).”

    Estas duas frases foram agora eliminadas, sem qualquer justificação, e o medicamento continua a ser uma hipótese terapêutica.

    Certo é que vai já longe o tempo em que o remdesivir chegou a ser de uso quase obrigatório contra a covid-19, podendo os médicos que não o prescreviam ter problemas se os doentes morressem, conforme admitiu recentemente em entrevista ao PÁGINA o antigo bastonário da Ordem dos Médicos José Manuel Silva.

    Com efeito, em Outubro de 2020, quando este fármaco – mesmo sem ensaios clínicos cientificamente validados – começou a ser usado em Portugal, a Norma 004/2020 quase o tornou de uso obrigatório na abordagem terapêutica em regime de internamento.

    O então ponto 40 dessa norma determinava que a “terapêutica com remdesivir deve ser administrada o mais precocemente” em doentes internados com “confirmação laboratorial de SARS-CoV-2” que apresentassem um quadro de pneumonia, saturação de oxigénio inferior a 94% e idade igual ou superior a 12 anos com peso igual ou superior a 40 quilogramas.

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    A contínua “sobrevivência” do remdesivir na Norma 004/2020 deve-se, quase em exclusivo, ao forte “lobby da Gilead” no interior da DGS e da Faculdade de Medicina de Lisboa, que tudo tem feito para não se assumir publicamente os efeitos adversos e sobretudo o desastre económico na sua aquisição. E isto muito fruto das promiscuidades políticas e médicas com a farmacêutica norte-americana.

    Recorde-se que este medicamento, inicialmente prescrito, embora com fracos resultados, para o vírus ébola, acabou por cair nas graças da Comissão von der Leyen na primeira fase da pandemia, em 2020. Em 8 de Outubro daquele ano, a Comissão Europeia decidiu assinar um acordo de compra conjunto que literalmente obrigou 36 países comunitários e extra-comunitários da Europa a adquirirem grandes quantidades de remdesivir à Gilead a preços exorbitantes. Para este “brinde” à Gilead, a Comissão Europeia garantiu um financiamento de 70 milhões de euros para a compra de 200 mil frascos de Veklury.

    Para cumprir a parte portuguesa no negócio, logo em 23 de Outubro, a DGS assinaria um contrato com a Gilead com vista ao pagamento de um primeiro lote de 54.600 frascos. Custo total: 19.458.000 euros, ou seja, 356 euros por unidade. Note-se que em Novembro de 2020, o Le Monde destacava que, apesar de o custo de produção do remdesivir atingir apenas 0,93 dólares por dose – o que implicaria um custo de 5,58 dólares por tratamento –, a farmacêutica vendia-a por um preço 420 vezes superior.

    Portugal deveria ter ainda adquirido um segundo lote ao longo de 2021 no valor de 15.018.645 euros –  conforme determinava uma Resolução do Conselho de Ministros assinada exclusivamente por António Costa –, mas por razões nunca explicada pela DGS e pela Gilead, apesar das perguntas do PÁGINA UM, apenas foi assinado um contrato em 12 de Julho do ano passado por um valor simbólico: um pouco menos de 16 mil euros.

    Não deve ter sido, contudo, indiferente para este desfecho o desaconselhamento sobre o remdesivir feito ainda em Novembro de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS); apesar de uma recente actualização ter passado a recomendá-lo para pessoas não internadas, e nos Estados Unidos tenha sido aprovado pela FDA o seu uso em crianças com mais de três anos também não internadas, desde esta semana. Fracas vantagens (um benefício de custo económico extremamente elevado para quem não apresenta um quadro clínico sequer moderado) que não faz esquecer os efeitos adversos relevantes.

    Com efeito, apesar do Infarmed continuar a recusar facultar dados detalhados sobre as reacções adversas em doentes-covid em Portugal, através do sistema EudraVigilance – base de dados agregada da Agência Europeia do Medicamento – observa-se que Portugal lidera o número absoluto de casos individuais com efeitos adversos causados pela administração de remdesivir, contabilizando-se já 253. Ignora-se quantos resultaram em mortes.

    Número total de casos individuais com efeitos adversos ao remdesivir. Fonte: EudraVigilance.

    O segundo país com mais casos é a Itália, com 190, mas com uma população seis vezes superior a Portugal. Casos adversos relacionados com o polémico fármaco da Gilead são relativamente escassos nos outros países da União Europeia.

    O terceiro país com mais casos é a Polónia, apenas com 37, mas com uma população quase quatro vezes superior à portuguesa. A Alemanha contabilizou até agora 34 casos e tem mais de oito vezes a população portuguesa, enquanto a Espanha (com 46 milhões de habitantes) contou 32 doentes com problemas decorrentes do uso de remdesivir.

    Em Portugal, o remdesivir sempre mereceu um carinho especial por parte dos denominados “peritos” que aconselharam a DGS nas terapêuticas para os doentes com covid-19.

    De entre esses, destacam-se três médicos – Filipe Froes, António Diniz e Fernando Maltez – que simultaneamente integram a equipa de consultores da DGS para a elaboração e actualizações da Norma 004/2020 e sentam-se à mesa com a Gilead, e especificamente para falarem do remdesivir, uma vez que constam do seu advisory board desde 2020. Já este ano, Fernando Maltez e Filipe Froes receberam, cada um, 1.832,7 euros a esse título – pelo menos essa é a verba por eles declarada no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.

    Mas também a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa tem sido uma forte aliada da Gilead na promoção do remdesivir. A Associação para Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina (AIDFM) – presidida por Fausto Pinto, também director daquela instituição de ensino –, tem feito para a Gilead sucessivos estudos sobre este fármaco, mas que nunca viram a luz do dia.

    Filipe Froes é um dos três consultores da DGS que se tem destacado na defesa do remdesivir. É também consultor da Gilead.

    Durante o ano de 2020, a AIDFM recebeu desta farmacêutica 15.375 euros para um estudo intitulado “Análise do impacto de remdesivir na capacidade hospitalar do SNS” e mais 30.750 euros para o “Estudo de suporte do pedido de financiamento público de remdesivir no tratamento da covid-19”.

    Já em 2021, encaixou mais verbas para o “Estudo comparativo sobre a utilização de remdesivir” (9.225 euros) e para a “Actualização do dossier de valor terapêutico de remdesivir (Veklury) na indicação aprovada” (12.300 euros). Este ano, no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed constam ainda mais dois estudos pagos pela Gilead: “Análise descritiva da utilização de remdesivir” (9.225 euros) e uma nova actualização do seu valor terapêutico (mais 12.300 euros).

    A Gilead é, aliás, a farmacêutica com maior volume de negócios com esta associação da Universidade de Lisboa. Desde 2013, pelos mais diversos estudos e serviços, recebeu da farmacêutica norte-americana um total de 1.927.175 euros. Para se ter uma ideia da importância da Gilead nas contas da AIDFM, saliente-se que a segunda farmacêutica com maiores relações comerciais é a Bristil-Myers Squibb que “só” entregou 507.780 euros.

    Entretanto, já este ano, a Gilead foi também “pescar” à política, contratando Ana Paula Martins, bastonária da Ordem dos Farmacêuticos até Fevereiro passado, e que acumulava com a docência na Faculdade de Farmácia de Lisboa. A agora directora de Assuntos Governamentais da Gilead é, desde Dezembro do ano passado, vice-presidente do Partido Social Democrata. Uma escolha de Rui Rio.

  • Quatro em cada 10 crianças com primeira dose não levaram (ainda) a segunda

    Quatro em cada 10 crianças com primeira dose não levaram (ainda) a segunda

    Os portugueses parecem ter-se fartado das vacinas contra a covid-19. Apenas um terço dos pais decidiram vacinar as suas crianças com duas doses, e uma parte considerável (22%) ponderou e decidiu não dar a segunda dose. Nos adultos jovens, a dose de reforço não está também a ter grande adesão. No grupo entre os 18 e os 24 anos já são mais aqueles que desistiram da vacina.


    O programa de vacinação contra a covid-19 está a perder gás, sobretudo na população mais jovem. Quatro em cada 10 crianças vacinadas com a primeira dose contra a covid-19 nos primeiros meses do ano não receberam a segunda dose.

    Mesmo considerando que as infecções pela variante Ómicron, sobretudo durante o mês de Janeiro, tenha levado à não promoção, por parte da Direcção-Geral da Saúde (DGS), da segunda dose nas crianças que tiveram entretanto contacto com o vírus, mostra-se já notório que muitos pais terão desistido da segunda toma.

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    Embora a DGS não divulgue dados absolutos – para dificultar análises independentes –, terão sido vacinadas com a primeira dose cerca de 55% das crianças entre os 5 e os 11 anos, mas até ao dia 11 de Abril (últimos dados disponíveis), somente 33% estavam com a vacinação completa.

    Assim, como 45% das crianças nunca foram vacinadas contra a covid-19, e os pais de 22% decidiram não lhes dar (ainda) a segunda dose, então significa que apenas seis em cada 10 pais que autorizaram a primeira toma quiseram depois que lhes dessem a segunda.

    A análise do PÁGINA UM aos dados da DGS também permitem aferir que não é expectável uma evolução significativa deste rácio nesta faixa etária nos próximos tempos. Entre 7 de Março e 11 de Abril a taxa de vacinação completa somente subiu de 28% para 33%, o que deverá corresponder a pouco mais de 30 mil vacinas numa faixa etária que integra quase 650 mil pessoas.

    Por outro lado, nota-se que a adesão dos adolescentes e adultos em idade activa às doses de reforço está muito longe de atingir os níveis da vacinação com as duas primeiras doses.

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    No caso dos adolescentes, com idades entre os 12 e 17 anos, os dados da DGS nem indicam que estejam a ser feitas inoculações de reforço. Aparentemente, esta entidade, que no Verão passado tanto defendia a relevância de se vacinar adolescentes para defender os mais idosos, deixou agora de considerar relevante repetir doses, mesmo sabendo-se que a imunidade vacinal se perde passado poucos meses.

    No entanto, Graça Freitas continua a manter a obrigatoriedade do uso de máscaras no interior dos estabelecimentos de ensino.

    Também nas faixas etárias entre os 18 e os 65 anos, onde o programa vacinal inicial teve uma adesão praticamente total (entre os 98% na faixa dos 18-24 anos e os 100% na faixa dos 50-64 anos), a dose de reforço não está agora a ser procurada com grande intensidade. E sobretudo nos adultos jovens.

    Assim, até 11 de Abril, apenas 43% do grupo etário entre os 18 e 24 anos quiseram levar dose de reforço, valor que sobe para os 58% na faixa etária dos 25 aos 49 anos e para 83% para a faixa dos 50 aos 64 anos. Mesmo nos mais idosos, a taxa de reforço não atinge os mesmos patamares, embora muito próximo dos 100%. A diferença pode advir do facto de muitas pessoas idosas que tomaram as duas primeiras doses terem entretanto falecido de causas diversas.

    Apesar da ausência de dados absolutos de vacinação no último mês – por opção intencional da DGS –, considerando as estimativas da população calculadas pelo Instituto Nacional de Estatística e a evolução da percentagem de vacinados por grupo etário, terão sido inoculadas entre 7 de Março e 11 de Abril quase 215 mil pessoas. Ou seja, menos de seis mil vacinas administradas por dia.