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  • Pandemia: media mainstream tiveram ‘um papel central’ na perseguição de cientistas

    Pandemia: media mainstream tiveram ‘um papel central’ na perseguição de cientistas

    É um cenário de terror, aquele que é descrito por um estudo feito por cinco investigadores de universidades de Israel e da Austrália. Os investigadores entrevistaram cientistas e médicos de renome a nível mundial que contestaram as políticas seguidas na gestão da pandemia de covid-19 e apresentaram outras soluções. O que descobriram é perturbador: foram usadas tácticas de censura “extremas e sem precedentes” contra aqueles reputados cientistas e médicos. Além da supressão e censura das suas publicações e declarações públicas, outras tácticas foram usadas, como a difamação e perseguição de várias formas, incluindo pelos media mainstream, e a eliminação das suas contas em redes sociais. O estudo conclui que os grupos de comunicação social tiveram aliás um “papel central” na perseguição de ‘opositores’ às políticas que foram seguidas, com as tecnológicas, como Facebook, Google, Twitter e LinkedIn, a terem um papel especial. Conclui também que entidades públicas e farmacêuticas estiveram envolvidas na censura que foi levada a cabo. Mas, as tácticas extremas de censura usadas e a falta de transparência têm tido o efeito oposto do pretendido, levando a população a desconfiar das autoridades de saúde e das políticas seguidas.


    Tácticas de censura “extremas e sem precedentes” foram utilizadas para calar cientistas e médicos de topo a nível mundial que manifestaram posições discordantes das medidas políticas de gestão da pandemia da covid-19. Os media mainstream tiveram um papel central na perseguição das vozes ‘dissidentes’, a par das tecnológicas, como Facebook e Google, estando Governos e farmacêuticas envolvidos em actos de censura.

    Estas são algumas das conclusões de um estudo publicado na prestigiada revista científica Minerva uma publicação especializada em estudos sociológicos do grupo Springer por cinco investigadores de universidades de Israel e da Austrália. O estudo detalha como cientistas e médicos de topo a nível mundial foram visados por acções difamatórias, de censura e perseguição em larga escala.

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    Os investigadores Yaffa Shir-RazEty ElishaBrian MartinNatti Ronel e Josh Guetzkow, destacam no seu artigo intitulado Censorship and Suppression of Covid-19 Heterodoxy: Tactics and Counter-Tactics, que os métodos e tácticas usadas na pandemia foram anti-científicos e podem colocar em risco a vida de pessoas e a saúde pública, constituindo também uma ameaça à liberdade individual e liberdade de expressão. E avisam que a censura acabou por ter um efeito contrário, aumentando a desconfiança pública nas políticas seguidas.

    “Criar um falso consenso, censurando informação e impedindo debates científicos, pode levar os cientistas, e, portanto, também os decisores políticos, a afundarem-se no paradigma dominante, fazendo com que ignorem outras opções mais eficazes para lidar com a crise ou talvez até a impeçam”, alertam.

    Além da censura, que se tornou “a norma” na pandemia, os cientistas e médicos que apresentaram soluções alternativas às oficiais para gerir a pandemia foram alvo de técnicas de difamação e perseguição.

    A metodologia dos investigadores, para a prossecução desta análise, incluiu entrevistas a “13 médicos e cientistas bem estabelecidos [12 homens e 1 mulher], de diferentes países do mundo (nomeadamente, Austrália, Canadá, República Checa, Alemanha, Israel, Reino Unido e Estados Unidos]”.

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    Os media mainstream, a par das tecnológicas, executaram campanhas de perseguição a médicos e cientistas, incluindo classificando as suas pesquisas como “desinformação”, não os entrevistando, e eliminando as suas contas nas redes sociais.

    Destes médicos e cientistas, destacam os investigadores, “11 têm formação médica formal de diversas áreas [por exemplo, epidemiologia, radiologia, oncologia, cardiologia, pediatria, ginecologia, gestão das urgências] e dois são cientistas de investigação sem diplomas médicos [nas áreas da gestão de riscos e psicologia]”. Aqueles especialistas, frisam, “têm um mestrado ou doutoramento, e quatro têm ambos”, sendo que a maioria deles “é bem conhecida nas suas áreas, com um acervo de investigação comprovado que inclui muitas publicações académicas”.

    Os investigadores utilizaram “um método de amostragem propositado, ou seja, uma amostragem não probabilística, segundo a qual é feita uma seleção deliberada de indivíduos que nos podem ensinar sobre o fenómeno em estudo” e, “para preservar o anonimato dos inquiridos, são omitidos detalhes que podem levar à sua identificação”.

    À semelhança de situações anteriores em que houve censura e perseguição de cientistas e médicos, também na pandemia de covid-19 “os resultados de investigação indicam um envolvimento significativo dos meios de comunicação social e do establishment médico na censura e supressão de dissidentes”.

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    Mas salientam que houve “três grandes diferenças” que ocorreram na perseguição e censura de cientistas e médicos durante a pandemia de covid-19.

    Segundo o estudo, “em primeiro lugar, no que diz respeito ao conhecimento relacionado com a covid-19, as tácticas de censura utilizadas contra dissidentes foram extremas e sem precedentes na sua intensidade e extensividade, com revistas científicas e instituições académicas e médicas a participarem na censura de vozes críticas”.

    Por exemplo, um dos participantes do estudo referiu que “até páginas de publicação de estudos ainda não revistos por pares e sites de colaboração académica censuraram artigos e estudos científicos que não estavam alinhados com a narrativa mainstream“, acrescentando que se foi observando”, e isto parece ser “uma tendência crescente”.

    Os investigadores citam também um exemplo recente que ocorreu com um estudo que analisou um inquérito de mais de 300 mil pessoas em 175 países que decidiram não tomar as vacinas contra a covid-19. O estudo “foi removido da página ResearchGate.net nove dias depois de ter sido publicado, citando quebra dos seus termos e condições”.

    Mas o estudo publicado na Minerva apresenta mais preocupantes casos: “o que os nossos inquiridos descrevem vai muito além da censura, e inclui um vasto leque de métodos de supressão destinados a destruir a sua reputação e carreira, apenas porque se atreveram a tomar uma posição diferente da ditada pelo establishment médico”.

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    Os media mainstream também ajudaram a espalhar o medo pela população durante a pandemia,
    criando um clima de desespero e mesmo de pânico, em algumas situações.

    Em segundo lugar, outra diferença face a outras situações de censura, é que “embora estudos anteriores também tenham isolado casos em que investigadores e médicos com currículos impecáveis e até mesmo estatuto académico ou médico sénior foram censurados quando se atreveram a expressar opiniões divergentes, o estudo actual mostra que, no caso da covid-19, censurar médicos e investigadores de estatura tornou-se um fenómeno regular”.

    Os autores do estudo fazem ainda um alerta: “os participantes no nosso estudo, bem como os mencionados na introdução e muitos outros não incluídos na nossa amostra, não são cientistas à margem”. Isto porque, “a maioria são figuras de destaque: investigadores e médicos que antes da era covid-19 tinham um estatuto respeitável, com muitas publicações na literatura científica, algumas delas com livros e centenas de publicações, alguns a liderar departamentos académicos ou médicos, alguns deles editores de revistas médicas, e alguns tinham ganho prémios significativos”.

    A terceira diferença “proeminente”, destacada no artigo da Minerva, “é o papel significativo desempenhado pelas organizações de media durante a pandemia da covid-19, e especialmente as empresas de informação tecnológica, na censura de posições contrárias”. São estas organizações comunicação social e donas de redes sociais que “a nível prático”, detêm o poder, “têm maior capacidade e oportunidades para controlar o conhecimento e a divulgação de informação, e através disso, definir e controlar a agenda”.

    Os investigadores apontam que “documentos recentemente divulgados de processos judiciais indicam que pelo menos parte desta censura é orquestrada por funcionários do Governo”. “As nossas conclusões também apontam indirectamente para outras partes interessadas envolvidas no fenómeno da censura evidente na atual crise, especialmente as empresas farmacêuticas”, revelam.

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    Apesar deste estudo não se ter debruçado especificamente sobre o envolvimento de partes interessadas na censura, diversos relatórios, “tanto antes da era covid-19, como mais recentemente, (…) indicam o envolvimento extensivo de empresas farmacêuticas e de tecnologias de informação em silenciar informações e estudos que podem ser desfavoráveis para eles”.

    Para os investigadores, “dado o papel central destas empresas ao lado dos decisores políticos nas autoridades de saúde e nos governos a nível global, uma grande preocupação é que interesses substanciais, incluindo financeiros e políticos, bem como interesses relacionados com a reputação e a carreira, possam estar por detrás dos esforços de repressão”.

    E salientam ainda que “o interesse das empresas farmacêuticas em controlar o discurso em relação ao covid-19 é evidente”. Por exemplo, foram impostas “medidas altamente incomuns” para impedir que médicos pudessem utilizar medicamentos já existentes no mercado na fase inicial de infecção pelo SARS-CoV-2. Recorde-se que a utilização de medicamentos existentes inviabilizaria a aprovação para uso de emergência de outros fármacos, como é o caso das actuais vacinas.

    Citando um outro estudo publicado este ano, os investidores destacam que a proibição de um debate inicial poderá ter tido consequências económicas [luz verde para vacinas e novos fármacos sob autorização de uso de emergência], financeiras [lucros enormes para grandes empresas] e políticas [restrições globais de liberdades individuais]”.

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    Segundo este estudo, as tecnológicas “também têm fortes interesses em controlar o discurso sobre a pandemia covid-19” e os autores citam um caso exemplar: “em Junho de 2021, foi revelado que a Google, que foi acusada de silenciar a teoria que o vírus SARS-CoV-2 teve origem no Instituto Wuhan de Virologia, financiou, durante mais de uma década, pesquisas de vírus levadas a cabo por um cientista ligado a Wuhan, Peter Daszak, através do seu ‘braço’ de caridade, Google.org”. Além disso, a Google também “investiu um milhão de dólares numa empresa que usa epidemiologistas e análises de big data para prever e rastrear surtos de doenças”, referem os autores.

    Por outro lado, também o British Medical Journal revelou que o processo de fact-checking do Facebook e do YouTube [da Google] assenta em parcerias com verificadores de factos de terceiros, reunidas sob a égide da International Fact-Checking Network. Acontece que “esta organização é gerida pelo Poynter Institute for Media Studies, uma escola de jornalismo sem fins lucrativos cujos principais apoiantes financeiros incluem a Google e o Facebook”. Saliente-se que todos os fact-checkers portugueses, com destaque para o Polígrafo, mas também as rubricas do Público e do Observador, estão associados ao Poynter Institute.

    Quanto aos interesses pessoais dos decisores políticos, o estudo revela que “um grupo de observadores do Governo dos Estados Unidos tem vindo a exigir dados-chave sobre a história financeira e profissional do Dr. Anthony Fauci”, alegando que “durante a pandemia, o Dr. Fauci tem beneficiado generosamente do seu emprego federal, royalties, regalias de viagem e ganhos de investimento”.

    Mas a informação sobre qual foi o seu salário durante os últimos dois anos nunca se tornou pública, tal como as acções e títulos que comprou e vendeu em 2020 e 2021 no mercado financeiro, apesar de Fauci ter influenciado as políticas da covid-19. Também não se sabe o que recebeu — ou não recebeu — em royalties.

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    Aquilo que se sabe, na sequência de um pedido de acesso a informação [FOIA], nos Estados Unidos, é que “Fauci foi instruído por Francis Collins, então chefe do NIH (National Institutes of Health), para desacreditar a Great Barrington Declaration e desvalorizar os seus autores”.

    Mas o artigo da Minerva cita ainda outros casos de conflitos de interesses, incluindo de médicos que assumiram publicamente posições em linha com a narrativa. Em Portugal, um dos casos mais gravosos é o de Filipe Froes, que ganhou largas somas de farmacêuticas, e continua frequentemente a ser citado e destacado pelos media mainstream, nunca sendo referida a sua posição como consultor de empresas farmacêuticas, mas ao invés é destacado o seu papel como consultor da Direcção-Geral da Saúde.

    Os investigadores israelitas e australianos revelam também que, com este estudo, pretenderam “sensibilizar para o uso crescente de práticas de censura e tácticas agressivas de supressão, visando até figuras de relevo que se atrevem a criticar ou duvidar do ‘consenso’ que é imposto”. E avisam: “a censura e as práticas de silenciamento podem ter consequências de grande alcance, manifestadas na violação da liberdade de expressão e dos princípios éticos, prejudicando a ciência e potencialmente arriscando a saúde e segurança públicas”.

    Os investigadores recomendam, por fim, que sejam realizados mais estudos sobre as implicações da censura e tácticas de perseguição de cientistas e médicos durante a pandemia, concluindo que “a censura e o dogma não fazem parte da verdadeira Ciência e têm de ser abandonados e substituídos por um debate justo e aberto”.

  • Lobby das farmacêuticas na Ordem dos Médicos perde e presidente do Colégio de Pediatria acaba ilibado

    Lobby das farmacêuticas na Ordem dos Médicos perde e presidente do Colégio de Pediatria acaba ilibado

    Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, foi um dos muitos clínicos que criticou a estratégia da Direcção-Geral da Saúde em recomendar a vacinação universal de crianças contra a covid-19. Por causa da sua opinião, a Ordem dos Médicos instaurou-lhe um processo disciplinar por pressão do bastonário, Miguel Guimarães, através dos membros do seu Gabinete de Crise para a Covid-19, encabeçado por Filipe Froes e outros médicos com ligações comerciais com as farmacêuticas. A campanha de denegrir a imagem pública de Jorge Amil Dias surtiu efeito, mas o procedimento disciplinar caiu esta semana por terra. O presidente do Colégio de Pediatria espera que esta decisão faça “jurisprudência” para que, no futuro, não volte a haver tentativas de silenciamento de médicos pela via da “secretaria”.


    É mais uma derrota para o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães. E é mais uma evidência dos meandros nebulosos que circundaram o “mundo dos médicos” desde 2020, com clínicos a comportarem-se como porta-estandartes da indústria farmacêutica sobretudo desde o surgimento da pandemia da covid-19.

    Esta semana caiu por terra a queixa apresentada na Ordem dos Médicos contra o presidente do Colégio de Pediatria, Jorge Amil Dias, por um grupo de médicos afectos ao bastonário e à indústria farmacêutica, entre os quais se destacam Filipe Froes, Carlos Robalo Cordeiro e Luís Varandas.

    Jorge Amil Dias, pediatra e presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos.

    A queixa destes médicos e de mais outros 13 levou à abertura de um processo disciplinar contra o reputado pediatra, que está agora a caminho do arquivamento. O relator do processo, João Branco, membro efectivo do Conselho Disciplinar Regional do Sul, conclui , de forma clara e evidente, “não ter havido violação das leges artis ou do Código Deontológico por parte do médico participado”.

    O “crime” que estava em causa por este renomado especialista em gastroenterologia pediátrica é simples de explicar: tomou posição pública, a título pessoal, ao considerar a vacinação de crianças “desproporcionada” e “desnecessária”, além de advogar a relevância da imunidade natural. Além disso, foi um dos subscritores de um abaixo-assinado que integrou quase uma centena de médicos e outros profissionais de saúde, alertando também para os riscos da vacinação num grupo etário de baixíssimo risco.

    O processo disciplinar contra o presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria – que não é escolhido, assim como nos outros colégios, nas mesmas eleições do bastonário, e beneficia de independência – resultou de uma carta-denúncia no início de Fevereiro, assinada por médicos afectos ao bastonário e à indústria farmacêuticas.

    Miguel Guimarães (à direita), urologista e bastonário da Ordem dos Médicos, ao lado de Carlos Robalo Cordeiro, um dos subscritores da queixa contra Jorge Amil Dias.

    Neste grupo estão incluídos todos os membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 que solicitaram “a avaliação da conduta, por eventual infração disciplinar” de Amil Dias.

    Miguel Guimarães, que se manifestou incomodado por pediatras contrariarem as suas posições de médico urologista a falar de assuntos de pediatria, anunciou mesmo que levaria o assunto a reunião do Conselho Nacional Executivo para depor a destituição de Amil Dias como presidente do Colégio de Pediatria, algo que nunca sucedeu.

    Mais do que qualquer castigo relevante que pudesse atingir Jorge Amil Dias, este processo da Ordem dos Médicos revelava então o “clima de guerra” que alimenta as relações entre estes profissionais de saúde no mandato de Miguel Guimarães, que escancarou portas a procedimentos inquisitoriais por meros delitos de opinião, sobretudo com o advento da pandemia.

    Miguel Guimarães tem sido, além disso, criticado internamente por não acatar os pareceres técnicos dos Colégios de Especialidade – e até de os esconder publicamente –, optando antes por criar órgãos de consulta não-estatutários.

    O pediatra Jorge Amil Dias afirmou ao PÁGINA UM que considera que “o parecer do Relator é muito claro e desmonta ponto por ponto as acusações” que lhe eram feitas, não vendo qualquer violação do ponto de vista deontológico nem de ter violado “os bons princípios e as boas práticas”. Para Amil Dias, seria bom se esta decisão “fizesse alguma jurisprudência quanto às tentativas de calar [médicos] na ‘secretaria’, para os silenciar”.

    Extracto do relatório da proposta de arquivamento do processo contra Amil Dias.

    De acordo com a proposta de arquivamento a que o PÁGINA UM teve acesso, o relator do processo disciplinar dá plena razão a Jorge Amil Dias em diversos pontos.

    João Branco começa por lembrar que “à data dos factos em apreciação no presente processo disciplinar, existia, na comunidade médica em geral, e nos médicos pediatras em particular, uma
    divisão sobre o tema da vacinação contra a SARS-Cov-2 em crianças e
    adolescentes, nomeadamente no que respeita à necessidade desta, ao grau de
    proteção conferido e respetivos efeitos adversos”.

    E adiante, em seguida, que “são compreensíveis e aceitáveis” as preocupações transmitidas por Jorge Amil Dias em relação aos possíveis efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 nas crianças, “uma vez que, em 29 de Outubro de 2021, foi emitida uma autorização para o uso de emergência da vacina da Pfizer-BioNtech para a prevenção da covid-19 em crianças entre os 5 e os 11 anos de idade”.

    “Ora, tal significa”, continua o relator, “que o processo de licenciamento da vacina para administração em crianças foi acelerado em relação ao normal processo de licenciamento, pelo que as reações adversas de médio e longo prazo, poderiam ainda não ser, à data, integralmente conhecidas, com os inerentes riscos”, frisou no seu parecer.

    Sobre a queixa de Filipe Froes e demais médicos relativa a declarações prestadas por Amil Dias sobre o Hospital D. Estefânia, o relator considerou que até “poderão ser pertinentes” as questões levantadas pelo pediatra.

    Na opinião de João Branco, “não se deve considerar que o médico participado [Jorge Amil Dias] estava a colocar em causa as competências profissionais dos colegas do Hospital de D. Estefânia, mas somente que aquele terá procurado esclarecer a veracidade dos números de doentes internados com covid-19 revelados numa entrevista e divulgados pela comunicação social, os quais, posteriormente, se terá comprovado não corresponderem aos dados reais”.

    Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos.

    E salienta ainda que os comentários do presidente do Colégio de Pediatria “realizados pelo médico participado “no que respeita à metodologia dos estudos do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) são pertinentes, bem como são justificadas as questões clínicas levantadas”.

    Relativamente às Cartas Abertas subscritas por Amil Dias, com data de 25 de Janeiro e de 3 de Fevereiro de 2022, o Relator defende que “os médicos, enquanto médicos e cidadãos, têm o direito de escrever cartas abertas, divulgando a sua posição, ainda que esta seja contrária à orientação da Ordem dos Médicos, do Senhor Bastonário, do Gabinete de Crise para o [sic] covid-19 e da Direção-Geral da Saúde”.

    João Branco salienta também que “a divergência de opiniões sobre a vacinação infantil não se verificou só em Portugal, sendo de realçar que no Reino Unido, após ter sido assumida uma recomendação de vacinação das crianças dos 5 aos 11 anos de idade, um grupo de 18 médicos também se dirigiu publicamente às autoridades de saúde manifestando preocupação, não tendo tal sido considerado ofensivo ou atentatório da verdade científica”.

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    Neste enquadramento, e salvaguardando que é pessoalmente “favorável à vacinação”, João Branco deefnde que “as questões metodológicas e clínicas levantadas pelo médico participado foram pertinentes, entendendo que as mesmas não devem ser consideradas ofensivas para os Colegas, para a Ordem dos Médicos, para o seu Bastonário, ou para o Gabinete de Crise para a Covid-19, apenas traduzindo divergência de opiniões, sendo, no contexto em que foram proferidas, aceitáveis”.

    Apesar de se mostrar satisfeito com a recomendação de arquivamento do processo disciplinar instaurado contra si, Amil Dias condena o facto de os media ajudarem a enxovalhar em público quem é sujeito a este tipo de acusações. E que, depois, nota o pediatra, quando sai uma decisão favorável que deita por terra as acusações, a imprensa em geral, com algumas excepções,”publica uma pequena notícia na página 54″. “Isto é feio”, conclui.

  • Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Assumindo a sua “autoridade científica”, o Instituto Superior Técnico começou, primeiro de forma sobranceira, a recusar ao PÁGINA UM o acesso a um relatório alarmista sobre a covid-19 disponibilizado à Lusa. Intimado através do Tribunal Administrativo de Lisboa, a instituição tem alegado que só fez um “esboço embrionário”. A juíza quer saber se é verdade. E obrigou esta entidade universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço a entregar-lhe o documento, em envelope lacrado, para o analisar.


    A juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa, Telma Nogueira, exige ver o alegado estudo do Instituto Superior Técnico divulgado pela imprensa em finais de Julho que estimava a ocorrência de centenas de mortes por causa das festas populares e festivais de música em Junho passado, numa altura em que, na verdade, se observou uma tendência de redução significativa de casos positivos.

    Em causa estão as estimativas e análises sobre a pandemia elaboradas pelo Instituto Superior Técnico desde Junho de 2021, em parceria com a Ordem dos Médicos, que inclui aquele que se debruçou sobre os efeitos das festividades de Junho, mas que agora a instituição universitária diz não ser, afinal, um relatório, apesar de a agência Lusa ter garantido ao PÁGINA UM que assim é. As estimativas apontavam para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Durante o processo judicial no Tribunal Administrativo, o Instituto Superior começou por defender que não tem o dever de disponibilizar os documentos ao PÁGINA UM – incluindo os dados em bruto e a metodologia – por se estar perante um “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.

    Já na semana passada, o Instituto Superior Técnico veio argumentar, também em sede do processo de intimação instaurado pelo PÁGINA UM, dizendo que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E dizia ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [director do PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    A instituição universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço argumentava, por fim, que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Mas agora a juíza Telma Nogueira quer mesmo saber se o Instituto Superior Técnico está a contar a verdade. No seu despacho, e “com vista a apurar se o documento em causa nos autos constitui um ‘esboço’ conforme alegado”, a juíza ordena que o Instituto Superior Técnico entregue, num prazo de 10 dias, “o referido documento que designa de ‘esboço’, em envelope lacrado” e dentro de outro envelope. A juíza dá a alternativa desse documento chegar ao Tribunal em mão ou via correio postal.

    Se o Instituto Superior Técnico conseguir convencer a juíza de que o documento em causa é um esboço – por exemplo, um guardanapo de papel com meros tópicos rascunhados é considerado um “esboço” –, a lei não o obriga a cedê-lo para consulta, mas ficará assim patente que a imprensa mainstream divulgou informação imprecisa, incompleta e errada, com a agravante de lhe chamar relatório. Se o documento estiver minimamente estruturado, então a equipa liderada pelo matemático Henrique Oliveira, e supervisionada pelo próprio presidente da instituição, poderá ser escrutinada sob o ponto de vista científico.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos.

    O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. O PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente em meios universitários.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Covid-19: Assintomáticos infectam 30% menos e originam três vezes mais casos sem gravidade, diz estudo norueguês

    Covid-19: Assintomáticos infectam 30% menos e originam três vezes mais casos sem gravidade, diz estudo norueguês

    Em artigo científico publicado ontem em prestigiada revista científica, investigadores do Instituto Norueguês de Saúde Pública concluíram que pessoas sem sintomas transmitem muito menos o SARS-CoV-2. Além disso, quando ocorre contágio nestas circunstâncias, a probabilidade de originar formas de doença menos grave (assintomáticos) é três vezes superior. O estudo norueguês revelou também que os casos assintomáticos eram, em média, mais frequentes nas faixas etárias jovens, em homens e em pessoas com menos doses de vacina em comparação com os casos sintomáticos.


    As pessoas infectadas pelo vírus SARS-CoV-2 que não apresentam sintomas transmitem quase 30% menos o vírus do que os sintomáticos, revelou ontem um artigo científico publicado na prestigiada revista BMC Medicine, pertencente à Springer Nature, que também edita a Nature. Os investigadores noruegueses – que analisaram mais de 27 mil casos positivos de covid-19 em Oslo entre Setembro de 2020 e Agosto de 2021 – revelam ainda que as pessoas contagiadas por assintomáticos tiveram três vezes maior probabilidade de também serem assintomáticas em comparação com a transmissão por um sintomático.

    Estas conclusões são extremamente importantes, uma vez que apontam para um menor nível de perigosidade do vírus no contágio por pessoas sem sintomas, pondo também em causa parte das medidas não-farmacológicas. Recorde-se que a maioria das autoridades de saúde chegaram a decretar o confinamento de pessoas com “contactos de risco” mesmo sem sintomas de covid-19.

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    Como o risco de transmissão era menor, mas mesmo existindo, as consequências eram menores, o confinamento aparenta não ter sido a melhor opção do ponto de vista da saúde pública. Ou seja, se houvesse maior transmissão por assintomáticos, que originam um maior rácio de infecções assintomáticas – em comparação com a transmissão por sintomáticos –, haveria, certamente, uma maior percentagem de pessoas a não desenvolverem formas graves de doença e a criarem assim imunidade natural útil para enfrentar posteriores infecções por sintomáticos.    

    A este respeito, o artigo, publicado já depois de revisto por pares (peer review), intitulado “Lower transmissibility of SARS-CoV-2 among asymptomatic cases” (em tradução livre, Menor transmissibilidade do SARS-CoV-2 entre casos assintomáticos) diz claramente que os “casos sintomáticos espalham o vírus em maior medida do que os assintomáticos, e que os infeciosos são mais propensos a serem assintomáticos se o seu infecioso assumido fosse assintomático”.

    Estudo foi ontem publicado na revista BMC Medicine.

    Os autores deste estudo – Fredrik Methi e Elisabeth Henie Madslien, ambos consultores do Instituto Norueguês de Saúde Pública – basearam a sua pesquisa em dados de rastreio de contactos na capital norueguesa, estimando “a dinâmica de transmissão e susceptibilidade entre casos sintomáticos e assintomáticos e os seus contactos identificados” a partir de 27.473 casos positivos e 164.153 contactos próximos.

    E estimaram, com rigor, que a taxa de ataque secundário (SAR) era 28% mais baixa por exposição assintomática em comparação com a exposição sintomática. Com efeito, no caso dos assintomáticos a taxa era de apenas 13%, valor que contrastava com os 18% no caso dos sintomáticos.

    Esse aspecto nem era o mais relevante. “As pessoas infectadas por pessoas assintomáticas eram quase três vezes mais propensos a serem [também] assintomáticas em comparação com as infetadas por casos sintomáticos”, adiantam os investigadores noruegueses.

    Por outro lado, os investigadores descobriram que, estranhamente, as pessoas com sintomas tinham mais doses de vacinas do que as pessoas sem sintomas – algo que entra em contradição com a propalada eficácia das vacinas na redução das formas graves de doença –, acrescentando assim que “os casos assintomáticos eram, em média, mais jovens e maioritariamente do sexo masculino.

    Os autores referem que “existem várias razões para os casos assintomáticos poderem ser menos transmissíveis do que os sintomáticos”, apontando “a falta de tosse, espirros e outros sintomas respiratórios [que] podem reduzir a disseminação de gotículas respiratórias”, além da existência de “diferenças na carga viral e excreção viral entre [esses] dois grupos”.

    No entanto, salientam que “até agora, a literatura [científica] sobre a relação entre carga viral e gravidade da doença é inconclusiva. E dizem ainda que “pode haver diferenças nos padrões comportamentais de pessoas sintomáticas e assintomáticas”, embora acrescentem que, em Oslo, não as encontraram.

  • Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Desde Junho de 2021, o Instituto Superior Técnico, investido da sua autoridade científica, elaborou relatórios sobre pandemia em parceria com a Ordem dos Médicos. No último estudo conhecido, divulgado há pouco mais de dois meses pela imprensa, atribuía directamente às festas populares e aos concertos em Junho várias centenas de mortes por covid-19, numa altura em que os casos positivos até apresentavam, afinal, forte tendência decrescente. Perante a recusa em ceder a informação, o PÁGINA UM apresentou um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Independentemente do seu resultado prático – acesso à informação –, este processo acaba por ser revelador de uma certa forma de “fazer” Ciência em Portugal, e da postura dos denominados “peritos”.


    Em processo que corre no Tribunal Administrativo de Lisboa (TAL) – intentado pelo PÁGINA UM para aceder a um alegado estudo (incluindo dados numéricos e metodologia) que associava as festas populares de Junho passado a um incremento directo de mortes por covid-19 –, o Instituto Superior Técnico (IST) veio agora reinterpretar o significado de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, conceito que usara inicialmente para classificar um relatório profusamente divulgado pela imprensa em final de Julho.

    A notícia original foi elaborada pela agência Lusa – que garantiu ao PÁGINA UM que “o relatório (…) existe, naturalmente, caso contrário (…) não teria feito notícia” – e reproduzido então por mais de uma dezena de órgãos de comunicação social de âmbito nacional.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos. O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. Saliente-se que o PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Numa alegação entregue na passada quarta-feira no TAL, a advogada mandatada por Rogério Colaço veio agora dizer que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E diz ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    Saliente-se, porém, que o PÁGINA UM apenas recebeu de um dos investigadores do Instituto Superior Técnico uma explicação vaga sobre a suposta metodologia, mas nunca lhe foi remetido qualquer parte do alegado relatório escrito – que chegou mesmo a merecer citações expressas no take da Lusa, difundido pela restante imprensa – nem qualquer ficheiro com dados numéricos que possibilitasse qualquer conclusão.

    De acordo com a notícia da Lusa, de 28 de Julho passado – que continha sete citações expressas (vd. em baixo) do suposto relatório –, os peritos do Instituto Superior Técnico – supervisionados pelo próprio presidente – apontavam, entre outros aspectos, para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Sucede, porém, que na realidade ao longo do mês de Junho se registou uma redução sistemática do número de casos positivos e de mortes atribuídas à covid-19, tornando paradoxal, e pouco sustentável cientificamente, que as festividades tivessem tido um impacte agravante. Ou seja, o levantamento das restrições e a maior proximidade física das pessoas sem máscara não foi acompanhada de um acréscimo de casos nem de óbitos.

    Foi exactamente para averiguar o cumprimento de preceitos de rigor científico que o PÁGINA UM pretendeu aceder ao suposto relatório do Instituto Superior Técnico, que a Lusa diz existir, e que a instituição universitária pública esclarece agora que “não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso (…) era um esboço”.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    No entanto, esboço ou qualquer outra coisa que seja, certo é que o Instituto Superior Técnico nunca veio a público negar a validade das notícias da Lusa e dos outros órgãos de comunicação social, mesmo se agora a sua advogada garanta que desconhece como aquele (esboço ou relatório) “chegou à comunicação social”.

    Convém, aliás, notar que, na troca de e-mails no final de Julho passado entre o PÁGINA UM e o investigador Henrique Oliveira – coordenador da equipa de peritos do Instituto Superior Técnico –, aquele matemático não ignorava, pelo contrário, a repercussão mediática daquele esboço ou relatório.

    Com efeito, argumentando que toda a equipa estava de férias – e que ele era “o único do grupo de trabalho mandatado a falar sobre esses assuntos de análise” –, Henrique Oliveira fez mesmo gala de ter recusado “diversos convites” da imprensa, “nomeadamente de três televisões nacionais para falar sobre o assunto”. E a sua recusa para falar às televisões não fora por não reconhecer o relatório – ou por não o considerar válido ou validado –, mas sim porque, adiantava ao PÁGINA UM, “entrei de férias e as férias são, digamos, pouco científicas”.

    Resposta de Henrique Oliveira em 29 de Julho ao PÁGINA UM, em que informa ter recusado convites para falar com três televisões nacionais por estar de férias, nunca se demarcando da divulgação de informação não autorizada ou não validada cientificamente pela instituição universitária.

    Acrescente-se também que o PÁGINA UM seguiu o conselho de Henrique Oliveira e pediu o relatório e os dados em bruto ao gabinete de imprensa do Instituto Superior Técnico, mas este não foi satisfeito. Essa recusa seria mesmo reiterada por Rogério Colaço por mensagem enviada do seu telemóvel. Um posterior pedido formal, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, nem mereceu resposta, razão pela qual o PÁGINA UM fez entrar um processo de intimação junto do TAL.

    Mas agora o Instituto Superior Técnico ainda defende que, independentemente da classificação do documento em causa – relatório, ensaio, esboço ou outro qualquer termo –, o PÁGINA UM não deve ter acesso. “Considerando o princípio da proporcionalidade, salvo melhor opinião, não nos parece que o direito à informação do requerente [PÁGINA UM] se revele suficientemente relevante para justificar o acesso a um documento em estado embrionário, um estudo sem estar concluído”, acrescenta a defensora do Instituto Superior Técnico.

    Um relatório anterior do Instituto Superior Técnico alertava que haveria um aumento das infecções com as festividades, mas tal não sucedeu. O suposto relatório de finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, a instituição universitário optou por recusar essa validação externa. As festas populares em Lisboa este ano tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de covid-19 regrediram face a Maio.

    E conclui ainda que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Saliente-se que a única pretensão do PÁGINA UM, neste caso, é analisar a qualidade da produção científica do Instituto Superior Técnico que, em articulação com a Ordem dos Médicos, ao longo dos meses apresentou e divulgou estudos sobre a pandemia. E sobretudo perceber se esta instituição científica fez algo para evitar que o seu nome fosse usado mediaticamente para transmitir informação errada ou inexacta, tanto mais que é o próprio Instituto Superior Técnico que admite que o seu (assim classificado) “ensaio de projeção/ estimativa” afinal “pode não conter informações exatas e precisas”.

    Em Março passado, Henrique Oliveira, que é professor do Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico, zurziu no relatório semanal da Direcção-Geral da Saúde, dizendo que era pobre. Em declarações à CNN Portugal disse mesmo que tinha “muito pouca qualidade, nebuloso mesmo”, e que, “como matemático, não hesitaria em chumbar um aluno que me apresentasse um relatório destes”. Sobre os relatórios do próprio Henrique Oliveira, em breve o PÁGINA UM saberá da sua qualidade, se a sentença do Tribunal for favorável a esse conhecimento público.


    Citações (entre aspas) do (suposto) relatório do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Colunex: a empresa de colchões foi dar uma “ajudinha” aos hospitais e facturou 1,3 milhões de euros numa semana

    Colunex: a empresa de colchões foi dar uma “ajudinha” aos hospitais e facturou 1,3 milhões de euros numa semana

    No início da pandemia, um mastodôntico Estado com quase nove séculos de História não conseguiu reunir logística suficiente para garantir o suprimento de equipamentos e produtos para contrariar os fenómenos de especulação e disrupção do mercado. Preferiu receber de braços abertos quem se predispusesse a dar uma “ajudinha” para encontrar materiais e produtos, mesmo que custassem os “olhos da cara” aos contribuintes. Até a Colunex, uma empresa de colchões, decidiu “auxiliar” o Estado nesse desígnio. Acabou a facturar 1,3 milhões de euros em máscaras. Em apenas uma semana. Tudo por ajuste directo e sem se conhecer sequer o preço unitário.


    Apesar de ser uma das mais icónicas marcas de colchões, a Colunex nunca vendeu uma só unidade deste produto a qualquer entidade pública, incluindo hospitais. Nem um sobre-colchão, nem uma almofada, nem um jogo de lençóis, nem uma cama articulada, nem um sommier ou um estrado, nem um banco ou uma poltrona, nem sequer uma mesinha de cabeceira. Nada.

    Tudo mudou com a pandemia. Mas não porque o fluxo de doentes nos hospitais justiçasse a compra de mais camas e colchões – na verdade, os internamentos totais reduziram-se, como o PÁGINA UM já revelou – ou que os produtos da Colunex tivessem tido alguma recomendação especial numa das muitas normas relacionadas com a covid-19 da Direcção-Geral da Saúde, por indicação dos seus consultores. Nada disso. Desde Março de 2020, mês oficial da chegada do SARS-CoV-2 a Portugal, a Colunex vendeu zero colchões ao Estado, tanto quanto os que vendera desde que o Portal Base elenca todos os contratos públicos, há mais de uma década.

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    Porém, vendeu algo que passou a ser corriqueiro ao longo da pandemia para qualquer empresa, desde as multinacionais até às de vão-de-escada: máscaras.

    Não se sabe quantas foram; terão sido muitas. Mas sabe-se quanto o Estado gastou com a compra de máscaras à Colunex. E não se sabe as quantidades, porque tudo foi por ajuste directo com competente direito a nada ficar escrito, sempre invocando a famigerada alínea c do número 2 do artigo 95º do Código dos Contratos Públicos: ”por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade, é necessário dar imediata execução ao contrato”. Portanto, nada se sabe sobre as quantidades nem sobre o preço unitário se sabe. Somente se sabe aquilo que saiu dos cofres dos hospitais, ou seja, do Estado; isto é, dos contribuintes.

    Foi tudo muito repentino, diga-se. Em apenas uma semana, com sábado e domingo de permeio, entre 25 de Março e 1 de Abril de 2020, a Colunex teve artes e virtudes de garantir seis contratos com hospitais, quatro dos quais de três unidades da região do Porto, pelo valor total de 1,3 milhões de euros. Ou, para se ser mais preciso, 1.304.025 euros.

    A Colunex, fundada em 1986, tem sede numa freguesia de Paredes, tendo oito lojas espalhadas sobretudo por centros comerciais de grande dimensão.

    Depois dessa data, pelo menos que conste do Portal Base, nada mais a Colunex vendeu deste ou de qualquer outro produto. Foi um negócio repentino. E assim veio, e assim foi. Um negócio que se assemelhou ao tempo de vida de uma borboleta adulta. Mas um negócio tão “belo” como alguns destes insectos.

    O primeiro contrato da Colunex foi estabelecido com o Centro Hospitalar Universitário do Porto, no dia 25 de Março, por 78.000 euros. Com a mesma data surge um segundo contrato com a mesma unidade de saúde – que integra Hospital Santo António, o Centro Materno Infantil do Norte, o Centro de Genética Médica e o Centro Integrado de Cirurgia de Ambulatório – por 124.200 euros.

    Este contrato foi para aquecer. No dia seguinte terá sido um dia de festa na Colunex. O Centro Hospitalar Universitário de São João – cujo presidente do conselho de administração era o agora director executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo – comprou à empresa de colchões 587.325 euros em máscaras. Ao preço unitário agora praticado, apenas 2 cêntimos por unidade, teria dado para adquirir 29.366.250 máscaras – ou seja, para mascarar quase três vezes a população portuguesa inteira, mas naquela altura vendia-se ao preço que se queria e nem se regateava.  

    Fernando Araújo, então presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, autorizou a compra de quase 600 mil euros em máscaras, sem contrato escrito, e sem se saber o preço unitário. Eis o resultado da oferta de ajuda feita pela Colunex.

    No mesmo dia, a Colunex obteve mais um contrato nas redondezas: vendeu 222.500 euros de mais umas quantas máscaras à Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que gere o Hospital Pedro Hispano. Este contrato demorou bastante a aparecer no Portal Base: somente surgiu a partir de 8 de Fevereiro do ano passado.

    A 27 de Março surge o único contrato de máscaras fora da região nortenha: o Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira decidiu comprar à Colunex 76.000 euros deste equipamento facial.

    Por fim, com um fim-de-semana pelo meio, esta incursão da Colunex com o mundo das máscaras terminou num contrato a 1 de Abril de 2020 com o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa. O preço total: 216.000 euros.

    A administração da Colunex não quis esclarecer o PÁGINA UM sobre os meandros destes fugazes contratos nem dos lucros. Tão-pouco houve comentários dos responsáveis da Unidade de Saúde Local de Matosinhos, a segunda entidade pública com valores mais elevados de compras de máscaras à empresa de colchões.

    Quanto ao Centro Hospitalar Universitário de São João, a assessoria de imprensa justifica o recurso a esta e outras empresas que não costumavam vender produtos de uso hospitalar por causa de “quebras nas cadeias logísticas de material de consumo clínico, tendo estado em risco iminente, e por diversas vezes, incapacidade de proteção dos profissionais de saúde para a prestação de cuidados a doentes com covid-19”.

    E explica que “a comunidade civil (pessoas e empresas), ao ter conhecimento desta tremenda dificuldade, manifestaram junto dos hospitais diversas formas de ajuda, sem as quais não teria sido possível cumprir a nossa missão.”, acrescentando que “foi o caso da empresa Colunex Portuguesa S.A., que entrou em contacto com quatro hospitais da região Norte, tendo disponibilizado a sua logística para o transporte para Portugal de máscaras de proteção à covid-19, de forma a evitar rotura destes bens essenciais, pois na altura não existia oferta no mercado”.

    Este centro hospitalar do Porto diz ainda que “as quantidades de máscaras cirúrgicas e FFP2 entregues às quatro unidades hospitalares terão sido similares, bem como iguais os preços unitários”. Contudo, não adiantou qual foi o preço unitário. Está no “segredo dos deuses”, como estranhamente se tornou norma durante a pandemia.

  • Excesso de mortalidade não-covid disparou: este ano é mais de 10 vezes superior a 2021

    Excesso de mortalidade não-covid disparou: este ano é mais de 10 vezes superior a 2021

    O ano de 2022 já não é atípico, porque sucedeu a dois completamente anormais por causa da pandemia. Mas assacar responsabilidades somente ao SARS-CoV-2 ou a factores meteorológicos parece cada vez fazer menos sentido. Com vacinas disponíveis e uma variante menos letal (Ómicron), acabou por se morrer este ano muito mais por covid-19 do que em 2020, sem vacinas e com escassa imunidade natural. Mas pior ainda: o excesso de mortalidade não-covid, que já tinha sido elevada nos primeiros 10 meses de 2020, regressou agora em grande força este ano. Explicações oficiais? Não há. O Ministério da Saúde diz estar em estudos; e, enquanto isso, vai “lutando” no Tribunal Administrativo para convencer os juízes a não conceder o direito à informação pelo PÁGINA UM.


    Apesar de pouco detalhados, os dados oficiais do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) não enganam e mostram um cenário aterrador: apesar da mortalidade total no ano passado ser ainda ligeiramente superior à do ano corrente (uma diferença de apenas 1.013 óbitos entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro), o excesso de mortalidade não-covid disparou e está em níveis absurdamente elevados.

    A análise do PÁGINA UM mostra que, se se descontar ao total os óbitos oficiais da covid-19 em períodos homólogos dos três anos da pandemia (meses de Janeiro a Outubro), o ano de 2020 surge ainda como aquele que apresenta uma maior mortalidade atribuída a outras causas, embora 2022 esteja a uma pequena distância.

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    Contudo, aquilo que mais surpreende pela dimensão catastrófica surge quando se compara os anos de 2021 – onde se registou um pico de mortalidade por covid-19 em Janeiro e Fevereiro – e de 2022 – marcada pela dominância da variante Ómicron, muito menos letal, e com parte substancial da população com vacinação contra a covid-19 completa e com vários reforços.

    De facto, o ano de 2021 ainda tem mais mortes totais, mas quando se descontam os óbitos por covid-19, ressalta um quadro negro de excesso de mortalidade não-covid ao longo do presente ano: mais que decuplica. Ou seja, aumenta quase 1.000%. Mais chocante do que este espantoso incremento é a inércia do Governo em apurar as causas, sobretudo sabendo-se de o presente ano estar a ser o terceiro consecutivo com mortalidade excessiva. Portanto, já não são apenas os mais vulneráveis a “partirem”; é também, e muito, quem não deveria deixar esta vida tão cedo.

    Analisar os três anos em detalhe ajuda a contextualizar o problema.

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    No primeiro ano da pandemia, entre Janeiro e Outubro, os dados oficiais contabilizam a morte de um total de 98.837 pessoas, das quais 2.544 atribuídas à covid-19, significando assim que por outras doenças se registaram-se 96.293 óbitos. Deste modo, face à média do período homólogo (Janeiro a Outubro) do quinquénio anterior à pandemia (2015-2019), o ano de 2020 teve então um excesso total de 7.095 óbitos, mas que descia para os 4.551 se descontadas as mortes por covid-19. Ou seja, este último valor era o excesso não-covid.

    O ano de 2021 começou com uma inusitada mortandade, fruto de surtos agressivos de covid-19, de uma intensa vaga de frio e do colapso das unidades do Serviço Nacional de Saúde. Só no mês de Janeiro do ano passado morreram 19.649 pessoas, quando a média do período homólogo do quinquénio anterior à pandemia (2015-2019) era de 12.561 óbitos. A mortalidade ao longo do ano passado manteve-se sempre elevada, apesar do programa vacinal contra a covid-19. Entre Janeiro e Outubro acabaram por falecer um total de 103.334 pessoas, das quais 11.190 atribuídas à covid-19.

    Deste modo, o excesso não-covid foi assim de apenas 402 – ou seja, uma descida substancial face ao ano anterior. Note-se, contudo, que subsistem sérias dúvidas sobre a mortalidade atribuída à covid-19, tanto mais que, de acordo com a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, cerca de um terço das mortes atribuídas a esta doença ocorreram fora de unidades de saúde.

    Óbitos no período Janeiro-Outubro desde 2015 até 2022 por causas diversas, por covid-19 e excesso de mortalidade não-covid-19 face à média (2015-2019) em Portugal. Fonte: SICO.

    Em todo o caso, o excesso global da mortalidade total em 2021, até finais de Outubro, foi elevadíssimo: mais 11.592 óbitos acima da média do período homólogo, ou seja, um acréscimo de 12,6%.

    Já o ano de 2022 não surpreende somente pelo elevado número de mortes por todas as causas, mas sobretudo por se verificar tanto na covid-19 – com uma variante menos agressiva a afectar população vulnerável praticamente toda vacinada e já com largas franjas com imunidade natural – como em causas não-covid. Até finais de Outubro, dos 102.321 óbitos contabilizados, 6.252 foram atribuídos à covid-19 – pouco mais de metade (56%) dos de 2021, mas 146% a mais do que em 2020, quando então não havia sequer vacinas e a população estava naive perante o SARS-CoV-2.

    Saliente-se que nesta comparação deve ser considerado que a covid-19 causou a primeira morte em Março de 2020; porém, mesmo assim era suposto que uma vacina, que chegou ser anunciada como tendo uma eficácia quase total, registasse um impacte muito mais positivo na redução da mortalidade por covid-19 em 2021 e 2022.

    Mas mesmo morrendo mais pessoas do que seria expectável por covid-19, são as mortes não-covid-19 que merecem explicações oficiais, que invoquem mais do que um Verão de temperaturas quentes e uma Primavera mais primaveril.

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    Com efeito, uma das tónicas mais marcantes de 2022 tem sido o sistemático excesso de mortalidade, persistente e não conjuntural, como sucede com as ondas de calor. Este ano, até Julho, todos os meses ultrapassaram os 10 mil óbitos. Os três últimos meses foram mais amenos – Agosto com 9.305 óbitos; Setembro com 8.751 e Outubro com 9.489 –, mas sempre com valores acima do ano passado e da generalidade dos anos anteriores. Considerando a média no quinquénio anterior à pandemia (2015-2019), entre Janeiro e Outubro, o excesso não-covid é de 4.327 óbitos.

    E assim, mesmo que o ano de 2022 acabe com valores abaixo de 2021, a actual situação demonstra estarmos a passar por um estado extremamente periclitante da saúde pública. Três anos de excesso de mortalidade ininterrupta. Vai durar? Se enterrarmos a cabeça na areia, sim…

  • Serão agora a Ciência e a Censura as novas armas políticas em democracia?

    Serão agora a Ciência e a Censura as novas armas políticas em democracia?

    Ferramentas da Psicologia Comportamental e técnicas de supressão e controlo de informação têm estado a ser usadas, nos últimos dois anos, para gerar uma maior concentração de poder político e económico, num ataque à democracia que está em curso. Esta é uma das conclusões de cientistas e especialistas que participaram no Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima entre sexta-feira e hoje. A supressão de informação, acusam, está a servir para ajudar a concentrar mais poder em políticos e interesses económicos, salientando que, agora, a Medicina Baseada na Evidência foi substituída pela Medicina Baseada em Políticas. E avisaram também que, desde 2020, se registam “níveis de propaganda sem precedentes”, com “desenvolvimentos alarmantes” para a democracia.


    Foi um retrato negro o traçado no terceiro e último dia do Congresso Internacional sobre Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima, desde sexta-feira. Cientistas, médicos e outros especialistas –muitos dos quais se queixam de ter sofrido censura durante a pandemia – alertaram para a forma como os últimos dois anos e meio trouxeram uma nova era em que a Ciência passou a ser usada como arma. E dizem ainda que, a par da censura de informação, muitos homens e mulheres da Ciência acabaram por aceitar servir políticos e indústrias para concentrarem um maior poder.

    Patrick Fagan, um conhecido especialista comportamental com obra publicada, não tem dúvidas sobre terem sido aplicadas técnicas de psicologia para manipular e condicionar o comportamento da população, para um reforço do poder político e económico durante a pandemia, tendo a ajuda da comunicação social.

    Este especialista disse ser evidente uma mudança, a partir de 2020, de uma sociedade democrática – em que os políticos aplicavam a vontade dos cidadãos – para uma sociedade em que os políticos alteram agora a vontade dos cidadãos para que estes aceitem as suas políticas. “A ciência comportamental foi instrumentalizada”, assegura.

    Segundo Fagan, durante a pandemia de covid-19, várias técnicas de psicologia comportamental foram usadas, incluindo o exacerbamento do medo ou a “programação” da população para aceitar certas medidas. Entre estas estão os casos de os políticos negarem medidas se determinadas circunstâncias não ocorressem, mas acabarem por as aplicar, ou então alargarem medidas definidas para um fim, para outros que não estavam inicialmente previstos – como sucedeu com o certificado digital. “Foi como um sapo que foi sendo cozido vivo”, explicou Fagan.

    Várias medidas foram assim sendo aplicadas de forma gradual, para levar a cabo intenções políticas. A técnica da negação inicial – introduzindo um conceito junto da população para a preparar – foi também utilizada no caso da vacinação: inicialmente, foi negado que seria obrigatória; depois, em alguns países, passou a ser obrigatória, ou então quem optasse por não se vacinar acabou a sofrer censura social ou dificuldades em aceder a determinados locais, mesmo no espaço doméstico.

    Patrick Fagan, cientista comportamental.

    Fagan explicou também como tantas pessoas foram conduzidas a aceitar políticas, mesmo que irracionais ou ilegais, com base no medo e em técnicas científicas que levam facilmente os indivíduos a seguirem uma ideia de comportamento de grupo. O cientista detalhou que isso ocorreu mesmo em pessoas inteligentes e cultas, que cederam às diferentes formas de pressão e manipulação psicológicas utilizadas.

    Já a psicóloga Joana Amaral Dias, também presente em Fátima, defendeu que parte da população esteve e está sob hipnose coletiva. “As pessoas estão mesmerizadas“, afirmou na sua apresentação, lembrando a estratégia de incutir medo na população desenhada por uma task force de medidas comportamentais que assessorou a Direcção-Geral da Saúde na pandemia, e cujos documentos estiveram disponíveis online, e acabaram depois por ser retirados.

    Relacionado com a psicologias, também especialistas presentes no congresso denunciaram graves atropelos e violações da ética médica desde 2020. “A Medicina Baseada na Evidência foi substituída por uma Medicina Baseada em Políticas”, avisou Alexandra Henrion Caude, geneticista, directora de Investigação do Instituto Nacional Francês de Saúde (Inserm). Com um pós-doutoramento concluído na Harvard Medical School, Caude tem conduzido, durante mais de 20 anos, investigação centrada na forma como as sugestões ambientais são traduzidas em informação genética, especificamente em doenças genéticas raras em crianças.

    Na sua apresentação, a geneticista francesa acusou que foram desrespeitadas boas práticas científicas e cometidas graves violações de ética médica, que incluiu vacinação sem o devido consentimento do paciente ou administração deste medicamento de uma forma obrigatória, sabendo-se que podem causar reacções adversas, e cujos efeitos no longo prazo são ainda desconhecidos.

    Alexandra Henrion Caude, geneticista, directora de Investigação no Instituto Nacional Francês de Saúde.

    Outro dos temas abordados foi a criação de uma “indústria” de combate à (alegada) desinformação, e que se transformou numa arma que serviu para suprimir visões divergentes das do poder político e económico.

    “Tem havido desde 2020 uma tremenda concentração do poder e um ataque à democracia”, defendeu Piers Robinson, cientista político e co-diretor da Organização de Estudos de Propaganda.

    Para este especialista britânico em media, desde 2020 registaram-se “níveis sem precedentes de propaganda”, com recurso, inclusive, a ferramentas de coacção e de “assassinato de carácter e difamação de todos os que contrariaram ou questionaram” a gestão da pandemia,

    “Tem-se assistido nesta pandemia a níveis de propaganda sem precedentes, envolvendo não apenas a sua promoção, mas também o silenciamento do debate, pela via da censura, da difamação e da pressão coerciva”, disse Robinson. “Há indicações de que os desenvolvimentos legislativos em torno da definição de online harm [informação online que pode causar prejuízo] e a ascenção de uma indústria de anti-desinformação vai efetivamente constituir um nível de controlo em esferas públicas anteriormente democráticas”, acrescentou.

    Este cientista político alertou ainda que estas tendências têm de ser “compreendidas no contexto de estruturas emergentes – como a agenda de resposta e prevenção de pandemias – a um nível global e associadas a uma concentração de poder político e económico”.

    No caso da difamação e assassinato de carácter, Piers Robinson deu o exemplo dos epidemiologistas que dinamizaram e assinaram a Declaração de Great Barrington, que foram alvo de difamação e perseguição por questionarem e se oporem a medidas adoptadas por governos e autoridades na gestão da pandemia. Entre os epidemiologistas que encabeçaram esse movimento estavam Jay Bhattacharya (Universidade de Stanford), Sunetra Gupta (Universidade de Oxford) e Martin Kulldorff (Universidade de Harvard), que foram censurados e alvo de censura mediática.

    Piers Robinson, cientista político.

    Robinson considerou ainda que a indústria de fact-checkers – que não são independentes, por estarem dependentes de orientações sobre as matérias sobre as quais escrevem e dependem financeiramente – está a servir para reforçar ainda mais a concentração de poder que tem ocorrido desde 2020. Segundo este especialista, esta “indústria dos verificadores de factos” está a servir para eliminar opiniões e informações verdadeiras.

    Piers Robinson lamenta também que a criação de legislação – supostamente para combater a desinformação –, como a lei dos Serviços Digitais na União Europeia, possa vir a eliminar informação verdadeira que acaba por ser “eliminada” por não beneficiar políticos e autoridades.

    E criticou ainda que muitos media mainstream têm sido usados para espalhar medo, aumentar falsamente a percepção de ameaças e ajudar ao assassinato de carácter e difamação de todos os que contradigam aquilo que governos e autoridades desejam.

    E também a eliminar “temas delicados” do contacto do público,

    Aliás, o PÁGINA UM constatou que nenhum órgão de comunicação social da denominada imprensa mainstream fez a cobertura noticiosa deste congresso, apesar de terem participado diversos cientistas e médicos nacionais – entre os quais os ex-bastonários Germano de Sousa e José Manuel Silva, e ainda Fernando Nobre, presidente da AMI, e Joaquim Couto, ex-presidente da autarquia de Santo Tirso – e especialistas internacionais, incluindo mesmo Michael Levitt, galardoado como Prémio Nobel da Química em 2013.

    Nota: 03/11/2022 – Germano de Sousa não esteve presente à última hora por motivos de saúde.

  • Michael Levitt avisa: “Na Ciência, a verdade prevalece sempre”

    Michael Levitt avisa: “Na Ciência, a verdade prevalece sempre”

    Prémio Nobel da Química de 2013, Michael Levitt é um dos cientistas que marcam presença no Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandemia que decorre entre os dias 28 e 31 deste mês, em Fátima. O bioquímico britânico tem vindo a denunciar, desde 2020, as muitas tentativas para descredibilizar cientistas que apenas tentavam tirar conclusões com base em dados e evidências científicas. A criação de uma indústria de “prevenção de pandemias”, que está em marcha e que absorve já milhares de milhões de euros, foi um dos alertas deixados por outro especialista de renome presente neste evento, David Bell. Entre os participantes nacionais neste congresso, destaque para dois antigos bastonários da Ordem dos Médicos, Germano de Sousa e José Manuel Silva, a psicóloga e ex-deputada Joana Amaral Dias e o fundador da AMI, Fernando Nobre.


    “Na Ciência, a verdade prevalece sempre, mesmo que demore anos ou décadas”. Estas foram as palavras de Michael Levitt no primeiro dia do Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandema / Saúde que decorre desde ontem em Fátima. O Prémio Nobel da Química de 2013 acusa que, durante a pandemia, houve “muita oposição à ciência aberta, muitas tentativas de descredibilizar cientistas que estão apenas a analisar os dados, tal como eu fiz”.

    Levitt foi um dos muitos cientistas conceituados a nível mundial que foi alvo de censura desde 2020, chegando a ser desconvidado da primeira Conferência Internacional de BioDesign, a qual se baseava precisamente no trabalho que o próprio cientista desenvolveu. Mas Levitt manteve sempre a sua posição, de que estava a ser exacerbado o nível de perigosidade da covid-19.

    Michael Levitt na cerimónia de entrega do Prémio Nobel, em 2013

    Hoje, sabe-se que a doença afecta sobretudo as camadas mais idosas da população e que a sua taxa de letalidade média é de 0,035% abaixo dos 60 anos, segundo um artigo científico de vários cientistas, incluindo John Ioannidis, o epidemiologista mais citado a nível mundial. Este artigo veio, aliás, revelar a baixíssima letalidade na população jovem: de 0,0003% nos menores de 19 anos, de 0,003% entre os 20 e os 29 anos, de 0,011% entre os 30 e os 39 years, de 0,035% entre os 40 e os 49 anos, e de 0,129% entre os 50 e os 60 anos.

    Note-se que até John Ioannidis, o mais citado epidemiologista mundial, com um h-index do Scopus de 176, também foi alvo de censura e perseguição quando questionou a eficácia das medidas de confinamento, que, entretanto, diversos estudos confirmaram terem causado maiores danos na população do que proveitos ao longo da pandemia.

    Na sua apresentação no congresso, feita por videoconferência, Michael Levitt destacou que, durante a pandemia, “alguns países tiveram uma mortalidade abaixo do que é habitual” – incluindo a Suécia, Dinamarca, Noruega, Islândia, Austrália, Coreia do Sul e Nova Zelândia.

    Michael Levitt numa entrevista em sua casa após o anúncio da atribuição do Prémio Nobel da Química, em 2013.
    (Foto: Linda A. Cicero/ Universidade de Stanford)

    No caso da Europa, Levitt salientou que, nos países onde se verificou um excesso de mortalidade, “foi sobretudo na faixa etária acima dos 65 anos”.

    Nos diversos gráficos que disponibilizou na sua apresentação, ficou patente que, entre 2020 e 2022, as mortes em excesso nas pessoas com idade superior a 65 anos foi de 616 mil, enquanto nos restantes rondou os 94 mil.

    Apontou que o cenário foi diferente nos Estados Unidos, onde se registou, comparativamente, uma mortalidade mais elevada entre as camadas mais jovens. Naquele país, os óbitos entre os maiores de 65 anos totalizaram as 730 mil, e entre os menores de 65 anos rondaram as 390 mil – cerca de quatro vezes mais do que no Velho Continente.

    José Manuel Silva, antigo bastonário da Ordem dos Médicos (2011-2017) e actual presidente da Câmara Municipal de Coimbra.

    O congresso, que decorre até este domingo, contou ainda, no primeiro dia, com a participação de David Bell, um destacado médico clínico e de saúde pública norte-americano, doutorado em saúde populacional.

    Este médico, que coordenou a estratégia de diagnóstico da malária com a Organização Mundial de Saúde (OMS), acredita estar a desenvolver-se uma “indústria de pandemias”, a qual “está a ganhar muito dinheiro com base em falácias”.

    Para Bell, estas falácias são as teorias falsas de que “as pandemias se estão a tornar cada vez mais frequentes” e que “a interação entre humanos e animais selvagens está a aumentar”.

    “Nos últimos 20 anos, houve uma grande mudança no financiamento da OMS, que passou de ser maioritariamente de países-membros para financiadores privados, que dão dinheiro para ser alocado numa determinada doença”, frisou Bell.

    “Dizem-nos que há cada vez mais ameaças à saúde pública e que precisam de mais dinheiro”, disse ainda, referindo-se ao acordo Pandemic Preparedness and Response, liderado pela OMS, cujo objectivo é, alegadamente, prevenir e combater eventuais pandemias futuras. Este acordo e outros planos de prevenção de pandemias, irão absorver milhares de milhões de euros.  

    Este congresso, que vai contar ainda com a participação de muitos outros cientistas e especialistas nacionais e internacionais, foi organizado por Marta Gameiro, médica dentista, e financiado integralmente por donativos particulares, através de uma campanha de angariação de fundos.

    A lista de especialistas portugueses com presença confirmada no evento inclui dois antigos bastonários da Ordem dos Médicos –  Germano de Sousa e José Manuel Silva -, a psicóloga e ex-deputada Joana Amaral Dias e o médico e fundador da AMI – Assistência Médica Internacional, Fernando Nobre.

    Germano de Sousa, antigo Bastonário da Ordem dos Médicos e fundador do Grupo Germano de Sousa,
    que opera uma vasta rede de laboratórios.

    O primeiro dia do congresso teve como mote Confinamentos e Medidas Draconianas de Saúde Pública: o outro lado. Em análise estiveram as restrições impostas em nome da luta contra o vírus, os seus efeitos colaterais a nível global e a conduta da OMS durante a pandemia.

    As terapêuticas potencialmente eficazes no tratamento da covid-19 e o estado actual do Serviço Nacional de Saúde foram os temas de discussão no segundo dia do congresso.

    No último dia do evento será abordado o tema da saúde mental durante a pandemia, as vacinas contra a covid-19 e a controversa tecnologia de mRNA.

    O congresso é gratuito e poderá ser acompanhado em directo através do site oficial.

    Texto editado por Elisabete Tavares

    Nota: 03/11/2022 – Germano de Sousa não esteve presente à última hora por motivos de saúde.

  • Caves da Montanha: dos zero euros de espumante até aos 340 mil euros em testes e máscaras

    Caves da Montanha: dos zero euros de espumante até aos 340 mil euros em testes e máscaras

    Nem só de uvas se faz vinho, já diz o dichote. E durante a pandemia, nem só de bebidas viveu uma conhecida empresa vinícola da Bairrada. Localizada na Anadia, a Caves da Montanha nunca conseguira vender uma garrafa a qualquer entidade pública, mas soube aproveitar a “onda” e fartou-se de vender máscaras e autotestes, incluindo ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, que gere o hospital de Santa Maria. No total foram seis contratos públicos, cinco dos quais por ajuste directo, num total de 340 mil euros. Ninguém explica como empresas sem experiência no sector conseguiram, de repente, convites directos para contratos. Esta é a terceira parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE (que não inclui apenas luvas de nitrilo).


    “Mais do que bebidas, produzimos momentos de prazer. Esperemos que gostem!” – esta é a divisa da Caves da Montanha, empresa familiar da Anadia fundada em 1943, que já vai na quarta geração. No site da empresa diz-se que está “focada na produção, comercialização e distribuição de bebidas”, sendo “líder da produção de espumantes Bairrada”.

    E assim, a acreditar nas palavras da empresa, pela “dedicação e paixão” que metem naquilo que fazem, mostra-se “fácil de entender o motivo pelos qual as pessoas se deixam seduzir tão facilmente pelos nossos espumantes”. Imaginar-se-ia, por isso, que o próprio Estado e entidades públicas tivessem andado a comprar paletes de bebidas comercializadas pela Caves da Montanha, nem que fosse pela Passagem do Ano ou para acompanhar um repasto de leitão à Bairrada.

    Mas não. Nada disso.

    Depois dos tempos da actriz Soraia Chaves a promover os seus espumantes…

    Nunca a Caves da Montanha vendeu ao Estado, ou às autarquias, à Administração Pública, ou outro qualquer ente público uma garrafa que fosse das 14 marcas que comercializa de espumante; nem uma só garrafa das sete marcas de champagne; nem uma só garrafa das 24 marcas de vinho tinto, branco e rosé; nem uma só garrafa das 10 marcas de licores (incluindo groselha); nem uma só garrafa das quatro marcas de aguardente (incluindo bagaceira); nem uma só garrafa de 11 marcas de spirit (incluindo absinto e rum); nem uma só garrafa de água da marca Voss (originária da Noruega a 3,5 euros meio litro). Nem uma para amostra.

    Porém, a pandemia teve o condão de fazer com que até os empresários do ramo vinícola pudessem experimentar voos nunca conseguidos antes, e sobretudo em negócios que nunca se imaginariam possíveis.

    Por isso, só por uma rebuscada associação, sabendo-se que muitos crimes são cometidos sob efeito do álcool, se poderia imaginar ver em 26 de Novembro de 2020 a Caves da Montanha a vender à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais “material de protecção individual no âmbito do plano de contingência para o novo coronavírus-covid 19 do hospital prisional”. Valor do contrato: 25.500 euros, por ajuste directo.

    … a Caves da Montanha passou a usar narinas e zaragatoas para promover a sua nova linha de negócio.

    Como o contrato não foi reduzido a escrito, ignora-se as quantidades e produtos, sabendo-se apenas que o valor em causa daria para comprar cerca de 1.400 garrafas de Espumante Montanha Real Grande Reserva 2010 Branco Bruto, que no mercado se encontra a 17,9 euros.

    A este primeiro contrato, de material não especificado, seguiu-se outro em Fevereiro do ano passado, desta vez uma venda de 43.500 euros de máscaras FFP2 para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

    Foi também um contrato sem redução a escrito, pelo que se ignora igualmente a quantidade e o preço unitário, assim tendo sido realizado por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”. Isto apesar da pandemia já então durar há quase um ano.

    Quem vende máscaras – ficou a saber-se durante esta pandemia –, também consegue comercializar todo o “pacote” associado. E assim o terceiro contrato público da Caves da Montanha foi de “testes profissionais nasofaríngeos”, comprados pelo município de Leiria. Valor do contrato: 25.000 euros, que se concretizou em Maio. Não se sabe a quantidade de testes, embora o Portal Base indique que o contrato foi cumprido integralmente um dia após ser assumido pelas partes.

    No quarto contrato, a Caves da Montanha chegou finalmente a um hospital – e dos grandes. O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – que integra os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente – lançou um raro concurso público, tendo a empresa vinícola da Bairrada apresentado o melhor valor face às outras 15 propostas, grande parte das quais apresentada por empresas do sector de produtos hospitalares e de saúde. Por cada um dos 80.000 testes, a Caves da Montanha cobrou 1,885 euros, mesmo assim um valor cerca de 60% acima do actual preço de mercado.

    Se teve ou não pouco lucro neste negócio, ignora-se, mas, em todo o caso, a Caves da Montanha conseguiu que as portas em Lisboa se reabrissem pouco mais tarde. O mesmo centro hospitalar adquiriu à empresa vínicola da Bairrada mais autotestes, por duas vezes já este ano: em 20 de Janeiro, por 57.681 euros, e em 28 de Junho, por 37.700 euros. Em ambos os contratos a compra por ajuste directo foi justificada, mais uma vez, “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”.

    Sobre estes contratos, com o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, o PÁGINA UM solicitou esclarecimentos à sua administração, presidida por Daniel Ferro, mas não obteve qualquer resposta.

    Administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte não explica as razões da selecção de uma empresa vinícola para a compra de testes de detecção do SARS-CoV-2.

    Não explicando como estabeleceu parcerias com estas entidades públicas para vendas por ajuste directo, a Caves da Montanha diz apenas que a empresa, “fruto da sua experiência e contactos comerciais, garantiu a representação para Portugal de uma das principais marcas internacionais neste sector [materiais como autotestes e máscaras], conseguindo apresentar ao mercado preços mais competitivos, face aos valores apresentados por outras entidades e prazos de entrega mais reduzidos.”

    E também não esclarece se o negócio deste tipo de produtos veio para ficar, sendo certo que o PÁGINA UM teve conhecimento de várias vendas feitas a supermercados ainda ao longo deste ano, quer de máscaras cirúrgicas quer de autotestes.

    A empresa mantém ainda operacional uma loja virtual, disponibilizando álcool gel, autotestes e máscaras. Neste último caso, já bem baratinhas: passe a publicidade, uma caixa de 50 unidades fica agora a 1,99 euros, ou seja, quatro cêntimos cada… Nas farmácias ainda estão ainda a 7,5 euros a caixa de meia centena.


    Leia a primeira parte desta investigação PÁGINA UM – Raclac: com luvas (de nitrilo) lucrou em 2020 tanto como em 42 anos

    Leia a segunda parte desta investigação PÁGINA UM – Escape Forte: a extraordinária história dos milionários ajustes directos de uma oficina automóvel