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  • Enquanto tudo arde, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas…

    Enquanto tudo arde, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas…

    Nas últimas semanas, o PÁGINA UM abordou vários casos escandalosos – e mais escreverá – em redor da imprensa portuguesa.

    Ainda ontem, revelámos o caso da compra de notícias pela Direcção-Geral da Saúde ao Expresso (Impresa) para se divulgar um plano governamental: o Plano Nacional de Literacia em Saúde.

    Durante a última semana, revelámos a compra de espaço informativo da CMTV, incluindo alinhamentos e indicação de autarcas a serem entrevistados, por parte de 10 Câmaras Municipais.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Noticiámos também, em primeira-mão, as coimas milionárias aplicadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) envolvendo o negócio da TVI, e que esteve inexplicavelmente escondido durante cinco meses.

    E escrevemos sobre contratos forjados dos media com entidades públicas, a participação activa de directores editoriais em eventos pagos, e na identificação pela ERC de “jornalistas comerciais”.

    Na semana anterior, tínhamos denunciado uma reportagem irresponsável da TVI a promover um evidente esquema fraudulento.

    E houve muitas mais nas semanas anteriores, algumas envolvendo o Público, e a forma como mercadeja conteúdos noticiosos. E haverá mais para as próximas semanas porque a pouca-vergonha não cessa.

    Enquanto a imprensa portuguesa mostra toda a sua podridão de princípios, somando casos de promiscuidades, de violação da Lei de Imprensa, do Estatuto do Jornalista, com jornalistas a participarem em eventos pagos e a escreverem conteúdos comerciais, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas insiste em avançar contra mim com um procedimento com vista à elaboração de um parecer (censório) em resposta à queixa da presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, apresentada em Maio passado.

    Uma mui oportuna queixa, logo a seguir ao parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, que determinava o dever da CCPJ de facultar um vasto conjunto de documentos, incluindo actas, recomendações e processos concluídos. Note-se bem: a CCPJ nem actas quer deixar consultar, algo esdrúxulo numa entidade que acredita jornalistas. Jogada de antecipação, porque, na verdade, estava eu a pensar cumprir o estabelecido no ponto 3 do Código Deontológico, até por ser minha obrigação: “O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos.”

    Mas eis que a pessoa (Licínia Girão) que lidera a entidade (CCPJ) que me coloca “restrições no acesso às fontes de informação” e faz tudo para “limitar a liberdade de expressão e o direito de informar”, e que deveria ser por mim denunciada (como até era minha obrigação), afinal põe-se como virgem ofendida, queixando-se de mim.

    Mas esta queixa de Licínia Girão, com 16 páginas de arrazoadas acusações e nenhuma parra (ou seja, provas do que escreve) é muito sui generis noutras vertentes.

    Diz-se ela perseguida por mim, exclusivamente por ser visada em diversas notícias do PÁGINA UM. Já com algumas dezenas de anos de profissão, a acusação não é nova: não conheço um visado com rabos de palha que se vitimize, culpando o jornalista. É um clássico, mas inédito vindo de uma jornalista. E vai aoi ponto de garantir que qualquer referência que eu faça à CCPJ é sempre uma “narrativa sensacionalista”. Na verdade, confesso, nem em políticos se vê esta mania da perseguição. A Dra. Licínia Girão confunde não largar uma história, que é uma virtude dos jornalistas de investigação, com uma perseguição. Só deve ter feita na vida notícias louvaminheiras…

    Mas a queixa é sobretudo sui generis porque a CCPJ tem poder disciplinar sobre os jornalistas, e, portanto, se a Dra. Licínia Girão considerasse haver matéria suficiente para me instaurar um processo, abria-o ela ou os seis oito compinchas da CCPJ. Teriam esse direito – e até, direi eu, a obrigação.

    Porém, instaurar um processo disciplinar na CCPJ poderia ser melindroso: teria de seguir as directrizes do Código de Procedimentos Administrativos, com indicação de testemunhas, apresentação de provas, recurso, etc.. Uma chatice.

    Valeu mais a pena, à Dra. Licínia Girão, enviar a sua queixa para um Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sem regras democráticas. Ali, o acolhimento seria, por certo, melhor. Sem filtros. E não se enganou.

    Para já, temos um ignoto relator (é extraordinário como um jornalista não gosta de mostrar a cara e o nome) que me confrontou com um chorrilho inquisitório que transcreve, como inteiramente válidas, as acusações da Dra. Licínia Girão (que nunca esclareceu nada, preferindo colocar-se como vítima), e tece ainda considerações sobre estilos de escrita, e assume até o direito de se imiscuir na adjectivação de textos jornalísticos.

    Perante o rol de questões enviesadas, e não ser identificado o relator, solicitei um pedido para se ser ouvido presencialmente, até para melhor esclarecimento. Foi recusado.

    Foi-me também recusado o pedido da identificação do relator, mesmo depois de um parecer do gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas.

    Bem sei, porque sou o “mensageiro” a abater, que o Conselho Deontológico, ao aceitar uma queixa da presidente da CCPJ, e ao fazer as perguntas que faz, tem um fito claro.

    O parecer do Conselho Deontológico vale nada do ponto de vista formal, mas representa uma linha de luta para me descredibilizar e descredibilizar o PÁGINA UM.

    Porém, não o fará nem livre nem impunemente, porque lhes respondo por escrito, como pretendem, mas escrito onde eu quero e onde posso: aqui, no PÁGINA UM. Que as venham ler aqui, e de boleia leiam os escândalos que tenho escrito. Contra o obscurantismo de uma entidade que quer tratar de ética e deontologia, e nem sequer identifica o relator, respondo com a máxima transparência.


    Lisboa, 15 de Julho de 2023

    Exmo. Senhor Ignoto Relator ou Exma. Senhora Ignota Relatora do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas:

    Sem prejuízo do lamentável procedimento de V. Exas., que só vos envergonha, ao não aceitarem sequer seguir o parecer do gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas no que respeita à identificação do relator, tomei a decisão de vos responder. Cansa-me arrastar este processo, mas também não permito que façam o V. serviço sem vos dar o trabalho de, pelo menos, na aparência serem justos.

    Faço a minha defesa pública, porque o obscurantismo se vence com a transparência.

    Ignoro se, na V. “sentença”, terão em consideração alguma coisa que eu escreva em resposta aos V. quesitos completamente enviesados, mas, em todo o caso, informo que respondi nos intervalos das questões, estando as minhas palavras a negrito.

    Tenha, contudo, V. Exa. a convicção de que não permitirei que conspurquem a minha idoneidade e rigor num projecto de jornalismo independente e deontologicamente imaculado. Compreendo que o trabalho do PÁGINA UM, e o meu em particular, tem incomodado o status quo, razão pela qual, apesar das inúmeras violações à Lei da Imprensa e ao Estatuto do Jornalistas, para além de condutas deontológicas impróprias, tudo vai navegando numa corporativista paz podre.

    Requeiro, desde já, o pedido, previsto no V. regulamento interno, para o acesso ao parecer antes de ser eventualmente publicado para eventual recurso.

    Desnecessário será dizer que V. Exas. estão a fazer um parecer sobre deontologia e ética – donde se deseja que não se esqueçam disso enquanto o escrevem e aprovam.

    Tomo também a liberdade de solicitar que, em relação à última questão, sejam mais explícitos para que eu possa responder em concreto.

    Envio também aqui a troca de mensagens para comprovar que a Dra. Licínia Girão, bem como os outros membros da CCPJ, manifestamente tiveram, desde o início, uma postura não colaborativa, não prestando os esclarecimentos que a questão revestia. A Dra. Licínia Girão omite deliberadamente que houve insistentes pedidos de esclarecimento.

    1 – Perguntas enviada para o e-mail profissional (advogada-estagiária) da Dra. Licínia Girão (14/8/2022)

    2 – Pedido de esclarecimentos para Jacinto Godinho, membro do Secretariado da CCPJ (14/8/2022)

    3 – Aviso enviado à CCPJ sobre e-mail com perguntas enviadas para o e-mail profissional (14/8/2022)

    4 – Resposta da Dra. Licínia Girão (16/8/2022)

    5 – Insistência para esclarecimentos, uma vez que a resposta não continha quaisquer respostas a um conjunto vasto de perguntas (16/8/2022)

    6 – E-mail para a CCPJ referindo que se iria enviar mensagens a serem entregues a cada um dos membros da CCPJ (17/8/2022)

    7 – E-mail para a Dra. Licínia Girão sobre cancelamento da inscrição na Ordem dos Advogados (3/1/2023)

    8 – Resposta da CCPJ sobre o cancelamento da inscrição (4/1/2023)


    QUESITOS E RESPOSTAS

    1) Artigo publicado a 24 de fevereiro de 2023: “Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público

    Como fundamenta as seguintes afirmações:

    a. “decidiu aumentar taxas”;

    b. “recusa dizer quanto ganha”;

    c. “Licínia Girão, que assumiu o cargo em Maio do ano passado como ‘jurista de mérito’, mesmo se foi incapaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020”.

    Resposta à alínea a)

    Salvo melhor opinião, foi notícia a intenção da CCPJ, da qual a Dra. Licínia Girão é presidente e membro do Secretariado, de aumentar os emolumentos para a carteira, tendo até desencadeado um abaixo-assinado. Não é do conhecimento público que a Dra. Licínia Girão, pelo menos antes do recuo, se tenha manifestado contra esse aumento de taxas; pelo contrário, o Secretariado procurou mesmo justificá-lo e validá-lo, conforme se pode confirmar aqui.

    Resposta à alínea b)

    A recusa é pública e reiterada e até constitui uma das questões de uma intimação que decorre no Tribunal Administrativo de Lisboa (Processo 1973/23.OBELSB) contra a CCPJ, que envolve também o acesso a actas das reuniões e a outros documentos administrativos na posse desta entidade. O processo de intimação é da autoria da jornalista Elisabete Tavares, uma vez que se considerou mais adequado não ser por mim apresentado, visto que em Setembro do ano passado fora intentada uma intimação similar, mas por lapso fora do prazo. «Ou seja, estamos perante um facto.

    Resposta à alínea c)

    Outro facto. É público que a Dra. Licínia Girão foi “incapaz de concluir o estágio”, uma vez que, tendo-se inscrito no estágio não o concluiu no tempo determinado, tendo optado por cancelar a inscrição em 10 de Outubro de 2022, conforme confirmação formal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados. O cancelamento da inscrição, conforme o artigo 52º do Regulamento de inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, impede o uso do título de Advogado estagiário, consubstanciando assim uma desistência factual, donde significa que a pessoa que opta por essa via assume a sua incapacidade de terminar o estágio. Para conhecer as diversas acepções da palavra “incapaz”, basta consultar um qualquer dicionário. Em todo o caso, eu diria que “incapaz” está no sentido de “não capaz”, e nessa medida, se colocarmos a questão: “A Dra. Licínia Girão foi capaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020?”, a resposta terá de ser negativa, considerando que já decorreu o tempo suficiente para seus colegas terminarem. Aliás, numa notícia do PÁGINA UM em 5 de janeiro p.p., salienta-se que já havia 20 colegas de curso da Dra. Licínia Girão que já tinham, lá está, sido capazes de concluir o estágio de advocacia e já estavam inscritos como advogados na Ordem dos Advogados.


    2) Artigo publicado a 18 de agosto de 2022: “Advogada-estagiária ‘fantasma’ com cargo que por lei exige “jurista de reconhecido mérito”

    a. Como enquadra o facto de sublinhar regularmente, neste e noutros artigos, que a denunciante trabalhou “sobretudo” na imprensa regional e como freelancer? O que pretende demonstrar com essa afirmação?

    b. Que motivos o levaram a optar por não fazer referência a cargos assumidos em redações de órgãos regionais e locais e à colaboração ao longo de anos com órgãos de comunicação nacionais como o Jornal de Notícias, a Agência Lusa e o Jornal de Letras?

    Resposta à alínea a)

    São factos. A Dra. Licínia Girão trabalhou, efectivamente, sobretudo em órgãos de comunicação social de âmbito regional e também sobretudo como freelancer. Aliás, está a Dra. Licínia Girão identificada no próprio Conselho Geral do Sindicato do Jornalista com as siglas FL. Quando dou uma informação desta natureza não pretendo demonstrar nada, a não ser informar os leitores e enquadrar o perfil da pessoa em causa.

    Sobre a imprensa regional, subscrevo o preâmbulo do Decreto-Lei nº 106/88 que diz que “a imprensa regional desempenha um papel altamente relevante, não só no âmbito territorial a que naturalmente diz mais respeito, mas também na informação e contributo para a manutenção de laços de autêntica familiaridade entre as gentes locais e as comunidades de emigrantes dispersas pelas partes mais longínquas do Mundo. Muitas vezes, ela é, com efeito, o único veículo de publicitação das aspirações a que a imprensa de expansão nacional dificilmente é sensível (…)”.

    Sobre o facto de a Dra. Licínia Girão ser freelancer, que acham que eu quereria demonstrar ao escrever esse facto, se eu também sempre fui freelancer, mesmo quando colaborava permanentemente, e com nome na ficha técnica, em simultâneo no Expresso e na Grande Reportagem?

    Nota final: causa-me profunda estranheza e até repulsa esta pergunta do Conselho Deontológico: estão mesmo a querer que um jornalista justifique como deve apresentar factos aos seus leitores?

    Resposta à alínea b)

    Sobre esta matéria, recordo-vos a nota do Sindicato dos Jornalistas de 14 de Maio de 2022: “O Sindicato dos Jornalistas congratula-se com a cooptação da jornalista Licínia Girão para presidir à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) para o triénio 2022/2025, substituindo no cargo a jornalista Leonete Botelho. A escolha de Licínia Girão, que assumiu funções a 11 de maio, foi acordada na reunião plenária da CCPJ depois da proposta do nome pelos representantes dos jornalistas no órgão. Licínia Girão, jurista e jornalista freelancer, sucede a Leonete Botelho, que tinha sido a primeira jornalista e também a primeira mulher a assumir a presidência deste importante órgão de co-regulação. Jornalista há 30 anos em diversos órgãos de comunicação regionais e nacionais, Licínia Girão trabalha sobretudo a partir da região centro, com destaque para o interior do país. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, tendo concluído uma pós-graduação em Direito da Comunicação, um mestrado em Jornalismo e Comunicação e outro também em Direito. Acreditamos que Licínia Girão está em condições de continuar o trabalho de aproximação entre a CCPJ e as redações.”

    Se o Sindicato dos Jornalistas, que feliz se congratulou com a nomeação, não lhe faz uma biografia detalhadas… Aliás, não se conhece da Dra. Licínia Girão uma nota biográfica que se apresente.

    Mas confesso que procurei bastante. Por exemplo, no catálogo da Biblioteca Nacional, onde não se encontra nenhuma referência a ter ocupado cargos de direcção em quaisquer órgãos de comunicação social. Numa pesquisa alargada pela Internet são poucas as referências de artigos seus na imprensa de âmbito nacional. Pesquisas em repositórios como o Google Scholar ou o Scopus deram zero resultados.


    3) Dá conta na notícia que a denunciante se encontrava a realizar “um estágio de advocacia num escritório de Santo Tirso, Rodrigues Braga & Associados, apesar de viver em Coimbra.” E esclarece ainda como obteve essa informação: “O PÁGINA UM contactou esta tarde, por telefone, a sociedade Rodrigues Braga & Associados – cujos contactos correspondem ao local de estágio de Licínia Girão no registo da Ordem dos Advogados –, perguntando como poderia contactar com a advogada-estagiária, tendo sido informado por uma secretária que não era do seu conhecimento estar lá a trabalhar alguém com o nome da actual presidente da CCPJ.”

    A denunciante afirma que “nunca foi estagiária da sociedade de advogados mencionada na publicação” e que se trata de uma “coincidência nos contactos no que respeita à morada dos escritórios” resultante do facto de “diversos advogados ou sociedades de advogados” partilharem espaços. Acrescenta que “facilmente o denunciado tinha acesso à prova do efetivo estágio da denunciante, que por acaso teve início em Coimbra e aí decorreu durante toda a primeira fase, uma vez que esta participou, por exemplo, em diversas diligências nos tribunais de toda a região Norte, praticamente todas elas de acesso público.” 

    a) Como responde a esta correção feita pela denunciante?  

    b) Em relação à afirmação “está agora a realizar um estágio “fantasma” num escritório de advogados em Santo Tirso, apesar de viver em Coimbra”:

    i. Tem provas irrefutáveis que permitam afirmar que se tratava de um “estágio-fantasma”?

    ii. Encontra, factualmente, alguma irregularidade no facto de um estagiário residir fora da comarca onde realiza o estágio?

    Resposta à alínea c)

    Não há correcção alguma. Há aldrabice da Dra. Licínia Girão, que não apresenta sequer um documento que prove o meu alegado erro. No seu então registo como advogada estagiária na Ordem dos Advogados consta os contactos do local de estágio em Santo Tirso com indicação completa do endereço e dos contactos telefónicos, que correspondem aos contactos da sociedade de advogados Rodrigues Braga & Associados. Não há conhecimento de qualquer outro escritório de advogado que partilhe os mesmos telefones da Rodrigues Braga & Associados. Curiosamente, a Dra. Licínia Girão não indica, na sua queixa, em que escritório afinal estagiava e quem era o seu patrono. Talvez não seja má ideia, se o Conselho Deontológico, quer apurar a verdade, saber esses “pormenores”, ou até contactar a sociedade de advogados Rodrigues Braga & Associados e/ ou contactar o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados. Aprofundem o assunto, queiram saber a verdade, e não acreditar por uma questão de fé na denunciante, a quem, por certo, acredito que queiram agradar, embora não queiram com isso violar a Verdade e a deontologia no seu apuramento.

    Faço também notar que em 14 de Agosto de 2022, coloquei questões à Dra. Licínia Girão, citando esta passagem: “Também tenho conhecimento que se encontra a realizar o estágio de advocacia desde 2020 num escritório de advocacia em Santo Tirso, apesar de ter conhecimento de viver em Coimbra (agradecia confirmação), embora o seu nome não conste na equipa do referido escritório (https://archive.ph/too8Q). Aliás, agradecia que me informasse em que moldes se encontra a realizar esse estágio.” A Dra. Licínia Girão optou por nada esclarecer. Escrevi, portanto, com base em factos: registo e contacto com o escritório da sociedade de advogados existente no respectivo registo, não havendo qualquer informação da existência de outro escritório no mesmo endereço e compartilhando os mesmos telefones.

    Resposta à alínea d)

    Sobre a subalínea i), as provas são o registo na Ordem dos Advogados e o contacto telefónico que consta no registo, que me parecem suficientes, além do facto de estarmos a falar de um estágio em Santo Tirso de alguém que mora em Coimbra. A recusa, à data, da Dra. Licínia Girão em esclarecer esta situação reforça a minha convicção de que se tratava de um estágio-fantasma. Tenhamos consciência que, sendo a Dra. Licínia Girão jornalista há 30 anos e ocupando um cargo público, não deveria estranhar perguntas, mesmo se incómodas de jornalistas seus colegas. Recusar esclarecer (em Agosto de 2022) e vir depois, muitos meses depois (Maio de 2023), queixar-se ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, sem uma prova (a não ser a sua palavra). Não é só absurdo como eticamente indecente.

    Sobre a alínea ii), em nenhuma parte dos meus artigos se refere que existe “alguma irregularidade no facto de um estagiário residir fora da comarca onde realiza o estágio”. Seria absurdo dizer isso, bastando ver quantos estagiários em Lisboa, por exemplo, vivem fora da comarca de Lisboa. Sucede que a estranheza não está no facto de Santo Tirso se situar em comarca diferente de Coimbra. Está no facto de distarem 150 quilómetros, com um tempo de percurso de uma hora e meia.


    4) Neste mesmo artigo, justifica o facto de não se ter identificado como jornalista por “se estar perante um incontestável interesse público, estando convicto de que a sua identificação prévia como jornalista resultaria num eventual enviesamento da verdade.” 

    a) Reformularia este enquadramento à luz da correção feita pela denunciante da informação que, por este método, recolheu?

    Resposta à alínea a)

    Tenho a perfeitíssima convicção, como jornalista com carteira profissional desde 1995, como antigo membro do Conselho Deontológico e perante a minha experiência como jornalista de investigação, que não me identificar como jornalista, e sim como cidadão normal, era a única forma de conhecer a verdade sem qualquer risco de enviesamento. Além disso, a não identificação como jornalista não resultou, neste caso, em qualquer abuso da boa-fé com que a pessoa que me atendeu me forneceu informação. Reitero, mais uma vez, que o relator do Conselho Deontológico comete já um enviesamento ao considerar válida a existência de uma “correção pela denunciante”.

    Não há qualquer correcção sobre factos até agora não desmentidos documentalmente: a Dra. Licínia Girão não era conhecida pela secretária do escritório onde estagiara, sendo que também não constava na lista de advogados-estagiários que constavam no site da dita. Faço notar que a norma do Código Deontológico que prevê a excepção na identificação se enquadra perfeitamente no caso: pretendia-se apurar um facto relacionado com a presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, uma entidade pública que, ademais, exerce funções relevantes para a profissão e para a imagem dos jornalistas.

    Em todo o caso, a opção por se usar esta legítima excepção é matéria de consciência do jornalista e seria absurdo, ainda mais dadas as circunstâncias, o Conselho Deontológico censurar essa prática para o caso concreto em apreço. Até porque, enfim, foi método importante na investigação.


    5) Noutra passagem da notícia, refere o seguinte: “No Registo Nacional de Teses e Dissertações constam agora dois mestrados concluídos em Outubro de 2019 e em Março de 2021: o primeiro em Jornalismo e Comunicação; e o segundo em Ciências Jurídico-Forenses. Além destas duas recentes provas académicas de nível intermédio, não consta outro qualquer registo consultável de obra académica ou de natureza relevante do ponto de vista profissional que possa atribuir a Licínia Girão um estatuto de “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”.

    a) Como justifica a opção pela expressão “nível intermédio” para descrever estas qualificações?

    b) Como responde à acusação de que “deliberadamente o denunciado ocultou o vasto currículo académico e profissional da denunciante”?

    Resposta à alínea a)

    Esta pergunta é um absurdo. Um mestrado, sobretudo no âmbito do Processo de Bolonha, constitui uma qualificação de nível superior 7, estando entre a licenciatura (nível 6) e o doutoramento (nível 8). Parece-me óbvio ser correcto o nível intermédio, quando enquadrado em “provas académicas”, como expressamente refiro. Em abono do máximo rigor, quando se fala em provas académicas a defesa de de dissertação de mestreado até é o nível mais baixo, atrás da tese de doutoramento, da aula de agregação e da proposta de habilitação para o exercício de funções de coordenação científica.

    Não se apoquente, porém, a Dra. Licínia Girão com tal. Não se sinta inferiorizada. Também eu tenho formação com provas académicas de nível intermédio, tendo em conta as três formações de nível 6 (embora uma pré-Bolonha, com defesa de tese final) e uma de nível 7 (mestrado), não tendo ainda concluído a de nível 8. Não é desprimoroso, embora talvez insuficiente, na minha opinião, para eu me considerar (ou outros considerarem-me) com mérito suficiente para me assumir, por exemplo, como bastonário da Ordem dos Engenheiros ou dos Economistas.

    Resposta à alínea b)

    Não foi ocultado o vasto currículo académico da Dra. Licínia Girão, por um simples facto: não é vasto. São apenas conhecidas duas teses de mestrado. Não lhe são conhecidos artigos científicos, escrita de livros ou capítulos de livros, conferência ou outro tipo de actividade na área jurídica ou de comunicação social que possam contribuir para justificar que se trata de uma “jurista de mérito”. As palavras são importantes e relevantes. Os meus artigos fazem um levantamento exaustivo do currículo da Dra. Licínia Girão. Em resposta, na queixa, a Dra. Licínia Girão não contrapõe com absolutamente nada do seu currículo que prove qualquer ocultação ao suposto vasto currículo académico e profissional.


    6) Adianta, ainda, no mesmo artigo, que Licínia Girão “também se candidatou a mediadora de conflitos dos julgados da paz do agrupamento de concelhos da Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós, e do agrupamento de concelhos de Alvaiázere, Ansião, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Porto de Mós, não se conhecendo também os resultados.”

    A denunciante salienta que esses resultados já eram públicos desde 2 de setembro de 2021, como se verifica na ata, publicada aqui

    a) Como comenta esta correção feita pela denunciante?

    Resposta à alínea a)

    Efectivamente, há um lapso no meu texto, por faltar um “remate” na frase, mas que não retira factualidade ao currículo que se expôs. Aquilo que eu deveria ter sido escrito era “(…) não se conhecendo também os resultados do seu trabalho”. Isto porque, tanto na data dos textos como agora, de acordo com o Conselho dos Julgados de Paz, os dois agrupamentos para os quais a Dra. Licínia Girão se candidatou em 2021 não estão sequer ainda instalados em 2023. Ou seja, ela nunca exerceu a função de mediadora, portanto não pode ser incluída no seu currículo.

    Em todo o caso, não deixa de ser curioso que a Dra. Licínia Girão passe á frente de uma outra referência curricular, que aliás deveria mkerecer a atenção do Conselho Deontológico e até da CCPJ. Com efeito no meu artigo de 18 de Agosto de 2022, intitulado “Advogada-estagiária ‘fantasma’ com cargo que por lei exige ‘jurista de reconhecido mérito’”, saliento que “Licínia Girão assume-se também como ‘coordenadora da comunicação interna do Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos (ICFML)’, uma tarefa que poderá ser considerada incompatível face ao estabelecido no Estatuto do Jornalista. De acordo com a alínea b) do nº 1 deste diploma legal são incompatíveis com a actividade jornalística as ‘funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais’”. Isto já não interessa ser analisado?

    Enfim, mas concedo, porém, que houve um lapso na passagem referida, que teria sido de imediato corrigida se a Dra. Licínia Girão a tivesse apontada, fazendo cumprir assim o ponto 5 do Código Dentológico, isto é, ” como “promover a pronta retificação das informações que se revelem inexatas ou falsas.”


    7) Artigo publicado a 27 de agosto de 2022: “Oito jornalistas protegem com silêncio escolha de advogada-estagiária em cargo que exigia mérito”

    Escreve, na notícia, o seguinte: “o currículo desta jornalista freelancer, sobretudo associada à imprensa regional, mostra-se paupérrimo para a exigência da lei: tem dois mestrados, mas o de Ciências Jurídicas terá demorado pelo menos 11 anos a concluir. E nas provas do concurso para a magistratura foi excluída logo na primeira fase com um comprometedor “chumbo”, tendo ficado quase na cauda da tabela.” Acrescenta que, “além disso, o seu percurso académico tem pouco de distinto, mesmo se esforçado: terá demorado pelo menos 11 anos a concluir um mestrado em Ciências Jurídicas pela Universidade de Coimbra, uma vez que já aí era aluna em 2011 e apresentou a tese no ano passado.”

    O documento para o qual remete como prova de que a denunciante era aluna na Universidade de Coimbra desde 2011 é de uma lista de cadernos eleitorais de estudantes da Faculdade de Letras. O mestrado em Ciências Jurídico-Forenses é ministrado na Faculdade de Direito. 

    a. Como fundamenta a afirmação de que a denunciante demorou 11 anos a concluir o mestrado em causa?

    b. Como fundamenta a opção pela classificação de “paupérrimo” para descrever o currículo da denunciante?

    Resposta à alínea a)

    Face à ausência de esclarecimentos da Dra. Licínia Girão sobre o seu percurso académico, apenas foram encontrados alguns pontos do seu percurso. Em todo o caso, o tempo que medeia uma primeira inscrição e a conclusão de estudos pode ser medido assim, independentemente da mudança de cursos durante o período. O uso do futuro do pretérito-composto, aliás muito usado em jornalismo, deve-se a algum grau de incerteza, de contrário teria escrito “demorou”.

    Se o recurso à expressão “terá demorado” for considerada pelo Conselho Deontológico como falta de rigor, desde já solicito que seja analisado o rigor destas notícias do Jornal de Notícias, do Rádio Renascença,  O Jogo, Rádio Elvas, CNN Portugal, Público, etc., que recentemente usaram a expressão “terá demorado” em notícias. Atenção que não usei a expressão “pode ter demorado”, porque tenho uma aversão à expressão muito em voga no jornalismo português.

    Resposta à alínea b)

    Não sabia que eram competências do Conselho Deontológico escrutinar o uso de adjectivos pelos jornalistas. Fico agora a saber. Em todo o caso, objectivamente, a Dra. Licínia Girão tem, no contexto de um cargo onde se exigia ser-se “jurista de mérito”, um currículo paupérrimo e criado de forma muito recente. Objectivamente, a Dra. Licínia Girão tem dois mestrados bastante recentes (2019 e 2021), não tem currículo académico, não tem ensaios nem escritos de relevo, não tem um percurso na docência nem na magistratura, não terminou o estágio de advocacia e chumbou nos exames do CEJ. Queriam que, objectivamente, em rigor e consciência, eu mentisse aos meus leitores?

    Aliás, o interesse das notícias do PÁGINA UM era exactamente sobre como se chega ao cargo de presidente da CCPJ com um currículo desta natureza. Pode o Conselho Deontológico não gostar, não concordar, mas são apresentados factos com rigor e boa-fé e ouvindo as partes, que aliás não colaboraram.


    8) Artigo publicado a 22 de agosto de 2022: Chumbada: presidente do regulador dos jornalistas teve das piores notas no concurso para a magistratura

    Há uma passagem no artigo que diz o seguinte: “Com efeito, atendendo às suas notas nas três provas escritas – Direito Civil, Direito Penal e Desenvolvimento de Temas Culturais, Sociais ou Económicos –, certo ficou que não lhe bastará ser considerada, entre alguns dos seus pares, uma “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social” para ser aceite nos cursos de formação de juízes e delegados do Ministério Público. Vai ter muito que estudar.”

    a. Considera a forma como expõe este raciocínio própria de um texto noticioso? Como justifica, em particular, a opção pela expressão “vai ter muito que estudar”?

    b. Sabia ou procurou saber se existiria algum contexto que explicasse o desempenho da denunciante nos referidos exames?

    Resposta à alínea a)

    Acho extraordinária esta pergunta do Conselho Deontológico. Extraordinária por ordinária. Acha mesmo o Conselho Deontológico que deve analisar estilos jornalísticos, estilos de escrita, estilos de abordagem? Um texto noticioso, e saberão os doutos membros que são docentes, não abrange um apenas estilo, cinzento e formal, pedindo permissão à palavra anterior para escrever a seguinte, cheia de respeitinho. O estilo que uso no PÁGINA UM está muito próximo do que praticava há mais de 20 anos, nas revistas Grande Reportagem e Forum Ambiente. Bem sei que mudou muito o jornalismo e que agora usarem-se expressões coloquiais e/ ou sarcasmo evidente num artigo jornalístico constitui crime de lesa-majestade, sobretudo se a Majestade é a presidente da CCPJ.

    Agora, objectivamente, a Dra. Licínia Girão tem avaliações miseráveis para quem é considerada, entre os seus pares, “jurista de mérito”. É uma conclusão jornalística justa e rigorosa. Teria escrito o mesmo de um político.

    Resposta à alínea b)

    Não procurei nem tinha o dever de procurar saber. Infelizmente, todos perdemos os nossos entes queridos, e o mesmo me sucedeu em Setembro do ano passado, sem que eu deva usar essa situação para justificar qualquer falhanço. A Dra. Licínia Girão fez três exames em três semanas para as provas de acesso. Se compareceu aos três exames, certamente foi por considerar reunir condições intelectuais e emocionais para ser aprovada. Se entregou as provas, idem. Estaria assim convencida de que seria aprovada. Não foi, e fez, aliás, um dos piores resultados. Não é lícito vir agora desculpar-se da morte de um familiar. E mais: exigir que o jornalista soubesse desse facto.

    Mostra-se extremamente grave que a presidente da CCPJ me acuse de ter conhecimento da morte da mãe (não tive), acrescentando que “optou, desonestamente, por ocultá-la, em clara violação do Código Deontológico dos Jornalistas”. É uma reles acusação. Reles ao mais alto nível.

    Aliás, convém referir que, ao longo da investigação, apurei uma questão da vida pessoal da Dra. Licínia Girão (o seu processo de insolvência em 2012), que optei por não utilizar por ser matéria que, embora pudesse ser considerada relevante para traçar o seu percurso de vida, era de algum melindre e não contribuía para o que estava em causa: o seu currículo ser ou não relevante para assumir a presidência da CCPJ.

    Por outro lado, em Agosto de 2022, quando se colocaram as questões sobre o seu percurso profissional, pedindo esclarecimentos, optei por enviar as questões para o e-mail profissional da Dra. Licínia Girão que então detinha como advogada-estagiária. E enviei uma mensagem para o e-mail geral da CCPJ com a seguinte mensagem: “Tendo em consideração que se está perante pedidos de esclarecimento que podem confluir com aspectos da esfera pessoal, tomei a liberdade de lhe colocar questões para o endereço de e-mail da Ordem dos Advogados, uma vez que este não é o seu e-mail profissional da CCPJ. Serve, assim, este e-mail para avisar de tal envio, tendo em conta que ignoro se costuma aceder com frequência ao referido e-mail.”

    Ou seja, parti para esta investigação com elevada honestidade no pressuposto de que, se dados esclarecimentos devidos, o caso ficaria encerrado. Não só não foram dados quaisquer esclarecimentos, como se adensaram mais as suspeitas e provas.

    Saliento também que, ao longo das notícias que visaram o percurso profissional da Dra. Licínia Girão, foi tentado contacto com todos os membros, todos, da CCPJ sobre a escolha e pedindo opinião sobre se a consideravam, visto o currículo, uma “jurista de mérito”. Nem um só respondeu, o que é um direito que lhes assiste, mas não pode é depois vir-se criticar a deontologia de quem pergunta e investiga.

    Acresce que foram pedidas as actas do Plenário, onde se incluirá a da eleição da Dra. Licínia Girão, mas não foram facultadas, estando a decorrer um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.  

    Note-se, por fim, que as “verdades” colocadas na queixa da Dra. Licínia Girão, além de não serem consubstanciadas com a apresentação de provas, nunca foram expostas quando atempadamente foi questionada.

    Aliás, mostra-se surpreendente que a Dra. Licínia Girão se escandalize por eu colocar em causa os motivos do cancelamento, e ter feito perguntas à Ordem dos Advogados. Diga-se, aliás, que o registo do cancelamento tem o motivo. Para que a informação da Dra. Licínia Girão se transformasse em facto deveria ter uma prova – que existe, mas que ela se recusa a querer revelar, preferindo tecer críticas à forma como investigo.

    Na verdade, o uso sistemático da palavra desonestidade para se referir a mim, e ao meu trabalho, só porque a afecta, é ultrajante e indigno para alguém que preside à CCPJ. Tenho um passado transparente e impoluto, que não é escondido; ao contrário do passado da Dra. Licínia Girão, que ela acha que não pode ser escrutinado por via das funções que exerce.

    Sinceramente, agora sei quem tem aqui problemas deontológicos a resolver.



    9) Artigo publicado a 5 de janeiro de 2023: Licínia Girão: a “jurista de reconhecido mérito” sem mérito para concluir estágio

    Afirma que “Licínia Girão cancelou a sua inscrição como estagiária na Ordem dos Advogados depois de se mostrar incapaz de concluir o estágio de advocacia iniciado em finais de 2020, e que duraria 18 meses.”

    a. Em que factos se baseia para afirmar que a denunciante se mostrou “incapaz”?

    Resposta à alínea a)

    Esta questão já acima foi respondida. Sendo o prazo normal do estágio de 18 meses, e em Outubro de 2020 a Dra. Licínia Girão cancelou a inscrição, desistindo do estágio (o que não ocorreria na suspensão), significa que não foi capaz de o concluir. Ou seja, mostrou-se incapaz. É objectivo. É português.

    Noutra passagem, escrevo o seguinte: “Agora, apurou o PÁGINA UM, a presidente da CCPJ nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para conclusão do estágio da Ordem dos Advogados, que começara em finais de 2020.”


    10) Dispõe de provas de que a denunciante tenha feito alguma prova pública ou outra à Ordem dos Advogados?

    Resposta

    Julgo que o relator – e inquiridor (ou inquisidor) – do Conselho Deontológico sabe compreender português. Escreveu-se que a presidente da CCPJ nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para a conclusão do estágio. As provas são uma das fases para a conclusão do estágio e não são ultrapassadas em uma das duas causas: ou porque nem sequer se compareceu às provas, ou então compareceu-se e chumbou-se. Ora, aquilo que escrevi – e deve ser isso que deve ser analisado – foi que a Dra. Licínia Girão se mostrou incapaz de concluir o estágio, sendo que a prova é não ter concluído o estágio e ter cancelada a sua inscrição na Ordem dos Advogados sem ter o título de advogado.

    No mesmo artigo, diz ainda o seguinte: “Independentemente da veracidade desta declaração, não comprovada por qualquer documento, certo é que a opção pelo cancelamento – em vez de uma suspensão (que implicaria que, a qualquer momento, pudesse reatar a inscrição –, não esconde mais um insucesso de Licínia Girão no “mundo das leis”, sobretudo para quem chegou à liderança da CCPJ rotulada de “jurista de reconhecido mérito”.”


    11) Dá como certa a informação de que, caso a denunciante pedisse a suspensão do estágio, poderia reatar a inscrição “a qualquer momento”?

    Resposta

    Façam o favor de ler o Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados, até para não se fiarem, como fazem com as denúncias da Dra. Licínia Girão, naquilo que uma parte escreve. O dito regulamento diz, no artigo 12º que o advogado pode requerer a suspensão do seu estágio até um período máximo de seis meses, indicando que logo que cessada a suspensão, ocorre um reingresso. Mais adianta que se ao fim dos seis meses o estagiário não tiver requerido o levantamento da suspensão “importa o imediato cancelamento da sua inscrição”. Podem também ler o Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados-Estagiários sobre as diferenças entre suspensão e cancelamento.


    12) Pedimos-lhe que atente ainda neste excerto da notícia: “Os dois revezes de Licínia Girão – nos mundos da Magistratura e na Advocacia em apenas um ano – não a impedem de continuar a sua profissão de jurista (embora limitada em termos de actividade profissional), nem de ser considerada pelos seus pares (oito jornalistas) que a cooptaram para a CCPJ, como alguém de “mérito reconhecido”.

    a) Como sustenta a afirmação “embora limitada em termos de actividade profissional”?

    Resposta à alínea a)

    Acho estranho que uma “jurista de mérito” como a Dra. Licínia Girão não entenda as consequências do chumbo no CEJ e a não conclusão do estágio de advogada em termos de a limitar a exercer determinadas funções profissionais. Mais uma vez remeto para o  Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados-Estagiários, que no nº 1 do artigo 57º diz que “O cancelamento da inscrição impede o exercício da advocacia e o uso do título de «advogado» ou de «advogado estagiário»“. Ou seja, um jurista sem ter concluído o estágio fica bastante limitada no exercício da sua profissão. Não é uma opinião, é um facto.


    13) Por fim, e de forma mais geral, pedimos-lhe uma última resposta sobre este tema: o Código Deontológico é claro na necessidade de separar factos e opiniões, o que nem sempre acontece nos seus textos. Como o justifica?

    Resposta:

    Esta é mais uma pergunta extraordinária, onde o relator denuncia que já tirou as suas conclusões. Refere genericamente que “nem sempre acontece nos seus textos” a separação entre factos e opinião. Não diz onde nem em concreto em que passagens. Seria o mesmo que um polícia me acusar de que “nem sempre acontece na sua condução que cumpre a Código da Estrada, e por isso vou multá-lo”. Assim, sem necessidade de identificar a acusação em concreto.

    E mais, ainda o relator pede para me justificar, como se houvesse mesmo nos meus textos essa ambiguidade. Mais uma vez o relator faz como um inquisidor que pede ao réu que justifique as razões de ter blasfemado, mesmo se ele até nunca blasfemou. Se tem de se justificar de algo, é porque cometeu o acto de que, de forma genérica e abstracta, o acusam. Isto era de um brilhantismo fantástico na Idade das Trevas; mais fantástico ainda quando intentado por supostos guardiães da deontologia jornalística neste Portugalinho do respeitinho do século XXI.

    Enfim, têm mesmo a noção de que, se me querem “condenar”, não podem ser assim tão pouco discretos?

    Em todo o caso, sempre direi que se o relator conseguiu encontrar opiniões nos meus textos e também conseguiu encontrar factos, então é porque ficou, e está, claro aos seus olhos a distinção entre factos e opinião.

    Mas vamos ser claros, e discutamos o que se encontra mesmo no Código Deontológico. Lá não proíbe que coexista factos e opinião num mesmo texto jornalístico, mas sim que os factos sejam relatados com rigor e exactidão, além de ser interpretados com honestidade, devendo existir uma distinção entre o que é uma coisa (factos) e outra (opinio). Ora, se há uma interpretação de factos (com honestidade), passamos para a esfera subjectiva da escrita, onde é (mais do que) lícito, no mesmo texto, que sejam emitidas opiniões, desde que seja evidente aos leitores que aquelas são opiniões.

    Aliás, numa reportagem, se escrevo que uma paisagem é deslumbrante, estou a referir-me a um facto (paisagem) e à sensação que me transmite (opinião). Para o leitor mostra-se evidente que existe um facto e uma opinião.

    Quando num texto jornalístico se usa adjectivação, muitas vezes no seguimento da interpretação de factos, estamos sempre perante uma opinião, também facilmente identificada pelos leitores.

    Por exemplo, no caso em apreço, quando escrevi que o currículo da Dra. Licínia Girão era paupérrimo (uma adjectivação de um facto, o seu currículo), emito uma opinião baseada numa interpretação de factos que apresento (o conjunto da sua formação e experiência profissional). Para os leitores é clara a distinção – e mais: como exponho em detalhe tudo, podem os leitores discordar daquilo que escrevi e tirar a própria conclusão. É esse o âmago do jornalismo: informar os leitores, interpretar essa informação (o jornalista não é um autómato), e fazê-los, a partir daí, pensar pelas respectivas cabeças. E depois de ler tudo aquilo, e sabendo a minha opinião (e também a ausência de esclarecimentos e a falta de opinião dos restantes membros da CCPJ), os leitores devem responder, por eles próprios, à seguinte pergunta: é a Dra. Licínia uma jurista de mérito?

  • Costa é um político nato

    Costa é um político nato

    António Costa faz promessas de estabilidade e até acredito que sejam sinceras, mas lá fora vejo movimentações que apontam em sentido contrário. Há meses, mencionei a hipótese do nosso primeiro-ministro poder ser o próximo Secretário-Geral da NATO. Agora, não só a mantenho como a reforço. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


    Ele pode dizer que não quer e até o pode repetir, como Pedro, por três vezes. Só que faz sentido e, por isso, permitam-me fazer algo irresponsável do ponto de vista jornalístico – mas autorizado e, podemos dizer, assaz estimulante quando se trata do género de crónica – que é especular. Especulo baseado em factos que vou colhendo aqui e ali e que, depois, interpreto como bem entendo. Não mais que isso.

    Tudo começou com uma crónica a 14 de Março, intitulada “Perguntei à minha bola de cristal”, onde fazia notar que o actual Secretário-Geral da NATO, o ex-primeiro-ministro norueguês Jens Stoltenberg, iria deixar o cargo em Outubro deste ano. E isso iria provocar mexidas em Bruxelas, pois um dos nomes ventilados para o substituir era o da actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

    Se a ex-ministra da Defesa da Alemanha, que ocupa agora um posto que já pertenceu ao português Durão Barroso, aceitasse substituir o norueguês na cadeira da aliança militar entre os EUA e a Europa, então isso iria deixar em aberto o seu lugar um ano antes da conclusão do primeiro mandato de cinco anos e que, em 2024, ainda pode ser renovado por mais cinco.

    Seria um problema Ursula sair em Outubro deste ano. Foi então que, numa segunda crónica, a 4 de Abril, intitulada “Ursula é a maior”, escrevi que havia uma maneira de resolver o assunto e isso passaria por, e agora, cito-me: “que Jens Stoltenberg ficasse mais uns meses no cargo, indo para além de Outubro, dando assim tempo a Von der Leyen de terminar o mandato e poder depois manter-se em Bruxelas, agora na cadeira da NATO”.

    Isto foi escrito um mês antes da reunião do Grupo Bilderberg em Lisboa, onde, entre os dias 18 e 21 de Maio, Jens Stoltenberg foi um dos membros presentes para as discussões políticas, económicas e militares, de algumas das mais influentes personalidades dos países membros da NATO. Nessa altura, António Costa, como primeiro-ministro do país anfitrião, esteve presente num almoço no Hotel Pestana Palace, na Ajuda. E o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ofereceu depois um jantar no Palácio da Ajuda.

    Não sei até que ponto isso ajudou ao que aconteceu depois do encontro Bilderberg, mas sei que a notícia prevista em Abril, concretizou-se há dias: Jens Stoltenberg aceitou prolongar o seu mandato por mais uns meses até que se chegasse a um acordo para o seu sucessor. Sendo assim, Ursula von der Leyen tem a porta aberta para sair do cargo no fim do primeiro mandato, mas teria de renunciar a um prolongamento de mais cinco anos. Será que a alemã aceita abdicar disso? Talvez. Se o fizer, então vamos ter de escolher um novo presidente para a Comissão Europeia e, nesse caso, duvido que António Costa possa ser escolhido, já que seria o segundo português ao fim de dez anos.

    É difícil, mas não impossível que Costa vá para o lugar de Leyen. Outro cargo que lhe estará apalavrado é o de presidente do Conselho Europeu, actualmente ocupado pelo ex-ministro belga, Charles Michel, e que termina o seu último mandato, de apenas dois anos e meio cada, em finais de 2024.

    Após o anúncio do prolongamento de Jens Stoltenberg como Secretário-Geral da NATO, o calendário político tornou-se óbvio: está tudo à espera das eleições europeias de Junho de 2024 e da distribuição das cadeiras nos meses seguintes. E é isso que cria a instabilidade em Portugal, pois Costa está há muito a olhar para isto.

    Pelo meio, vamos ter as eleições legislativas em Espanha, já no dia 23 deste mês, onde o socialista Pedro Sanchéz, a julgar pelas sondagens mais recentes, poderá não ser eleito. Dizem que ele é que poderia ser o próximo chefe da NATO. Duvido, pois já houve um espanhol, Javier Solana, que esteve à frente da organização entre 1995 e 1999.

    Faz sentido que Portugal, um país que até é membro fundador da NATO – quando até éramos uma potência colonial e fascista (como alguns gostam de dizer, mas que a NATO, pelos vistos, entendeu de forma diferente) –, possa liderar a aliança militar. Sim, como dirão alguns amigos, nós não damos dois por cento do nosso orçamento para Defesa, pelo que seria impossível haver um português no cargo. Mas, agora contraponho, não seria esta a melhor maneira de dar um sinal a Moscovo, com a ideia da Europa unida de Lisboa a Vladivostoque?

    Conclusão desta minha irresponsável especulação: Vamos a eleições em Junho de 2024 e o PS ganha por “poucochinho”. Costa treme, mas diz que não sai e garante a estabilidade. Marcelo não convoca eleições antecipadas. Depois, Ursula não aceita sair da Comissão Europeia e Costa reitera que não vai fazer como Barroso e também não aceita o Conselho Europeu.

    Mas depois, há um apelo. Um apelo internacional e o Secretário-Geral da NATO vem a Portugal e vai a Belém falar com Marcelo, onde lhe explica a necessidade para o mundo de ter um português, em Bruxelas, a liderar a NATO.

    Perante o “desígnio nacional”, Costa sai, mas o País não pode ter eleições antecipadas. Marcelo diz que sim, mas depois convoca eleições para Novembro de 2024. Só vou especular mais quando Costa disser, três vezes, que não é um político nato.

    Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Como se apaga a dignidade: dos professores aos jornalistas

    Como se apaga a dignidade: dos professores aos jornalistas


    O ano escolar terminou e chegou a hora da devolução à escola dos manuais escolares usados para serem reutilizados. Em escolas públicas do ensino básico, professores receberam uma tarefa de última hora, uma espécie de prémio de final de ano: apagar com borracha os milhares de páginas de todos os manuais que os seus alunos usaram ao longo do ano.

    A justificação para esta “prenda” é de que não há auxiliares de educação nem administrativos disponíveis para “limpar” os livros e apagar os exercícios feitos a lápis pelos alunos.

    red apple fruit on four pyle books

    Assim, depois de um ano lectivo, ainda sem férias, há professores a rever uma a uma mais de 18.000 páginas de manuais escolares usados para apagar com borracha cada palavra, frase, gatafunho ou desenho feitos pelos alunos.

    Isto é normal? É. Mas não devia ser.

    Quando se ordena um professor a executar esta tarefa está-se, sobretudo, a desmotivar e a afastar cada vez mais os professores da escola pública. Se calhar é esse o objectivo. Está-se a abusar do professor, das suas competências, talento e experiência. Da sua função.

    Para os professores, este tipo de ordens soma-se à crescente burocracia e tarefas fora da sala de aula que são obrigados a cumprir.

    boy in black hoodie sitting on chair

    Sempre que ouço professores e assisto a reuniões com directores de turma fico a pensar como ainda aguentam trabalhar assim, nas condições que hoje em dia enfrentam. O desgaste. Os fins-de-semana a trabalhar para pôr tarefas em dia.

    E os alunos é que pagam também, por esta relação tóxica que muitas escolas (e a tutela) assumem com professores.

    Sabe-se que em muitas escolas os meios são escassos. As escolas fazem o que podem para manter tudo a funcionar. Diz-se que “o país é pobre”, que “não há recursos”. Mas há. Para a TAP. Para o Novo Banco. Aquela obra pública cujo custo sai o triplo do orçamento previsto. Para os amigos de políticos e gestores públicos que ganham concursos e contratos de consultadoria. Para familiares de governantes. Para os amigos de autarcas.

    Só não há dinheiro para as escolas. Ou para centros de saúde. Para hospitais. Maternidades. Ainda se fossem companhias aéreas, bancos falidos, empresas desfalcadas…

    black pencil on black background

    Olho para este caso dos professores a apagar manuais usados, e penso nos jornalistas, nos polícias, e em todos os profissionais que acabam a ter de cumprir tarefas que não era suposto estarem a executar. Penso no abuso que sofrem muitos profissionais, apenas para manterem o salário e o emprego.

    No caso dos jornalistas, a desmotivação é grande. Hoje, os mais “antigos” nas redacções estão resignados e a contar os dias para a reforma ou saída antecipada. Entre os mais novos, muitos nem sabem o que é jornalismo porque começam logo a fazer “notícias” e cobrir conferências que são pagas por empresas ou organismos públicos, autarquias, etc.

    Muitos jornalistas hoje, quando escrevem notícias ou fazem entrevistas, fazem-no no âmbito de uma qualquer “parceria comercial” contratada. São encomendas que estão previstas em cadernos de encargos obscuros e secretos porque não são do domínio público.

    Isto é normal? É. Normalizou-se e hoje é o dia-a-dia das redacções nos grandes órgãos de comunicação social no país.

    despaired, businessman, business

    Deveria o regulador dos media exigir a divulgação de todos os contratos das chamadas “parcerias comerciais” feitas com grupos e órgãos de comunicação social? Obviamente. Mas não. Ficam no segredo dos deuses.

    Conhecem-se apenas os contratos com entidades do Estado e que obrigatoriamente são divulgados no Portal Base. E mesmo esses são publicados sem a respectiva e obrigatória divulgação dos cadernos de encargos. É lá que está descriminado o que é encomendado: quantas entrevistas e notícias o órgão de comunicação terá de publicar no âmbito daquela encomenda.

    Para quem não sabe, é proibido jornalistas executarem encomendas. Mas é isso que vemos todos os dias. É só ir à rede social LinkedIn e ver que a cada meia-hora há uma conferência em directo do Público, do Expresso e de outros jornais, rádios e TVs.

    Cada uma dessas conferências tem directores, editores ou jornalistas a executar encomendas previstas num caderno de encargos. Cada uma dessas conferências tem contratos assinados com entidades que pagam para que ali estejam jornalistas, editores, directores. Cada uma dessas conferências tem jornalistas a escrever sobre o que lá se está a passar e a fazer entrevistas com os “convidados”. É só ler os textos e as entrevistas, assistir a algumas dessas conferências para perceber que alguém – um autarca, um gestor, uma empresa, um produto, um sector – está a ser promovido. Uma “mensagem”, várias “mensagens” de marketing estão a passar para o público, para os leitores, os ouvintes, os telespectadores.

    black video camera

    Há cadernos de encargos que são um autêntico filme de terror para quem ama o jornalismo. Mas mesmo os contratos mais “suaves” são de fugir. Porque são uma violação da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista.

    Dizem que “o país é pequeno”, “não há leitores”, que os jornais “estão em crise”. Dizem que são as parcerias comerciais que pagam os salários das redações. Podem até ser. Mas o que as redações fazem hoje, muitas vezes, não é jornalismo. Portanto, essas parcerias comerciais pagam para que os meios de comunicação social se transformem em máquinas de marketing e promoção, usando de forma abusiva a profissão, os jornalistas, o jornalismo.

    Se não há dinheiro para se fazer jornalismo, fazer notícias e entrevistas pagas não é a solução. Porque notícias pagas e entrevistas encomendadas é o oposto de jornalismo. É o anti-jornalismo. Mais vale assumir e fechar. Ou trabalhar a sério para se encontrar uma solução “para a crise”. Como desbastar os milhares de euros pagos a colunistas amigos e políticos. Como cortar salários e prémios na direcção. Como cortar em carros de empresa, cartões de crédito. Como debater de forma séria formas de financiar de forma sustentável um sector que é crucial para a democracia e o país. Terá de envolver financiamento público? Debata-se isso! Mas publicar notícias pagas travestidas de jornalismo é que não. Mais vale fechar.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Mas terá de passar por directores de jornais e TVs deixarem de querer ser “gestores”, “administradores” e ter futuros cargos políticos ou em grandes empresas. Terá de começar por haver directores que amem o jornalismo e queiram ser… jornalistas. Queiram fazer e honrar o jornalismo. Sem o vender ao desbarato, arruinando-o. Sem o usar para fins comerciais ou políticos.

    Mas terá de começar pelos jornalistas dizerem “não” e recusarem serem usados para “vender” bens e serviços, fazer marketing e executar cadernos de encargos de publicidade e comunicação.

    No caso dos jornalistas, como no dos professores, enquanto ninguém der um murro na mesa e disser “não”, a relação de abuso, o desgaste e o ambiente tóxico vão continuar.

    Até lá, perde o jornalismo e o ensino. Perdem os leitores. Os alunos. Perdemos todos.

  • Combater a inflação: decrete-se o aumento de salários?

    Combater a inflação: decrete-se o aumento de salários?


    Recentemente, políticos, banqueiros centrais e colunistas nacionais têm comentado o fenómeno da inflação. Uns dizem que se deve ao aumento das margens de lucro das empresas, outros, que resulta do aumento dos salários! Até há quem diga que simplesmente apareceu do nada! Na verdade, mais parece o jogo da adivinha: onde está a bolinha?

    Como solução, alguns dizem-nos que agora importa subir salários, nem que seja por decreto, por forma a compensar os trabalhadores por conta de outrem da subida do custo de vida. À primeira vista, estas soluções são sempre mágicas e simples, com ninguém a questionar-se por que razão não se decreta de imediato a subida do salário mínimo para os 5.000 euros, por exemplo!

    a person holding a wallet in their hand

    Acontece que os salários apenas podem subir quando há aumento de produtividade, caso contrário, seria a falência de qualquer empresa. Apenas com maior produção de bens e serviços por hora trabalhada tal é possível.

    A prosperidade económica depende, essencialmente, do capital fixo acumulado per capita, tendo de existir previamente poupança (lucros e rendimento não aplicado em consumo), mas também, embora menos importante, dos métodos de organização do trabalho – melhores processos, melhor organização, melhor gestão, etc.

    Utilizo várias vezes este exemplo: um analfabeto e um engenheiro numa ilha têm basicamente a mesma produtividade. Ambos lograrão produzir praticamente o mesmo durante um dia de trabalho, apesar das diferenças gritantes na sua formação. No entanto, um engenheiro irá produzir mais na Alemanha do que em Portugal, simplesmente porque na primeira existem mais máquinas, computadores, estradas, fábricas, ou seja, mais capital fixo per capita que no segundo; e, obviamente, melhores métodos de organização do trabalho.

    despaired, businessman, business

    Mas, de imediato, surge a pergunta dos habituais socialistas de serviço: depois de ter investido em novas tecnologias, uma empresa passa a beneficiar de custos unitários mais baixos e maiores margens de lucro, como irá aceitar partilhar essa vantagem adquirida com os colaboradores?

    Num mercado livre, maiores margens de lucro atraem concorrentes. Para se estabelecerem novas empresas, é necessário que estas proponham melhores salários aos colaboradores das empresas já estabelecidas, reduzindo, por essa via, os lucros extraordinários então existentes.

    Esta “luta” cíclica, investimento, vantagem por via de custos e diferenciação – como é caso dos produtos da Apple, por exemplo -, atracção de novos concorrentes, é que permite a prosperidade de uma sociedade. Fruto de maior capital fixo acumulado per capita, produz-se mais por hora produzida.

    Eis que surge outra pergunta dos habituais socialistas de serviço: mas as empresas não têm poder para subir preços de forma unilateral e concertada, como agora parece estar a acontecer?

    board, game, competition

    A única entidade que cria barreiras à entrada a novos concorrentes é o Estado. Para tal, existem vários métodos, em que destaco três: o licenciamento, a regulação e os elevados tributos sobre as empresas – na verdade um roubo.

    No caso do primeiro, temos burocratas durante meses ou anos a fio a decidir se determinado projecto avança ou não, criando todos os incentivos à corrupção – quem não se lembra do Freeport? – e obrigando o proponente do projecto a suportar elevados custos até à obtenção da licença – muitas vezes não é deferida! -, desde o pagamento de advogados e “especialistas” na elaboração do pedido de licença, a custos de funcionamento durante a “apreciação” do projecto. Quem pode suportar tais processos de licenciamento? Obviamente, não são as pequenas empresas.

    No caso da regulação, esta obriga à contratação artificial de colaboradores – mais custos que não servem para melhorar o produto ou o serviço ao consumidor – para áreas de cumprimento normativo e a enormes investimentos em tecnologia e processos – mais custos – por forma a cumprir com as “exigências” da regulação e a responder aos supervisores – relatórios, inspecções, etc. Como sempre, apenas as grandes empresas sobrevivem em tal contexto.

    photo of bulb artwork

    Por fim, os elevados tributos, o que cria uma vez mais enormes barreiras à entrada. Vejamos o caso do negócio de retalho de combustíveis, onde num litro de gasolina o ladrão-mor leva 60% a 70%; o que significa? Uma brutal redução do tamanho do mercado. Se este mercado representa, por exemplo, 100 milhões de euros, significa que efectivamente vale apenas 30 a 40 milhões de euros; mais uma vez, apenas os fortes sobrevivem numa tal selva de bandidos. 

    Como vimos, a concentração de poder em cartéis é o resultado exclusivo da intervenção Estatal, não só nos aspectos sobreditos, mas também derivado da intervenção monetária. Os juros 0% dos Bancos Centrais reduzem drasticamente o papel dos bancos na intermediação da poupança, pois ninguém está interessado em aplicar aí as suas poupanças, preferindo o mercado de capitais, em particular os de maior dimensão e mais líquidos, como é o caso das bolsas de valores norte-americanas.

    Foi precisamente o que aconteceu nas últimas décadas, em que o bar aberto do “crédito grátis” – na verdade crédito criado com uma impressora de notas – servia apenas os “matulões” – Apple, Amazon, Tesla… – em cima do balcão, quer por via do endividamento para compra de acções próprias quer por via dos capitais aplicados por particulares e institucionais nas suas acções.

    grayscale photo of person holding glass

    Como podemos constatar, num mercado livre, a empresa que sobe preços para obter maiores margens é de imediato “posta no seu lugar” pela concorrência; não é o caso de mercados cartelizados, onde é possível concertar subidas de preços. Estes casos são apenas possíveis com intervenções estatais.

    Para aparecer investimento, o que é essencial?

    Um empresário apenas irá investir se existir segurança jurídica, ou seja, protecção da propriedade privada. Não é por acaso que sociedades clássicas, como a grega ou romana, ou a Itália do período renascentista foram capazes de estabelecer economias muito avançadas; tal foi possível, dado que a propriedade privada era protegida.

    Ninguém vai investir na Venezuela, onde o Sr. Maduro pode confiscar o negócio num dia mal-humorado, ou no mercado de arrendamento em Portugal, onde o proprietário não tem liberdade para solicitar o preço que entende.

    Mais uma vez, o maior agressor da propriedade privada é nem mais nem menos o Estado. Os impostos e a inflação são dois esquemas de assalto tão monumentais, que nem mesmo o mais engenhoso dos bandidos imaginaria tal coisa.

    O primeiro é realizado de forma sub-reptícia, com as empresas a reterem impostos e contribuições em nome do bandido-mor, ou ludibriando, através da criação de diferentes conceitos àquilo que sai do mesmo bolso – segurança social do trabalhador e do empregador! O segundo, não é mais que um roubo silencioso, onde o ilusionista utiliza todos os truques: subida de margens, salários, guerra da Ucrânia…

    Recordemo-nos que o fenómeno da inflação resulta em exclusivo do aumento do dinheiro em circulação; numa era em que o padrão-ouro foi abandonado há mais de 50 anos, desde então, através do seu Banco Central, o exclusivo da emissão de dinheiro pertence ao Estado.

    Esta situação é severamente agravada pela prática de reservas fraccionadas, que não é mais que um roubo legalizado, uma falsificação de dinheiro por parte dos bancos, onde o dinheiro que possuem – reservas do Banco Central – é uma ínfima fracção do valor dos extractos bancários dos seus clientes. Por essa razão, dizem-nos que é um sistema “baseado na confiança”: não levante o dinheiro que é seu, confie!

    A man in a black suit loosening his tie

    Acontece que esta falsificação é mais um método de tributação (leia-se assalto) e redistribuição, dos produtores para os falsificadores (bancos) e para aqueles que estão no início da cadeia do novo dinheiro; durante a putativa pandemia, foram nada mais nada menos que os apaniguados do Estado, as farmacêuticas, as farmácias, os laboratórios de análises clínicas, os retalhistas de fraldas faciais, os escritórios de advogados do regime, burocratas, médicos vendedores de vacinas, etc.

    Quando os falsificadores e os primeiros da cadeia gastam o “seu dinheiro” provocam a subida dos preços, obtendo uma maior proporção da riqueza produzida pela sociedade, em prejuízo daqueles que se encontram no final da cadeia, que, infelizmente, se deparam com preços mais elevados.

    Talvez por isso, alguns “economistas”, colunistas e políticos interpretaram a inflação de preços como um método desesperado pelo qual as empresas, a sofrerem com a inflação monetária, tentam recuperar o controlo dos recursos económicos através do aumento de preços, pelo menos a um ritmo tão rápido, se não mais rápido, quanto o Estado imprime novo dinheiro.

    Entre o início da putativa pandemia e o início da guerra da Ucrânia, o dinheiro em circulação subiu a um ritmo anual de 16%! Para o mesmo período, o petróleo, a principal matéria-prima industrial do mundo, a sua principal fonte de energia, subiu 361%, ao ritmo anual de 122%.

    Subida/ Descida de vários activos e do agregado monetário M2- Zona Euro entre o final de Março de 2020 e o final de Fevereiro de 2022 (Unidade: %)
    Fonte: Banco de Portugal, Yahoo Finance e análise do autor

    Em segundo lugar, se o novo dinheiro é criado por meio de empréstimos bancários às empresas (prática de reservas fraccionadas), como muitas vezes acontece, o dinheiro inevitavelmente distorce o padrão de investimentos produtivos.

    A inflação monetária, por meio de empréstimos às empresas, causa não só investimento excessivo em bens de capital, como, por exemplo, matérias-primas industriais, imobiliário, automóveis, mas também incentiva a especulação financeira, atendendo que tanto empresários como consumidores são iludidos pelo “dinheiro grátis” – totalmente artificial, em resultado da distorção dos juros, no sentido descendente, pelo Banco Central.

    O investimento em acções de empresas não é mais do que um investimento indirecto em bens de capital e uma forma de especulação financeira. Durante a segunda década do século XXI, o BCE e o Banco Central norte-americano, a FED, estiveram anos a fio com juros a 0% e a imprimir dinheiro como se não houvesse amanhã, onde reinou a mais descontrolada especulação financeira.

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    Como podemos observar, entre Novembro de 2011 e o início da putativa pandemia, as obrigações do Estado falido grego subiram mais de 550%, a um ritmo anual de 25%, e o índice bolsista Nasdaq 257%, a um ritmo anual de 17%.

    Durante esse período, o novo dinheiro não foi gasto em matérias-primas industriais ou em actividades produtivas, mas sim em especulação: as grandes empresas norte-americanas pediam crédito a 0% aos bancos, que o fabricavam do “ar”, e compravam as suas próprias acções com o objectivo de elevar o seu preço – maiores bónus para os gestores.

    Os bancos na Europa iam a leilões de obrigações de Estados falidos, como é caso grego e português, comprando-as para as revender com enormes lucros ao BCE, que as adquiria com “dinheiro de monopólio” – era só dar ao botão do computador.

    Subida/ Descida de vários activos e do agregado monetário M2- Zona Euro entre o final de Novembro de 2011 e o final de Março de 2020 (Unidade: %)
    Fonte: Banco de Portugal, Yahoo Finance e análise do autor

    Por outro lado, há um subinvestimento relativo em indústrias de bens de consumo, provocando a médio prazo escassez de oferta, agudizada pelos criminosos confinamentos que destruíram as cadeias de abastecimento durante a putativa pandemia. O resto é história: agora, está aí a conta para pagar, com os mais fracos a serem, como sempre, os grandes perdedores.

    Em conclusão, o Estado e os parasitas que o rodeiam são os únicos beneficiários da inflação; por essa razão, são os únicos que têm de devolver o saque dos últimos anos, baixando radicalmente os impostos – subindo por esta via os salários líquidos – ou devolvendo o dinheiro roubado às pessoas. Não é, certamente, obrigando o sector produtivo a suportar maiores custos com salários a solução.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O imigrante que não se quer integrar

    O imigrante que não se quer integrar


    De todas as discussões possíveis em torno da morte de Nahel Merzouk, o jovem francês de ascendência argelina baleado nos subúrbios de Paris, há uma que não parece oferecer grandes dúvidas: foi cometido um crime pela polícia.

    As imagens deixam pouca margem para discussão e não esteve, em momento algum, em risco a integridade física do atirador, que se limitou a assassinar um miúdo a sangue-frio. 

    Podia o polícia ter disparado para os pneus e imobilizado o carro, mas escolheu, naquele momento e a poucos metros de distância, balear uma pessoa desarmada que em momento algum colocou em perigo a vida do agressor.

    Esta parte da conversa é importante porque não existe “mas” nesta situação. Não existem atenuantes ou justificações que suportem a acção policial. Nem mesmo os distúrbios e a revolta da população que se seguiram a este assassinato podem, a posteriori, servir para validar as balas no peito de Nahel.

    É certo como o destino que, a cada abuso das forças (supostamente) de segurança, se acabe a discutir questões raciais ou de integração de imigrantes. É um tema que me revolta só por si e tende a ficar escatológico, à medida que os dias sob o crime vão avançando.

    João Miguel Tavares disse, a propósito deste caso, que a integração de um imigrante depende do país de acolhimento, mas também da vontade que este tem de fazer parte dessa cultura.

    Miguel Sousa Tavares, de uma forma muito mais radical, disse que os argelinos em França não se querem integrar, de todo, e que estão lá para destruir a França por dentro (Nahel era de ascendência argelina e marroquina e vários jovens de ascendência árabe juntaram-se aos protestos).

    Vamos, antes de mais, meter um ponto de ordem à mesa: para o que aqui se discute, é absolutamente irrelevante saber se Nahel estava bem integrado, se cantava a marselhesa ou se vibrava mais com Mbappé ou Mahrez.

    A única coisa que importa, para este caso, é que um jovem de 17 anos, desarmado, foi assassinado pela polícia sem ter feito nada que o justificasse. Ponto final.

    Dito isto, como é óbvio, a cada dia de tumultos perguntava-me quando é que viria o tema da “integração”.  É sempre engraçado ouvir a opinião de pessoas que viveram toda a vida no seu país de origem a falar sobre a comunidade A ou B que não se quer integrar no sítio X ou Y.

    Reparem que, para início de conversa, discute-se a integração de Nahel como se ele não tivesse nascido em França. Este é sempre o ponto de partida para os ataques raciais e xenófobos. Podemos ir na terceira ou quarta geração de nascidos no país de acolhimento e ainda nos referimos a eles como imigrantes. Talvez fosse bom, para o tema da integração, deixarmos de lhes chamar isso, vá lá, ao fim de duas gerações.

    O que eu perguntaria a João Miguel Tavares e a Miguel Sousa Tavares, se pudesse, é se eles pensam que algum imigrante escolhe viver o inferno que é estar à margem da sociedade que o acolheu ou onde nasceu.

    Pensarão, quiçá, que alguém prefere viver em guetos, ter mais dificuldade no acesso aos empregos e às melhores escolas? Haverá algum filho de marroquinos, senegaleses, argelinos ou tunisinos, em Franca, que prefira uma vida de segregação ao mundo de oportunidades de que outros dispõem? Perdoar-me-ão, mas, de uma maneira geral, não é assim que a coisa funciona. 

    Não importa se há “ódio visceral” (como sugeriu Sousa Tavares) entre franceses e argelinos, por causa da guerra da independência, ou se os árabes seguem outras práticas religiosas. Alguém acredita que um destes miúdos dos subúrbios, onde se amontoam as diferentes comunidades, escolheria entregar pizzas e estar longe da escola se tivesse outras oportunidades e melhores perspectivas de vida?

    Sentados no sofá de nossa casa, no bairro onde sempre vivemos, julgamos compreender como funciona a vida de um deslocado. Sim, Nahel era um deslocado no país de nascimento. Tal como muitos outros com ascendência africana que, por norma, não são levados em grande conta até que marquem um “golito” ou defendam qualquer coisa num campeonato do mundo de futebol.

    Há muitos anos, nos meus primeiros tempos de estadia na Suécia, tive uma chefe de projecto excepcional. Trabalhava no sistema de airbag da nova geração de “Volvos”, muito antes da corrida ao lítio, e esta pessoa, sempre muito simpática, cordial e incentivadora, foi estabelecendo comigo uma relação profissional que me agradava.

    Foi a primeira vez que ouvi sequer um elogio ao desempenho profissional. Nos meus anos de Autoeuropa, aqui pelo burgo, não sabia que as pessoas também podiam ser elogiadas no trabalho.

    Não tinha grandes pontos de contacto naquele país e, como perceberão, era bom ir fazendo amizades no trabalho. Até porque não tinha outras por aquelas paragens. Nesta fase da minha vida fazia tudo para me integrar nos hábitos, cultura e tradições do país de acolhimento. 

    Com o passar dos meses foi dizendo, essa minha colega, que gostava que eu, e a minha companheira, fôssemos jantar lá a casa com a família dela. Imaginei que se estivesse a criar uma relação para lá das paredes do escritório. Uma vez mais repito, não conhecia ninguém e os tempos passados para lá do horário de trabalho não eram de grande actividade social. Era de longe a parte mais difícil na clássica “integração”.

    Lembro-me sempre de um velhote simpático, que me alugava uma casa e me perguntava de quando em vez: “E então, já fizeste amigos suecos? Deduzo que seja difícil. O meu grupo de conhecidos é o mesmo desde a creche. Não entra ninguém novo e quando sai algum, é por que morreu”. Nesta fase eu ainda me ria e pensava que era ele, aquele velhote, o pessimista de serviço.

    group of people tossing wine glass

    Combinámos a data do jantar e eu fui à loja do Estado (Systembolaget), único sítio onde se vende um tinto digno desse nome, comprar qualquer coisa para não aparecer com as mãos nos bolsos. Na véspera do dia – é bom de ver que os suecos combinam tudo com semanas de antecedência e espontaneidade é coisa que só se vê nos filmes – a minha anfitriã manda-me uma mensagem dizendo que ela e o marido achavam que afinal não era boa ideia jantar. E assim ficou.

    Seguimos a relação profissional sem grandes conversas sobre o tema e sabendo que os elogios ou gosto na minha companhia se resumiam ao que, aparentemente, fazia ou deixava de fazer no sistema de airbag.

    O produto lá chegou ao mercado, a Volvo continuou a ser um dos fabricantes mais seguros do mundo e eu segui para outro projecto, cruzando-me aqui e ali com aquela personagem e não trocando mais do que um “olá, tudo bem?” de ocasião. 

    Situações destas repetiram-se – umas mais chatas, outras mais subtis – até que percebi, ao fim de cinco anos a tentar, que aquela parte da sociedade seria mais difícil para não me sentir só. Foi quando comecei a procurar outros portugueses na cidade, latinos de diferentes países da América do Sul e estrangeiros de outros países europeus, com quem fui estabelecendo relações de amizade ao longo dos anos e com quem consegui formar uma rede social nos 12 anos seguintes.

    Nunca vivi num subúrbio mal frequentado de Gotemburgo, nunca andei a queimar nada ou a exigir que cobrissem a pele. Nunca roubei (ok, tirando aquela colecção do Seinfeld), nunca maltratei ninguém, nunca tive qualquer comportamento daqueles clássicos que atribuem, os “opinadores” de sofá, aos que “não se querem integrar”. E, mesmo assim, quando olho para trás, vejo chilenos, portugueses, espanhóis, colombianos, argentinos, ingleses, mexicanos. Não vejo um único sueco. Nada. Zero.

    people sitting on chair in front of table with candles and candles

    A minha dúvida é, se tivesse nascido num subúrbio e crescido com a cultura de “nós e eles”, teria tentado sequer durante cinco anos fazer parte da sociedade de acolhimento? Provavelmente não. O mais certo era chegar aos 13 ou 14 anos e compreender que já estava à margem da realidade dominante e, inevitavelmente, escolher o caminho onde a discriminação não existe: entre os “meus”.

    Tem culpa o Nahel da guerra da independência da Argélia e dos ódios criados, quase 60 anos antes do seu nascimento? Ou da organização dos subúrbios de Paris onde os imigrantes são despejados em guetos? Ou do passado colonial de Franca? Ou do racismo constante dos europeus em relação aos africanos que exploraram durante séculos? Não, não tem culpa de nada disso.

    Nahel Merzouk, tal como muitos outros imigrantes que nem o privilégio de serem chamados franceses têm, limitou-se a nascer num daqueles sítios onde a probabilidade de sucesso reduz drasticamente. Está nos livros. As contas estão feitas.

    No caso dele, nem chegou a um trabalho mal pago ou uma vida precária. Foi logo baleado na rua por um assassino que nunca, jamais, deveria ter acesso a uma arma de fogo.

    O facto de os advogados do polícia já terem angariado mais de um milhão de euros, prova, entre outras coisas, como a sociedade está doente e as prioridades, comprovadamente, trocadas.

    Para onde caminhamos, nesta Europa com saudades dos muros?

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O relator

    O relator


    Vamos estar sucumbidos pelo relato preliminar da comissão de inquérito parlamentar ao caso TAP e sobretudo às indemnizações milionárias. Vamos estar a conjecturar sobre a honorabilidade, a ética republicana, e sobretudo a dívida de gratidão.

    Serventuários do poder, com baixa literacia, com falta de experiência de vida, vão ascendendo à nata dos partidos. Gente que sozinha não se guindou a lugar nenhum consegue o apoio dos chefes da matilha e sobe. Sobe, sobe balão sobe.

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    Deste modo tivemos a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o inquérito que poupava Vara e tantos outros. Ilibados! Já vão décadas socialistas, mas entretanto a justiça parece ter cumprido a sua missão independente, e levou-os ao presídio.

    Lembram-se da comissão sobre os submarinos? Sem culpa! O mesmo que a comissão sobre a ponte de Entre-Os-Rios e sobretudo a dos Carvalhos no Funchal? Ilibados! O Carvalho matou 13 pessoas enquanto dançava, sem incúria e sem maldade.

    Houve também uma comissão sobre Pedrógão que assacou culpas aos raios da tempestade seca. Não limparam, não cuidaram, não preveniram, mas o raio que o parta! Ilibação.

    Lembram Tancos? O culpado era do mexilhão. Houve uma Comissão sobre o BES onde se riu o Berardo, onde não se lembrava de nada o melhor CEO português – o Bava. O Bava até foi condecorado pelo Estado, enquanto roubava milhões, se premiava pelos maus negócios e destruía a PT. Recordo Comissões onde o Alzheimer era petulante – com Victor Constâncio fomos ao rigor de como esquecer a catapulta jornada milionária em Bruxelas. Agora está cheio de demência o Salgado.  Também na TAP havia muita dificuldade na memória. Ilibados! Como não?

    O caso mais interessante é que foi rápida a indemnização do emigrante morto às mãos do SEF, mas não há indemnizações a quem morre à guarda do Estado nas cadeias, não há indemnizações céleres em Pedrógão, Oliveira do Hospital, vítimas do desvario da PT e BES, vítimas de iatrogenia no SNS, vítimas de atropelamento por carros do Estado com ministros dentro. Ilibados!

    O problema não são as comissões, mas o modo como elegemos estas pessoas. Temos de pensar nos círculos uninominais, temos de impedir o aconchego dos líderes aos medíocres, temos de criar círculos nacionais onde votamos as pessoas, onde escolhemos mérito e carreira.

    Esta é uma democracia doente que serve os interesses da geração que agora está no poder após substituir a geração de Abril.

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    Carregados ao colo pelo sampaísmo, por uma esquerda trauliteira, uma agenda ideológica só de palavras, um complot de domínio do aparelho de estado, impediram reformas profundas, criaram constrangimentos ao mérito, impulsionaram a gestão por normas e regras em vez de liderança competente. 

    Criando normativos e certificações, qualquer um pode chegar ao poder de modo protegido e balizado, não tomar decisões fora do protocolo e, desse modo, pára o normal funcionamento do Estado. Um líder decide, assume responsabilidades, tem memória, cumpre as suas funções, exige e deve ser vigiado por quem o escolheu com lucidez e transparência. Os outros serão sempre ilibados!  

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os efeitos secundários do relatório à TAP

    Os efeitos secundários do relatório à TAP


    A Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP reuniu, durante centenas de horas, ouvindo inúmeras pessoas para tentar saber, fundamentalmente, se a atribuição de uma indemnização de meio milhão de euros a uma administradora, que passados uns dias já trabalhava noutra empresa, da mesma Tutela, era legítima.

    Tivessem perguntado aos catraios de uma qualquer escola primária, e teriam a resposta em segundos: “Não!”  

    Só que o Parlamento é, sobretudo, uma Feira de Vaidades e quando chega às narinas daqueles deputados o cheiro a sangue… nada os faz parar.

    A verdade é que, na análise à entrega daquele dinheiro todo, se foram descobrindo pormenores rocambolescos que, para uma Oposição sedenta de uma oportunidade “de ir ao pote”, eram ouro sobre azul.

    Tanto mais que havia a garantia de cobertura televisiva em directo e integral.

    Durante semanas assistimos a uma caricatura de um qualquer Tribunal Judicial do nosso País onde, ao arrepio da Lei, os arguidos entram como condenados tendo que provar, aos ilustres Magistrados, que estão inocentes.

    O que não é fácil dada a convicção antecipada de Juízes e Procuradores.

    Na Comissão Parlamentar os Deputados seguiram essa estratégia.

    Todos os interrogados que não se revissem nas teses de cada um dos Deputados Inquiridores passavam à categoria de adversários vendo todas as suas declarações serem postas em causa.

    Nuno Pedro Santos, ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação.

    Necessário era fazer cair, no descrédito total, toda a estrutura governativa da área em análise.

    Nem que se tivesse de inquirir sobre factos para além do que estava estabelecido.

    Ainda assim, houve diferenças entre os Juízes dos nossos Tribunais e os Deputados da Comissão de Inquérito?

    Desde logo, os primeiros têm legitimidade para interrogar os arguidos sobre (quase) todos os factos, ao contrário dos Deputados.

    Depois, os Juízes só devem preocupar-se com a verdade enquanto os Deputados se preocupam com a “verdade” que mais favorável seja para o seu Partido.

    Finalmente, os Juízes interrogam (na imensa maioria das vezes) num tom sereno, educado, profissional.  

    Já na Comissão de Inquérito houve interrogatórios feitos com sobranceria, arrogância, desdém, apartes mal-educados, por parte de Deputados interessados em mostrar quem era o mais agressivo, o mais contundente o mais temível.

    Fernando Medina, ministro das Finanças.

    Mais importante que fazer com que o interrogado caísse em descrédito era levar o cidadão espectador a admirar a sua coragem no enfrentar os representantes do Poder.

    A tentativa infantil de mostrar que se conheciam os dossiers era outra imagem de marca destes inquiridores.

    “O Senhor diz que isso aconteceu às 21.30 mas parece que há provas de que foi às 21.25. O que tem a dizer sobre isto?”

    Perguntas só possíveis a quem desconhece que o pior que pode acontecer a um político é ele cair no ridículo.

    Semanas com o mesmo tipo de perguntas, com a agressividade a subir de tom, começaram a cansar quem, de início, apoiava a Comissão.

    Até que esta se tornou insuportável.

    Na memória de quem assistia só ficava a repetição das mesmas perguntas, os insultos constantes aos interrogados, o ar professoral, ou de gozo, dos interrogadores.

    João Galamba, ministro das Infraestruturas.

    Não foi admiração quando o tom de crítica generalizada, a quem era alvo de inquérito, passou a alguma compreensão e, mesmo, simpatia.

    Chegámos a um ponto em que o Primeiro Ministro, para sair vencedor de todas as lutas que tem que travar com estes oposicionistas, só tem que ficar quieto à espera que eles se destruam uns aos outros.

    O relatório preliminar da Comissão mostra isto mesmo à evidência.

    Desde logo porque garante que, “o Governo não interferiu na gestão da TAP”, “não sabia do valor da indemnização paga à sua administradora”, “não se conseguiu provar, por falta de evidências, que o Ministério das Finanças sabia da indemnização”.

    Depois, porque optou por não fazer considerações sobre o caso ocorrido no gabinete do Ministro João Galamba.

    Finalmente, não teve em conta inúmeras horas de debate na Comissão porque os assuntos abordados não estavam no âmbito desta.

    Ou seja, o Relatório final – redigido, como se sabia que iria acontecer, por uma Senhora Deputada do Partido Socialista – está longe de ser tão crítico para o Governo como a Oposição esperava e, em parte, compreende-se a fúria dos seus Deputados.

    António Costa, ao centro, ladeado por Ana Abrunhosa (ministra da Coesão Territorial) e Manuel Pizarro (ministro da Saúde).

    Todavia são eles os grandes culpados deste fracasso e dos efeitos secundários por ele provocado.

    Ao pretenderem extravasar as suas funções, ao quererem fazer um julgamento em praça pública em vez de um inquérito, ao quererem aparecer como grandes paladinos da Verdade, da Justiça, da Honra, esqueceram-se de olhar para baixo e verem a quantidade de pés de barro que os espectadores tão bem conhecem há tantos anos.

    Pobres diabos!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Aumentem os salários! Ontem já era tarde

    Aumentem os salários! Ontem já era tarde


    Cheguei à cantina e pedi o iogurte do costume. Não tem nada de especial: um fio de mel, três ou quatro nozes e já está. Na altura de pagar, reparei que o preço tinha subido de 3,5 para 4,5 euros. Já achava o preço de ontem desagradável, hoje nem vos digo.

    Perguntei à senhora que me servia o porquê da repentina subida de preços e ela disse: “Sabe como é… a Ucrânia!”.

    amber glass bowl with fruits besides white spoon and fork

    Enquanto ia contando o número de colheres que aquele iogurte me proporcionava, pensava nas costas largas da Ucrânia que não mandavam para ali leite, nozes ou mel.

    A propósito desta temática, num programa de debate na RTP com quatro conceituados economistas, Francisco Louçã defendeu que as cadeias de distribuição aproveitavam este momento para aumentar a sua margem de lucro.

    É um facto que os custos de produção são hoje mais baixos do que eram antes do início da guerra, mas, no entanto, não se nota uma redução no preço dos produtos finais. Segundo Louçã, depois de 20 anos em que as regras da concorrência não permitiram aumentos disparatados, chegou agora o momento das empresas aproveitarem a conjuntura actual para dispararem as suas margens. Isto contraria a previsão do Banco Central Europeu que nos assegurou, no ano passado, que a inflação seria temporária.

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    Identificado que está o problema, chegamos à terapia. De momento, discute-se se devemos continuar a aumentar as taxas de juro para controlar a inflação ou, se por outro lado, devemos repensar e compensar essas subidas na despesa das famílias com o aumento dos salários reais.

    Sandra Maximiano, professora do ISEG, também presente neste debate, defendeu algo que já escrevi em outros textos aqui no PÁGINA UM: a aplicação cega da receita de Christine Lagarde – aumentar as taxas de juro em toda a Zona Euro – não tem o mesmo impacto em diferentes países.

    Em Portugal, onde a população é mais pobre e as famílias mais carenciadas – é bom não esquecermos que 75% das pessoas levam para casa menos de 900 euros líquidos –, não há a mesma capacidade de aguentar o aumento da despesa mensal como em outros países mais ricos da União Europeia. Voltamos sempre à discussão de medidas que visam reduzir o consumo em famílias que já pouco ou nada consomem. Aliás, é um tema recorrente falarmos em famílias portuguesas, como se entre elas, as carenciadas fossem uma minoria.

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    Tenho sempre alguma dificuldade em dizer isto, mas parece-me que continuamos a considerar que Portugal é um país onde a classe média, à escala europeia, tem algum peso. Não tem. Se olharmos e compararmos com os países mais desenvolvidos da Europa, grande parte da população portuguesa nessa escala seria pobre.

    Percebendo então que a inflação não é temporária, que os preços dificilmente voltarão aos valores pré-guerra e que as taxas de juro não regressarão ao mítico 1%, e perdoem-me por esta parte, mas seria obrigado a concordar com Luís Montenegro. Disse o líder do maior partido da oposição que era altura de arriscar e desafiar a Economia: “Temos de subir os salários em Portugal”.

    Dir-me-ão que depois de 20 anos a defender o aumento de salários indexado à produtividade, chegou a vez do PSD, através do seu líder condenado à travessia do deserto, dizer o contrário. É preciso aumentar por decreto. Estaremos perante uma tentativa eleitoralista de Montenegro, concordo, ainda assim correcta.

    clear glass jar with coins

    Não há outro caminho. De facto, Portugal não pode continuar a ser o país dos baixos salários para onde as multinacionais se dirigem na procura de mão-de-obra qualificada a baixo custo.

    É preciso que o Estado, depois de arrecadar impostos extraordinários e as empresas verem as suas margens de lucro subirem, tenham a capacidade e honestidade moral de dividir essas receitas com os trabalhadores, tanto na Função Pública como no setor privado. Esta é uma oportunidade histórica de tornarmos Portugal um país menos desigual.

    Quando até o líder do PSD nos diz que é tempo de arriscar e subir os salários, percebemos que o Apocalipse está próximo.

    Aumentem, então. Ontem já era tarde.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Conveniente ‘in prima partem’

    Conveniente ‘in prima partem’

    É por nos ser conveniente seguir a rua principal (que não existe, não há rua principal, não há princípio) para chegar ao destino (para quem ainda o tenha), que viramos à esquerda, e não à direita (não é para mim).

    É por nos ser conveniente calar em vez de falar (não cantar) para baixar a cabeça (para quem ainda a tenha), que seguimos a vida empurrados pela multidão (a formiga no carreiro?)

    É por nos ser conveniente a conivência com o crime, com o pecado, com a imoralidade, com a falta de ética de invertebrados que tomaram conta dos edifícios, que não denunciamos (but not a snitch!), não nos pomos de pé e somos crescidinhos, adultos, rijos (isso é masculinidade tóxica? Mandem entrar os homens por favor!)

    white arrow painted on brick wall

    Um bufo.

    Um delator.

    Ou um whistleblower? (Precisam-se provas!)

    Se eles, supostos líderes, tivessem espinha, acordavam de manhã com dor nas costas por aquilo que fazem por si próprios contra nós, com ou sem falcão.

    Burgueses insuportavelmente viscosos, com cheiro de cremes por cima de plástico, animados por palhaços de calças de ganga com muita graça, muita graça mesmo, assim como senhoras bem compostas e bem apresentadas na mesinha brilhante da televisão. Que nojo.

    E como se atrevem a não se envergonharem pelo nojo que nos metem? Cábulas! Doninhas que deslizam junto às paredes com a cuequinha húmida por poder ir dar um suposto passeio de uma suposta fortuna de bitcoin. Que nojo.

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    Influenciadores que se fotografaram com a máscara personalizada, olhem para mim que lindo, fui ver os gorilas na bruma, fiz mais um teste, portei-me bem, é preciso portar bem. Que nojo.

    E pensam eles que a Madame Guilhotine não aparece ciclicamente na história para mudar o capítulo. Pensam eles que a cumplicidade com aquilo que é errado não tem dolo (é errado! É errado! Nem tudo pode ser relativo! Não podem eternamente escudarem-se na desculpa que não sabiam!)

    Anjinhos que dividiram câmaras e juntas de freguesia (uma p’ra ti outra p’ra mim), e nós não sabemos dos senhores que vieram bater à porta para pagar a viagem da diáspora no dia do voto?! Não sabíamos que era errado?! Não comentamos entre dentes e finos e tremoços o nojo da corja que andava a acolchoar o “seu”?

    – Ah mas vou aproveitar a viagem! (Não é para mim!)

    Não sabemos como funcionam os corredores das academias, as palmadinhas nas costas, as simpatias, as guerras e rixas internas, as lutas por poder que nada constroem, nada trabalham?! Estão espantados com o desemprego jovem? A desorientação dos miúdos? A “fuga de cérebros”?! Pois, mas quantos estiveram a dar-lhes a mão? Quantos estão com dor de costas a segurar uma instituição por arames? Quantos estão sobrecarregados com o trabalho das alminhas que estão a governar o “seu”?

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    – Eu vou botar lá por ele! (Não é para mim!)

    Que guardem lá o avental! Que se abotoem lá com as lombadas de palavras que não são deles! Virão uma vez mais os propagandistas do ministério da verdade gritar “negacionista”, “chalupa”, “o que fazer com eles?” Ninguém viu nada, agora foi tudo contra, o assalto aconteceu à porta do prédio e as persianas desceram sorrateiramente assim que a polícia chegou. Ninguém viu nada…

    É por nos ser conveniente passar pelos pingos da chuva (não temos o chuço?) que seguimos pela rua principal para chegar mais depressa ao nosso destino e pousarmos a cabeça na almofada esta noite, dormir, na paz da falta de espinha.

    É por nos ser conveniente que temos a máquina de lavar roupa e a máquina de lavar louça, esses triunfos que emanciparam as mulheres.

    É por nos ser conveniente que pedimos conselho jurídico no hipermercado, em promoção da semana.

    a blurry photo of a woman's face

    É por nos ser conveniente que despachamos o chato do arquitecto, que mais a mais é caro, e só faz bonecos, e mais a mais a realidade virtual agora até trata disso.

    Conveniente.

    Segui pela rua principal, para chegar mais depressa ao destino, e avistei ao longe. Havia neve naquele campo, em pleno Julho, em pequenos tufos espalhados por entre a relva alta. Um campo murado e cercado por uma rede alta onde ovelhas se passeavam preguiçosamente.

    Ao aproximar-me vi que, afinal, a neve eram flores.

    Conveniente.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice

    Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice


    A notícia de manchete desta noite do PÁGINA UM – sobre os 14 “jornalistas comerciais” identificados pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – demonstra sobretudo o estado pantanoso (e já comatoso) da nossa imprensa.

    Sob a capa de necessidades de mercado e das sempre presentes dificuldades económicas (não se falando que, por regra, o mercado não aprecia produtos de má qualidade e fraca credibilidade), grande parte dos grupos de media lançaram-se para os braços de empresas privadas e entidades públicas, mercadejando o trabalho dos jornalistas, que se exige independente.

    man lying on green grass soaked with mud

    Não está aqui em causa a publicidade ou a existência de parcerias comerciais estabelecidas pelos departamentos de marketing dos grupos de media, mas sim o uso da figura do jornalismo e da actividade do jornalista para promoção de produtos e de marcas, incluindo o nome de empresas públicas ou privadas, ou mesmo de actividades governamentais.

    Nos últimos anos, os grupos empresariais de media, com a lamentável anuência, compadrio e participação activa de muitos directores editoriais, não se importaram de prostituir o jornalismo, vendendo “notícias”, “reportagens” e “artigos de opinião” a quem pagasse, viesse de onde viesse, a ponto de hoje já não ser nada claro se uma verdadeira notícia é afinal uma notícia feita por interesse editorial (para o público) ou por interesse económico (para o parceiro comercial).

    Há hoje cadernos de encargos de contratos públicos – e imagine-se o que serão os contratos com entidades privadas, que não são de acesso público – que estabelecem até o número de reportagens e entrevistas, exigem análise prévia de conteúdos pela empresa adjudicante, diversas penalizações se não se cumprir níveis de cobertura noticiosa, e até se prevê a substituição de equipas. Uma podridão.

    white ceramic toilet bowl

    Que faz a Entidade Reguladora para a Comunicação Social? Uma análise pela rama, deixando escapar escandalosamente os principais responsáveis pelo pântano na imprensa: os directores editoriais, que não apenas sabem o que se faz, como participam à laia de mestres-de-cerimónia (moderando eventos), contratando e indicando (ou obrigando mesmo) jornalistas (seus colegas de profissão) a violarem o Estatuto do Jornalista, escrevendo conteúdos comerciais.

    Nada contra conteúdos comerciais, mas estes têm de cumprir duas premissas: nunca serem escritos por jornalistas (nem terem participação activa de jornalistas da “casa”), devendo por isso conhecer-se uma equipa redactorial sem carteira profissional de jornalista; e haver uma clara distinção sobre os conteúdos comerciais e aquilo que é actividade jornalística.

    Nada que não esteja definido na Lei há várias décadas. Sucede, porém, que a ambiguidade interessa aos grupos de media e às empresas e entidades públicas. Uma empresa ou um Governo ou autarquia não quer gastar dinheiro em anúncios nem em publicidade clássica; prefere pagar, até mais, se puder associar-se (e associar a sua mensagem) a um evento com um jornal ou televisão, e ter depois uma cobertura noticiosa como se uma verdadeira notícia se tratasse. Vende-se notícias, é o slogan que se poderia agora anunciar em muitos órgãos de comunicação social. Normalizou-se o pântano, esquecendo as leis e esquecendo que o público não é parvo. As fracas vendas e a fraca credibilidade dos media devem-se a isto.

    men's playing rugby

    Com as sete deliberações que o PÁGINA UM começou hoje a apresentar, a ERC aparenta querer mudar este promíscuo pântano. Aparenta, repete-se, porque o faz a contragosto. E com pulhice.

    De facto, os processos intentados pelo (ainda) presidente da ERC, Sebastião Póvoas, não são fruto de uma análise de rotina, necessária e constitucionalmente prevista, mas por uma reacção às notícias do PÁGINA UM que, desde a sua fundação, elegeu o estado da imprensa (e a sua independência e rigor) como uma das suas prioridades.

    Porém, o PÁGINA UM faz isto dentro de um espírito deontologicamente irrepreensível. Sem corporativismo nem amiguismo. Por isso, depois de ter escrito uma primeira série de casos de suspeitosa promiscuidade – que culminou numa notícia que revelava 56 contratos públicos envolvendo sete grupos de media –, decidi endereçar um e-mail ao (ainda) presidente da ERC, juiz conselheiro Sebastião Póvoas, em 15 de Junho do ano passado.

    A missiva tinha como assunto explícito: “Pedido de depoimentos e informações para notícia do PÁGINA UM”.

    Início da missiva de 15 de Junho de 2022 do PÁGINA UM para o presidente da ERC, colocando perguntas. ERC “transformou” perguntas e pedido de informações para notícia em “exposição” e “comunicação”, como se se tratasse de uma denúncia formal.

    Nessa missiva fazia-se primeiro o enquadramento devido, informando da notícia dos 56 contratos, a que se ajuntava uma outra notícia sobre um caso envolvendo o Diário de Notícias e mais uma lista de oito contratos, e ainda uma outra notícia sobre as ligações jornalístico-comerciais da imprensa com empresas farmacêuticas.

    E terminava a missiva, escrevendo: “Nessa medida, e tendo em consideração outras intervenções da ERC, gostaria que V. Exa. informasse se está a decorrer ou vai ser aberto qualquer diligência para analisar estes contratos comerciais e a participação evidente (pelo menos em muitos dos casos) de jornalistas e responsáveis editoriais”, acrescentando ainda que “quaisquer outras informações e depoimentos que V. Exa. considere oportunos nessa fase serão, obviamente, bem-vindos, e desde já se agradece”.

    A ERC tinha várias possibilidades depois de receber este e-mail, incluindo ignorar-me e ignorar o PÁGINA UM, ou exercer as suas funções de regulador, investigando e agindo em conformidade.

    A ERC – e, portanto, os seus membros do Conselho Regulador – é uma entidade reguladora da comunicação social, e não a gerência do Zé dos Frangos a quem, inopinadamente, incumbem de decidir o que se deve fazer a perguntas de um jornalista no exercício da sua função de jornalista, que ainda por cima indica para que servirá a informação que eventualmente lhe for remetida.

    person holding stainless steel fork and bread knife slicing grilled meat on white ceramic plate

    Não poderia a ERC assim, jamais, pelas regras da decência – e até pelo rigor que exige à imprensa (e farta-se de produzir deliberações sobre essa matéria) – escrever invariavelmente nas deliberações (em seis das sete) que “deu entrada” na ERC “uma exposição [que repete duas vezes] de Pedro Almeida Vieira – PÁGINA UM”, rotulando ainda aquilo que são e foram legítimas perguntas jornalísticas como uma “comunicação”.

    O PÁGINA UM – e eu, em particular – não faz exposições, não faz comunicações, não faz participações, não faz queixas a reguladoras ou a quaisquer entidades públicas no exercício das suas funções jornalísticas

    O PÁGINA UM – e eu, em particular – faz notícias e faz perguntas. Catalogar perguntas como “exposições” ou “comunicações” não é apenas abusivo, é um acto escabroso, ainda mais tendo em consideração o melindre da situação: um órgão de comunicação social (PÁGINA UM) a escrever sobre assuntos sensíveis relacionados com grandes grupos da imprensa nacional.

    red white and black round wheel

    O PÁGINA UM – e eu, em particular – sabe já bem (porque não se é ingénuo) quais foram os (baixos) propósitos da ERC e do seu Conselho Regulador quando “transformou” perguntas (que, aliás, nunca foram respondidas) numa “exposição” e “comunicação”.

    A ERC tinha uma indisfarçável necessidade de transmitir aos grupos de media, responsáveis pela promiscuidade reinante, que só assim procedia porque um desgraçado “mensageiro” andava a chatear, a dizer que ela nada dizia sobre andar nu o rei. E, portanto, quiseram alçar-me como alvo.

    A ERC, aliás, não estava verdadeiramente interessada em regular (e moralizar) a imprensa sobre os contratos promíscuos, tanto assim que pouco mais fez do que o PÁGINA UM já revelara. Nem sequer exigiu, como poderia, os cadernos de encargos (muitos são escondidos ilegitimamente do Portal Base), onde se revelam as promiscuidades em todo o seu esplendor. Nem sequer escalpelizou as relações comerciais ambíguas (para usar eufemismo) que saltam aos olhos diariamente em grande parte da nossa imprensa.

    O PÁGINA UM – e eu, em particular – pediu ao (ainda) presidente da ERC para corrigir esta parte das deliberações e se retractar quer perante mim quer perante os órgãos de comunicação social que foram abrangidos pelos ditos processos, escrevendo-lhe no passado dia 25 de Junho.

    Intencionalmente, o presidente do Conselho Regulador nem se dignou responder ou reagir, o que só lhe aumenta o grau à pulhice de tudo isto, mesmo que ninguém do Conselho Regulador seja pulha. São todos uns santos, aliás. Amen.