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  • O layoff e o mito da Autoeuropa

    O layoff e o mito da Autoeuropa


    Um destes dias, podíamos começar a descascar a pele de “empresa-modelo” que a Autoeuropa anda a vestir há 30 anos. A conversa em torno do layoff fez-me lembrar a primeira vez que ouvi falar em “down days” como forma de compensar as baixas de produção e os reduzidos aumentos salariais. Aqueles plenários de trabalhadores realizados na cantina que tinha o melhor arroz-doce industrial alguma vez fabricado. Sim, a qualidade do arroz-doce é muito importante na negociação dos meus contratos de trabalho.

    Lembro-me de não ter ficado desagradado com a situação. Era temporário, mais dias de férias não soavam mal, e com vinte e poucos anos ainda havia o sonho de um dia o salário chegar a qualquer coisa que se visse. Era o meu primeiro emprego, não conhecia outra realidade.

    water dew on silver Volkswagen car emblem

    Hoje, quando leio as notícias sobre a Autoeuropa, reparo que os “down days” temporários ainda por lá andam duas décadas depois. O crescimento salarial ainda é uma miragem e, como boa parte das empresas portuguesas, a Autoeuropa baseia o seu lucro em mão-de-obra qualificada e mal paga. Ou como se dizia por lá: “se não fosse para explorar, todas as fábricas do grupo seriam na Alemanha”. 

    É assim que funciona o estilo de vida a que chamamos capitalismo. Produz-se em zonas onde a mão de obra é barata para se vender no Mundo pela maior margem de lucro possível.    

    Este ciclo deixa de funcionar se o país produtor evoluir e a mão-de-obra deixar de ser barata. No final do século passado, a cadeia de produção concentrava-se no leste europeu e na Península Ibérica, por serem essas as zonas mais pobres. Com o crescimento dos salários um pouco por toda a Europa, vimos no século XXI a grande deslocação das fábricas para a Ásia, nomeadamente para a China. Mas também Vietname, Camboja e Laos, entre outros.

    stop signage

    Portugal é, ou devia ser, um caso de estudo neste campo, porque, enquanto boa parte da Europa deixou de ser atrativa para o capital, Portugal conseguiu manter-se ao longo de décadas como um país de mão-de-obra qualificada e baixos salários. O único exemplo que a “empresa-modelo” da Autoeuropa nos dá é o de mostrar como, continuamente, consegue manter os salários baixos e os lucros altos. Isto enquanto vai recebendo apoios fenomenais dos governos portugueses para nos fazerem o favor de continuar por cá. De facto, são um exemplo, mas nem por isso bom.

    Por estes dias discute-se de que forma os trabalhadores e os impostos de todos devem uma vez mais ir em auxílio da Autoeuropa.

    A história é relativamente simples de perceber. Um fornecedor de uma peça do motor, situado na Eslovénia, viu a sua produção e respectivo fornecimento à Autoeuropa serem interrompidos depois das graves cheias que afectaram o país. A Autoeuropa foi obrigada a parar a linha de montagem e mandar os trabalhadores para casa. É aqui que começa o busílis. Como de costume num sistema capitalista, os lucros são divididos por accionistas e as migalhas ficam para os trabalhadores. Mas no momento de dividir o prejuízo, a fatia já deve ser dividida por quem vende a mão de obra e, sempre que possível, pelos governos locais. 

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    Para compensar as perdas originadas pela paragem da linha de montagem, a Autoeuropa usou a ferramenta legal do layoff, ou seja, um apoio público para comparticipar os salários dos seus trabalhadores. Ao mesmo tempo, despediu alguns temporários provando a razão pela qual as empresas gostam deste tipo de contratação. Em momentos de aperto não há direitos sociais que segurem estes trabalhadores. São despedidos com pouquíssimo tempo de aviso e passam a ser um problema da Segurança Social. Portanto, são precários durante anos com o luxo de poderem planear a vida ao sabor do mercado. Ou de catástrofes naturais no centro da Europa. 

    O layoff tem dois problemas logo à partida. Usam dinheiro público para cobrir prejuízos privados e não comparticipam os salários a 100%. Se bem se lembram, durante o regabofe dos confinamentos, várias empresas recorreram a este expediente, receberam as ajudas do Estado e depois despediram os trabalhadores na mesma. 

    Mariana Mortágua disse que o Governo devia comparticipar o layoff a 100% para não prejudicar ainda mais estes trabalhadores. Ora… é aqui que o problema reside, na minha opinião.

    O layoff, como está desenhado, não faz sequer sentido. Os trabalhadores não podem perder salário, isso parece-me óbvio. Especialmente, quando já estão a perder poder de compra por causa da inflação, mas não pode também ser o erário público a cobrir os erros de gestão privados.

    O grupo Volkswagen, a que pertence a Autoeuropa, foi em 2022 o terceiro mais rentável do Mundo. No primeiro trimestre do presente ano apresentou um lucro de 33 mil milhões de euros. Precisa uma empresa destas de usar a Segurança Social portuguesa para acomodar erros próprios de gestão? É culpa do contribuinte português que usem um sistema de logística com stocks pequenos para reduzir custos? Deve o operador de linha, que ganha pouco mais de 1000 euros, doar parte do seu salário para cobrir os prejuízos deste trimestre?

    Não. É exactamente nestas alturas que o tão apregoado mercado deve funcionar. A empresa deve assumir sozinha os riscos da sua gestão e cobrir as despesas. Não pode ser o contribuinte português a pagar e muito menos os trabalhadores da própria Autoeuropa, que já se sacrificam há anos para contribuir para os lucros fabulosos a troco de baixos salários.

    Os accionistas que ficam com a maior fatia do lucro, que dividam entre eles o prejuízo. Não é isso que defendem os amantes da modalidade? O Estado longe dos negócios, é o que nos dizem. Pelo menos até que chegue o momento de pagar os prejuízos.

    Outra coisa que esta crise nos explica é o perigo da contratação de temporários em alternativa aos efectivos, protegidos pelo contracto colectivo de trabalho. Num país com pouco emprego e baixíssimos salários, a contratação de precários é um cancro que não permite estabilidade ou sequer desenvolvimento profissional dos trabalhadores. São descartáveis a cada falha nos lucros, como se percebe.

    lego, toy, construction worker

    Uma coisa é trabalhar nesse regime em países desenvolvidos e com uma oferta de emprego, que permite que um temporário seja, na prática, um efectivo que vai mudando de empregador. É um regime laboral que conheço bem e que tem lógica em zonas de elevada produção e crescimento económico.

    Em Portugal, um país com escassez de emprego e cada vez menos produção, ser temporário é viver o dia-a-dia sem poder planear seja o que for. É como fazer uma pausa no desenvolvimento normal de um adulto e do que se imagina ser uma vida profissional e familiar, enquanto se reza ao São Pedro por chuvas fracas na Eslovénia. É no fundo, sobreviver, em vez de poder viver.

    Não há como uma boa crise para nos explicar que as empresas dependem dos seus trabalhadores e não o contrário. E é escusado repetirem a conversa do “vão-se embora como a Opel da Azambuja”. Se em todos os países pobres lhes disserem o mesmo, eventualmente chegará o dia em que a retribuição justa do trabalho acontecerá, à custa das margens de lucro e não do esforço de quem trabalha.

    A Autoeuropa é um mito. Não é exemplo, muito menos que se recomende, para ninguém.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A ERC a ser ERC: mais uma facada no jornalismo independente

    A ERC a ser ERC: mais uma facada no jornalismo independente


    Os (ainda) membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) estão, há quase um ano, para ser substituídos. São agora apenas três – Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo –, depois da resignação do então presidente, Sebastião Póvoas, e da morte de Mário Mesquita.

    Deviam estes membros, por decoro, sair airosamente, tão-só para se limpar os ares de uma instituição nascida por mor da Constituição da República Portuguesa para garantir a liberdade e a pluralidade da imprensa, e evitar ingerências ilegítimas na actividade jornalística.

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    Em menos de dois anos (após o meu regresso às lides jornalísticas), os conflitos criados pelos membros da ERC à acção do PÁGINA UM (e à minha, em particular), têm sido incontáveis, sobretudo desde que, em 21 de Julho do ano passado, pedi, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), “o acesso a cópia digital ou analógica de todos os requerimentos – desde 2017 até à data – das empresas de comunicação social” que tivessem solicitado “confidencialidade dos principais fluxos financeiros e identificação das pessoas singulares ou colectivas que representam mais de 10%  dos rendimentos totais e mais de 10% do montante total de passivos no balanço e dos passivos”, bem como a “análise e decisão para cada um dos referidos pedidos de confidencialidade”. Serão largas dezenas, se não centenas, pelo que me tenha vindo a aperceber dia após dia.

    O “impacte” deste pedido – que viria depois, por recusa tácita, a levar a uma intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa –, a par de outras questões incómodas pedidas sobre a acção do regulador, foi quase imediato: em Agosto do ano passado, a pretexto de uma simples consulta de processos para trabalho jornalístico, os membros do Conselho Regulador criaram uma querela, que acabou por envolver até a PSP e um vergonhoso comunicado de imprensa para me difamar. Isto quando estava em causa apenas a legítima obtenção de documentos de técnicos e a captação de imagens fotográficas, conforme acabou por confirmar um parecer de Outubro do ano passado da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Entretanto, os membros do Conselho Regulador da ERC, como não lhe custam os honorários dos advogados que contratam, apresentaram mesmo, desde o ano passado, duas queixas por difamação contra mim, tendo depois desistido na fase de instrução. Foi uma pena.

    white ceramic toilet bowl

    Também fizeram os membros da ERC o favor de censurarem dois artigos do PÁGINA UM após queixas do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e do actual Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo. Curiosamente, ou talvez, não, ambos os artigos do PÁGINA UM espoletaram investigações da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    No primeiro caso, a IGAS instaurou um processo de contra-ordenação ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia; quanto ao caso do almirante – que envolve o seu comportamento aquando da vacinação de médicos não-prioritários –, a investigação ainda decorre desde o início deste ano. Mas mesmo assim a ERC “condenou-me” alegando falta de rigor. Em curso, neste momento, está outra queixa contra mim, desta vez por obra do inenarrável pneumologista Filipe Froes, pelo “crime” de eu analisar os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 na base de dados da Agência Europeia do Medicamento.

    Por fim, em Julho passado, no âmbito de um conjunto de deliberações da ERC sobre contratos promíscuos entre empresas de media e entidades públicas, envolvendo “jornalistas comerciais”, o Conselho Regulador da ERC decidiu pespegar nos documentos que a sua acção tinha sido por via de uma minha exposição, quando, na verdade, aquilo que se solicitara ao regulador, cerca de um ano antes, fora tão-só um “pedido de depoimentos e informações para notícia do PÁGINA UM”. Sobre isto, escrevi em Julho, um editorial apropriadamente intitulado “Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice”. Talvez me valha mais um processo judicial, talvez mais outro que, depois de fazer ganhar mais uns cobres a advogados, me manda retirar.

    men's playing rugby

    E eis que, agora, em pleno mês de Setembro, e enquanto se agrada, enfim, a escolha do novo presidente da ERC – e a entrada em funções dos novos membros já escolhidos pelo Parlamento em Junho –, os doutores Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo voltam a fazer das suas.

    Não contentes em recusar uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, que os obrigara a conceder acesso aos processos relativos a pedidos de confidencialidade no Portal da Transparência – um contra-senso que promove o obscurantismo –, os ainda membros do Conselho Regulador decidem conceber uma deliberação que é uma vergonha pegada: dizem conceder deferimento parcial a um pedido da IURD, não expondo a fundamentação do pedido, nem identificando em concreto os dados nem tão-pouco a justificação da aceitação. O mais bafiento e bolorento comportamento à la Estado Novo. E pior, quando divulgam a deliberação, mais de duas semanas depois da sua aprovação mantêm todos os dados da IURD confidenciais.

    E para agravar o pivete do que já muito mal cheirava, estes dois senhores mais esta senhora tentaram descredibilizar uma notícia fatual do PÁGINA UM, fazendo alterações no Portal da Transparência à socapa, num sábado à noite, sem nada justificarem através de qualquer comunicado público ou através do seu site.

    person holding stainless steel fork and bread knife slicing grilled meat on white ceramic plate

    Bem sei qual a estratégia: limpando o “crime” – colocando, num sábado, aquilo que não existia na noite de sexta-feira –, sempre se poderia dizer que o PÁGINA UM, “esse jornal chato e já acusado de falta de rigor em duas deliberações da ERC”, tinha inventado tudo.

    Não inventou. E como tudo o que possa sair da cabeça dos ainda membros do Conselho Regulador da ERC me causa desconfiança, tive a feliz lucidez de gravar, em arquivo na internet, as provas do antes e do depois de uma alegada “sincronização”, que, em abono da verdade, se trata de uma manipulação.

    Enfim, estas três pessoas já simplesmente passaram do prazo. Já é de mais; e o que é demasiado, enjoa. Por isso, alguém responsável lhes conceda guia de marcha, o “merecido descanso”, e que se areje assim o ar, até porque, ainda acredito, a ERC pode desempenhar mesmo – e tem técnicos para isso – um papel fundamental para a moralização necessária na imprensa portuguesa. Os 50 anos da democracia, que se avizinham, mereciam.  

  • O ridículo mata

    O ridículo mata


    Um professor de História, nos meus tempos de Liceu, garantiu à sua turma de alunos que Winston Churchill teria afirmado que “Governo que não cai com um Golpe de Estado pode cair pelo ridículo”.

    Não consegui encontrar essa citação em mais lado nenhum, mas acredito que a frase tem lógica.

    Quando um governante, ou um chefe, toma uma atitude ridícula, seja para se promover seja para se justificar, consegue unicamente que se ponha em causa a sua sanidade mental.

    Por alguma razão os políticos actuais contratam assessores com a intenção de que estes os alertem para os riscos que alguns discursos, ou atitudes, possam causar.

    Ainda assim, somos confrontados, diariamente, com situações que nos fazem questionar o bom senso de alguns deles.

    Lembro as inúmeras intervenções dos líderes de todos os partidos da oposição ao Governo sobre o que consideravam ser, na altura, o único problema do País: o caso Galamba!

    Com a ânsia de abrir brechas no Governo, de o enfraquecer, de o derrubar, esmiuçaram uma parvoíce passada no gabinete daquele Ministro.

    Conscientes do baixo nível cultural e político de muitos portugueses apelaram ao populismo e ao ódio para os tentarem arregimentar.

    Semanas seguidas a discutirem todas as nuances de um caso de polícia, como se este fosse o grande problema da Nação.

    white and brown hallway with white columns

    Não devem ter parado um minuto para pensar que, por muito que as suas críticas tivessem algum fundamento, o tom dos seus discursos e a repetição, até à náusea, dos mesmos, fariam com que um cidadão, que vai às cinco da manhã para uma fila num qualquer Posto Médico, na ânsia de conseguir uma consulta, fique com vontade de atirar com o rádio portátil que levou para o ajudar a passar aquelas horas, às trombas do primeiro político que com ele se cruzasse, mesmo que fosse o secretário da sua Junta de Freguesia.

    Meses depois de António Costa decidir não aceitar a demissão que o Ministro lhe pediu (até este, farto de todo aquele Carnaval), confrontando o próprio Presidente da República, mostrando quem era ele, o líder do Governo, quem fala em Galamba que continua no seu posto?

    Este caso serviu de exemplo?

    Nada!

    Os políticos continuam, diariamente, a debitar conselhos, promessas, ameaças, a um Governo que não lhes dá qualquer atenção porque sabe que o Povo já não pode ouvir Montenegro, Mortágua e aqueles novos líderes, do Partido Comunista e da Iniciativa Liberal, cujo nome ninguém conhece.

    Gente que vai cair pelo ridículo.

    O Presidente está seguro no seu lugar. Unicamente porque essa é a regra.

    Mas são tantas as situações caricatas em que tem sido protagonista que o seu capital político acabou por se desvanecer e, hoje, os portugueses olham-no com um misto de desconforto e tristeza.

    Ver o seu modo de cumprimentar as diversas personalidades com quem tem de se cruzar, com um aperto de mão seguido de um movimento de tal modo brusco que lhes provoca desequilíbrio, ouvi-lo a dar opiniões sobre tudo e sobre todos, em qualquer lugar e em todas as circunstâncias, é deprimente.

    Recordar a sua presença, constante e forçada, ao lado do Papa Francisco, não percebendo o desconforto que isso provocava, é angustiante.

    Não há dia em que não fale demais ou não tenha uma atitude deselegante.

    E ainda faltam uns largos meses para a sua rendição, pelo que o nível de ridículo pode vir a atingir proporções alarmantes.

    Na linha do seu antecessor que, agora, conseguiu bater todos os recordes do caricato com a ideia de publicar um livro sobre “A Arte de Governar”!

    Decisão terrível e que pode abrir a porta a outros portugueses com ambições idênticas.

    Imagino a Maria Leal a escrever um livro sobre “A Arte de Cantar” ou o Jorge Jesus um outro, sobre “A Arte da Eloquência”!

    Os exemplos da falta de noção dos perigos de cair no burlesco são inúmeros e continuam a surgir em catadupa.

    O actual Primeiro-Ministro promete ajudar os estudantes a optarem por Portugal, em vez de emigrarem à procura de melhor vida, acenando-lhes com o prémio de quatro viagens na CP (ainda se a promessa fosse só para os que reprovam, e como castigo…)!

    O líder da Oposição jura que, se for eleito, baixará drasticamente os impostos. Terrível ameaça para quem se lembra de Passos Coelho.

    O comentador Marques Mendes promete que se irá candidatar ao lugar de “Mais Alto Magistrado da Nação” sem que um único amigo lhe chame a atenção para a risota que vai pelo país.

    Que Deus me ajude.

    Se tiver que morrer pobre, que seja.

    Mas que não deixe que eu perca o juízo ao ponto de fazer destas figuras. 

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os senhorios também gostam da inflação

    Os senhorios também gostam da inflação


    Quando tratamos os senhorios como um todo – uma espécie de perigosos especuladores –, corremos o risco habitual das generalizações. Em princípio, vamos misturar o trigo com o joio, e do mesmo saco tiramos o ganancioso capitalista e o gajo que foi viver para outro país e deixou a casa alugada por um preço decente.

    Devo dizer, para início de conversa, que o argumento de que “cada um mete o preço que quer na sua propriedade”, é algo que me irrita particularmente. Quando a liberdade se confunde com o puro bom senso e toma lugar a procura do lucro fácil à custa da miséria alheia, eu acho muito bem que o Governo tome medidas para beneficiar os mais desprotegidos.

    Colorful Buildings in City Downtown

    Dou-vos dois exemplos que ilustram o que pretendo dizer.

    Se uma pessoa contrai um empréstimo bancário para compra de casa e, passados uns tempos, vai trabalhar para outro país, acho perfeitamente lógico que a alugue por um preço que cubra a prestação ao banco e as despesas inerentes. O mesmo é dizer que se a Lagarde passar os juros para o triplo, também é normal que essa carga acabe no inquilino, uma vez que é ele que lá vive. O senhorio nesse caso continua apenas a cobrir as despesas e os aumentos a que é alheio. Não há qualquer busca  pelo lucro fácil. 

    Já se um apartamento nos cair no colo, por herança ou qualquer outra razão, e o resolvermos alugar, praticamente toda a receita é lucro. Neste caso, admito, já tenho mais algum dificuldade com conversas de inflação e juros que pouco ou nada afectam as despesas da casa. Claro que podemos sempre dizer que cada um pede o que quer e só aceita quem quer. É verdade. Mas não é propriamente um bom princípio de convivência social e muito menos um caminho com grande futuro.

    Se num país com falta de habitação – embora existam mais casas do que pessoas –, especialmente a preços que os baixos salários possam suportar, deixarmos o preço do arrendamento ser decidido, apenas, por quem procura uma mina de ouro no meio do empobrecimento geral, em princípio não vamos muito longe.

    man in yellow shirt and blue denim jeans jumping on brown wooden railings under blue and

    Reparem que nada disto é muito difícil de perceber. Provar as despesas que se tem com uma casa, começando pelo crédito à habitação, é relativamente simples. Portanto, não é uma equação impossível perceber quem é que lucra muito com a especulação imobiliária. 

    Dito isto, o tecto de 2% imposto pelo Governo para o aumento das rendas é mais uma daquelas medidas do governo do PS que servem para muito pouco. Darão eventualmente uma linha no próximo PowerPoint de programa eleitoral mas, para a vida dos inquilinos que sofrem para aguentar as casas, não trará grande protecção.

    Como explica a própria associação nacional de senhorios, num rasgo de inteligência a lembrar um chco-esperto de Alfama: “se o Governo anuncia um aumento máximo de 2% para daqui a não sei quanto tempo, os senhorios aumentam 30% já e ficam garantidos para os próximos anos”. E volta a meter o palito na boca para tirar os último fios do pastel de bacalhau ingerido no jantar do dia anterior.

    Há no entanto um argumento que é válido do lado desta malta. Segundo eles, se todos os outros sectores não são prejudicados pela inflação, leia-se, restaurantes, supermercados, bancos, etc., por que razão não podem os senhorios aumentar os preços de acordo com a inflação? Ou seja, se os outros mamam, por que não podemos nós também?

    A Person Holding a Mango Fruit

    Esta é uma argumentação que me lembra uma conversa, há uns meses, com um senhor que trabalha em jardinagem. Dizia ele: “se o carpinteiro, pintor e canalizador dobraram os preços, sou eu que vou cobrar o mesmo?” Na altura, disse-lhe que se os gastos dele eram exactamente os mesmos, tanto na mão de obra como nos materiais e não perdia dinheiro, qual era a necessidade de dificultar a vida aos clientes cujos salários, esses sim, estavam a perder poder de compra. Ao que ele respondeu, insistindo que, se o pintor podia, ele também.

    Ora o senhor da associacão nacional de senhorios segue este tipo de lógica, e eu percebo-o. Se os bancos ganharam um jackpot com a inflação nas prestacões das casas e o Costa não fez nada, tem agora que vir chatear a cabeca aos senhorios? Visto assim até os compreendo. Se a Lagarde aumenta os juros só porque lhe apetece, não pode o gajo que tem um T0 na Mouraria fazer o mesmo, agora que nenhum russo lhe quer comprar aquilo? Claro que pode. E se o Costa disser que só pode aumentar 2% com a inflacão nos 5%, ele adianta logo um simpático 28% ao inquilino e depois da guerra acabar, olha, paciência. Segue jogo e fica como está.

    Há uma regra na Suécia para casas compradas em regime de cooperativa que me agrada particularmente: ou vives lá ou então vendes. Se estiveres com um pé dentro e outro fora, podes alugar durante dois anos. Findo esse período, tens de decidir. Viver ou vender, não há cá lucro gerado para ninguém com filas enormes para conseguir casa. É a chamada optimização de recursos e o combate possível à especulação imobiliária.

    low angle photo of mirror glass building

    O problema do governo PS é que navega sem rumo há já tempo demasiado, tendo em conta o tempo que ainda falta para as eleições legislativas. Costa anuncia medidas em pacotes cheio de flores e intenções, mas com pouquíssima aplicação prática. Quando vamos a ver, somos um país de paus mandados da União Europeia. Se o Banco Central Europeu aumenta os juros, nós dizemos que sim e os bancos nacionais fazem o que bem entendem.

    O Governo não pensa, por exemplo, em devolver parte desses juros em sede de IRS. Se a Lagarde diz para não pagarmos prestações sociais, nós deixamos as pessoas sem nada. Se os supermercados aumentam os preços até ao limite do insuportável, resistimos a colocar tectos, porque isso é muito Venezuela. Os governos portugueses limitam-se a gerir apoios comunitários e pouco mais. Não conseguem ver para lá do próprio interesse e da próxima eleição.

    Enquanto vivemos este autêntico inferno – onde é suposto acomodarmos a ganância de toda a gente, desde bancos privados a senhorios que aproveitam a oportunidade, passando por cadeias de distribuição que agarraram este momento único –, aceitamos que a única coisa que fica absolutamente fixa, segura e imutável, é o salário. Esse, na melhor das hipóteses, ficou poucos pontos percentuais abaixo da inflação. Andam os sindicatos a fazer greves por todo o país por salários que já andam de braço dado com a Sérvia e a Moldávia.

    A cantina onde de vez em quando compro um iogurte, mudou o seu preço pelo menos três vezes nestes últimos meses. De 3 para 4,5 euros. Sempre, mas sempre, com a justificação da Ucrânia, quando o leite e tudo o que lá está dentro, é produzido aqui na cidade ou arredores. Um simples copo de vinho, num banal restaurante italiano, custa agora quase 8 euros. Também por causa da Ucrânia, essa famosa exportadora de vinho. 

    granola and yoghurt filled mason jar

    Há um conjunto de negócios que aproveitam, sem margem para dúvidas, esta oportunidade de lucrar como nunca.  Senhorios, pelo menos alguns, estão dentro do grupo de pessoas ou entidades que não querem ficar de fora desta autêntica lotaria. A perda do poder de compra dos trabalhadores é real, os salários pouco ou nada mexem, mas, no fim, temos que olhar em volta e aceitar que todo o resto do mundo precisa de vender o seu produto de acordo com a inflação. 

    António Costa, um político hábil, como se sabe, vem desde a pandemia a governar ao sabor do vento e sem um real plano de futuro. Tapa buracos com areia, em estradas ventosas. Pior do que percebermos onde estamos é não vermos grande alternativa. Imagine-se um Governo do PSD com liberais e extrema-direita, num período em que as pessoas precisam de ajuda como nunca.

    Resta-nos continuar a empobrecer e ir distribuindo o pouco que temos por bancos, supermercados e senhorios. Viver, pelo menos como a vida merece ser vivida, isso fica para a próxima geração.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A sociedade do espectáculo e a chata da ética

    A sociedade do espectáculo e a chata da ética

    Se calhar temos mesmo circuitos diferentes, e alguns de nós têm os fios ligados num disjuntor, e não no outro.

    Porque uns de nós olham os spots publicitários da Guerra Fria na SIC Notícias, e vêem mestres de cerimónias, sequências de imagens orquestradas com brilhantismo de Hollywood.

    Mas outros vêem a guerra dos livros de História, a ameaça existencial, a propaganda como um mal necessário para manter a moral nas trincheiras.

    brown CRT TV

    Alguns de nós olham rodapés sobre como Portugal é campeão de concentração de glifosatos, e vêem um esquema de perseguição aos agricultores nas entrelinhas, um polvo monopolista que cresce e engorda a comer o pequeno produtor em resposta a uma agenda globalista, nada tem a ver com o ambiente, nada tem a ver com a saúde. São as mesmas pessoas que acharam boa ideia fabricar munições com urânio empobrecido, matem quem dispara e matem quem é alvejado.

    Outros vêem o apocalipse ambiental, por entre vídeos bombardeados sobre eventos climáticos extremos no mundo inteiro, a necessidade absoluta de sucumbirmos a nossa existência ao bem comum, seguirmos as regras e não questionarmos.

    Alguns de nós vêem máscaras como símbolos, agressões, malefícios à saúde, o reduto final e visível de como fomos todos burlados durante três longos e penosos anos. E alguns de nós até acham que, entre uma máscara e um suposto beijo não consentido, mil vezes o bater de lábios a festejar vitória, porque “o vírus foi derrotado”.

    Outros vêem a prova de que o planeta nos quer assassinar indiscriminadamente e o importante é cumprir as orientações das pessoas que sabem e querem o nosso bem. Entre a natureza de vírus com nomes de letras e números, como um asteróide, e o maldito patriarcado, o melhor… é ficar em casa.

    silhouette photography of person

    Uns vêem um bebé como a alegria que motiva a vida, pequeninas mãos que dormem em suaves espasmos de preguiça a enrolarem as moles mas afiadas unhas junto ao nosso pescoço. Vemos a encarnação de um breve momento. Vemos o sono e sentimos o alívio de quando o bebé se sente seguro e adormece profundamente. Se se sente seguro, quase conseguimos sentir o mesmo. Ou pelo menos o alento de manter o ambiente seguro em volta. Vemos todos os momentos seguintes de uma vida inteira. E vemos o único amor que importa.

    Mas há outros que vêem mera carne. Pratinho de experiências. Não é vida, é biologia. Não é biologia, é laboratório. Não é laboratório, é edifício. E um edifício pode ter pessoas lá dentro vestidas com umas batas brancas todas iguais e óculos e luvas e essas coisas. E ai de quem atente ao progresso das batas brancas!

    Ai de quem levante o fantasma bolorento da ética!

    woman standing in front of the digital machine

    Qual ética, na era em que pessoas se injectam com o que lhes mandam injectar? Qual ética, na era em que as pessoas são presas se lhes dizem para o fazer? Qual ética, se abdicam do seu rosto em nome de uma farsa? Qual ética, se os senhores que mandam, de bata branca e fato e gravata, estão no pináculo da sobranceria moral, se eles tudo sabem e sabem melhor e são melhores do que nós e todos os outros?

    Alguns de nós olham, enfim, moinhos, mesmo deixando o cavalo parar para beber água.

    E outros, talvez, vêem gigantes, vestem uma armadura e preparam-se para cavalgar de frente contra um edifício.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • eNaira: já ouviu falar da moeda digital do Banco Central da Nigéria? Uma asneira

    eNaira: já ouviu falar da moeda digital do Banco Central da Nigéria? Uma asneira


    Desde o início da putativa pandemia, praticamente todos os Bancos Centrais do Mundo têm anunciado o lançamento da sua moeda digital. A burocracia de Bruxelas e de Frankfurt, obviamente, não ficou para trás nesta “corrida”, e já anunciou o lançamento para breve do Euro Digital, apesar das populações nunca se terem pronunciado democraticamente a respeito.

    Neste contexto, lá tivemos os órgãos de propaganda a realizarem “entrevistas“ – neste caso, à comissária europeia Mairead McGuinness, com o pelouro dos serviços financeiros, estabilidade financeira e união do mercado de capitais –, para nos dar conta da “necessidade de lançarmos um Euro Digital”. Como sempre, tudo maravilhas! E respondido ao melhor estilo de uma fábula infantil.

    Currency in Nigeria

    À pergunta “porque é que precisamos de um Euro Digital?”, tivemos a pungente resposta: “Em relação ao dinheiro, as pessoas vêem-no, compreendem, mas eu posso não ter dinheiro no bolso. Por isso, quero ter a alternativa, a opção de ter uma versão digital do dinheiro. As pessoas já não estão a usar tanto o dinheiro como antes e a covid acelerou essa tendência.” Reparem, como às vezes saímos à rua sem dinheiro no bolso, ou anda por aí um bicho, temos de ter o Euro Digital!

    A melhor parte da “entrevista” estava reservada para a questão da privacidade. Após admitir que, numa consulta pública realizada pelo Banco Central Europeu (BCE), essa era a maior preocupação das pessoas, apaziguou-nos com esta candura: “O BCE não está interessado na forma como gasta o seu dinheiro, mas quer dar-lhe a opção de ter uma versão digital do dinheiro.” É uma pena não ter-nos explicado que se trata da ferramenta de sonho de qualquer tirano.

    Enquanto os dirigentes europeus celebravam a vitória antecipada sobre um povo doutrinado, obnóxio, idoso, crente em todas as patranhas estatais, o povo nigeriano demonstrava ser capaz de combater a tentativa de se lhes impor uma tirania digital, fazendo do eNaira, a moeda digital do Banco Central da Nigéria, um completo fracasso. Este falhanço poderá servir de exemplo para os demais países pobres.

    Crowded Street in Nigeria

    Esta história merece ser contada, dado tratar-se de um dos maiores produtores de petróleo de África e o mais populoso deste continente, com uma população acima dos 200 milhões de pessoas. Em consequência, existe um enorme interesse geopolítico na Nigéria e na história do eNaira. Sejam os globalistas do Fórum Económico Mundial, presentes na Nigéria há algum tempo, os russos, aí estabelecidos desde a era soviética, ou os chineses, que também por lá constroem ferrovias, estradas e aeroportos.

    De que forma se lançaram as raposas para o galinheiro? A 26 de Outubro de 2022, a Nigéria lançou oficialmente o eNaira, tornando-se o primeiro país africano a lançar uma moeda digital do Banco Central. Como sempre, o paraíso estava ao virar da esquina: o eNaira ia fazer crescer a Economia em 29 mil milhões de Dólares norte-americanos (USD) ao longo de 10 anos, possibilitar pagamentos directos do Governo às pessoas e, sem surpresa, aumentar a base de impostos – a roubalheira é sempre o propósito final do qualquer Estado.

    No final desse mês, 30 de Outubro de 2022, o Governo, através do seu Banco Central, lançava um ambicioso plano para “combater a inflação” – os criminosos regressavam para investigar e deslindar o crime –, através da reposição das notas de elevado valor (200, 500 e 1000 Nairas), combatendo, desta forma, a contrafacção – quando eles fazem não há problema, agora a populaça é que não! – e retirar a excessiva circulação de notas no país.

    man in white long sleeve shirt and white hat standing in front of fruit stand

    No final desse ano, o Governo lançou um ataque total ao dinheiro físico, retirando o curso legal às notas de 200, 500 e 1000 Nairas. Afinal não era uma entrega de velhas por novas notas, mas apenas a entrega de notas por saldos digitais de eNairas. Segundo o então governador do Banco Central, até ao final de Janeiro de 2023, depois adiado para 10 de Fevereiro, a Nigéria faria a transição completa do dinheiro físico (Naira) para o dinheiro digital.

    Como sempre, os mais pobres e débeis, sem contas bancárias, foram aqueles que mais sofreram com a escassez de notas, gerando o caos e o desespero. As garantias do Banco Central nigeriano de que o dinheiro físico não seria eliminado até que o eNaira estivesse totalmente operacional não foram cumpridas. Assim, muitos ficaram com notas bancárias antigas e sem valor, já que o plano era eliminar as notas de maior valor, como as de 200, 500 e 1000 Nairas.

    A 8 de Fevereiro de 2023, o Tribunal Supremo da Nigéria bloqueou o plano do Banco Central, impedindo a eliminação do curso legal das notas de maior valor.

    Neste contexto, é fácil compreendermos os tumultos que tiveram lugar no dia 16 de Fevereiro. Os manifestantes atacaram caixas multibanco e bloquearam estradas, à medida que a raiva transbordava pelas ruas devido à escassez de dinheiro, apenas a dias de eleições gerais no país. Privadas de toda a sua riqueza, desesperadas e famintas, foram para as ruas, exigir a reinstalação do curso legal das antigas notas.

    a man and a woman looking at a cell phone

    Neste contexto, o Governo de Buhari anunciou que as notas do 200 Nairas teriam novamente curso legal por mais 60 dias. A possibilidade de depositar notas de 500 e 1000 Nairas junto do Banco Central e receber saldos de eNairas teria uma nova data-limite: 10 de Abril de 2023, mas mantendo-se a eliminação do seu curso legal.

    Até o final de Janeiro de 2023, as transações usando o eNaira ocorriam sem problemas, mas eram limitadas aos membros da classe média, com acesso a dispositivos digitais. A grande maioria dos nigerianos desesperavam por trocar o seu dinheiro antigo por qualquer coisa com que pudessem satisfazer a sua fome.

    O problema era que o novo dinheiro não estava em lugar algum. Mesmo os nigerianos mais brilhantes não conseguiram entender como o Governo planeava eliminar o dinheiro existente e emitir novo dinheiro em apenas algumas semanas antes das eleições gerais previstas para 24 de Fevereiro de 2023.

    Como previsto, o novo presidente da Nigéria saiu do partido do Governo – a “democracia” está assim –, o mesmo responsável pelo caos que estava instalado. É importante notar que estamos a falar de um país que lidava com uma crise monetária, inflação descontrolada e escassez de combustíveis, apesar de ser o maior produtor de petróleo da África, onde a falta de dinheiro físico e as filas intermináveis nas caixas multibanco são incessantes.

    girl holding book near blue motorcycle

    A situação de incerteza e perigo persistiu por três meses e meio até à posse do novo presidente, Bola Ahmed Tinubu. A 29 de Maio de 2023, aproximadamente 108 dias após a eliminação efectiva do dinheiro, o Presidente Tinubu restaurou o curso legal das notas antigas, juntamente com o novo Naira e eNaira.

    O que levou Tinubu a fazer tal gesto? Não só teve este gesto, como ordenou uma investigação ao Banco Central da Nigéria, resultando na prisão do seu ex-governador, Godwin Emefiele, a 10 de junho de 2023, algo absolutamente inédito. No final de julho, foi libertado pelo tribunal e novamente detido pelos serviços de segurança.

    No meio de tudo isto, cem milhões de pessoas foram privadas dos seus meios de subsistência por três meses e meio. Como sobreviveram? Os nigerianos, ao contrário da maioria dos habitantes dos países ocidentais, não acreditam numa palavra do que diz a classe política. Sentindo-se enganados novamente, quando ficou claro que nem o Naira antigo nem o novo funcionavam, as pessoas foram para as ruas, dispararam tiros e, infelizmente, pessoas morreram.

    Em resposta às recusas de aceitar o seu dinheiro antigo, invalidado no final de Janeiro de 2023, as pessoas sem contas bancárias, dinheiro legal ou economias recorreram a métodos tradicionais: troca e crédito comercial. A falta natural de fé dos nigerianos no Estado salvou-os de um golpe, do terrorismo estatal.

    people raising green and white flag during daytime

    Esta história, obviamente, não é conhecida pelas pessoas do chamado “mundo livre”. Estas necessitam do Estado para lhes dizer que há uma “pandemia”, bastando-lhes uma recomendação de um qualquer burocrata do Estado para correrem a inocular-se com substâncias experimentais. Bastará um órgão de propaganda dizer-lhes que o Euro Digital é a sétima maravilha do mundo, para correrem de forma desenfreada a trocar notas de Euro por Euro digital.

    Pelas razões apontadas, esta história não é conhecida do mundo ocidental, mas merece ser contada. Um povo que não acredita no Estado logrou derrotar um golpe que pretendia implementar uma ditadura digital. Por aqui, repito, vai ser muito fácil!

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A grande falácia do aquecimento global

    A grande falácia do aquecimento global


    Primeiro, puxo dos galões: tenho formação académica na área do Ambiente, com uma licenciatura e um mestrado; fui dirigente de associações de defesa do ambiente na primeira metade dos anos 90; fui jornalista especializado em temas ambientais em jornais e revistas de âmbito nacional; escrevi três ensaios sobre questões ambientais – um deles que vai este ano fazer duas décadas: O Estrago da Nação –; recebi em 2003 o Prémio Nacional de Ambiente Fernando Pereira.

    Digo isto para poder acrescentar que acompanho este tema do aquecimento global desde os anos 90, incluindo a altura em que Portugal era liderado pelo mesmo homem que fala agora em “ebulição global”, esse então primeiro-ministro que, em 1997, mandou o nosso país negociar na União Europeia a possibilidade de não se ter de cumprir as metas do Protocolo de Quioto – ou seja, que as emissões pudessem aumentar 27% –, porque era preciso desenvolver.

    Posto isto, vamos ao osso: independentemente de considerar serem evidentes os sinais de alterações climáticas, sejam estas ou não de origem antropogénica, acho profundamente lamentável a cobertura sensacionalista e manipuladora da comunicação social sobre este tema.

    Electric Towers during Golden Hour

    E digo isto, não para recusar a relevância de uma mudança de paradigma energético nem para renegar os efeitos do aquecimento global – que são sobretudo mensuráveis e evidentes através de indicadores ecológicos, e não tanto por eventos meteorológicos extremos, e muito menos em mortalidade [explicarei essa questão noutra oportunidade] – , mas sim para acusar os media mainstream (sempre agora muito disponíveis para causas mainstream) de pactuarem e integrarem mais uma campanha de hipocrisia e de greenwashing empresarial e político. O intuito passa por culpabilizar todos em geral, e assim ninguém em particular, colocando ademais os políticos e empresários como nossos salvadores, quando, na verdade, são eles os principais carrascos.

    Este é tema longo – e ao qual regressarei de tempos a tempos aqui no PÁGINA UM, embora, desde já saliente ser, cada vez mais, adepto da necessidade de nos adaptarmos às alterações, e não andarmos quixotescamente em gritos histéricos.

    Para já, e por hoje, desejo dedicar este espaço a zurzir na “esperteza saloia” do Público – que não é somente do Público, mas este jornal é relapso, e pela sua história na cobertura ambiental não tem desculpa – que anda numa lamentável saga manipulatória em redor do aquecimento global. Na sua secção Azul, aquela que tem protocolos de índole financeiro com compromissos editoriais, trata sempre de passar as culpas dos políticos e das políticas para o cidadão comum.

    Que o faça à descarada – eu até compreendo. Mas já me chateia que queira fazer isto ao belo estilo do wokismo e que, por essa bitola enviesada, sentencie ser FALSO que se possa concluir que se “Portugal é um país pequeno, logo a luta climática não depende de nós”.

    Person Holding A Green Plant

    Este foi, com efeito, o veredicto do Público quando se responde à segunda das 10 perguntas de um inquérito para testar, neste caso, os conhecimentos dos leitores sobre a alegada “crise climática”.

    Das 10 perguntas, apenas errei – na concepção do Público – esta pergunta, e o jornal “explica” porquê. Diz que “a ideia de que Portugal é um país demasiado pequeno para ajudar a salvar o planeta ou ter de se preocupar com as suas emissões não corresponde à verdade. Emitimos mais toneladas métricas de dióxido de carbono [tonCO2] do que a média mundial. E o combate à crise ambiental exige um esforço global de mitigação e adaptação”.

    Mais do que tudo o resto, a começar pela visão enviesada do Público, assusta-me o nível de “evangelização” já atingida: segundo os resultados do inquérito, “90% dos leitores acertaram na pergunta”, o que significa, portanto, que eu estarei nos 10% que não viram ainda o “caminho da verdade”.

    Deixando a questão do esforço global de mitigação e adaptação para outras alturas – até porque, pelo que se tem visto, à conta da suposta transição energética quer-se dar cabo da Natureza e da vida de comunidades humanas por supostas boas intenções globais –, vamos falar sobre o rigor do Público.

    Para mim, pior do que um burro é um “professor armado em sabichão” que me quer passar um atestado de burrice quando é ele o burro. E, por isso, decidi escrever o que há muito ando para escrever.

    O Público diz taxativamente que Portugal emite mais tonCO2 do que a média mundial, deduzindo-se que se refira a uma média per capita.

    Primeiro disparate. O mais recente relatório do Joint Research Centre (JRC) aponta que Portugal emitiu, em 2021, cerca de 3,8 tonCO2 por habitante, e a média mundial é de 4,8 tonCO2. Que eu saiba 3,8 é um número menor do que 4,8 – excepto, se calhar, para o Público.

    É certo que já estivemos bem acima, na primeira década deste século, mas foi no “rescaldo” da opção política, hélas, de um ex-primeiro ministro chamado António Guterres: à conta do “direito de crescer” (e economicamente até crescemos pouco), entre os anos de 1990 e 2005 as emissões de dióxido de carbono em Portugal subiram 47%, e ficámos, per capita, 40% acima da média mundial. Mas há muito que se inverteu essa situação, e já antes da pandemia estávamos abaixo do média mundial.

    Segundo disparate, e este muito mais relevante, porque é uma mentira intencional, ideológica mesmo. Achar que Portugal – e até a União Europeia –, num cenário de alterações climáticas associadas às emissões de gases com efeito de estufa, vale alguma coisa, e que se justifica esforços hercúleos e fortes restrições individuais, não passam de absolutas falácias.

    O nosso direito, até constitucional, de se usufruir de um “ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” não tem de se fazer através de esforços inglórios e muito menos de sacrifícios em vão. Até porque, aí está, sendo inglório e em vão, em nada nos beneficiam, só enganam. Mas é isso que o Público e muitos outros media, seguindo a bitola da hipocrisia política, andam a fazer: querem fazer-nos acreditar que o nosso esforço conta. Não conta nada, atendendo ao contexto do problema.

    Vejamos. Portugal emitiu em 2021 cerca de 39 milhões de tonCO2 [podem ver AQUI em detalhe e também para outros países, incluindo a evolução nas últimas décadas], sabendo-se que se estima que, em todo o Mundo, as actividades humanas expelem 37.858 milhões. Isso representa 0,1% do “problema”. As emissões globais aumentaram 15.140 milhões de tonCO2 nas últimas três décadas, um crescimento de quase 67%.

    Foi, segundo parece indiciar o Público, culpa dos cidadãos do “país pequeno”, que não estão a contribuir o suficiente para o “esforço global de mitigação e adaptação”? É mesmo culpa de Portugal, desse “país pequeno”, que ainda se tem de se sacrificar mais, mesmo se, entre 2005 e 2021, conseguimos uma redução de 57%?

    Ou terão sido mais os rotundos falhanços e a hipocrisia dos políticos internacionais (onde se incluem os de Portugal) entretidos nas suas aventuras diplomáticos e nas “guerras geoestratégicas”, enquanto fazem de conta, ao longo das últimas décadas, que estão preocupados a “salvar o planeta”?

    Car Passing Through Road Beside Building

    Vejamos: é insensato que, em matérias globais desta natureza, que a comunicação social em conluio com políticos e empresas exijam aos cidadãos um conjunto de sacrifícios – e culpem-nos – que, na verdade, serão irrelevantes, e que servem para iludir os fracassos diplomáticos.

    Neste momento, não é só os 0,1% das emissões portuguesas que nada contam. A própria União Europeia tem cada vez menos influência numa mudança, porquanto as suas emissões apenas já representam 7,33% das emissões a nível mundial. Mesmo um colosso como a Alemanha já só pesa 1,76% do total.

    Na verdade, o Público e muitos outros jornais seguidores de um certo wokismo andam a fazer uma coisa muito simples e terrivelmente eficaz na desresponsabilização dos políticos ocidentais por um grande falhanço em matéria ambiental: nas últimas décadas, alhearam-se das estratégias de crescimento da China, sobretudo com o uso da energia. Ao invés, viram que quanto mais obsoleto fosse o uso da energia, menor seria o seu ritmo de crescimento – e isso parecia bom para o Ocidente.

    Assim, em 1990, a China – que detinha cerca de 20% da população mundial – emitia apenas 2.425 MtonCO2, ou seja, pouco mais de 10% do total mundial de gases com efeito de estufa. Com o repentino crescimento económico – mas assente em reduzida eficiência energética, sobretudo por causa da queima de carvão e de alguma tecnologia obsoleta –, a China não cresceu apenas economicamente: as suas emissões de dióxido de carbono mais do que quintuplicaram desde 1990, passando para 12.466 MtonCO2 em 2021. Representam já 32,9% do total mundial; é mais de quatro vezes a quantidade emitida pelos países da União Europeia. E é 329 vezes mais do que as emissões de Portugal.

    red green and blue world map

    Para se ter uma ideia da dimensão deste boom chinês, as emissões de dióxido de carbono no sector energético aumentaram 767% em três décadas, no sector industrial em geral 303% e nos transportes 915%. As emissões per capita subiram de 2.069 tonCO2 em 1990 para 8.727 em 2021. E até podia ter sido mais, caso a eficiência energética não tivesse até uma significativa melhoria: de 1.501 tonC02 por cada 1.000 dólares de PIB em 1990 para 0,501 tonCO2 em 2021.

    Mas é aqui que reside o problema em se “salvar o planeta”, da qual a hipocrisia global, e um certo wokismo, não gosta de falar. Na verdade, conseguir-se-ia uma redução muito significativa nas emissões de dióxido de carbono – que, diga-se, está associado à emissão de outros gases, esses sim verdadeiramente perniciosos para as comunidades humanas, e que devem ser minimizados – se houvesse abertura política e diplomática para melhorar a tecnologia e a eficiência energética da China.

    Veja-se: mesmo havendo melhoria a nível mundial, bastaria que a eficiência energética chinesa fosse idêntica à portuguesa (0,112 tonCO2 por 1.000 dólares de PIB), e aquele país asiático emitiria apenas 2.787 MtonCO2 em vez de 12.466 MtonCO2. Este volume de redução seria equivalente a mais de três vezes as emissões globais de toda a União Europeia. Significaria uma queda nas emissões mundiais de 25,6%. Melhorar a eficiência chinesa, isso sim é de relevo.

    Oriental Pearl Tower in Shanghai during daytime

    E muito mais sensato, e com evidentes resultados, do que exigir que andemos a pé ou de bicicleta, algo que se deve fazer por melhorar a nossa saúde, mas nunca imposto por uma estúpida ideia de contribuir para “salvar o planeta”.

    Mas uma mudança do paradigma energético na China implicaria, em parte, uma transferência de tecnologia do Ocidente, arriscando tornar aquele país asiático um ainda maior colosso económico. Bem sei, e compreendo a realpolitik, que isto não interessará às elites políticas e económicas da Europa e dos Estados Unidos (que aliás também têm muito a fazer ainda para melhorar a sua eficiência energética), mas então assuma-se.

    E, assim, não se use a comunicação social para uma estratégia manipulatória para nos convencer de que as alterações climáticas estão aí apenas por nossa culpa, que só os nossos sacrifícios podem “salvar o planeta” – e que se não fizermos isto a bem, eles (os políticos) então nos impõem tudo a mal, porque de contrário “vamos todos morrer” e não estarmos a fazer a nossa parte é egoísmo… Aliás, onde já vi isto?!

    Se a imprensa mainstream quer mesmo “salvar o planeta” não chateie tanto os cidadãos – nem os manipule –, mas sim pressione mais os políticos e os Governos, porque são estes que efectivamente podem “salvar o planeta”. Ou melhor dizendo, com as suas políticas, deixarem de o destruir; e de prejudicar as nossas vidas e a das gerações futuras. E, nesse aspecto, as emissões de dióxido de carbono são o menos…

  • Há falta de professores? E novidades, há?

    Há falta de professores? E novidades, há?


    Falta de professores afeta 100 000 alunos“, é este o título de uma notícia do Observador de sexta-feira passada, e replicada em outros órgãos de comunicação social, que me prende a atenção e deixa um cheirinho a nostalgia nesta minha memória que já teve melhores dias. Tenho a sensação de que, há uns anos a esta parte, a cada início do ano escolar esta notícia se repete.

    Começamos a ter um ciclo, com as cheias em Janeiro, os fogos em Julho ou Agosto e a falta de professores em Setembro. Longe vão os tempos em que Pedro Passos Coelho sugeria aos professores que emigrassem, nesta Europa livre e sem fronteiras.

    Não é difícil perceber porque faltam professores em 2023. Ou faltavam em 2022 ou em qualquer ano da década anterior. Mas a pergunta que importa é: quem quer ser professor nestes dias que correm?

    Teacher Showing His Class a Human Skull

    Quem quer aturar os filhos dos outros, explicar a quem não deseja aprender, ouvir todos os tipos de falta de educação e ainda ter de aturar, de quando em vez, as frustrações dos pais por causa da incapacidade dos educandos?

    Quem tem paciência para andar de mala às costas, a viver longe da família, ou sem conseguir formar uma, dada a dificuldade em fixar residência?

    Quem sonha com uma carreira que anda há mais de uma década em luta por direitos básicos e cuja progressão é lenta ou nula?

    E finalmente, quem arrisca o seu futuro numa profissão assim, com todas estas condicionantes, por um salário de indigno que se arrasta durante toda a vida? Indigno, não: deixemos as metáforas à porta, é mesmo uma merda.

    A parte curiosa disto é não se ver, para além de declarações vazias do ministro da Educação (este ou outro qualquer) – tais como “as negociações seguem o seu normal percurso” –, qualquer medida verdadeiramente importante para tornar a carreira docente minimamente atractiva.

    Boy Running In The Hallway

    E é disso que se trata: convencer pessoas que ser professor é algo bom e não deixar o destino do país depositado nos heróis que, apesar das condições lamentáveis, ainda têm paixão por ensinar. Sim, leram bem: o destino do país. Ao contrário do que se possa pensar, o sucesso de um país não está no seu exército, nas suas estradas exploradas por privados ou no número de visitantes anuais. O sucesso mede-se pela qualidade da escola pública e da saúde oferecida a troco dos impostos. Uma boa escola pública cria bons trabalhadores, e bons trabalhadores desenvolvem o país e a sua Economia. Não é propriamente um segredo. Todo o norte da Europa já percebeu isto há 100 anos. 

    Na década de 90 entraram para a área de Educação, no ensino superior, uma média aproximada de 30 mil alunos por ano. Entre 2000 e 2005 esse número aumentou para 45 mil e desde então tem vindo a descer, atingindo o mínimos em 2019 com pouco mais de 12 mil alunos.

    Como é que um país cada vez mais pobre se dá ao luxo de afugentar professores, é um mistério que decididamente não consigo compreender. Qual é a visão de longo prazo? Termos cada vez mais empregados de mesa e camareiras de hotel e, os poucos que vão levando a escola até um ponto que interesse, vamos oferecendo aos países desenvolvidos?

    Interior of Abandoned Building

    Eu percebo que o dinheiro não dá para tudo, mas, no fim, estamos sempre entre opções políticas que podem levar ao desenvolvimento ou ao atraso geracional, não é? Não digo que seja necessário algo radical como atenuar um pouco os roubos que a corrupção inflige ao Orçamento do Estado. As negociatas do tutti-frutti, as adjudicações aos amigos, os subsídios de deslocacão para quem está parado, os resgates aos bancos que tinham ministros no bolso e outros quejandos. Não, não digo para pouparem algum dinheiro aí porque se perdia logo a essência da política nacional, assente em compadrios e corrupcão. Temos que ir um pouco mais devagar.

    Mas, por exemplo, parar de fazer auto-estradas por todo o lado e atribuir o lucro da exploração a privados?  Era um princípio. Imaginem o que daria em salários de professor a fortuna que foi gasta para estarem todos confinados. Alguns 10 anos de progressões, paz social e setembros com os putos nas salas de aulas com adultos lá dentro.

    Não sei bem como dizer isto de uma forma mais simples, mas não há país desenvolvido e Economia sustentada sem um ensino público de qualidade. E não há ensino público de qualidade sem professores motivados.

    Portanto, senhores do Centrão, que há umas décadas gerem fundos comunitários, em vez de desenvolverem o país: RESPEITEM OS PROFESSORES. Sem eles, e um ou outro médico para nos desentupir as artérias, não há mais nada. Sobra-nos o estatuto de República Dominicana da União Europeia com 11 gajos com jeito para a bola. Se é esse o desígnio nacional, sigam em frente que estão bem. Se querem deixar de ser o mais pobre entre os pobres da Europa, é bom então que se aproximem dos professores, com algumas flores na mão.

    Nem é preciso ser muito inteligente. É só olhar em volta e fazer o que já foi feito.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Lições à suposta Tecnociência em tempos de pandemia

    Lições à suposta Tecnociência em tempos de pandemia


    – Vou dar-vos uma doença nova – e assim surgiu a covid-19. Uma doença que num quadro exuberante é tremenda. Descobrimos assim que estávamos na Idade Média, e lá saltaram os feiticeiros: os donos de medicação curativa, os teorizadores da calamidade, os defensores de negócios sem moral, os fazedores de tratamentos – as mezinhas, os chás e os fumeiros da peste negra.

    Veio o ostracismo, o evitamento, a culpabilização – somos tão fáceis de perceber, tão repisados. Engraçado como em Setembro de 2023 tudo mudou – “estão-se todos borrifando para a infecção”! Os mesmos que prenderam os idosos, os que obrigaram a escrever morte por covid-19 até em politraumatizados, os que gritavam contra qualquer crítico. 

    person in white and pink striped long sleeve shirt

    Os da Idade Média em 2020, agora, em Setembro de 2023, quando a covid-19 dispara de novo, vivem silenciosos.

    Quando os seres humanos iam aos hospitais há três anos, estavam confiantes na Tecnociência, desconfiados da negligência, incrédulos da incurabilidade. Chegou em Dezembro 2019 um coronavírus, membro de uma enorme família, e disse:

    – Hummm!, vocês sabem pouco!

    Chocado ficou o povo que acreditava que o século XXI é sábio, cientista e cheio de sabedoria. Estávamos perante uma pandemia, uma nova doença, um “micróbio” que nos afrontava com despudor. Afinal, tínhamos serviços de Saúde, especialistas em fármacos, meritórias universidades e dezenas de médicos por mil habitantes. O vírus possivelmente disseminou-se mais depressa do que se pensava e atacou o mundo inteiro viajando em low cost, nos paquetes e aviões. Quando deram por ele confinaram-se as crianças e depois os pais e, por fim, os avós.

    – Boa! Vamos pela mão das crianças infectar os avós.

    E foi e infectou.

    As pessoas com mais de 70 anos, com algumas doenças, foram as mais atacadas, de modo selectivo, com uma demoníaca incidência.

    – Vou matar milhares!

    man in white thobe walking on grey and yellow concrete pavement

    E matou, pelo Mundo todo, como se sabe. Só que não foi nada semelhante à SIDA; nada próximo da Peste; nada comparável à gripe espanhola – e todos sabem, todos têm a certeza disso!, à posteriori. No fim do jogo, há quem já aceite que exagerou, há quem se arrependa do que vociferou.

    Afinal, agora, estamos com a maior taxa de infecção – atenção, taxa de infecção – desde que este vírus apareceu em 2019. São milhares por dia. É um vírus atenuado, mais adaptado aos humanos, como teria de ser, e possivelmente uma estirpe insensível à vacina em uso, mas a dar biliões de lucros.

    Um vírus destes não ataca crianças, nem jovens saudáveis nem adultos com saúde? Ataca, mas unanimemente eles conseguem defender-se com um desconforto maior ou menor. Em Portugal, nenhum jovem de menos de 30 anos morreu de covid-19 – mesmo se teve um teste positivo –, desde que tudo começou. Ninguém sem patologia major de outra espécie morreu de covid-19 com menos de 40 anos. Mas houve alguns gravemente doentes – sim! Mas menos de duzentos em todo o Portugal e PALOP. Tínhamos meios para os salvar e salvaram-se!

    A Medicina Baseada na Evidência não demonstrou nada, não descobriu a razão, a forma, o mecanismo de acção, as taxas de mortalidade e de infecção, não fez grupos controlo, não conseguiu retirar certezas além de que a mortalidade naquela forma clínica major era o quinto dos infernos.

    People Wearing DIY Masks

    Provou-se que a eficácia dos fármacos usados “em desespero” foi de muito baixa eficiência.

    O desespero foi afinal uma taxa de mortalidade de 0,7%, o que em Epidemiologia é uma festa, uma boa nova!

    Sim, talvez 0,7% dos doentes graves vão morrer – este número não está claro. Sim, destes, 80% têm um padrão igual aos nossos avós. Sim, sabemos que 0,7% de milhões são sempre muitos! Sobretudo porque os seres humanos são mesmo muitos.

    Mas esta não é uma Walking Deads, esta não foi a vingança do ambiente contra a demografia. Esta não matou mais que a fome, não aniquilou o mesmo que Staline, ou Pol Pot, ou o Nazismo. As formigas não perderam a termiteira, só viram um desaire num carreiro. E não está provado que antes do confinamento não houvesse já um “espalhamento” global e daí o efeito positivo dos lockdowns não ser ainda claro.

    Sobre a vacina em 2021 – eu fiz! Eu também injectei o receio! Mas esse é outro tema de debate!

    Certo é que os não-vacinados não estão a morrer deste surto de Setembro de 2023! Os não-vacinados estão a apanhar, sem problema de maior, a mesma infecção, pelo mesmo vírus que todos os outros.

    Woman Wearing Mask on Train

    O SARS-CoV-2 é, por tudo isto, uma desilusão completa sobre a Humanidade da Tecnociência. Temos de voltar a estar na rua e a acabar com a ideia de que vamos para a praia de máscara ou nadar de escafandro.

    Resta concluir que os hipocondríacos não podem mandar no Mundo, pois nos conduzem à falta de senso, à ausência de leitura fria dos dados, à gestão das emoções sem utilização dos poderes de raciocínio, justiça e memorização. Temos de rever a nossa interpretação da morte, porque ela faz parte da vida.

    Por fim, não criemos, contudo, um peso de consciência porque deixámos os pais nos lares, e não fomos ver os avós durante meses – e agora morreram. Não me ofereçam falsa moral. Sei que o trabalho não se compadece, a vida é um rolo compressor, a riqueza da Humanidade está mal distribuída e para fazer melhor é preciso o vil metal. A moralidade e a ética de hoje estão encastoadas no dinheiro. Muito grave era morrerem os netos antes dos avós como na gripe espanhola.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • António Costa, o Bem-Amado

    António Costa, o Bem-Amado

    Esta semana assistimos a mais um “número” protagonizado pelo primeiro-ministro com a mãozinha das suas partenaires – leia-se, uma boa parte da imprensa dita de “referência”. Com o anúncio de um pacote de “medidas de apoio” aos jovens, António Costa afinal passou-nos, na verdade, mais um atestado de incompetência.

    Quis ele mostrar-nos, mais uma vez, que trata os portugueses como crianças; ele julga poder comprar-nos se nos passar umas guloseimas para a mão, na forma de subsídios e ajudinhas, para que permaneçamos pobres, mas um pouco menos, e assim nos lembremos que ele é o nosso bondoso “amigo”; e que nos lembremos do Partido Socialista na hora de irmos às urnas. Infelizmente, este modus operandi tem resultado muito bem: foi (também) assim que ele conseguiu – ou eles, se juntarmos o seu Partido Socialista – a maioria absoluta.

    Há quem gabe a arte, ou a “sorte”, de António Costa, como se o seu sucesso fosse atribuível a uma espécie de graça caída dos céus. Outros, dizem que é um político exímio e tacticista. De facto, há que reconhecer-lhe o mérito de conhecer bem a essência do povo português e de saber exactamente como o manobrar. Mas, note-se, as artimanhas do Partido Socialista não lograriam o mesmo efeito sem a preciosa ajuda (inadvertida ou não) da comunicação social mainstream. Os seus estratagemas, ainda que engenhosos, sairiam furados se não fosse a mediocridade de muita da nossa imprensa, que nos brinda com manchetes e notícias acríticas – umas atrás das outras.

    Feito o anúncio de António Costa na Academia Socialista – com toda a pompa e circunstância, como tem sido dito, para apresentar uma mão cheia de migalhas –, pouco se viu, na imprensa, contraponto jornalístico ou perguntas incómodas. Não se colocou o dedo na ferida, face à lástima em que o país se encontra – e cuja responsabilidade só pode ser assacada a quem nos governa há oito anos, independentemente das suas tentativas de ludibriar o povo com falinhas mansas.

    Mas a comunicação social não se limitou a não cumprir com o seu mais elementar dever, do qual, na verdade, já se demitiu há muito. Foi mais longe, e escrevinhou notícias tais como: “Prendas de Costa aos jovens” – note-se o tom paternalista concedido pelo Público: um governante que gere dinheiro dos nossos impostos, dá depois prendas aos jovens, mas esse dinheiro veio dos pais e demais familiares dos jovens… E isto já sem falar muito em títulos grandiloquentes sobre o nosso  “Costa, o ‘fazedor’ em Évora”, ainda por cima vítima das “mentiras” do Conselho do Estado.

    Por pouco, pensei, a coisa não descambava para títulos como “António Costa, o magnânimo”, “António Costa, o benfazejo”, “António Costa, o clemente”, ou ainda, sugere-me o director do PÁGINA UM (que é desse tempo), “António Costa, o Bem-Amado”.  Quem precisa de uma equipa de comunicação, quando se tem jornalistas encarteirados, e reconhecidos pela CPCJ, que escrevem notícias destas? Nem o veterano do marketing político, Luís Paixão Martins, consegue fazer o primeiro-ministro parecer tão bom – ou, se calhar, ali há dedo dele. Enfim, António Costa pode mesmo demitir o seu excelso técnico de comunicação; os seus serviços são dispensáveis.

    Vamos constatar o óbvio: António Costa não “dá” nada. António Costa, na verdade, tira-nos cada vez mais. António Costa desfere golpes na população através de pesados impostos, que são mal aplicados – veja-se o estado da Saúde e da Educação) –, e depois distribui pensinhos, enquanto alguns “jornalistas” fazem manchetes onde evidenciam a sua generosidade.

    Em paralelo, porque não há heróis sem obstáculos, a comunicação social insiste e persiste na cantiga da alegada “guerra” entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. Mesmo a existir, uma contenda entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, questiono-me se será matéria para tanta cobertura noticiosa e destaque de primeira página perante o estado da Nação. Não há outros temas no topo das prioridades?

    Cena de O Bem-Amado, famosa telenovela dos anos 70, sobre os projectos de Odorico Paraguassu na vila baiana de Sucupira.

    Mas a questão é que este suposto combate rasca Costa VS Marcelo, que nos impingem ad nauseam, parece não passar de mais uma história fabricada. Talvez para manter a aparência de uma democracia salutar, em que existe uma separação de poderes eficiente, em vez de uma mera partilha de poderes entre companheiros de longa data. De facto, tudo aponta para que os dois sejam “tu cá, tu lá”, e estejam (demasiado) à vontadinha, mas a nossa imprensa faz o obséquio de engendrar uma realidade alternativa para ir entretendo os portugueses.

    Enfim, o jornalismo mainstream deixou de ser o essencial watchdog do poder; neste momento é uma espécie de companheiro – na verdade, um fiel pet. E dos que vestem floridos laçarotes no pescoço, enquanto solta uns latidos de satisfação.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.