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  • Escolhemos mesmo os nossos governantes?

    Escolhemos mesmo os nossos governantes?

    “No passado, muitos déspotas e governos quiseram fazê-lo, mas ninguém compreendia o suficiente sobre biologia, e ninguém tinha meios computacionais e dados para hackear milhões de pessoas. Nem a GESTAPO, nem o KGB podiam fazê-lo. Mas, em breve, pelo menos algumas corporações e governos serão capazes de hackear sistematicamente todas as pessoas. Nós, humanos, temos de nos habituar à ideia de que já não somos almas misteriosas”. Estas sinistras palavras são do (também sinistro) historiador e escritor israelita Yuval Noah Harari – conhecido por best-sellers como Sapiensnuma reunião anual do World Economic Forum em 2020.  

    Mesmo com todos os progressos científicos, não sei se é verdade que já não sobra qualquer réstia de mistério ao ser-humano, mas, em todo o caso, parece-me que estas declarações são essenciais para entendermos a realidade actual e das últimas décadas.  Desde logo, porque as palavras de Harari, proferidas no palco da elite que controla o Mundo a seu bel-prazer, mostra-nos – para quem queira ver e ouvir, em vez de enfiar a cabeça na areia – o futuro distópico que os nossos overlords têm planeado para nós. Não há como dizer que é teoria da conspiração; é abertamente assumido.

    World Economic Forum

    Mas a frase “nós, humanos, temos de nos habituar à ideia de que já não somos almas misteriosas” ecoou em mim, sobretudo porque é um ponto nevrálgico do monstro com que nos defrontamos. Sublinhe-se: quem manda em nós – Governos, grandes corporações, elites – conhece-nos de “ginjeira”. Para eles, somos como marionetas que manipulam habilmente através da propaganda, da comunicação social (por vezes, confundem-se), enfim, das acções que encabeçam. No fundo, há muito que já fomos manietados e “hackeados” por meio de técnicas sofisticadas de manipulação psicológica. Fazem de nós gato-sapato, levam-nos a caminhar em direcção ao precipício, sem que nos apercebamos, enquanto mantêm em nós a ilusão de que estamos a agir de livre vontade. Mas o nosso livre arbítrio é o mesmo dos habitantes da caverna da Alegoria de Platão, que julgam conhecer a realidade, quando apenas têm poder de vislumbrar as sombras.

    Hoje, não há necessidade de instaurar uma ditadura no Ocidente. As mentes estão controladas, e por isso, as pessoas também. Julgamos eleger quem nos representa, mas o leque de candidatos que nos oferecem não representa os nossos interesses. Aqueles que estão na política para, de facto, servir o país, não têm grande margem de manobra – ou se portam bem e se conformam, ou são afastados. O poder apenas pode cair nas mãos de quem convém, e é isso que acontece, com a preciosa ajuda de uma comunicação social corrompida que os promove.

    Os candidatos a governantes já foram há muito empacotados e estão prontos a servir no dia das eleições. A máquina de propaganda já tratou de os “vender”, para que possamos exercer a nossa “escolha”. Os exemplos deste processo são vários.

    Chess Piece

    Mas olhemos para o nosso “pequeno mundo”, para o caso de Portugal.

    Do lado do PSD, não parece arriscado apostar que Carlos Moedas sucederá a Luís Montenegro. Quanto ao Partido Socialista, ainda esta semana Pedro Nuno Santos inaugurou o seu espaço de comentário na SIC. O caminho rumo ao “trono” que António Costa ainda ocupa faz-se, assim, ao colo de supostos “jornalistas”. Na verdade, os mesmos que permitiram que o actual primeiro-ministro “açambarcasse” o poder com laivos ditatoriais, sem que fosse por isso mal visto – primeiro a António José Seguro, e depois a Pedro Passos Coelho. Na sua governação, pouco mais fez do que destruir o país, em uníssono com os interesses de organizações supranacionais.

    António José Seguro, que de acordo com várias “fontes”, como se diz em ‘jornalês’, é uma pessoa (inconvenientemente) honesta, foi obliterado antes de ter sequer chance de se tornar primeiro-ministro. Chegou, aliás, a denunciar, numa entrevista, a existência de um “partido invisível na sociedade portuguesa, que tem secções em todos os partidos, fundamentalmente nos partidos do Governo”, e acrescentou que “é este poder fáctico que precisa de ser escavacado, de ser destruído”. Será que a sua posição sobre este “poder fáctico” teve algum peso no seu afastamento abrupto?

    Porventura, o antigo líder socialista seria demasiado bom para governar – pelo menos, para a elite parasitária que se move nas sombras, para a comunicação social vendida, e para desgraça dos portugueses que, em vez de um político vertical, ficaram com um manipulador exímio que não olha a meios para atingir fins e que conseguirá dormir descansado enquanto vê o país a definhar e a apodrecer.

    People Standing Near Statue

    Talvez hoje, tenhamos perdido o “direito” de escolher um líder que, independentemente da sua ideologia, coloque os interesses colectivos à frente dos seus. Fala-se muito de uma “alternativa” ao Partido Socialista, e é verdade que parece não existir, nem à esquerda nem à direita. Nem tão pouco, arrisco dizer, nos partidos sem assento parlamentar. Mas, tendo em conta estes poderes fácticos que corroem a democracia, quem procura apenas uma alternativa ao Partido Socialista, falha o alvo.

    Urge uma alternativa à corrupção e à subversão e que grassa em todos os partidos e demais agremiações de poder. Dito de forma simples, é preciso que o povo desperte do torpor, e que, pegando na afirmação de Harari que citei no início, devolva a “tirada” aos poderes instalados, e lhes diga: “têm de se habituar à ideia de que já não são um mistério para nós, e já não nos conseguem manipular”.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • À frente, a caravana; atrás, os cães, ladrando

    À frente, a caravana; atrás, os cães, ladrando


    Em menos de dois anos, um projecto jornalístico pessoal transformou-se, com o auxílio de um excelente punhado de vontades e colaboradores, naquilo que é hoje o PÁGINA UM: um jornal digital que (sobre)vive exclusivamente dos seus leitores, do valor (monetário) que os leitores lhe atribuem, e da sua credibilidade. Sem dívidas nem penhores. Não é pouco.

    Como somos um órgão de comunicação social sem mecenas por detrás para arcar prejuízos; como não temos publicidade nem parcerias comerciais; como nascemos sem um investimento forte (o capital social da empresa que o gere, do qual sou sócio maioritário, é de apenas 10.000 euros, e não temos nenhuma autorização para darmos calote ao fisco de 11,4 milhões de euros); e como, ainda por cima, o jornal é de acesso livre, temos consciência de que desafiamos todas as regras da Economia. E desafiamos muito mais.

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    O nosso valor é o valor da nossa credibilidade. Vale o nosso sustento, periclitante, frágil, mas honrado, até porque é por tudo isto que o PÁGINA UM actua de forma desassombrada, assombrando muitos. Somos verdadeiramente livres, independentes, sem agendas escondidas, sem necessidade de agradar a gregos e a troianos, ou a dar uma no cravo e outra na ferradura. Enfrentamos, porque acreditamos estar ainda numa democracia, todos os poderes em pé de igualdade.

    Denunciamos as situações anómalas da imprensa – mesmo sabendo que desagradamos a uma classe corporativista que, de forma viciosa, foi vendendo a alma ao diabo (não há mal em vender-se a alma ao diabo; convém é então não andar travestido de asas de anjinho).

    Enfrentamos qualquer poder, quer seja político quer seja judicial, sempre que está em causa o acesso à informação e a transparência, usando as armas que a democracia nos concede: as leis e os tribunais. Ao longo de dois anos, interpusemos 18 intimações no Tribunal Administrativo de Lisboa, e mais se seguem. Perdemos alguns casos (poucos), ganhámos muitos, outros estão em kafkianos processos de decisão, com recursos e expedientes dilatórios da Administração Pública.

    Fazemos um trabalho invisível mas muito árduo e desgastante, nesta linha, que mesmo os leitores mais fiéis do PÁGINA UM nem imaginam. Mas não desistimos. Como poderíamos se nem pejo tivemos de confrontar, com a lei, o Conselho Superior da Magistratura? E continuaremos. Ainda esta semana pediremos a execução de uma sentença por incumprimento integral de uma decisão do Tribunal Administrativo e de uma acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. E iremos fazer novo pedido de consulta de outros processos, que terá nova intimação se não satisfeito. A lei tem de começar a ser cumprida pelos próprios magistrados.

    Adult Black and White American Pit Bull Terrier Close-up Photography

    Tudo isto é uma tarefa quotidiana árdua. Todos os dias sinto que a minha credibilidade é colocada em causa, não apenas por mim (e sou muito zeloso da minha credibilidade), não apenas pelos meus leitores, mas sobretudo pelos nossos detractores. E são muitos. E são facilmente identificáveis. Por isso, reajo de forma veemente quando se coloca em causa a minha credibilidade e a credibilidade do PÁGINA UM.

    Ao longo destes quase dois anos, enquanto o PÁGINA UM anda a revelar e a denunciar sem parança – num estilo aguerrido, que, sabendo ser particular no novi-jornalismo dos tempos modernos, nem foge muito à linha daquilo que eram os meus artigos na saudosa Grande Reportagem, quando Miguel Sousa Tavares era seu director –, sei bem os incómodos que provoco, mesmo, ou sobretudo, nos meandros do jornalismo. Um mundo pequeno e que se tem mostrado pequenino.

    Começou logo no início do PÁGINA UM com uma campanha lamentável da CNN Portugal, seguida por outros jornais, onde se destaca o Público, o Observador e o Expresso, onde aliás colaborei vários anos.

    Continuou com a postura da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que não apreciou certas questões sobre transparência, e chegou a fazer um execrável comunicado contra mim por simplesmente eu estar a defender o acesso à informação. Os membros do Conselho Regulador anunciaram processos judiciais: sei que apresentaram duas queixas, que chegaram à fase de inquérito, mas desistiram antes de eu ser ouvido (não lhes custou os encargos dos advogados, pagos com dinheiros públicos). Malgrado isto, tem andado a ERC entretida a elaborar pareceres a pedido – já são quatro, e deverá haver mais –, contra o PÁGINA UM, incluindo notícias que até resultaram em processos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

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    Continuou com a Ordem dos Médicos, com “excelentes” relações com os media, que, perante pedidos de acesso a documentos administrativos a uma campanha de solidariedade que é um caso de polícia, decidiu apresentar uma queixa judicial contra mim (acompanhada pelo ex-bastonário, pelo inefável Filipe Froes e pelo pediatra Luís Varandas) numa tentativa de influenciar uma decisão num tribunal administrativo.

    E continuou também na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que, depois de um conjunto de notícias desfavoráveis ao suposto mérito da actual presidente, veio a correr abrir os braços a uma queixa do almirante Gouveia e Melo, abrindo-me um processo disciplinar sobre notícias que, hélas, resultaram na abertura de uma inspecção pela IGAS. A mesma CCPJ fizera, no ano passado, uma lamentável recomendação censória para alegrar o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que, à conta de notícias do PÁGINA UM, teve um processo de contra-ordenação da IGAS e a perda do estatuto de consultor do Infarmed.

    E talvez me esteja a esquecer de outros casos.

    No meio disto, veio a terreiro recentemente uma “coisa” chamada Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) como novo braço armado para me pôr na linha. E digo “coisa”, com alguma dor de alma, porque fui membro por um ano nos idos de 2006 (salvo erro), até me demitir por me aperceber que havia questões mais de política e de conveniência do que de deontologia. Adiante que isto é história. Ora, o CD-SJ é, na verdade, uma “coisa” que existe mas não existe. Ao contrário da ERC e da CCPJ, não tem qualquer competência legal nem ligação directa ao Sindicato dos Jornalistas, nem tem um critério de actuação, nem tão pouco uma linha transparente de intervenção. Basicamente, no meio da deterioração geral da imprensa e dos atropelos constantes até das normas do Estatuto dos Jornalistas, o CD-SJ vai dando os bitaites, de quando em vez.

    Compreende-se: além de ser presidido pelo Provedor do Adepto do Rio Ave, especialista em vinho alvarinho e docente universitário, o CD-SJ integra ainda um jornalista da Trust in News (empresa que deve 11,4 milhões ao Fisco), outra do Observador (que nunca soube o que eram lucros e agora convive alegremente com parcerias comerciais de duvidosa deontologia e legalidade, além de já ter feito ataques soezes a mim) e uma outra jornalista da Lusa (o Pravda do actual Governo, no sentido de que para a agência noticiosa tudo o que sai do Governo é Verdade, e que, em tempos, publicou, como se fosse um relatório sério, algo que era um embuste sob a forma de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”). Há um quinto elemento sobre o qual poucas referências detenho, excepto saber que terá andado em inquirições para descobrir os supostamente misteriosos, obscuros e tenebrosos financiadores do PÁGINA UM.

    Aliás, eu nem sei como ainda não surgiu a “lenda” de eu ser um tipo a ser suportado com dinheiros da extrema-direita ou do Putin ou da… ia dizer China, mas isso são outros; deve ser pelo meu aspecto dar mais ares de extrema-esquerda. Ficam confusos e indecisos, certamente, por ser difícil colar o “cromo”.

    Ora, mas de repente, esta “coisa” chamada CD-SJ acordou da letargia, embora já tivesse feito uma trapalhona tentativa de me lixar no início de 2022, malparida por um jornalista da CNN Portugal, ao ponto de terem então metido a viola no saco. Até Maio deste ano, com tanta porcaria a ser feita por tantos jornalistas e directores de supostamente respeitáveis órgãos de comunicação social, o CD-SJ tinha feito cinco pareceres. Mas nem sequer tugiu nem mugiu em concreto sobre a actuação de 14 ‘jornalistas comerciais’ detectados pela ERC, incluindo até um dirigente sindical (Miguel Midões), que assobiou para o ar e manteve o poiso no Sindicato. O CD-SJ também se borrifou para os jornalistas da Cofina que serviram de mestre-de-cerimónia em 12 emissões de telejornais da CMTV pagos por autarquias. Quis lá saber de um Reginaldo que faz programas como jornalista enquanto obtém patrocínios como empresário para o dito. Nem um ai deu perante directores que se vergam em sorrisos aos patrocinadores, em alguns casos da Administração Pública e do Governo, que lhes besuntam as mãos em eventos “vendidos” aos incautos leitores como simples notícias quando se trata de prestação de serviços. Mas, de repente, no meio deste pântano asqueroso, o CD-SJ e o Provedor do Adepto do Rio Ave acordaram nos últimos meses apenas para apanharem as supostas falhas deontológicas do PÁGINA UM.

    Deram logo um ar da sua desgraça em Maio, quando decidiram acolher uma queixa da própria Presidente da CCPJ, mui incomodada com as notícias e perguntas do PÁGINA UM, e por um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa (depois de vários pareceres da CADA) para acesso a informações (incluindo actas e contas), e que luta em prol do secretíssimo da sua actividade alegando uma suposta protecção da vida privada ao abrigo do Regulamento Geral da Protecção de Dados (RGPD). E isto na mesmíssima CCPJ (numa outra presidência que não a da ‘jurista de mérito’ Licínia Girão) defendia em 2018 que os jornalistas deveriam ser excluídos das restrições do RGPD. Enfim, coerências institucionais…

    Mas sobre a condução (e conclusão) deste parecer, abjecto na forma como o CD-SJ recusou a minha defesa, aceitou acréscimos à queixa e atropelou regulamentos (aprovando o dito fora de uma reunião ordinária), já escrevi o que tinha a escrever, até porque sintetizei no título de um editorial aquilo que penso: “A deontologia de quatro crápulas, ou cronologia de uma patifaria“. É certo que não falei da atitude de silêncio corporativista e compincha da direcção do Sindicato dos Jornalistas, porque, enfim, sendo mais lamentável (há associados incómodos), ainda tenho esperança de que os seus dirigentes, alguns deles pessoas decentes, se envergonhem um dia das suas omissões. Talvez no dia em que, por falta de condições para se ser um jornalista livre em Portugal, lhes fecharem a porta do emprego de mangas de alpaca.

    Tinha, aliás, sobre este parecer do CD-SJ relativo à queixa da presidente da CCPJ – entidade que, aliás, nada diz sobre o meu desafio para me abrir um processo disciplinar para que haja regras legais a cumprir pela acusação, o que não sucedeu até agora – uma decisão tomada: instaurar a cada um dos seus membros um processo por difamação.

    Contudo, vou desistir desse intento. Não vale a pena. E por uma simples razão: o CD-SJ vai voltar à carga, ad aeternum per saecula saeculorum; não se vai cansar de me fustigar tentando caninamente descredibilizar-me. E conseguirá se eu lhes der mais trela.

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    Veja-se que, em vez de um, agora já tenho dois pareceres censórios. Em tempo recorde, o CD-SJ acolheu e decidiu uma queixa contra mim da administração do Hospital de Braga sobre dois artigos que escrevi denunciando “contratos de sete milhões de euros escondidos durante mais de dois anos“, publicado em 12 de Junho, e o sistemático uso (quase total) de ajustes directos na contratação pública, em 13 de Setembro. Dificilmente se encontrará, na imprensa portuguesa, investigação jornalística baseada em tamanha quantidade de documentos (contratos) e de análise de informação, mas o CD-SJ conseguiu descortinar falhas deontológicas por causa do estilo com que apresento factos e sintetizo a interpretação de factos.

    Alias, a sanha pressente-se logo na inquirição, nem sequer disfarçando. Por exemplo, no assunto do seu e-mail para mim com as suas acusações, constava o seguinte: “HB vs PAV”, como se se tratasse de uma mera competição e quezília entre o Hospital de Braga (HB) e o jornalista Pedro Almeida Vieira (PAV), e não de uma investigação jornalística sobre a gestão de um hospital. Depois de uma reacção de mera repulsa em pactuar com palhaçadas, cai no erro de acabar a argumentar e a entrar em debate, porque deveria antever o que sucederia. Com efeito, o Conselho do Provedor do Adepto do Rio Ave manipulou e descontextualizou trechos dos meus argumentos, omitiu outros tantos, e interpretou tudo à sua maneira, de sorte a compor um chorrilho de disparates que transformou uma irrepreensível peça de jornalismo rigoroso e aguerrido numa suposta infame peça de pasquim.

    Honra seja feita ao Provedor do Adepto do Rio Ave e mais ao seu CD-SJ, com seus compinchas: são bons seguidores do polaco Arthur Schopenhauer que, no século XIX, já nos explicava como vencer uma discussão mesmo sem ter razão. E, portanto, concedo ao Provedor do Adepto do Rio Ave a vitória: aqui está neste novo parecer, que até divulgo em primeiríssima mão.

    Ainda há dias me questionei sobre o que diria o Provedor do Adepto do Rio Ave se a Dra. Edite Estela se tivesse queixado desta minha reportagem na Grande Reportagem de Julho de 1998. Como se pode admitir palavras como “intrigas”, “caótico”, “escandaloso” e “infelizmente” só numa chamada? Como se pode admitir tanta adjectivação opinativa?

    Mas há uma altura em que tem de se dizer basta, ainda mais para gente ordinária. Como não vale a pena perder tempo com quem chateia e nem sequer detém um poder fáctico, como é o caso do CD-SJ, só deve receber o desprezo como taça. Eles nem existem, porque onde lhes falta credibilidade e competência, sobra-lhes em manipulação e manha. E nada existe sem honra nem credibilidade.

    Se esperavam que, com reles pareceres, vergonhas deontológicas até em cada vírgula, vomitados por uma Santa Inquisição jornaleira, eu baixaria as orelhas, meteria o rabinho entre as pernas e ficaria bem-comportadinho e caladinho, desenganem-se: a caravana chamada PÁGINA UM seguirá, mesmo sobre trancos e barrancos, o seu caminho de rigor e independência, aguerrido e livre, com um estilo próprio (porque as palavras valem), enquanto os leitores quiserem e apoiarem. E assim, dedicando-me à jornada seguinte, virando a página, deixo para trás quem, já por duas vezes, me andou a rosnar invecticas. Ouvi a primeira, e nem tinha de os ouvir segunda vez, investidos às canelas. Já nem os ouvirei quando ladrarem terceira vez. Ponto final sobre este assunto.

  • Somos nós ou eles, os palhaços?

    Somos nós ou eles, os palhaços?


    Portugal tornou-se um circo; sem rebuço, a casta parasitária utiliza vezes sem fim a eterna fórmula: problema, reacção, solução. Tem como único propósito controlar-nos, ridicularizar-nos e assaltar-nos ainda mais, pois nunca nada é suficiente para satisfazer a sua voracidade.

    Primeiro, fizeram-nos crer que existe um problema de habitação em Portugal – as barracas não foram erradicadas? –, atribuindo as respectivas responsabilidades aos proprietários de casas, aos empresários do negócio do alojamento local e dos estrangeiros com elevados rendimentos que procuraram o nosso país para viver, atraídos pelos incentivos fiscais que se lhes ofereceram: Vistos Gold, Residentes Não Habituais (RNH) e Nómadas Digitais.

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    Reparem, a compra de dívida pública pela máquina de imprimir notas do Banco Central Europeu (BCE), as taxas de juro 0% praticadas pelo BCE durante 10 anos, o inferno burocrático com que se deparam os empresários da construção, a pesadíssima tributação (IMT, IMI, IRS) sobre um “direito” constitucional, nunca foram um problema; nem tão pouco o IVA da construção ou da promoção não ser dedutível, ao contrário da esmagadora maioria dos países da União Europeia.

    Não nos esqueçamos da legislação “Mais Habitação”, um ataque sem precedentes à propriedade privada, congelamento de rendas, arrendamento coercivo, tributos extraordinários sobre o negócio do alojamento local e severas restrições ao seu licenciamento. Nada teve que ver com a recente escalada de preços.

    E o que dizer do pedido ao Governo pelos órgãos de propaganda para que se evite uma actualização da rendas em 2024 de acordo com a taxa de inflação, tal como aconteceu em 2023, num novo roubo aos proprietários?

    Nada disso, é o que nos diz o movimento Casa para Viver, o organizador da manifestação do último 30 de Setembro (a reacção); segundo o seu manifesto, tudo se deve à “ganância”, à “especulação desenfreada” e à inércia no combate “às alterações climáticas”, aparentemente a principal causa de toda esta desgraça.

    Ao contrário das manifestações “negacionistas”, desta vez, os órgãos de propaganda encarregaram-se de promover a manifestação Pela Habitação ao longo da semana que a antecedeu, pois as “pessoas já não aguentam mais”. Isto depois de três anos de um “ai aguentam, aguentam” de fraldas faciais, distanciamento social, inoculações experimentais e prisões domiciliárias em nome de vírus.

    E o que pediram as dezenas de milhares de pessoas que ocuparam as ruas de 24 cidades para lutar pelo “direito à habitação” e pela “justiça climática”? Para além de pedirem que não se construa – atenção, é mesmo assim! -, pois contribui fortemente para a “degradação climática”, esta era a sua lista de desejos: (i) fim dos despejos e das demolições sem alternativa de “habitação digna”; a (ii) descida, por via administrativa, das rendas; (iii) a renovação automática dos actuais contratos de arrendamento e, pasme-se!, (iv) a fixação do valor das prestações dos créditos para primeira habitação.

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    Vamos então traduzir isto por linguagem de crianças. Caso o inquilino não cumpra com as suas obrigações, isto é, deixe de pagar a renda, o proprietário não o pode expulsar e perde, na prática, a sua propriedade, claro está, se o indivíduo não encontrar uma alternativa “digna”! Só nos resta uma dúvida: quem define a alternativa “digna”?

    O proprietário, para além de não poder expulsar o inquilino em caso de calote e de lhe ser imposto um valor de renda abaixo do tenebroso “mercado”, é obrigado a renovar eternamente um contrato de arrendamento, obrigando-se a arrendar para sempre a uma pessoa que não lhe paga de acordo com os termos do contrato livremente negociado.

    Por fim, a cereja no bolo: os bancos passam a ter de conceder crédito a uma taxa de juro abaixo do seu custo de financiamento. Será que o movimento Casa para Viver está disposto a pagar do seu bolso novas falências bancárias? Como todos sabemos este sector é “especial”: se há lucros, é dos accionistas; se há perdas, é do povo.

    Nos dias seguintes, os órgãos de propaganda rejubilavam com o sucesso da manifestação, com vários avençados do regime a pedir sangue, pois a crise da habitação tinha atingido o “limite do suportável”. Também nos davam conta dos cartazes que por lá proliferaram; destaco dois: “Senhorio não é profissão” e “Morte aos Ricos”. Parece-me perfeito, na era da inclusividade e do cancelamento do discurso de ódio.

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    Depois do problema e da reacção, era agora a vez da solução. Esta veio com a entrevista na última Segunda-Feira. E qual foi o grande anúncio? Os residentes não habituais (RNH) iam acabar. Aparentemente, estrangeiros que investem em Portugal em casas de milhões de Euros são os bodes expiatórios de toda esta “crise”. Até tivemos uma professora de uma prestigiada escola de negócios que comentava desta forma a decisão: “Acaba mesmo a pouca-vergonha?”

    O número de circo não terminava por aqui, depois do palhaço rico era agora a vez dos palhaços pobres. Na Terça-Feira, tivemos um corte da Segunda Circular, em Lisboa, pela organização Climáximo, felizmente resolvido com prontidão e eficiência pelos populares.

    O que pretende esta organização? Apresenta-se como um colectivo anticapitalista, que defende a nacionalização da habitação – tal como um regime comunista, as casas são do Estado! -, o fim da polícia e do exército e empresas “democráticas”, em que as condições salariais são definidas pelos trabalhadores, em lugar do indivíduo que lá pôs o seu dinheiro. Deixo à consideração do leitor estabelecer a ligação entre isto e o combate “às alterações climáticas”.

    Nessa mesma Terça-Feira, num debate chamado “Sem Moderação” – atenção, não vejo -, José Eduardo Martins, membro da nossa “direita”, brindou-nos com esta intervenção, comentando um dos famosos cartazes da manifestação “Senhorio não é profissão”: “…o paradigma do senhorio português é o desgraçado que veio para Lisboa trabalhar, poupou, aforrou, ficou com uma dúzia de casas, e é essa dúzia de casas que arrenda. E, portanto, sim, é uma profissão!”.

    Para além de ficarmos a saber que a sua mãe é empresária, também pudemos constatar que os seus pais, em apenas uma geração, lograram sair da província, vir trabalhar para Lisboa, e construir um império imobiliário. Esta prodigiosa ascensão económica aproxima-se do milhão de contos depositados num cofre da mãe do famoso engenheiro, que até hoje não sabemos como foram convertidos em Euros. Sem dúvida que o Estado Novo afinal não foi a miséria e a escravidão que nos venderam, mas uma miríade de oportunidades económicas, bastando apenas o esforço de um qualquer meijengro para se obter uma fortuna.

    Infelizmente, a “direita”, da qual José Eduardo Martins faz parte, que governa o país há quase 50 anos com a “esquerda”, não consegue proporcionar tais oportunidades às novas gerações, nem tão pouco qualquer segurança jurídica, pois do que aforrou a mãe do José Eduardo Martins foi para comprar propriedade, “porque um país onde nada é seguro, nem os certificados de aforro, a pedra tinha valor”. Ou seja, apenas se indignam com a insegurança jurídica do país quando a mãezinha vê a sua propriedade ameaçada. Eis a nossa “direita”!

    A semana não se ficou por aqui. Também tivemos o partido socialista 3, mais conhecido por Chega – pede por mais Estado a toda a hora – e com um fetiche por ciganos, a pedir ao Presidente da Assembleia da República a condenação das agressões aos deputados do Chega que participaram na dita manifestação. Obviamente, que este não condenou, pois a encenação para eliminar o partido socialista 2, mais conhecido por PSD, tem de continuar.

    No final da semana, o circo apresentava o seu último número: a eleição de uma mulher transgénero – no meu tempo travesti – como Miss Portugal! Palmas para as feministas, pois conseguiram que um homem humilhasse as mulheres naquele que seria o seu ponto mais forte: a beleza! Até nisso vencemos as mulheres.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Saúde: uma autópsia – parte I

    Saúde: uma autópsia – parte I


    É preciso que todos saibam que relatórios a prever a situação actual não faltavam.

    É fundamental saber que desde os privados aos públicos, e mesmo os observatórios de saúde, foram deixando informação. O Conselho de Finanças Públicas, a Administração Central do Sistema de Saúde e até o Observatório Português dos Sistemas de Saúde, que “é constituído por uma rede de investigadores e instituições académicas dedicadas ao estudo dos sistemas de saúde e produz anualmente um documento síntese da evolução do sistema de saúde português.”

    É preciso reconhecer que a demagogia governamental e as suas capacidades em aldrabar a realidade se tornaram perversas e ilimitadas. Manuel Pizarro é um dos agentes da demagogia mais burilada. Há poucos dias afirmou que a crise da saúde se deve à melhoria do sistema que a política do Partido Socialista (PS) foi construindo.

    De facto, esta enormidade contraria os relatórios todos. Os portugueses vivem muito, mas sem saúde. O número daqueles que perderam Medicina Familiar aumentou 30% com o PS. A falta de médicos de família afecta 61% da população de Lisboa. Os médicos dentistas têm também documentos onde se prova a medíocre saúde oral dos portugueses. Os psicólogos têm documentos que comprovam a crescente presença de depressão e ansiedade sobretudo em jovens. Manuel Pizarro mente e não se importa, pois para ele o lugar de Ministro é uma apoteose, um momento de êxtase.

    Os médicos estão zangados porque não querem fazer mais horas extraordinárias. Alguém se pode opor a esta reivindicação? Cumprido o meu horário vem o patrão e manda fazer mais horas, pagas, mas acima do meu contrato. Só faz quem quer! A isso se chama trabalho extraordinário. Isto é básico e não carece de bitaites ou opiniões.

    Os médicos detestam urgências, sobretudo. Sim porque se transformaram num caos graças à destruição do atendimento primário. Hoje, qualquer pessoa que sente uma maleita por mais pequena que seja só tem uma porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde: a urgência.

    people in white shirt holding clear drinking glasses

    Imagine que trabalha com fruta e entram no mercado 1.500 pessoas por dia. Ou na loja de roupa com ritmo natalício todos os dias. Não se aguenta psíquica nem fisicamente. E estamos a falar de Saúde, de decidir sobre prioridades em que o tema é vida e falta dela.

    Sabia-se que os salários baixos acarretariam fugas dos técnicos para o privado. Sabia-se que estender prazos de atendimento na Medicina Familiar carregava as urgências. Sabia-se que reduzir o número dos que pagam taxas “facilitava” o acesso a urgências.

    O PS retirou 6% de proventos do SNS ao acabar com as taxas, deu a informação errada que a Saúde é de graça e não tem limites. O SNS promoveu métodos de medicina defensiva que acarretam protocolos e normas que aumentaram os exames complementares e as incertezas dos profissionais para dar altas.

    Não se construíram mecanismos de encaminhamento nem de resposta atempada. Não se promoveu a tecnologia como solução para consultas online. Os computadores hospitalares e a maioria dos programas lá instalados são dinossauros inadaptáveis à Inteligência Artificial.

    Deste modo, as Urgências converteram-se na voragem caótica onde se espera e desespera. No final, acabam por cumprir a sua função à custa da exaustão dos funcionários. Um auxiliar com salário mínimo é um recurso que não aumentou nos hospitais. A higiene em outsourcing não é chamada a aumentar a resposta à afluência. O número de camas por metro quadrado não permite retirar os doentes das ambulâncias.

    Mas este caos tem alguma coisa a ver com exclusividade? Esta falta de apoio aos médicos e enfermeiros melhora com a alteração do vínculo de trabalho? Claro que não!

    A demagogia culpabilizadora atacou a greve dos enfermeiros e silenciou a inédita greve dos farmacêuticos hospitalares. Agora vêm com inúmeras mentiras contra os médicos. Os biltres que o PS tem nas redes sociais a denegrir a cidadania, e a apoucar a opinião contrária, são mestres na ofensa e na propagação de injúrias.

    Os médicos estão em luta porque o sistema rebentou pela incúria, incapacidade de previsão, ausência de antecipação aos problemas, falta de soluções credíveis e sobretudo os inúmeros tiros nos pés que estiveram em roda livre.

    Retrato do Midjourney imaginando um hospital caótico em Portugal.

    O fim das PPP foi uma catástrofe para Loures, Vila Franca de Xira e Braga. Os centros hospitalares reduziram camas, aumentaram listas de espera, afastaram dos cuidados milhares de doentes. A aposta nos cuidados continuados é uma das grandes falácias que empurra os doentes para unidades onde não há qualquer tratamento de situações agudas, retirando o cuidar das famílias, transferindo para “lares caros” internamentos eternos e nas mãos de negócios, esgotando recursos válidos do lugar onde deviam estar.

    Continuarei na próxima semana…

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Epístola ao Doutor Full HD sobre vitamina D, desinformação e imbecilidade

    Epístola ao Doutor Full HD sobre vitamina D, desinformação e imbecilidade


    Caro Doutor Full HD:

    Quem tem princípios, por se conhecer as suas previsíveis linhas de conduta, geralmente não necessita de proclamar promessas públicas – excepto talvez os políticos, mas esses, sabemos, têm princípios volúveis, como glosou Groucho Marx, no século passado. Mas, tendo eu princípios, e não sendo político, confesso que faço auto-compromissos, não por uma razão de estratégia ou de receio de algo, mas numa base exclusivamente de empatia.

    Isto para dizer que, nos últimos meses, deixei de me preocupar com os seus ditos, os seus escritos e o seu folclore nas redes sociais e na coluna do Público, onde os seus pergaminhos de anestesiologista do Hospital Pedro Hispano, a par de umas louváveis campanhas de medicina em terras de guerra, o fizeram convencer que poderia tornar-se o arauto da desgraça e o inquisidor dos “desinformadores”, tudo isto numa linha de auto-beatificação como “Humanitarian Doctor” que já vinha antes de 2020. Eu sei, enfim, num momento criativo (lembre-se que sou também escritor, mas acho até, enfim, de obras de jeito), ajudei à sua fama, quando o rotulei, para a posteridade, de Doutor Full HD, o que nunca me pareceu desadequado, mesmo se jocoso.

    a glass bowl filled with yellow pills on a white surface

    Enfim, ao longo dos anos de pandemia (2020-2022), devo ter escrito sobre as suas diatribes umas três dezenas de vezes – e sei disto porque, entretanto meteu-me um processo judicial, sobre o qual decidi não pedir abertura de instrução porque o tribunal parece-me o local adequado para tratarmos destes assuntos.

    Aviso já que não o escolhi por uma questão pessoal, nunca sequer me cruzei consigo, mas sim pragmática, por vê-lo como um digno representante daquilo que pior se pode ter num médico ou de alguém que usa a Ciência para salvar vidas, mesmo na hipótese académica de estar bem-intencionado (o Inferno está cheio de bem-aventurados): a promoção do alarmismo, o incitamento à intolerância, a eliminação do debate, a recusa de novas abordagens terapêuticas (como se a Medicina fosse ciência exacta) e a adesão a populismos mediáticos bacocos que encontram na censura e na opressão de ideias diferentes uma punção quase sexual de poder.  

    Porém, ao longo de 2023, assumi o tal auto-compromisso de evitar falar sobre si, o que não advém absolutamente nada do seu pedido de indemnização de 45.000 euros, que me requere, com “muito amor” (que são sempre palavras que usa e pratica) na barra do tribunal, mas foi mais pelo facto de apresentar, no processo, dois pareceres, um de uma psicóloga e outra de um psiquiatra, onde até consta a medicação, cuja necessidade, assim se explana na acusação, tem única e exclusivamente origem e relação nos meus escritos sobre si. Condoí-me do seu estado, e mesmo desacreditando, como desacreditei da sua “verdade pandémica”, obriguei-me a deixar-me em paz, não querendo saber de tolices.

    Acabei, contudo, por ser impelido a me desobrigar do recato auto-imposto depois de me chamarem a atenção para a sua mais recente coluna de opinião no Público, patrocinada pela Fundação Manuel António da Mota, onde cozinhou um “refogado” de temas, com um propósito comum, onde misturou guerra da Ucrânia, vacinas contra a covid-19, alterações climáticas, igualdade de género, nacionalismo, discriminação religiosa e racismo.

    shallow focus photography of grains with sun

    Esta mixórdia de temáticas daria para uma enciclopédia de grossos volumes, mas sei de antemão que, para si, é coisa que se despacha, sem mais delongas, em meia dúzia de “sapientíssimas” palavras – bom, neste caso, foram 900 palavras e 4.265 caracteres (eu contei) –, e ainda deu até para, a despropósito, zurzir no Doutor Manuel Pinto Coelho.

    Não vou ser eu, ainda mais aqui, a querer defender o Doutor Manuel Pinto Coelho, de quem sou amigo e paciente [disclamer, portanto] nem sequer especular sobre se o “ataque” advém de uma sua eventual insatisfação quanto à estratégia de marketing que a Oficina do Livro decidiu adoptar para o seu próximo livro (Olhem para o Mundo com coração) tendo como comparação o que a mesmíssima editora virá a fazer em relação ao próximo livro do Doutor Manuel Pinto Coelho (Como viver sem diabetes). Como sabemos, ambas as obras serão publicadas este mês. Está feita a publicidade a ambos, o que acaba de ser uma opção salomónica.

    Não precisando o Doutor Manuel Pinto Coelho da minha ajuda para se defender, até por ele saber bem aquilo que nas circunstâncias deve fazer, estou já convencido, no caso da vitamina D, que, enfim, devo vir à liça. Para o lidar. Pois bem, doutor, li com assombro que, entre outros “crimes” de que acusa o Doutor Manuel Pinto Coelho de vender “o benefício (inexistente neste caso) da Vitamina D e outras substâncias na prevenção e tratamento desta pandemia que paralisou o mundo”.

    person holding orange and white toothbrush

    Caro doutor, eu já me cansei de argumentar sobre as questões extra-terapêuticas dos fármacos contra a covid-19, que, no auge da pandemia, tiveram menos de Ciência do que seria desejável, e muito mais de interesses em negócio das farmacêuticas do que seria aceitável. A História – com H maiúscula – costuma ser ingrata para o poder do passado, e o tempo costuma ser o carrasco daqueles que quiseram impor à força uma verdade, perseguindo supostos mentirosos, não pela certeza mas pela vileza.

    Aliás, a História, que liberta a Justiça e o Conhecimento, está rapidamente a demonstrar que as miraculosas farmacêuticas mais os seus miraculosos novos medicamentos estão sempre pouco interessadas em que se encontrem velhos fármacos para tratar doenças novas, porque, hélas, isso não lhes daria lucros fenomenais. E, portanto, tratou-se, durante a pandemia, com a ajuda de influencers sanitários, como o doutor, de denegrir determinadas terapêuticas (baratas, logo pouco lucrativas) enquanto se endeusavam instantaneamente novos fármacos (caros, logo muito lucrativos) como se estes fossem a quinta-essência, e os outros apenas remédios do demo.

    Basta lembrar o recente caso do antiviral Evusheld, retirado do mercado norte-americano por ineficaz, enquanto o Doutor Filipe Froes o promovia por cá, em lançamentos de marketing, ganhando dinheiro. Ou ainda o molvnupiravir, um “embuste” da Merck Sharpe & Dohme, que também já acabou ingloriamente os seus dias, depois da farmacêutica norte-americana ter facturado 6,7 mil milhões de dólares no ano passado.

    Basta lembrar também o uso do remdesivir, que apesar de ser um fármaco associado a uma inusitada quantidade de reacções adversas graves elencadas pela própria Agência Europeia do Medicamento, incluindo mais de 900 mortes, continua a ser candidamente comprado pelos hospitais portugueses, sob a “bênção” do Doutor Filipe Froes, que o recomendou à DGS não se sabe se como consultor da Autoridade de Saúde Nacional ou se como consultor da farmacêutica Gilead, porque trabalha para ambas, sendo que para a primeira entidade o faz pro bono e para a segunda pro bolso.

    man in black crew neck shirt

    Basta também lembrar que a Ordem dos Médicos nunca divulgou um parecer sobre a ivermectina – ou se calhar nem o quis fazer – que foi pedido pela Direcção-Geral da Saúde, depois de insistência de reputados médicos. Aliás, convém recordar que um ex-bastonário, Germano de Sousa, admitiu que o usou em modo profiláctico.

    Mas voltemos à vitamina D, até porque, esta semana, na sua página do Facebook, fez ainda o seguinte comentário a uma leitora, à laia de dogmática sentença, como é seu hábito: “Vitamina D não é eficaz para o tratamento ou prevenção da Covid, isso está mais do q[ue] provado… e é isso q[ue] está no texto… mas tem múltiplas outras indicações médicas comprovadas”.

    E, portanto, vamos lá evitar aqui chamar-lhe nomes, para que não haja necessidade de um reforço de medicação, ou de pedido de indemnização, mas pelo menos devo acusá-lo de promover a desinformação, nem que seja por ignorância, que me parece muita.

    Depois da “espuma dos dias” da pandemia, em que as farmacêuticas e as agências controlavam os media e até as revistas científicas (que simplesmente recusavam certos estudos), cada vez se mostra mais esclarecedor alguns avanços no conhecimento científico em redor da pandemia e das melhores terapêuticas contra o SARS-CoV-2. Poderia vir aqui com uma vasta listagem, que pode ser consultada aqui, e onde até estão, por exemplo, na The Lancet de Agosto de 2020, ou na Nutrients de Março de 2020 (já citada 2.275 vezes, segundo o Google Scholar), diversas recomendações, no início da pandemia, nunca seguidas (pelo contrário, atacadas), sobre os benefícios da vitamina D3. E não seguidas por culpa de muitos influencers sanitários, não sei se me faço entender….

    woman in black shirt wearing black sunglasses

    Mas prefiro salientar, para acabar de vez com o tema, um artigo de sistematização da Current Nutrition Reports, uma revista da conceituada editora científica Springer Nature, porque faz uma análise retrospectiva. E também para acabar de vez com a propagação da desinformação por si propalada, doutor.

    Publicado em Maio passado, portanto bem recente, intitula-se este artigo, no original, “A narrative review on the potential role of vitamin D3 in the prevention, protection, and disease mitigation of acute and long covid-19”, podendo ser lido na íntegra. Nem mais, aborda tudo, como se pode melhor confirmar numa tradução: “Uma revisão narrativa sobre o potencial papel da vitamina D3 na prevenção, proteção e mitigação da doença aguda da covid-19 e da long covid”. A vitamina D3 é analisada como terapêutica preventiva e curativa, tanto para a doença aguda como para a tal long covid. Acho que ainda não se estudou os seus efeitos para mitigar efeitos adversos das vacinas, mas chegará o tempo…

    Escreve a autora do artigo científico sobre o propósito da análise, traduzindo-se: “A pandemia da covid-19 desafiou os sistemas de saúde e economias globais desde janeiro de 2020. A covid-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, apresenta sintomas agudos respiratórios e cardiometabólicos que podem ser graves e letais. Sintomas fisiológicos e psicológicos a longo prazo, conhecidos como covid-19 de longa duração [long covid], persistem afectando múltiplos sistemas de órgãos. Enquanto as vacinas apoiam a luta contra o SARS-CoV-2, outros mecanismos eficazes de protecção da população devem existir devido à presença de grupos vulneráveis ainda não vacinados, comorbilidades globais da doença e respostas vacinais de curta duração. A revisão propõe a vitamina D3 como uma molécula plausível para a prevenção, proteção e mitigação da doença aguda (covid-19) e de long covid”.

    man in white thobe walking on grey and yellow concrete pavement

    E então, sem mais demoras, doutor, vamos às conclusões deste artigo que se baseia em 61 referências bibliográficas: “Manter a suficiência de vitamina D3 antes da infecção parece ser importante na redução do risco e da gravidade da covid-19 em indivíduos de todas as idades. Além disso, dadas as suas conhecidas propriedades protectoras e regenerativas em diversos sistemas de órgãos, a administração de vitamina D3 em indivíduos infectados com o SARS-CoV-2 pode promover tempos de recuperação mais rápidos e uma melhor sobrevivência. Mecanismos de acção específicos induzidos pela vitamina D3 em indivíduos que sofrem de covid-19 aguda ou de long covid precisam ser claramente elucidados, e estudos de suplementação devem ser consolidados. No entanto, evidências acumulativas cada vez maiores apoiam um possível papel para o uso de vitamina D3 na mitigação dos sintomas e do peso da doença aguda e de longa duração da covid-19, bem como na reparação de danos em órgãos associados à doença. Não foram relatados efeitos colaterais após a ingestão de doses mais elevadas de vitamina D3, conforme observado em estudos epidemiológicos em indivíduos afetados pela covid-19. Portanto, a suplementação de vitamina D3, o desenho de estudos e os regimes de dosagem devem ser revistos para incluir doses mais elevadas de vitamina D3 em estudos futuros, em comparação com as práticas actuais. Isso é especialmente relevante em subgrupos de risco, como idosos e indivíduos com obesidade, que podem se beneficiar de suplementação com doses mais elevadas por várias razões fisiológicas. O potencial da vitamina D3 como um candidato custo-eficaz na gestão e mitigação do peso da covid-19 merece investigação adicional, dada a ação mecanicista diversa e multipotente da vitamina D3 na manutenção da saúde e na prevenção de doenças”.

    Isto, meu caro Doutor Full HD, é Ciência do século XXI, enquanto aquilo que andou a fazer ao longo de mais de três anos foi a defender o sequestro e a usurpação dos princípios da Ciência ao estilo da Santa Inquisição de séculos de má memória. Que tome boa nota disto, enquanto prepara a sua estratégia no sentido de convencer a Justiça que eu devo ser extorquido em 45.000 euros para o compensar de eu o tratar como pessoas da sua laia devem ser tratadas…

  • Livrai-nos do NAL

    Livrai-nos do NAL


    É tradição, é cultura, é um subsídio ao humor nacional. A longa saga do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) é o nosso próprio “Dallas” encenado no Terreiro do Paço! Há lá rábula melhor do que aquela de que nem o pai morre nem a gente almoça, e já lá vão 50 anos, mas desta é que a Portela satura, ou nós saturamo-nos dela, mas agora fora de brincadeiras que sem NAL não há nação, e que o digam os maldispostos dos nortenhos que vieram cá baixo de trombas e tudo, só porque se lhes cancelou voos longos a partir do Porto, como se fosse mau saturar mais um bocadinho, senão veja-se o milhão de peregrinos que se transportou sem sobressaltos durante as Jornadas Mundiais da Juventude, e se nem isso vos convence então não sei mais que diga!

    Que a opinião pública engula esta comédia à colherada atesta bem o poder e a voracidade dos interesses que se perfilam para a manipular. Que de vez em quando se torre uns milhões em estudos infecundos e se agite a especulação imobiliária, é nacional e endireita as costas, mas outra coisa é concretizar a farsa ao fim de meio século e já muito depois das alterações climáticas terem passado da teoria à prática.

    an airplane wing flying over a large body of water

    Prevê-se que a obra se prolongue por 10 anos portugueses (aproximadamente 15 anos ISO), o que significa que o NAL ficará pronto muito depois de se ter transformado num objecto anacrónico, num monumento aos tempos em que com muita coragem e muita virtude se fechava os olhos ao óbvio, ainda antes do aquecimento global ter transformado o Sul de Portugal num Norte de África mais caro mas com um toque inequivocamente europeu nos MacDonalds. Perguntar-se-á então “Como é que foi possível” e ficaremos a saber que afinal toda gente era contra, e já o era desde 1968.

    Contudo, estamos em 2023 e a farsa ainda não saiu de moda. É preciso animar o mercado imobiliário, esse fiel mealheiro dos ricos, estourar milhões num elefante branco camuflado que vai exacerbar a macrocefalia lisboeta fazendo um aeroporto não em Lisboa mas num município vizinho que sirva Lisboa, e daí que nenhum partido ecologista (LIVRE, PAN, e Verdes) se tenha oposto frontalmente ao NAL, pois sede e dirigentes estão em… Lisboa (um município que perdeu moradores, segundo os Censos 2021); e por último é preciso abrir garganta e gargalo ao turismo, tão competente a exportar mão-de-obra como convicto a explorá-la, ou não fosse o turístico Allgarve a região continental mais pobre do país. Pois que interessa o derrapar de todas as metas para reduzir as emissões de CO2, as previsões cada vez mais sombrias, ou os humores das correntes termohalinas? Que interessa o aquecimento global a quem tem ar-condicionado? E se as colheitas não derem para pão, hão-de sempre dar para brioche.

    white and red passenger plane on airport during daytime

    Mas afinal o que propomos nós? Porventura não precisamos do turismo? E não está a Portela de facto saturada?

    Reconhecemos que há razões práticas, de saúde e de segurança para tirar o aeroporto da cidade, mas nem por isso deixa de ser má ideia caminhar em direcção ao desastre. A mesma Ciência que nos permite partilhar fotos das nossas cabeças tapando a Torre Eiffel também nos faculta sérios avisos sobre o futuro imediato — a prudência atempada sempre será melhor conselheira do que o pânico.

    Propomos que se distribua melhor o tráfego aéreo, que se encarregue especialistas e responsáveis de encontrar soluções com os meios que já existem, ou que sejam substituídos por especialistas e responsáveis competentes. Poupemo-nos ao enorme esforço financeiro que o NAL exige, e consequente favorecimento de uma indústria fortemente subsidiada, que além de não pagar IVA sobre o combustível ainda goza de mais 14 subsídios no espaço europeu, e invistamos desesperadamente na ferrovia, no ordenamento do território, nomeadamente na contenção da malha urbana, na gestão eficiente da água (reserva, distribuição e consumo), e que se prepare o país para o inexorável avanço do mar, que quanto a esse já nada há a fazer. Talvez assim se dê um forte sinal para dentro e para fora, transportando-se o testemunho recebido da França, que recentemente proibiu voos internos com alternativa ferroviária.

    a long bridge over a body of water on a foggy day

    O IPCC, o órgão das Nações Unidas que estuda as alterações climáticas, publicou o seu primeiro relatório em 1990, e previsão-após-previsão antecipou a realidade que hoje sentimos na pele; quanto ao futuro próximo, foi compondo pincelada-a-pincelada um quadro simplesmente aterrador. Disso ciente na teoria mas alheio na prática, o nosso Estado mostra-se dúbio nos momentos decisivos, constituindo-se assim num corpo nocivo que serve a interesses que não os nossos, e que continua a meter balas no tambor do revólver.

    Este apelo que muitos acolherão como infantil, pueril, irrealista, ou até demagógico, parecerá a cada ano cada vez menos um atrevimento e cada vez mais uma mera constatação da evidência e do óbvio, mas o prazer duvidoso de ter razão não compensa a vida menor que nos espera a todos, primeiro aos pobres e depois aos outros.

    Levante-se agora ou arrependa-se depois. Quem diz não ao NAL?

    Alberto Bettencourt, Oceanógrafo
    Filipe Martins, Informático
    Francisco Martins, Operador de Call-center
    Joaquim Monteiro, Engenheiro Mecânico
    Luísa Alvares, Farmacêutica (Saúde pública)
    Marco Craveiro, Imunologista
    Marta Setúbal, Arquitecta
    Paulo Carreira, Comercial
    Pedro Gomes, Engenheiro Florestal


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ensaio sobre os chalupas

    Ensaio sobre os chalupas


    Os dicionários ensinam que chalupa é “uma pequena embarcação com um ou dois mastros, usada sobretudo para navegação de cabotagem”.

    Depois, acrescentam que a palavra também pode definir “pessoa que perdeu o uso da razão, que não tem sanidade mental, que é demente, doido, maluco”.

    Conheço gente, cruzo-me diariamente com muita, a quem o segundo significado fica que nem uma luva.

    Não conseguirei distinguir a chalupa/embarcação, de um cacilheiro ou de um barco de pesca.

    Preferia que fosse o contrário, mas não sou conhecido pela minha sorte.

    man in black crew neck shirt

    Vem isto a propósito de um comentário do nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aos jornalistas do “Tal & Qual”, quando estes o questionaram sobre o seu equilíbrio mental, devido ao comentário que fez sobre o decote de uma jovem lusodescendente, no Canadá: “Ainda apanha uma gripe, já viu bem, com esse decote?”

    A questão, que tem a sua pertinência porque, a provar-se tal deficiência, seria motivo para a sua destituição do cargo, mereceu a seguinte resposta:

    Não estou maluco, estou igual ao que sempre fui, mas prometo quando tiver o primeiro sinal avalizado por especialistas, ou sentido por mim, telefono ao Tal&Qual e aviso que estou chalupa“.

    Foi pouco esclarecedor e confuso.

    Em primeiro lugar, o facto de dizer que está “igual ao que sempre foi” tanto pode provar que “ele não está chalupa” como “ele sempre foi chalupa”.

    Dúvida que fica mais forte depois do relato do jornal sobre caso idêntico passado em 2005.

    “Enquanto estava num jantar-conferência da Universidade de Verão do PSD, uma aluna de 19 anos, disse o seguinte ao então professor e comentador político: Gostava de dizer que o grupo azul não está hipnotizado, mas ouviu com toda a atenção e todo o prazer.

    Marcelo respondeu na altura: “Começo por dizer que hipnotizado estou eu com o decote da companheira! Obviamente não pelo decote, mas pela beleza da companheira!”.

    Em segundo lugar porque admite a hipótese de alertar a população para o facto de estar chalupa no caso de se sentir tal.

    Tanto quanto julgo saber, qualquer chalupa negará, sempre, que é chalupa.

    Pior, quanto mais chalupa for, mais veementemente se recusará a admitir que o é.

    Muitíssimo pior, se chegar ao apogeu da “chalupice” (seja lá isso o que for) até nos especialistas deixar de acreditar.

    Sei que o texto a que me estou a referir foi escrito em termos simpáticos, bem-humorados e a tentar tornar inócuos estes episódios.

    Comigo resultaria se, ao mesmo tempo, não houvesse outras frases bombásticas do nosso Presidente.

    Infelizmente, houve.

    O último exemplar da revista “Sábado” traz a seguinte citação de uma frase proferida pelo Presidente, na conferência da Confederação do Turismo:

    “Pela primeira vez estou optimista. Temia chegar ao fim do mandato sem sequer ver a primeira pedra do aeroporto.”

    A frase é ambígua, outra vez, porque não esclarece de que aeroporto fala e não é óbvio que a primeira pedra que ambiciona ver seja a indicadora da construção de um novo.

    Pode, muito bem, estar a falar da primeira pedra, lançada há décadas, no início da construção de um já existente.

    Pelo que se conhece de Marcelo Rebelo de Sousa, parece óbvio, todavia, que ele se refere ao sempre anunciado novo aeroporto de Lisboa.

    O Aeroporto Santa Engrácia.

    E isso é muito preocupante.

    Se se confirmar esta última hipótese seria caso para ser “avalizado” pelos especialistas de saúde mental.

    O seu segundo mandato – que é, como se sabe, de cinco anos – começou em 2021, pelo que dois desses anos já se passaram, e terminará, se tudo correr normalmente, em 2026.

    Marcelo pensará que, durante esse período, vai assistir, quiçá participar, ao lançamento da primeira pedra do novo aeroporto de Lisboa (digamos assim), que ainda ninguém sabe, ao fim de décadas de estudos, propostas e concursos, onde será construído.

    E diz isso sem se rir?…

    Há quem diga que “muito riso, pouco siso”.

    Neste caso, é exactamente o contrário.

    Dizer o que disse, sem se rir, é preocupante porque, quem não o conheça bem, vai pensar que falou depois de ponderar.

    E até acreditar no que diz.

    As suas palavras não serão tão graves como as garantias do seu antecessor sobre a qualidade das contas do BES, há que reconhecer.

    Todavia, a simples hipótese de acreditar na possibilidade que anunciou, vai deixar muita gente a pensar que, a qualquer momento, o “Tal & Qual” irá receber uma chamada preocupante de Marcelo Rebelo de Sousa.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Não se pode falar de imigração desenfreada? Ou deve-se?

    Não se pode falar de imigração desenfreada? Ou deve-se?

    É hoje um dos temas ‘tabu’. Salvo algumas excepções, e descambando sempre numa discussão ideológica e pouco racional, o debate sobre a imigração desenfreada – e repita-se, a imigração desenfreada – não encontra espaço nem tempo na sociedade civil. Tal como sucedeu na pandemia, ou em outras questões “fracturantes”, cria-se aqui um eixo onde apenas um lado é consensualmente aceite e as demais opiniões são proibidas. Não há lugar sequer ao meio-termo: ou se está visceralmente contra, ou incondicionalmente a favor.

    Aqueles que divergem, rapidamente são apodados de insensíveis e desumanos vilões que encolhem os ombros perante a desgraça alheia, ou pior – com sorte são xingados simplesmente de fascistas. Por outro lado, quem aceita sem reservas as crescentes remessas de imigrantes são os humanistas, os evoluídos, os solidários e os altruístas; enfim, os cidadãos exemplares com um lugar reservado no céu. Este compasso moral foi, nas últimas décadas, sendo paulatinamente estabelecido, até se cristalizar como uma verdade inquestionável. O problema disto é ser uma dicotomia simplista, e por isso errónea, que ignora a complexidade do tema e rejeita qualquer nuance.

    aerial view of people on shoreline

    Em Portugal, os imigrantes têm aumentado de uma forma galopante, sobretudo desde que António Costa é primeiro-ministro. Por exemplo, em Setembro noticiou-se que só este ano se passou de 781.915 imigrantes, no final de 2022, para os 980.000. São quase 200 mil. Por ano, nascem apenas cerca de 80 mil crianças e esse número apresenta uma tendência decrescente há décadas também porque muitos jovens portugueses tiveram de emigrar – e nos países onde lhes deram melhores condições lá têm os seus filhos.

    Sempre podemos dizer que os imigrantes que escolhem o nosso país procuram o mesmo, mas convém, já agora, ver se a “troca” faz sentido, sobretudo porque os nossos emigrantes, além de portugueses (o que, salvo melhor opinião, não é desonroso), saem agora com um curso superior, que é um investimento também público a ser aproveitado por países terceiros.

    Em Março, com as autorizações de residência automáticas para cidadãos da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), Portugal passou de uma política de portas abertas para portas “escancaradas”. Atendendo às enormes dificuldades na Habitação e na Saúde, é pertinente interrogarmo-nos sobre o porquê de tal decisão. Qual o intuito? É por pensar que duas ou três dezenas de emigrantes se podem encaixotar num T1 na Mouraria? É mesmo disto que o país precisa? É, sequer, uma medida recíproca e proporcional? Não. Facto é que, em apenas seis meses, mais de 151 mil vistos já foram concedidos.

    migration, integration, migrants

    Bem conhecemos as declarações diárias de personalidades políticas, incluindo membros do Governo , assumindo que tanto a população portuguesa como a europeia estão em queda livre, e apontando a chegada de imigrantes como a única saída para esta crise, para o aumento do PIB e para a sustentabilidade da Segurança Social. Mas esta será sempre uma solução artificial, além de ser um argumento facilmente desconstruído.

    Perante um Governo que não só permite, pela inacção, a debandada de portugueses – não criando condições para os jovens se estabelecerem como famílias –, forçoso é concluir que não existe vontade política de assegurar a renovação das gerações com portugueses de origem. Renovar é sempre bom, mas qual seria o mal se fosse sobretudo com portugueses. Ou ser humanista é abrir os braços aos imigrantes e escorraçar os portugueses?

    Quem defende uma imigração descontrolada costuma invocar um imperativo moral, que teoricamente faz sentido: gozando de um nível de vida superior, a Europa deve abrigar todos os estrangeiros porque é o “correcto”. Mas onde é que começa, e onde acaba, exactamente, a solidariedade destes bons samaritanos? Quando é que uma “ajuda” deixa de ser razoável e se torna contraproducente? E será que as objecções à imigração não têm legitimidade?

    Passkontrolle Passport control signage

    Quem responde “não” a esta questão, por regra faz vista grossa a consequências negativas; a começar pela perda de coesão e da identidade nacionais – Roma e Pavia não se fizeram num dia, e também a ausência de conflitos regionais (vd. Espanha) deve-se ao facto de sermos um país uno há mais de 800 anos. Mas esse nem é o pior mal, e os outros males são pouco humanistas. Receber imigrantes de braços abertos e deixá-los depois amontoarem nas ruas ou em habitações sem condição, atirando-os à pobreza, não é ser humanista. Deixá-los cair em redes de tráfico humano ou de extorsão, não é ser humanista.

    Bem sei qual é o outro lado da moeda: se um Estado restringe a entrada de imigrantes, esse Estado é xenófobo e racista. E também sei que se pode ser preso por ter e não ter cão: se aceita, então é-se acusado de não fazer o suficiente na integração. Nada de novo debaixo do sol, ou no “reino de Portugal” (leia-se, Dinamarca) : faça o que fizer, as culpas de todos os males do mundo recaem sobre o Ocidente. Não há avé-marias nem pais-nossos que lhe dêem a Salvação, depois de todos os pecados cometidos.

    Contudo, aqueles que fazem escárnio do legítimo direito do Ocidente em preservar o seu património cultural e identidade nacional, defendem-no curiosamente, na maior parte dos casos, esse direito para outros países. Na verdade, não é que desprezem a afirmação da nacionalidade: apenas parecem fazê-lo com aqueles que lhes são culturalmente mais próximos. Não preconizam a abolição de fronteiras ou a diluição de todos os países num mosaico multicultural de cidadãos sem noção de pertença e de raízes históricas, como expatriados dentro dos próprios países. Caso contrário, não poderiam condenar – como condenam – o colonialismo nem defender a soberania das antigas colónias e a sua independência e autonomia.

    white bird

    A sua aversão àquilo que denominam, com desdém, de “nacionalismo”, não se aplica, por exemplo, a nações africanas, árabes, ou aos países que empregam políticas estritas para “proteger” a sua composição demográfica, como a China ou Israel. A “conversa” da inclusão e da diversidade revela-se, assim, pura demagogia, ou uma flagrante hipocrisia. Apregoam o respeito pela singularidade dos diversos países e respectivos povos; mas só para alguns.

    Na verdade, e perdoe-se o pleonasmo, a verdadeira diversidade pressupõe a existência de países e culturas fortes, coesas e heterogéneas, que interagem saudavelmente entre si, em vez de um (ou muitos) melting pot (em) que nos querem “cozinhar”, sem se saber se, no fim, ficamos todos fritos, assados ou esturricados.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Azul

    Azul

    Viste os ecos azuis nos azulejos molhados do corredor que se estendia do balneário, frio, escorregadiço? Chinelos slap slap, cuidadosos, e o aconchego da toalha, a linha do elástico da touca, a repuxar cantos da pele, as coxas arrepiadas, a aproximarem-se de um degrau de chuveiro.

    O pudor tímido.

    O reverberar de água, motores, chlap, o mergulho daquele homem em braçadas ríspidas. O cheiro.

    Close-up of Water Droplets Against Blue Background

    Cheiro azul de cuspe, desinfectado, e gestos hesitantes (vais cair, vais cair!). Abandonar tudo num canto e chegarmo-nos junto a uma toca aquática, suave, tina de água tépida, e o cloro a entrar pela alma dentro (quando morremos o ar que nos abandona é o nosso espírito?)

    Cada pequeno pulinho, bailarinas em pontas, deita-te, que assim já te equilibras. Flutua, que assim já te moves com o movimento dos outros. Que mais fácil, que é assim, deitada, e o mundo navega na mesma.

    Claro, alguém passará, salpicando tudo em volta, sem delicadezas, agitando ondas e perturbando o sono leve. Que mais fácil que seria assim, com bolha que protegesse a cara da água fria, que viajou no ar, que pairou um segundo livre antes de se derramar na pálpebra fechada.

    Existe uma claraboia que deixa o sol se despejar por ali abaixo. Gaivotas pairando longe, flutuando no céu azul, (e tu a flutuares em azulejo), fazendo de conta que o tempo também flutua, que também balança, como mesa manca, só um bocadinho manca, só o suficiente para estremecer – e te deixar na dúvida se foste tu que vacilaste.

    flock of bird flying on sky

    Nadadores que se escondem debaixo de água, a encolher o nariz, ao romper a película transparente, ouvem os brilhos azuis das pessoas que deslizam junto à borda?

    Que brilho tens tu quando estás sem roupa e tiritas pelo mundo fora? Sabes que se não tiveres medo das gotas, que fogem livres da dança dos outros, te podes aquecer num abraço, e se chorares ali ninguém vê? Porque é tudo azul. E o tempo flutua.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O activista ambiental e a falta de neurónios

    O activista ambiental e a falta de neurónios


    Independentemente da bondade dos objectivos, a opção por acções menos convencionais tem, na generalidade dos casos, um grande inimigo: o próprio activista que, imbuído de um espírito de missão e alcandorado pelo estímulo do seu grupo, nem sempre se apercebe que pode até estar a agir bem, mas no lugar errado e no momento errado. E isso bota ao fracasso a sua acção, lança a opinião pública contra si e, pior ainda, o alvo da sua “fúria” transforma-se primeiro numa vítima e depois num herói.

    Se observarmos a História dos movimentos contestatários em questões ambientais nos países democráticos – nos outros a “coisa” é bem diferente, e geralmente corre mal em perspectivas mais dramáticas –, as acções mais eficazes são sempre envolvidas em muito mediatismo, mas sem afectar o quotidiano da comunidade, antes sim das empresas ou governantes que contribuem para o mal que se ataca.

    O Mundo perfeito imaginado pelo Midjourney.

    Por exemplo, não se critica a opção pelo uso de SUV furando pneus, como recentemente aconteceu em Lisboa. Talvez seja mais sensato aumentar as pressões políticas para se criarem normas que condicionem esta opção de compra por muitas pessoas, privilegiando os princípios do utilizador-pagador e do poluidor-pagador.

    E quando falo em pressão política é mesmo falar em pressão política, mas sobretudo continuada. Não largando o osso, sendo chato e persistente. Demora tempo e paciência. Não é, por certo, furando pneus, atirando sopa em quadros de museus, lançando tinta a um ministro, e outras coisas similares. Tudo isso é não só ridículo como sobretudo contraproducente. Os visados, no caso os políticos ou os empresários, até agradecem.

    Ainda há dias, no rescaldo do episódio da tinta na camisa do ministro do Ambiente – em que ele saiu airoso numa conferência de verdadeiro greenwashing mediado pela imprensa mainstream –, pensei no desastre mediático do radicalismo durante a pandemia, sobretudo aquando do processo de vacinação dos menores.

    Um ministro do Ambiente imaginado pelo Midjourney.

    Hoje, não existem dúvidas sobre a insensatez – ou até crime – da intolerável pressão sustentada pelos media, pela DGS, por políticos, por influencers sanitários para pressionar pais e jovens para a administração de uma vacina (sobre a qual não sabemos tudo) para proteger contra uma doença que, naqueles grupos etários em condições saudáveis, é de risco praticamente nulo.

    No entanto, bastou uma acção radical de manifestantes num centro de vacinação em Odivelas em Agosto de 2021, envolvendo o então responsável da task force, para deitar por terra qualquer debate. Gouveia e Melo chamou um figo aos insultos, tornou-se um herói depois daquela noite – e até um putativo candidato a Presidente da República – e os manifestantes nada mais conseguiram, dali em diante, do que o rótulo de negacionistas para si e para aqueles que desejavam debate e maior transparência. Ainda hoje, se sente esse impacte negativo.

    Por esse motivo, quer seja na pressão para mais medidas para o combate às alterações climáticas – e, independentemente das origens, elas estão presentes – quer seja para mais acções políticas e empresariais em prol de uma verdadeira mudança de paradigma energético (e não de uma mudança de player no negócio da energia), uma das coisas que os jovens activistas ambientais devem ter consciência é de que precisarão sempre, mais tarde ou mais cedo, da sociedade, das pessoas, para que se aumente a pressão sobre os governos.

    Um cenário apocalíptico imaginado pelo Midjourney.

    Não se consegue que, por exemplo, haja uma maior aposta no metropolitano ou no caminho de ferro fechando a Segunda Circular através de um espontâneo e pouco resistente cordão humano que tem apenas o condão de irritar condutores, a tal ponto de ser confrangedoramente terminado por um arrasto em maus modos por condutores apressados.

    Talvez se conseguisse mais, e melhor – se é que apreciam mesmo fazer cordões humanos –, obstaculizar então a saída dos automóveis dos governantes das respectivas garagens dos ministérios. Para que pensem mais em soluções, e na verdadeira poluição atmosférica, em vez de se pavonearem em inócuas promessas e em vãs declarações de intenções, enquanto ilibam empresas amigas e culpabilizam as pessoas em geral. Nas primeiras vezes, para que pudessem ir para casa, os activistas poderiam até fazer uma vaquinha para lhes oferecer bilhetes para os transportes públicos. Para esse peditório, eu dou…