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  • Serviço Nacional de Saúde: as saudades que tenho do ‘SNS do Arnaut’

    Serviço Nacional de Saúde: as saudades que tenho do ‘SNS do Arnaut’


    O que se passa com a Saúde em Portugal?

    Ouvimos críticas diárias da população, em geral, e de praticamente todos os políticos que não sejam os do Partido no Poder.

    Os médicos e os enfermeiros andam em luta, há meses, com reivindicações que o Governo considera impossíveis de atender.

    doctor holding red stethoscope

    Os Bombeiros não conseguem fazer o seu trabalho em condições, já não só por falta de verba mas porque as suas ambulâncias ficam paradas, durante horas, às portas dos hospitais, porque os doentes que transportam têm de ficar nas macas das viaturas por não haver camas vagas no edifício.

    A maior parte dos hospitais vão perdendo médicos especialistas levando a que os seus antigos utentes se tenham que deslocar para outras localidades, muitas vezes a dezenas de quilómetros de distância. 

    No entanto, sempre que o Primeiro-Ministro se debruça sobre este tema é peremptório: nunca houve tantos médicos em Portugal, o número de consultas tem aumentado em dezenas de milhares todos os anos, tal como as cirurgias e, mais, nunca se investiu tanto na saúde como nos dias de hoje com o Orçamento do Serviço Nacional de Saúde a chegar aos 14 mil milhões de euros.

    Fiquei um pouco mais esclarecido – sobre o que tem levado a esta aparente contradição, de haver cada vez mais médicos, consultas, cirurgias e dinheiro, mas, em simultâneo, um aumento nas queixas por dificuldades nos atendimentos, incluindo aos doentes em risco, e um descontentamento generalizado de médicos, enfermeiros e utentes – quando li um texto do Professor Miguel Gouveia, da Universidade Católica de Lisboa.

    Escreveu ele:

    O problema é que no SNS estes profissionais de saúde têm uma produtividade baixa. A raiz do problema não é apenas a redução do horário de trabalho de alguns profissionais para as 35 horas semanais. As estimativas da produtividade por hora trabalhada indicam que mesmo nesta perspetiva mais específica a situação se deteriorou.

    Porque é que a produtividade dos profissionais de saúde baixou? Não é por falta de esforço ou pelas poucas horas de trabalho. Pelo contrário, as preocupações são que muitos profissionais de saúde estão em situação de “burn out”, ou seja, no limiar ou para lá do esgotamento. Como se explica então que haja mais médicos, que estes trabalhem tão intensamente e que tantos problemas de saúde não sejam resolvidos?”

    Quando eu pensava que o Professor Miguel Gouveia seria mais um a apontar para o envelhecimento da população como razão principal para o problema, fiquei surpreendido ao constatar que, sendo este um dos motivos apontados, os dois principais culpados deste caos, para ele, são a má gestão dos hospitais e “o não financiar de forma razoável as unidades de cuidados continuados, na sua grande maioria não estatais” fazendo com que “o Estado tenha estado a estrangular estas unidades e a reduzir a sua capacidade de oferta de cuidados e logo a forçar o desvio para dentro do SNS de muitos consumos de recursos”.

    Este texto, que devia ser de leitura obrigatória, é elucidativo sobre a criação e ampliação deste enorme problema, mas dá, também, algumas pistas para a sua correcção.

    Se, pelo menos, os responsáveis o tivessem em conta, talvez fossem evitados alguns dos dramas que se vivem nos nossos hospitais e que já vão sendo de tal modo frequentes que começamos a ser cúmplices das maiores vergonhas e humilhações a que os cidadãos que procuram cuidados médicos estão sujeitos.

    Nem que seja pelo silêncio e pelo engolir da revolta.

    É que a remodelação profunda no Serviço Nacional de Saúde também passa, ou deveria começar, pela consciência que todos os que ali trabalham deveriam ter pela gente fragilizada, muitas vezes em pânico, que a eles recorre como sendo a sua última esperança.

    Sim, muitas vezes estes profissionais estão esgotados, e legitimamente zangados, pelo modo como o Estado, e alguns utentes, os tratam.

    Sim, muitas vezes sentem-se impotentes por não terem os meios para o cumprimento escrupuloso da sua missão e têm que improvisar, que fazer horas extraordinárias e deixarem a sua vida, e a dos seus, para trás.

    No entanto, há linhas limite que não podem ser ultrapassadas. Custe o que custar.

    Esta semana atingiu-se o apogeu da falta de profissionalismo no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde uma jovem de 32 anos, grávida de oito meses, foi informada, numa consulta de rotina, que a filha “não tinha batimentos cardíacos”.  

    Foi medicada “para induzir o parto” e mandada para casa.

    No dia seguinte regressou ao hospital para o parto mas, por não haver pessoal para o realizar, voltou para a sua residência com o feto na barriga.

    A jovem optou por não ficar na enfermaria porque iria ficar “com outras mulheres grávidas ou recém-mães com os seus bebés” o que, obviamente, iria aumentar o seu terrível trauma.

    Só três dias depois o parto foi feito.

    woman in white lace sleeveless dress standing beside brown wooden crib

    Sou um acérrimo defensor do Serviço Nacional de Saúde e estou imensamente grato aos seus fundadores e a todos os profissionais com que me tenho cruzado.

    Mas sei que nem eles se revêm naquilo em que ele se transformou.

    Tenho saudades do meu SNS.

    Do SNS de António Arnaut.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Sai mais uma ciclogénese explosiva, um rio atmosférico e um comboio de tempestades para a mesa do canto…

    Sai mais uma ciclogénese explosiva, um rio atmosférico e um comboio de tempestades para a mesa do canto…


    Sou um jornalista que adora mistérios – que, na verdade, revelam tão-só uma coisa: ignorância. E adoro mistérios porque detesto a ignorância. A minha própria, para começar.

    E, por isso mesmo, por pura ignorância minha continua a ser um mistério para mim os recorrentes temas abordados pela directora-adjunta do jornal/rádio Observador, Filomena Martins.

    gray asphalt road under gray clouds

    Por Zeus!

    Por Hermes!

    Por Tyche!

    Por Néfeles!

    Por Zéfiro!

    Por Éolo!

    Por Bóreas!

    Por Notus!

    Por todos os Anemois!

    Por Tutatis!

    Filomena Martins diz, na sua biografia, que “depois da paixão pela história e da prática obsessiva na área da arqueologia”, acabou licenciada em Comunicação Social, tendo passado pelo Record, Correio da Manhã, Sábado e Diário de Notícias, antes de ingressar em Março de 2015 no Observador. E conclui: “O resto é história”.

    Não é só história; é meteorologia também, mas da dura, ao melhor estilo do jargão meteorológico, onde não há apenas chuva, sol, humidade relativa, pressão atmosférica e, vá lá, um ‘anticiclonezito’ dos Açores.

    Não. A directora-adjunta do Observador – que em 44 textos escritos este ano, 34 vezes dedica-os à meteorologia – não é assim tão simplista. Por exemplo, hoje anuncia que a tempestade Domingos “não será tão devastadora como a sua ‘irmã’ Ciarán, porque a ciclogénese explosiva se produzirá no mar”.

    Na pena de Filomena Martins, aquilo que em tempos não muito longínquos seria, enfim, um temporal outonal – cujos estragos causados se devem mais ao péssimo planeamento biofísico do território (o saudoso arquitecto Ribeiro Teles explicava isso muito bem) e à ainda pior gestão de equipamentos urbanos (a começar pelas sarjetas) – transforma-se numa “das mais violentas tempestades a atingir o Reino Unido nesta altura do ano”, sendo a “depressão mais grave e profunda da temporada”; é, enfim, “trocando por miúdos”, para citar textualmente a directora-adjunta do Observador, é “um ciclone bomba”.

    E porquê? Porque, explica ela, “a forma como evoluiu o tornou raro, mesmo muito raro. Falamos de uma tempestade em que a pressão atmosférica deve cair 29 hPA num só dia, quando o limite de uma ciclogénese já explosiva na nossa latitude costuma ser de 20/24 hPa em 24 horas. Ou seja, a intensificação vai acontecer de uma forma extremamente rápida, daí tornar-se tão violenta”.

    Eis o melhor estilo do atirar um número ao calhas e com uma unidade sobre a qual o vulgo nada sabe e a jornalista nada explica. Só para impressionar e assustar. Ah!, já agora hPa são hectoPascais, que são 100 Pascais, coisa que a jornalista Filomena Martins acha que não precisa de dar nem de contextualizar. Antigamente, usava-se mais os bares, mas agora não deve ser tão vendável… As voltas que o circunspecto Anthimio de Azevedo deve estar a dar…

    green leaf tree under cloudy sky

    Tudo nos textos meteorológicos de Filomena Martins – que seguem uma escola, mas em que ela se transforma em sacerdotisa – remetem para o trágico, fatal, sinistro, aterrorizante, cruel, diabólico – e patético, acrescento eu.

    Nunca na minha vida (como técnico e como jornalista), em que me debrucei e li muito sobre eventos meteorológicos extremos, alguns com tendência crescente de frequência, tinha assistido, como no último ano, a títulos da imprensa como – e vou citar títulos da Filomena Martins – “rio atmosférico atravessa centro do país”, ou ainda “Portugal atingido por um comboio de tempestades”, ou ainda “Furacão Franklin+DANA espanhola = nova tempestade”, ou ainda “Oscar: vem aí uma tempestade rara para esta altura do ano. E pode trazer um “rio atmosférico” na quarta-feira”, ou ainda “Esta quarta foram batidos seis recordes de temperaturas de abril. Mas o pior chega amanhã”, ou ainda “Vêm aí dois dias com umas gotas de chuva. E depois uma semana de forno, em que se pode chegar aos 35ºC”, nestes casos sempre com mapas de amarelo para cima e nunca muito abaixo de vermelho, que melhor sempre se mostra meter encarnado em cima de vermelho.

    A loucura que se passou na pandemia – com a comunicação social a desejar e a promover o “quanto pior, melhor” – está agora a tentar seguir o seu caminho com as alterações climáticas, onde se confunde e exagera cada evento meteorológico diário, como se fosse, cada pingo de chuva ou cada subida de nível do mercúrio, uma prova irrefutável do aquecimento global.

    Como tenho defendido, e continuarei a defender, existem evidências de uma intensificação de fenómenos climáticos em determinadas regiões do Mundo que devem merecer acção – e mais de adaptação já do que de inversão de emissões –, mas não pactuo com falácias, nem hipocrisia e não assino linhas de comunicação que assentam no susto, no pavor, na manipulação. Ainda há duas semanas abordei essa questão num absurdo artigo do Expresso sobre a Torre de Belém.

    Pior ainda, sou visceralmente contra a banalização comunicacional de eventos meteorológicos, através da emissão de constantes alertas amarelos, laranjas e vermelhos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). E sou contra o uso de jargão técnico que, no contexto do quotidiano, são percepcionados de uma forma distinta. Não cuidar da comunicação, exagerando e exacerbando, faz-me sempre lembrar a história do lobo e do Pedro: com tanto alerta, certo dia ninguém acreditará nas Filomenas Martins – como eu já não acredito.

    E isso não é necessariamente bom, nem sequer para as causas que supostamente certos jornalistas, por moda, defendem sem saberem da poda. E sou sobretudo contra este nível de comunicação porque serve para desculpar tudo e um par de botas, como se tem visto com o (contínuo) excesso de mortalidade em Portugal.

  • Miguel Sousa Tavares na taberna da Inquisição

    Miguel Sousa Tavares na taberna da Inquisição


    Quando Miguel Sousa Tavares, no seu habitual espaço de comentário na CNN, perguntou a José Alberto de Carvalho se ele casaria com a Miss Portugal, imaginei que a polémica rapidamente estalasse. Pensei se deveria contribuir para isso, numa altura em que Gaza arde e o massacre de palestinianos já ultrapassa as 9.000 mortes.  Achei, ainda assim, que haveria um ponto interessante nesta discussão, que não propriamente um concurso de misses. Voltarei ao genocídio em curso na Faixa de Gaza na próxima segunda-feira, no meu sexto texto sobre o tema, aqui no PÁGINA UM.

    Começo por dizer que só percebo o rasgar de vestes pelos tempos em que vivemos, onde as fogueiras da inquisição são substituídas pelas redes sociais. Precisamos de causas para a indignação 24 horas por dia. Não há nada, absolutamente nada que se diga ou escreva, que não ofenda pelo menos um ouvinte ou um leitor.  

    People At The Bar

    Miguel Sousa Tavares foi deselegante e brejeiro. Importa pouco para a discussão sobre um transsexual num concurso de misses, se ele acha o produto final apresentável, com ou sem plásticas. Um estúdio de televisão não é o sítio adequado para conversas de taberna ou para as questões que, imagino, o Miguel Sousa Tavares deve colocar aos amigos quando vai às perdizes, ali em redor do monte alentejano em Mora.

    Também não sei se este comentário teria incendiado opiniões se fosse feito a propósito de uma mulher biológica ou de um homem, biológico ou não. Notem até que para escrever isto, não sei bem como me referir às pessoas em questão porque imagino que alguma formulação possa ofender seja quem for. Para o termo “mulher biológica”, usei uma expressão dita pela própria miss, numa entrevista dada ao JN no dia 22 de Outubro.

    Talvez seja um defeito geracional, acredito que sim, mas cresci a ver descrições nada simpáticas de personalidades portuguesas sem grande celeuma da sociedade em geral. Nos premiados bonecos do “Contra-informação”, programa que durante muitos anos foi transmitido pela RTP diariamente, a antiga deputada comunista Odete Santos era representada por uma imagem particularmente feia. Manuela Moura Guedes aparecia com uns lábios enormes (tal como Guterres), e Marques Mendes como um pigmeu. Sempre achei as caricaturas mais suaves para uns do que para outros, e questionava-me se os visados não se sentiriam desconfortáveis. O programa (de sátira política) era genial, entenda-se, mas a forma como algumas pessoas eram caracterizadas estaria hoje na categoria de body shaming.

    Importa-me muito pouco o tema de “nascer A mas sentir-se B”. Se um humano se identificar como gato e passar o resto da vida a lavar-se com a língua, mesmo que necessite de retirar umas costelas para atingir tal objectivo, não vejo qualquer problema nisso. Não me incomoda, absolutamente nada, que cada pessoa faça o que quiser da sua vida (e do seu corpo) para se sentir melhor. A parte que me parece mais discutível e com algum interesse é a forma como o todo é afectado pela escolha individual. Espero conseguir explicar esta frase.

    Não é fácil, pelo menos para mim, acompanhar todas as etiquetas que a sociedade vai criando para catalogar preferências sexuais, de género, religiosas, alimentícias e sei lá mais o quê. Acabo por ficar no campo que imagino ser o do bom senso, que é: sejam felizes, mas não me obriguem a defender a teoria do pensamento único onde tudo, todos e a toda a hora cabem em todos os sítios. Não dá. Não é ser inclusivo, é ser idiota e abrir caminho ao disparate eterno.

    Se um homem se sente bem num corpo de mulher, tudo bem. Para mim, até esse momento não há discussão. É uma decisão individual. Se deve entrar num concurso de misses? Já tenho as minhas dúvidas e essa não é certamente uma decisão de uma só pessoa; é da sociedade. E notem, uso o concurso de misses porque é daí que vem a frase infeliz do Sousa Tavares. Num mundo civilizado, não existiriam concursos onde as mulheres são avaliadas pela sua beleza. Seja lá isso o que for. Quando nos dizem, e bem, que vivemos num mundo machista, os concursos de misses são exactamente uma das provas disso.

    Mas essa discussão é interessante. É por aí que quero ir. Deve uma mulher transsexual concorrer a uma disputa de misses? Em teoria, não teria qualquer vantagem, logo, não vejo grande problema. Mas se assim for, a bem de evitar qualquer discriminação, deve um homem que se identifica como mulher ou uma mulher que se identifica como homem, poder concorrer em qualquer competição restrita ao género no qual se identificam?

    No caso de um concurso de beleza, julgo que ninguém vê vantagens aparentes. Ou até no Festival da Canção, onde Conchita Wurst venceu, também não vislumbro qualquer relevância na escolha de género. Se as vitórias forem em nome das escolhas justas (mais bonita, melhor voz), seja lá qual for o critério, e não o “vamos apoiar a coragem e dar o prémio para marcar uma posição”, então tudo bem. Se por oposição, acontecer como em 2022, onde, a propósito da invasão russa, a Ucrânia ganhava todas as competições onde entrava, por solidariedade dos restantes, então já me faz alguma confusão.

    Mas se com beleza e voz, em princípio, não há aparente vantagem na troca de géneros, o que acontece, por exemplo, numa competição onde o físico marca a diferença? O caso de Lia Thomas, a primeira mulher transgénero a vencer um campeonato nacional de natação nos Estados Unidos. Um nadador desconhecido e com resultados modestos na competição masculina que, ao concorrer no género com o qual se identifica, passou a ganhar, causando desconforto nas mulheres biológicas com quem competia. Neste caso, há um claro benefício em usar a parte biológica para obter resultados no outro género.

    People Gathered Near Building Holding Flag at Daytime

    Como resolver a situação? Como é que se garante a liberdade individual das escolhas sem prejudicar o colectivo? Criam-se competições só para trans? Arranjam-se mais umas caixinhas?

    Em tempos, trabalhei com uma pessoa chamada Teresa. Chamemos-lhe assim. Durante dois anos cumprimentei-a todos os dias e dirigi-me a ela com o nome com que se apresentara. Um dia, informaram-me que ela deixara de ser Teresa e agora se identificava como Roberto. A pessoa que estava à minha frente era a mesma, mas, a partir daí, eu deveria tratá-la por Roberto. Foi o que fiz. Mas nunca a consegui ver como um homem. E é aqui que as liberdades se cruzam e devem respeitar. Ela sentia-se melhor como homem num corpo de mulher e com um nome diferente. Eu passei a chamar um
    nome de homem a um corpo de mulher, respeitando a escolha da minha colega. E espero eu, que ela, aliás, ele, tenha conseguido compreender que, aos meus olhos, eu via exactamente a mesma mulher com outro nome.

    Quem sente e muda, vê uma coisa; quem acompanha a mudança, vê outra.  E isto não tem de ser necessariamente negativo. Se todos conseguirmos lidar com as diferenças de opinião e pudermos aceitar as escolhas, sem impor doutrinas, então temos uma boa base para conversar e chegar a qualquer lado.

    Portrait of Woman Wearing Teal Eyelashes

    Se quisermos obrigar toda a gente a escrever “todes“, para não ofender quem não se identifica com o género masculino ou feminino, ou aceitar que um homem passa a ser uma mulher só porque ele diz que sim, então vamos andar a saltar de gritaria em gritaria, e de barricada em barricada, sem chegarmos a grande porto de abrigo.

    Enfim, a questão, para mim, não é se a Miss “marchava” ou não pelos pergaminhos do Miguel Sousa Tavares.

    Conversa de taberna será sempre conversa de taberna, e obviamente não cai bem no Jornal da Noite. A questão, na verdade, é se uma mulher trans deve ser legalmente equiparada a uma mulher biológica. Se sim, temos um caminho onde casos como o de Lia Thomas passarão a ser comuns. Se não, teremos de criar uma infinidade de casos, regras e leis que tragam conforto a todos os tipos de identificação. Para aquelas que hoje conhecemos e para aquelas que possam seguir.

    A Man Looking at the Woman Wearing Brown Hijab

    Nenhum dos caminhos me choca. No primeiro, vejo uma mulher, bem mais flexível que homens, a ganhar ouro olímpico no all around de ginástica masculina. No segundo, vejo o código civil de cada país a ter novos volumes em cada ano. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Nada disso me assusta. Aquilo que me assusta é o radicalismo na discussão de ideias e a necessidade de impor regras ao pensamento do vizinho.

    Miguel Sousa Tavares tem um pensamento, que está longe de ser isolado, sobre um transsexual num concurso de misses. Não é a minha visão e, se fosse, não a diria certamente no Jornal da Noite. Mas, ainda assim, ser inclusivo não é queimar Miguel Sousa Tavares no lume brando das redes sociais. É perceber como se faz a inclusão do indivíduo sem ser injusto para com o todo. Essa é a discussão certa. O resto é apenas ruído, radicalismo e taberna. Vossa e do Miguel.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Polegares para fora

    Polegares para fora

    É como aquele abraço, o corpo cede, as mãos rodeiam, em volta das costas, mas os polegares ficam estendidos, para fora, recusando o toque, recusando agarrar… Um passo para trás, um pé de fora.

    Agora, a noite chega mais cedo, todos sentimos o aviso do inverno, um novo inverno que acabrunha a mente, a pensar como aquecer a toca para nos escondermos. E suponho que a leste, pelas mesas e cadeiras emboloradas onde o regime do comediante herói treme, o horror do avanço da neve nas botas russas alucine as mentes cegas (polegares para fora), cismadas na fantasia gelada e petrificada de medo do gigante europeu, que é asiático.

    person in black long sleeve shirt

    O Zé envelheceu, entretanto, profundamente, embrulhado e implodido na recusa em admitir ter sido usado como peça menor neste jogo americano de vergar velhos europeus como colunato avançado contra a ameaça chinesa. Encorrilhado na noção que os traficantes de guerra das televisões, confortavelmente aquecidos e maquilhados debaixo do holofote brilhante, deixaram de falar nos ossos ucranianos que se espraiam nas planícies de Zaporizhia.

    A crença terá sido sincera. Que eram bastiões de um ideal europeu, democrata, ocidental… Que estavam a combater o mal e a defender o bem… Que cada vida de uma geração chacinada na lama, por estes anos, valia o sacrifício e elevava o legado de homenzinhos arrogantes que julgavam o seu papel na História como glorioso a conduzir jovens para a morte vã…

    Que parvoíce. A glória. A vã glória (polegares para fora.)

    Os únicos vencedores no jogo da História mantêm-se na sombra, a engordar as teias de influência obscura. Repousam em almofadas fofas em Genebra, entretidos a debater formas de comunicar o apocalipse climático e manter o gado informado e obediente nos cercados.

    Soldier Holding Rifle

    Enquanto o Zé perde o sono e repara que Israel é afinal o novo bastião dos valores e dos ideais superiores da ideologia vigente, contra o avanço da areia nas botas jihadistas, os ratos que o rodeiam começam a encher todos os bolsos com riquezas portáteis. Tudo se assemelha em ecos do passado, quando um lunático líder entrincheirado num bunker vociferava que o Reich de mil anos nasceria em cima das costas de todos os alemães estendidos sob as bombas aliadas.

    Nos corredores aumentam os sussurros de como resolver a saída de cena do palhaço triste, que tipo de punhal cravar entre as suas costelas. Se a História for meiga com o Zé, surgirá um breve momento de lucidez na sua cabeça que o fará envergonhadamente fugir, já, fugir para longe, esconder-se do mundo que o quer devorar. Mas se o medo dessa vergonha for demasiado insuportável, talvez a Primavera nasça em cima das suas costas, estendido sob a deslealdade de quem lhe bateu com as mãos no lombo (polegares para fora).

    De Gaza vemos as crianças estendidas entre sangue e escombros. Pequenas. Partidas. Convulsões que nos cortam o ar. Mães e pais que gritam ou mães e pais que já nem lá estão, ficando os corpos debaixo de toneladas de pedra, e aquelas crianças sozinhas, mãos enluvadas tentando acudir-lhes o corpo sem saber por onde começar.

    Guerra – que nojo.

    Unrecognizable multiracial guys showing thumbs up gesture

    Se não existissem homens e mulheres aprestando-se a serem botas, veríamos crianças mortas na areia ou corpos abandonados na geada de leste?

    Recusem. Digam não. As armas estão nas vossas mãos, pela glória de um Zé vacilante, medroso, de um Bibi aviltante, sorridente e psicopata, de um pobre velho Joe, demente, gaguejando chavões dados em cábula por falcões.

    Se as pessoas despirem o uniforme, estendendo armas, e recusando o seu uso, nos pés destes patetas, veremos que a carne cobrindo-lhes o esqueleto cansado é afinal igual à do inimigo que mandaram matar. Vejam-se nus. Para que serve um exército?

    Porque mantemos soldados ao fim de centenas de anos de história de holocaustos e vísceras espalhadas por entre pedras? Porque permitimos perder agricultores a enfiar as mãos na terra semeando alimento, enquanto insistimos em promover coveiros a enfiar o futuro na lama semeando a morte?

    Polegares para fora.

    Soldiers in Line to Get in a Plane

    Não queiramos bandeiras, fronteiras, muros ou países, que se alimentam de soldados, todos nossos filhos, condenando-os, assim, sem pejo, a mortes frias e violentas, em prol de medrosos, fanáticos e dementes, que se arrastam por veludos vermelhos sem sequer sentirem o peso da culpa a crescer-lhes nos tornozelos.

    Não há direito de defesa. Não existe. É a mentira com que os maquilhados e quentes debaixo de holofotes brilhantes nos violam a alma, decididos a salgar a terra por abstracções inúteis. E é a mentira com que se convencem fanáticos nas ruas a maltratar outro ser humano.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Eu quero estar no ranking dos jornalistas mais odiados pelas agências de comunicação

    Eu quero estar no ranking dos jornalistas mais odiados pelas agências de comunicação


    Quando se pensa que já se chegou ao fundo do poço, há sempre alguém que puxa por uma picareta e continua a cavar. Se estiver muito duro, vai mesmo com martelo pneumático. É neste estado que se encontra o jornalismo português: ainda longe de atingir um fundo por mais baixo que esteja.

    O caso da eleição pelos funcionários das agências de comunicação – que trabalham para empresas privadas e instituições públicas – dos “jornalistas mais admirados”, ou amados, e também do top 15 das equipas de jornalistas, mais parece uma ‘rábula’ do PÁGINA UM que, ao longo dos últimos dois anos, tem denunciado, com casos e nomes concretos, a promiscuidades de alguns jornalistas e directores editoriais que somente têm contribuído para o pântano da imprensa. Imaginei fazer um trabalho dessa natureza, mas daria demasiado trabalho e aumentaria ainda mais o lote de ‘inimigos’ entre a classe.

    Não precisei disso. Houve mesmo uma consultora, a Scopen, que se predispôs, recorrendo a votos das agências de comunicação, a uma eleição dos ‘jornalistas mais fofinhos’ – daqueles que o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas aprecia, que a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista ama e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social glorifica. E assim se destacou os seguintes jornalistas, por ordem de preferência: Joana Petiz (Novo), Ana Marcela (Eco), Maria João Vieira Pinto (Marketeer), Maria João Lima (Marketeer), Ana Maia (Público), Carla Borges Ferreira (Eco), Miguel Prado (Expresso), Cátia Rocha (Observador), Fátima de Sousa (Briefing), Margarida Vaqueiro Lopes (Exame), Isabel Vicente (Expresso), Mariana Bandeira (Jornal Económico), Karla Pequenino (Público), Ricardo Costa (SIC), Mariana Dias (Dinheiro Vivo), Rosália Amorim (TSF), Vítor Andrade (Expresso), Fernando Paulo (Imagens de Marca), Maria Teixeira Alves (Jornal Económico), Nuno Vinha (Jornal Económico), Carla Jorge (Lusa), Susana Oliveira (Lusa), Pedro Duriães (M&P), Bruno Roseiro (Observador), Tiago Neto (Sábado), Bento Rodrigues (SIC) e Cláudia Silva Carvalho (Time Out).

    A informação oficial indica, não os mencionando, que houve mais 105 jornalistas referenciados pelos funcionários das agências de comunicação como “best journalist to work with”.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Que as agências de comunicação tenham perdido o pudor, não surpreende. Tudo se faz já às claras com directores de jornais a darem boas-vindas a parceiros comerciais das empresas gestoras de órgãos de comunicação social e jornalistas a fazerem simultaneamente trabalho de marketing e escrita de notícias (ou publicidade encapotada em notícias). Mas, pelos Céus, listarem publicamente os best journalists to work with? Assumirem que trabalham com jornalistas e assumem que gostam mais de um do que de outros?

    Mas para que esta patetice se transformasse em drama teria de se colocar a cereja no topo do bolo. Por exemplo, a revista Forbes – um dos títulos da Media N9ve, que integra o semanário Novo, agora dirigida por Joana Petiz, titulou ontem: “Jornalista da Media9 é a mais admirada pelas agências de relações públicas”.

    O jornal ECO também se congratulou com o facto de ser “um dos meios de comunicação social com menções por parte dos profissionais de agências de comunicação quando questionados sobre os ‘jornalistas que mais admiram’”, destacando mesmo as posições das suas duas jornalistas, Ana Marcela e Carla Borges Ferreira.

    O incómodo que este ranking causou na classe – obrigando mesmo o Sindicato dos Jornalistas a fazer um comunicado de imprensa relâmpago – só demonstra que se está perante a lei da barata: quando há agências de comunicação que ‘amam’ jornalistas, e listam duas dezenas, então é porque há 200 que, escondidos, chafurdam na promiscuidade.

    Por isso mesmo, só aceitarei um dia estar num ranking se for sobre os mais odiados pelas agências de comunicação – seria um fidedigno indicador de estar a fazer um trabalho rigoroso, sem vergar a interesses económicos ou políticos, em prol do verdadeiro jornalismo.

  • Orçamento do Estado é uma PPP: perfeita peça de propaganda

    Orçamento do Estado é uma PPP: perfeita peça de propaganda


    Como acontece todos os anos, há dias, o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de Orçamento do Estado para 2024. Segundo os seus ‘autores’, o documento reflecte as “orientações de política económica e orçamental do XXIII Governo Constitucional para o próximo ano económico”.

    Atente-se: segundo o Governo, tais políticas visam reforçar os rendimentos, o investimento público e privado, proteger o futuro. É sempre bom saber que o plano de assalto ao nosso bolso para 2024 visa precisamente “reforçar” o dinheiro que lá existe; ou de que somos demasiado estúpidos para decidir sobre o destino a dar ao fruto do nosso trabalho.

    O segundo partido socialista do parlamento, chamado PSD, que partilha o butim há décadas com o primeiro partido socialista, conhecido por PS, diz-nos que o documento é “pipi, bem apresentadinho e muito betinho”; enquanto aquele que defende uma ideologia totalitária, denominado PCP, diz-nos que “consolida a injustiça fiscal e avança com novas linhas de ataque à segurança social”. Gostaria que me explicassem como é possível obter “justiça fiscal” distribuindo uma pilhagem à população? Em que exactamente consiste um ataque a um colossal esquema em pirâmide, mais conhecido por Segurança Social?

    Vejamos então as pérolas do documento. O seu início reserva-nos uma explicação mirabolante para o fenómeno inflacionário que presentemente vivemos. Reparem: não resulta da impressão massiva de moeda durante a putativa pandemia, mas de “um conjunto de choques do lado da oferta, de origem externa…” que caiu do céu aos trambolhões, inesperadamente, sem ninguém ter-se dado conta.

    Enquanto nos fechavam em casa, encerravam negócios de forma arbitrária e impunham fraldas faciais a toda a população, incluindo crianças em idade escolar, ninguém reparou que as despesas públicas eram pagas da seguinte forma: vendia-se dívida pública – que subiu cerca de 30 mil milhões de euros aproximadamente entre 2020 e meados de 2022 – aos bancos portugueses, para seguidamente a venderem com elevados lucros ao Banco Central Europeu (BCE).

    E como o BCE adquiria a dívida pública aos bancos? Imprimindo notas de monopólio, por outras palavras, gerando inflação. Como é óbvio não existia nem existe poupança privada perdulária suficiente para adquirir tal lixo.

    E de que forma se gastavam as notas de monopólio? Em resgates de companhias aéreas falidas, em milhares de milhões de euros em “vacinas” inúteis, em testes que nada diagnosticavam, em fraldas faciais que nada protegiam e em funcionários públicos em casa sem trabalhar. Como é óbvio, quando este exército de privilegiados finalmente saiu à rua para gastar, os preços dispararam. Qual a surpresa?!

    Partamos agora para os números do Orçamento do Estado. Na página 128, ficamos a conhecer a dimensão do assalto: em 2023, será de 11 mil euros a cada português – atenção, inclui crianças e idosos –, e em 2024, será de 12 mil euros aproximadamente, algo como 48 mil Euros por uma família de quatro pessoas! Ou seja, caso não fôssemos assaltados subrepticiamente por consumir, por trabalhar, por poupar, por receber uma doação, por investir, por sermos proprietários, um dia destes, por respirar, no final de 2024, apresentar-nos-ão uma conta de 12 mil euros por pessoa!

    Na página 67, temos uma secção de comédia: “Medidas de mitigação do preço dos combustíveis”. No caso de um litro de gasolina 95, por exemplo de 1,761 Euros, os tributos hoje representam 51,8%, ou seja, sem o acto de latrocínio, o litro custar-nos-ia 0,849 Euros! Se querem na verdade “mitigar” o elevado preço dos combustíveis é fácil: parem de assaltar, que ficam baratos.

    Mas a parte verdadeiramente hilariante é quando analisamos o despojo denominado Imposto sobre Produtos Petrolíferos, mais conhecido por ISP, que sobe de 2.981 milhões de euros em 2023 para 3.381 milhões de euros (ver página 140). Reparem: são medidas para “mitigar”, mas resultam numa mão mais funda ao nosso bolso, neste caso de 38 euros por português – não custa nada, é só mais 3,2 euros por mês.

    A “receita” de ISP para 2024 não chega a superar o roubo que nos fizeram a favor da Bancarroteira Nacional, mais conhecida por TAP, pois ainda seria necessário confiscar mais 120 milhões de euros. Reparem que o dinheiro “oferecido” à Bancarroteira Nacional, para fazermos regressar as caravelas do século XXI, serviria para termos gasolina abaixo dos 90 cêntimos por litro durante um ano e mais um ou dois meses!

    Por outro lado, a subida da “receita” de 2023 para 2024 dos impostos indirectos é de apenas 2.749 milhões de euros, ainda assim insuficiente para cobrir o dinheiro “injectado” na Bancarroteira Nacional.

    Na página 158, tomamos conhecimento de que o pessoal do Ministério do Ambiente e Acção Climática vai receber um aumento de 17,5%; não sabemos se por contratação de pessoal ou por aumento do salário individual médio auferido por cada um. Uma coisa é certa: dinheiro não faltará.

    Mas o verdadeiro bónus vai para o Ministério da Habitação, com uma subida de 169%, passando de 10,2 milhões de Euros em 2023 para 27,5 milhões de Euros em 2024 as suas despesas com pessoal. Afinal, importa acarinhar um “direito constitucional” e uma ministra com um currículo extraordinário.

    Concluindo: o pessoal dos Ministérios é acarinhado com um aumento nominal de 6,2%, o que, tendo em conta a inflação prevista (2,9%), significará um aumento real de 3,4%. A festa por aqueles lados continua e nunca houve ou haverá qualquer “crise”. Já não podemos dizer o mesmo em relação à generalidade da população que tem dificuldades crescentes em chegar ao final de cada mês.

    Também temos medidas de “apoio ao crédito habitação”, o que na verdade significa que uns portugueses são assaltados para ajudar a pagar a prestação da casa de outros portugueses. Mais uma vez, opta-se por “dar” o fruto do saque à população sob a forma de esmola, em lugar de deixar o dinheiro que ganharam do seu trabalho no seu bolso. Aquilo que importa é manter a população subserviente e acomodada, obedecendo cegamente à mão que lhe dá de “comer”.

    A melhor parte do documento está assente numa enorme distração: a discussão sobre o aumento brutal do Imposto Único de Circulação – mais conhecido pela sigla IUC – sobre os automóveis com matrícula anterior a 2007. O objectivo foi alcançado: tivemos controvérsia. No final, vai haver um recuo, mas estamos todos a olhar na direcção errada.

    O verdadeiro roubo virá do Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI), e já estão a preparar-nos para tal, com o anúncio de que existe “um desalinhamento do valor patrimonial tributário (VPT) face à realidade do mercado”. Traduzindo: o valor das nossas casas junto das Finanças irá subir brutalmente para reflectir a tal inflação que eles criaram. Ou seja, já se tributa a própria inflação!

    Desde a implementação deste regime que o assalto violento ao nosso bolso não pára de subir: em 2004, prevendo-se outro máximo de 38% do PIB! Em resumo, o que significa tal proposta: mais um plano de assalto anunciado com recurso à mais vil e infame propaganda.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • ERC: das cem páginas sobre o Notícias Viriato até à sem vergonha sobre a Global Media

    ERC: das cem páginas sobre o Notícias Viriato até à sem vergonha sobre a Global Media


    Na verdade, não quero ser acusado de desinformação. São mais de cem páginas. São 135 páginas. Atentem bem: 135 páginas. Os mestrados, por norma em diversas universidades, não podem ultrapassar as 80, por vezes bastam duas ou três dezenas. Mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social decidiu disponibilizar meios e tempo para uma investigação exaustivíssima ao sítio electrónico Notícias Viriato, que andou activo durante o período pandémico, mas que deixou de dar sinais de vida desde 1 de Fevereiro de 2022. Já lá vão quase 21 meses.

    Aliás, ninguém sabe do seu responsável, António Abreu, que, apesar do voluntarismo, não se poderia dizer jamais que fizesse jornalismo, apesar de estar inscrito na Entidade Reguladora para a Comunicação Social que, como se sabe, integra tudo e um par de botas.

    ERC: regulador que regula quem deve ser regulado.

    Enfim, mas certo é que alguém da ERC decidiu que, dando entrada uma denúncia sobre o Notícias Viriato por ser “um site de desinformação”, em 12 de Janeiro de 2020 – portanto, há mais de três anos e nove meses – se deveria fazer um tratado sobre a coisa. E, portanto, três anos e nove meses depois, lá temos a Deliberação ERC/2023/341 (OUT-NET), que, para efeitos de regulação (do ponto de vista académico, concedo que terá algum), serviria para pouco mais do que limpar o anel posterior se não fosse sair apenas em formato digital. Até porque não eram necessários três anos e nove meses nem 135 páginas para concluir, sobre um site que nem sequer está activo há mais de uma vintena de meses, o óbvio: “não sendo um órgão noticioso, mas apresentando-se como tal, o Notícias Viriato engana o público”.

    Mas, enquanto a ERC gasta tempo e meios para dissecar inutilmente o Notícias Viriato, já sobre a dívida colossal e escandalosa ao Estado por parte da Global Media moita-carrasco. Instado várias vezes pelo PÁGINA UM a explicar as razões pela qual não investiga as contas da Global Media – que tem participação na Agência Lusa – para saber o motivo de não estar identificada a entidade pública a quem esse grupo de media tem um calote de 10 milhões de euros, a ERC tergiversa.

    Atente-se às justificações hoje transmitidas por correio electrónico a um pedido de esclarecimento do PÁGINA UM.

    Embora diga que “não obstante, pontualmente e por razões proporcionais e necessárias, poder recorrer ao cruzamento com outras fontes disponíveis para verificar o cumprimento” das exigências de informação verdadeira no Portal da Transparência dos Media, a ERC diz depois que, como “o universo de regulados é vasto”, procura promover “o tratamento equitativo de todos eles”. Portanto, o pasquim da Vila da Pocariça deve ser regulado da mesma forma que a Global Media…

    [Bom, a atender pela actual tiragem do Diário de Notícias talvez até faça, assim numa primeira análise, algum sentido.]

    E depois confessa, em seguida, que “não dispõe de fundamento legal e meios para aplicar sistematicamente o grau de escrutínio” que o PÁGINA UM sugeriu: a simples análise dos Relatório e Contas, que qualquer licenciado em Economia, Gestão ou Contabilidade sabe fazer em cinco minutos.

    E, por fim, depois de umas considerações sobre a ausência de menção na lista de devedores à Autoridade Tributária e Aduaneira – e é esse mesmo um dos problemas da Global Media: uma tão grande dívida, que supostamente não será fiscal ou então está a ser escondida por razões políticas –, a ERC ainda diz que o objectivo da Lei da Transparência dos Media tem “implícito um horizonte temporal de médio/ longo prazo por forma a ser possível, correta e fidedignamente, ‘a promoção da liberdade e do pluralismo de expressão e a salvaguarda da sua independência editorial perante os poderes político e económico’”, concluindo que, “neste enquadramento, recomendamos que a informação da Plataforma da Transparência seja lida na sua globalidade e não num horizonte temporal de curto prazo”.

    Marco Galinha

    Basicamente, a ERC quer que o PÁGINA UM esqueça o assunto, porque a ERC não quer incomodar os negócios da Global Media, nem quer que se saiba quem autorizou, sem mexer uma palha, um acréscimo de calote público em sete milhões de euros em apenas um ano, nem quer investigar se houve ‘condições’ políticas e financeiras para que Marco Galinha e seus sócios continuassem docemente a agir como se nada se passasse.

    Para a ERC, andar por aí um órgão de comunicação social a dever 10 milhões de euros ao Estado, a acumular prejuízos de 42 milhões de euros desde 2017 e com estranhas movimentações da sua estrutura accionista, não é problema nenhum.

    Grave, grave será um site de uma só pessoa, inactivo desde Fevereiro de 2022, não é? Isso sim merece investigação detalhada de mais de dois anos com 135 páginas.

  • Comentar os comentadores

    Comentar os comentadores


    O domingo é, em semanas boas e de alguma sorte, o meu dia de folga. Tento, nessa altura, desligar-me da realidade e fazer qualquer coisa que me relembre como a vida era antes de 2020. Tenho a sensação que desde que embirraram com o morcego que trazia o covid-19, nunca mais o Mundo foi o mesmo. Ficámos com os movimentos restritos, perdemos empregos, ficámos sem casas, multiplicaram-se as guerras, levantámos mais muros, empobrecemos em larga escala.

    Viver agora numa pequena ilha, algo remota, tem a vantagem de me permitir desligar do Mundo, se assim quiser. Vou pedalar pelas encostas, ver o mar, caminhar na areia, enquanto o mar não a leva para passar o Inverno, ou então escondo-me na garagem, a arranjar o que estiver na lista de afazeres domésticos.

    Ontem foi dia de fazer lego para adultos, também conhecido por Ikea. Uma pessoa pode fugir da Escandinávia, mas há sempre uma parte que nos persegue. Em princípio, já é tarefa para irritar por si mas, não satisfeito com a hipótese, resolvi deixar a televisão ligada e fui ouvindo análises, debates e podcasts em atraso. Devo dizer que os melhores momentos desta experiência aconteceram quando tinha o berbequim ligado e deixava, por isso, de ouvir os comentadores locais.

    A cada dia que passa constato que, salvo raras excepções, os comentários e análises nas televisões portuguesas são de uma tal pobreza que me pergunto se o campo de recrutamento será assim tão limitado. Enquanto partia a cabeça de um parafuso, deixando o resto dentro da parede (qual seria a probabilidade?), ouvia Helena Ferro de Gouveia (HFdG), sempre naquele tom calmo e pensado, a dizer que Israel já tinha perdido a guerra da comunicação, mas tinha o dever de se defender à luz do direito internacional.

    HFdG é o paradigma dos comentadores televisivos com uma agenda presa por ideologia. Não se limitam aos factos e às informações que conseguem recolher. Moldam a opinião dos ouvintes com a sua opinião formada, muitas vezes, por uma ideologia que não se consegue disfarçar. Não tenho nada contra o debate de opiniões; não gosto é de ver esse exercício a ser apresentado como análise isenta de factos.

    turned-on flat screen television

    Há mais de um ano que ouço HFdG defender activamente o empobrecimento generalizado da população europeia como resultado do incondicional apoio à Ucrânia, para que esta se possa defender da invasão russa. Como todos os que defendem esta tese (mais bombas pela paz), HFdG coloca o relógio do conflito na Ucrânia com início para Fevereiro de 2022, e daí traça toda uma série de cenários onde, basicamente, se deve alimentar militar e financeiramente a Ucrânia até que o último soldado ucraniano morra. É, em resumo, a teoria americana. Ou seja, usar sangue ucraniano enquanto der, até se enfraquecer a Rússia de forma a que fique sossegada nos próximos anos e deixe americanos e chineses a dividirem as rédeas do globo.

    Agora, no caso de Gaza, perante factos semelhantes (um invasor e um invadido), a nossa Helena volta a acertar o relógio para o dia 7 de Outubro (ataque do Hamas) e ignora olimpicamente os 70 anos anteriores para apelar ao direito de defesa israelita. Aqui, o estatuto de invasor já não colhe, como se percebe. Mas pior mesmo, é ver a lista de mortos a crescer diariamente naquele território sem fuga possível e ver como alguns dos nossos comentadores, com HFdG à cabeça, a tentar justificar o injustificável.

    O “direito de defesa de Israel”, frase que já não consigo ouvir, significa, ao fim de 20 dias de bombardeamentos, um saldo de 8.000 mortos, 7.000 dos quais em Gaza e, notem este detalhe, mais de 3.000 crianças. Ou seja, em cálculos simples, a cada 10 minutos morre uma criança na Faixa de Gaza. Isto não é o direito à defesa: é um genocídio com o alto patrocínio dos Estados Unidos e boa parte da União Europeia.

    Estamos novamente na discussão redutora: se não se defende a carnificina em Gaza, então somos apoiantes do Hamas. Já o disse e repito que não acho o Hamas benéfico para a libertação da Palestina, mas pergunto: quem pode criticar o aparecimento de movimentos radicais de libertação entre um povo encarcerado? Recupero aqui uma frase de Miguel Tiago durante um debate com Tiago Mayan Gonçalves: “durante a guerra do Ultramar, também o Estado Novo chamava terroristas aos combatentes que lutavam pela independência dos colonizadores”. Portanto, a visão da História depende sempre de quem a conta e do momento temporal em que é discutida.

    Há ainda outro detalhe que raramente se discute nas televisões portuguesas, a propósito deste conflito: Israel não permite a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza e, como tal, tudo o que vemos e ouvimos são relatos do exterior. Em alguns casos, como são as intervenções de Ana Sofia Cardoso (CNN), estamos perante peças altamente sensacionalistas, a largos quilómetros do conflito e sempre a procurar mostrar o sofrimento no interior de Israel.

    Eu percebo ser difícil mostrar os dois lados quando a entrada em Gaza não é permitida, mas, convenhamos, com crianças a morrer todos os dias debaixo dos bombardeamentos israelitas, torna-se algo anedótico um momento de reportagem com uma janela partida numa prédio intacto, por causa de um rocket do Hamas. Ou ‘rámas’, como a própria Ana diz, fazendo as vezes de Milhazes do Médio Oriente.

    green tree on brown sand during daytime

    Mudei o canal porque não consigo mesmo ouvir mais este nível de hipocrisia e racismo básico.

    Entretanto, resolvi o problema do parafuso sem cabeça. Não foi bonito de se ver, acrescente-se.

    Paro na RTP e estou na análise de Rui Moreira. O tema é a TAP. Não prevejo grande futuro, mas lá está, como já vos expliquei, não resisto a um bom acidente.

    Desligo o berbequim, porque adivinho asneira da grossa. Rui Moreira analisa o veto presidencial ao negócio da venda da TAP e, entre outras coisas, explica que alguns dos grupos interessados já foram falar com ele, enquanto presidente da Câmara do Porto, por causa do investimento pretendido no Aeroporto Sá Carneiro. Segundo ele, a Iberia estaria interessada em passar muitas rotas para lá, dadas as limitações existentes em Lisboa. Expliquem-me, porque o meu limitado vocabulário de emigrante me vai pregando rasteiras, se a palavra “incompatibilidade” ainda está contemplada no dicionário da Língua Portuguesa.

    Como é que um homem que há anos faz campanha contra a TAP pública, com o aberrante argumento que “não serve o Porto”, pode agora estar no papel de comentador a opinar sobre a venda, hubs, interessados e o que melhor serve Portugal,quando há anos que faz, a proveito dos votos, exactamente o contrário? Não há um mínimo de vergonha na cara e alguma coerência no alinhamento informativo? É a RTP, caramba! Não é a CMTV. Exige-se algo mais.

    Voltei a carregar apressadamente no comando e passei pela homilia do Paulo Portas, que desfazia António Guterres, a propósito das declarações do secretário-geral das Nações Unidas sobre o aumento da violência por parte de Israel. Aqui não aguentei sequer um minuto, e decididamente não entendo como há espaço de propaganda e restauração de imagem para políticos que se viram envolvidos em escândalos de corrupção, abuso de poder ou conflito de interesses.

    José Sócrates, Paulo Portas, Miguel Relvas, entre outros, estiveram debaixo das objectivas em diversos momentos das respectivas governações por crimes, suspeitas ou abusos. Como é que aparecem nas televisões, algum tempo depois, como senadores da opinião e alguém a quem os portugueses devem prestar atenção? Não há mesmo mais ninguém? Como é que um político português a quem ainda hoje não se conseguiu retirar toda a verdade do desastre da compra dos submarinos, pode vir criticar Guterres, depois deste ter sido o único dirigente do mundo ocidental a alertar para o genocídio que acontece em Gaza?

    Desisti da televisão e passei para os podcasts. O primeiro era o do Rogeiro com o Milhazes. Ao fim de cinco minutos, já ouvia o Milhazes a dizer que “não nos podemos esquecer da Ucrânia”, como quem faz um apelo de emprego. Compreendo-o. Quem é que quer perder receita depois destes dois anos de sonho? Foi sol de pouca dura e continuei a desfazer móveis ao som de uma playlist do Spotify que era exactamente por onde deveria ter começado. E ficado.

    Motherland Monument among green trees on embankment in Kiev

    Enfim, mas o que custa afinal fazer jornalismo mostrando os dois lados do mesmo conflito? Custa assim tanto dar às pessoas as diferentes versões do mesmo tema e deixá-las formar opinião livremente? Na Al Jazeera, um destes dias, via um painel com um professor de História Árabe, um antigo funcionário das Nações Unidas ligado à ajuda humanitária em Gaza e um antigo membro da Mossad.

    Portanto, um debate com três visões (duas delas totalmente opostas) sobre um conflito com 75 anos. Não há um despejar de narrativas e muito menos horas e horas de especulação criada a partir de um lado. Há discussão, troca de opinião e um verdadeiro debate com argumentos de parte a parte que permite, a quem vê, criar uma opinião mais informada.

    Parte da nossa pobreza e atraso estrutural vem, também, da forma como aceitamos tudo aquilo que alguém, sentado num estúdio de televisão, nos diz. Mesmo que a coerência não exista, o contraditório seja raro e os argumentos mudem entre situações semelhantes.

    Em 10 milhões de habitantes, não deve ser assim tão difícil conseguir ouvir pessoas, em análises televisivas, com mais conhecimento e menos ideologia. E certamente, mesmo entre os antigos políticos que tanto parecem apreciar, devem existir duas mãos cheias que tenham mesmo feito os cursos através de aulas e exames ou não tenham desviado dinheiro público.

    Se a bitola está na CMTV, então tudo bem. Se queremos um pouco mais do que uma população que ainda vê o Big Brother, então é preciso dar um pouco mais do que palha em horário nobre. A começar pelos canais de informação.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Uma história de ausências em oito anos

    Uma história de ausências em oito anos


    A forma como se gerem os lixos urbanos envolve as autarquias, mais do que o Governo, mas obrigaria a uma acção ministerial e da Agência Portuguesa do Ambiente. Há já oito anos que saiu Passos Coelho e o pagamento por tonelagem em aterro continua a ser o padrão-moeda para o lixo.

    Não houve aposta na reciclagem, na redução de consumos, na educação para uma política de recolha mais elaborada. As autarquias ganham muito mais em levar para aterro do que em reciclar. A ideologia diz que o lixo não pode estar com os privados, não pode ser gerido por empresas que revolucionariam este assunto. A realidade mostra, porém, que o Continente e o Pingo Doce, por exemplo, têm feito mais do que o Governo para reduzir desperdícios.

    Close-Up Photo of Plastic Bottle

    O Governo elabora discursos pouco razoáveis, ideologia anti-pasta de papel e anti-plástico, mas esquecendo as consequências de medidas específicas ou a indicação para melhores práticas. O plástico permitiu embalar líquidos que hoje estão nas mãos dos clientes, e que, de outro modo, seria impossível lhes chegarem. O uso de tetra brick (com plástico, papel e folha de alumínio) substitui algumas embalagens de plástico, mas não permite tudo.

    O sangue ainda não pode ir no pacote, mas vai no saco plástico. Os sabões líquidos, os shampoos, os detergentes circulam em plásticos e não se podem trocar por papel. Por sua vez, o papel carece de madeiras como eucalipto, ou cânhamo, e se não tivermos madeiras apropriadas não temos papel sem o importar de lugares com mais produção e menos ideologia.

    A globalização da poluição é ser aqui extremamente sustentável, mas pagar a outros para não o serem. Já dei o exemplo das centrais do Pego e de Sines, que nos custaram, em eletricidade, seis mil milhões em 2022, com a “vantagem sustentável” de importar a mesma energia de carvão, mas agora das centrais espanholas na nossa fronteira. Os demagogos ditos de esquerda não param de nos surpreender e delapidar os impostos.

    Assorted Color Plastic Trash Bins

    Outra ausência é o tema do aeroporto de Lisboa. Um dia assisti a uma conferência onde surgiam as imagens satélite das pistas de Portugal. Parecia que a forma não oval da Portela condicionava muito as aterragens e descolagens. Faro parecia ser o melhor dos aeroportos deste ponto de vista. As variáveis envolvidas estavam nas gares, nos horários desfasados, na circulação dos aviões em pista. Um manancial de soluções podia remediar com rapidez os constrangimentos de Lisboa.

    Por outro lado, a decisão de um novo aeroporto de Lisboa é uma história peculiar, pois há inúmeros aeroportos e aeródromos em Portugal, sendo alguns de sucesso e outros não. O parque aeronáutico de Évora da Embraer parece um êxito. Beja parece um fantasma. Vistos do ar, Figueira dos Cavaleiros LPFC, Leiria LPJF, Amendoeira LPMN, e muitos outros, podem ser equacionados pelas zonas de pouca densidade populacional que os envolvem. Como o Montijo, são pré-existências que não se pode dizer que condicionam a biodiversidade.

    Mas, enfim, toda esta inércia deve ser culpa de Passos Coelho, do Governo PSD que já caiu em 2015…

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Crónica de um dia de chuva a pé coxinho

    Crónica de um dia de chuva a pé coxinho

    Imagino que a História virá a retratar a triste trotineta, com o seu trotineteiro empoleirado numa capa de chuva a piscar os olhos pelo planeta, como já o fez sobre o curioso Penny Farthing [1].

    Inusitado. Frágil. Caricato.

    Rain Drops

    As carroças metálicas abrandam impacientemente na cauda das trotinetas, tremendo ante a possibilidade de uma ultrapassagem segura do peão com duas rodinhas que cruzam a rotunda num estranho ângulo obtuso, uma perna no ar a corrigir a curvatura do movimento.

    Todas as pessoas se vão fintando mutuamente, e eu sento-me (sinto-me) cá dentro, como a tampa metálica de ferro rebaixada anormalmente no asfalto, a ser martelada com mais uma gota de chuva e mais uma roda irritada (somos
    tantas, tantas).

    Pam pam! (tampas a saltar).

    Man in Blue Jacket Sitting on a Rock

    Viver hoje a queda deste império é viver como a precipitação de ‘comboios atmosféricos’ (parece poesia), uma catadupa de gotas, caudal que excede canos, sistemas que transbordam, que vomitam, que regurgitam. Que se espalham ao comprido entre enormes buracos, máquinas, terra revolvida, caleiras partidas entupidas com as folhas de Outono. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém.

    Anda tudo com as dores de costas a vergar, a vergar. Picadas de melgas e a humidade a entranhar-se nas malhas. O dinheiro que falta, o frigorífico mais vazio, a goteira na sala. O passivo dos passivos e as máscaras que jeito dão para esconder as bolhas que entram em erupção de corpos que não gritam, e adoecem. Bombas que estalam ao longe, aqui, ali, e a exigência permanente de uma opinião, uma bandeira, um estandarte.

    Paz, pão, educação.

    – Estamos aqui há horas e afinal não se decidiu nada!

    Fragrant tender tulips in glass vase placed near window during rain in evening

    Ninguém disse que era fácil. Podemos sempre admitir que o queixume e o desalento pertence a quem tem ânsias de poder despótico. Mas digo eu, aqui que ninguém me lê.

    Ninguém quer matar-me… – disse Polifemo

    Mais lata de tinta, menos lata de tinta, qual o assunto do dia para atirar contra as paredes e pessoas?

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.