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  • Farense 1.1

    Farense 1.1


    Isto de ser um jornal independente, logo de parca capacidade de endividamento – o que, por norma, significa depois ter de se pagar em juros ou em ‘serviços’ –, traz como consequência problemas de agenda quando a Liga, o Glorioso e o… deixa-me ver com está ali no relvado… Farense, decidem marcar um jogo para as 18 horas, mesmo se num feriado, mesmo se santo, mesmo se em honra de Nossa Senhora de Fátima (também conhecida por Imaculada Conceição). Não dá para tudo, mesmo se o percurso entre o PÁGINA UM se faz célere em modo ‘sardinha em lata’ nas carruagens do metropolitano.

    Entre análises, leituras, edições de artigos de opinião, e um prazenteiro almoço com um dos mais consagrados ‘jornalistas de guerra’ (e outras coisas mais) da nossa praça – e sobre o qual teremos novidades em breve aqui no PÁGINA UM –, não consegui acabar o artigo sobre a Global Media, as rescisões e a desastrosa evolução das vendas dos ‘seus’ Diário de Notícias e Jornal de Notícias. Esteve quase pronto, mas ainda sem edição. Teve de ficar para este sábado.

    Lamento-me à Elisabete que não aprecio manter uma manchete no PÁGINA UM por mais de um dia. “Metes a tua crónica do Benfica”, sugere-me. “Não me parece”, respondo: “Só se suceder algo anormal, um 15 a zero; isso sim”. E aqui estou agora, portanto, esperançoso em assistir ao quimérico 15 a zero, aqui da varanda da Luz, embora milagres sejam milagres por raros serem, e por aqui já tivemos um há quase um mês com os dois golos nos descontos contra o Sporting. Melhor será que corram em vez de confiarem na Virgem.

    (além disso, entre ir buscar o ‘farnel’, subir as escadarias, passar por um colega mais ‘avantajado’ na tribuna, assentar arrais, incluindo ligar o computador à corrente, dar umas mordidas na ‘sandocha’, desta vez de paio e queijo, e escrever os três primeiros parágrafos da crónica, já se passaram 27 minutos, e o ‘melhor’ que veio foi um golo anulado por evidente fora-de-jogo do Tengstedt, mais uns habituais falhanços do Rafa)

    Deixemos a utopia, e desçamos à triste e actual realidade que é ambicionar ganhar apenas, apenas ganhar, sendo que agora, neste nosso Benfica, nem com três golos nos primeiros 45 minutos as coisas estão garantidas – o que até se mostra mais emocionante… e irritante.

    Enquanto ali em baixo se continua num rame-rame – que ‘anunciam’ os 15 golos do Benfica somente para a segunda parte –, quero deixar aqui um registo que muito me apraz, e que talvez me tenha passado desapercebido nos outros jogos: muita criançada veio à bola. Temo, porém, que a jogarmos assim, e com os tempos agrestes que se avizinham do ponto de vista financeiro – com a fraquíssima receita da Liga dos Campeões e um grande punhado de jogadores que nem à Imaculada Conceição e ao seu filho interessam –, não tenham muitas alegrias na adolescência, isto para não irmos já para umas décadas mais avançadas.

    (portanto, vamos então ter necessidade de marcar um golo em cada três minutos para os 15 a zero, já que não se conseguiu nenhum em quarenta e cinco)

    Entretanto, como o jogo esteve mesmo uma porcaria, em 17 remates nem um golo, e eu não sei quem foi o mais desastrado – se o Tengstedt, se o Rafa, se o João Mário, se o Kökçü, se o Di Maria, ou se o árbitro ou o VAR –, vou ali ao Facebook ver em quem está o nosso colunista e benfiquista Tiago Franco a desancar.

    Ora bolas! Acabou ele de escrever um post mas apenas para divulgar a sua crónica de hoje no PÁGINA UM. Sobre a Ucrânia. Vale a pena ler

    (raios!, começa a segunda parte com um falhanço incrível do Rafa; ainda ali houve uma carambola, e a bola não entra porque vai parar às mãos do guarda-redes caído… e entretanto, mais uma grande defesa do guarda-redes do Farense… isto nos primeiros três minutos da segunda parte)

    Vou pedir uma opinião por Messenger ao Tiago sobre as ‘incidências’ do jogo…

    (não sei se vale a pena… deve estar agora furibundo com o golo do Farense, por ironia marcado por um Falcão…não é o Radamel, aquele que foi do Porto e agora se arrasta pelo Rayo Vallecano, na segunda metade da tabela classificativa da La Liga)

    Enquanto aguardo pelo comentário do Tiago, e sabendo já que o mais próximo possível da utopia será ganhar agora por 15 a um, convenhamos, os meus fracos conhecimentos de bola me permitem garantir que começa a ser confrangedor assistir à ineficácia atacante deste Benfica, tudo aos repelões, passes mal medidos, centros esquizofrénicos, uma total ausência de um ponta de lança de jeito, ninguém sabe cabecear…

    (assobiadela monumental com as substituições engendradas pelo Robert Schmidt, que manda o João Neves para o banco, além do Tengstedt, por troca com Musa e Gonçalo Guedes… acho que o alemão se está a candidatar à indemnização por despedimento)

    O Tiago, entretanto, assegura-me que o João Mário e o Morato fazem uma ala esquerda que não entrava sequer na equipa do Carcavelinhos, que convém dizer ganhou o Campeonato de Portugal na época de 1927/28 e foi extinto em 1942. E diz-me também que o Tengstedt nos marcou o golo mais caro – o 2-1 contra o Sporting –, presumo que por assim ir jogar muitas mais vezes e falhar ainda mais.

    (goloooooooooooooooooo!!! Rafa!!! Ao décimo remate marca… grita-se Glorioso SLB, julgo que os mesmo que vaiaram o Schmidt há minutos)

    Só faltam agora 14 para o 15 a um… Ou mais um para vencermos à rasca. Pergunto ao Tiago, por Messenger, se está esperançoso. Diz que sim: “Golo do Guedes”, que posso ir escrevendo isso mesmo, e mais se lamenta pelas perdas de tempo.

    (por agora estamos com 88 minutos de jogo, mas com tantas perdas de tempo, os descontos só podem ser uns 10 minutos)

    Portanto, aqui temos mais uma crónica atípica, com o Benfica a deixar o escriba nervoso, e a querer assistir a mais um milagre… Assim, deixo desta vez a sorte ou a desdita do Glorioso nas mãos da Imaculada Conceição nestes… sete minutos de desconto concedidos pelo árbitro. ‘Hora’ para me concentrar, ou pior, minutos para me concentrar. Ou rezar.

    (um desperdício do Musa incrível!!!)

    (e mais outro falhanço, desta vez no fim da festa, nem sei bem de quem; apenas sei de alguém com falta de jeito)

    E pronto: não houve milagre. O Tiago manda entretanto dizer que “este alemão dá-me vontade de partir coisas”. Fica dito. E eu mal visto, porque meti-me em ‘caganças’ com o 15 a zero, e sai-me um empate destes, com o Benfica a rematar 14 bolas à baliza e outras tantas para fora…

    E aquilo que me custa mais é saber que isto não é azar: é aselhice. Mas como o masoquismo faz parte da vida de um adepto, e eu quis armar-me em cronista da bola, levo com estes miseráveis jogos, e ainda tenho de escrever sobre eles. Bem feito… para aprender a dedicar-me, aqui no PÁGINA UM, apenas àquilo que sei: o jornalismo.

    Portanto, até daqui a três semanas, quando voltar a escrever nova crónica que, assim espero, venha a titular Famalicão 15.0… Haja esperança! De milagres, claro.

  • Ucrânia: o final anunciado

    Ucrânia: o final anunciado


    Um dos enormes problemas de ouvir especialistas cegamente é o risco de desligarmos o cérebro e deixarmos que outros pensem por nós. Alguns desses especialistas dizem-nos, há dois anos, que o conflito na Ucrânia se resolveria dentro do campo de batalha, assim os Estados Unidos e a Europa não cessassem com as remessas de dinheiro e armas.

    A minoria que defendia o contrário, que a diplomacia era a única solução, foi apelidada de “putinista”. Não sei se se lembram, eram os “negacionistas” deste tempo.

    Não era importante olhar para a História dos últimos 100 anos e dos conflitos onde a Rússia participou. Não era importante compreender a capacidade militar da Rússia e a sua produção própria. O que realmente interessava era vender uma narrativa que, com o apoio certo, os ucranianos conseguiriam vencer esta guerra.

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    Membro das forças especiais ucranianas. (Foto: D.R.)

    Lembram-se dos “game changers“? Eram os leopard, as armas de longo alcance, os F16, as antiaéreas. E mais dinheiro. Rios de dinheiro que fossem aguentando os serviços e mantendo a economia de guerra a funcionar.

    Depois, apareceram as sanções, a Rússia isolada, o mundo do lado da Ucrânia. Ao fim de algum tempo percebemos que a Índia comprava o petróleo que a Europa não queria, o Irão fornecia armas, a China escolheu o parceiro de sempre. Por África ninguém queria saber da Ucrânia e, mesmo no seio da União Europeia o apoio nunca foi unânime. Mas diziam-nos que os russos estavam sós.

    Depois, foi a história da indisciplina no exército russo. Criaram-se heróis ucranianos que abatiam pelotões inteiros, pilotos que arrasavam os adversários. Os russos tombavam como patos, de mal preparados e equipados que estavam. Numa das chamadas russas de novos soldados, Zelensky disse: “podem vir para a vossa morte certa”.

    Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia

    No terreno, contudo, a realidade mostrava outra coisa. Os russos não arredavam pé nem perdiam posições. A carnificina era grande, de um lado e de outro, mas quilómetro para a frente, metro para trás, a situação ficou num impasse.

    As vozes dos falcões da guerra disseram-nos que a contraofensiva do Verão é que ia resolver tudo. Veio mais uma injecção de dinheiro, mais armas e esperaram que o terreno ficasse seco, para os carros de combate passarem a lama.

    Começou a contraofensiva e, aos poucos… nada aconteceu. Mais uns milhares de mortes, que já ninguém conta, e, no essencial, os russos acabaram a recuperar terreno. Portanto, tal como no início, ninguém os tirou do Donbass ou da Crimeia. Aquilo que os “putinistas” dizem há dois anos para justificar a necessidade de negociar. Já não sei quanto textos escrevi sobre este tema aqui, no PÁGINA UM.

    peace, ukraine, peace sign

    Hoje, perante o fracasso óbvio das investidas ucranianas, as vozes vão-se reduzindo. Uns desviam o foco para Gaza e trocam a pele de defensores dos invadidos para passarem a defender o invasor. Enquanto outros, como Isidro Pereira, Helena Ferro Gouveia e José Milhazes, vão gritando que ninguém se pode esquecer da Ucrânia e, já agora, dos empregos que isso lhes garante há dois anos.

    O problema é que o dinheiro acabou. E as armas também. Nos Estados Unidos, 60.000 milhões de euros foram barrados pelos republicanos no Senado americano e, na União Europeia, vários Estados-membros recusam-se a enviar mais armas. Ou seja, a cortina está a fechar e não vai haver “encore“.

    Entre 50% e 60% da opinião pública norte-americana não concorda com apoio a guerras (Taiwan, Israel e Ucrânia), portanto, a política interna ganha sempre às promessas externas. Há umas eleições para ganhar.

    Dice with Letters on a Map

    Assim sendo, 250.000 mortes depois, com um país arrasado e o mesmo território ocupado, os ucranianos começam a ficar por sua conta. O papel de desgaste das forças russas, que lhes fora confiado pelos aliados, está cumprido e agora, enfim, que comecem as negociações quando quiserem porque, tal como todos já sabíamos desde 2022, os russos por norma não regressam de um cenário de guerra com as mãos a abanar. Julgo que também escrevi isto aqui há mais de um ano.

    Esta é uma história em que todo o Ocidente escreveu o final poucos minutos depois de ter começado. Todos sabíamos. Todos não, os ucranianos acreditaram mesmo que alguém quis saber da sua integridade territorial.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Farmacêuticas: um negócio corrompido

    Farmacêuticas: um negócio corrompido


    Nas últimas décadas, temos assistido a um crescente poder da indústria farmacêutica. Há cinquenta anos, éramos provavelmente inoculados à nascença com três ou quatro vacinas (poliomielite, difteria, tétano…), enquanto hoje seguramente as nossas crianças são vacinadas com mais de dez (Tosse Convulsa, Haemophilus Influenzae b, D. Pneumocócica, Sarampo, Rubéola, Parotidite Epidémica, Rotavírus, Varíola, Difteria, hepatite b, Tétano, Poliomielite…), com tendência a serem cada vez mais.

    Até à putativa pandemia, ninguém contestara o processo de aprovação de muitas das vacinas, em particular o facto de a maioria dos ensaios clínicos realizados para a sua aprovação utilizar um grupo vacinado com uma substância activa, em lugar de um placebo; a este respeito, pode ser consultado o livro “Turtles All The Way Down: Vaccine Science and Myth”, onde constam milhares de ligações aos documentos de aprovação pelos reguladores.

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    O agora candidato à presidência dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., e sobrinho do antigo presidente John Kennedy, também tem alertado o público a este respeito, exigindo que os ensaios clínicos que suportam as aprovações das vacinas sejam realizados com a utilização de um grupo placebo.

    Mas o verdadeiro poder desta indústria foi-nos dado a conhecer a partir de 2020. Veja-se o que aconteceu com a aprovação da vacina da Pfizer para a covid-19, suportada em ensaios clínicos com a participação de 44.047 pessoas, em que 22.026 foram inoculadas com a substância activa e 22.021 com um placebo (ver página 43 do documento).

    No grupo dos vacinados ocorreu uma morte por covid-19, enquanto no grupo placebo ocorreram dois óbitos covid-19 (ver página 219 do documento). Conclusão: são necessárias 22 mil inoculações com a substância activa para salvar uma pessoa de falecer de covid-19.

    Na mesma página 219, também podemos constatar que faleceram 15 pessoas no grupo vacinado e 14 no grupo placebo, bem revelador de uma eficácia e segurança medíocres; no entanto, passados alguns meses, os resultados foram ainda piores, pois o regulador norte-americano, a FDA, informou-nos do seguinte: “Desde a Dose 1 até a data de corte, 13 de março de 2021, houve um total de 38 mortes, sendo 21 no grupo vacinado e 17 no grupo placebo”. A diferença passou de uma morte para quatro mortes desfavorável à vacina da Pfizer. É assim incompreensível que tal vacina tenha sido aprovada.

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    Este crime contra a humanidade ainda se tornou mais gritante com as últimas notícias. Recentemente, o regulador europeu, a EMA, ‘congénere’ europeia do Infarmed, numa carta-resposta a perguntas dirigidas por membros do Parlamento Europeu, informava-nos do seguinte:

    • “…as vacinas contra a covid-19 não foram autorizadas para prevenir a transmissão de uma pessoa para outra.”;
    • “Uma vez que uma grande percentagem da população em geral tomou as vacinas, é de esperar que haja muitas notificações [efeitos adversos] ocorridas durante ou logo após a vacinação.”
    • “Chama-se a nossa atenção para os riscos de miocardite e pericardite, que a EMA avaliou e descreveu na informação do produto. Todas as informações de segurança devem ser consideradas cuidadosamente antes de administrar ou recomendar a vacinação.

    Em primeiro lugar, ficámos a saber que a classe política europeia, apesar de ter sido informada pelo regulador de que as vacinas contra a covid-19 não tinham sido autorizadas para prevenir a transmissão, decidiu criar duas classes de cidadãos: vacinados e não vacinados. Para tal, decidiu emitir um ‘passaporte nazi’, mais conhecido pelo Certificado Digital Covid. Milhões de pessoas foram discriminadas e impedidas de entrar em locais de lazer (cafés, restaurantes, ginásios), de viajar, de se deslocar, violando-se os seus mais básicos direitos; tudo perpetrado com a perfeita consciência de que eram medidas suportadas na mais despudorada mentira, por forma a coagir milhões de pessoas à toma de uma substância experimental, com a promessa de uma vida normal.

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    Em segundo lugar, venderam-nos a ideia que uma pessoa apenas estava vacinada 14 dias após a inoculação, não seguindo a recomendação do regulador, isto é, de que os efeitos adversos devem ser monitorizados no momento da inoculação e imediatamente a seguir. Desta forma, tivemos muitos óbitos de falsos “não vacinados” e estatísticas distorcidas, num acto consciente de manipulação da opinião pública.

    Em terceiro lugar, o atropelo de um direito fundamental: o consentimento informado. Qualquer cidadão deve ter poder de decisão sobre o seu corpo. Deve ser previamente informado das consequências para o seu corpo de um eventual diagnóstico, tratamento, cirurgia ou inoculação, podendo-se recusar e não ser prejudicado por isso.

    Não foi o que aconteceu: as autoridades não nos alertaram, por exemplo, para as miocardites e pericardites causadas pelas vacinas covid, tal como indicado pelo regulador. Mais criminoso se tratou quando nos sujeitaram à propaganda mais abjecta, com um único propósito: forçar a vacinação de crianças para uma doença que não representava qualquer risco para este grupo etário.

    Todo este ambiente de terror, pavor, medo e discriminação a que assistimos nos últimos anos teve um único objectivo: proporcionar um negócio gigantesco de milhares de milhões de euros. Apenas no caso da Pfizer, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, negociou um contrato de 35 mil milhões de euros por 1.800 milhões de doses (cerca de quatro doses por cidadão europeu a 19,4€ por dose)!

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    A indústria farmacêutica até tem o nosso melhor traficante de influências, agora mais conhecido por lobista, à frente da GAVI (Aliança Global de Vacinas e Imunização), a dizer-nos que: “a preparação para uma pandemia não pode esperar”! O último negócio foi tão suculento que temos de partir para outra rapidamente.

    Neste contexto, aos nossos olhos, parece que toda a classe política, autoridades e reguladores parecem estar “comprados” pela indústria farmacêutica. Pior: atropelos à nossa lei fundamental, pessoas impedidas de ir trabalhar, pequenos negócios arruinados, crianças impedidas de ir à escola – os recentes resultados PISA espelham bem este descalabro –, idosos abandonados e sem visitas dos seus familiares, efeitos adversos das vacinas, mentiras escabrosas com o intuito de manipular, excesso de mortalidade, parecem não preocupar ninguém, não há vontade de qualquer discussão pública.

    Esta crise teve a sua origem, uma vez mais, na organização mais perversa criada pelo homem: o Estado. A criação artificial de direitos de propriedade foi a responsável por este embuste que vivemos nos últimos anos.

    Antes de mais, importa definir o que é um bem: (i) tem de existir uma necessidade humana; (ii) as propriedades do bem permitem a satisfação da necessidade; (iii) os humanos devem ser conhecedores dessa relação causal; (iv) tem de existir capacidade de comandar esse bem para a satisfação dessa necessidade.

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    Por outro lado, existem duas categorias de bens: (i) económicos e (ii) não económicos. No caso dos primeiros, a procura é sistematicamente superior à oferta; no caso dos segundos, ocorre precisamente o contrário. A título de exemplo, o petróleo é um bem económico, enquanto o ar é um bem não económico, pois existe em abundância, a razão de não ter preço, ou seja, não temos necessidade de o economizar na satisfação das nossas necessidades.

    No caso do petróleo, há séculos não era um bem económico; por exemplo, muitas áreas ricas em petróleo na Venezuela não tinham qualquer valor agrícola; por outro lado, não havia a associação entre a sua queima e a produção de energia, nem tão pouco tecnologia para o extrair (comandar). O aparecimento do motor a combustão veio alterar por completo esta realidade.

    Vamos agora ao caso das ideias e tecnologia. A ideia de como produzir uma roda pode ser utilizada infinitas vezes, ou seja, não é escassa. O mesmo acontece com a fórmula para produzir uma vacina, trata-se de um conjunto de instruções de como realizar um processo de fabricação. Não se trata, como anteriormente explicado, de um bem económico.

    Tornar uma ideia ou tecnologia escassa pode acontecer de duas formas. O seu detentor pode-a “esconder”, criando, desta forma, um mercado para esse bem; isso é o que por exemplo acontece com os documentos de research da banca de investimento: apenas logro descarregar esse documento mediante uma subscrição mensal. A segunda forma, é utilizar o poder coercivo do Estado, os tribunais e os registos de propriedade industrial. É o caso das patentes, dos direitos de autor e dos monopólios durante um período após a aprovação de uma vacina.

    man in blue jacket wearing blue mask

    Reparem: trata-se de uma agressão do Estado à propriedade privada. Vejamos o exemplo dos direitos de autor: significa que alguém está a condicionar como uma editora, que não comprou os direitos de autor, pode utilizar de determinada forma a sua “tinta” e o seu “papel”. No caso de uma farmacêutica que não tenha a sua fórmula aprovada pelo Estado para produzir uma vacina covid-19, não pode utilizar as suas fábricas e os seus técnicos para a produção de acordo com essa patente.

    Os promotores desta nova agressão à propriedade privada dizem-nos que a criação artificial de direitos de propriedade sobre uma ideia ou tecnologia, que não são bens económicos, incentiva a inovação, pois os detentores da aprovação sabem que podem estar anos sem nenhum concorrente a incomodá-los, extraindo todo o lucro possível da sua invenção durante um dado período.

    Todavia, estudos realizados demonstram isto ser uma completa falácia (The Case Against Patents): “O argumento contra as patentes pode ser resumido brevemente: não há provas empíricas de que sirvam para aumentar a inovação e a produtividade, a menos que a produtividade seja identificada com o número de patentes concedidas – o que, como mostram as evidências, não tem correlação com a produtividade medida.” Na mesma obra, explica-se que em 1983, existiam mais de 59 mil patentes nos EUA, enquanto em 2010 existiam mais de 244 mil patentes, ou seja, quadruplicaram, enquanto a produtividade cresceu pouco mais de 20% para o mesmo período.

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    Além disso, a humanidade viveu séculos sem leis de propriedade sobre ideias e tecnologia, sempre criando invenções, obras de arte, literatura sem paralelo. Muitos saltos tecnológicos foram dados a partir de aperfeiçoamentos de novas invenções, agora impedidos por este tipo de leis. Os promotores deste intervencionismo estatal esquecem-se dos aspectos negativos desta legislação: a completa corrupção da indústria abrangida.

    A indústria farmacêutica, ao saber que pode eliminar qualquer concorrência com as autorizações estatais, apenas tem uma única preocupação: contratar advogados e lobistas, influenciar ordens profissionais, políticos, reguladores, comprar “boa imprensa”, etc. O consumidor passou a ser relegado para segundo plano.

    Tomem nota: em quatro décadas lograram criar uma máquina de extorsão de recursos públicos, através da inclusão de mais e mais inoculações nos planos vacinais. Basta um selo estatal para garantir a venda; por essa razão, não existe qualquer preocupação com o consumidor. A qualidade e a segurança do produto ficam para depois. O importante é comprar os órgãos de propaganda, os políticos e os médicos. Vimos o que se passou durante o embuste dos últimos três anos.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O pai do Doutor Nuno

    O pai do Doutor Nuno


    Não sei se vocês ainda param para ouvir declarações de políticos à hora do telejornal. Para mim tornou-se um relato noticioso de assunto corriqueiro, quase um rodapé daqueles que hoje se reserva para o Donbass e, daqui a poucos meses, para Gaza. 

    Dito isto, aqueles trinta minutos em que ontem Marcelo tentou transformar uma cunha num momento de Provedor dos Doentes foi ligeiramente deprimente.

    Marcelo, o prodígio que lia 20 livros por semana para os apresentar ao domingo na TVI, que nunca dormia, que nadava no Tejo, que aparecia em qualquer cenário de crise antes de lá chegar a CMTV, que escrevia com as duas mãos, passou ontem a ser um velhinho frágil, confuso, sem memória.

    Quem é que se lembra de um e-mail, entre milhares, de há quatro anos a esta parte? Ninguém. A não ser que seja um pedido de cunha de um filho para um tratamento de milhões. Nesse caso, não só uma pessoa se lembra como até mete o e-mail naquela pasta do “não esquecer de limpar o rasto”.

    Há momentos desta jovem democracia portuguesa em que não percebo como estes actores políticos, com muita tarimba (até porque são sempre os mesmo década após década) e mais rodagem, se submetem ao ridículo das explicações públicas e imaginando que, simplesmente com isso, limpam a imagem.

    Havia algumas dúvidas no caso das gémeas; julgo que todos concordaremos nisto. Mas, depois de Marcelo abrir a boca ontem, ficámos todos mais ou menos esclarecidos que, afinal, presidente ou não presidente, ele é um português comum e, obviamente, não foge a umas cunhas de quando em vez.

    Que atire a primeira pedra o pai que nunca tentou desenrascar um filho.

    Nada contra a demonstração de pureza lusa do nosso Marcelo na execução do habitual “jeitinho”. Está-nos nos sangue.

    Mas tentar depois fazer-me de parvo é que já me aborrece.

    Recebeu ele um e-mail do Doutor Nuno, “filho” para os mais próximos, que direccionou para quem de direito e fez perguntas, do género: “o que é que se faz num caso destes?”. Em seguida leu as respostas marteladas onde lhe explicavam, como se tivesse aterrado em Portugal naquele dia, que as pessoas devem procurar assistência médica no países onde pagam impostos.

    Na visão de Marcelo, ele limitou-se a dar conhecimento a outras entidades de um e-mail que lhe tinha chegado, com um pedido para usar uma pequena fortuna do erário público. Faria o mesmo se fosse do doutor filho ou de outro doutor qualquer. Explicou-nos até que ele, o Presidente, deve comportar-se como um Provedor do Povo, tentando ajudar sempre que possível.

    Não sei se estão a ver o cenário, mas eu posso tentar ajudar. Uma pessoa que apareceu ao lado do Marcelo, a chorar numa fotografia que correu o país, depois de ver a sua casa consumida pelo fogo, morreu sem voltar a ter um tecto seu, mas ajudou Marcelo a criar a aura do Presidente dos Afectos. Já o filho de Marcelo, com um simples e-mail, conseguiu aceder a uma fatia gigantesca de dinheiro público. Isto de ser Provedor do Povo prova-se, empiricamente, que é um campo onde há filhos e enteados. E doutores. 

    Espero que por esta altura seja claro que o meu problema não é com o tratamento e com a assistência prestada às meninas. O meu problema é quando percebo que a diferença entre a vida e a morte, casa ou rua, desemprego ou emprego, se prendem com a nossa agenda de contactos.

    Marcelo tentou passar-nos um atestado de estupidez e embrulhou-se todo em explicações absolutamente dúbias, contraditórias e pouco credíveis. Vem numa linhagem, já longa, de políticos que recebem ou dão benefícios pela sua posição de poder e, quando chamados à pedra, invocam uma seriedade que simplesmente não lhes assiste para se manterem na vida pública.

    Foi assim com Relvas e o curso feito com quatro disciplinas. Foi assim com Cavaco e os lucros no BPN, enquanto os comuns portugueses sofriam o calote generalizado. Foi com José Sócrates e o dinheiro da mãe. Foi com Passos Coelho e a Tecnoforma. Foi com Portas e os submarinos. Foi com o Galamba e o lítio. Foi com Isaltino e o primo da Suíça mais as contas. Foi com autarcas do PS e PSD nas intermináveis histórias de tutti-frutti. Enfim, todo um rol de artistas que vão passando pela vida pública, e usando o dinheiro dos impostos a seu belo prazer, mantendo, incrivelmente, as suas posições e a cabeça erguida na rua.

    Notem a cara de surpresa de Marcelo quando lhe perguntaram se era razão para se despedir. Ele nem a cunha assumiu, quanto mais ver ali um motivo para se despedir. E compreendo-o, devo dizer. Com a quantidade escabrosa de roubos que os políticos nos fazem semanalmente, a começar em ajudas de custo com moradas falsas, passando na distribuição de negócios públicos para empresas amigas e acabando no resgate da banca (esse sim, um roubo colectivo), como é que uma simples cunha daria direito a queda do presidente?

    Esta malta não está boa da cabeça, Marcelo. Era só o que faltava. Já um pai não pode ajudar um filho, ainda por cima doutor? 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O ‘wokismo’ tem novo alvo: a sala-museu Marcello Caetano

    O ‘wokismo’ tem novo alvo: a sala-museu Marcello Caetano

    As universidades devem ser lugares livres, proporcionando um ambiente favorável ao debate aberto, ao pensamento crítico e à discussão de ideias, independentemente – ou apesar – das ideologias de cada um. Não devem nunca, e por nenhum motivo, converter-se em locais de pregação de correntes ideológicas, onde se alimentam dogmas, ou servir de instrumento para a expurgação ou reescrita do passado.

    Comparando com outros países, com os Estados Unidos à cabeça, a Academia em Portugal parece estar a manter-se imune às pressões de certos grupos que gostariam de a transformar num espaço subordinado às imposições do movimento woke. Mas, como se visto em diversas situações, os acólitos do wokismo não desistem de tentar impregnar as nossas universidades com a sua ‘mundivisão’.

    Isto a propósito da iniciativa de um grupo de alunos da Faculdade de Direito de Lisboa da Universidade Clássica que consideraram inaceitável a existência, naquele estabelecimento de ensino, de uma sala-museu “dedicada” a Marcello Caetano, constituída em 2006.  

    A questão foi debatida na Reunião Geral de Alunos, sujeita a votação, e terá sido até alvo de uma “discussão acesa”. E se a obsessão woke com a toponímia e o encerramento de museus pode tornar-se exasperante, deve deixar-nos optimistas que os novos ‘justiceiros sociais’, na tentativa de recontarem a História a seu gosto, tenham encontrado oposição.

    Mas olhemos para os argumentos dos alunos indignados com o espaço museológico em honra do sucessor de Salazar, mas que continua a ser considerado um dos pais do moderno Direito Administrativo, de onde foram ‘beber’ jurisconsultos como Jorge Miranda, Diogo Freitas do Amaral, Fausto de Quadros e até, hélas, Marcelo Rebelo de Sousa. Dizem eles, os alunos indignados, que “não pode haver lugar a celebrações acríticas do regime fascista e das suas figuras” e que “a sala ignora toda a outra faceta de Marcello Caetano, que perpetuou a ditadura, a censura, a repressão e o colonialismo durante o tempo que esteve no poder”.

    people in black shirts and black shorts sitting on bench during daytime

    Ora, ao contestarem “celebrações acríticas”, estão os alunos a defender, como alternativa, uma “celebração crítica”? O conceito soa algo paradoxal, mas parece que sim. Um dos activistas, João Moreira da Silva, que escreveu um artigo de opinião no Público intitulado “Ainda se celebra o Estado Novo na Faculdade de Direito”, queixara-se de que nem uma menção havia sido feita acerca dos males perpetrados pela mão do (no seu entender) facínora Marcello Caetano.

    Só que, sejamos claros, João Moreira da Silva & Companhia não fizeram todo este alarido apenas para pedir a introdução de uma ‘nota de rodapé’ dizendo que o antigo líder do Estado Novo, embora um destacado jurista, foi, enfim, um homem branco, opressor, tóxico, colonialista, autoritário, etc.. Assim, entende-se que a ideia de uma ‘celebração crítica’, mesmo se vingasse, não bastaria para os satisfazer. Eles querem, efectivamente, que o núcleo museológico seja encerrado.

    E querem-no porque não gostam de quem foi nem do que representa Marcello Caetano; e estão no seu direito. Mas recorrem a argumentos engenhosos para sustentar a sua tese, dizendo que “os homens não são apenas aquilo que escrevem, mas também o que fazem nas suas vidas”. Por esta ordem de ideias, resultará que só alguém com um historial impoluto e imaculado pode ser relembrado pelas suas virtudes – mas, é claro, tal pessoa não existe. 

    Se quisermos apagar das nossas referências históricas todos os homens (e até algumas mulheres) com passado pouco ‘honesto’ à luz dos olhos do presente, então podemos começar a lista pelo marquês de Pombal, e mais a sua estátua, que aliás foi erigida pelo Estado Novo. Podemos fazer isto, mas será apenas uma estupidez.

    It goes without saying, mas uma figura histórica não tem de ser consensual para ser celebrada ou homenageada; nem de agradar a gregos e a troianos, sendo que tal, é, em todo o caso, extremamente difícil. E, convenhamos, se existe alguma ideia consensual e generalizada sobre Marcello Caetano na sociedade portuguesa, ela não abona de todo a seu favor.

    Também é absurdo defender que uma homenagem seja acompanhada por um apontamento condenatório, ao estilo ‘fulano destacou-se por X, mas foi pródigo em malfeitorias, nomeadamente Y e Z’. É ilógico, sobretudo no caso em apreço: Marcello Caetano não é propriamente um desconhecido dos portugueses, e presume-se que quem chega agora à universidade não precisa que lhe expliquem qual foi o seu papel durante a ditadura.

    Marcello Caetano (1906-1980)

    Esta cruzada persecutória do passado, protagonizada pelos militantes woke, é exaustiva e assume mesmo contornos reminiscentes de um culto religioso – conseguindo, no entanto, a proeza de ser ainda pior, como sublinha o intelectual francês Jean-François Braunstein em A religião woke, editado em Setembro pela Guerra & Paz. Pior, porque é mais implacável, ao não admitir qualquer perdão nem salvação aos “pecadores”. Mas, tal como uma religião, assenta em crenças e é movida a emoções, não se deixando, por isso, contrariar pela racionalidade.

    No livro, Braunstein salienta o facto de o wokismo ter germinado nas universidades norte-americanas. Algo verdadeiramente espantoso, se pensarmos na academia como um reduto da ciência contra preceitos de fé e o obscurantismo. Mas se, nos Estados Unidos, alguns académicos foram responsáveis por impulsionar este maldito movimento, espero que, por cá, outros tenham a coragem de lhe fazer frente.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Marketing para totós: Cimeiras do Clima e Congressos dos Jornalistas

    Marketing para totós: Cimeiras do Clima e Congressos dos Jornalistas


    É um caso de marketing e de propaganda para totós. Ainda assim, jornalistas cobrem estes eventos como se fossem sérios e realmente produtivos, com o objectivo de se melhorar o mundo e as vidas de todos. Ainda assim, se fazem debates sobre esses eventos, como se realmente houvesse algo, de substância, para se debater no que lá se diz que se vai fazer.

    Um desses eventos é a “Cimeira do Clima” ou sobre o Ambiente, ou Alterações Climáticas… O nome do “espectáculo” pode ir mudando, mas o assunto é sempre o mesmo: líderes mundiais deslocam-se nos seus aviões para um local remoto do Mundo, para anunciar a “atribuição” de dinheiros e criação de fundos e medidas que vão melhorar a saúde do planeta e o futuro de todos os que nele vivem.

    Muitos comunicados de imprensa. Muitos discursos “inspiradores” e “assertivos” escritos pelas diversas equipas de comunicação e os melhores spin doctors. Os resultados são, invariavelmente, clichés como “não há humanidade B”, frase de António Costa nesta última Cimeira do Clima, citado na Lusa, frase que foi repetida até à exaustão pelos gabinetes de relações públicas do Governo, ou seja, os principais media do país.

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    Nestas cimeiras e conferências, os políticos de repente acordam para a causa ambiental e, tal como um cristão renascido, banham-se nas límpidas águas das diversas cimeiras do clima para sair delas discípulos da Nova Terra salva da poluição e imaculada. Pelo menos, até aterrarem de novo com os seus aviões nos países de origem e tudo voltar ao “business as usual“, que é como quem diz, ao andar de carro para cima e para baixo, conceder o licenciamento de empresas poluidoras e apelar ao consumo desenfreado para salvar empregos e “a economia”.

    Desde pequena que ouço falar na desertificação, na necessidade de se reduzir o consumo, na urgência de se poupar água e proteger o meio ambiente. Desde pequena que assisto a sucessivos governos portugueses e descurar a ferrovia e a despejar dinheiro dos contribuintes na construção de estradas (ou melhor, nas construtoras suas amigas que construíram as estradas).

    E todos os anos, sem excepção, assistimos a descargas ilegais em rios, a poluição diversa no mar. A investimentos estapafúrdios em obras e construção de monos com dinheiros públicos. Fecha-se os olhos a projectos poluidores porque criam empregos? Baixam-se os requisitos ambientais para atrair aquele investimento na fábrica que até foi classificado de PIN (projecto de interesse nacional)? Autoriza-se o abate daquelas árvores protegidas para aquele empreendimento de luxo? Dá-se o OK a mais um campo de golfe em zona onde falta a água? Avança-se com a construção de um novo aeroporto em zona de migração e nidificação única na Europa? Olha-se para o lado para o uso de pesticidas que acabam com espécies de relevo e causam cancro? Arrasa-se aquele rio selvagem e aqueles ecossistemas para construir mais uma barragem?

    O presidente da COP28, o Sultão Al Jaber. A cimeira teve este ano lugar no Dubai, capital dos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores produtores de petróleo do mundo.

    E incentiva-se ao consumo. Muito consumo. A quantidade de embalagens e lixos produzidos hoje é estonteante. Avassaladora. Os governos lucram com isso através dos diferentes impostos cobrados. O ambiente é que se lixa, tal como todos nós. E o planeta.

    Desta vez, Costa pediu acção mais rápida e ambiciosa. Todos concordaríamos com isso, se não tivéssemos visto o que Costa fez, por exemplo, na gestão da pandemia de covid-19, desde 2020. Mas, como vimos e sentimos na pele e nos bolsos o que fez, o que lemos nessa intenção do “rápido e ambicioso” é isto: muitos vão encher os bolsos (de novo) e nós vamos ficar agarrados aos problemas e aos prejuízos. Além do atropelo que fez à Constituição da República.

    Ou seja: há o risco de um acelerar no caminho da destruição da democracia, por via de leis e medidas inconstitucionais, e um novo o empurrão para fortes cargas de impostos sobre “poluidores”, que vão acabar por cair afinal sobre os consumidores finais. Há o risco de se inventarem mais “políticas verdes”, mas que irão beneficiar empresas amigas. Vão anunciar-se regras que serão aplicáveis aos comuns dos mortais, enquanto os que têm amigos e cunhas serão poupados.

    O primeiro-ministro, António Costa, e o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, na COP28, que este ano se realizou no Dubai. (Foto: D.R.)

    Talvez porque acompanhe os mercados de capitais há várias décadas, desconfio destas promessas “verdes” que até agora renderam milhares de milhões a fundos e “veículos” de investimento, filantropos, fundações e políticos a vender este peixe da economia “verde” e trouxeram mais e mais problemas ao planeta e às populações.   

    Estas cimeiras do clima ou do ambiente fazem-me também lembrar os congressos dos jornalistas (vai-se agora para o 5º Congresso). Fala-se muito e não se muda nada. Fala-se muito, mas não se mexe naquilo que se precisa mesmo mexer para que haja mudanças.

    Na política, continua a promover-se o crescimento eterno das economias e a cultura de consumo, como se isso fosse racional ou sensato. O crescimento eterno do Produto Interno Bruto, vendido nos telejornais como sinal de sucesso político…

    Nos congressos de jornalismo fala-se que o sector está em crise, os jornalistas são mal pagos e até que há disparidade de salários e promoções entre homens e mulheres. Mas, hoje, há que assumir, que os jornalistas não têm quase nenhum poder e estão alinhadíssimos com o poder político e empresarial.

    Cartaz do 5º Congresso de Jornalistas, criado pelo ilustrador e cartoonista André Carrilho com base no lema “Jornalismo, Sempre” do evento que vai decorrer de 18 a 21 de janeiro de 2024.

    A liberdade de imprensa está ameaçada (sobretudo, desde 2020) e há notícias verdadeiras a serem censuradas no mundo digital. Os grupos de comunicação social estão vendidos (rendidos) às “parcerias comerciais” (conteúdos e eventos patrocinados por entidades públicas ou privadas). Directores de jornais, revistas, TVs e rádios fazem o papel de entertainers e apresentadores em eventos e conferências e actuam como embaixadores de políticos, de reguladores, de figuras da autoridade e todos os “clientes” que pagam as “parcerias comerciais” aos seus grupos.

    As redacções estão magras, mas cheias de jornalistas e estagiários que fazem copy/paste (churnalism) das notícias da Lusa e de comunicados de imprensa. Não há tempo (nem pensamento crítico) para mais. E há que falar nos jornalistas que têm empresas e funções incompatíveis com a profissão. Nos grupos de comunicação social com “clientes” que lhes pagam para escrever “notícias” e fazer eventos sobre os quais depois escrevem (sempre) favoravelmente. E há que falar na evidente subserviência do sector em geral face ao poder, seja do Governo, de autoridades, de reguladores, de direcções-gerais, da Comissão Europeia, (como, de resto, se viu na pandemia).

    Além de que se tem obrigatoriamente de falar na falência completa de reguladores e dos que deveriam ser vozes em defesa da profissão e do sector, com destaque para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Mas também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social só tem actuado quando sente pressão. E o Sindicato de Jornalistas tem ficado em silêncio perante irregularidades e situações de promiscuidade inaceitáveis.

    A lista de patrocinadores do Congresso é extensa.

    Como jornalista, ao longo dos anos sempre me mantive afastada de congressos e do corporativismo patente no sector da comunicação social. Não me identifico com operações de autopromoção, nem com os silêncios sobre os problemas graves, como as “parcerias comerciais”, nem com a cultura das palmadinhas nas costas enquanto o sector arde.

    A meu ver, na defesa do ambiente e do planeta e na defesa do jornalismo existe algo em comum: jamais serão defendidos por políticos do actual establishment, nem pelas grandes indústrias, por bilionários donos de multinacionais ou filantropos com um histórico ético duvidoso. Nem por jornalistas que há muito se vergaram perante dinheiros públicos, privados ou de fundações, com medo de perderem o emprego, a nomeação a prémios e bolsas, além dos que não escondem agendas ideológicas.

    Nem a defesa do planeta, nem a defesa do jornalismo irão ser feitos por aqueles que têm contribuído para criar os problemas existentes, seja pelas suas acções seja porque pactuaram com os ataques, ficando em silêncio.

    O jornalista Pedro Coelho, em declarações à RTP Madeira, numa visita àquela região para promover o 5º Congresso dos Jornalistas.

    Num mundo de árvores de Natal de plástico, enfeitadas de bolas e fitas de fantasia em material sintético, o jornalismo é hoje um adereço brilhante para vender frases bonitas sobre como políticos e bilionários que contribuíram para nos trazer ao desastre, são agora os maiores defensores do ambiente e da vida no planeta.

    Num mundo de cimeiras do clima da tanga e congressos dos jornalistas da treta, temos de começar a pensar se está na altura de deixarmos de ser totós. Em relação aos políticos, aos media que destroem o jornalismo e em relação ao que podemos fazer sobre o futuro do planeta e do jornalismo.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As cuecas da Ucrânia

    As cuecas da Ucrânia


    Aldous Huxley escreveu: “Há três espécies de inteligência: a inteligência humana, a inteligência animal e a inteligência militar”.

    Um soldado da minha Companhia, na Guiné-Bissau, não só concordava como reforçava: “É verdade, sim senhor, porque eu já ouvi, num Quartel de Cavalaria, o sargento a dizer: 18 e 23, vão dar de comer ao Serafim, e o Serafim era o cavalo. Os únicos animais que têm nome em Cavalaria são os irracionais. Os racionais, digamos assim, têm números”.

    Vem isto a (des)propósito de uma notícia, a primeira em semanas, que eu li sobre a situação na Ucrânia (que anda tão afastada da comunicação social desde que Israel e o Hamas recomeçaram com a selvajaria).

    blue and yellow striped country flag

    Pensava eu que Portugal, até pela dificuldade em aprovar o Orçamento de Estado, deixaria de apoiar o esforço heróico dos ucranianos.

    Felizmente que os nossos Ministros estão atentos e são solidários.

    Nem sempre é possível conjugar a nossa vontade de ajudar com a crónica pelintrice, mas… há sempre uma solução.

    Principalmente quando a decisão está nas mãos de mulheres habituadas, há gerações, a ter de encontrar soluções mirabolantes.

    No passado dia 11 de Outubro, a ministra da Defesa, Helena Carreiras, anunciou que Portugal se preparava para enviar “vestuário de Inverno” para equipar as tropas ucranianas nos próximos meses.

    Conhecidas as baixas temperaturas que estas têm de enfrentar naquelas paragens não houve quem não concordasse com a medida.

    Começámos a imaginar contentores de casacos de lã, samarras alentejanas, que fossem, camisolas de gola alta, ceroulas (que isto, na guerra, não há cá modas e os ucranianos prefeririam enfrentar dez russos a vestir uns collants, por exemplo) rumo a Kiev.

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    Até que li uma informação detalhada sobre a dádiva, que é do seguinte teor:

    O Ministério da Defesa vai pagar 128.135 euros para a aquisição de roupa interior feminina para enviar às militares ucranianas.

    Portugal prepara-se para enviar cinco mil unidades de cuecas femininas camufladas para serem utilizadas pelas militares ucranianas.

    O Ministério da Defesa português atribuiu esta quinta-feira dois contratos para a confeção da roupa interior feminina no valor de 128.135 euros.

    De acordo com o contrato publicado no portal Base, o executivo vai pagar 36.900 euros a uma empresa têxtil de Guimarães para adquirir cinco mil cuecas ao preço de seis euros por unidade.

    A empresa tem de entregar a encomenda no prazo de 25 dias a contar da data da assinatura do contrato.

    Segundo as cláusulas técnicas do contrato, as cuecas devem ser compostas por “uma parte da frente, uma parte de trás e um reforço com um forro” e vão ser cosidas em ponto de linha dupla de quatro fios. Além disso, a parte da cintura deve ter uma fita jacquard elástica e as cuecas devem ter as cores “coiote, verde azeitona e preto” que fazem o padrão camuflado do exército.

    Extracto do caderno de encargos do contrato celebrado pelo Ministério da Defesa para a compra de cuecas e tops para a Ucrânia.

    Após a entrega da encomenda, a Secretária-Geral do Ministério da Defesa tem cinco dias para inspecionar a encomenda, de forma a certificar-se de que as cuecas chegam na quantidade e com as características especificadas.

    Um segundo lote que prevê a aquisição de cinco mil “tops” camuflados foi assinado com uma empresa de Santo Tirso, num valor de 91.635 euros. O contrato prevê um custo de 14,90 euros por unidade.”

    Sinto-me orgulhoso de ser português e de ter estes governantes a dirigir o meu País.

    Não há dinheiro para mais nada?

    Fazemos como as avós no Natal e oferecemos meias e cuecas.

    Se mesmo assim não chegar o dinheiro, optamos por uma única dessas peças. Neste caso, as cuecas.

    Atenção que não podiam ser umas cuecas quaisquer, por causa do frio.

    Por isso, optaram por umas que têm “uma parte da frente e uma parte de trás” (se tivessem só a da frente seriam “ecas”, penso eu) e cosidas em ponto de linha dupla de quatro fios, com um forro, não vá a militar, no meio da luta, ter um descuido com o medo do tiroteio.

    Tudo pensado ao pormenor.

    Mesmo o desenho em camuflado é inteligentíssimo, não vá que a Companhia das Militares resolva desfilar com todas as mulheres nuas.

    Com as cuecas camufladas passariam despercebidas, no entender da Senhora Ministra.

    Se o Pedro Nuno Santos, ou o José Luís Carneiro, garantirem que, caso cheguem a Primeiro-Ministro, mantêm Helena Carreiras como Ministra, podem contar com o meu voto.

    Aquilo é imaginação em estado puro.

    Ouvi dizer que ela preparava uma farda vermelha fluorescente para os Serviços Secretos do Exército e não quero perder a oportunidade de confirmar essa informação.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Açores: o laboratório para o que aí vem

    Açores: o laboratório para o que aí vem


    Por norma fala-se pouco dos Açores nos jornais nacionais, e é uma pena. Não são apenas os furacões e as paisagens irrepetíveis que trazem o arquipélago para a ribalta. Há circo, e do bom, no Parlamento regional que mereceria alguma atenção naqueles programas onde o Calafate ou o Bugalho fingem saber o que estão a dizer.

    Como sabeis, as ilhas de bruma são administradas por uma geringonça de direita. Nas eleições regionais de 2020, o PS foi o partido mais votado, mas à direita foi onde a organização se deu para criar uma maioria de Governo. Uma repetição do golpe de asa de António Costa, mas com gente mais duvidosa.

    Nas eleições regionais não se aplica o método de Hondt, uma forma encontrada para proteger a representatividade das ilhas mais pequenas. Assim, e só assim, é possível perceber que o PPM, com uma votação de 40% na ilha mais pequena (Corvo com cerca de 300 eleitores), consiga eleger dois deputados para a Assembleia Regional e, dessa forma, ser válido para uma coligação de Governo. Refiro-me, neste caso, a 115 votos, para ser mais concreto. É sempre de enaltecer quando um partido monárquico quer muito pertencer a um Governo republicano. Quase como o obeso que não falha uma sobremesa, mas coloca adoçante no café.

    Igual cenário beneficia o defunto CDS que, em apenas duas ilhas (Terceira e São Jorge), consegue eleger outros dois deputados à custa de quatro mil votos no total. Tal como o PPM, também o CDS foi utilizado pelo PSD como muleta para formar Governo. Notem que os Açores são habitados por 250 mil pessoas e com 4115 votos há dois partidos sem qualquer representação que chegam ao poder.

    Mas há aqui um pormenor interessante que, de certa forma, pode ser utilizado como ensaio para a realidade nacional. PSD, PPM e CDS tinham deputados suficientes para uma maioria e, como tal, precisaram de acordos parlamentares com o Chega e a IL.

    José Manuel Bolieiro, ao centro.

    Um dos temas quentes dessa campanha foi o ‘cordão sanitário’ ao Chega. O PSD disse que não faria acordos com um partido de extrema-direita e até André Ventura, em cima das eleições, afirmou que não seria bengala do PSD regional nem nacional. Mas mal cheirou a poder, de parte a parte, a história alterou-se e o PSD lá tentou organizar aquele ninho de ratos.

    Enquanto José Manuel Bolieiro andou estes anos a tentar agradar aos parceiros de coligação e a segurar a maioria, Artur Lima, líder do CDS, passou para a fila da frente da governação e tentou, ao máximo, colher benefícios para a sua ilha (Terceira), à custa dos tais quatro mil votos.

    Os problemas essenciais da região ainda continuam por resolver. A pobreza extrema em algumas freguesias, a eterna SATA, a falta de emprego qualificado, o isolamento repetido de algumas ilhas, o compadrio e tráfico de influências, os baixos salários com excepção de uma pequena elite, a incapacidade de segurar os jovens, a falta de serviços de saúde, as ligações marítimas, etc..

    A dívida da região continua a aumentar, mas o PSD justifica-se com a herança do PS. Neste aspecto os Açores são iguais à República. Os partidos do Centrão usam os Governos anteriores para justificarem as suas falhas. Eu não acho que a realidade fosse melhor com o PS, devo admitir. Anos não faltaram aos socialistas para fazerem algo pela região durante este século. Mas vejo o que por ali se passa como um pequeno laboratório do que por aí virá nas legislativas de 2024.

    Asssembleia Regional dos Açores.

    Bolieiro cruzou a linha vermelha e fez acordos com o Chega, um partido que repete uma ideologia fascista, mesmo que o seu líder não acredite propriamente nela. É apenas a porta para ter mais votos e, como tal, ele usa-a. Como é óbvio não se pode confiar responsabilidades governativas a um partido que navega nas ideias consoante a moda das redes sociais. Não demorou muito até que, dentro do próprio Chega, começassem as divisões e um dos deputados resolveu sair, passando a independente.

    Lembro-me que, entre as exigências do Chega para viabilizar o Governo de Bolieiro, estava a medida cega de cortar em 50% as ajudas sociais aos mais desfavorecidos. Ninguém lhes perguntou porquê 50% e não 60%. Ou 30%. Ou até 20%. É tudo feito sem contas, sem saber quem são os beneficiários ou sequer o que lhes aconteceria sem a miséria do Rendimento Social de Inserção (RSI), os tais 100 euros que incomodam Ventura. O que importa é espalhar ódio. Rui Rio achou tudo isto normal e o Chega, lá assinou o papel.

    A Iniciativa Liberal, com o seu deputado único, seguiu um caminho semelhante e exigiu 10 medidas para viabilizar o Governo. Entre estas, estavam coisas como a redução dos funcionários da Função Pública, a privatização de partes do fornecimento de electricidade, a redução da carga fiscal, os cortes no RSI e as privatizações na Saúde. O mantra habitual. Só o transporte marítimo, que mercado nenhum quer pegar, é que devia continuar a ser fornecido pelas obrigações públicas.

    Agora, perto do fim da legislatura, a Iniciativa Liberal rasga o acordo e acusa o PSD de incumprimento unilateral, e chumba o Orçamento para 2024. Apesar de eu não meter a Iniciativa Liberal e o Chega no mesmo saco, devo reconhecer que é um tiro no escuro fazer acordos com partidos que, de três em três dias, mudam de estratégia, ideologia e opinião.

    Este Governo vai cair – o que é óptimo, acrescente-se – e Marcelo fará uma pausa no caso das gémeas para convocar eleições antecipadas na região. No essencial perderam-se quatro anos de fundos e oportunidades. E nem a estabilidade política foi conseguida, porque, e é tão simples quanto isto, não se podem fazer acordos com partidos que não respeitam a democracia ou nem sequer sabem o que defendem a cada semana.

    Há ainda outra lição importante a retirar desta realidade regional: por mais que um político nos diga que não fará isto ou aquilo, por mais que nos tente mostrar alguma decência, a verdade é que, assim que existir a hipótese de ir ao pote, deixam de existir linhas vermelhas.

    Rui Rio sempre me pareceu um homem íntegro e alinhou nisto. Quando chegar a vez de Montenegro, não tenho a menor dúvida que fará exactamente o mesmo. Nos Açores, na Madeira, no Continente. Tanto faz. A sede de poder é o que os move. Ou até a garantia de um posicionamento que os coloque em posição de escolher o que fazer aos fundos europeus.

    No fim, é apenas isso. Não há cores, linhas vermelhas, ideologias. Há um pote no fim do arco-íris dos fundos europeus que o Centrão, os liberais e a extrema-direita fazem o possível por conseguir dividir. Entre eles, com as empresas amigas, o que for. Nunca com vocês, com os vossos centros de saúde ou as escolas dos vossos filhos.

    Esse é que é o drama real e a razão que não me deixa perceber, quase 50 anos depois, como é que se continua a ouvir a triste frase: “em Portugal as eleições ganham-se ao centro”.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Dos livros não lidos

    Dos livros não lidos

    Não desflorados, décadas de amarelecimento das páginas, e mesmo assim chegam-me as páginas ainda unidas, a clamar pelo canivete (liberta-me, liberta-me), a mão a folhear poemas envelopados, a voz do autor embargada em cada sussurro expirado pela margem aberta.

    Da caixa aos teus pés a aguardar em Lisboa, e eu aqui, atolada, quem se mova muito em areias movediças fina-se (sossega, sossega!)

    Deixa ver, deixa dar tempo. Dar tempo é importante no mundo e nas coisas e nas assaduras, em geral.

    Book on Red Surface

    Ao passar de barco, sob a ponte, vejo uma mulher romântica que polvilhou sementes por cima do pilar da ponte, no embasamento de pedra, para ali nascer vida. E nasceu desde então, ali floresceu uma tenaz planta, enraizando-se na medula de argamassas, a beber do rio em suspenso, viçosa, de amplas folhas estendidas, a querer, a desejar, um regresso à mãe que estende a mão desde a guarda de ferro. E os navegadores mirando, no embasbacamento, cuidando ser mais seguro assassinar a planta, não vá uma fina raiz minar a estrutura.

    Ao passar de barco, sob a memória, flutuando, vejo que uma mãe lava a louça de almoço cantarolando a Elis, como passarinho na gaiola. Passarinhos na gaiola, saberão de certo vocês, têm momentos assim. Desatam num canto contínuo, enorme, um clamor por ajuda ou que a voz se solte (liberta-me, liberta-me). Notas entrançadas no eco do azulejo e a água a correr na torneira (o movimento possível), mãos mergulhadas em espuma de um tacho sujo (o movimento do barulho da rua, do outro lado da janela) e a sublimação da solidão como precioso espaço onde se abre as asas (mulher romântica que estende a mão desde a guarda de ferro). Nascem plantas em pilares de pedra sobre as águas.

    E depois do nada, silêncio.

    Talvez durma. Talvez rumine os anos (e ali atolada, quem se mova muito em areias movediças fina-se).

    Person Holding A Green Plant

    Quem prende passarinhos em gaiolas, quem colhe flores no jardim, ou quem decepa plantas em pedras, não se apieda da vida que tira. Nem lhes ocorrerá que tiram vidas, simplesmente tratam de vida. É tratar, é andar, e arrumar. Cuidam que é cuidar (não é, não é), e por isso as linhas que lhes desenham as rugas, que estalam a pele, não se aparentam vilânicas; mostram-se, aliás, frágeis (porque os gatos têm inveja dos pássaros, já vos tinha dito).

    Quem vê os passarinhos em gaiolas, desconcerta-se. Não sabem interpretar nem o silêncio nem o canto. Cuidam que abrir a porta é condenação (fascinação), e que tormenta se mostra o risco de deixar de ouvir o canto, quando o temos ali tão perto, tão seguro, tão garantido.

    E afinal, dos livros não lidos, o poeta embarga-se no sussurro de cada página por desflorar. E o canivete vermelho, que jaz apreendido no balcão da autoridade, estremece para o virem libertar. Romper é preciso. Sem medo.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Victor Emanuel Marnoto Herdeiro, um burocrata a torcicolar a transparência e os tribunais

    Victor Emanuel Marnoto Herdeiro, um burocrata a torcicolar a transparência e os tribunais


    Victor Herdeiro. Melhor. Escrevo em maiúsculas – e a nominata completa para apurar o destaque: VICTOR EMANUEL MARNOTO HERDEIRO.

    Para a esmagadora maioria dos leitores, esse nome nada dirá. Se acrescentar que é presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), já haverá alguns, talvez poucos, que saberão de quem se trata. E, aliás, muitos pouco sabem o que é isso da ACSS, e para que serve.

    Eu elucido melhor quem é, adiantando já ser ele um burocrata. Mas um burocrata especial. Victor Herdeiro é a personificação do burocrata que qualquer político adora, porque é daqueles dirigentes da Administração Pública que, caninamente – no sentido figurado do termo, mas no sentido literal da eficácia –, tudo fará para esconder o que houver por conveniente e que possa ser sensível politicamente, porque é daqueles que não está ao serviço dos cidadãos, antes se expressa um servidor dos governantes.

    Victor Emanuel Marnoto Herdeiro: o burocrata que aguenta uma sentença e dois acórdãos, e mantém a recusa em ceder a consulta de uma base de dados que não identifica as pessoas nos registos informáticos.

    Victor Herdeiro é, para trazer à memória dos leitores do PÁGINA UM, o amigo de longa data da ex-ministra da Saúde Marta Temido que, em Julho de 2022, fez desaparecer a base de dados da Morbilidade e da Mortalidade Hospitalar no Portal da Transparência. Por aquelas coincidências, logo após o PÁGINA UM ter escrito um conjunto de artigos de investigação sobre os internamento e a gestão das unidades de saúde durante a pandemia.

    Victor Herdeiro é também o burocrata que recusou ceder a consulta, a um jornalista, dos dados anonimizados provenientes da Base de Dados Nacional de Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH), que inclui toda a informação dos internamentos, sem qualquer identificação de pessoas. Uma possibilidade que não só existe como está, há muito, prevista nas próprias competências da ACSS.

    Mas para Victor Herdeiro, defensor-mor de ministros da Saúde, seria um horror que um jornalista com capacidade de análise de dados, independente, pudesse pegar em informação tão sensível politicamente.

    E vai daí que se anda há quase ano e meio a tergiversar tribunais, para trás e para a frente. A cada derrota, mais serpenteia para o litígio seguinte – sempre socorrendo-se de uma sociedade de advogados paga a peso de ouro, a BAS, que aliás tem ligações a Lacerda Machado, como há dias escrevi – e aproveitando-se da morosidade e letargia dos tribunais.

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    Vem Victor Herdeiro aqui agora à liça porque nos últimos dias tenho estado, com alguma lentidão, a complementar e actualizar a secção da Transparência, aqui no PÁGINA UM, com a informação mais relevante das cerca de duas dezenas de litígios que temos (concluídos e em curso, em diferentes fases) no Tribunal Administrativo, ou seja, intimações para a consulta de documentos e base de dados.

    E eis que esta madrugada consegui completar a ‘ficha’ relativa à ACSS, que foi, até agora, a mais morosa e trabalhosa – e compreenderão, assim, a minha ‘fúria’ por me encontrar num país supostamente em democracia que admite um Victor Herdeiro como burocrata. Ou então admite por não ser uma democracia.

    Senão vejamos, e podem acompanhar por aqui a cronologia mais relevante (sem os muitos requerimentos, pois em Direito Administrativo quase só há texto escrito).

    No dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho de 2022, o PÁGINA UM usou uma base de dados que esteve, durante um período, suspensa pela entidade presidida por Victor Herdeiro, que nunca mostrou de quem veio a ordem. A BD-GDH, pedida pelo PÁGINA UM, tem um potencial informativo muito superior.

    Depois de uma recusa formal ao meu pedido de acesso à base de dados dos internamentos, alguns meses mais tarde, em 24 de Novembro do ano passado, uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa a uma intimação deu razão ao PÁGINA UM, mesmo depois de a ACSS, através da sociedade BAS – a tal à qual Lacerda Machado está ligado – ter tentado convencer a juíza da impossibilidade técnica da anonimização da base de dados.

    Que fez o burocrata Victor Herdeiro despois da sentença?

    Recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, usando o dinheiro dos contribuintes.

    E levou sopa. Em Março deste ano, um acórdão deste Tribunal manteve a decisão da primeira instância sobre o acesso à base de dados dos internamentos.

    E que fez o burocrata Victor Herdeiro, muito zeloso de proteger o ‘coiro’ do Ministério da Saúde?

    Recorreu, mais uma vez, para a (suposta) derradeira instância, o Supremo Tribunal Administrativo, onde, por ordens de Víctor Herdeiro – ou sob o seu respaldo – se tentou convencer os conselheiros de que o meu pedido era “manifestamente abusivo”. Notem: num país democrático, um burocrata considera que um pedido de acesso a uma base de dados da Administração Pública por um jornalista seja considerado “manifestamente abusivo” para, assim, ser legítimo o impedir de informar.

    Perdeu terceira vez. Repito: o burocrata Victor Emanuel Marnoto Herdeiro perdeu em primeira instância, perdeu em segunda instância e perdeu em terceira instância.

    Entregou a base de dados?

    Não. Mandou um ficheiro Excel, mal-amanhado, com uma suposta password que nunca sequer chegou a abrir o que quer que fosse de relevante, e argumentando que teria de apagar e mutilar dezenas de variáveis da base de dados, a tal ponto que nem sequer se poderia ficar a saber quantos internados em concreto houve em determinado ano, quanto mais fazer qualquer avaliação digna desse nome. Basicamente, mandou sentença e dois acórdãos às malvas, e começou novo circo, porque, infelizmente, mesmo com sentenças e acórdãos em Portugal há sempre formas de o poder ignorar ordens de tribunais – o que mostra bem o (des)nível da nossa democracia.

    Desde Junho, de uma forma diplomática, tenho tentado obter acesso à base de dados – um direito que a Lei me consagra e três decisões de tribunais confirmaram.

    Mas o burocrata Víctor Herdeiro já sabe as águas onde se move.

    Sabe que a sua recusa, mesmo depois de uma sentença e dois acórdãos, não teve repercussão pública significativa. Raramente uma entidade pública é obrigada a dar documentos da importância de uma base de dados sobre os internamentos em Portugal – com a potencialidade de detectar lacunas ou problemas de Saúde Pública. Mas isto nenhum eco teve na imprensa mainstream, pois, enfim, esta não aprecia o que o PÁGINA UM faz (e que ela, com muitos mais meios, é incapaz de fazer somente por falta de coragem, porque existem muitos mais jornalistas tão bons ou mesmo muito melhores do que eu). Portanto, como burocrata, que protege o seu ‘amo político’, ignora-me e ignora o PÁGINA UM, porque ignora qualquer caso que não o belisque na opinião pública.

    Para ter acesso a uma base de dados da Administração Pública, e se houver um ‘Victor Herdeiro’ já não é suficiente ter uma sentença do Tribunal Administrativo, um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Eis a força e o poder de um burocrata em Portugal.

    Sabe também o burocrata Víctor Herdeiro como funcionam os Tribunais deste triste país, mesmo se os processos de intimação são classificados de “urgentes” – e assim de, repente, mesmo com uma sentença e dois acórdãos, e com o auxílio de uma sociedade de advogados paga pelos contribuintes, assim se entretém agora a tentar ludibriar a juíza responsável pela execução da sentença entretanto solicitada pelo PÁGINA UM no passado mês de Julho, depois de esgotada a paciência.

    Mas isto está longe de terminar, e acho que a ACSS, através da sociedade BAS – a tal do Lacerda Machado – já fez entretanto três ou quatro requerimentos, incluindo a inclusão de uma pen com ficheiros que, segundo me diz o meu advogado, não aparecem ainda no Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF).

    O mais recente episódio é do início deste mês, e inclui uma tentativa de convencer a juíza, num processo que já foi decidido, a ouvir uma digníssima testemunha sobre a impossibilidade de anonimização de uma base de dados que já está per si anonimizada: “o Senhor Professor Doutor Luís Antunes, [que] exerce, entre outras, as funções de Encarregado de Proteção de Dados na Comissão Nacional de Eleições, de assessoria ao Encarregado da Proteção de Dados no Banco de Portugal, e é Diretor do Centro de Competências em Cibersegurança e Privacidade da Universidade do Porto”, como refere o requerimento da sociedade BAS, a tal que, a mando do burocrata Víctor Herdeiro, anda a receber bons pecúlios dos contribuintes portugueses para esconder informação a jornalistas incómodos.

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    Quem tem medo que se saiba do que padecem, e porque padecem, os portugueses, e como são tratados nos diversos hospitais portugueses?

    E querem saber a parte gaga desta bufa e lamentável opereta?

    A digníssima testemunha indicada pelo burocrata Víctor Herdeiro, o tal “Senhor Professor Doutor Luís Antunes” (que terá concordado na inclusão do seu nome), é sócio da HealthSystems, uma empresa de cibersegurança e protecção que só este ano já ultrapassou um milhão de euros de facturação em contratos públicos, sobretudo com hospitais tutelados pelo Ministério da Saúde, que tutela a ACSS, presidida pelo burocrata-mor e protector-mor Víctor Emanuel Marnoto Herdeiro. São ‘artistas’ destes, comprometidos até ao tutano, que vão dizer algo isento, não é?

    Enfim, depois de mais de 16 meses de batalha, incluindo passagem (teoricamente) favorável por três instâncias da Justiça portuguesa, ainda hoje não sei se vou ter acesso a uma base de dados vital para uma independente avaliação do sistema de Saúde Pública em Portugal.

    Neste momento, mesmo após três decisões favoráveis em tribunal, já não me surpreende absolutamente nada que haja mais um ‘golpe de asa’ do burocrata Victor Herdeiro, e/ ou mais uns empenhos da sociedade de advogados BAS, e/ ou mais um juiz que acordou estremunhado e decide dar o dito por não dito, e que tudo fique como um Governo quer: a parecer democrático, mas impedindo que um cidadão, e em particular um jornalista, tenha em concreto o direito de escrutinar a Administração Pública e as políticas públicas.

    Mas se esse dia ocorrer, se ficarmos perante a evidência de que somos um fracasso projecto de democracia, onde burocratas como Victor Herdeiro servem como barreira protectora dos políticos, vai custar-me imenso, horrores, até porque têm sido meses de luta extenuante (e quase nunca visível) na companhia do nosso advogado Rui Amores – que, aliás, não recebe tão bem como os advogados pagos pela ACSS com o dinheiro dos contribuintes.

    Mas, acreditem também: só desistirei de todas estas lutas se os leitores desistirem de um projecto jornalístico como o PÁGINA UM. Por isso, é tão importante ter os leitores ao lado deste jornal, até poque tem sido esse apoio, através do FUNDO JURÍDICO, que municia as batalhas de um David contra os Golias.