Não desflorados, décadas de amarelecimento das páginas, e mesmo assim chegam-me as páginas ainda unidas, a clamar pelo canivete (liberta-me, liberta-me), a mão a folhear poemas envelopados, a voz do autor embargada em cada sussurro expirado pela margem aberta.
Da caixa aos teus pés a aguardar em Lisboa, e eu aqui, atolada, quem se mova muito em areias movediças fina-se (sossega, sossega!)
Deixa ver, deixa dar tempo. Dar tempo é importante no mundo e nas coisas e nas assaduras, em geral.
Ao passar de barco, sob a ponte, vejo uma mulher romântica que polvilhou sementes por cima do pilar da ponte, no embasamento de pedra, para ali nascer vida. E nasceu desde então, ali floresceu uma tenaz planta, enraizando-se na medula de argamassas, a beber do rio em suspenso, viçosa, de amplas folhas estendidas, a querer, a desejar, um regresso à mãe que estende a mão desde a guarda de ferro. E os navegadores mirando, no embasbacamento, cuidando ser mais seguro assassinar a planta, não vá uma fina raiz minar a estrutura.
Ao passar de barco, sob a memória, flutuando, vejo que uma mãe lava a louça de almoço cantarolando a Elis, como passarinho na gaiola. Passarinhos na gaiola, saberão de certo vocês, têm momentos assim. Desatam num canto contínuo, enorme, um clamor por ajuda ou que a voz se solte (liberta-me, liberta-me). Notas entrançadas no eco do azulejo e a água a correr na torneira (o movimento possível), mãos mergulhadas em espuma de um tacho sujo (o movimento do barulho da rua, do outro lado da janela) e a sublimação da solidão como precioso espaço onde se abre as asas (mulher romântica que estende a mão desde a guarda de ferro). Nascem plantas em pilares de pedra sobre as águas.
E depois do nada, silêncio.
Talvez durma. Talvez rumine os anos (e ali atolada, quem se mova muito em areias movediças fina-se).
Quem prende passarinhos em gaiolas, quem colhe flores no jardim, ou quem decepa plantas em pedras, não se apieda da vida que tira. Nem lhes ocorrerá que tiram vidas, simplesmente tratam de vida. É tratar, é andar, e arrumar. Cuidam que é cuidar (não é, não é), e por isso as linhas que lhes desenham as rugas, que estalam a pele, não se aparentam vilânicas; mostram-se, aliás, frágeis (porque os gatos têm inveja dos pássaros, já vos tinha dito).
Quem vê os passarinhos em gaiolas, desconcerta-se. Não sabem interpretar nem o silêncio nem o canto. Cuidam que abrir a porta é condenação (fascinação), e que tormenta se mostra o risco de deixar de ouvir o canto, quando o temos ali tão perto, tão seguro, tão garantido.
E afinal, dos livros não lidos, o poeta embarga-se no sussurro de cada página por desflorar. E o canivete vermelho, que jaz apreendido no balcão da autoridade, estremece para o virem libertar. Romper é preciso. Sem medo.
Mariana Santos Martins é arquitecta
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Victor Herdeiro. Melhor. Escrevo em maiúsculas – e a nominata completa para apurar o destaque: VICTOR EMANUEL MARNOTO HERDEIRO.
Para a esmagadora maioria dos leitores, esse nome nada dirá. Se acrescentar que é presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), já haverá alguns, talvez poucos, que saberão de quem se trata. E, aliás, muitos pouco sabem o que é isso da ACSS, e para que serve.
Eu elucido melhor quem é, adiantando já ser ele um burocrata. Mas um burocrata especial. Victor Herdeiro é a personificação do burocrata que qualquer político adora, porque é daqueles dirigentes da Administração Pública que, caninamente – no sentido figurado do termo, mas no sentido literal da eficácia –, tudo fará para esconder o que houver por conveniente e que possa ser sensível politicamente, porque é daqueles que não está ao serviço dos cidadãos, antes se expressa um servidor dos governantes.
Victor Emanuel Marnoto Herdeiro: o burocrata que aguenta uma sentença e dois acórdãos, e mantém a recusa em ceder a consulta de uma base de dados que não identifica as pessoas nos registos informáticos.
Victor Herdeiro é também o burocrata que recusou ceder a consulta, a um jornalista, dos dados anonimizados provenientes da Base de Dados Nacional de Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH), que inclui toda a informação dos internamentos, sem qualquer identificação de pessoas. Uma possibilidade que não só existe como está, há muito, prevista nas próprias competências da ACSS.
Mas para Victor Herdeiro, defensor-mor de ministros da Saúde, seria um horror que um jornalista com capacidade de análise de dados, independente, pudesse pegar em informação tão sensível politicamente.
E vai daí que se anda há quase ano e meio a tergiversar tribunais, para trás e para a frente. A cada derrota, mais serpenteia para o litígio seguinte – sempre socorrendo-se de uma sociedade de advogados paga a peso de ouro, a BAS, que aliás tem ligações a Lacerda Machado, como há dias escrevi – e aproveitando-se da morosidade e letargia dos tribunais.
Vem Victor Herdeiro aqui agora à liça porque nos últimos dias tenho estado, com alguma lentidão, a complementar e actualizar a secção da Transparência, aqui no PÁGINA UM, com a informação mais relevante das cerca de duas dezenas de litígios que temos (concluídos e em curso, em diferentes fases) no Tribunal Administrativo, ou seja, intimações para a consulta de documentos e base de dados.
E eis que esta madrugada consegui completar a ‘ficha’ relativa à ACSS, que foi, até agora, a mais morosa e trabalhosa – e compreenderão, assim, a minha ‘fúria’ por me encontrar num país supostamente em democracia que admite um Victor Herdeiro como burocrata. Ou então admite por não ser uma democracia.
Senão vejamos, e podem acompanhar por aqui a cronologia mais relevante (sem os muitos requerimentos, pois em Direito Administrativo quase só há texto escrito).
No dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho de 2022, o PÁGINA UM usou uma base de dados que esteve, durante um período, suspensa pela entidade presidida por Victor Herdeiro, que nunca mostrou de quem veio a ordem. A BD-GDH, pedida pelo PÁGINA UM, tem um potencial informativo muito superior.
Que fez o burocrata Victor Herdeiro despois da sentença?
Recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, usando o dinheiro dos contribuintes.
E levou sopa. Em Março deste ano, um acórdão deste Tribunal manteve a decisão da primeira instância sobre o acesso à base de dados dos internamentos.
E que fez o burocrata Victor Herdeiro, muito zeloso de proteger o ‘coiro’ do Ministério da Saúde?
Recorreu, mais uma vez, para a (suposta) derradeira instância, o Supremo Tribunal Administrativo, onde, por ordens de Víctor Herdeiro – ou sob o seu respaldo – se tentou convencer os conselheiros de que o meu pedido era “manifestamente abusivo”. Notem: num país democrático, um burocrata considera que um pedido de acesso a uma base de dados da Administração Pública por um jornalista seja considerado “manifestamente abusivo” para, assim, ser legítimo o impedir de informar.
Perdeu terceira vez. Repito: o burocrata Victor Emanuel Marnoto Herdeiro perdeu em primeira instância, perdeu em segunda instância e perdeu em terceira instância.
Entregou a base de dados?
Não. Mandou um ficheiro Excel, mal-amanhado, com uma suposta password que nunca sequer chegou a abrir o que quer que fosse de relevante, e argumentando que teria de apagar e mutilar dezenas de variáveis da base de dados, a tal ponto que nem sequer se poderia ficar a saber quantos internados em concreto houve em determinado ano, quanto mais fazer qualquer avaliação digna desse nome. Basicamente, mandou sentença e dois acórdãos às malvas, e começou novo circo, porque, infelizmente, mesmo com sentenças e acórdãos em Portugal há sempre formas de o poder ignorar ordens de tribunais – o que mostra bem o (des)nível da nossa democracia.
Desde Junho, de uma forma diplomática, tenho tentado obter acesso à base de dados – um direito que a Lei me consagra e três decisões de tribunais confirmaram.
Mas o burocrata Víctor Herdeiro já sabe as águas onde se move.
Sabe que a sua recusa, mesmo depois de uma sentença e dois acórdãos, não teve repercussão pública significativa. Raramente uma entidade pública é obrigada a dar documentos da importância de uma base de dados sobre os internamentos em Portugal – com a potencialidade de detectar lacunas ou problemas de Saúde Pública. Mas isto nenhum eco teve na imprensa mainstream, pois, enfim, esta não aprecia o que o PÁGINA UM faz (e que ela, com muitos mais meios, é incapaz de fazer somente por falta de coragem, porque existem muitos mais jornalistas tão bons ou mesmo muito melhores do que eu). Portanto, como burocrata, que protege o seu ‘amo político’, ignora-me e ignora o PÁGINA UM, porque ignora qualquer caso que não o belisque na opinião pública.
Para ter acesso a uma base de dados da Administração Pública, e se houver um ‘Victor Herdeiro’ já não é suficiente ter uma sentença do Tribunal Administrativo, um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Eis a força e o poder de um burocrata em Portugal.
Sabe também o burocrata Víctor Herdeiro como funcionam os Tribunais deste triste país, mesmo se os processos de intimação são classificados de “urgentes” – e assim de, repente, mesmo com uma sentença e dois acórdãos, e com o auxílio de uma sociedade de advogados paga pelos contribuintes, assim se entretém agora a tentar ludibriar a juíza responsável pela execução da sentença entretanto solicitada pelo PÁGINA UM no passado mês de Julho, depois de esgotada a paciência.
Mas isto está longe de terminar, e acho que a ACSS, através da sociedade BAS – a tal do Lacerda Machado – já fez entretanto três ou quatro requerimentos, incluindo a inclusão de uma pen com ficheiros que, segundo me diz o meu advogado, não aparecem ainda no Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF).
O mais recente episódio é do início deste mês, e inclui uma tentativa de convencer a juíza, num processo que já foi decidido, a ouvir uma digníssima testemunha sobre a impossibilidade de anonimização de uma base de dados que já está per si anonimizada: “o Senhor Professor Doutor Luís Antunes, [que] exerce, entre outras, as funções de Encarregado de Proteção de Dados na Comissão Nacional de Eleições, de assessoria ao Encarregado da Proteção de Dados no Banco de Portugal, e é Diretor do Centro de Competências em Cibersegurança e Privacidade da Universidade do Porto”, como refere o requerimento da sociedade BAS, a tal que, a mando do burocrata Víctor Herdeiro, anda a receber bons pecúlios dos contribuintes portugueses para esconder informação a jornalistas incómodos.
Quem tem medo que se saiba do que padecem, e porque padecem, os portugueses, e como são tratados nos diversos hospitais portugueses?
E querem saber a parte gaga desta bufa e lamentável opereta?
A digníssima testemunha indicada pelo burocrata Víctor Herdeiro, o tal “Senhor Professor Doutor Luís Antunes” (que terá concordado na inclusão do seu nome), é sócio da HealthSystems, uma empresa de cibersegurança e protecção que só este ano já ultrapassou um milhão de euros de facturação em contratos públicos, sobretudo com hospitais tutelados pelo Ministério da Saúde, que tutela a ACSS, presidida pelo burocrata-mor e protector-mor Víctor Emanuel Marnoto Herdeiro. São ‘artistas’ destes, comprometidos até ao tutano, que vão dizer algo isento, não é?
Enfim, depois de mais de 16 meses de batalha, incluindo passagem (teoricamente) favorável por três instâncias da Justiça portuguesa, ainda hoje não sei se vou ter acesso a uma base de dados vital para uma independente avaliação do sistema de Saúde Pública em Portugal.
Neste momento, mesmo após três decisões favoráveis em tribunal, já não me surpreende absolutamente nada que haja mais um ‘golpe de asa’ do burocrata Victor Herdeiro, e/ ou mais uns empenhos da sociedade de advogados BAS, e/ ou mais um juiz que acordou estremunhado e decide dar o dito por não dito, e que tudo fique como um Governo quer: a parecer democrático, mas impedindo que um cidadão, e em particular um jornalista, tenha em concreto o direito de escrutinar a Administração Pública e as políticas públicas.
Mas se esse dia ocorrer, se ficarmos perante a evidência de que somos um fracasso projecto de democracia, onde burocratas como Victor Herdeiro servem como barreira protectora dos políticos, vai custar-me imenso, horrores, até porque têm sido meses de luta extenuante (e quase nunca visível) na companhia do nosso advogado Rui Amores – que, aliás, não recebe tão bem como os advogados pagos pela ACSS com o dinheiro dos contribuintes.
Mas, acreditem também: só desistirei de todas estas lutas se os leitores desistirem de um projecto jornalístico como o PÁGINA UM. Por isso, é tão importante ter os leitores ao lado deste jornal, até poque tem sido esse apoio, através do FUNDO JURÍDICO, que municia as batalhas de um David contra os Golias.
A emigração de nacionais de países do denominado Terceiro Mundo” para países ricos, como é caso de muitos países europeus, é um tema de forte discórdia há muito tempo. Países como a Suécia, a Holanda, o Reino Unido, a França ou a Alemanha debatem-se com um problema: como integrar milhões de imigrantes, não só socialmente mas também economicamente?
Portugal, apesar de ser um pobre num clube rico, começou recentemente a deparar-se com esta questão. Há semanas, recebemos o anúncio de que a agência que irá substituir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) pretende legalizar 600 mil imigrantes, cerca de 6% da população portuguesa!
Do ponto de vista político, temos dois lados da barricada: (i) de um lado, os partidos de “extrema-direita”, que apelam ao fim desta “invasão”; (ii) do outro, os partidos do sistema e de extrema-esquerda a defender uma política de “portas abertas”, em nome da “solidariedade” – como sempre, a solidariedade com o nosso bolso! No espaço mediático, quem se posiciona contra a política de “fronteiras abertas” recebe de imediato o epíteto de racista e xenófobo, impedindo qualquer discussão séria.
Para um libertário, como é o meu caso, parecerá correcto aceitar uma política de livre movimentação de pessoas? Na verdade, mostra-se natural que os leitores pensem o seguinte: se eu defendo o livre comércio, também defendo fronteiras abertas. Mas antes de responder à questão, importa, em primeiro lugar, distinguir a diferença entre o livre comércio e a migração de pessoas sem limitações ou entraves.
Reparem: o primeiro obriga a um acordo voluntário entre as partes, comprador e vendedor; e como é óbvio, um bem não tem vontade própria, apenas é deslocado do ponto A para o ponto B com a concordância das partes que o transaccionam.
O segundo, ao contrário de bens, pode ter lugar sem qualquer autorização prévia por parte dos residentes do território receptor; ou seja, as pessoas têm vontade própria, não dependem de terceiros para migrarem.
Que razões estarão por detrás da deslocação de pessoas de uma região para outra?
Fundamentalmente, razões económicas: as regiões com elevados salários atraem migrantes provenientes de zonas pobres. No sentido contrário, temos o capital, que tende a deslocar-se para regiões com baixos salários, por forma a tornar-se mais competitivo e obter maiores margens. Uma das formas de atenuar estes dois movimentos contrários é a existência de comércio livre.
Vejamos o caso da actual União Europeia, uma área económica altamente proteccionista. Nos dias que correm, basta regular todas as actividades económicas ao mais ínfimo detalhe para se eliminar qualquer concorrência do exterior. É tudo feito para o “nosso bem”, sempre para nos “proteger como consumidores”. Neste contexto, as empresas são obrigadas a implementar milhares de regulações para aceder ao mercado de consumo europeu. Desta forma, o estabelecimento de um negócio num país pobre para exportar para a União Europeia está automaticamente condenado ao fracasso. Apenas países como a China são capazes de o fazer, dado já terem recursos e escala para tal.
Passemos agora para um exemplo de um país pobre e altamente proteccionista. Atente-se ao que acontece no Brasil, um país com elevadíssimas taxas alfandegárias. Os construtores automóveis, como a Fiat ou a Volkswagen, constroem aí as suas fábricas, caso contrário não seriam competitivos no mercado local, dado que os carros exportados a partir da Alemanha ou Itália chegariam ao mercado brasileiro a preços proibitivos. No entanto, esses investimentos nunca servem para produzir carros no Brasil, onde os trabalhadores auferem baixos salários, para exportar para a Europa.
Em conclusão, o proteccionismo agudiza os referidos movimentos: (i) a migração de nacionais de países pobres para ricos; (2) a deslocação de capitais de países ricos para países pobres. O contrário do comércio livre, que atenua consideravelmente esta tendência, ao permitir que negócios que contratem trabalhadores em países pobres possam exportar directamente para zonas ricas, sem barreiras alfandegárias e regulatórias.
Num Mundo sem a existência de Estados, aquilo que defendo, os negócios entre particulares e empresas de diferentes regiões seriam livres e voluntários, pelo que os movimentos sobreditos seriam consideravelmente atenuados. São precisamente os Estados que criam barreiras ao livre comércio, através de políticos como Trump, Bolsonaro ou Ursula von der Leyen, altamente defensores deste tipo de políticas, em oposição ao que defende Javier Milei, um libertário. Além disso, ao erigirem generosos “Estados Sociais”, pagos com o roubo à população produtiva, atraem ainda mais este movimento migratório: incrível, dão-nos comida e casa grátis!
Vejamos agora o que aconteceria num Mundo sem Estados, sem propriedade pública, onde apenas existiria propriedade privada. Tal como os bens, a entrada de pessoas num dado território teria de contar com o acordo dos respectivos proprietários. Neste caso, os imigrantes teriam de receber um convite para poderem entrar.
Para além do convite, no caso de particulares, também teriam de assegurar o alojamento; no caso de negócios, teriam de assegurar salário e alojamento. E não ficaria por aqui. Aqueles que os convidam também teriam de se responsabilizar pelos possíveis estragos sobre propriedade alheia (roubos, vandalismo…), bem como por eventuais agressões à integridade física de terceiros – violações, assassinatos, etc.
Para tal, os que convidam seriam obrigados a contratar seguros. No caso de um seu convidado assaltar, agredir ou assassinar alguém, o seguro teria de indemnizar as vítimas e substituir com bens equivalentes ou reparar os objectos subtraídos e vandalizados a terceiros.
Em conclusão, numa sociedade livre, sem Estado, antes de se convidar alguém, tem de se ponderar benefícios (baixos salários, conhecimentos técnicos) e custos (seguros, alojamento…), pois quem convida é responsável pelo que acontece aos outros. Desta forma, os seguros seriam mais caros para convites endereçados a nacionais provenientes de regiões com uma cultura que não respeita as mulheres (violações) ou a vida (ambientes de guerra, regiões controladas por máfias…).
E o que é que acontece com um Estado? Usemos um exemplo em Portugal.
Suponhamos uma empresa de estufas que contrata trabalhadores do Bangladesh; ou a Uber que contrata motoristas provenientes da Índia e Paquistão. Se algo acontecer, como violações, crimes ou assaltos, o custo não se reflecte sobre quem contratou, mas sobre toda a sociedade. No fundo, ninguém é responsável. Com a existência do Estado, quem “convida” apenas tem em conta os benefícios e nunca os custos!
Como expliquei em artigo anterior, ao contrário de uma Monarquia Absoluta – onde não existia propriedade pública, mas já existia Estado –, numa democracia os eleitos não são proprietários de nada, apenas usufruem do tacho enquanto estão no poder. Têm de roubar no mais curto espaço de tempo, é-lhes indiferente se a casa vai ficar destruída com o número elevadíssimo de inquilinos que lá põem.
Não espanta que não estejam preocupados com os danos sobre as infra-estruturas e serviços essenciais de um país que podem ser causados por tal “invasão”; por outro lado, ao serem uma casta privilegiada, vivem numa bolha e longe destes problemas – nunca ninguém os viu a viver ao lado de ciganos. O seu interesse é apenas um: roubar uma minoria para comprar os votos da maioria, ganhando assim eleições e a eternização no poder.
Não espanta que não estejam preocupados com a entrada de uma horda de imigrantes. Para eles, é só vantagens: (i) recebem um “balão de oxigénio” para o gigantesco esquema em pirâmide que criaram, mais conhecido por segurança social; (ii) compram votos com as casas, alimentos e serviços médicos “grátis”, obviamente pagos pela plebe, e colocando uma medalha ao peito pela solidariedade praticada com o dinheiro dos outros. Finalmente, para evitarem qualquer crítica, asseguram-se que os órgãos de propaganda, pagos com o nosso bolso, lancem os indispensáveis epítetos racista e xenófobo a qualquer opositor.
Temos assim a suprema humilhação: de um lado, a “extrema-direita”, que se aproveita da frustração e desespero das populações para ganhar votos; do outro, os partidos de extrema-esquerda e do regime que cancelam qualquer voz crítica, usando as eternas palavras do medo: “cuidado, vem aí os fascistas que não os deixam entrar”. Na verdade, nenhum aponta o verdadeiro problema: o Estado e a propriedade pública.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Sempre que ouço “liberalização do mercado de trabalho”, como se isso fosse o cálice sagrado do Indiana Jones, fico ligeiramente enervado. Em Portugal, por norma, essa grotesca resolução surge no programa da Iniciativa Liberal e, consoante as semanas e os pedidos das redes sociais, também aparece na gritaria perpetuada pelo Chega. Agora, mais recentemente, foi Milei, na Argentina, a levantar a bandeira da “liberdade” no trabalho com a liberalização de todo e qualquer direito.
Trocando por miúdos – expressão curiosa esta –, liberalizar o mercado pressupõe que se for mais fácil despedir, então também será mais fácil contratar porque o medo dos empregadores desaparece. Reparem como a narrativa liberal é sempre feita do lado do empregador. Ele tem medo, tem muitas regras para cumprir, e quando contrata tem dificuldade em despedir; ele, no fundo, quer gerar emprego, mas a lei não o permite.
Ora, meus amigos, o empregador não quer, não manda e não decide. O empregador, quando muito, tem o privilégio de recolher o lucro do trabalho dos outros; portanto, a história tem que ser vista na perspectiva de quem trabalha, não de quem arrecada.
Prédios vazios são só prédios vazios. Com ou sem dono. Já prédios com gente a trabalhar lá dentro é que passam a ser empresas; portanto, é bom que percebamos, de uma vez, onde está a força no mundo do trabalho. Está em quem gera, não em quem recolhe os dividendos.
Flexibilizar o despedimento e enfraquecer sindicatos, como defende a direita de uma forma geral, não traz riqueza ou progresso para ninguém. Quando muito, cria uma selva onde as diferenças entre as diferentes classes profissionais se acentuam.
Há anos que trabalho num mercado liberalizado. Com regras, é certo, mas onde o despedimento e a contratação são relativamente simples. Um mercado com poucas pessoas, com elevado nível de formação, e com uma economia forte que gera muito emprego, assente nas empresas multinacionais e em milhares de PMEs tecnológicas. Esta é uma realidade (Suécia) que começa com um ensino verdadeiramente universal, base de tudo, e que continua com imposições fortes para salários mínimos que começam num nível de dignidade aceitável. Na verdade, não existe, sequer, um valor mínimo. Mas ninguém trabalha um mês por menos do que 2.000 euros.
No fim desta história, há mais empregos do que pessoas e, dessa forma, é possível despedir e contratar todos os dias porque há sempre falta de alguém na porta ao lado. Esta não é a realidade portuguesa e não será nas próximas décadas, portanto, tentar reproduzir algo semelhante serviria apenas para mais abusos sobre os trabalhadores.
Mas, já agora: mesmo em países de Primeiro Mundo, e ao fim de 18 anos de contratos temporários, deixem-me dizer-vos, claramente, que a selva laboral jamais será a solução seja para o que for.
Já perdi a conta aos empregadores que tive e aos colegas com quem troquei ideias. Tenho que ler o curriculum para me lembrar por onde andei e o que fiz. Em todos, sem excepção, nunca tive mais do que meses de estabilidade. Não é fácil planear uma vida com contratos de seis meses. É muito complicado tomar decisões familiares e assumir riscos sem saber o que acontecerá no ano seguinte.
Nos últimos dois anos resolvi trabalhar com uma empresa chinesa. Tem as suas vantagens, não o nego, mas o ritmo de trabalho e a instabilidade é diária. Hoje estão a traçar metas para 2025, no dia seguinte estão a despedir 60 pessoas e, um dia passado, resolvem afinal despachar mais 40. Uma pessoa de meia-idade, como é o meu caso, anda por ali a pensar quando é que a espada deixa de passar ao lado e finalmente encosta em nós. Todas as semanas vejo empregos no Linkedin e preparo planos de saída para o caso de os chineses apontarem ao oásis luso. E a Lagarde não quer saber de flexibilização laboral; ela quer é ver os meus 5% de juros no crédito à habitação a baterem no Banco Central todos os meses; o resto não é problema dela.
Todos os dias há um colega que anuncia que se vai embora e a maior parte das equipas naquela empresa foram afectadas, reduzidas ou, como eles dizem, reestruturadas. A excepção foi de facto a equipa portuguesa que, aos olhos dos chineses, deve manter-se intacta. Para isso, foram necessários sete meses sem fins-de-semana, Verão sem férias e uma disponibilidade total que, em última análise, nos vai queimando um a um.
Portanto, nada que seja saudável ou sequer possível de manter. E mesmo assim, com este esforço todo e com os despedimentos que vemos em redor, temos todos a consciência de que o nosso lugar só está seguro até ao Verão de 2024. Um luxo: quase sete meses para imaginar como seria uma vida estável.
Por outro lado, os despedimentos colectivos na Suécia passam pelos sindicatos – é bom dizê-lo. As negociações duram normalmente uma manhã, julgo que devem ser feitas entre um bolo e um café (a famosa fika), e consistem essencialmente em dizer ao sindicalista de serviço onde é que ele tem que assinar. Os sindicatos suecos servem apenas para coleccionar cotas mensais e dar um dízimo mensal, durante três meses, em caso de despedimento. São mais inúteis do que um par de barbatanas num bidé.
Em resumo, os trabalhadores dos tal mercado liberalizado são deixados entre duas hipóteses: trabalhar até rebentar, abdicar de tempo de lazer com a família, danificar a saúde mental e manter o emprego por mais uns tempos ou, ser apenas normal e aceitar o despedimento como uma parte normal do percurso profissional.
Isto é o mercado flexível e liberal num país de Primeiro Mundo. Agora imaginem num país com índices menores de desenvolvimento e de baixos salários.
Como há pobres que ainda aplaudem e sonham com isto, da Argentina a Portugal, é algo que jamais perceberei.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Desdobram-se em campanhas publicitárias a marcas. Mercantilizam a sátira, o humor e os seus nomes. Beliscam poderosos, mas pouco e preferem atacar a Cristina Ferreira, o Ronaldo e o Luís Goucha. Fogem de temas tabu como o diabo da cruz.
“DesConfiam” de “histórias inspiradoras” e de “gurus” da auto-ajuda – o mote de um espectáculo da autoria da comediante da Rádio Renascença Joana Marques. Mas não “DesConfiam” nada, nadinha, das políticas anti-democráticas em marcha, de medidas que aumentam a pobreza, financiam guerras, nem desconfiam da ganância de empresas que incentivam o consumo desenfreado. Aliás, alguns comediantes trabalham para essas empresas, como Joana Marques, que protagoniza a recente campanha sobre a Black Friday da Fnac.
São comediantes pop, famosos e “fofinhos”, ambientados a um status quo decadente, em que a democracia definha, o jornalismo com J grande está praticamente às moscas, os músicos e artistas são facilmente comprados e a cultura de cancelamento e a censura são o normal.
Joana Marques, humorista e guionista da Rádio Renascença em anúncios publicitários à seguradora Logo, do Grupo Generali.
Com honrosas excepções em Portugal, como é o caso de Herman José que, ainda assim, vai “mexendo” com personalidades “intocáveis” – e que já foi censurado pela estatal RTP no passado –, a maioria dos comediantes famosos portugueses não passam hoje de bobos da corte para fazer circo e distrair as massas, “elevados” a estrelas das revistas Caras e Flash!.
Ninguém no poder os teme realmente. Nenhuma grande indústria os ameaça com processos. Pelo contrário. Tanto entidades públicas como empresas e bancos os contratam para venderem o seu “peixe”.
Vamos ser claros. Se és comediante e grandes empresas que vendem produtos de consumo te contratam para vender os seus produtos, então estás a falhar no teu trabalho.
Se és comediante e uma direcção-geral te contrata para um anúncio, então não estás a ser bom no teu trabalho.
Se és comediante e ainda não foste cancelado por ninguém, então estás a fazer um mau trabalho.
Se ainda não tiveste um vídeo ou um podcast censurado numa das grandes redes sociais, então estás a falhar como comediante ou guionista.
Ricardo Araújo Pereira, do programa “Isto é gozar com quem trabalha”, da SIC, é o rosto da Worten.
Se te tratam como uma estrela pop e recebes prémios ao estilo da revista Caras, do género ‘Globo de Ouro’, então és um comediante falhado.
Se receberes, por fim, alguma medalha, honra ou comenda de Marcelo, então o insucesso será total, mesmo se a tua conta bancária disser o contrário.
Pior. Se não tens sucesso como comediante (verdadeiro), e apenas és um comediante “bonzinho” e vendido a empresas, a entidades públicas, e ao establishment – que promove guerras, o consumo e a divisão –, então isso quer dizer outra coisa: fazes parte do status quo. E do problema.
As democracias nos países ocidentais têm vindo a ser enfraquecidas pelos governos, sobretudo desde 2020, com sérios ataques às leis fundamentais. Reforçaram-se alianças entre governos e gigantes empresariais e criaram-se novas formas de censura, nomeadamente recorrendo às últimas ferramentas tecnológicas e ao acelerado mundo digital, onde motores de busca e redes sociais globais dominam o espaço de acesso a informação.
Joana Marques, humorista/guionista do programa “As três da manhã” e “Extremamente Desagradável”, da Rádio Renascença, anunciou um espectáculo que tem segunda data agendada.
Passou a ser normal, no mundo da Internet, se considerados não se sabe bem por que ‘forças’, a censura de desalinhados comediantes, jornalistas, académicos, cientistas, médicos, professores e artistas. Por exemplo, na pandemia foram eliminadas no YouTube imitações de ir às lágrimas de personalidades como Anthony Fauci – estratega da política covid nos Estados Unidos, que está hoje sob suspeita de ter autorizado (e tentado ocultar) o financiamento irregular de uma empresa norte-americana que conduziu investigação controversa (gain-of-function) com o vírus do coronavírus no laboratório em Wuhan, na China.
A censura e eliminação de notícias verdadeiras e sketchs cómicos “não autorizados” pela tecno-ditadura prossegue, hoje. Já para não falar de que se tem vindo a instalar uma cultura de cancelamento, em que todos os que não alinham com o establishment são postos de lado e deixam de ter trabalho ou de ser entrevistados pelos media.
Hoje, comediantes a sério em Portugal são avisraras. Há humoristas muito engraçados, mas limitam-se a fazer uma comédia soft, comercial, fácil e levezinha e enterram a cabeça na areia no que toca a assuntos urgentes para a democracia e o país. Brincam com coisas sérias, mas só um bocadinho. Atacam estrelas e famosos e beliscam um bocadinho alguns poderosos, mas só um bocadinho. Ah! E claro, seguem a regra número um dos comediantes que se venderam (renderam) à era do capitalismo sem alma e das políticas anti-democráticas: não se metem com temas tabu.
Joana Marques, Nilton e Nuno Markl no Palácio de São Bento numa amena conversa com o primeiro-ministro António Costa, promovida pela Rádio Renascença em 2019. Um exemplo simbólico de como hoje, os comediantes já se sentam à mesa do poder. E riem-se com eles.
Alguns dos famosos comediantes portugueses têm-se desdobrado, nos últimos anos, em anúncios e campanhas publicitárias. Isso nada tem de mal, se não fosse uma consequência do seu insucesso como comediantes a sério, daqueles que agitam democracias em decadência e em acelerada transição para ditaduras, como é o caso de Portugal.
Não tem nada mal, mas se ainda não foram cancelados, nem censurados pelo status quo decadente dominante, então andam a fazer o quê? Já sei: andam a brincar. E a fazer pela vida, isto é, a ganhar dinheiro. E a entreter as massas sem beliscar o poder. São os comediantes do Regime.
Andar a brincar não tem mal. Nem todos os comediantes têm de ficar na História como profissionais corajosos e admirados décadas a fio. Há espaço para humoristas fofinhos e amigos do poder e das grandes empresas. Mas tinham de ser tantos? Quase todos?
No caso da humorista Joana Marques, angariou recentemente uma campanha publicitária para promover a FNAC. “Calma, jovem! A Black Friday FNAC está a chegar, mas até lá treina com os Black Deals”, diz um dos slogans com uma foto ao lado da humorista. Traz-lhe dinheiro e ajuda a espalhar a sua “marca” e imagem.
“Só víamos a Joana Marques como cara desta campanha. Ninguém melhor do que uma das melhores humoristas do País para, de forma simples e eficaz, passar a mensagem de que na Black Friday FNAC é possível encontrar os melhores produtos aos melhores preços e sem stress”, revelou, em comunicado, Inês Condeço, diretora de marketing e comunicação da FNAC, citada pela Marketeer.
Só esta frase da responsável da FNAC deveria deixar uma humorista como Joana Marques com vergonha.
Além dos diferentes anúncios, incluindo vídeos, a FNAC desenvolveu, citada na Marketeer, “uma campanha essencialmente digital, utilizando canais como o Instagram e o Spotify, e ainda uma breve presença no programa As Três da Manhã, da rádio Renascença, junto ao podcast Extremamente Desagradável”.
É uma pena. A humorista “Extremista Desagradável” – por se ter tornado conhecida pelos ataques agrestes e contundentes que lança a personalidades famosas – deita pela sanita abaixo “o menino junto com a água do banho”. Vende-se e isso nota-se. Além da campanha da FNAC, tem sido também o rosto da seguradora Logo, do Grupo Generali, Logo, que aliás patrocina o seu novo espectáculo anunciado para o Altice Arena.
Sem surpresas, o povo inebriado, anestesiado – como numa Roma em chamas –, bate palmas a este tipo de circo amigo de Nero, e esgotou a primeira data daquele espectáculo de Joana Marques. Vai haver mais circo.
Bruno Nogueira foi o rosto nesta campanha do Banco Montepio.
Não surpreende que, como membro do establishment, Joana Marques tenha sido um dos ‘famosos’ que fez campanha com a DGS. “Sou adepta de futebol mas sou também agente de saúde pública”, disse num dos vídeos de “várias figuras do futebol e da sociedade [que estiveram] unidos em campanha para garantir o regresso do futebol e da Liga NOS em segurança”.
Eis no ponto em que estamos: uma comediante a dizer que é um “agente [de qualquer coisa] pública”… A mim, nascida em Abril de 1974, ver alguém dizer “sou um agente de saúde pública” ou “sou um agente”, simplesmente, traz-me arrepios e remete-nos aos negros tempos de ditadura. Qualquer um que tenha tido aulas de História conseguiria ver os sinais. Mas muitos comediantes, incluindo Joana Marques, não viram. Não vêem. Não “DesConfiam”. Não lhes dá jeito, também. Por isso, alguns comediantes lusos alinharam com a tendência de chamar “negacionista” ou anti-vacinas” a todas as vozes consideradas “dissidentes”, não alinhadas com os comunicados de imprensa do governo na pandemia.
Quando os portugueses mais precisaram de comediantes a sério, em geral, eles acobardaram-se (como de resto, também jornalistas, artistas, músicos) e meteram o rabinho entre as pernas. Num país pequeno como Portugal, que vive à custa da distribuição de dinheiros do Estado e das autarquias, os comediantes apenas beliscam poderosos, mas não incomodam. Nunca mordem, e sequer ladram; dão latidos. Agora nunca se metem em temas tabu que lhes possam afectar as audiências. E as receitas.
Herman José tem sido um caso raro de humor português que não receia quebrar tabus.
Atacar Jesus e Maomé? Na boa! Atacar celebridades, como a Cristina Ferreira? Maravilha! Jogadores de bola como o Cristiano Ronaldo? Obviamente! Agora, mexer com as políticas que de facto interessam? Mexer com a forte ameaça que os governos têm sido para a democracia? Mexer no facto de os grupos de comunicação social estarem corrompidos e o jornalismo ter sido reduzido a pó? Mexer na mortalidade em excesso e a morte inexplicada de cada vez mais jovens? Mexer na desastrosa gestão da pandemia? Mexer nas farmacêuticas, como aliás Herman José fez brilhantemente há umas décadas (a partir do 1,30 minutos)? Não! Isso não tinha piada nenhuma… para a sua conta bancária.
Infelizmente, este cenário não é único em Portugal. Por exemplo, no caso de temas tabu da pandemia e das políticas covid, em Portugal restaram-nos alguns sketchs de Herman José, meio a medo. Lá fora, a maioria acobardou-se. O deserto de pensamento crítico de comediantes desde 2020 era tal que Charlie Chaplin ‘ressuscitou’ com o seu brilhante monólogo no final do filme “O Grande Ditador” para preencher o espaço deixado em branco pelos humoristas do século XXI em plena descida aos infernos de políticas anti-democráticas, de censura e apartheid.
No estrangeiro, ainda assistimos a exemplos de comediantes corajosos, que abordaram temas “proibidos” durante a pandemia. Mas mesmo assim a custo. E com custos. Por exemplo, o humorista norte-americano, Jimmy Dore, só quando sofreu reacções adversas à vacina contra a covid-19, fez um stand-up elegante e brilhante sobre este tema, que então viralizou. (Curiosamente, fui rever este vídeo no YouTube para este texto e surgiu o anúncio sobre Black Friday da FNAC…)
Charlie Chaplin no seu famoso monólogo de “O Grande Ditador”, que protagonizou o filme, estreado em 1940, antes dos Estados Unidos se envolverem na II Guerra Mundial. A película foi censurada em diversos países com regimes fascistas e levou a que os Estados Unidos, mais tarde, perseguissem o génio da comédia, acusando-o de ser comunista.
Também o actor Woody Harrelson demonstrou ter mais coragem do que todos os Ricky Gervais deste Mundo. Num monólogo no programa Saturday Night Live, há cerca de nove meses, em apenas um minuto, obliterou o tabu em torno de fazer comédia e sátira com temas proibidos da pandemia [a partir dos 5,44 minutos], num sketch agora famoso.
Aliás, desde 2020 deu para concluir que os comediantes dos nossos dias são “fofinhos”, porque não são nada burros. Falar de determinados temas fá-los perder mais do que ganhar. Sempre que criam uma piada têm de pensar se perdem o programa na rádio ou na TV. Se perdem o patrocínio. Se perdem o cachet para encher aquela grande sala. Se perdem as campanhas de publicidade à seguradora, à empresa de electrodomésticos, à distribuidora de café, ao detergente, àquela bebida de Verão. Se perdem a possibilidade de sair em revistas, de ser nomeados para os “Globos de Ouro”, de ficarem esquecidos por talkshows onde ‘famosos’ se auto-convidam.
Enfim, para quê perder aquela campanha milionária da companhia de seguros só por causa de uma piada?
Para quê perder o cachet e a oportunidade de vender electrodomésticos na Worten só para “brincar” com aquelas medidas que vão destruir para sempre a nossa Constituição e a nossa democracia? Para quê “brincar” com aqueles telejornais e jornalistas que vendem marcas de empresas e autarcas e ministros em directo na TV em espaços de informação? Para quê?
Nuno Markl numa campanha publicitária aos detergentes Surf.
Eles, cá em Portugal, seguem a bitola internacional. A esmagadora maioria dos comediantes fazem parte do statusquo de um Ocidente em decadência, que vende por um prato de lentilhas os seus princípios democráticos, os direitos humanos, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
E isto porque se deixou, e eles (os comediantes) deixaram, que o cancelamento se instalasse (e houve muitos que colaboraram). E a malta tem filhas a estudar no estrangeiro. E piscinas para construir. E a cozinha para remodelar, que não é só jornalistas que precisam de remodelar cozinhas. Não há cá pão para malucos. Fazer piadas expondo as democracias a ir ao fundo? Não senhor! Os comediantes vão continuar a actuar junto com a orquestra até o Titanic afundar.
Sem jornalistas – porque hoje a maioria faz parte do establishment. Sem humoristas dissidentes, sem artistas revolucionários, sem músicos fora do ritmo, sem cantores irreverentes, sem defensores da democracia e da liberdade de ser e de se expressar. Estamos assim com muitas ausências, e com demasiados defensores e propagandistas dos cânones das religiões da moda, cheias de crentes no wokismo mas simultaneamente fãs da uma Economia de consumo e do supérfluo… É assim que estamos.
“A ganância envenenou as almas dos homens, barricou o Mundo em ódio, lançou-nos na miséria e no derramamento de sangue. Desenvolvemos velocidade, mas fechámo-nos em nós próprios. Máquinas que nos dão abundância e nos deixam em falta”, disse Chaplin em 1940. Disse-o num filme, com uma acutilância naquela época de horror em que um comediante, brilhante como ele, achou que um comediante tem o dever também de ir mais além em tempos perigosos.
Ricardo Araújo Pereira num anúncio da Worten alusivo ao Natal.
E hoje parecem-nos já tão longínquos os tempos em que comediantes colocavam os dedos nas feridas. Hoje temos comediantes que bebem no mesmo banquete daqueles que promovem políticas anti-democráticas e ambicionam a instalação de ditaduras com mãos tecnológicas e que compram facilmente os media com “parcerias comerciais”.
Hoje, os comediantes refastelam-se no status quo para seu favor financeiro. Comem dinheiros públicos e privados à grande e à francesa, banqueteiam-se numa festa onde o motivo para a risota não é só a Cristina Ferreira ou o Ronaldo ou os tiques do Marcelo ou a voz do Moedas ou a articulação do Costa, ou as esquisitices e extravagâncias mais ou menos esotéricas de personagens das redes sociais. A piada, somos, afinal, todos nós. E eles continuam, alarvemente, como Comediantes do Regime para a risota (e descanso) do poder. Há uns séculos, nas monarquias, eram chamados de Bobos da Corte.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O problema dos demagogos e dos “levezinhos” está num ditado popular: gato escondido com rabo de fora. Em Março, levamos às urnas a avaliação de oito anos de Partido Socialista (PS). Não está em causa o Estado democrático garantido pelas suas instituições. O Estado não é o governo de António Costa ou de Passos Coelho. O Estado é muito mais e sobrevive a todos estes actores.
Portugal leva a votos a avaliação de oito anos de medidas realizadas pelo PS, e o exemplo dos TVDE é importante. Faz uns dias que foram fiscalizados 1.500 veículos pela GNR e PSP e encontraram-se todos os crimes expectáveis numa actividade dominada pelos erros múltiplos das políticas socialistas.
Políticas erradas de vistos de imigração. Gente sem contratos, plataformas sem leis, gestores a roubar, carros sem fiscalização. Migrantes arrebanhados sem critério para funções para as quais são inadequados. Patrões inapresentáveis, como os de Odemira, presenças de máfias de maltratar. Todos os cogumelos brotam das decisões húmidas e pouco reflectidas, e sempre sem respaldo transversal numa maioria ao centro.
Tudo isto seria impossível de imputar ao Governo se, em 2018, o PS não tivesse mudado a lei de 2014 de Passos Coelho, e depois se esquecesse de a corrigir e regulamentar.
Um Governo que não ouve ninguém, como o conjunto de reflexões da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que é o regulador económico independente do Ecossistema da Mobilidade e dos Transportes – um relato exaustivo e ponderado do que se passava com a nova lei à PS.
Depois, decidiu que a DECO também não teria razão. As declarações que aconselhavam mudanças na lei e no regime jurídico aplicável ao transporte individual de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma electrónica, bem como destas plataformas, foram para a gaveta da História.
Ou seja, todos os que observavam e recomendavam, ou reflectiam, sobre as decisões e alterações eram contra-revolucionários, negacionistas, vindos da direita.
António Costa
A rusga das autoridades demonstra o que se passa em Portugal com os TVDE desde que António Costa governa. É uma recorrência nas políticas de reciclagem, nas opções da energia, nas telecomunicações, no triste SIRESP, na inominável Televisão Digital Terrestre de invenção socialista.
Este é o pacote do PS de onde me afastei. Não é um partido conciliador, um grupo de encontro de consensos e de boas práticas, mas sim um instrumento ideológico da globalização feroz.
Pedro Nuno Santos é ainda mais evidente como arauto desta fantasia que destruiu as Parcerias Público Privadas e assim conseguiu “fechamentos” em Loures, Vila Franca e Braga, sem arrependimento. É músico no funeral de 4 mil milhões na TAP. É o “cantautor” da balada da EFACEC. É adjunto dos 6 mil milhões derramados na energia por fechar o Pego e Sines. É um defensor acérrimo das políticas contra as forças de segurança e a favor das indemnizações milionárias de um cidadão violento no aeroporto, e de um tipo que levava o filho na carrinha dos crimes.
O problema não está em condenar a violência e indemnizar as vítimas: está em que as mulheres de polícias mortos às mãos de assassinos, em nossa defesa, nunca viram tanto dinheiro nas suas vidas. Dois pesos e duas medidas.
Pedro Nuno Santos
Foi a mesma Lucília Gago que deu origem a estas indemnizações fora da caixa, que pôs agora em causa o primeiro-ministro e o Governo. Agora é uma “bruxa má” que atacou o PS. Estes demagogos perigosos devem ir para casa e aprender o que custa pagar o rendimento sobre o trabalho, o IUC, o IMI, o IRC, etc.
No caso da operação ‘TVDE Seguro’, entre segunda e sexta-feira passadas, as autoridades fiscalizaram quase 1.500 condutores de TVDE, tendo sido detectadas, entre as diversas irregularidades, a inexistência de contratos laborais escritos, desrespeito pelos períodos de descanso e falta de licença. No total, foram registados, pela PSP e pela GNR, 569 autos de contraordenação.
Diogo Cabrita é médico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Vários partidos pretendem comemorar o aniversário do golpe de 25 Novembro de 1975 debaixo de enorme contestação de outros.
Há quem diga que os ideais do 25 de Abril só foram atingidos com o 25 de Novembro e quem garanta que festejar essa data tem como único objectivo menorizar o papel histórico do Dia da Liberdade.
Ramalho Eanes, uma das principais figuras do golpe que, a 25 de Novembro de 1975, pôs fim ao PREC (Processo Revolucionário em Curso), como ficou conhecido o período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, que acabou com a ditadura do Estado Novo, que durou meio século, garante que esta polémica não passa de uma “trica sem interesse”.
E acrescenta, segundo o “Público”: “O 25 de Novembro foi um momento fracturante e eu entendo que os momentos fracturantes não se comemoram, recordam-se e recordam-se apenas para reflectir sobre eles. No caso do 25 de Novembro, devíamos reflectir por que é que nós portugueses, com séculos e séculos de história, com uma unidade nacional feita de uma cultura distintiva profunda, por que é que chegámos àquela situação, por que é que chegámos à beira da guerra civil”.
Recordemos então:
Depois do 25 de Abril de 1974 houve uma deserção generalizada dos políticos do Regime.
Às primeiras eleições livres concorreram vários partidos sendo que nem um se apresentava como sendo “de direita”.
Aparecia o CDS com a definição de centrista, algo que já exigia alguma coragem, reconheça-se, mas todos os outros, PPD incluído, defendiam o “socialismo”.
Obviamente que aqueles que se sentiam prejudicados com a perda de bens materiais (autênticas fortunas, em muitos casos) e influência política, não ficaram parados e as manifestações de desagrado, pelo caminho político que se seguia, começaram a ganhar alguma força até que, a partir de Julho de 1975, principalmente no norte e centro do país, a situação se agravou com bombas a destruírem as sedes do Partido Comunista.
A esquerda não ficou parada e preparou-se para se defender e retaliar.
Muitos dos seus militantes receberam milhares de armas do exército, criando autênticas milícias.
O País vivia à beira de uma guerra civil.
Era o “Verão Quente”.
Os golpes sucediam-se e as Forças Armadas dividiram-se com alguns militares a apoiar a extrema-esquerda.
A 20 de Novembro o Governo, na altura chefiado pelo Almirante Pinheiro de Azevedo, depois de ter sido “sequestrado” por trabalhadores da construção civil, na Assembleia da República, entra em greve.
A 25 de Novembro os paraquedistas ocupam as bases de Tancos, Monte Real, Montijo e o Comando da Região Aérea, no Monsanto, em Lisboa.
Esta revolta serviu para justificar o avanço do grupo militar dos “moderados” que, há meses, preparava um plano militar, com o total apoio do Partido Socialista que foi, sem dúvida, o grande vencedor nesse dia, para responder a um eventual golpe da esquerda radical.
O que fez com sucesso.
É verdade que a democracia ficou mais forte depois desse dia, mas tentar diabolizar a esquerda, mesmo a extrema-esquerda, esquecendo os ataques bombistas, os assassinatos, o terror espalhado pelos energúmenos da extrema-direita, ou por esbirros à ordem destes, é um ultraje.
Igualmente estranho é ver, hoje, a extrema-direita a tentar chamar, para si, os louros dessa vitória sob o silêncio, envergonhado do Partido Socialista.
Mesmo políticos pequeninos, como Carlos Moedas (espero que seja bom bailarino para não cair no desagrado dos portugueses adeptos de provérbios), colocam-se em bicos de pés em busca de protagonismo e tentando ajudar um líder antecipadamente condenado ao fracasso.
A escolha da data foi infeliz e com intenções diferentes das anunciadas.
Na verdade, durante 49 anos ninguém notou a falta de tal comemoração.
Sim, graças aos acontecimentos desse dia evitou-se, provavelmente, uma tragédia.
Só que, quem a pretende comemorar não estava, na altura, do lado de quem o conseguiu, mas bem ao contrário de quem levou ao país à beira de um confronto sangrento.
O 25 de Novembro é uma data a recordar, sem dúvida.
Mais com alívio do que com alegria.
Já o 25 de Abril é diferente.
É uma data que só os grandes podem explicar.
Como, por exemplo, Sophia de Mello Breyner,
“Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo”
25 de Abril, SEMPRE!
Vítor Ilharco é assessor
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O PÁGINA UM achou boa ideia colocar-me frente-a-frente com um libertário, o Luís Gomes, todas as semanas, para discutirmos a actualidade em formato de podcast, O Estrago da Nação. Saiu ontem o segundo episódio dessa experiência, e um dos temas em debate, as eleições na Argentina, fez-me pensar um pouco para lá da gritaria do momento.
Há uma regra simples para uma análise política ter o mínimo de consistência: se Trump e Bolsonaro apoiam alguém, então, em princípio, vem aí problema.
Não é que a presidência argentina influencie o Mundo ou as nossas vidas como, por exemplo, o inquilino da Casa Branca, mas o fenómeno da subida da extrema-direita, um pouco por toda a parte, é digno de debate.
Há um denominador comum na ascensão do extremismo: o descontentamento da população. Os motivos podem ser diferentes – suecos, portugueses e argentinos não se queixarão certamente do mesmo. Mas a forma populista como os políticos apresentam as suas soluções é, essencialmente, a mesma. Radical, de corte, surfando a onda das queixas daquela semana. Raramente há um plano a longo prazo ou sequer algo exequível no futuro imediato, mas a exacerbação do ódio é uma excelente forma de dividir a sociedade e de nos colocar a apontar culpados. Seja qual for o tema fracturante, entenda-se.
Quando o Chega apareceu em Portugal, confesso, fiquei um pouco espantado com o sucesso da receita. Um homem que é a personificação do sistema (André Ventura) gritava com tudo e todos, dizendo que ia acabar com a corrupção, a pobreza, o despesismo, a pesada máquina pública. Ele, cuja função no sector privado era ajudar capitais a desaparecerem para paraísos fiscais, atropelava toda a gente com um misto de populismo, demagogia e racismo que agradou a pelo menos 1 milhão de portugueses. É obra.
Quando o Chega apresentou o seu programa eleitoral, a primeira versão, falava em acabar com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a escola pública, transferindo essa responsabilidade para os privados. Ao mesmo tempo que sugeriam uma taxa única de 15% de impostos, ou seja, acabando com várias prestações sociais, numa população onde 40% está no limiar da pobreza antes destas ajudas.
Curiosamente, a esmagadora maioria dos eleitores do Chega são tipicamente pessoas da classe trabalhadora, que dependem do SNS e colocam os filhos na escola pública. Há qualquer coisa nesta relação que nunca percebi. Por mais racista que se seja, e se acabe a votar num partido sem quadros e com ideias profundamente anti-democráticas, como é que não se tiram cinco minutos neste processo para perceber que estamos a dar tiros nos pés?
A lógica é simples: se não sou rico, não posso votar em partidos que defendem os ricos e advogam uma selva para os pobres. Boa parte da população portuguesa é pobre. Diria mais: por comparação com os países civilizados e de primeiro mundo, quase toda a população portuguesa é pobre.
Sendo assim, como é que a extrema-direita tem tanto sucesso? Por mais que gritem contra os imigrantes ou a corrupção do actual poder, não conseguimos todos ver que o único interesse da extrema-direita é o mesmíssimo poder e a possibilidade de daí retirar os mesmos dividendos?
Para lá chegar farão o que for necessário consoante as queixas da população. Em Portugal, durante anos, andou André Ventura a pregar contra o Rendimento Social de Inserção (RSI), uma miséria de cento e poucos euros que abrange uma franja mínima da população. Uma gota num oceano do erário público com os ciganos como chamariz. Zero impacto nas nossas vidas, mas óptimo para o grito nos comícios e nos 20 segundos da ChegaTV.
Na Argentina, a corrupção também é um problema gigante, a inflação ultrapassa os 140%, as filas de espera nos hospitais são enormes, a taxa de desemprego é elevada e o risco de pobreza apanha 40% dos argentinos.
E o que propõe Javier Milei? Fechar o Banco Central, reduzir o Governo, acabar com as prestações sociais, pedir dólares emprestados para deixar de usar o peso, permitir a venda de armas, legalizar a venda de órgãos, passar a escola e saúde públicas para as mãos dos privados. Em poucas palavras, pretende deixar uma população pobre à sua mercê. Sem solidariedade social e sem perspectivas de estabilidade e segurança no emprego. Um salve-se quem puder que, na visão dos argentinos, era um risco aceitável, considerando as desilusões dos Governos anteriores.
Um pouco por toda a Europa, vamos vendo isto. Finlândia, Suécia, Rússia, Hungria, Holanda, Polónia, Itália, entre outros, converteram o descontentamento da população em assentos parlamentares para partidos xenófobos e racistas. Os líderes não são todos iguais, reconheço isso: Jimmie Åkesson (Suécia), André Ventura, Javier Milei ou Putin, são homens inteligentes. Bolsonaro e Trump são exemplos de populistas com uma ignorância confrangedora. Mas a mensagem repete-se, o sucesso é o mesmo.
Na Escandinávia, ao contrário do sul da Europa, a discussão não se centra na corrupção ou na inflação. Muito menos no tamanho do Estado, impostos ou falta de emprego. A todos chega tudo, eu diria. O campo fértil para o crescimento da extrema-direita foram os refugiados e as ondas de migrantes. A insegurança, os problemas de integração, as guerras de gangs.
Mesmo que a maioria desses imigrantes sejam trabalhadores e contribuam, também com impostos, para o desenvolvimento do país, pouco importam estatísticas quando existem casos pontuais que possam ser apontados. Foi assim que o SD (o Chega da Suécia) chegou ao ponto de ser a segunda força mais votada do país, com interferência directa nas decisões do Governo. A população fartou-se de quem vinha de fora e o racismo, habitualmente envergonhado e mais reservado, passou a ser assumido.
Tal como os portugueses que dependem do SNS ou da escola pública e votam no Chega, um em cada cinco suecos, que imagino apreciem a economia do país, vota no SD (sverigedemokraterna), um partido que pede aos imigrantes que se vão embora.
Gostava de ver os eleitores do Chega a viverem num país sem SNS e sem escola pública e, já agora, queria ver a Economia da Suécia sem a contribuição dos 20% de imigrantes que por aqui se vão esfolando ao frio. Neste edifício de 14 andares onde trabalho, julgo que ficariam pessoas suficientes para uma partida de Monopólio. Da recepção aos escritórios de engenharia, das limpezas à cozinha, vejo poucos louros. E depois das 16:00, só vejo mesmo peles mais curtidas pelo sol.
Entendo as queixas nos diferentes países e os problemas em realidades opostas. A saturação com a pobreza e corrupção nos países do sul ou as pinceladas de racismo nos países do norte. O que não entendo é que alguém imagine que a alternativa a partidos do Centrão (sejam mais inclinados para a esquerda ou para a direita), sejam hordas de populistas; demagogos mais preocupados em saber como assaltar o sistema do que propriamente com o bem-estar da população e o crescimento da qualidade de vida nos respectivos países.
Há vida para lá do Centrão e da extrema-direita. Está nos livros. Esperar que as diferentes versões do Chega melhorem a vida das populações, é como beber piripiri para matar a sede. Também está nos livros, do século passado.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
No mais espesso do mato, na borda de uma clareira redonda, numa espécie de buraco dos ramos entreaberto como uma alcova, estava sentada no musgo uma mulher, tendo ao seio uma criança a mamar e no regaço as cabeças loiras de outras duas a dormir. Era essa a emboscada.
Victor Hugo
NOVENTA E TRÊS 1873
É mesmo um grandessíssimo cabrão, é. Quando era mais ingénua e jovenzinha já tinha incorrido no erro de meter em casa outros cabrões, mas nunca nenhum outro com uma cara de pau tamanha. Os protectores de cabrões como o meu[1] que se deixem estar sossegado. O Sebastião não se importa minimamente com os nomes que eu lhe chamo, porque nisso é tão bom estratega como o André Ventura[2]. O Sebastião sabe que o importante é todos os dias ter muita atenção, o que requer tê-la com bastante imaginação – e, nisso, o meu ganha de longe na competição ao vosso, uma vez que o meu, ao contrário do vosso, possui uma imaginação positivamente desalmada. É uma das razões pelas quais é tão bom termos cães, não é? Podemos chamar-lhes todos os nomes feios que nos apetecerem, até podemos fazer isso na praça pública, e aliás até podemos fazer isso na praça pública PARA MILHARES DE DESCONHECIDOS. Grande coisa. Os nossos cães amam-nos incondicionalmente à mesma.
Ainda ontem, depois de um castigo verbal e metafórico horroroso, quando finalmente o deixei deitar-se ao pé de mim o Sebastião foi extremamente discreto e deixou-me ler à vontade, mas isso foi só até sentir-me ceder, ver-me apagar a luz, e já estar devidamente posicionado para o ataque[3]. Depois virou a sua barriguinha branca toda para o ar, encolheu a parte branca das patinhas o mais que pôde, suspirou, e deitou-me aquele seu olhar meigo de quem desejaria deveras algumas festinhas no peitinho branquinho de rola. Claro que é um cabrão. Eu fiz-lhe as festinhas que ele queria, disse-lhe imensas palavrinhas meigas, ele suspirou ainda mais, andou muito de bicicleta, e eu ainda fiquei a rir-me. Palavras levas o vento. E, para as nossas palavras de insulto, estão-se os cães bem a cagar. Verbo escolhido adequadamente.
Para quem ainda não foi obrigado a saber deste pequeno detalhe nada despiciendo para a história que se segue, o Sebastião é um galhardo exemplar daquela nossa raça muito única de proporções colossais e polivalência desconcertante que faz tudo desde pastorear ovelhas a assumir a guarda de montes inteiros, o Rafeiro Alentejano[4].
Talvez também já saibam que o Sebastião me entrou em casa com dois meses, como prenda de Natal. Ao fim da tarde de dia 24 tocaram-me à porta já noite fechada, fui abrir de pantufas e roupão, e era o meu amigo Bruno, ali do Zé Russo[5], com um ar muito sério e uma caixinha de vinho na mão.
O gajo é taberneiro, é normal que ofereça destilados aos amigos pelo Natal, mas quando puxei a ráfia para trás o que realmente lá estava dentro era uma coisinha minúscula, absolutamente amorosa, que dormia a sono solto mas acordou logo e se mostrou prontamente muito festiva, e ainda teve quatro dias para andar por ali a arrastar a barriguinha branca pelo chão, a fazer-me rir às gargalhadas com as suas manifestações precoces de personalidade endemoninhada, e a chamar-se Maria Alice, até eu conseguir, finalmente, aterrar com ela no Veterinário, deixando para trás em total desalinho a minha pobre cama juncada de pulgas ferozes armadas até aos dentes.
E foi assim que nasceu o Sebastião.
Ah, defendeu-se logo o Bruno com a audiência toda a rir. No monte, no palheiro, a chover como na rua, a cadela a dormir e oito cãezinhos aos berros? Eh pá – isto agora já era uma história para a geral – vocês estão a ver o Este, e mais o Aquele, daquela vez em que Não Sei Quê? Nessas condições até os criadores os confundem. A audiência, pelos vistos toda ela conhecedora destas questões delicadas do sexo dos cãezinhos, desatou a partilhar informação com grande primor.
Só depois de todo este circunlóquio, que aliás é uma das razões pelas quais eu gosto tanto de conversas com alentejanos, é que o Bruno ligou de repente à terra e me gritou, como se a culpa fosse minha,
“E a Menina Clarinha está a fazer o quê aqui dentro com um cão? Não viu o sinal ali na entrada? Quer o quê, que aqui o Senhor Parente vá dar parte de mim à ASAE?”
“Eu vim só mostrar-lhe o seu menino Sebastião, que o Bruno ainda nem conhecia.”
“Vá mas é chamar pai a outro e tire-me isso daqui.”
“Isso tem nome.”
“Isso nunca mais cá entra.”
A verdade é que eu na altura tinha mais que fazer do que ensinar a um cãozinho que ainda precisava de andar dentro da mochila com a cabecinha de fora fosse o que fosse a respeito de nunca mais voltar a entrar no Zé Russo, mas, a partir daí, bastou sempre o Bruno bater uma vez a bota no chão e fazer um “ssssta” que eu mal ouvia para a carinha preta do Sebastião, com as duas orelhas irrequietas e a manchinha branca na ponta do focinho curioso, desaparecer imediatamente do canto da porta.
Podia ter sido um acaso.
Pois, não era.
Este raio deste cão é demasiado inteligente para seu próprio bem.
Aos três meses, depois de passar horas infindas a observar-me, presenteou-me uma manhã com o espectáculo de ir às lágrimas da sua própria conchinha. Estava deitado de lado, como eu durmo sempre, muito bem enroscado no lugar vazio à minha frente, com a cabeça na almofada livre e a parte branca das patas de frente muito bem arrumada diante dela. Espiou-me pelo canto do olho, e, como eu me estava a rir e a fazer-lhe festinhas, sem vontade nenhuma de me levantar, foi-se encostando a mim com muita diplomacia, até nos deixarmos ficar ali os dois numa grande preguiça que infelizmente não pôde durar muito. Mas ainda hoje, muito grande e já mais que castrado ou ninguém continha aquela força toda, com uma preferência nítida por se esticar todo e me recostar a cabeça por cima dos pés, ainda tem noites em que vem procurar uma horinha de conchinha. Ou este novo truque que aprendeu entretanto de pôr a barriguinha branca para cima a pedir festinhas.
Achei que um cão que já fazia conchinhas bem podia aprender a fazer coisas mais úteis, mas ele aprendeu o quieto, sentado, e deitado tão depressa que eu entrei numa de circo e o ensinei a dar a pata, e depois a outra pata, e já agora as duas patas. Aos quatro meses era hábil em partilhar devagarinho a banana da noite comigo, dentada da dona, dentada do cão, e assim por diante – e sabia perfeitamente que a festa não começava enquanto ele não estivesse deitadinho e todo sossegadinho. Já quase a fazer cinco meses, aprendeu finalmente, de uma vez por todas, a respeitar as regras da Grande Batalha Naval que andava a dar-me cabo da paciência e a ir, sem falta, todos os dias pelas seis da manhã, fazer cocó e xixi ao terraço.
Como o tempo passa, pessoal.
O Sebastião fez agora um ano. Como toda a gente lhe acha muita gracinha, eu, mesmo só pela gracinha, deixei-me ir na conversa fiada do dito olhar de mel e fiz-lhe uma festinha de aniversário cá em casa. Das 18 às 21 as pessoas que foram entrando e saindo cantaram-lhe os parabéns e bateram-lhe palmas, os com mais consideração trouxeram-lhe saquinhos de biscoitos para cão[6], o animal andou ali durante três horas com a minha linda écharpe vermelha a fazer-lhe um grande laçarote ao pescoço, e estava tão vaidoso que nunca a desmanchou, levou festas de toda a gente sem precisar de pedi-las, fez uma malha tão grande num dos meus melhores collants que passei grande parte da festividade personificando com grande pose a saudosa Natália Correia…
… e, no dia seguinte, logo pela manhã, caiu-me a alma aos pés quando descobri que o meu cãozinho encantador, afinal, é igual aos outros.
Bastou-lhe uma festinha de anos[7] para o convencer que tinha adquirido aqueles direitos que só assistem àqueles que atingem posições especiais.
Percebeu, sem qualquer sombra de dúvida, que a partir de agora tinha a faca e o queijo na mão.
E fez cocó dentro de casa.
Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora
[2] O que, nas actuais circunstâncias, ainda é mais arrepiante do que já o era em dias vagamente menos calamitosos mas de alertas vermelhos já previsíveis em todo o País.
[3] Ele sabe que eu nunca resisto à posição de ataque, embora deva pensar que quem goste daquilo só pode não bater bem: todo encostadinho a mim, aquele mastodonte peludo é um saco de água quente fantástico. Em troca, deixei de ligar o aquecimento. E ele dorme por cima da colcha, como é evidente. Enfim, uma mão lava a outra. E poupa-se ne energia. Os nossos antepassados já deviam conhecer estes expedientes.
[4] A raça, que se distingue bem ao longe pela sua lindíssima cauda toda encaracolada, tem outras características mais perturbantes como estabelecer com os donos uma amizade de autêntica parceria, que parece absolutamente incompreensível em animais que foram seleccionados para uma rotina constante de todos os trabalhos pesados que se executam ao longo de áreas enormes conservadas por meses junto ao zeno do Inverno e a seguir levadas ao forno junto ao quarenta do Verão. Já várias pessoas de muitos géneros diferentes pararam ao meu lado quando me sentei onde pude, saturada de passear o Sebastião (a inversa nunca foi verdadeira), e desataram a falar do seu recém-desaparecido bicho igual a ele[4]; e eu acredito em tudo o que oiço porque o Sebastião tem sido a prova viva de tudo o que me contam. E uma coisa que as pessoas dizem muito, com muita intensidade, é que o Rafeiro Alentejano “é um cão de um só dono.” Não adianta nada levarem-no para um monte muito verde cheio de pessoas muito amigas, com muito espaço, muita comida gordurosa, muita água, e muita coisa séria para fazer, onde ele possa ser muito feliz: se o dono morre, ou desaparece sem ninguém saber como nem para onde, o bicho transforma-se na ilustração por excelência do antigo livro infantil inglês onde o animal fiel se deita em cima da campa do falecido e se deixa morrer sem verter uma lágrima. Claro que o gosto extremamente discutível dessas ilustrações era obra humana, e não canina; o que as pessoas me dizem é que “eles ainda esperam, mas eles já sabem, já nem são os mesmos, eles em pouco tempo lá arranjam a sua maneira de ir também.”
[5] O famoso tasco das melhores sandes de carne assada de todo o País.
[6] Os outros tiveram outro tipo de consideração e trouxeram comes e bebes para pessoas.
Em 1957, o fisiologista e cientista norte-americano Curt Richter realizou uma série de experiências com ratos. O seu objectivo era descobrir os efeitos do desespero e falta de esperança sobre a taxa de sobrevivência.
No início, Curt Richter colocou os ratos em baldes de água e começou a cronometrar a sua natação frenética, pois pressentiam que se iam afogar a qualquer momento. E tinham razão: efectivamente, encontravam a morte ao final de 15 minutos de delírio coribântico.
Na ronda seguinte, tiveram mais sorte. Quando se aproximavam dos fatais 15 minutos, eram retirados da água pelo munificente Curt Richter. Para desgraça dos ratos, após um descanso, eram atirados de novo para os seus baldes, morrendo após 60 horas, em lugar dos “breves” 15 minutos!
Como é que os ratos conseguiram prolongar a sua energia por forma a manterem-se vivos durante tanto tempo?
Esperança!
Já tinham sido salvos antes e acreditavam que certamente seriam resgatados novamente por Curt Richter no último minuto. A esperança prolongava-lhes a vida!
A História de Portugal nos últimos 27 anos assemelha-se à experiência dos ratos: de um lado, temos o Partido Socialista (PS), no papel de Curt Richter; do outro, o incerne pagador líquido de impostos português, há décadas a nadar incansavelmente, enquanto o PS lhe incute a eterna esperança: de que não porá fim ao “Estado Social”, que ele paga!, ou mesmo que o resgatará dos perigos da “extrema-direita”. A esperança serve apenas para assaltá-lo com maior violência, ao contrário de Curt Richter que assassinava pobres ratos.
Tudo começou em 1995, com o homem do diálogo e eterno candidato a Miss Universo – agora já é possível! –, actual Secretário-Geral das Nações Unidas. Naquela altura, Portugal encontrava-se na décima quinta posição entre os actuais 27 países da União Europeia. Atrás, excepto Malta, encontravam-se todos os países que tinham saído do pesadelo comunista.
Produto Interno Bruto (PIB) per capita em 1995 medido pela Paridade do Poder de Compra (PPP) para os 27 países da União Europeia (Unidade: EUR; preços de 2020). Fonte: Eurostat. Análise do autor.
Em 1999, o PS “ofereceu-nos” a sua primeira glória: a adesão de Portugal ao Euro. Finalmente, iria colocar-se um ponto final no regabofe das finanças públicas portuguesas. Em 27 anos, à excepção de 2019, as contas públicas estiveram sempre no vermelho, enquanto a dívida pública subiu de 55,4 mil milhões de Euros, em 1995, para 276,6 mil milhões de Euros em 2023. Em conclusão: cada cidadão, incluindo crianças e idosos, em nome do Estado, viu acrescer a sua dívida em 800 Euros todos os anos entre 1995 e 2023, num total de 21,6 mil Euros!
No final de 2001, o homem do diálogo e eterno candidato a Miss Universo, numa reacção de “fundo moral”, abandonou-nos, dizendo-nos que vivíamos num pântano, num insuportável clima pestilento de corrupção.
Uns meses depois, o PS oferecia-nos uma nova façanha, desta vez um escândalo relacionado com crimes de pedofilia, o que levou à prisão preventiva do Ex-Ministro do PS, Paulo Pedroso. Tivemos então dois altos dirigentes do PS, o actual primeiro-ministro – aparentemente não sairá até Março de 2024 – e Ferro Rodrigues, apanhados numa escuta que continha uma expressão grandiloquente: “…tou-me cagando para o segredo de justiça”.
No final de 2005, o PS salvou outra vez o povo português, pela mão do Engenheiro Sócrates, que sucedeu ao homem da noite de Lisboa. Era um homem de visão e de rasgo. Tinha uma coisa maravilhosa para nos oferecer: um Plano Tecnológico. Visava “responder de vez aos problemas estruturais que têm afectado o crescimento económico de Portugal”.
Como ficaram resolvidos tais problemas? O conspícuo engenheiro perdeu uma fulgurante carreira como vendedor itinerante de computadores Magalhães e deu-nos, em 2011, a terceira bancarrota da “democracia”. Três anos e uns meses depois, novamente no fatídico mês de Novembro, era detido preventivamente na manga de um avião no aeroporto de Lisboa a regressar de Paris. Ficámos depois a saber que tinha um amigo milionário, a quem dava instruções sobre a decoração do seu apartamento no melhor bairro de Paris, de que a sua mãe possuía um cofre com um milhão de contos e que gostava muito de livros e estantes – parece que o Vítor Escária, então seu assessor, também gosta. Até hoje, perpassa-nos uma eterna dúvida na cabeça: como converteu o milhão de contos em Euros?
Para gerir a “recuperação” da terceira bancarrota da “democracia”, tivemos ao leme do estado o Partido Socialista 2, liderado pelo actual D. Sebastião da “direita”. O seu então ministro das finanças, em 2012, ficou celebérrimo pela expressão um “enorme aumento de impostos”. Mais um roubo bíblico em forma de castigo colectivo, com o propósito de pagar a roubalheira da casta parasitária durante os anos anteriores à falência: auto-estradas sem carros, duas auto-estradas para o mesmo trajecto, aeroportos sem passageiros, estádios sem espectadores, parcerias público-privadas ruinosas, um enxame de funcionários públicos, enfim, um sem fim de ignomínias ao nosso bolso.
Entre 1995 e 2015, o regime “democrático” dos dois partidos socialistas lograra a perda de três lugares na ordenação de riqueza per capita dos 27 países que constituem a actual União Europeia.
Produto Interno Bruto (PIB) per capita em 2015 medido pela Paridade do Poder de Compra (PPP) para os 27 países da União Europeia (Unidade: EUR; preços de 2020). Fonte: Eurostat. Análise do autor.
Eis que, em 2015, os ratos voltaram a ser salvos pelo PS; tivemos então o regresso dos discípulos do homem do diálogo e eterno candidato a Miss Universo; desta vez com a filha, o filho, amigos e segundas linhas do seu governo de 1995. Estava tudo preparado para um novo sucesso, mas, desta vez, atrelado a dois partidos que defendem ideologias totalitárias e regimes sanguinários. Tinha tudo para correr bem, pelo menos os órgãos de propaganda, a seu mando e pago por nós, assim nos asseguravam.
Para não ficar atrás do nosso engenheiro, em 2017, o actual primeiro-ministro ofereceu também um plano ao país: a Economia Circular. O documento continha eloquentes linhas de orientação: “A economia circular…é uma componente da mudança necessária do actual paradigma económico (linear), cujo uso pouco eficiente e produtivo dos recursos extraídos conduz a prejuízos económicos e ambientais significativos”. Aparentemente, o objectivo era passar de linear a circular, assumindo que linear é mau e circular é bom! Até debates foram organizados a respeito, com os ratos a serem sempre assaltados para pagar a propaganda.
Não foram apenas planos, também tivemos milhares de milhões de Euros desviados do “nosso dinheiro” para o seu bolso. Quem não se lembra dos 5 mil milhões de Euros para o banco do ex-DDT, os 3,2 mil milhões de Euros para a bancarroteira nacional, os 3 mil milhões para a CP, os 511 milhões para as inoculações experimentais que “encurralavam” o “vírus”, os 400 milhões de Euros para a Efacec, ou mesmo os milhões de subvenções para farmácias e laboratórios de análises clínicas, com o propósito de prover a população com fraldas faciais e testes inúteis durante a putativa pandemia?
Reparem: tudo dinheiro roubado aos ratos e que nunca regressa ao seu bolso. Estas “aventuras empresariais” e “emergências pandémicas” apenas são um pretexto para desviar “o nosso dinheiro” – é assim que chamam ao roubo – directamente para os bolsos destes bandidos, nada mais.
Além disso, os ratos também são assaltados pela impressora do Banco Central Europeu, em forma de inflação, pois a grande maioria da dívida pública é adquirida com notas de monopólio. Foi assim que o governo do PS fez o recente brilharete nas contas públicas. Em 2022, assaltou cada português em 10 mil Euros (numa família de 4 pessoas: 40 mil Euros); em 2023 serão 11 mil euros e no orçamento que o Meijengro da República deseja aprovado serão 12 mil Euros!
Qual foi o resultado do governo liderado pelo homem que tem recebido inúmeros panegíricos pelos órgãos de propaganda, com muitos a porem as mãos na fogueira pela sua honestidade? Estamos agora na vigésima posição no conjunto dos 27 países da União Europeia, voltando a perder duas posições entre 2015 e 2022. Atenção, para a posição do carro vassoura já não falta muito. A Roménia e a Hungria estão à porta.
Produto Interno Bruto (PIB) per capita em 2022 medido pela Paridade do Poder de Compra (PPP) para os 27 países da União Europeia (Unidade: EUR; preços de 2020). Fonte: Eurostat. Análise do autor.
Como disse em artigo anterior, a democracia atrai sempre os piores: os mais mentirosos, os mais demagogos, os mais vigaristas, os mais manipuladores, pois apenas os indivíduos sem escrúpulos e sem currículo profissional desejam ardentemente aceder ao pote da instituição parasitária mais perversa criada pelo homem, o Estado. Assim, até podemos concluir pelo enorme sucesso português neste aspecto: elegemos há 27 anos os melhores profissionais para gerir o Estado.
Reparem: no roubo são absolutamente imbatíveis, dado que estamos na décima segunda posição no grupo dos 27 países da União Europeia no que respeita a “receitas” do Estado (43,8% do PIB; fonte: Eurostat), enquanto em riqueza per capita estamos na vigésima posição!
Na manipulação e na mentira são igualmente mestres. Até nos fizeram crer que o crescimento acumulado desde o final de 2015 a 2022 (100 = 2015) era fantástico, quando na verdade é medíocre; atrás de nós, praticamente apenas países muito mais ricos. Para além dos órgãos de propaganda comprados com o dinheiro do assalto aos ratos, também dispõem de avençados a lançar encómios a toda a hora.
Crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) acumulado entre 2015 e 2022 (Unidade: 2015=100). Fonte: Eurostat. Análise do autor.
Parece que agora o cientista será substituído, desta vez teremos um neto de um sapateiro que anda de Porsche e Maserati, que em tempos o Engenheiro do cofre do milhão de contos elogiava desta maneira: “Quero felicitar o Pedro, um grande político, ex-líder da JS…um dos melhores quadros políticos que o PS tem”.
Vejam: está tudo garantido para que os ratos voltem a nadar de forma frenética, desta vez o Pedro irá salvar-nos da “extrema-direita”. É continuar a esbracejar e a dar às pernas!
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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