Etiqueta: Destaque Opinião

  • Portugal não é um país normal

    Portugal não é um país normal

    Esta é, por excelência, a altura de fazer os habituais balanços e traçar metas para o ano seguinte. Se fizermos esse exercício, enquanto país, provavelmente concluiremos que 2023 foi negro, em todas as dimensões. A menos, claro está, que partilhemos da opinião da redactora principal do Público, Bárbara Reis, para quem “Portugal é um país normal”, e os ‘rumores’ de que as coisas não estão nada famosas, mais não são do que mentiras para ganhos políticos. Curiosamente, ou por ironia, no encadeamento deste texto da antiga directora do Público surge a ligação para uma notícia do mesmo jornal, deste mês, revelando que o “preço das casas duplicou desde o início da governação de Costa” e “as rendas aumentaram em 56% desde 2017”.

    Enfim, adeptos da mediocridade, e acomodados com a miséria, sempre os haverá. Neste caso, compreende-se, pois o jornal que emprega Bárbara Reis também aparenta ser “normal”; se o “normal”, singelo até, é seguir o optimismo de quem está no poder.

    man in white t-shirt and brown shorts standing on rock

    Seja como for, não é aos concidadãos acomodados e confortáveis que me dirijo aqui, porquanto, quero acreditar, os leitores do PÁGINA UM, como sabemos, não se contentam com o “normal”.

    Dirijo-me sim àqueles que sonham com um Portugal melhor, e aproveito o elã tão característico desta época para recomendar um livro que considero ser de leitura obrigatória: As causas do atraso português, do economista e professor catedrático Nuno Palma, da Universidade de Manchester. Em resumo, a obra tenta explicar as raízes históricas da nossa divergência económica face aos países mais ricos da Europa Ocidental.

    Para que consigamos inverter esta acelerada marcha de empobrecimento, é vital procurar entender, primeiro, os motivos da nossa desgraça. O porquê de estarmos como estamos; um diagnóstico acertado. E a meu ver, tal só será possível se deixarmos os clubismos de lado (ou clubites, nos casos mais agudos), e os dogmas cristalizados (alguns com mais de um século).

    E esta é uma das razões por que destaco o livro: tanto quanto humanamente possível, trata-se de uma análise objectiva e bem suportada cientificamente. Ouvir o autor falar em entrevistas confirma a minha tese: critica com igual facilidade tanto as típicas propostas de esquerda como de direita (liberais incluídos); muitas delas “míopes”, embora por motivos diferentes.

    person in yellow coat standing on top of hill

    De facto, dificilmente os acólitos das várias ‘seitas’ políticas (vulgo partidos) conseguirão metê-lo numa ‘caixinha’ – esta liberdade de pensamento é, quanto a mim, uma fantástica qualidade.

    Poderá dizer-se que é uma obra polémica, porque desfaz muitos ‘mitos’. Aconselha-se, por isso, uma leitura livre de preconceitos, e uma abertura para questionar até algumas “verdades” ouvidas repetidamente ao longo da vida. Não é tarefa fácil, mas diria que vale a pena o esforço.

    Prevendo-se um 2024 com desafios acrescidos, é urgente repensarmos ideias e fórmulas datadas, anacrónicas e mais do que experimentadas que, já vimos, não resultam.

    Como se diz por aí, loucura é repetir as mesmas acções, à espera de resultados diferentes. Há que abandonar esta insistência esquizofrénica nas mesmas práticas, na esperança de que algo mude.

    Assim, para levantar um pouco o véu, destaco aqui algumas ideias, que talvez surpreendam alguns, avançadas neste As causas do atraso português.

    –  É preciso recuar muito para se entender as origens do “atraso português”, havendo já, no século XIX, personalidades como Antero de Quental que tentavam apurar as causas do ‘fenómeno’. E, de facto, é uma questão antiga: foi logo a partir do século XVII que Portugal começou a divergir da Europa Ocidental.

    – Cada novo regime procura sempre desresponsabilizar-se dos resultados das suas más políticas, remetendo as culpas para os antecessores. Tal como António Costa agita o fantasma do “Passos Coelho”, e como a democracia culpa o Estado Novo, Salazar fazia o mesmo com a República, e por aí fora. Acredita quem quer…

    – De diversas formas, a escravatura não teve um efeito benéfico para o país, tendo até sido perniciosa, assim como foi a descoberta do ouro no Brasil. A este respeito, Nuno Palma fala numa “Maldição dos Recursos”.

    – A cultura portuguesa e o catolicismo “entranhado”, ao contrário do que muitas vezes se diz, não parecem factores revelantes para explicar o nosso crónico atraso; nem sequer a nossa localização “periférica”.

    – E last but not the least: os fundos europeus são, em grande medida, prejudiciais ao desenvolvimento do país.

    photo of bulb artwork

    Nuno Palma é pessimista: na sua óptica, caminhamos a passos largos para nos tornarmos no país mais pobre da Europa – da Europa Ocidental já somos – e pouco há a fazer quanto a isso, de tão acomodados que estamos. Poderia dizer-se que “estamos como a Bárbara Reis”. Vemos a Saúde, a Economia, a Educação e a Justiça em farrapos, com margem para piorar… e achamos “normal”.

    Sendo eu mais optimista, talvez por ser mais jovem, não deixo de sofrer de um medo aterrador que o vaticinado pelo economista se concretize; por isso, e porque não me conformo com esta podre ‘normalidade’, não poderia recomendar de forma mais veemente As causas do atraso português, ou a escuta das entrevistas dadas pelo autor. Não para que 2024 seja o ano em que finalmente saímos desta ‘cloaca’ (já estamos um bocado em cima da hora) mas para que comecemos desde já a trabalhar nesse sentido.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Fruta da época

    Fruta da época

    Sentada numa cadeira de assento puído e desengonçada, baixou-se para apanhar uma pastilha cerâmica (rosa) que se soltava do chão, no meio da ausência já de muitas outras, como um charco de ruína que alastrava naquele fundo da sala do café Les Deux Moulin, encostada à passagem para a casa-de-banho onde Jeunet ilustrou um dos seus famosos e gritantes orgasmos.

    Recordação, pensou, leva com ela e guarda como tesouro incógnito para os descendentes reencontrarem e ficarem desconcertados. A versão em película estava mais envernizada, aromatizada de canela, lustrosa, mas nesta versão pode arrancar bocado como quem descarna a crosta da ferida para levar com ela.

    brown fabric seat near brown wooden pedestal table

    São pequenos gestos, de criança, que repara que tudo termina. Pequenos gestos, como quando se vive um tempo apressado e estouvado em que todos os dias se roça os nós dos dedos em muros ásperos e se carrega a pele esfolada, a lembrar que as arestas nos rompem a carne quando a alma quer esvoaçar demasiado rápido (azul). Não há tempo para tantas referências a mapear o caminho, recordações de encher os bolsos, paus e pedras, folhas secas de árvore que se colhem no caminho e que povoam a casa. As pedrinhas mais brancas, mais polidas. As rochas mais brilhantes com cristais de quartzo.

    – Mãe, ensinas a desenhar uma bola de Kémon?

    – Uma bola de “cámone”?

    – Sim!

    – Se desaguarmos de novo na estação de São Bento, e a usares, vais apanhá-los a todos?

    Mantos verdes a atapetar o caminho das ruas e, no entanto, “não pise a relva” para atalhar a viagem; mas, se no destino encontrarmos bivalves abandonados na praia do mar de Inverno, lá vão eles para a caixa de recordações (azul) em que os objectos absurdos, perdidos, abandonados, quebrados e esquecidos, se guardam para cristalizar memórias de cada ano. 1989. 1998. 2004. 2019. Canhoto de concerto, de comboio, de cinema. Cartão desbotado.

    From above stylish workplace consisting of clipboard with calendar and golden notebook on pink background

    Será que alguma vez pudemos realmente partilhar uma discórdia sem trincheiras? Parece que já foi há tanto tempo. 2020. 2021. 2022. 2023.

    O que é a covid?, o que é a vacina?, o que é a Ucrânia?, o que é uma mulher?, o que é Gaza?

    Objectos absurdos, perdidos, abandonados, quebrados, esquecidos…

    Somos o que comemos; e quando ela se baixou para apanhar o chão desfeito, raspou a mão ao de leve em reboco areado, o suficiente para romper a pele. E será que, na verdade, somos uma rabanada, um pão frito, um leite com casca de limão, um ovo batido? Somos o que comemos; e mesas fartas junto a mesas vazias, paredes não divisórias se encostarmos os ouvidos ao reboco (areado), o suficiente para romper (a pele), e ouvir que na casa ao lado se pode falar outra língua e sorver o caldo com colheres diferentes.

    Somos como comemos; e quem se sente (sente) no chão endireita a coluna de maneira diferente da nossa, se sentarmos na cadeira quem se alimenta de cócoras, corremos o risco de entortar a pessoa. Então fazemos o farrapo velho e honramos os ascendentes. Digo farrapo porque roupa pode trazer o cheiro de cedro do armário e naftalina esquecida nos cantos do fundo. Já nem as traças nos comem as roupas, deram uma trinca em poliéster e acrílico, e partiram com indigestão para outras paragens mais doces.

    Sacos de excesso e seres humanos a alastrar em cadeiras puídas e desengonçadas. Discussões com boca cheia ou silêncios compungidos, comendo pecados, oleando beiços. Rega com vinho, vamos falar de política? Qual delas?

    green glass bottles

    Um pateta de barba rala e cinzenta, tão mais pateta como os patetas que o clamam como mal menor. Chefe, mas pouco. Larápio, mas pouco. Chão desfeito em pastilhas cerâmicas (rosa).

    Um sorriso de sapo com esgar de alface (fora de época), tão mais sapo e verruguento como quem o clama como mal necessário. Os truques do costume na embalagem, boas contas, porte de patriarca (laranja), mais cómico só se entrar de braço dado na missa do galo com madeixas lisas e baças (azul), papagaios a saltitar em busca de poleiro presos por corrente curta nos tornozelos.

    Ui, ui, ui, mas o bicho papão que papava bola no pequeno ecrã, para entrar na sala de estar da vizinhança e alapar-se no sofá com alarvidades, durante anos, no quentinho a debitar, pôs-se em bicos de pés e foi trepando um degrau de cada vez e agora ui, ui, ui, melhor é ser saneado na entrada. De certeza que patetas e sapos não usam o bicho papão para mandar dormir as criancinhas. De certeza que o bicho papão é diferente. Ou de certeza que o bicho papão é real.

    Mas como ela se baixou para apanhar do chão desfeito e guardou na caixinha das recordações, eu sei e lembro de pequenos cubos de memória, como quem sugeriu confinamento especial e agravado a ciganos, como quem defendeu mais dinheiro português enviado para leste. Pequenos cubos. Coisa pouca. De certeza que é real, de certeza que é diferente. Coisa pouca.

    a close up of two people holding hands

    Sobram os sacos de excesso (de gatos), da minha esquerda que fica à direita de alguém, saudosa Odete, que gargalhada darias tu à bola de bilhar que faz tabela em tacadas, o povo, unido. E ainda as gémeas de Kubrik, a dar ao pedalinho com os joelhos para fora para caberem no triciclo, devagarinho lá chegarão, mordazes, ferozes, com a probabilidade genética de ambas não possuírem sentido de orientação nem encontrarem o norte que lhes permitiria defender o próprio sexo, em vez de sucumbirem à treta ideológica de fábulas mágicas com sabor a alcaçuz de panteras cor-de-rosa.

    Ui, ui, ui que consolo de humor é ver os animaizinhos a rabear cheios de fome, e o pastorinho já a descamisar para o primeiro mergulho do ano, a ver se esquece a vergonha, tronco nu e aberto, que isto de fazer simpatias e favores é coisa pouca, de certeza que é real, de certeza que é diferente. Coisa pouca.

    Abram as portas, depois vê-se, vai tudo ficar bem. Baixem-se para apanhar do chão desfeito, que entre cerâmica de recordação e bivalves, com jeitinho conseguimos construir um muro de retalhos que mantenha o lobo à porta e nos preserve os aromas de canela enlatados em casa.

    Pudim.

    E o serviço da Vista Alegre a banhar-se na torneira na sua saída anual.

    orange persimmon fruits

    Fruto da época, cada um de nós terá de falar sempre do que a árvore apresenta. Será demasiado enfado debruçar-nos no tronco ou na raiz, porque áspero e rompe a pele dos nós dos dedos. E mais a mais, que importará afinal falar de cascas? Se nada mais rompe que as nossas mãos, ninguém quer comer conservas de há muitos anos que isto avinagra e nem todos têm cascos de carvalho para embrulhar a pinga.

    Fruta da época, comam laranjas. Tangerinas, dióspiros, se ainda os houver por aí e talvez um kiwi, que as constipações voltaram a existir e disse-me a minha mãe que Deus pôs uma farmácia para nós nas florestas.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Cristo e a hipocrisia (que nos rodeia)

    Cristo e a hipocrisia (que nos rodeia)


    Hoje é dia de Natal, e começo com uma obviedade: não haveria Natal sem Jesus Cristo. Um dos aspectos mais interessantes de Cristo foi mencionado por Chesterton: Cristo é tão rebelde (Chesterton não usou este termo) que, na Cruz, desafia a própria divindade que reclama para si: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?»

    Outro aspecto pouco falado e curiosíssimo em Cristo é a sua veemente repulsa da hipocrisia e, particularmente, do moralismo hipócrita, ele que tantas vezes usou as palavras «hipocrisia» e «hipócritas».

    Cristo condenou duramente a auto-sinalização de virtude e usou a palavra «hipócritas»: «Quando deres esmola, não te ponhas a trombetear publicamente, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, com o propósito de ser glorificados pelos homens.» Há mais citações de Cristo deste jaez.

    low angle photography of turned on lamp

    Quando condena os escribas e os fariseus, chama-lhes «hipócritas», que eu contasse, sem a ajuda do ChatGPT e consultando a Bíblia em papel, oito vezes. Apenas um trecho a título de exemplo: «Escribas e fariseus, hipócritas, que limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro estais cheios de ganância e cobiça! […] Sois semelhantes a sepulcros caiados, que por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a podridão.»

    No Inferno de Dante, os hipócritas são condenados ao castigo de vestir belos mantos que brilham como ouro, mas que, por dentro, pesam como chumbo e fazem os ossos ranger.

    Lembrei-me de tudo isto porque muito recentemente ouvi um indivíduo dizer que a coisa que mais asco lhe causava eram as pessoas que traíam as namoradas na noite, cinco amnésicos minutos antes de procurar a sorte com todas as que encontrava na noite, enquanto a namorada dormia a sono solto em casa.

    Dei por mim a reflectir…

    closeup photo of religious statue

    Oh, quantos pequenos aldrabões vi eu bradar contra os grandes aldrabões, o seu inimigo dilecto.

    Oh, quantos clamam pela criminalização do discurso de ódio enquanto o praticam com frequência…

    Oh, quantos se deslocam nos transportes mais poluentes para ir a grandes cimeiras pelo clima…

    Oh, quantos engraçadinhos vemos hoje a moralizar e policiar os outros por fazerem piadas não-inclusivas, e que faziam facécias mil vezes menos inclusivas quando os ventos do tempo eram outros… Desconfiai sempre daqueles que estão com os ventos do tempo… deles, a História não reza… nem nunca rezou.

    Oh, quantos são ardentes defensores da liberdade de expressão, mas apenas para as suas ideias…

    Oh, quantos adoram e se preocupam com os pobrezinhos e sofrem, contudo, de aporofobia, isto é, da fobia de pobres, de quem gostam muito… mas longe, bem longe. A demagogia com os pobres fica sempre bem, é fácil e dá palmas.

    Oh, quantas criaturas vi nas redes sociais a proclamar-se feministas e que, fora das redes, são precisamente as menos feministas que conheci…

    Oh, como tantos proclamam com sorrisos de plástico o multiculturalismo enquanto abstracção e têm nojo dele na prática…

    Oh, quantos patrões conheci que pagam menos de cinco euros por hora aos seus trabalhadores, que adoram ter estagiários não-remunerados por seis meses ou mais, e vão a colóquios e comícios proclamar-se anticapitalistas.

    Oh, quantos valentes que garantem que dizem sempre o que pensam, mas que, perante o patrão ou alguém com bons contactos, estão sempre a dar graxa e a perguntar com as costas curvadas e voz delico-doce:

    «Quer o chazinho mais quente? Quer mais um pacote de açúcar? Ou prefere adoçante? Deixe estar, que eu vou buscar. Veja lá se está bem assim.»

    Comecei com Cristo e termino com Cristo.

    Antes de citar Cristo, permitam-me citar Scott Fitzgerald: «De cada vez que te apetecer criticar alguém, lembra-te sempre de que nem toda a gente neste mundo gozou algum dia das mesmas vantagens que tu.»

    E agora, sim, cito novamente Cristo:

    «Como podes dizer a teu irmão: “Irmão, deixa-me tirar o cisco do teu olho?”, quando não vês a trave no teu próprio olho? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão.»

    Feliz Natal, caríssimos.

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Deprimido me confesso

    Deprimido me confesso


    Prestes a chegar ao fim de mais um ano tentei recordar algumas das situações que me fizeram descrer, ainda mais, da capacidade dos nossos políticos.

    Lembro-me de criticar fortemente, há cerca de quarenta anos, quando tinha que escrever, diariamente, sobre a política portuguesa, os líderes de então: Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal.

    Hoje, olhando para as principais figuras dos diversos partidos, sinto que não teriam capacidade, sequer, para carregarem as pastas dos seus antecessores.

    Tento lembrar o que pensam, quais são as suas prioridades, os seus projectos, as suas ideias e… fico deprimido.

    Recordo algumas das suas posições públicas e… tremo.

    Vejamos:

    Rui Rocha (acredito que não saibam quem é), líder da Iniciativa Liberal, consegue dizer, sem se rir, que “os dados que temos é que a Iniciativa Liberal vai crescer. Para os 15% é difícil, mas somos liberais e ambiciosos.”

    Fiquei esclarecido.

    Passei para o outro extremo e dei de caras com um rapaz igualmente desconhecido, de seu nome Paulo Raimundo, que vinha com a originalidade de “apoiar as médias, pequenas e micro empresas”.

    Passei à frente.

    Do homem do Livre, Rui Tavares, lembrei-me do momento em que se dirigiu ao Presidente da Assembleia da República, informando que tinha de sair mais cedo e pedindo-lhe que autorizasse a entrega de um papel com a indicação de como queria votar todas as matérias que faltavam até ao fim da sessão.

    Sempre deu para rir.

    Rui Tavares, deputado do Livre.

    Uma proposta da senhora do PAN criou-me expectativas. Queria que “os animais de companhia não pudessem ser deixados sozinhos, sem companhia humana ou de outro animal, durante mais de 12 horas, nem alojados em varandas, alpendres e espaços afins, sem prejuízo de presença ocasional nesses locais por tempo não superior a três horas diárias.”

    Aguardei que viesse com proposta idêntica para seres humanos idosos, ou sem abrigo, mas como se esqueceu…

    Confesso que tinha, por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, uma enorme admiração e respeito pela coragem, frontalidade e conhecimento profundo dos dossiers e condução dos interrogatórios nas Comissões de Inquérito impedindo que os depoentes se refugiassem no esquecimento.

    Entretanto, também ela se esqueceu de que estava em regime de exclusividade, na Assembleia da República, e não podia receber dinheiro por comentários televisivos. Perdeu um pouco da sua credibilidade, mas…

    De André Ventura, o que dizer?

    O seu discurso é preocupante, mas a dimensão do ódio em todas as suas intervenções, e o acentuado egocentrismo, não convencerão a população portuguesa.

    André Ventura, líder do Chega.

    Aponta, como diferença em relação aos restantes partidos, que no seu não há indícios de corrupção ou fraude.

    Por acaso o Tribunal Constitucional já anulou um Congresso, por ilegalidades, e os seus estatutos foram rejeitados cinco vezes.

    Miguel Sousa Tavares deu a sua opinião: “O Chega não está envolvido em corrupção porque não tem poder. Deixem-no ter poder e vocês vão ver.”

    Nas próximas eleições, até pode ter um bom resultado, atendendo a que é um partido extremista, mas nem sequer os eventuais interessados em coligações estarão confortáveis com a companhia.

    Restam os representantes dos dois partidos que, habitualmente, disputam o Poder.

    Considero Luís Montenegro o mais fraco de quantos líderes (e já foram muitos, e alguns por curtíssimos períodos) passaram pelo PPD e pelo PSD.

    Foi o único político que ganhou com a queda do Governo, porque nunca disputaria as eleições se este durasse os quatro anos.

    As suas intervenções são de uma pobreza atroz.

    Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista.

    As suas tentativas de fazer humor levam às lágrimas de desespero os militantes do partido.

    Questionado sobre o Orçamento de Estado, um dos mais importantes documentos do nosso País, deu a sua opinião científica:

    “O Orçamento é pipi, bem apresentadinho e muito betinho que parece que faz, mas não faz.” 

    A análise política ao seu adversário directo:

    “Deus nos livre de ter um radical no Governo. Não se chama camarada Vasco, chama-se camarada Pedro e tem uma cinderela chamada camarada Mortágua.”

    Nunca explicados os contratos, por ajuste directo, que o seu escritório de advogados conseguiu com Câmaras Municipais lideradas pelo PSD.

    De Pedro Nuno Santos, lembro o caso do aeroporto, apresentado à revelia do Chefe do Governo, a indemnização à CEO da TAP, que desconhecia, mas tinha no seu telemóvel e a necessidade da sua demissão de Ministro.

    Tanto ele como Montenegro têm problemas de impostos com as suas casas.

    Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e Luís Montenegro, líder do PSD.

    Conclusão:

    Não é preciso ser exaustivo para temer o pior.

    Resta-me uma consolação: seja qual for a solução, que se vá encontrar nas próximas eleições, não será para durar.

    E as próximas terão (é impossível que não tenham) melhores líderes a concorrer.

    Ataquemos, então, as filhoses e esperemos por 2024.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Sedação terminal: uma reflexão

    Sedação terminal: uma reflexão


    A sedação terminal (ST) é uma espécie de coma induzido, em doentes terminais, para lidar com sintomas intratáveis, como dispneia (falta de ar), delírio e ansiedade extrema.

    Uma vez iniciada a sedação terminal, o doente deixa de poder comunicar e não se consegue alimentar nem hidratar. O desfecho torna-se, portanto, inevitável num prazo de tempo que raramente ultrapassa os sete dias.

    a person in a hospital bed with an iv

    É muito importante explicar estas circunstâncias à família e obter o respectivo consentimento informado, uma vez que se trata de uma abordagem próxima da eutanásia.

    Os sintomas do doente devem ser refractários, ou seja, não responderem a qualquer outro tipo de terapêutica. A dor, só por si, raramente constitui uma indicação para a ST, uma vez que pode ser tratada com eficácia por outros meios.

    No caso de a sedação não obliterar completamente a consciência do doente, permitindo vagas intermitências de comunicação, a interrupção de alimentos e fluídos torna-se perversa por induzir uma desidratação extrema (com secura e sede) que pode aumentar o sofrimento.

    Nesses casos, parece-me mais humana a administração liberal de estupefacientes, mesmo que possam ter o efeito de abreviar a vida, do que suspender o apoio hídrico e nutricional.

    boy lying on beige recliner hospital bed

    O momento chega em que a morte se aproxima e se torna inevitável. As intervenções médicas, porém, devem suavizar essa fase, aliviando sintomas que não são refractários e permitindo um nível de consciência que não elimine a comunicação com os entes queridos.

    É muito importante, como disse, obter o consentimento informado da família, explicando que a ST põe fim à capacidade de o doente comunicar, algo de extrema relevância nos últimos dias de vida. Os médicos não têm legitimidade para desencadear uma ST sem esse consentimento e expõem-se a procedimentos criminais.

    No caso de a ST ser prescrita em doentes terminais sem sintomas refractários, entramos no território da má prática. O exemplo mais evidente seria o de um doente terminal com dores moderadas.

    Durante a pandemia da covid-19 (2020 -2021), foi administrada ST a muitos idosos que apenas apresentavam dispneia moderada. Foi uma catástrofe incentivada pelas autoridades sanitárias que encurtou a vida de muitos residentes em lares da terceira idade (NY destacou-se nesta actuação).

    grayscale photo of tubes

    Um aspecto que não deve ser descurado é uma possível predisposição do pessoal de saúde para recorrer à ST por esta diminuir drasticamente a necessidade de assistência 24/7. Um doente inconsciente e com a “certidão de óbito assinada” é um doente que não dá problemas, não dá trabalho.

    Em conclusão: a ST é uma solução que deve ficar reservada para doentes com sintomas refractários, depois do caso ser discutido com a família, com toda a transparência e cumpridas as formalidades legais e princípios da Legis Artis.

    A Medicina deve conjugar a Ciência com a Caridade.

    Joaquim Sá Couto é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Cinco propostas (eleitorais) para os partidos

    Cinco propostas (eleitorais) para os partidos


    Com as eleições legislativas anunciadas para Março do próximo ano, as propostas não devem sair apenas dos partidos, mas também dos cidadãos. Aqui seguem as minhas cinco propostas que insisto em apresentar:

    1 – Mudança da Lei Eleitoral

    A sensação de partilha obriga a construir soluções sem desperdício. Cada voto dos portugueses deve servir nas contas eleitorais. É inadmissível que certos votos sejam atirados para o caixote do lixo ou para estratégias de custo da oportunidade. “Não voto em quem gosto para escolher um que desacredito menos.” Esta realidade acontece nos círculos que elegem poucos deputados no sistema eleitoral vigente, como em Portalegre, Beja, Évora, Guarda, Bragança ou Vila Real. Foi assim que cem mil portugueses escolheram o CDS e ele não elegeu ninguém. Foi desse modo que o PS se afirmou absoluto. A criação de um círculo nacional para onde transitam os votos que não conseguem eleger ninguém nos pequenos círculos é essencial.

    person standing near table

    2- Um automóvel português

    Temos uma indústria monumental de serviços e de peças na grande complexidade da construção automóvel. Somos dependentes das decisões estrangeiras e dos encerramentos prováveis na chantagem da subsidiação. O projecto de construir um carro moderno, eléctrico, com versatilidade, com multiplicidade de formas, com adaptação a militar é uma oportunidade perdida para fixar este conhecimento e experiência. Um carro que em cidade se encosta a outros carros iguais e se move para este, oeste, norte e sul a partir de parado. O “Luso Múltipla” tem de sair de uma ideia e ajudar Portugal.

    person holding black Volkswagen steering wheel in closed-up photo

    3 – Remodelar a política de saúde.

    São inúmeras coisas a fazer. Corrigir o paradigma contra os consultórios, incentivando o método da escolha do doente ir à frente do pagamento. O doente vai a quem quer, perto de casa, e esse escolhido referencia, estuda, pede exames ou trata. Deixa de ser necessário haver tantas urgências abertas.  O pequeno é a solução para os próximos três anos enquanto se redefinem estratégias. Reduzir o número de Centros de Responsabilidade Integrados (CRI). Pagar melhor os gestos que integram no sistema, como as consultas, e reduzir a avalanche de horas extraordinárias. Aplicar Inteligência Artificial na imagiologia. Reverter os dois percursos ideológicos: concentração (os centros hospitalares e as unidades de saúde e cuidados continuados) e desperdício (não carecemos de três serviços de transplante, não carecemos de protocolos ineficientes e que só servem para defesa do sistema, etc). Apostar na saúde oral. Apostar na prevenção das doenças.

    doctor holding red stethoscope

    4 – Reorganizar o futebol e outras modalidades

    Incentivar o desporto escolar e o desporto em geral. Acabar com as claques dos clubes que afastam os cidadãos dos estádios. Negociar com Espanha que o primeiro classificado dos nossos campeonatos de modalidades, competia no ano seguinte, no campeonato do país vizinho. Dava-se dimensão competitiva aos clubes de forma rotativa. Incentivar um jornal equilibrado de notícias sobre o desporto, e não apenas futebol.  

    man playing soccer game on field

    5 – Construir a rede nacional de edifícios devolutos há mais de 15 anos

    Para acabar com o flagelo da falta de casas e do seu preço excessivo, o Estado garantirá que os donos das propriedades em abandono cheguem a acordo, ou então expropria com fins beneméritos. Uma entidade pública garante a construção, reconstrução, remodelação de antigos mosteiros, castelos, quarteis, prédios e coloca pessoas a utilizar sob contrato de responsabilidade e colaboração na manutenção. A recolocação de pessoas no interior seria privilegiada em parceria com os industriais dessas regiões. Mover pessoas obriga a dar-lhes funções ou trabalho.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Global Media & José Paulo Fafe, ou o pedantismo da caloteira imprensa

    Global Media & José Paulo Fafe, ou o pedantismo da caloteira imprensa


    O ex-jornalista José Paulo Fafe, alcandorado a “testa de platina” de um fundo das Bahamas – do qual o único rosto conhecido, sob a forma de “beneficiário efectivo”, é um francês que vive da especulação financeira – que controla a Global Media, mimoseou-me numa entrevista de ontem no Eco, identificando-me como “um tipo de um site”, apenas porque, enfim, fui o primeiro jornalista a identificar que a proprietária do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias deve 10 milhões de euros ao Estado, a escalpelizar o World Opportunity Fund e o senhor Clement Ducasse, a relevar os calotes à Lusa, a destacar os estranhos movimentos financeiros da Páginas Civilizadas, e a falar até das relações entre o antigo director do jornal Tal & Qual e a Páginas Civilizadas.

    Enfim, para Fafe, eu sou “um tipo de um site” – ou melhor, diz ele que “há aí um tipo de um site” –, porque destaco, incomodo e atrapalho negócios obscuros que, ao longo dos anos, inexoravelmente tornaram dois centenários jornais em decrépitas publicações, que obrigam os trabalhadores até a irem pedinchar não sei bem já o quê ao gabinete do ministro da Cultura de um governo demissionário.

    José Paulo Fafe, CEO da Global Media e ex-gerente da Parem as Máquinas.

    Enfim, para Fafe, eu sou “um tipo de um site”, porque sou um jornalista independente.

    Tem Fafe mais oito anos do que eu, o que lhe dará mais vida e um certo estatuto, podendo isso dar-lhe o benefício da arrogância. E, por regra, a arrogância vem com a petulância, mais grave ainda se acompanhada de calotes.

    Ora, José Paulo Fafe deveria ser o último dos administradores de uma empresa de media, e ainda mais sendo ele antigo jornalista, a desrespeitar um jornalista chamando-o “um tipo de um site”. Se um jornalista como eu – que esteve em órgãos de comunicação social onde ele até também passou (e.g. Grande Reportagem e Expresso) – pode ser por ele tratado por “um tipo de um site”, como podem os seus agora ‘subordinados’ da Global Media, muitos dos quais jornalistas, esperar respeito?

    Eu até compreendo – se bem que a coloque ao nível dos crápulas – a postura de José Paulo Fafe, e a sua estratégia de descredibilizar o PÁGINA UM, para assim minimizar ‘estragos’. Afinal, o PÁGINA UM é ‘apenas’ um jornal digital que se assumiu independente, e por isso não faz fretes, não tem publicidade nem parcerias comerciais… nem dívidas. Vive da qualidade que os leitores lhe atribuem, ainda mais sabendo-se que o acesso é livre.

    Trecho da entrevista ao ECO onde José Paulo Fafe se refere a mim como “há aí um tipo de um site”

    O PÁGINA UM vai terminar o seu segundo ano de existência com zero dívidas e sem prejuízo, porque a ideia sempre foi ser apenas aquilo que os leitores acharem que pode ou deve ser este projecto jornalístico. Costumo, aliás, dizer que, tendo ambas as empresas o mesmo capital social (10 mil euros), aquilo que mais se diferencia entre o Página Um Lda. (empresa gestora do PÁGINA UM) e a Trust in News Unipessoal (a dona da Visão e de outros 16 títulos) é um passivo de 27,2 milhões de euros.

    Seria apenas risível, se não fosse grave, ver um projecto editorial da natureza do PÁGINA UM ser desprezado por um ex-jornalista agora CEO de uma empresa que acumulou dívidas de 42 milhões de euros entre 2017 e 2022, que tinha no final do ano passado um passivo de quase 55 milhões de euros, dos quais 10 milhões ao Estado, e que ‘vampirizou’ os seus activos, ao ponto de aquele que contabilisticamente aparenta ter mais valor (um goodwill de quase 30,6 milhões de euros) ser afinal ‘fumo’, é nada.

    Mas Fafe nem sequer sabe olhar para o umbigo, ou então conseguiu ‘vender-se’ muito bem ao especulador Ducasse. Com efeito, José Paulo Fafe, antes da sua ‘aventura’ – que temo venha a ser desventura – na Global Media, estava a dirigir o jornal Tal & Qual (que é um título registado pela Global Media), através da empresa Parem as Máquinas, Edições e Jornalismo, Lda.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Até à sua saída em Outubro do Tal & Qual, Fafe detinha 80% do capital desta empresa de apenas 5.000 euros, quer a título pessoal (70%) quer através de uma empresa por si detida denominada Pressco (10%). Corrijo: na verdade, a Pressco é detida pela Fernandes Fafe Consultoria Estratégica Unipessoal, mas para quem pense que Fafe é um Citizen Kane escondido, desengane-se.

    Na verdade, tanto uma como outra das suas empresas tem um capital social de 1.000 euros. E acrescento também, para justificar a pesquisa, que a Pressco já tem capitais próprios negativos (-4.136,03 euros) e passivo de quase 55 mil euros, enquanto a sua empresa unipessoal sempre tem capital próprio positivo (pouco mais de sete mil euros), mas segue já com um passivo de 67.415,69 euros.

    Mas vejamos se José Paulo Fafe – o CEO da Global Media, que quer endireitar uma empresa de media ‘limpando’ mais 200 trabalhadores, enquanto menospreza um jornalista com um jornal independente sem dívidas titulando-o de “um tipo de um site” – é ou não um ‘Mourinho dos Media’, com direito e autoridade para chamar nomes a jornalistas.

    Parem então já as máquinas para verem a performance da empresa Parem as Máquinas Lda, em 2022, quando José Paulo Fafe era não apenas seu gerente mas também director do periódico Tal & Qual, antes da sua entrada arrogante e pedante na Global Media com direito a tratar-me por “um tipo de um site”. Pois bem: resultado líquido negativo – leia-se, prejuízo – de 147.008,32 euros, um capital próprio negativo de 134.027,32 euros (falência técnica), dívidas aos fornecedores de 121.121,78 euros, mais dívidas de financiamentos de 130.569,61 euros, que compunham um passivo total de 334.283,10 euros.

    O francês Clement Ducasse é o beneficiário efectivo do fundo das Bahamas que controla agora a Global Media, mas não se sabe quem são os financiadores.

    Nada mau, Fafe, para uma empresa onde investiste 4.000 euros…

    E és tu que tens nas mãos, ou na testa, os destinos de um grupo de media… Desgraçados pela ‘amostra’ de pedantismo.

    E depois “há aí um tipo de um site”… a dizer verdades inconvenientes, não é?

    Pedantismo e água benta cada um toma a que quer. Mas água benta eu até suporto; pedantismo é que não; e ainda mais se vier com calotes.


    P.S. E já agora, convinha à empresa Parem as Máquinas Lda. fazer a declaração das demonstrações financeiras no Portal da Transparência dos Media, da ERC, que estão em falta desde sempre. Se calhar é para esconder a vergonha.

  • Mas, afinal, qual é o problema da ‘cunha’? 

    Mas, afinal, qual é o problema da ‘cunha’? 


    Em tempos que já lá vão, apaixonei-me por uma gémea. Percebi logo que ia ter problemas porque nunca sabia se estava a falar com a pessoa certa. Aos 7 anos ainda não estamos despertos para os detalhes e aquelas duas irmãs pareciam, ao longe e ao perto, a mesma pessoa.

    Cheguei a escrever uma carta de amor, que não sei a quem entreguei. Só descobri 30 anos mais tarde, quando a minha avó me disse que a tinha guardado para ela. Faz algum sentido. Por um lado, era ela o meu grande amor da altura e, como é óbvio, já sabia que nada de bom chegaria com aquelas gémeas.

    Ora… Marcelo não tem uma avó como a minha e não lhe cheirou a perigo quando a versão portuguesa do The Shining lhe bateu à porta. Já poucas dúvidas restam sobre a ‘cunha’ e agora a discussão ascende a novos patamares de surrealidade. A ‘cunha’ é do Marcelo ou do Dr. Nuno Filho? Ou é do secretário de Estado que não se lembra que marcou a consulta? Ou é do médico que escreveu a nota que a consulta tinha sido a pedido? 

    O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. (Foto: Presidência da República)

    Ouvi ‘n’ discursos durante a semana tentando, sem grande sucesso, normalizar a ‘cunha’ como uma instituição portuguesa. Um deles dizia que a ‘cunha’ é tão normal e até aceitável que não devemos discutir se o Marcelo fez um jeito ao filho e se um filho fez um jeito aos pacientes. O que importa é saber, dizia este analista, se alguma criança tinha ficado para trás na lista de espera. Isto porque, sendo uma doença tão rara, até era provável não haver lista de espera.  

    Não é bem assim. Apesar de tudo, há ‘cunhas’ e ‘cunhas’. 

    Nos meus tempos de emigrante pela Escandinávia habituei-me a ouvir a seguinte frase em ambiente laboral: “vens da parte de quem?”. É normal quem contrata aceitar como boa a palavra de um amigo sobre um novo trabalhador. A ‘cunha’ é oficial. Tão oficial que empregadores futuros telefonam a empregadores anteriores para terem uma ‘prova dos nove’ sobre o trabalhador que estão a contratar. 

    Sempre achei piada a isso. Infelizmente, nunca me tocou porque fui lá parar sem conhecer ninguém, o que dá muito mais trabalho, mas ao fim de alguns anos também juntei umas ‘palavrinhas’ por pessoas que conhecia. Sempre emigrantes, sempre malta que, de facto, precisava de ajuda. Nunca ‘calões’ ou incompetentes. 

    No fundo, se um trabalhador for aprovado nas suas funções, ganha estatuto para recomendar outros. É uma ‘cunha’, de facto. Mas não prejudica ou deixa alguém para trás. Quanto muito, poupa tempo às partes interessadas. E se correr mal… pois, segue-se o despedimento e não há custos para outros que não os envolvidos.

    O mesmo com o ‘camarada’ que pede licença a 50 pessoas para passar à frente na fila do Raio-X para não perder o avião. Ou o mecânico que arranja a correia de distribuição do carro ao amigo, mas cobra como se fossem umas pastilhas de travões. O dono do restaurante que deixa o primo comer de borla ou até o rapaz das Finanças que faz um ‘jeitinho’ à vizinha do 3º esquerdo. Todos esses “desenrasca aí” do quotidiano não me chocam numa sociedade que está sempre ‘entalada’ com qualquer coisa.

    Não é bem o caso, aqui. A história das gémeas é o Visa Gold das ‘cunhas’: alguém que adquire a nacionalidade portuguesa em tempo recorde e é despachado do serviço de saúde privado – que, obviamente, não paga a factura – e aparece no Serviço Nacional de Saúde (SNS), sem qualquer espera, para receber um tratamento de 2 milhões de euros do erário público. Este caso está, um pouco, num mundo à parte.

    doctor holding red stethoscope

    Não quero saber se existiam mais pessoas na lista ou sequer se existia lista. Quero saber é se qualquer português, um daqueles que espera até morrer por uma consulta, pode ligar para a ‘Linha 24 Marcelo’ e pedir um ‘jeitinho’ para ser atendido por um médico.

    As ‘cunhas’ de 4 milhões de euros e os passaportes em 15 dias estão disponíveis para todos ou é preciso ser amigo do “Dr. Nuno, meu filho”? 

    Com o escândalo cuspido em frente aos nossos olhos, chegou o inquérito que foi nada mais do que um balão de oxigénio para Marcelo e demais envolvidos. Como sabeis, estando em investigação, eles não se podem pronunciar em público e, portanto, a coisa vai caindo no esquecimento. O mesmíssimo esquecimento que todos alegam a cada nova questão. Marcelo não se lembra do e-mail do filho, o secretário de Estado não se lembra de marcar a consulta e, por esta altura, imagino, o Dr. Nuno nem se deve lembrar quem é o pai.

    Depois, também gostava que me explicassem, de preferência vindo daqueles que defendem a “liberdade de escolha” na saúde, como é que se resolvem casos destes num mundo onde o atendimento depende da qualidade do seguro. Digam lá, ó defensores de um mundo só com saúde privada, quem é que pagaria uma factura destas? Eu digo-vos: os pais das miúdas enquanto as viam morrer. Era esse o resultado num mundo sem SNS. Mesmo para gente com ‘cunhas’ destas, agora imaginem para aqueles que não chegam ao Dr. Nuno.

    clear medical hose

    Bem podem, pois, tentar credibilizar uma ‘cunha’ escandalosa que não conseguirão. Marcelo não vai cair e até já começa a tentar lavar as mãos do caso mas, por mais que tente, levará este lastro com ele.

    Por fim, uma nota para quem defende que os mercados tudo regulam sem intervenção dos Estados. Como é que um medicamento pode custar 2 milhões de euros? Como é que governos deixam farmacêuticas vender, seja o que for, por um preço destes? Isto não é o mercado, meus amigos. É um assalto organizado e validado pelos lobbies dos mais ricos. É, na minha modesta opinião, um convite a bater à porta das farmacêuticas com o exército e entregar-lhes o novo caderno de encargos.

    Há um limite para a obtenção de capital à custa da doença e, num mundo decente, esse limite aparece vários zeros antes dos milhões.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O “quarto poder” deixou de ser poderoso. Adivinhem de quem é a culpa…

    O “quarto poder” deixou de ser poderoso. Adivinhem de quem é a culpa…

    É lamentável o estado a que chegou a imprensa em Portugal. Jornais centenários correm um risco real de desaparecer, com títulos emblemáticos, como o Jornal de Notícias, a sofrer mais um golpe brutal com o despedimento anunciado de 200 funcionários.

    Supostas peças do “quarto poder”, os principais órgãos de comunicação social do país são cada vez menos poderosos. Mas a situação crítica ainda tem margem para piorar e não se vislumbra qualquer sinal que prenuncie uma inversão da actual tendência de queda de vendas e de circulação.

    Business newspaper article

    Nada disto é assim tão surpreendente. Quando olhamos para os jornais, o que vemos? Salvo poucas (e honrosas) excepções, aquilo que o vulgo chama palha e mais palha. “Notícias” que apenas fazem eco da propaganda política, meras transcrições de discursos que, na melhor das hipóteses, são vazios e irrelevantes, quando não puramente desonestos. Por vezes, “notícias” com tons de press release de agências de comunicação. Sobre a crise política, jornais de referência titulam agora, por exemplo, que “Costa está “magoado” e questiona se hoje procuradora e Presidente “fariam o mesmo””. O primeiro-ministro coloca-se agora habilmente no papel de vítima, acolhida pela imprensa, quando na verdade apenas aproveitou o famigerado “parágrafo” para se demitir e abandonar o barco depois de o ter levado ao fundo. E a imprensa mainstream, em vez de chamar António Costa à pedra pelo lastro de destruição deixado, vê “valor-notícia” nos seus alegados sentimentos e colabora nestas tácticas de manipulação. Valerá a pena pagar por este material jornalístico?

    Já a entrevista de Costa à CNN, na segunda-feira, dispensa grandes comentários. Quando uma das questões colocadas ao principal responsável pelo estado do país é “sabe quem faz anos amanhã?” (referindo-se a Marcelo Rebelo de Sousa), sabemos que o circo está montado e os palhaços somos nós. Bem que podiam ter trocado o excelso jornalista Nuno Santos pelo apresentador do ‘Alta Definição’, Daniel Oliveira, já que a tónica da conversa se coadunou muito mais com este último programa do que com uma entrevista séria e incisiva ao primeiro-ministro cessante.

    Com mais de quatro milhões de portugueses que seriam pobres sem apoios sociais, a imprensa embarca no jogo do “fáctico poder” e põe-nos a discutir minudências, enquanto somos levados para o abismo, qual Orquestra do Titanic. O debate público resume-se ao superficial e acessório, como as sondagens e o “carisma” dos líderes ou a sua falta, em vez de se centrar nas políticas de cada partido, nas suas propostas e visões para o país.

    people playing violin inside dim room

    Nesta perspectiva, se a classe jornalística atravessa um momento difícil, parece-me evidente que os seus profissionais também fizeram a cama na qual agora se deitam – algo que ficou, aliás, bem patente na semana passada. Descendo mais um degrau na sua credibilidade, vários jornalistas consideraram de interesse público os ‘desabafos’ de Facebook do director de Neuropediatria do Hospital de Santa Maria, António Levy Gomes. O médico que, recorde-se, veio a público no âmbito da investigação da TVI sobre a alegada cunha presidencial no tratamento milionário das gémeas luso-brasileiras, e assegurou que a situação não tinha sido “normal”.  

    No entanto, talvez procurando descredibilizar o seu testemunho, vários jornalistas – um triste ramalhete onde se inclui a directora da Visão, Mafalda Anjos, Rita Marrafa de Carvalho ou Fernando Esteves (que já não escrevia no “insuspeito” Polígrafo desde Janeiro passado, onde supostamente é de novo director) – divulgaram publicações feitas pelo neuropediatra na sua página pessoal, onde o médico lançava críticas inflamadas (mas legítimas numa sociedade democrática) ao Presidente da República, a António Costa e o director-executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo.

    É consternador ver outros jornalistas, numa espécie de tentativa de assassinato de carácter, a difundir as opiniões políticas de um médico que denunciou uma situação irregular e grave que envolve o Supremo Magistrado da Nação. Mas é este o calibre dos profissionais que hoje fazem a ‘nata’ da classe.

    a man reading a newspaper while holding a fire

    Domesticados e acomodados, pouco mais fazem do que reproduzir comunicados e narrativas oficiais sem qualquer contraditório, desde a covid-19 até às alterações climáticas e pregações woke, e ainda fazem tábula rasa do direito à liberdade de expressão, tentando desacreditar um delator que – escândalo dos escândalos – não simpatiza com o actual Governo e atreve-se a criticá-lo de uma forma menos “polida”, sem medir palavras.

    Enfim, diria que a catástrofe que se tem abatido sobre a imprensa mainstream é indissociável da crise de regime em que nos encontramos. É, em simultâneo, causa e sintoma da falência das instituições. E é esta convergência de factores que torna urgente uma reflexão profunda e, em última análise, uma mudança estrutural no modo como se faz jornalismo.

    Mesmo neste cenário negro, mantenho a esperança de que o jornalismo português consiga renascer das cinzas, pela mão de uns poucos que ainda são dignos de serem chamados “jornalistas”.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Pressentimentos

    Pressentimentos

    Acordar com um pressentimento dói nos músculos, talvez pelas corridas pela noite (assim deitados), e cada movimento que se segue anuncia-nos esses apertões, espalmados, doridos.

    Agora, ao acordar, o dia será atravessado por gestos, parece que veremos os nós orientando os nossos membros em vectores, penosos, (pre)sentimentos pesando na vontade, e transformar-nos-ão não em massa mas em mero contorno, pequena bolha articulada em diagonais e tangentes vazias.

    Person Lying on Bed Covering White Blanket

    Até o som entra como um desenho por dentro (de nós) e ficamos em pausa, (pre)sentimentos que se suspendem numa dúvida, numa hesitação sobre a realidade (acordaste verdadeiramente?), e se calhar é melhor ir já comprar velas, pois entre o gás russo, a tempestade solar e o apagão estratégico (do poder), pouco falta para uma consoada cozinhada em fogareiro; e entre isso e a sensação sobre a irrealidade dos últimos anos, das compotas trocadas na porta de entrada e da prisão domiciliária (ainda a falar nisto?). E tudo parece possível neste declínio inexorável de tudo o que se ergueu, até a reencarnação do Kissinger.

    Pressentimentos.

    Assim, como aquilo que se sinta antes de sentir, a onda de choque do soco antes do punho rasgar o caminho (vectores) em direcção ao nosso estômago. Pôr em causa tudo. Antes mesmo de acontecer.

    Consentimentos.

    Quando mesmo a nossa mente subconsciente lê os padrões em volta, os contornos, as linhas que orientam o pulsar ténue dos cubos de granito na calçada, os ritmos, as rotinas, temos uma última oportunidade para dar ou retirar o consentimento.

    Low-angle Photography of Building Showing Airplane on Skies

    O consentimento de agirem sobre nós, de coagirem contra nós, de reagirem contra (nós).

    Basta dizer baixinho lá no fundo do nosso ser, onde na verdade nunca mais ninguém chega, às vezes nem a nossa visão chega lá, mas o som chega: não consinto. E com este singelo passe de mágica, o muro fica erguido. E com este singelo reconhecimento, desse fundo do nosso ser, vai ser difícil apanharem-nos de novo; como poderiam, se agora conseguimos ver melhor, e mesmo que não saibamos sequer o que se vê, certamente sabemos que está lá.

    As palavras são a força mais poderosa em cima deste planeta. Têm mais peso que a locomotiva, mais amplitude que as asas do avião, deixam mais pegadas que todas as botas de tropa a dizimar pedras (e carne) em poeira.

    E as palavras são nossas, sempre nossas, mesmo que se escondam lá no fundo do nosso ser, e mesmo que nos embrulhem e atem os pulsos com palavras alheias, nesse fundo nós sabemos que a diferença, as nossas e as dos outros, nunca se misturam.

    Os chavões e a propaganda são contornos de diagonais e tangentes vazias, bonitinhas, rápidas de comer, mas vazias, sem digestão, sem transmutação em pedra, em sólido, em valor.

    letter wood stamp lot

    Eu, que não sou escritora, gosto muito de escritores, dizem palavras que são minhas e não lhes emprestei, mas eles pressentiram-nas por aí, em ti, em mim, em tantos de nós. Se lhes mastigo parágrafos e versos, consigo digerir, e a transmutação (em pedra, em sólido, em valor) acontece, porque lhas ouvi como som dentro de mim, aquele som que chega ao fundo do nosso ser, onde a visão não alcança, porque a luz não acontece, tarda, demora, e o tempo (sempre o tempo) atrasa-se a acontecer.

    Mas o som, invisível, que ouço e pressinto dentro da minha cabeça, quando vos leio, esse chega sempre a todo o lado, não está dependente de velocidade ou distância. Existe. Apenas.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.