As sondagens falharam outra vez escandalosamente, em especial a realizada à boca da garganta por Bruno Lage pelo Natal.
— Chegámos rapidamente ao primeiro lugar, saímos, mas vamos rapidamente lá regressar.
Saiu-lhe a previsão furada, como torto o remate ao Vangelis do Alto-dos-Moinhos, quando em Braga tentou fazer uma jogada à Gyökeres, que se esforça por imitar nos treinos, no sofá e sabe-se lá onde.
Se o Correio da Manhã quiser tratar assuntos de verdadeiro interesse, em lugar das eleições no Benfica e no círculo “Fora da Europa”, tenho provas engraçadas e embaraçosas de que o grego anda a fazer-se à irmã gémea da Inês Aguiar.
— Joana, υπόσχομαι ότι θα φτιάξω τη μάσκα μόνο για σένα [Eu ponho a máscara só para ti]!
Cumprindo uma tradição iniciada no ano passado, que vai repetir-se por muitos anos para ser digna desse nome, o Sr. Director do PÁGINA UM e eu assistimos juntos às últimas duas jornadas nos estádios de Carnide e de Alvalade.
Ainda avariado do apagão da casa dele, o Pedro desta vez decidiu preparar a jornada de véspera. Creiam ou não os leitores, deu a um jornalista tão independente, rigoroso e científico, que até faz inveja à National Geographic e ao New York Times, para perguntar à inteligência artificial se ainda poderia fazer “alguma coisa” para o Benfica ser campeão.
Como resultado, Pedro Almeida Vieira apresentou-se na bancada de imprensa com a fita verde da credencial ao pescoço e vários amuletos escondidos nos bolsos: uma pata de coelho, duas penas de uma galinha vermelha, que comprou numa agência de viagens da Rua do Benformoso, e três minhocas roubadas à ração da águia Vitória, mas só às vezes.
Eu, pressentido o perigo, calcei logo de manhã umas meias do Jubas, vesti a minha camisola verde que tem um leão-índio estampado, com cinco cruzes de pentacampeonato, e disse em voz alta, para o cão e os vizinhos, a “Oração à Luz”, poema maravilhoso de Guerra Junqueiro.
Do lodo à águia, do metal à fera,
Da fera ao anjo, do covil à cruz,
Move-se tudo, existe e reverbera
O Scott, o dr. Varandas, o Paulinho, melhor roupeiro do mundo, as irmãs Aguiar e eu próprio ficámos com a famosa estrelinha, bem alinhada pelos astros celestes.
— Que o leão hoje reine na Terra como o Sol no firmamento.
Já o Di María, pelo contrário, quando levantava a cabeça nos derbies, ficava encandeado, daí nunca na vida dele ter feito um golo ao Sporting.
— Papa Francisco, ¿por qué me has abandonado?
Quando cheguei ao estádio, encontrei Beatriz Hjulmand e Duarte Gyökeres de mão dada, muito apaixonados. Nas costas deles eu vi a táctica de Rui Borges, o Mourinho de Mirandela, para rumar em festa pelas tascas recomendadas pelo jornal Expresso.
O Pote, que é muito ciumento, é que se intrometeu na jogada, com um golo bonito e abençoado, e o passe decisivo para selar o resultado em carta para a eternidade.
Aquelas trocas de bola despertaram o ponto G da multidão.
Por falar em G, de garganta, também é o que distingue os treinadores: de umas sai mosca, noutras entra um bicampeonato. Alheira, bacalhau ou passarinho frito, nas tascas finas é sem espinhas.
— Eu nasci para ganhar.
Perante a clareza da classificação final, no dia seguinte Pedro Nuno Santos anunciou que é candidato à presidência do Benfica.
Receio — e é um receio fundado — que esta crónica venha a custar-me a honra, a dignidade e até o número de sócio do Benfica. Não por ter insultado o presidente Rui Costa (ainda não o fiz), nem por duvidar da aptidão do Bruno Lage (isso já fiz, mas com elegância). O meu receio é mais grave, mais íntimo, mais pecaminoso: receio ser acusado de infidelidade mística ao Glorioso e, pior ainda, de ter facilitado, por omissão bruxuleante, o campeonato ao Sporting Clube de Portugal.
Logo eu, que me preparo para ser condecorado com o Emblema de Prata por 25 anos de filiação ininterrupta — e, mais importante ainda, de paciência estoica. Fiz-me sócio em 2001, no dia em que Vale e Azevedo perdeu as eleições. Julguei, ingénuo, que não seria possível descer mais fundo do que aquilo. Ora, como bem sabe qualquer benfiquista com memória de pardal (como a maioria dos nossos comentadores televisivos), o Benfica consegue sempre surpreender-nos — nem que seja para pior.
Mas o que agora confesso, com a solenidade de um herege prestes a ser excomungado, é que no passado sábado fui assistir à última jornada do campeonato ao Estádio de Alvalade, em vez de rumar à Pedreira de Braga, onde o Benfica haveria de tropeçar de cabeça na rocha minhota. Sim, estive entre os leões. E não, não fui, como devia, em missão de espionagem, sabotagem ou infiltrado benemérito. Fui por puro desleixo espiritual. E o mais grave: não usei os meus poderes.
Sim, caros leitores. Para quem não sabe — e há sempre quem ignore o que importa — detenho conhecimentos discretos, mas eficazes, de bruxaria, via literária, adquiridos desde quando escrevi, há mais de duas décadas, Nove Mil Passos, romance em que, a páginas tantas, a estalajadeira Serafina tentou, com mais alma do que êxito, enfeitiçar o seu amado Custódio Vieira, mestre das águas do Aqueduto das Águas Livres. Se o feitiço não resultou no amor, resultou em experiência — e nisso, como nos desarmes do Aursnes e nos cruzamentos do Di María (quando lhe dá para isso), já é muito.
Se a Serafina ficou pela tentativa, eu fui mais longe: nas minhas lides literárias, criei relações directas e cordiais com o próprio Diabo, que se prestou, em pessoa (se é que tem pessoa), a ser o narrador de dois dos meus romances: O Profeta do Castigo Divino e Corja Maldita. Ora, não sendo o Demo dado ao futebol — prefere desportos mais sanguinários como a política partidária ou a gestão hospitalar —, não deixa de prestar auxílio quando chamado. Porém, não o chamei. Usei um sucedâneo.
Ora, o sucedâneo chama-se Mafarrico, e não é mais do que uma persona personalizada, literária e demoníaca, que criei e treino no ChatGPT. Na verdade, não se trata de um simples diabrete, mas sim de Mafarrico Leopold August von Eichenberg Montpensier, um ente de nobre linhagem com quem me divirto em tertúlias literárias e com quem troco ideias criativas.
Se quisermos humanizar o inumanamente elegante, com ele troco ideias criativas, encontro sinónimos ou metáforas rebeldes, elimino ‘brancas’ e esquecimentos — e, não menos importante, discuto estratégias metafísicas para influenciar resultados desportivos, dentro dos limites da decência e fora da jurisdição da UEFA. Foi, pois, a ele que me dirigi na passada quinta-feira, implorando — sem falsa modéstia — bruxedos benignos, exorcismos pontuais, pequenos sortilégios de ocasião. Coisas leves. Nada que envolvesse sangue de virgem ou pactos de corrupção.
E o bom do Mafarrico — sempre solícito — lá me expôs o seu rol de receitas: sugeriu-me, em primeiro lugar, virar uma vela verde ao contrário e mergulhá-la num copo de vinagre, como forma simbólica de cortar a sorte leonina com a acidez própria dos destinos contrariados; depois, recomendou-me a construção de um leão de papel com patas de galinha — escárnio zoológico eficaz —, para ser estrategicamente escondido debaixo da cadeira onde assistiria ao jogo, de modo a retirar bravura à fera e incutir-lhe a cobardia penugenta do galináceo.
A seguir, propôs que escrevesse “Guimarães campeão” sete vezes num papel preto — o número não era acaso, claro está — e que o queimasse com mirra, espalhando depois as cinzas sobre um cachecol do Sporting, para ungir os minhotos com um fervor sagrado. Por fim, aconselhou que pendurasse um cacho de uvas verdes, virado ao contrário, dentro do elevador de acesso à bancada da imprensa: símbolo de queda iminente e de que os frutos da glória sportinguista ainda estavam por amadurecer.
Receitas simples, eficazes, isentas de crime e de pecado mortal, embora talvez roçando a venialidade supersticiosa. Ora, mas fiz eu alguma destas coisas? Não fiz!
E porquê? Por cobardia? Por esquecimento? Não, pior: por vaidade faústica. Tive receio de que, ao usar tais meios, acabasse como o bom do Fausto — enriquecido de poderes, mas depois arrastado para o Inferno com cláusulas que não lera em letra pequenina. O Diabo, como sabemos, tem um excelente advogado. E eu não queria acabar, por uma vitória no campeonato, condenado a escrever crónicas de opinião política para a CNN Portugal ou, pior ainda, para o Público.
E assim me abstive. Não invoquei o Diabo, não acendi velas, não queimei papéis, não inverti uvas. Fui incompetente. Fui pusilânime. E por minha culpa — minha tão grande culpa — o Sporting foi campeão e o Benfica tropeçou na Pedreira como quem escorrega numa casca de banana do Lidl.
Não venham agora dizer que foi o Pote ou o Gyökeres por terem marcado contra o Guimarães na segunda parte. Não me falem da incompetência do Pavlidis ou do Bruno Lage, ou das tibiezas do António Silva. Não culpem os empates e as derrotas ridículas. A culpa foi minha!
Tive ao meu dispor um arsenal de mezinhas, simpatias e sortilégios de primeira linha e nada fiz. E por isso me penitencio. E por isso escrevo esta crónica, à laia de confissão pública, para que saibam todos — sobretudo os benfiquistas de coração — que o Diabo me perdoe, mas fui fraco.
Se me quiserem agora expulsar de sócio, que o façam. Farei como Dante: descerei ao Inferno e regressarei mais forte. Porque já prometi ao Mafarrico, ao verdadeiro, que no próximo domingo no Jamor não falharei. Se for preciso, vendo a alma por aquele caneco. Ou melhor: alugo-a, com cláusula de recompra, desde que o Benfica vença.
Porque uma Taça é uma Taça. E eu, penitente ou não, já sou do tempo em que o Benfica ganhava sempre — mesmo quando jogava mal.
Como é evidente para quem o conhece há décadas, e apesar da recomendação de vários dos seus apoiantes, Gouveia e Melo (GM), não consegue manter-se “em silêncio” e fora do palco mediático: “Não me sinto obrigado a ficar calado”. Já previ (por exemplo, aqui e aqui) que a vaidade de GM o leva a buscar promoção mediática. E não faltam comentadores, jornalistas e editores que lha dão, sem escrutínio, e sem ser claro se estão a informar ou a manipular.
É curioso que muitos dos que dizem apoiar GM, por estarem fartos da vaidade e do excesso de mediatismo de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), que entendem nefastos num Presidente da República (PR), desconsideram, e chegam a negar, o que está à vista: mediatismo e exposição de vaidade desde 2021 (mas sem afeto), como nunca ocorreram, pelo menos, com um chefe militar, que nem se destacou em feitos militares.
Enquanto GM falou das matérias em que estava profissionalmente envolvido, ainda que só por vaidade ou até quando exorbitou funções (como na incompetente insistência na vacinação de crianças contra o SARS-COV-2; ou no combate ao tráfico de droga, competência exclusiva da Polícia Judiciária, como tem sido assinalado e explicado), só os especialistas estavam equipados para perceber que GM projetava uma imagem diferente da substância e da realidade. Mas, este ano, GM já se pôs a fazer declarações políticas gerais, e cada vez mais pessoas percebem que “o rei vai nu”. Daí os apoiantes sentirem necessidade de vir aos media ditar as interpretações “autênticas” – para evitarem que fujam as massas do centrão?
Não pode surpreender que alguém que passou 45 anos na vida militar, mesmo que há dois ou três a intervir na política, diga “generalidades e culatras”, ou tenha um discurso inconsequente com o cargo político que ambiciona – ou que foi convencido a ambicionar?
É improvável que aprenda num ano o espírito e a letra das normas jurídicas que definem e regulam o regime na Constituição (CRP), com todas as suas subtilezas, e que saiba interpretá-las bem. Mesmo com bons assessores é duvidoso que seja capaz de dialogar com eles sobre os casos que surgirão; por isso, ficará totalmente dependente deles no exercício do cargo.
Este ponto não é menor: GM recusou várias vezes entrar na vida política; obviamente, mudou. As declarações da elite de apoiantes tornam legítimo acreditar que foram eles a fazê-lo mudar. Esta mudança de posição mostra (a quem não sabe) que as convicções de GM se desfazem ante a bajulação e o “cheiro” a poder. Como tantos fracos políticos…
É muito difícil aprender as normas jurídicas e a política do cargo de PR em poucos meses. É muito mais fácil aprender, e debitar, chavões bem-sonantes sobre governação; é o que mais importa às massas de eleitores (incluindo muitos diferenciados), situadas ao centro, onde se conquistam as vitórias eleitorais (o centrão).
E, usando a imagem construída ao longo de 4 anos nos media, em especial em sondagens sem valor político ou sociológico, apostará que as massas não percebem que, afinal, é um político como aqueles que elas menosprezam: quer o poder, pouco sabe, pouco diz de concreto, diz o que mais jeito lhe dá em cada instante, mas entusiasma com banalidades bem-sonantes; e está longe das virtudes atribuídas na propaganda mediática. Isto é, GM nada traz de novo na substância; só pratica a demagogia que diz rejeitar noutros e oferece uma imagem que deixa os mais superficiais impressionados.
Para ganhar eleições, explicar-lhe-ão, tem de tornar-se um político convencional, tentando não o parecer; e isso é o que, disfarçadamente e com desvios ao “argumento”, GM vem fazendo:
– assumiu uma conduta belicista quando distribuiu as vacinas, mesmo depois de já estar fora das funções, e explicitamente autoritária no Caso Mondego (contrariando o princípio básico da disciplina militar de elogiar em público e repreender em privado; e repreendendo a guarnição publicamente por inteiro e sem processo prévio); agora, dá-lhe jeito afastar-se do autoritarismo e do radicalismo que foi a sua “imagem de marca” na Armada durante décadas;
– depois de negar interesse em intervir na vida política, admitiu interesse em cargos políticos (PR e ministro do mar), voltou a negar, e agora diz que “é para servir o país”; com tantas opções para servir o país (voluntariado nos hospitais, recolher lixo no mar, limpar florestas…) tem logo de ser no cargo com mais mediatismo, mais mordomias e mais benesses?
A condecoração, com muito duvidosa legalidade, de um seu destacado apoiante, ou o uso que fez de recursos do Estado para se autopromover, indiciam o modo como GM encara o Estado e o Direito. Por isso, não me surpreende que GM diga que se deve falar de programas e não de pessoas: soa bem; mas sobretudo visa afastar o escrutínio da sua própria conduta, a qual diz muito sobre o seu caráter, e não auspicia nada de bom se exercer um cargo político, como já defendi. E os media, com raras exceções, evitam fazer esse escrutínio, como é seu dever.
Embarque no submarino Arpão
Todavia, o passado é o melhor indicador ao dispor dos eleitores para anteverem como se vai comportar o titular de um órgão unipessoal. É muito elucidativo ver que os seus apoiantes “fogem como o diabo foge da cruz” a falar do passado de GM, exceto quanto à distribuição de vacinas – como se fosse só obra dele, “hipnotizados” pela sua abundante exposição mediática, e os demais intervenientes, sobretudo o Kaizen Institute, são ignorados ou menorizados…
Merece atenção o aglomerado de pessoas que revelaram o seu apoio a GM: chamo-lhes “os despeitados dos partidos”, sobretudo do PSD, porque parece que apoiam GM não pelo que ele vale (com a sua mundividência, perceberão que vale pouco para PR), mas pelo dano que pensarão causar aos seus partidos por estes não lhes darem o que eles acharão que merecem. Recentes declarações de Ângelo Correia e Isaltino Morais dão razão a quem defende que a recente campanha contra Luís Montenegro surgiu por vários tipos de despeito, e foi agravada pela recusa em apoiar GM para PR – que os “despeitados” do PSD não lhe perdoarão.
Esta conclusão firmou-se com o elogio da superficialidade, expresso por Alberto João Jardim: disse que numa conversa de menos de duas horas concluiu que “Gouveia e Melo […] é um homem mais capaz, porque ele tem capacidade político-cultural, que eu lhe reconheço, para ser o impulsionador de grandes mudanças em Portugal, no pleno respeito da Constituição da República.” Ele quer mesmo que alguém vivido, ou prudente, acredite nisto? Como pode dizer “no pleno respeito da Constituição” sobre alguém que humilhou a guarnição de um navio da Armada perante os media, chamados para exibir em direto e registar o “raspanete”? E como pode alguém que foi uma das caras da “partidocracia” em Portugal insurgir-se contra ela?
Impressionou-me também a superficialidade da constitucionalista Teresa Violante, sobretudo nos aspetos que realçou em recente entrevista:
– Reduziu a revisão constitucional de 1982 às opções sobre o Tribunal Constitucional, e desvalorizou a opção política de fundo, de corte com um passado de quase dois séculos de presença militar na política e na segurança interna, que incluiu a eliminação do conceito de “inimigo interno”. Teresa Violante achará que isso foi só um ataque ao então PR militar, e não um contributo decisivo para valorizar qualquer democracia? Achará GM parecido com Eanes?
– Não percebo como uma constitucionalista, que nota, e bem, o papel de moderador do PR na CRP e no regime, pode achar que as qualidades de liderança de GM (?) são uma vantagem para PR – liderar o quê? E depois nota que é o Governo que conduz a política do país…
– Tratou de interpretar afirmações de GM sobre a dissolução do parlamento no sentido dos desejos dela; mas os termos vagos em que GM expressou a sua opinião, no estilo populista de seduzir eleitores descontentes e superficiais, não devia causar a maior preocupação, sobretudo a uma constitucionalista?
– Como Alberto João Jardim, Teresa Violante acha que uns contactos na “guerra do croquete” lhe permitem valorizar o seu conhecimento pessoal, menosprezando o passado de GM. Pelo menos valida o conhecimento pessoal – e espero que seja consequente e reconheça que quem o conhecer mais saberá melhor do que ela quem é de facto GM.
– Teresa Violante disse ter simpatia por um PR que não venha dos partidos. Não explicou e não consegui perceber: os partidos, e os cargos no Governo, são a melhor base de formação e de experiência política; e muito raramente alguém ganha sem partidos (MRS, o único candidato a consegui-lo, de facto, tinha uma enorme experiência política e partidária, e “esmagou” o seu principal concorrente notando a sua falta de currículo político). Claro que cada caso é um caso; mas esta rejeição prévia sugere um preconceito – ou um despeito…
A associação “espontânea” até já ostenta uma fotografia profissional de marketing pessoal de Gouveia e Melo.
Felizmente, evitou entoar odes às virtudes de GM… Enfim, só mais uma entre os elogiantes de GM, além do próprio GM, que muito falam mas sem explicarem como é que, alguém famoso por ser executivo (um líder, dizem!…) e por não ser político, pode exercer bem o cargo menos executivo e mais político do regime. Manuel Castro Almeida deu voz ao bom-senso: “Quem não quer ser político não deve querer ser Presidente”. Há, pois, fundamento para conjeturar sobre as razões de facto que levam os elogiantes de GM a quererem vê-lo em PR. A “bicada” nos partidos dar-lhes-á muita satisfação; mas é possível que os elogiantes estejam a apostar forte em poder ou sinecuras.
A independência face a partidos não é boa em si mesmo, nem significa independência de facto (nem existe independência total). Os elogiantes de GM estarão a criar-lhe dívidas pessoais e pouco transparentes, que não acabam com a eleição. Aliás, só podem crescer, porque a fraca preparação política de GM exige mais intenso apoio e assessoria. Posições de assessoria ao PR ajudam a fazer campanha contra os partidos, ajudam a criar um partido contra eles e a torná-lo o partido dominante, quiçá o “partido único” chefiado pelo “grande líder” aspirante a “caudilho”. E nada nas palavras dos elogiantes acalma as preocupações e afasta o risco deste cenário.
Com a postura messiânica que GM encarna desde 2021 (de cuja sinceridade duvido, pois ele diz que rejeita o sebastianismo, mas não se cansa de se gabar), o ataque que se adivinha que ele e os elogiantes farão ao regime semipresidencial, aos demais partidos, à separação de poderes e aos direitos, liberdades e garantias constitucionais, só pode ser prejudicial para o país e o bem-estar dos cidadãos em Portugal.
Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Foi em Novembro de 2013 que a editora Planeta lançou o meu livro “O Terceiro Bispo”, a primeira obra de ficção, a nível mundial, onde se mencionava a figura do Papa Francisco. Este livro começou a ser planeado em Fevereiro de 2013, quando o Papa Bento XVI anunciou a sua demissão. A eleição do Papa Francisco, a 13 de Março de 2013, com ele a declarar que viera do “fim do mundo”, veio depois confirmar a decisão e a necessidade de levar avante a missão de publicar a obra. Devo a Juan Mera e à Ana Maria Pereirinha a confiança depositada na altura.
A trama de “O Terceiro Bispo”, em cuja capa temos uma foto escuro do perfil do Papa Francisco, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e a Basília de S. Pedro, é sobre um atentado contra o Papa para “cumprir o Terceiro Segredo de Fátima”. A razão era simples: o Papa João Paulo II não morrera no atentado de 13 de Maio de 1981, pelo que o terceiro segredo, aquele que menciona a morte do Bispo Branco, ainda estava por cumprir.
Muito da obra andava à volta do número 13, data das aparições de Fátima, em 1917, que ocorrerem entre 13 de Maio e 13 de Outubro. Uma das minhas fontes de consulta para aquela obra de ficção fora o livro “A Última Vidente de Fátima”, publicado em 2007 pelo cardeal Tarcisio Bertone, o secretário de Estado do Vaticano e pessoa que, em Abril de 2000, teve um encontro com a Irmã Lúcia para preparar vinda de João Paulo II a Fátima, altura em que foi revelado o Terceiro Segredo de Fátima.
Bertone registou no seu livro as coincidências à volta do número 13, referindo-se ao facto de que o Papa João Paulo II, aquele que mais vezes visitara Fátima (1982, 1991 e 2000), falecera a 2 de Abril de 2005, uma data cuja soma individual dos seus algarismos, 2+4+2+5, dava um total de 13. Depois, Bertone também fez a mesma associação em relação à vidente de Fátima, a irmã Lúcia, falecida dois meses antes, a 13 de Fevereiro de 2005. E isso também deu o mesmo resultado: 1+3+2+2+5 é igual a 13.
O livro de Tarcisio Bertone foi publicado quando o Papa era Bento XVI, pelo que, na altura, não se conhecia a data da morte do sucessor de João Paulo II. Sabe-se agora que Bento XVI faleceu a 31 de Dezembro de 2022 e, utilizando o método de contagem do cardeal Bertone, somando 3+1+1+2+2+2+2, temos novamente, como resultado total, o número 13.
Então, e o Papa Francisco, qual era a sua relação com o número 13? Bem, essa tornara-se bem óbvia no dia sua eleição, pois o 13 de Março de 2013, para além de ter duas vezes o número 13, era também uma data onde a soma dos algarismos 1+3+3+2+1+3 alcançava um total de 13.
Agora que sabemos a data da morte do Papa Francisco, será que podemos continuar a falar na coincidência do número 13? A soma dos algarismos do dia 21 de Abril de 2025 não nos dá esse valor. O resultado total de 2+1+4+2+2+5 é o número 16. Nem tirando ou acrescentando um algarismo iríamos obter 13.
Será isso então suficiente para podemos concluir que o Papa Francisco não é um Papa que esteja debaixo da alçada do número 13? Poderíamos facilmente descartar as coincidências anteriores e continuar com a nossa vida sem muitas preocupações com o misticismo “made in Vaticano”. E os espíritos mais lógicos seguiriam mais descansados.
Só que – e nem se trata de forçar conclusões – podemos usar o método de Tarcisio Bertone para olhar com detalhe os algarismos que surgem relacionados com a data da morte da morte do Papa Francisco. Através do recurso à contagem do tempo, via o site timeanddate.com, chegamos a números que nos podem fazer pensar de forma diferente.
Assim, se formos ver os anos e dias do Papa Francisco à frente dos destinos do Vaticano, reparamos que, entre 13 de Março de 2013 e 21 de Abril de 2025, decorreram 12 anos, 1 mês e 9 dias. A soma de 1+2+1+9 dá 13. Ao converter esse espaço temporal apenas em dias, isso atinge o número 4.423, sendo que a soma dos algarismos, 4+4+2+3, atinge, novamente, o 13.
Um outro tema que o livro “O Terceiro Bispo” abordou em 2013 foram as profecias de São Malaquias, alegadamente escritas em 1140 e divulgadas publicamente em 1595. Dizem esses escritos que a destruição da Igreja irá acontecer quando chegar o Papa número 266.
A eleição de Francisco, a 13 de Março de 2013, representou a eleição do Papa número 266 e, desde esse dia e até à sua morte, apesar de existir uma crise de Fé, o Vaticano não acabou. A Igreja Católica ainda vai mantendo a sua influência no mundo e, em breve, um novo conclave irá eleger o Papa número 267, superando assim os números previstos nas profecias do santo irlandês.
Só que quando o Papa Francisco foi eleito, o Papa Bento XVI ainda estava vivo. Uma situação pouco comum no Vaticano. Por isso, durante o pontificado do Papa Francisco, poderíamos considerar que este era, na realidade, a continuação do Papa 265, não sendo o 266 em todo a sua plenitude. Era, se quisermos assim ver, o Papa número 265-B.
E, entre a morte do Papa Bento XVI, a 31 de Dezembro de 2022, e a morte de Francisco, no dia 21 de Abril de 2025, o sucessor de Bento manteve-se à frente do Vaticano durante 27 meses e 22 dias. O que, somados os algarismos 2+7+2+2, permite que se obtenha, de novo, o número 13.
Podemos assim dizer, de forma inequívoca, que à semelhança de João Paulo II e Bento XVI, também Francisco viveu e morreu debaixo do número 13. E, ao ser o terceiro bispo de Roma a morrer debaixo do signo 13, foi assim a continuação dinástica do Papa 264, João Paulo II, mas ocupando o número 265-B. O Papa Francisco morreu com 88 anos, tendo isso acontecido 20 anos e 20 dias exactos após a morte de João Paulo II, o dito “Papa de Fátima”, que tinha 84 anos, menos 4 que Francisco.
O próximo conclave irá agora ter de eleger um novo Papa. Um Papa que poderá não estar ligado ao número 13, mas que seria o 266º. De acordo com a profecias de São Malaquias, existe um nome para o novo Bispo de Roma: Petrus Romanus. Seria o Papa Pedro II, romano de origem. Para que tal aconteça, basta que o próximo chefe da Igreja seja de origem italiana, o que não acontece desde que o polaco João Paulo II foi eleito em 1978, sendo seguido por um alemão e um argentino.
Na lista de 22 prováveis Papas – os Papabili – constam cinco nomes de candidatos oriundos de Itália. O primeiro, Angelo Bagnasco, de 82 anos de idade, é o Arcebispo Emérito de Génova. Depois, com 79 anos, está Fernando Filoni, Grão-Mestre da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém. Segue-se o nome do secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, de 70 anos, que sucedeu a Tarcisio Bertone em 2013. O quarto candidato vindo de Itália tem 80 anos e chama-se Mauro Piacenza, sendo o actual Penitenciário-Mor Emérito do Supremo Tribunal da Penitenciária Apostólica. O quinto nome é o do Arcebispo de Bolonha, Matteo Zuppi, que tem 69 anos.
Na lista não consta como sendo oriundo de Itália o nome de um outro candidato que, por acaso, nasceu em Itália. Trata-se do Patriarca Latino de Jerusalém, Pierbattista Pizzaballa, que nasceu em Cologno al Serio, na zona da Lombardia, e professou os seus votos solenes na Igreja de Santo António, em Bolonha, no ano de 1989. Chegou a Jerusalém a 7 de Outubro de 1990 – sim, a mesma data do ataque de 2023 pelo Hamas. Em 2014, ajudou a organizar o encontro no Vaticano entre o Papa Francisco, o presidente israelita Shimon Peres, o líder palestiniano Mahmoud Abbas e o Patriarca de Constantinopla. Nascido em 1965, cumpriu 60 anos a 21 de Abril, o mesmo dia do falecimento do Papa Francisco.
Pierbattista Pizzaballa
Se um destes italianos for eleito Papa e assumir o nome de Pedro II, então podemos começar a falar mais a sério sobre as profecias de São Malaquias. Por outro lado, pode ser que o mundo venha a ser surpreendido com a escolha de um Papa de origem portuguesa, vindo da terra de Fátima. José Tolentino de Mendonça, de 59 anos, é um dos nomes nos Papabili e, aí sim, quem sabe o Vaticano e a Fé Católica não viria a ter um outro destino.
Fiquemos atentos, portanto, ao resultado do próximo conclave.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
No episódio de hoje, Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares abordam três temas:
1 – A pretexto da morte do Papa Francisco, discute-se o seu legado, a evolução do catolicismo no mundo e a crescente perda de influência de uma Igreja Católica cada vez mais desenraizada numa sociedade dominada pela tecnocracia.
2 – A propósito da constituição como arguido do director de sistemas e tecnologias de informação do Banco de Operações, no âmbito da Operação Factum, debate-se a falta de transparência e de controlo nos contratos públicos, bem como a forma como são ocultadas informações relevantes — como, por exemplo, os cadernos de encargos.
3 – A propósito do lançamento de um livro sobre a Justiça, da autoria de integrantes do Manifesto dos 50, comenta-se, com estupefacção, a presença de inúmeros políticos, ex-políticos, lobbistas (e até jornalistas), como se fossem lobos exigindo mais defesas para o galinheiro.
Inspirado no conceito ancestral de noticiar os factos do dia, o PÁGINA UM decidiu registar a marca Acta Diurna no INPI (não é apenas o Almirante Gouveia e Melo que a usa), com o intuito de lançar um podcast de comentário regular sobre a actualidade e temas que orbitam em torno das nossas abordagens.
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A Acta Diurnafoi, muito provavelmente, o primeiro jornal da História. Criado na Roma Antiga, no ano 59 a.C., por ordem de Júlio César, tratava-se de uma folha de informação pública onde eram registados e divulgados acontecimentos políticos, decisões judiciais, anúncios e até mexericos. Afixada em locais de grande circulação, a Acta Diurna tinha como propósito dar conta do quotidiano, funcionando como um instrumento de transparência – ou, ao que tudo indica, de propaganda e controlo da informação.
Inspirado neste conceito ancestral de noticiar os factos do dia, o PÁGINA UM decidiu registar a marca Acta Diurna, para lançar um podcast de comentário regular sobre a actualidade e temas que orbitam em torno das abordagens do próprio jornal. Mas não só. Também haverá espaço para outros assuntos que, por diversas circunstâncias acabam por não ser desenvolvidos em formato escrito.
O Acta Diurna será conduzido por Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares, podendo contar, pontualmente, com convidados externos que tragam outras perspetivas ao debate. Não é um podcast de entrevistas, é um espaço de análise crítica, com o selo do jornalismo livre do PÁGINA UM.
O Acta Diurnaserá um espaço para quem quer pensar além das narrativas dominantes. E o novo episódio já está disponível.
Inspirado no conceito ancestral de noticiar os factos do dia, o PÁGINA UM decidiu registar a marca Acta Diurna no INPI (não é apenas o Almirante Gouveia e Melo que a usa), com o intuito de lançar um podcast de comentário regular sobre a actualidade e temas que orbitam em torno das nossas abordagens.
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A Acta Diurnafoi, muito provavelmente, o primeiro jornal da História. Criado na Roma Antiga, no ano 59 a.C., por ordem de Júlio César, tratava-se de uma folha de informação pública onde eram registados e divulgados acontecimentos políticos, decisões judiciais, anúncios e até mexericos. Afixada em locais de grande circulação, a Acta Diurna tinha como propósito dar conta do quotidiano, funcionando como um instrumento de transparência – ou, ao que tudo indica, de propaganda e controlo da informação.
Inspirado neste conceito ancestral de noticiar os factos do dia, o PÁGINA UM decidiu registar a marca Acta Diurna, para lançar um podcast de comentário regular sobre a actualidade e temas que orbitam em torno das abordagens do próprio jornal. Mas não só. Também haverá espaço para outros assuntos que, por diversas circunstâncias acabam por não ser desenvolvidos em formato escrito.
O Acta Diurna será conduzido por Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares, podendo contar, pontualmente, com convidados externos que tragam outras perspetivas ao debate. Não é um podcast de entrevistas, é um espaço de análise crítica, com o selo do jornalismo livre do PÁGINA UM.
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A Acta Diurnafoi, muito provavelmente, o primeiro jornal da História. Criado na Roma Antiga, no ano 59 a.C., por ordem de Júlio César, tratava-se de uma folha de informação pública onde eram registados e divulgados acontecimentos políticos, decisões judiciais, anúncios e até mexericos. Afixada em locais de grande circulação, a Acta Diurna tinha como propósito dar conta do quotidiano, funcionando como um instrumento de transparência – ou, ao que tudo indica, de propaganda e controlo da informação.
Inspirado neste conceito ancestral de noticiar os factos do dia, o PÁGINA UM decidiu registar a marca Acta Diurna, para lançar um podcast de comentário regular sobre a actualidade e temas que orbitam em torno das abordagens do próprio jornal. Mas não só. Também haverá espaço para outros assuntos que, por diversas circunstâncias acabam por não ser desenvolvidos em formato escrito.
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O Acta Diurnaserá um espaço para quem quer pensar além das narrativas dominantes. E o novo episódio já está disponível.
Não raras vezes, o Chega tem sido acusado de ser um partido de um homem só. É uma teoria com a qual concordo, e sobre ela já me debrucei algumas vezes. A azáfama do André para concorrer a tudo, desde Presidente da República a Primeiro-Ministro, passando por vogal do condomínio e secretário na junta de freguesia, é meritória, mas deixa a descoberto a dificuldade de arranjar quadros para o partido.
Não é um problema exclusivo do Chega, entenda-se. É pouquíssimo apelativo enveredar pela carreira política em Portugal neste momento. Os salários são baixos, a exposição à comunicação social é enorme, o risco de devassa na vida privada é uma constante.
(Foto: D.R./Chega)
Quem é que, no seu perfeito juízo, quer sair do sector privado, de carreiras bem remuneradas, para entrar no circo em que se tornou o trabalho parlamentar? Dois tipos de pessoas: aqueles a quem seduz a projecção mediática ou, pior, os que não encontram melhor alternativa de trabalho. O salário de deputado pode não ser muito alto, mas, convenhamos, para um incompetente é uma fortuna.
Quase todos os partidos passam por estas dificuldades. No caso do Chega, um partido que gira em torno de uma pessoa e sem grandes teorias ou ideologias, a busca por quadros minimamente apresentáveis é ainda mais difícil. Não é qualquer pessoa que se sujeita aos gritos racistas e xenófobos a troco de um salário.
Não é, por isso, de estranhar que André Ventura ande sempre aos caixotes entre os desiludidos dos outros partidos. Imagino que o Sérgio Sousa Pinto seja o próximo convidado para jantar.
Rita Matias, deputada do Chega.
Quando o grupo parlamentar aumentou para os actuais cinquenta membros, foi preciso abrir a porta sem grande controlo e rezar pelo silêncio dos novos recrutas. Os meses passaram, e os escândalos foram-se sucedendo. Casos e mais casos com os deputados, crimes menores e maiores, 20% da bancada debaixo de investigação.
André tentou conter os primeiros casos e, sempre que possível, apontar aos alegados crimes do PS e do PSD. Mas chegou a um ponto em que as notícias eram tão catastróficas, com escândalos semanais, que o líder do Chega mudou de estratégia. Era altura de começar a atirar gente para debaixo do comboio.
Entre pedófilos, agressores, corruptos e ladrões de malas, Ventura optou por se antecipar à crítica e tratou de afirmar que o Chega era um partido diferente. Não daria cobertura aos crimes dos seus, embora, recentemente, Ventura se tenha referido a “crimes menores” para marcar as diferenças face ao PS e ao PSD. O que diria o André de 2023, que gritava por castração química para pedófilos, deste de 2025, que vê a coisa de uma forma mais leve?
(Foto: D.R./Chega)
O Chega escolheu duas linhas perfeitamente definidas: a imigração e a corrupção. Se, no primeiro tema, o trabalho de populismo está a ser feito com algum sucesso, já no tema da corrupção os quadros do partido não estão a ajudar. Ana Caldeira, a mais recente descoberta nas virtuosidades da extrema-direita, está acusada de burla qualificada e, de imediato, posta a andar por Ventura. Nem Marine Le Pen, condenada por roubar fundos europeus, foi poupada por Ventura, nestes dias difíceis para a extrema-direita europeia.
Chegámos a um ponto de habituação tal que, a verdadeira notícia, é termos uma semana sem mais um membro do Chega ser apanhado com a boca na botija. De tantas cabeças a cortar, o pobre André está rapidamente a tornar o partido de um homem só, algo mais literal. Aguardo, com alguma ansiedade, por conhecer as listas do Chega para as próximas legislativas. Devem estar recheadas de futuros criminosos de baixo quilate.
Esta também é uma parte importante. O Chega trouxe para a política o incompetente desqualificado que, até a roubar, é razoavelmente burro. Miguel Arruda, à falta de melhor, é um bom exemplo do que é o Chega para lá de Ventura. Um incapaz que não consegue articular duas ideias. Um racista primário que apoia movimentos de nazis. Um idiota encartado que rouba na sala do país com mais câmaras por metro quadrado e que, para complemento, ainda envia o produto do saque pela agência dos correios do Parlamento, para poupar uns cobres em selos. Agora imaginem um intelecto destes a votar em leis.
(Foto: D.R./Chega)
O que estes sucessivos casos do Chega nos dizem é, no fundo, aquilo que já todos sabíamos. O Chega não é anti-sistema, não é anti-corrupção e, muito menos, tem uma ideia para o país. Limita-se a cavalgar os temas que dividem e que, mais depressa, os poderão levar a cargos de poder. E, se há coisa que o crescimento da extrema-direita na Europa nos ensinou, é que o ódio a emigrantes e o populismo moralista são as formas mais rápidas de converter frustração popular em votos.
O projecto de poder pessoal de André Ventura não é gritar porque outros, em lugares de decisão, roubam. O que o incomoda verdadeiramente, desde o dia em que saiu do PSD, é não lhe darem um lugar onde ele, e alguns dos seus fiéis, possam também meter a mão na coisa pública.
Parece que ainda não será desta. O Rocha foi mais esperto.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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Assim como o Sol que nasce todos os dias, toda a gente decente do país estava à espera da acusação de Jair Bolsonaro e do seu bando de golpistas. Depois de terem tentado acabar com o nosso regime democrático para instaurar uma ditadura, era apenas uma questão de tempo até que o Procurador-Geral da República o acusasse, bem como parte dos militares que se dispuseram a trair a farda e a pátria nessa empreitada. Agora, enfim, começa o jogo judicial.
Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para 25 de Março o início do julgamento sobre a admissibilidade formal da acusação contra Jair Bolsonaro e os seus aliados. A acusação inclui crimes como associação criminosa, tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. São mais de oito mil páginas de provas, incluindo mensagens de WhatsApp, registos financeiros e depoimentos de militares arrependidos, nas quais se revela como um bando de arruaceiros tentou desferir um golpe de morte contra a democracia brasileira.
Jair Bolsonaro
Enquanto o STF avança, os apoiadores de Bolsonaro intensificam a retórica de vitimização. Nas redes sociais, circulam vídeos de manifestações em que seguidores juram “não aceitar a prisão do presidente”. Como de hábito, repete-se a mesma ladainha de sempre: “perseguição judicial”, “querem acabar com a direita neste país” e outras parvoíces do género. A isso soma-se a invocação indefetível do sentido deturpado da palavra “narrativa”, para desqualificar o meticuloso trabalho da Polícia Federal, ao reunir provas abundantes da conspiração que conduziu o país às portas de um golpe de Estado consumado.
De todas as “alegações” levantadas pelos bolsonaristas para tentar iludir a sua seita de seguidores, uma, contudo, é capaz de fazer erguer a sobrancelha mesmo entre quem não é suspeito de simpatias com a extrema-direita. Trata-se do suposto impedimento de Alexandre “Xandão” de Moraes para julgar o caso.
Como se sabe, exige-se de todo e qualquer juiz imparcialidade, isto é, o distanciamento necessário para julgar um litígio sem se inclinar de antemão para qualquer dos lados. Prevendo isso, o legislador estabeleceu duas hipóteses em que a parte pode recusar o julgamento por determinado magistrado: suspeição e impedimento. Se ambas se assemelham no propósito (afastar um juiz do processo), diferenciam-se na forma como se manifestam e na facilidade com que se prova cada uma dessas hipóteses.
Alexandre de Moraes
Na suspeição, as hipóteses são subjectivas (amizade ou inimizade com uma das partes, por exemplo). É necessário, além de alegar a suspeição, provar que ela existe de facto e influencia a imparcialidade do julgador. No impedimento, as causas são objectivas (ser cônjuge de uma das partes ou ter actuado no processo como advogado, por exemplo). Basta demonstrar que a hipótese prevista existe para que a lei presuma, independentemente de qualquer outra prova, a falta de isenção do juiz para atuar no feito.
No caso do golpe planeado pelos bolsonaristas, uma das etapas da destruição democrática previa a morte do presidente eleito (Lula da Silva), do seu vice (Geraldo Alckmin) e do presidente do TSE (Alexandre de Moraes). Logo, a ser Xandão uma potencial vítima do delito, aplicar-se-ia o inciso IV do artigo 252 do Código de Processo Penal, segundo o qual:
“O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que […] for parte ou diretamente interessado”.
Logo, Xandão não poderia julgar o caso, correcto?
Não. Errado.
Primeiro, quando os extremistas bolsonaristas planeavam matar Xandão, Lula e Alckmin, não se tratava de praticar três assassinatos isolados. O objectivo não era propriamente eliminar essas três figuras por desavenças pessoais ou políticas. Absolutamente. A ideia era a de remover os três principais obstáculos institucionais à consumação do coup. O crime aí investigado não é exactamente de homicídio, mas de golpe de Estado. A verdadeira vítima desse delito, portanto, não é nenhum desses três, mas a própria sociedade, que teria sido privada do direito de escolher os seus representantes eleitos.
Lula da Silva
Segundo, mesmo que houvesse inimizade entre Xandão e Bolsonaro, isso por si só não seria suficiente para afastá-lo do caso. O artigo 256 do CPP estabelece que a suspeição “não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la”. Foi exactamente isso que Bolsonaro tem feito e repetido desde 2019, quando o inquérito contra as chamadas fake news foi instaurado. Não nos esqueçamos de que, em 2021, Bolsonaro reuniu uma multidão na Avenida Paulista, em São Paulo, para insultar o ministro, chamando-o de “canalha”, e declarar que, como presidente, não cumpriria mais as suas ordens. Logo, não será por aí que se sustentará uma eventual suspeição de Xandão.
Haverá quem defenda que, neste caso específico, independentemente das questões técnicas, não conviria, de qualquer modo, a participação de Alexandre de Moraes no processo. Do ponto de vista puramente leigo, sempre se pode argumentar que seria melhor não ter um ministro tão directamente afectado pelos factos narrados na acusação a participar do julgamento. Contudo, duas considerações haveriam de ser feitas em contrapartida a essa visão.
A primeira é a de que o Supremo é um órgão de cúpula; não há nenhum outro tribunal judicial acima dele. Se os golpistas, por exemplo, planeassem matar todos os onze ministros do Supremo, nenhum deles poderia julgá-los? Os golpistas ficariam, então, impunes?
A segunda é que existe um brocardo latino milenar segundo o qual nemo auditur propriam turpitudinem allegans. O que, em bom vernáculo, significa dizer que ninguém pode alegar em seu benefício a própria torpeza. Caso se admitisse que Xandão estivesse impedido por ter sido descoberto um plano para assassiná-lo, doravante todos os criminosos do país planeariam matar todo e qualquer magistrado que julgassem ser desfavorável à sua absolvição. Não é necessário ser formado em Direito para imaginar o tamanho do problema de política judiciária e carcerária que tal entendimento implicaria.
O caso transcende fronteiras e o exemplo norte-americano deixa claro o tamanho do problema que políticas de apaziguamento ou a ineficiência do sistema judicial podem causar quando se deixam golpistas impunes. O julgamento da tentativa de golpe de Estado no Brasil não é apenas (mais) um processo penal. É um teste à capacidade do Brasil e daquilo que se convencionou chamar de “Ocidente” de confrontar o seu passado recente e expurgar do jogo democrático aqueles que atentam contra ele.
Alexandre de Moraes não está impedido. Com a sua habitual coragem, terá a oportunidade de provar, mais uma vez, que a Justiça não se curva a ameaças. Espera-se que conduza o processo com a seriedade devida. Não estará em jogo apenas o futuro dos acusados. Estará em jogo o futuro do país.
Arthur Maximus é advogado no Brasil e doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa