Como a maioria dos portugueses, fiquei surpreendido ao saber do número de oficiais generais das nossas Forças Armadas.
Nada mais, nada menos do que 253.
Comecei por perguntar, a mim próprio, o que fariam todos estes militares no seu “dia de trabalho”.
Imaginei essas duas centenas e meia de criaturas a levantarem-se cedo, como é exigido a qualquer militar, tomarem o seu banho, fazerem a barba ou maquilharem-se, consoante o sexo, e saírem de casa, depois do pequeno almoço, pelas 8,30 da manhã.
Mas, com que destino?
Há mais generais no nosso Exército do que quartéis, e outras instalações da Força, em todo o país.
Há mais generais na Força Aérea do que aviões, helicópteros, avionetas e outros aparelhos voadores.
Há mais almirantes do que navios, submarinos, corvetas e cacilheiros.
E têm cerca de 20.000 militares sob as suas ordens.
O que farão, então, estes cidadãos?
Sei que alguns são colocados na Guarda Nacional Republicana, outros ocupam cargos de assessoria, outros fazem comentários nas televisões.
No concreto, todavia, o que fará a maioria deles?
Para se perceber o ridículo destes números podemos, e devemos, compará-los com os de outros países.
Vejamos:
As Forças Armadas dos Estados Unidos têm 1,3 milhão de soldados, 13.300 aeronaves, 303.553 veículos blindados de combate e 484 embarcações, com um orçamento anual de 760 bilhões de dólares e… 31 generais!
A nossa vizinha Espanha tem 120 mil militares no activo, e 345.486 na reserva, e 28 generais.
A França dispõe de 215.000 militares, entre os quais 55 generais.
A Alemanha conta com 183.730 militares incluindo 189 generais.
O Brasil tem 235.000 militares e 100 generais.
Ou seja, Portugal tem mais generais do que Estados Unidos, Espanha, França e Brasil, juntos!
Os 20.000 elementos das nossas Forças Armadas seriam, em qualquer daqueles países, comandados por um major. Ou um coronel.
Neste nosso cantinho, onde há menos praças do que graduados, se contarmos com sargentos e todo o tipo de oficiais não generais, algo tem de ser feito para mudar esta situação.
Em primeiro lugar há que saber quais os verdadeiros objectivos que os nossos governantes pretendem alcançar com as nossas Forças Armadas.
Militares para “garantirem a defesa da nossa soberania” contra um qualquer eventual ataque de outro país?
Se for esse o caso, então podemos temer o pior.
A Espanha, por exemplo, se pretendesse tal (e obviamente não quer, a não ser que os seus dirigentes enlouqueçam…) bastaria mandar um pelotão, comandado por um sargento, e em 24 horas teríamos de começar a falar castelhano.
Papel preponderante que os nossos militares podiam ter seria, por exemplo, a defesa das nossas costas marítimas, quer no impedimento de pesca ilegal quer impossibilitando que, por essa via, entrem em Portugal produtos ilegais ou gente indesejável.
Só que, para estas acções, precisamos de operacionais em forma física e bem treinados, não de generais idosos e bem nutridos, e aquele é o tipo de gente em falta nos quartéis.
Desde logo porque a juventude, na sua imensa maioria, nem quer ouvir falar de “tropa”.
Disciplina, regras apertadas, levantar cedo, obedecer cegamente, péssimos ordenados, não poder dispor da sua vida em nenhum dia do ano, já que ficam sujeitos a ver as regras alteradas a qualquer momento?
Jamais! A não ser que tornem o Serviço Militar obrigatório e voltarem a fechar as fronteiras.
O mais certo, portanto, é que o número de generais vá aumentando, com as promoções por antiguidade, e o de praças vá diminuindo pelo total desprezo dos jovens pela carreira militar.
Perde-se muito com isto?
Provavelmente alguma da nossa juventude ficaria mais bem preparada para o resto da sua vida se tivesse de cumprir um ou dois anos de serviço militar.
Eventualmente, poderíamos pensar no cumprimento obrigatório desse serviço por parte daqueles que abandonassem os estudos sem o cumprimento de um determinado objectivo (licenciatura ou curso profissional, por exemplo).
Difícil seria explicar, a estes, a estrutura onde seriam integrados, com mais chefes que funcionários.
O que resta é dar razão à frase de Aldous Huxley: “Há três qualidade de inteligência: ahumana, a animale amilitar”.
Vítor Ilharco é assessor
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Há uns anos, ao fim de quase duas décadas de emigração, quando comecei a pensar regressar a Portugal ou passar por cá períodos maiores de tempo, decidi ir procurar casa em “casa”.
Não sendo a minha cidade natal uma hipótese por causa dos preços (Lisboa), fiz como a maior parte de nós e fui averiguar na Margem Sul, onde vive boa parte da minha família. Lembro-me de ver umas maquetes de uns prédios em construção, ali perto do centro de estágio do Benfica (Seixal) e de comentar com o vendedor como achava tudo aquilo um absurdo e completamente fora do contexto real do país. Ele, obviamente feliz pela forma como corria a venda da maquete, dizia-me, a propósito do meu país de acolhimento, o seguinte: “olhe… ainda ontem saiu daqui um sueco velhote com a filha. Compraram um T4 por 800.000 euros. Onde amigo, onde, é que eu na minha vida alguma vez pensei vender um T4 no Seixal por 800.000 euros?”
De facto, não pensou ele e, imagino, ninguém que tenha crescido e vivido por ali, como foi o meu caso. A “praia” para onde fugíamos tentando evitar as aulas, ali pelo final do século passado, baptizada com um nome pouco abonatório que incluía o recurso a adjectivos escatológicos, é hoje uma “vista desafogada para a baía”.
Como imaginarão, fico contente com a reabilitação dos espaços urbanos, em especial nas zonas dos subúrbios que são, normalmente, pouco dadas a embelezamentos ou cuidados arquitectónicos. Mas há aqui toda uma matemática que, por mais que tentemos, não parece fazer qualquer sentido.
Portugal tem um salario médio de 1.200 euros brutos (aproximadamente) e isto significa que a nossa classe média, a existir, é pequeníssima. A não ser que consideremos que a classe média recebe pouco mais do que o salário mínimo. Se for essa a bitola, então temos um país quase sem pobres.
Se a maior parte dos portugueses vive com menos de 1.000 euros líquidos, como é que o preço médio de um apartamento com, por exemplo, 100 m2, vai de 445.700 euros em Lisboa a 285.700 euros no Porto? Ou até 230.600 euros em Faro e 193.300 euros em Setúbal?
Como é que isto é possível? Economistas defendem que há pouca construção e isso faz aumentar o preço dos imóveis disponíveis no mercado. É um facto que o nosso parque habitacional subiu pouco na última década (cerca de 1%), mas também não é menos verdade que a população é essencialmente a mesma. Entre entradas e saídas, mortes e nascimentos, continuamos a rondar os 10,5 milhões.
Se os portugueses com poder de compra são cada vez menos, os imigrantes que tanto incomodam o Ventura recebem salários miseráveis… Quem é que compra estas casas em Lisboa entre 500.000 e um milhão de euros? São todos suecos como o amigo do Seixal? Ou franceses? Árabes? Russos?
Segundo o Pordata, em Dezembro de 2023, Portugal tinha uma população estrangeira de 800.000 pessoas, das quais 30% seriam brasileiros. Admitindo que os brasileiros não são todos milionários, serão os restantes 70% compostos por golfistas ingleses e nómadas digitais australianos?
Quando me falam no mercado para justificar tudo, é quando o fumo começa efectivamente a chegar à zona das orelhas. “Se alguém paga o valor, é porque vale. É assim o mercado”. Esta é uma versão redutora e que serve, na realidade, para justificar o injustificável. Para distribuir lucros pornográficos por uma minoria e prender boa parte da população a créditos eternos.
Vi um prédio na Avenida do Brasil com apartamentos entre 300.000 e 1.200.000 euros. Dir-me-ão que tem melhores acabamentos, que os custos de produção aumentaram com a inflação, a guerra, e todo o novelo do costume. Mas, quando saímos de casa, do T3 que custa 1,2 milhões de euros, continuamos na Avenida do Brasil, não é? Com lixo a transbordar dos caixotes, merda de cão no passeio e marquises no prédio da frente. Não estamos na 5ª avenida ou nos Campos Elíseos. O preço surreal que o “mercado” atribui a uma casa em Portugal, seja esta no subúrbio ou no centro das cidades, é absolutamente incompreensível.
Os custos de construção aumentaram? Por acaso têm visto pedreiros e carpinteiros em ferraris? O que aumentou verdadeiramente foram as margens de lucro de quem constrói e vende. Alguém acredita que o custo de produção de um T3 em Lisboa se aproxima sequer do milhão de euros? Não é mais ou menos óbvio que as margens subiram para valores que ninguém consegue perceber e muito menos, pagar?
Nós, portugueses, chegámos a um ponto da nossa evolução em que não temos dinheiro para viver nas zonas onde somos forçados a trabalhar. Bem sei que devemos todos mudar para o interior onde tudo é mais barato e arranjar emprego na lavoura, mas eu ainda sou daqueles que defende que uma pessoa deve viver onde lhe apetecer, perto da família, do mar, da barragem, dos campos de girassóis ou na borda do rio. Um país não pode ter um parque habitacional onde o custo médio está muito, muitíssimo acima, daquilo que é o salário médio.
No outro dia, li algures que isto só lá vai com ocupações à força. Parece-me radical, até porque defendo o direito à propriedade privada (com regras). Ainda assim, não consigo aceitar que todos sejamos obrigados a viver em condições miseráveis para alimentar a especulação imobiliária ou então, em alternativa, sermos despejados para a porta da emigração.
Há algo mais a fazer para resolver a crise da habitação. Desde logo, simplificar o processo de construção e deixar o mercado da concorrência funcionar. Depois, dar algum uso ao imenso parque habitacional público. E por fim, nos casos da mais pura e nojenta especulação, não me venham com conversas de investidores e segurança de mercado. Há que taxar sem complexos. Já se faz no primeiro mundo, não precisamos de inventar a roda.
O que não podemos é continuar a viver em barracas enquanto pagamos palácios.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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Neste nosso cantinho da Europa Ocidental, com a profusão das democracias liberais e as garantias dos “direitos humanos”, habituámo-nos a uma ideia de paz permanente e cooperação. Essa será uma das razões que explica o progressivo desinvestimento nas Forças Armadas, sendo que também contribuirá certamente a crescente rejeição de quaisquer sentimentos ‘nacionalistas’ ou patrióticos.
Muitos românticos acreditam até que não precisamos de Forças Armadas, que os conflitos bélicos são uma expressão de masculinidade tóxica, e o simples desejo de vivermos todos em paz e harmonia é suficiente para este cenário se concretizar. Idealistas, têm dificuldade em entender que, infelizmente, o conflito, por vezes beligerante, é um fact of life. Em suma: sem prejuízo de tudo ter de ser feito para evitar a tragédia da guerra, tudo deve ser feito também para, no caso de nos bater à porta, sermos capazes de nos defender.
Sucede que a soberania nacional soçobrou, de várias formas. Portugal quase se tornou num país ‘satélite’ da União Europeia. Neste lugar tão pacato como irrelevante à escala internacional, as Forças Armadas foram sendo preteridas, deixadas para segundo plano. Mas sinais de alarme e gritos de socorro têm-se vindo a amontoar, embora sem efeito, caindo nos ouvidos moucos dos últimos Governos. O mais recente tomou a forma de uma carta de nove páginas enviada, esta quarta-feira ao Presidente da República, por oficiais-generais do Grupo de Reflexão Estratégia Independente (GREI), a denunciar a “insustentável situação dos militares das Forças Armadas”. Recorde-se que no último dia de 2022 o número de militares do Exército, Força Aérea e Marinha registou um mínimo histórico, com apenas 21.080 efectivos – um pouco abaixo do número de oficiais da Guarda Nacional Republicana.
No documento, apontaram a “falta de pessoal” como o maior problema, entendendo ser um reflexo da perda dos direitos dos militares nos últimos Governos, a falta de progressão nas carreiras e as baixas remunerações. E fazem uma observação bastante sibilina: “até parece que o objetivo prosseguido é depauperar as FFAA [Forças Armadas] dos seus recursos humanos, deixá-las esgotarem-se e, assim, exauridas, chegarem à extinção”. Palavras certeiras. De facto, parece mesmo haver dolo e uma intenção clara no sentido de enfraquecer as Forças Armadas. Numa Europa que ‘comanda as operações’ a partir de um núcleo reduzido em Bruxelas, até já discutindo a criação de um exército europeu, e se Portugal já abdicou de grande parte da sua soberania, para que precisa de uma Defesa robusta e pujante?
O escárnio recorrente e a aversão a demonstrações de força, que encontra o seu apogeu nos discursos de autoflagelação, penitência e culpabilização pelo nosso passado, têm como consequência natural a desvalorização das Forças Armadas. É certo que quase todos os sectores, em Portugal, estão na mó de baixo, e este dificilmente poderia fugir à regra. Mas, apesar disso, há uma evidente e concertada acção que visa a desmoralização dos nossos militares.
Os exemplos são abundantes. Começo por um que me indignou sobremaneira, sendo eu filha de um militar da Força Aérea: a nomeação de uma “socióloga” como Ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras – a “primeira mulher” a ocupar o cargo. Quisesse alguém humilhar as Forças Armadas, teria dificuldade em fazer uma escolha que melhor manifestasse essa intenção. Sim: a nomeação de Helena Carreiras foi uma flagrante humilhação.
Esta opinião pode ser impopular num ‘Ocidente’ – é apenas o Ocidente que o faz – que finge acreditar que homens e mulheres são “iguais”, e que partilham exactamente das mesmas apetências, capacidades e inclinações, mas a biologia importa-se pouco com a ideologia de cada um. A ideologia da “igualdade de género”, que pretende uma paridade absoluta, é não só contrária à natureza dos sexos; é incompatível com a criação de uma superpotência militar.
E, claro, Helena Carreiras distingue-se pela sua preocupação com as “questões de género” nas instituições miliares e a “integração das mulheres”, áreas em que concentrou a sua investigação. Em Novembro passado, chegou a falar na existência de um “machismo estrutural” nas Forças Armadas – um discurso woke e absolutamente patético, que me envergonha e repugna como filha de um militar. A senhora ministra está mais preocupada em impregnar o seu activismo feminista nas entidades que tutela, do que em dignificar os profissionais que põem a sua vida ao dispor pelo país. Um circo pegado.
E sem 2020 os generais-oficiais do GREI já tinham alertado para o estado de “pré-falência” das Forças Armadas, algumas das medidas entretanto apresentadas pelo Ministério da Defesa para remediar a situação, foram menos do que meros ‘paliativos’.
A título de exemplo, as medidas apresentadas em Outubro de 2023, são cómicas, e quase trágicas. Com vista a aumentar o número de candidatos, desceu-se a exigência: os militares podem agora ser ‘minions’ de 1,54 metros, e algumas doenças crónicas já não bastam para excluir uma candidatura. Em cima da mesa, esteve também a abertura a estrangeiros, mas a ideia ficou, pelo menos por enquanto, em águas de bacalhau.
Tudo isto seria desnecessário, se houvesse uma valorização efectiva das Forças Armadas e do seu papel. Respeite-se aqueles que se colocam na linha da frente pela defesa da nação, honrando a sua coragem e abnegação – e não espezinhando a masculinidade, qualificando-a como “tóxica” -, ao invés de lançar acusações de machismo e dissertar sobre a igualdade de género na Defesa, e talvez os portugueses voltem a querer servir o país como militares.
Maria Afonso Peixoto é jornalista
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Na Europa tem-se observado um crescimento de novos partidos de direita, que em alguns casos já conquistaram o poder. Este fenómeno é atribuído à falência das esquerdas que direccionaram seu foco para questões intencionalmente divisivas e muitas vezes desconectadas da realidade. Crises e conflitos são fabricados por um status quo de directrizes globais. A narrativa simplificada ao estilo Matrix, com escolhas binárias entre comprimido azul e vermelho, impossibilita a consideração de alternativas mais abrangentes, como terceiras, quartas ou mesmo vigésimas segundas vias.
Cada vez mais tomamos consciência do poder desmedido de organizações globalistas, como o Fórum Económico Mundial (FEM) ou o Clube de Bilderberg, do qual Francisco Pinto Balsemão foi membro permanente de 1988 a 2015, altura em que passou o cargo para Durão Barroso. Enquanto isso, a tolerância em relação às elites psicoqualquercoisa diminui, como bem observa Maria Afonso Peixoto no PÁGINA UM, ao abordar o último encontro de Davos do Fórum Económico Mundial: ” Embora os olhos do Mundo devessem estar postos nesta cimeira, e o escrutínio sobre aqueles que por lá passam devesse ser implacável – porque são eles que, assemelhando-se a Deuses no Olimpo, tomam as derradeiras decisões que afectam todos nós -, a maior parte das pessoas não sabe nem sonha a dimensão do poder concentrado nestes “escolhidos”. Escolhidos, é uma maneira de dizer, pois constituem literalmente apenas um “punhado” não eleito de pessoas: este ano, o encontro contará com 2.800 convidados. Um número reduzido comparando com os cerca de oito mil milhões de pessoas a habitar o planeta, e sobre os quais os 2.800 participantes exercem um poder desmesurado.”
Num contexto de manutenção e fortalecimento do poder, a origem da doença e a cura emergem dos mesmos lugares. É nesse cenário que surge no espectro político português André Ventura, antigo comentador do Benfica. Este destacado produto televisivo desenvolveu sua desenvoltura e agilidade discursiva defendendo fervorosamente Luís Filipe Vieira. Aliás, a televisão tem desempenhado um papel fundamental na criação de importantes actores políticos nacionais e internacionais, lavando as mãos quando as coisas dão errado, o que acontece quase sempre. Em 1998, Emídio Rangel, antigo director da SIC, afirmou no documentário “Esta Televisão é a Vossa” de Mariana Otero para o canal ARTE: “Uma estação que tem 50% de share vende tudo, até o Presidente da República! Vende aos pedaços: um pedaço de Presidente da República aqui, outro ali, outro acolá, vende tudo! Vende sabonetes!”
Nesta terceira análise dos cartazes de rua da actual propaganda partidária, irei escrutinar os do Chega que tem conquistado um aumento significativo de tempo de antena. Após o sexto congresso, realizado entre 12 e 14 de Janeiro de 2024, onde André Ventura foi reeleito com uns impressionantes 98,9% de votos, observa-se uma intensificação de esforços dos comentadores políticos em desmontar as propostas apresentadas por este partido. Um fenómeno que tem prolongado a sua cobertura mediática, elevando-o ao estatuto de uma instância crucial na criação de espaços para a disputa ideológica e a construção da agenda pública. E assim, demonstra habilidade em marcar o compasso da agenda-setting dos meios de comunicação. Como sugerem os estudos de Malcolm McCombs e Donald Shaw, esta capacidade não apenas informa as audiências sobre assuntos de interesse público, mas também condiciona a percepção da importância de determinados temas com base na visibilidade que os media lhes conferem.
A reeleição de André Ventura não evidencia apenas a consolidação do líder no interior do partido, como também preconiza uma base de apoio sólida. A atenção crescente que lhe é dedicada com análises mais profundas e críticas por parte de comentadores políticos, indica que as propostas do partido estão a ser submetidas a um escrutínio minucioso. Neste cenário, a cobertura mediática emerge como um terreno fértil para a competição ideológica, onde o Chega se destaca tanto pela sua presença, como pela sua capacidade de influenciar a agenda política e moldar a opinião pública. Esta dinâmica revela um contexto político intrigante, onde o partido consegue nortear o discurso público.
Com diferentes formatos, que vão desde o outdoor 8×3 metros até ao cartaz A2, a palavra-chave desta campanha é “corrupção”. A estratégia adoptada segue uma lógica cumulativa, coleccionando motivos desde 2022. Optando pela polifonia, é orientada por uma estratégia expansionista que visa marcar presença em todos os concelhos do país, alcançando finalmente uma cobertura nacional em detrimento da anterior adstrita aos grandes centros urbanos. O estilo contestatário e o tom consistente são distintivos, evidenciados pelo uso sistemático do ponto de exclamação a vermelho, presente nos slogans e, até mesmo no logótipo desenhado pelo arquitecto Nuno Afonso, um dos fundadores do partido. Esta dupla consistência revela uma abordagem estratégica unificada, realçando a importância da mensagem anticorrupção com o #vergonha. A ampliação da distribuição geográfica reforça o compromisso em chegar a diversos públicos, ao mesmo tempo que a participação dos militantes no financiamento directo desta campanha reflecte o grau de mobilização e o envolvimento na projecção do partido.
Esta campanha aposta numa fórmula clássica baseada num código de cores seguro e eficaz: azul, branco e vermelho. Esta escolha, frequentemente utilizada por marcas comerciais norte-americanas, atribui ao azul uma conotação de confiança, enquanto o vermelho simboliza poder e força. Apesar de apresentar um design desgrenhado, oferece uma leitura clara e compreensível.
No formato mais compacto, o apelo “Vamos acabar com a corrupção e os tachos em Portugal” utiliza um tom coloquial e recorre ao calão para estabelecer uma conexão directa com o público. Já nos outdoors, a mensagem “Pagamos tantos impostos para sustentar a corrupção!” adopta uma formulação popular, semelhante ao que se poderia ouvir em conversas de café. Aqui o uso de quatro tamanhos de letra resulta numa disposição impositiva que lembra os oráculos e a identidade visual das Breaking News nos telejornais. Com uma composição a ser aparentemente desordenada, a campanha consegue transmitir eficazmente a sua mensagem de luta à corrupção, a partir de uma linguagem acessível e referências visuais familiares. Um estilo que lhe confere autenticidade e uma certa informalidade, o que potencia a proximidade, o envolvimento e o vínculo ao eleitorado.
Nos maiores formatos, a imagem de André Ventura é capturada com um estilo fotográfico amador, remetendo quase à fotografia tipo-passe. Nalguns casos devido à falta de definição da imagem, as cores ficam deslavadas cujo fundo branco não consegue disfarçar a falta de nitidez. Na versão em 4×3 metros, o enquadramento da fotografia permite uma visão mais ampla do vestuário e revela uma gravata bege ligeiramente torta, indicando uma falta de cuidado.
Esses detalhes, notavelmente visíveis nos 40 centímetros de tecido que compõem a gravata, desempenham um papel fulcral na consolidação da imagem de um representante político e, portanto, exigiriam uma atenção especial. Este descuido na escolha da imagem e na apresentação visual pode ser interpretado como um deslize na construção de vínculos com o eleitorado, uma vez que a aparência de um político influencia bastante a percepção do público. Afixada junto à Assembleia da República, em Lisboa, existe ainda uma versão original e marcante pelo recorte no topo superior de André Ventura materializado num avançado que extrapola os limites da moldura.
Ao examinar o design do logótipo do partido, é notável a sua desconcertante falta de competência. O pictograma básico do território nacional parece ter sido retirado de um manual escolar do 1º ciclo, rodeado por linhas circulares dinâmicas que evocam um efeito de centrifugação de uma máquina de lavar roupa. Carimbada em caixa de texto, a designação do partido é sublinhada por um ponto de exclamação, além de quebrar a norma ao mencionar explicitamente ser um “partido político”. Resistindo a investir seriamente neste elemento identitário crucial, opta por manter um logótipo cuja imaturidade leva a crer que foi feito no PowerPoint com cliparts gratuitos. Esta falta de brio é ainda enfatizada pelo uso de diversas versões do recorte de Portugal, algumas delas sem as regiões autónomas. Não só é de mau tom representar Portugal sem ilhas, como esta opção dissolve claramente a credibilidade da sua assinatura, “Por Portugal e pelos portugueses”, que pretendem exaltar os princípios nacionalistas e securitários que regem o partido.
Ao concentrar esforços na angariação de votos junto de um eleitorado desiludido, o Chega continua a posicionar-se como um partido de protesto. Sob essa perspectiva, a comunicação de estilo Santos Silva revela-se altamente eficaz. No entanto, a estratégia retórico-argumentativa de André Ventura permanece no domínio da esperança, incapaz de alcançar e consolidar a legitimação do partido. Desde 2022, a campanha manteve uma simplicidade que relega André Ventura ao papel de animador ou entertainer.
Neste contexto e contrariando a posição do seu próprio líder, não consegue fazer a transição para um partido de poder. Esta disparidade evidente poderia porém ser corrigida ao adoptar estratégias semelhantes às de líderes populistas como Geert Wilders, Marine Le Pen ou Giorgia Meloni, onde o discurso e a imagem de estadistas ocuparam o centro das propagandas. Ao transitar do protesto para a esperança, mensagens como o “Make America Great Again” de Trump ou o “Yes we can” de Obama foram particularmente eficazes no Ocidente nos últimos tempos. Independentemente do crescimento esperado do Chega nestas eleições, a falta de um salto significativo pode ser atribuída a uma estratégia de comunicação insuficiente para alcançar os objectivos.
André, ainda não é desta que vais à Champions League!
Sara Battesti é estratega e especialista em Comunicação
Avaliação do cartaz
Design: 1/5
Impacto: 4/5
Eficácia: 3/5
Média: 2,7/5
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Dei as quintas-feiras a Viseu e as sextas-feiras à Covilhã. Assim, contraída a preposição, que Covilhã é moça e Viseu é bonacheirão.
A Sever do Vouga dei um sábado só e furou-se o pneu numa picada, que comeu o resto da tarde em lama e bombinhas de soprar ar viciado, a ver se ainda regressava ao asfalto. Fica a caminho, sabem?
Os tempos e os dias são assim dedicados a lugares (o tempo, sempre o tempo), sabem?
Os lugares são por vezes pessoas, uma ronda que fazemos pelos quilómetros que unem esta e aquela terra, onde está esta e aquela pessoa, que aproveitamos para apertar os ossos contra nós, numa era de distâncias sussurradas e silêncios que fazem muito barulho. (Sabem?)
Lugares comuns.
Então, nestes pontinhos do mapa lá fui eu lançada várias vezes, em movimento curvo, giratório, fisgado, catapultado. Nada suficiente para ouvir com detalhe a côr da pronúncia, só o suficiente para sentir a paisagem esboroar-se em volta e esbarrar-me com as pessoas (que por vezes são lugares).
Mas sabem, (sabem a quê?) sabem umas vezes a açucar em pó, outras a folhado de manteiga bem fina, o doce da terra, entrar na padaria e pedir o que só eles têm. Outras a fumeiro, lenha, braseiro, gelo. O ar parado do país ignorado. O ar redondo dos lugares sem mar onde o Atlântico não chega a trazer o interesse de (bananas de) um certo borbulhar em Lisboa (mas já lá iremos a essa moça, hoje não).
Depois de entontecida, rotunda após rotunda de Viseu, rochas empilhadas no caminho e que lindas que são, mais que pedras, já são como naturais ali, eternas, sigo o corte para a Covilhã, avisto a linha do comboio que pouco ou nada passa (nunca que chegue), montanhas que mudam de sítio hoje, pontes, viadutos que se apressam em unir nenhures, a força de Espanha a anunciar-se (anda cá, anda cá).
Porque nascemos aqui e ali, não acolá, que coisa estranha esta, eu que poderia pensar com outra língua, sentir o sabor das coisas com outro nariz.
E eis a Serra.
Estrela.
O topo parece tão pertinho, que estranho é deixar de ver (gelo).
Dei as sextas-feiras à Covilhã. As voltas que a vida dá, se pensava eu que tal lugar existiria fora dos passeios de escola, e ei-la lá, digna, serrana, paciente.
Coitadinho do motor que precisava de ar extra para vencer algumas ruas sem patinar muito, coitadinhas das minhas pernas que ficaram estendidas em músculo espalmado no dia seguinte (nem entendi porquê). O peito a esforçar-se e o ar que era pouco (puxa o ar, puxa! Mas não afogues o motor!)
Oh Covilhã. Sabes que existe uma covilhã no sítio da minha terra? (Quantas Covilhãs existem em Portugal?)
Saberás tu (ou Viseu, ou Sever, ou Aveiro, ou o Porto, ou a Régua, ou Moncorvo, ou todas as que ainda vou percorrer), que és um país tu só e ainda mais país tu com todas? Mais que certa moça solarenga com borbulhar (de bananas) que nem se lembra de onde veio?
Terras que alimentam a capital do reino (das bananas). Lugares.
Mariana Santos Martins é arquitecta
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De um lado temos o Jornalismo e a Democracia. Do outro temos os grandes grupos de media, as suas parcerias comerciais e a constante propaganda política.
Hoje, fala-se muito em ‘ajudar’ os media e em usar dinheiro dos contribuintes para ‘apoiar’ o Jornalismo. E confunde-se Jornalismo com os actuais grandes grupos de media, como Global Media Group, Trust in News e Impresa.
Mas, desengane-se quem pense que financiar grupos de media é o mesmo que ‘salvar’ o Jornalismo e a Democracia.
Desengane-se quem pense que os grandes grupos de media são sempre sinónimo de Jornalismo, liberdade de expressão, de informação livre, plural e independente. (Basta constatar o facto de que teve de ser um órgão de comunicação social independente – o PÁGINA UM – a colocar acções em tribunal para obrigar entidades públicas e o próprio Governo a divulgarem informação que têm vindo ilegalmente a esconder dos portugueses).
A realidade nua e crua é que, em geral, nos grandes grupos de media as parcerias comerciais multiplicam-se e crescem, enquanto jornalistas são despedidos e as reportagens são cada vez mais uma ‘coisa’ rara. Não há dinheiro para investigar e viajar em reportagem, mas há para bons salários para directores e administradores, carros topo de gama, cartões de crédito, almoços gourmet, avenças para comentadores amigos e para jornalistas que não incomodam o poder.
Muitos bons jornalistas – dos que incomodam – são colocados na prateleira ou ‘dispensados’. (Sei de alguns que, estando em funções, têm sido impedidos de publicar ‘cachas’ por serem temas que não agradam aos ‘patrocinadores’). Estagiários baratos ou grátis que não fazem perguntas e executam na perfeição a cópia de comunicados de imprensa são ‘promovidos’.
Pouco jornalismo se faz, hoje, nas redacções cheias de jornalistas ocupados a fazer ‘corta e cola’ de ‘takes‘ da agência Lusa ou de comunicados do Governo ou de empresas. O churnalism é uma realidade que envenena as redacções. As parcerias comerciais são a erva daninha semeada com a ajuda de directores que é, hoje, impossível de arrancar.
A realidade nua e crua é que os grupos de media vivem para os seus ‘clientes’, que são as empresas, bancos e entidades públicas que lhes pagam para fazer conferências, summits, tertúlias, talks, entrevistas e podcasts. Promovem-se líderes empresariais, marcas, produtos, campanhas, tendências…
Mas vemos jornalistas a dizer que a crise nos media é um problema do ‘modelo de negócio’ e a culpa é da Internet e das redes sociais. Além disso, dizem que a culpa também é … dos leitores. Como se os jornalistas e os vícios dos grandes grupos de media não tivessem nada a ver com a crise no sector.
A antiga directora do Público, Bárbara Reis, afirmou que “a elite portuguesa, incluindo médicos, professores e pessoas com boas reformas, desvaloriza a informação livre e independente”, referindo-se aos grupos de media. Ora, esta afirmação espelha bem a ‘bolha’ em que vive a maioria dos jornalistas que trabalham para os grandes grupos.
Aquilo que os “médicos, professores e pessoas com boas reformas” desvalorizam é a mistura de notícias com conteúdos pagos, a mistura de entrevistas com parcerias comerciais e os suplementos patrocinados até ao tutano para vender peixe alheio. Aquilo que desvalorizam é noticiários que dedicam os primeiros 30 minutos a políticos. Ou a promoção descarada de empresas e partidos. Ou o ‘bajular’ em directo de certas personalidades.
A classe perdeu a noção da realidade, ao ponto de achar normal um congresso de jornalistas com mais de uma dúzia de patrocinadores, e em que jornalistas se ‘babam’ frente ao Presidente da República, num espectáculo desprestigiante e triste.
O pudor desapareceu por completo. A classe dá-se conta da gigantesca promiscuidade com o poder político e económico?
Há muito que os maiores grupos de media se divorciaram do público. Mas vivem naquela relação tóxica de ter pedido o divórcio, mas de quererem manter o público por perto. Não entendem por que motivo o público está a seguir em frente. Não entendem que o público se sente traído e partiu, sem olhar para trás.
“Não compro jornais há anos”. “Ver telejornais, para quê? É só políticos e propaganda”. As frases de desgosto e lamento sobre o estado dos media em Portugal multiplicam-se pelos fóruns e comentários na Internet e nas ruas. Falando com jovens, a realidade é similar: “Ver notícias? LOL”, é uma das respostas que recebo quando pergunto a um universitário se lê jornais.
Não tenho visto muitos jornalistas publicamente a colocar a mão na consciência e a admitir que nas suas redacções se faz cada vez mais do que ‘não é jornalismo’ do que o que ‘é jornalismo’.
Aquilo que tenho visto é a hipocrisia atroz e patológica de se culpar apenas a Internet, as redes sociais e os problemas financeiros dos grupos de media pela grave crise que atinge o sector.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no V Congresso dos Jornalistas. O evento, que foi patrocinado e ‘apoiado’ por mais de uma dúzia de entidades públicas e privadas, incluindo empresas e bancos, exigia o pagamento de entrada a jornalistas interessados apenas em cobrir o congresso, o qual teve ainda o ‘Alto Patrocínio’ da Presidência da República. (Foto divulgada pelo Congresso dos Jornalistas; D.R.)
A verdade é que jornalistas têm ficado em silêncio sobre o que se passa nas redacções. Já perdi a conta de jornalistas que me dizem que apoiam o trabalho do PÁGINA UM e que tudo vai mal nos grupos de media, incluindo a propaganda que fazem. Mas, depois, esses jornalistas fazem algo para acabar com isso? Confrontam a direcção? Enfrentam os CEOs? Recusam executar parcerias comerciais (quando delas se apercebem)?
A verdade é que o terrível corporativismo da classe ameaça ajudar a acabar com ela. Jornalistas infractores, que mantêm actividades incompatíveis com a profissão, seguem como se tudo fosse normal. Jornalistas a executar contratos comerciais – sobretudo directores – prosseguem como se fosse tudo normal. Nas barbas da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e do Sindicato dos Jornalistas.
Em Portugal, esta é uma prática tóxica – todos se calam para não ‘parecer mal’. E assim, se ‘lixa’ toda uma classe e a credibilidade do sector.
Agora, os media e os jornalistas pedem dinheiro ao Estado e ajudas.
A surgirem ajudas dos contribuintes – seja através de um Carlos Moedas ou de um Ministério governamental – servirão para pagar baixos salários de estagiários e alguns jornalistas destacados para fazerem ‘copy-paste’ de ‘takes’ da Lusa e comunicados do Governo.
As ‘ajudas’ servirão também para pagar carros topo de gama de administradores e directores, além das senhas de gasolina, despesas extra diversas, almoços, cartões de crédito, prémios anuais e os seus razoáveis salários.
As ‘ajudas’ servirão para pagar avenças de comentadores pagos a peso de ouro ‘porque sim’ – do amigo, ao amigo do político ‘amigo’ – enquanto o estagiário é ‘esfolado’.
As ‘ajudas’ servirão para financiar ‘vícios’ e formas de estar nos media que têm prejudicado a Democracia, o Jornalismo e beneficiado o poder político e económico (e ajudado alguns jornalistas, directores e administradores a construir piscinas na casa de campo).
As ‘ajudas’ servirão para manter tudo como está, quando os leitores pedem mudança urgente nos media. As ‘ajudas’ servirão para tapar o buraco criado por negócios opacos e negociatas que correram mal.
Há jornalistas que sabem disto, que dizem isto à porta fechada. Está na altura de os jornalistas se deixarem de atirar culpas e olharem para o que se passa nas redacções e nos seus grupos.
Não é só na Global Media que há contas e negócios a escrutinar. E na Trust in News? E na Impresa? E os milhões devidos ao Estado, à Autoridade Tributária, à Segurança Social? Aos bancos?
Este cenário beneficia muito quem andar a ‘dar apoios’ ao Jornalismo. Sobretudo porque os apoios ajudam a que se faça ‘jornalismo’ apenas em algumas áreas que se quer. Esse condicionamento será a morte do Jornalismo.
Já hoje é visível a tendência de se fazer ‘jornalismo de investigação’ apenas em certos temas para os quais ‘se pode ir buscar dinheiro e bolsas’. Aliás, toda a indústria do chamado ‘fact-checking’ não passa disso mesmo, uma oportunidade para ‘ir buscar uns milhares ou milhões’. Depois, tem é de se escrever o que se sabe que se espera que seja escrito… ou seja, a ‘verdade’ é só a que sai de Governos, comunicados ‘oficiais’ e pouco mais… Como se isto tivesse qualquer semelhança com Jornalismo, cujo ADN consiste precisamente em questionar… as autoridades e os comunicados oficiais.
Agora, querem que se dê ‘apoios’?
Esta tese das ‘ajudas’ públicas aos grandes grupos de media, além de usar um argumento falso – ‘salvar o Jornalismo e a Democracia’ – só vai servir para alimentar o ‘monstro’ em que se tornou a interferência comercial e política no sector. Falso argumento porque existe muita imprensa para lá dos grandes grupos, incluindo imprensa regional e projectos de jornalismo independente, como o PÁGINA UM.
Esta tese de se vir a ‘ajudar’ os grandes grupos de media, faz-me lembrar o filme ‘O Exterminador Implacável’. A tese é de que se nada se fizer, ‘O Exterminador Implacável’ chegará para eliminar o ‘Jornalismo’. Acontece que no filme de culto protagonizado por Linda Hamilton e Arnold Schwarzenegger é precisamente na tentativa de se travar o aparecimento do ‘exterminador’ que se acaba por activar a fatídica Skynet e libertar o poder da inteligência artificial, que lança uma guerra contra a Humanidade.
Na tentativa de se ‘salvar’ o ‘Jornalismo, ‘ajudando grandes grupos de media, arrisca-se a que seja activada uma outra ‘Skynet’, com os grupos de media, ainda mais dependentes de ajudas financeiras externas – públicas e privadas –, ainda mais vulneráveis e condicionados, unidos numa cruzada contra os ‘dissidentes’ que questionem o poder político e económico.
A ‘máquina’ dos media, financiada pela ‘máquina’ política e económica, seria aperfeiçoada para ‘eliminar’ todos o que ‘desobedecessem’ ao poder instalado e verdades ‘oficiais’, e a liberdade de imprensa e de expressão seriam apenas uma lembrança – tal como a Democracia .
Ajudar os grandes grupos de media, como eles são hoje – com toda a promiscuidade e dependência comercial de entidades públicas e privadas – é impedir a sua urgente limpeza, mudança e transformação.
Dificilmente, mantendo a actual promiscuidade com o poder político e económico e os actuais ‘vícios’ e salários e avenças de luxo, os grupos irão mudar. Pelo contrário, vão saber que, se quiserem sobreviver, têm de se ‘rebaixar’ mais.
Sem se fazer esta ‘limpeza’, não há ajudas que valham para os ‘salvar’. Mas, se calhar, é isso que se quer. Num mundo em que os media são controlados por políticos e grandes grupos económicos, tudo é mais fácil.
Num admirável mundo novo dos grupos de media financiados por ‘ajudas’, uma nova era nasceria em que a censura e o pensamento único seriam, em definitivo, a norma.
Tal como no filme ‘O Exterminador Implacável’, arriscamos caminhar a passos largos para esse mundo em que mais ‘jornalistas’ se ajoelham perante o poder, fazem vénias a entidades públicas e privadas – sejam de saúde, tecnológicas, financeiras ou militares -, beijam a mão do Presidente da República e agradecem as ‘ajudas’. As ‘ajudas’ que os ajudam a não mudar.
Elisabete Tavares é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Depois da convenção do partido de “extrema-direita”, este fim-de-semana tivemos o mesmo evento realizado pela Aliança Democrática (AD), que teve como convidado de honra o político que em tempos redefiniu a palavra “irrevogável” do dicionário português. Desde então, passou a ser conhecido pelo Irrevogável.
O que nos disse? “Lembrem-se daqueles que durante a pandemia eram negacionistas. No Brasil, foram mais de 600 mil mortos. Tomem cuidado com os que desdizem, desprezam e insultam o trabalho da Ciência e dos cientistas”. Avisou-nos também que existe “muita desinformação e manipulação”- tudo isto perante palmas efusivas dos principais dirigentes da AD.
É sempre bom saber que devemos seguir a “Ciência” de forma incondicional, como se se tratasse de um dogma religioso. Por exemplo, como explica o milhão de mortos por covid-19 nos Estados Unidos, cerca de 3.100 mortos por milhão de habitantes, tal como no Brasil, o país que seguiu a sua “Ciência”?
Quem não se recorda das missas dominicais do Irrevogável, sem qualquer contraditório e cheias de “desinformação e manipulação”, a anunciar-nos a “pandemia dos não vacinados” ou de que “não aceitar ser vacinado, risco de contágio e hospitalização”. Para nossa “estupefacção”, há meses, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) disse-nos que, afinal, as “vacinas contra a covid-19 não foram autorizadas para prevenir a transmissão de uma pessoa para outra”. É bem elucidativo da “Ciência” do Irrevogável, onde este nunca aborda os efeitos adversos das “miraculosas vacinas”.
O Irrevogável e os seus correligionários de partido são muito respeitadores dos nossos direitos, em particular da nossa propriedade. Quem não se recorda do seu amigo e mui católico Bagão Félix, que em 2004 confiscou mil milhões de Euros do fundo de pensões da Caixa Geral de Depósitos a favor dessa organização parasitária chamada Estado português. Hoje, como bom católico, diz-se arrependido; valha-nos isso!
Mas não é só o partido do Irrevogável que segue a máxima do Fórum Económico Mundial: “Não terás nada e serás feliz”. Também o Partido Socialista Dois (PS-Dois), o principal partido da AD, também zomba de todos nós. Há dias, a deputada do Parlamento Europeu, Lídia Pereira, num tom professoral, como se nos tratasse por estúpidos, veio “elucidar-nos” que a União Europeia não queria proibir-nos de reparar os nossos carros, mas apenas nos impossibilitar de os vender!, caso estes se encontrem em “fim de vida”.
O parasitismo sobre o “nosso dinheiro” é uma das grandes virtudes do PS-Dois, em particular do seu actual líder. Quem não se recorda que entre 2014 e 2018, a sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro, detida em 50% pelo “Grande Líder”, obteve 10 contratos por ajuste directo das câmaras municipais de Espinho e Vagos, ambas lideradas pelo PS2, perfazendo um valor total de 400 mil euros. Os amigos são para as ocasiões.
Quem esteve afastado desta “festa” foi o ex-líder do PS-Dois, Pedro Passos Coelho. Aparentemente, não tinha sido convidado. Enquanto decorria a convenção, os órgãos de propaganda situaram-no num almoço na Guarda, em convívio com actuais e ex-altos dirigentes do PS-Dois e o muito conhecido juiz Carlos Alexandre.
O que estaria este último a fazer no meio de tão distinta companhia? Estaria a discutir os inocentes ou os acusados da Operação Furacão, Face Oculta, Remédio Santo, CTT, Operação Labirinto, Operação Marquês, caso EDP, Operação Lex, Tancos? Vergonha parece não abundar por aquelas bandas.
Enquanto saboreavam a opípara refeição, os principais dirigentes da AD apresentavam-nos as suas propostas para o país. Uma deles é um plágio da proposta do partido de “extrema-direita”: “Aumentar o valor de referência do complemento solidário para idosos para “ser igual ao salário mínimo nacional numa segunda legislatura”. São autênticos batoteiros, pois deveriam ter referido o verdadeiro autor de tal medida.
Por fim, a discussão de lota de peixe em que se transformou o salário mínimo. A AD promete um salário mínimo nos 1.100 euros! Fica sempre a pergunta: porque não 5.000 euros por mês, e ficava já a questão garantida. Esquecem-se sempre que o salário é de zero euros quando a produtividade do trabalhador é inferior a tal valor, prejudicando essencialmente os pobres e os portugueses do interior.
Enfim, como podemos concluir, a AD é a verdadeira alternativa. Para já, juntou um grupo de “notáveis” que nos ama e protege; como não gostar deles!
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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A tolerância enxameia o discurso dos habitantes do espaço público. Quase ninguém se insurge contra o conceito insidiosamente servido a toda a hora. Se perguntarem aos habitantes e frequentadores do espaço público se tolerar é algo inerentemente bom, ouvirão um enfático «SIM» de quase, quase, quase todos eles. Fora da esfera pública, também empregamos o substantivo/nome «tolerância» (e o verbo «tolerar») como algo que devemos, a todo o custo, promover.
Que preferia ouvir sobre si: «respeito-o/a» ou «tolero-o/a»?
Acaso gostaria de ser «respeitado/a», «aceite» ou «tolerado/a»?
Ninguém dirá: «Gosto dele, mas tolero-o.» Mas muitos dizem: «Não gosto de X, mas tolero-o.» O lugar da adversativa deveria dizer-nos tudo sobre o conceito insidioso.
Ninguém terá garantido ouvido outrem dizer: «Ah, como gosto de ser tolerado!»
Gostamos e precisamos de tolerar e ser tolerados, ou de amar e ser amados?
Que será mais elogioso: dizer que amamos, respeitamos ou admiramos X, ou que toleramos X?
Reflicta sobre os exemplos anteriores e convide outros a reflectir sobre eles: andaremos a difundir um desiderato que não desejamos?
Etimologicamente, diz-nos o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, «tolerar» vem do latim com os significados «levar, suportar um peso, um fardo; aguentar, suportar, sofrer; aguentar-se; ficar, persistir; suster, manter, sustentar; resistir a, combater».
Sucede que tolerar é mesmo suportar um peso ou fardo. Assim como há pessoas com graus de tolerância maiores ou menores, há também pesos e fardos maiores ou menores.
Agostinho da Silva, no programa televisivo Conversas Vadias, com a entrevistadora Alice Cruz: «Tolerar é já marcar uma superioridade. […] Tolerar é dar licença, com desprezo, que o outro seja assim. Coitado, oxalá se modifique.»
Vai, pensamento crítico sobre a tão elogiada e proclamada tolerância, faz o teu caminho.
Filosofia
Quanto mais vezes usamos expressões como «a filosofia da empresa», «a filosofia de jogo da equipa», «a filosofia de jogo do treinador», «a equipa soube interpretar a filosofia do contra-ataque e da contenção de bola», «a filosofia de vendas», «a filosofia de atendimento ao cliente», mais trivializamos e abandalhamos Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, entre tantos outros, ou seja, a filosofia e os filósofos (pretéritos, actuais e futuros).
Privilégio
Como se abusa desta palavra!
Uma coisa é saber que há pessoas sem emprego, sem tecto, que há quem morra à espera de cuidados médicos por falta de dinheiro, que há crianças que passam fome, que há quem não tire (nem possa tirar) férias, que há muitos escravos pelo mundo fora (sim, ainda há muitos, muitos, muitos, incluindo escravas sexuais), que há velhos que sofrem violência nos lares, que há pessoas que sofrem violência na sua própria casa.
Relativizarmos a nossa sorte, a nossa condição pode ser um refrigério para muitos e pode levar alguns a concluir que chega a ser indigno tanto sofrimento fútil, tanta amargura, quando há tanta gente com razões tão mais fundas para sofrer. Camões, num soneto, promete contar-nos a história dos seus longos males, porque, assevera, «grandes mágoas podem curar mágoas». Quatro séculos depois, Scott Fitzgerald, no confessional The Crack-Up, lembra a cura habitual para o desânimo e a melancolia: considerar aqueles que vivem em verdadeira pobreza material ou em sofrimento físico.
Outra coisa, bem diferente do que explanei até aqui, são as moderníssimas e ubíquas proclamações de que se teve, por exemplo, o «privilégio» de passar férias, entre uma caterva de «privilégios» que o discurso bem-pensante vai acumulando. Direitos elementares, muitos deles conseguidos à custa de lutas de séculos, são hoje apresentados como «privilégios».
As altas e obscuras hierarquias agradecem este nivelamento por baixo, consubstanciado na troca dos «direitos» pelos «privilégios». As pessoas adoram fustigar-se por fruírem dos direitos mais básicos, enxertando o inevitável «privilégio» na sua sinalização de virtude, com a sombra da expiação da culpa: privilégio de ter casa própria, privilégio de ter emprego, privilégio de ter contrato, privilégio de passar férias alhures, entre uma miríade de exemplos.
Esta autofustigação diz-nos que, no limite, ser homem é ter o privilégio de não ser violado. (Sim, também há homens violados, mas os números são incomparavelmente diferentes. Hoje, explicar tudo é sinal de prudência.)
Olhe, tenho o privilégio de não ser espancado diariamente, tenho o privilégio de não ser escravizado, tenho o privilégio de não trabalhar quinze a dezassete horas por dia como motorista TVDE.[1]
Combatamos a exploração sem chamar «privilegiados» a quem frui dos mais elementares direitos.
Fascista
De tão gasta e puída, a palavra deixou largamente de identificar aquele que perfilha determinada doutrina política. Hodiernamente, converteu-se no insulto fácil que, de tão utilizado e impreciso, já quase só significa: a expressão do Mal, com maiúscula inicial.
Em bom rigor, o fascismo consiste, afinal, em quê? Nem toda a «democracia musculada» (locução utilizada por muita comunicação social amalgamando regimes consideravelmente distintos) é fascista, nem todo o autoritarismo (que não é um sinónimo perfeito de «ditadura») é fascista, e nem sequer toda a ditadura é fascista.
Se queremos que a palavra inquiete o leitor/ ouvinte, devemos usá-la com mais parcimónia — e, acima de tudo, com precisão semântica. Mas, para isso, é mister estudar (no caso, o que foi o fascismo, estudo que implica mergulhar no regime de Mussolini).
Uma palavra que transporta consigo supressão de liberdades, presos políticos, tortura (e conheçam-se, com pormenor, as torturas em causa) e sepulturas (e só estas quatro horrendas características não chegam para definir a especificidade do fascismo, até porque são encontráveis noutros regimes que não se enquadram historicamente no «fascismo») não pode perder capacidade de evocação, de representação mental da lista de horrores. Tal palavra deve ser usada, insista-se, com mais parcimónia — e, por conseguinte, com mais viço, força e acutilância.
Conhece a história de Pedro e o Lobo? É isso mesmo.
[1] Facto noticiado, entre outros órgãos de comunicação social, pela TSF em 17 de Março de 2021: https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/ha-motoristas-tvde-a-trabalharem-15-a-17-horas-por-dia-13466711.html
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Há muitas soluções para governar uma casa! Reduzir despesa ou aumentar eficiência nos rendimentos, trabalhar mais horas, rentabilizar o espaço onde se vive. Há uma criatividade, sobretudo na pobreza, que constrói soluções para a necessidade. Encontramos isso em África e na América do Sul, onde a segurança social quase não ajuda. Não vemos tanto os vendedores de rua e as multiplicidades mercantilistas na Europa e na América, onde o Estado Social reduz a rua como sustento.
Portugal é um país a meio de tudo. Tem Estado Social pobre. Tem gente muito pobre sem qualquer ambição, que se aguenta com os pagamentos-esmola a que damos nome de apoios sociais. E temos um desconhecido César Boaventura que tem património de mil milhões que lhe choveu nas contas. Não sabe como nem de onde. Já tínhamos muitos no passado, do BES e do BPN. Ninguém sabia como ficava rico.
Entretanto, dizer mal do Chega é o desporto demagógico do momento. O César Boaventura vale fundos de página apesar de representar tudo o que é incompreensível a quem trabalha. O Chega tem dezenas de comentadores constantes.
Se o próximo Governo reabrir as centrais a carvão do Pego e de Sines, recupera 6 mil milhões que pagamos a Espanha por energia a carvão… Estranha decisão do Governo da geringonça.
Se esse Governo reduzir a torrente de turismo que nos dilacera os preços das rendas e a habitação, não necessita aeroporto nenhum e trabalha para um sustentabilidade ecológica realmente contabilizável, e poupa oito mil milhões em obras públicas. Turismo é rendimento fácil e não garantido. Turismo é bom, mas está associado a paquetes e aviões altamente poluentes. Reduzir rendas e ter casas para os portugueses é bom.
Se o próximo Governo reduzir impostos e trouxer as empresas que preferem pagar na Holanda o IRC, recupera perto de 25 mil milhões de euros. O IRC elevado tem sido uma hemorragia de capitais. Se o governo incentivar uma fiscalização à fuga fiscal recupera 20 mil milhões…
Dinheiro desbaratado pelo PS não falta!!
Se introduzir as parcerias público-privadas (PPP) na Saúde, apenas de onde as retirou, já melhora o desastre actual do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O regime populista e demagógico instalado decidiu que as frases feitas contra o Chega eram a música da vitória, mas a realidade é que ele parece estar a crescer. Cresce porque descobertas idiotas como Sebastião Bugalho, estranhos regressos como o de Relvas, ocupam espaço televisivo a denegrir com cegueira. Ventura apresentou medidas para Portugal que são como todas as outras, promessas! Não são vazias nem mentiras. Prometeu reverter a história do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Não duvido que o fará. Prometeu fiscalização dos que recebem benficios sociais. Não vejo mal nisso. Nunca disse que os terminava. Prometeu reduzir impostos e aumentar pensões. Fez o que fizeram todos os outros, só que a promessa do Partido Socialista (PS) não tem respaldo pelo acréscimo brutal de impostos nos últimos oito anos, pela redução brutal do poder de compra, mesmo que com aumentos de salários, e numa falsidade que é a chuva de contribuições de milhares de salários baixos que chegam de emigração em trânsito. Mas estão em trânsito até à consolidação burocrática. Parece que entraram 700 mil nos últimos cinco anos. Não estão cá!
Mas os Bugalhos não falam disto. Os comentários ao discurso de André Ventura no encerramento do congresso são uma das mais encenadas farsas da política portuguesa. Uma série de apoucadores da realidade dos factos. Ventura diz o mesmo que o bloco sobre o enriquecimento ilícito. Ventura diz o mesmo do Partido Social Democrata (PSD) sobre redução de impostos. E dizia mais barbaridades no passado que agora, já percebeu que não trazem vantagem competitiva. A realidade desgovernada chega para os portugueses estarem cansados e perdidos.
Nunca se fala da criminal destruição da democracia que foi ter um CDS com cem mil votos e sem representação parlamentar. Deu assim maioria ao PS. O regime eleitoral mantido pelo PS e PSD serviu agora para cidades como Coimbra, Viana do Castelo, Castelo Branco, Beja, Covilhã… só puderem escolher entre três partidos que elegem. O Chega é um deles. Quem criou esta importância para o Chega? Eles! Os dois burros que nos governam desde 1975. Os outros votos serão lixo. A 10 de Março há um momento complexo que pode redundar em instabilidade ou em uma definição clara do caminho. Os portugueses vão escolher independentemente dos bugalhos. Mas forçados por uma ausência da reforma eleitoral que já devia ter acontecido e que agora mata as opções mais pequenas.
Os corpos de polícia estão revoltados com as medidas sem transversalidade e sem coerência que surgiram para a PJ. Não esquecem que polícia morto a cumprir o seu dever vale muito menos que outras indemnizações sem coerência com a jurisprudência do país.
Polícia atropelado tem menos moldura penal que atropelo de gato. Jovem de 16 anos pode escolher sexo e não pode conduzir camião ou votar… A estupidez e a ilógica têm consequências!!! Governar uma casa tem de ter critérios lógicos, coerentes, pratos iguais para todos, regras semelhantes.
Diogo Cabrita é médico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Pode-se, de uma maneira geral, confiar na confissão de um desesperado, e, como nem todos se confessam à hora da morte, a capacidade de desespero é só concedida a alguns e eu não era um deles.
Graham Greene
OS COMEDIANTES (1966)
Aquilo que me foi dado ver pareceu-me uma valente porcaria de impacto deveras duvidoso, uma autêntica fábula moral daquelas em que só as crianças inocentes e os sábios videntes ousam dizer que o rei vai nu. Parecia tanto que concluí que devia ser mesmo. Mas, não vá o diabo tecê-las, decidi partilhar a história convosco. Pode ser que me tenha escapado algum grãozinho de areia que torne logo esta fábula menos degradante. E, como tal, muitíssimo menos deprimente.
O grande feito passou esta semana nas notícias, encavalitado entre reportagens de encontros literários e previsões de tristeza e abandono para a próxima Feira do Livro em Lisboa. A primeira coisa que me ocorre é que não estamos propriamente perante um feito – e que, mesmo que o fosse, nunca seria assim tão grande como isso. Portanto, parece-me que estes pesos e medidas ditam logo à cabeça a conclusão lógica de que esta historieta nem sequer mereceria aparecer ensanduichada nas notícias culturais do dia. Mas como isto é apenas o que me parece a mim, e eu nem sempre sigo a construção destes grandes feitos tão atentamente quanto deveria, respeitei a responsabilidade de escrever para milhares de leitores provavelmente ainda menos informados do que eu; e, antes de mais nada, tratei de organizar uma pesquisa mais séria e mais sistemática sobre o assunto.
Descobri logo que não há assim grande informação sobre o grande feito, o que já de si é um péssimo sinal. Não me parece que nenhuma informação deva ser promovida ao estatuto de notícia[1] se os espectadores não tiverem, caso fiquem interessados[2], mais informação disponível para começarem a saber com o que é que contarão dali em diante – neste caso específico, em termos de publicações. A editora propõe-se oferecer-nos uma colecção de quinze “grandes clássicos da literatura portuguesa”, pelo amor de Deus. Era bom sabermos qual foi o critério de escolha desses clássicos[3], e, presumindo que a resposta não é “à balda,” com que regularidade se prevê disfrutarmos do seu lançamento no mercado livreiro.
Ainda dentro do pelouro dos desagrados de menor incómodo, a notícia disse-nos que a colecção vai ser oferecida aos portuguesas por uma editora chamada LEVOIR, que, neste caso, irá trabalhar em conjunto com a RTP[4]. De facto, a senhora que apareceu a mostrar um pouco mais de entusiasmo ao falar destes quinze livros, recordando-nos que “ainda nunca se tinha feito em Portugal nenhuma colectânea de grandes clássicos portugueses,[5]” falava português com um sotaque francês carregado. Um pouco mais de investigação, e descobrimos que as edições LEVOIR são um subsector da ALMEDINA, embora nenhum subtexto nos explique o que distingue a casa-mãe da sua filha afrancesada[6]. Enfim. Se conseguimos chegar até aqui calmamente, a culpar-nos a nós, e não aos outros, por tudo o que nos incomoda nestas modernices, agora a seguir vem de lá a parte pior.
Estes quinze grandes clássicos não se destinam a difundir em Portugal o prazer das belas letras.
A primeira obra a publicar será a MENSAGEM, de Fernando Pessoa, mas o livro não foi concebido para nos levar, silenciosamente, à luz da vela e em passos de veludo que não dispersem quase uma centena de anos de colónias de morcegos[7], até ao fundo do mundo interior do poeta. É mais que vai ser enfiado num funil e empurrado à força pela garganta das pessoas, mesmo com toda a força, mesmo até ao fundo.
Nesta colecção de Grandes Clássicos da LEVOIR, fiquem sabendo que tanto a acção como o texto hão de cair-vos em cima… em banda desenhada.
Ai, não.
Não, não, não, não.
Enfiar o universo da MENSAGEM numa banda desenhada de recorte pueril[8] não é nenhuma forma de “estimular entre os jovens o prazer da leitura,” ou qualquer outra parvoíce que possa dizer-se a esse respeito. Os jovens, coitados, têm sempre as costas largas. Este género de esforço é tão abominável, e tão inútil, como as tirinhas de BD de História de Portugal que constavam do manual de 6º ano dos meus filhos: alguém achava – mesmo – que os miúdos de nove e dez anos que foram criados pela televisão[9] conseguem compreender o sentido dos rostos contorcidos à frente e com grandes incêncios atrás que constam dos quadradinhos relativos ao Grande Terramoto de 1755? Quantas vezes é que pensam que eu apanhei com as perguntas fatídicas “o que é isto, mãe?”, ou “o que é isto, Clara?”, ou “Ou o que é isto, Professora?”, porque os fenómenos em causa estavam descritos em banda desenhada?
E agora o ataque dos Grandes Eventos explicados em BD é direitinho à literatura, a demonstrar que já nada é sagrado, mesmo.
Se mais ninguém disser que o rei vai nu, eu, por mim, chego-me já à frente. Querem o exemplo acabado de um projecto que não é bom para ninguém? Ponham os olhos neste.
Não estou para aqui a resmungar. Estou apenas, com toda a tranquilidade possível, a reafirmar que existem áreas separadas. Se podemos argumentar com uma grande parte de verdade que as pessoas deixaram de ter tempo e de ter espaço, tanto exteriores como interiores, para continuarem a ler boa literatura[10], então devemos procurar uma forma produtiva de fazer frente a esta falta de contexto. Não é propriamente apresentar-lhes um resumosinho da história, como acontece tantas vezes na Wikipedia e na escola, que poderá, alguma vez, devolver-lhes o prazer como não há outro de serem parte integrante de uma obra de arte, já que cada livro é ele mesmo e o seu leitor – um livro que não estiver a ser lido é um livro que não existe.
A boa BD é uma coisa. A boa literatura é outra coisa. Os formatos de suporte para cada uma destas duas coisas não podiam ser mais diferentes. É vergonhoso, positivamente vergonhoso, andarem a refugiar-se atrás de pretextos inúteis, tais como “atrair os jovens.[11]” E não poderiam inventar uma forma mais saloia de homenagear os nossos “grandes clássicos”.
Que, à excepção do primeiro da lista, ninguém nos disse quais são.
Mal feito, mal feito, mal feito.
Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora
[1] E note-se que era uma notícia de mais de cinco minutos, que passou numa quarta-feira – ou seja, era uma notícia grande e passou mesmo a meio da semana, em plena competição por espaço e tempo característica dos dias úteis.
[2] E olhem que era uma notícia concebida para espectadores muitíssimo impenitentes. Estava positivamente feita com os pés, sem o carinho e a beleza que a literatura exige para ela própria se levar a sério; e, embora aparecessem diversas personalidades a debitar bastantes balelas, chegava-se ao fim sem sequer se perceber se o formato vai ser o do livro ou o do fascículo. Acrescente-se que o material que está postado online também não nos tira qualquer uma destas dúvidas.
[3] A menos que a resposta seja apenas, e tão laconicamente quanto possível, “eram livros que já estavam no domínio público.”
[4] Estou a simplificar. O “em conjunto com a RTP” já foi informação que encontrei online. A notícia da televisão era mesmo minimal.
[6] De certeza que a ALMEDINA também pertence, por seu turno, a outra grande editora qualquer; mas isso não está esclarecido em lado nenhum. Nem eu gosto de ir fazer investigação para depois voltar de lá deprimida.
[7] A data da primeira publicação da MENSAGEM foi 1934. Vamos em 90 anos passados sobre este marco literário. E, já agora, aproveitamos para oferecer factoides aos nossos leitores.
[8] Apareciam páginas do livro na peça informativa. Isto não é um juízo de valor sobre o talento do artista que as fez. É um grande aperto no peito quando pensamos na forma como todo este material será tratado.
[9] Quando eu adoptei os meus filhos já não podia fazer grande coisa a esse respeito. Mas dei-me rapidamente conta de que todos os colegas e amigos deles, na escola e na rua, tinham sido criados da mesma maneira.
[10] Até o meu Sebastião, que interioriza com grande rapidez os comportamentos-chave das pessoas, começa a dar alguns sinais de impaciência ao fim de dez minutos, quando eu estou a ler na cama, e – assim lhe parece – gaita, raios me partam, a grande malvada da mulher nunca mais apaga a luz.
[11] A sério. É horrível. Eu já fui jovem, e lembro-me muito bem destas políticas. Tudo o que fosse destinado aos “jovens” era fatidicamente medíocre. Meu, que sufoco. Tirem as patas e deixem-nos em paz.
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