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  • Quem quer ser político em Portugal?

    Quem quer ser político em Portugal?


    Termina esta semana a enorme, penosa e pouco esclarecedora campanha eleitoral para as legislativas deste domingo.

    No momento em que escrevo, um pivô de um telejornal apresenta a última sondagem da Universidade Católica.

    A Aliança Democrática [AD] vence(rá) e a direita consegue a maioria dos deputados (com o Chega). É um cenário dantesco, confesso; mas razoavelmente normal para a alternância histórica dos partidos do centrão.

    Não me lembro de grandes discussões em torno da Educação, ou de o que fazer com a Ucrânia ou com Gaza. Também não me recordo de ouvir explicações da AD sobre a aliança com a Iniciativa Liberal [IL], que obrigará Montenegro a quebrar várias promessas eleitorais.

    Ficámos pelas promessas de tudo a todos – uns mais ridículos, e outros, poucos, mais objectivos.

    Enquanto acompanhava a campanha, em particular as arruadas, perguntava-me quem é que quer ser político em Portugal? A sério: quem?

    O desconforto no contacto com a população, para a maioria deles, é notório. Fora dos gabinetes e dos tapetes vermelhos da Assembleia da República, os candidatos parecem peixes fora de água, ouvindo insultos e sujeitando-se a momentos de vergonha alheia que me fazem pensar que não têm mesmo outra saída profissional que não seja aquela.

    Este período dos beijos a velhinhas nos mercados, passeios na linha férrea de interior escondido ou copos de três nas planícies alentejanas cheira a plástico por todo o lado. Tudo aquilo é feito com um esgar de dor e um sorriso amarelo que esconde o “quando é que isto acaba?”.

    A arruada é aquele momento em que o político profissional, algo que não deveria existir, faz o que mais se aproximará, na sua vida, com uma entrevista de emprego. Depois, se passar, pode estar mais quatro anos descansado e escondido atrás de um portão qualquer.

    Não há grande contacto entre as populações e o poder político. Pensem nisso. Quantas vezes na vossa vida chegaram ao contacto com um autarca, um deputado, um ministro? Há um sem número de degraus burocráticos que permitem, à classe política, “servir o povo” sem ter de o ver. Nem todos os partidos e/ou políticos são assim, mas, convenhamos, serão a maioria.

    Em Portugal gostamos muito das hierarquias e dos lugares no Olimpo, para onde mandamos uma boa parte dos incompetentes deste país. Não quero ser injusto, generalizando, mas acho mesmo que temos, actualmente, uma classe política medíocre e mais preocupada em “orientar a vida” do que servir a coisa pública.

    Um dos problemas, julgo, é a baixa remuneração dos políticos. Pode ser uma afirmação chocante, tendo em conta os baixos salários em Portugal, mas acho mesmo que o salário (oficial) de um político é muito pouco atrativo. Isso afasta os mais competentes, que ficam no sector privado e seguem as suas carreiras longe do lamaçal em que se transformaram estas décadas de “centrão”.

    Quem é que quer estar a ser analisado, criticado, vigiado e julgado na praça pública todos os dias? Culpado ou inocente, pouco importa; a imagem é arruinada em minutos nas televisões sensacionalistas, seja lá qual for o veredicto final dos tribunais. Isto, claro, quando há sequer veredicto.

    Pensem nos casos dos últimos anos e na forma como os ciclos se repetem. Soćrates, Galamba, Portas, Relvas, Albuquerque, Costa, Isaltino, os envolvidos do PS e PSD no tutti-frutti e por aí fora. Por todos, vimos directos, dias infindáveis de debates, suspeições, análises, escutas e imagens públicas devassadas antes das condenações. Alguns acusados, outros por acusar. Uns com penas, outros abafados. Uns com travessias no deserto e regressos triunfantes, e outros, ainda à espera do desfecho final.

    Mas reparem: independentemente da verdade que só à investigacão pública e aos tribunais deveria dizer respeito, todos formamos a opinião sobre a honestidade dos políticos visados. Lembrem-se do Galamba, anos e anos a ser escutado, com televisões à porta de casa enquanto levava o filho para a escola, sem que até hoje se perceba se o homem é inocente ou culpado. Longe de mim ter simpatia pela personagem em questão, mas onde quero chegar é: alguém se quer sujeitar a isto?

    Quem poderá querer viver neste permanente sensacionalismo e desgaste da imagem pública, seja inocente ou culpado, a troco de um salário que qualquer imigrante com formação universitária consegue, tranquilamente, mal apanha o avião de ida?

    Será pelo prestígio de ser ministro de um país pobre e sem qualquer relevância internacional? Será por amor à causa pública? Será pela ambição de poder num sítio onde quem manda verdadeiramente são meia dúzia de milionários?

    Não creio. Amor à causa pública afasta, por norma, as pessoas da corrupção e de actos ilícitos de favorecimento próprio. Poder? Talvez, para quem nunca saiu do próprio bairro e não perceba onde nos situamos no século XXI.

    Eu acho mesmo que é por falta de opções. Para um inútil sem grande currículo, ser político profissional é o melhor que pode almejar. E quanto mais inútil for, mais precisa de concorrer ano após ano – ao parlamento, às autarquias, ao que for. Tem de garantir um emprego. Ao contrário do que acontece nos países civilizados, ser político em Portugal é uma profissão para a vida. Mesmo com escutas, vigias, prisões em directo nas mangas dos aviões, horas e horas de devassa da vida nas televisões.

    Ainda assim, entre culpados e inocentes, há quem queira fazer disto vida a troco de um salário pouco mais do que risível. Especialmente se contabilizarmos o custo do circo e dos momentos de vergonha alheia.

    A quem serve esta profissão? Essencialmente, a quem não consegue mais nenhuma. E é por isso que nos boletins de voto, o que realmente abunda, é mediocridade e ausência de vida real.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Não, é não! Ou talvez! Ou sim!

    Não, é não! Ou talvez! Ou sim!


    Todos lembramos o tom firme com que Luís Montenegro se dirigiu a André Ventura logo na primeira intervenção do seu debate na televisão:

    “Coligação com o Chega? Já disse e repito: Não, é não!”

    Talvez não tenha sido a primeira, mas foi, sem dúvida, a mais marcante promessa da sua Campanha.

    Com esta frase Luís Montenegro quis mostrar a firmeza exigida a um líder.

    Para mais sabendo que esta decisão estava longe de ser consensual entre alguns dos seus apoiantes.

    O que está em causa é que, mantendo esta posição, cria o risco da Aliança Democrática não conseguir os seus objectivos de constituir Governo, ainda que ganhando as eleições, por lhe ser impossível aprovar um Programa na Assembleia da República.

    Compreendo, e respeito, a posição de Luís Montenegro, mas também sei “a sede e a vontade de ir ao pote” de muitas dezenas de companheiros seus nos Partidos da Coligação.

    Oito anos fora do Governo, com dezenas de interessados em lugares de Ministros e Secretários de Estado, Directores-Gerais, etc., etc., etc., faz com que estes estejam nas tintas para os ideais que dizem defender.

    E nem sequer escondem isso.

    Antes mesmo das eleições e, logo, de saberem o resultado, são muitos os que, publicamente, entram em confronto com o líder.

    “Nunca digas nunca” é a palavra de ordem de quem quer tudo a qualquer custo.

    Também há quem diga que é falta de coluna vertebral, mas com Poder esse mal é secundário.

    Depois há as “figuras de referência”.

    Gente que, por ter sido derrotada em eleições, não esconde a revolta e quer que o seu Partido regresse ao Governo nem que tenham que se associar ao Diabo que eles próprios diziam ser aliado do Partido do outro lado da barricada.

    Vão ser imensas as pressões sobre Luís Montenegro para que altere a sua decisão, mesmo depois de ter prometido, com o ênfase conhecido, que jamais o faria.

    E estes seus conselheiros até podem dar inúmeros exemplos em que, eles próprios, prometeram e mudaram de opinião.

    black metal frame glass window

    Tentarão explicar, com argumentos diversos, que por vezes “Não, é… talvez”!

    Como bom correligionário, e amigo, é quase certo que Luís Montenegro comece a ponderar se faltar à palavra será assim tão mau.

    Principalmente se comparar com o que pode deixar de ganhar e fazer com que os seus ganhem.

    Acresce que, verdade seja dita, os seus adversários políticos também não se podem dar ao luxo de pegar em pedras para atirar na direcção de um qualquer mentiroso.

    É gente que mora em casas luxuosas, mas com telhados de vidro.

    Vidro muito, muito, muito frágil.

    As promessas dos políticos são, de um modo geral, de curta duração e quem nelas acredita é, no mínimo, tolo.

    É sabido que, quanto mais firmeza houver no momento em que tenham sido proferidas, mais depressa são quebradas.

    Apontem-me um político, ao acaso, e lembrarei promessas feitas e não cumpridas.

    As intenções, no momento em que são proferidas, até podem ser, serão muitas vezes, sentidas.

    Acredito que, por vezes, quem as faz até tenha a firme intenção de as cumprir.

    Só que, em política, a realidade muda rapidamente e a conquista de votos sobrepõe-se a tudo.

    São os votos que levam ao Poder.

    shallow focus photography of padlocks in steel cable

    E é este que traz dinheiro.

    O dinheiro que João de Deus definia tão bem:

    “O dinheiro é tão bonito,

    Tão bonito, o maganão!

    Tem tanta graça, o maldito,

    Tem tanto chiste, o ladrão!

    O falar, fala de um modo…

    Todo ele, aquele todo…

    E elas acham-no tão guapo!

    Velhinha ou moça que veja,

    Por mais esquiva que seja,

                                Tlim!

                                Papo.”  

    Luís Montenegro não é excepção nenhuma. Vai mostrar, em breve, que, por vezes, “Não, é não”, muitas vezes “Não, é talvez”, na política, quase sempre, “Não, é sim”!

    Vítor Ilharco é assessor


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  • Três jornalistas, 19 líderes partidários e cinco faltosos: uma lição sobre democraticidade

    Três jornalistas, 19 líderes partidários e cinco faltosos: uma lição sobre democraticidade


    Enquanto o regulador – aka ERC – se entretém, de forma patética – como se pode ver aqui, mais aqui e ainda mais aqui– a fazer de conta que arbitra regras para uma equidade democrática inexistente nesta (como em outras) campanha eleitoral, o PÁGINA UM terminou ontem um projecto editorial de que me orgulharei sempre: propusemos a todos os 24 líderes dos partidos inscritos no Tribunal Constitucional uma entrevista para o HORA POLÍTICA.

    Com uma redação de apenas três jornalistas – mas com o merecido destaque para a jornalista Elisabete Tavares –, o PÁGINA UM entrevistou em podcast e publicou em texto integral um total de 19 líderes partidários, desde o mais novo partido (Nova Direita), publicada no dia 12 de Fevereiro, até ao mais antigo (Partido Comunista Português), ontem publicada.

    selective focus photo of brown and blue hourglass on stones

    Questiono-me sobre a razão pela qual um órgão de comunicação social com apenas três jornalistas, enquanto estes ainda mantinham em curso as demais actividades do jornal (incluindo edição e paginação), fez aquilo que outros, com dezenas ou mesmo centenas de jornalistas – como a RTP ou a Lusa, que ainda detêm obrigações de serviço público –, não fizeram apenas por não quererem fazer?

    Não querem, mas depois queixam-se de cátedra dos populismos e dos riscos para a democracia do surgimento de populistas e extremistas. Não aplicar a máxima ‘uma pessoa, um voto’  à outra máxima ‘um partido, uma mesma oportunidade’ é que coloca a democracia em perigo, e fomenta populismos e extremismos, porque a receita para se ‘chegar’ ao eleitorado não é fácil com o actual comportamento dos media.

    Em todo o caso, confesso: o HORA POLÍTICA não foi um sucesso absoluto, porque cinco líderes partidários optaram por não conceder entrevistas ao PÁGINA UM, eventualmente por considerarem que o impacte mediático seria pequeno ou negligenciável. Curiosamente, dos cinco faltosos – os líderes do Livre, Bloco de Esquerda, PPM , PS e PSD –, quase todos arranjaram agenda para programas de entretenimento ou mesmo conversas com humoristas. Dar umas graçolas é para muitos destes líderes, fica-se assim a saber, mais importante do que falar de política e de propostas para o futuro de Portugal.

    people walking on grey concrete floor during daytime

    Sabíamos que um jornal independente, e sem o estatuto e compromissos da legacy media, teria muitas dificuldades em se tornar apelativo para os partidos mais relevantes, mas a ideia também era saber do grau de democraticidade de cada um dos líderes. Nesse aspecto, ficámos – e eu particularmente fiquei – a saber como Luís Montenegro, Pedro Nuno Santos, Gonçalo da Câmara Pereira (embora este seja um caso, enfim, que raia o anedótico), Mariana Mortágua e Rui Tavares olham para a democracia, para a imprensa e para o jogo político, onde parecem sentir-se bem com regras democráticas injustas desde que a injustiça os beneficie perante os outros.

    Por regra, em Portugal o director de um órgão de comunicação social não revela a sua ideologia e o sentido de voto em eleições. No caso do PÁGINA Um, sempre me defini de esquerda (apesar de, há muito, ‘órfão’ do ponto de vista partidário), também não o farei, mas sempre poderei anunciar em quem não vou votar: AD, PS, Bloco de Esquerda e Livre. Estes partidos deixaram de ser hipótese para o meu voto, não por questões ideológicas – votei em dois deles em diversas eleições ao longo das últimas décadas –, mas por não revelarem o nível de democraticidade que lhes deve ser dirigido. É portanto, sem ressentimentos, por uma questão de princípio. E em democracia, os princípios são tudo.


    Uma nota final: depois de uma aposta muito significativa no acompanhamento das eleições – que incluiu, além das entrevistas, o podcast sobre as eleições passadas e a série de vídeos ‘Indecisos’ –, o PÁGINA UM tem necessidade de uma reorganização nas próximas semanas, uma vez que também necessitará de encontrar novas instalações e de reorganizar-se.

    Um projecto desta natureza – vivendo apenas de donativos e de acesso livre – pode fazer, de quando em vez, apostas numa tentativa de crescer, mas tendo a noção de ser necessário reafectar recursos se os efeitos não forem positivos. Do ponto de vista de esforço físico e financeiro, os projectos que desenvolvemos associados às eleições não tiveram o retorno que desejaríamos – tendo mesmo havido uma redução do número de apoiantes ao longo de Fevereiro –, pelo que, no sentido, de manter o equilíbrio financeiro do PÁGINA UM iremos fazer uma reformulação, que implicará, durante um prazo que esperamos curto, uma redução na produção quer de notícias quer de artigos de opinião, que passarão, para cada colunista, a uma periodicidade quinzenal.

    Mas, relembrando Mark Twain, o PÁGINA UM está ainda muito longe da sua morte – pelo contrário, a redução do esforço de edição de artigos de opinião, crónicas, entrevistas e mesmo da secção de cultura, permitirá optimizar o nosso ‘core business’: as investigações e as notícias que os outros não dão ou não querem dar.  


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  • Os assuntos esquecidos da campanha eleitoral

    Os assuntos esquecidos da campanha eleitoral


    A campanha eleitoral para as legislativas de 10 de Março está prestes a terminar e entra agora nos seus últimos dias. Será que foi esclarecedora? Os temas essenciais foram debatidos com a necessária profundidade? As soluções propostas pelos candidatos fazem sentido?

    Parece-me que o esclarecimento foi praticamente inexistente. Podemos atribuir a culpa aos principais órgãos de informação nacionais – hoje apenas canais de propaganda –, que nos serviram debates a dois entre os principais líderes dos partidos com assento parlamentar, com cada um a falar apenas 15 a 20 minutos, fazendo-se impossível expor uma ideia com princípio, meio e fim. Talvez esse tenha sido sempre o propósito.

    Não satisfeitos, serviram-nos uma pletora de comentadores, todos com um enorme viés ideológico e partidário, a falar horas sem fim, em lugar dos candidatos, que nos impingiam os vencedores e os perdedores, como se fôssemos incapazes de interpretar o que acabáramos de assistir.

    Cumulativamente, discriminaram positivamente os dois principais partidos socialistas, aqueles que nos conduziram à actual pobreza franciscana – hoje apenas sete países da União Europeia são mais pobres que Portugal –, e, por outro, impediram os pequenos partidos de aceder aos debates televisivos, excepto a RTP – mal seria que tal não acontecesse, depois de nos extorquirem 185 milhões de euros por ano em 2022 na factura da luz e acederem ao pote do assalto em 272 milhões de euros.

    No que respeita aos temas essenciais, quase todos ficaram de fora. Seja por simplesmente terem sido esquecidos, seja por serem discutidos de forma superficial. Agora que vamos “celebrar” os 50 anos de Abril, reparem que a classe parasitária nunca discute o medíocre desempenho económico da “democracia”.

    Evolução do PIB português desde 1953 (1953=100) tendo por base as taxas anuais de crescimento real; Fonte: Banco de Portugal

    Por que razão a “democracia” é incapaz de nos fazer convergir com os países mais ricos, ao contrário do que ocorreu durante o Estado Novo? Por que razão as taxas de crescimento são ridículas em comparação com os anos 60 e início dos anos 70 do século transacto? Qual a razão da estagnação económica dos últimos 23 anos, que impossibilita a subida dos salários e expulsa os jovens qualificados do país? Nada disto foi verdadeiramente discutido. Um louvor à Iniciativa Liberal por ter proposto uma redução do roubo, sem, no entanto, explicar-nos os necessários cortes na despesa pública para financiar tal medida.

    Ninguém teve a coragem de afirmar uma evidência: o Estado Social é um embuste. A Segurança Social é um esquema em pirâmide absolutamente inviável. Apesar disso, ainda tiveram o despudor de propor subidas vertiginosas no valor das pensões, muito acima do crescimento da economia, ocultando, ao mesmo tempo, de que são os trabalhadores activos, hoje tributados em 60 e 70% (impostos acrescidos de “contribuições”), a pagar a conta.

    Como podemos observar na Figura 2, nos anos 60 tínhamos 43 trabalhadores activos por pensionista; hoje, temos 1,7 trabalhadores activos por pensionista. Tal significa que os jovens que entram hoje no mercado de trabalho têm de ganhar um salário si e para um pensionista!

    Evolução 1960-2021 do número de trabalhadores activos e pensionistas; rácio de cobertura trabalhador activo vs. pensionista (Unidade: milhares); Fonte: Pordata

    Ninguém foi capaz de explicar o funcionamento de um modelo de capitalização, a única alternativa a este modelo, em que o dinheiro vai para um “porquinho” e é investido nos mercados financeiros, seja em acções ou obrigações.

    Vejamos então um exemplo para darmo-nos conta da gigantesca fraude que nos é vendida há décadas. Imaginemos um “milionário” que aufere 1.000 euros por mês, isto significa que “entrega” todos os meses 110 euros à “Segurança Social”, enquanto o seu empregador 237,5 euros. Supondo que trabalha 43 anos, dos 22 aos 65, e tem uma esperança de vida de 80 anos; assim, estará a receber por 15 anos do dinheiro no “porquinho”.  

    Se fosse aplicado a 1%, iria ter uma reforma de 1.244 euros/mês; se aplicasse a 10%, teria uma reforma de 16,5 mil euros por mês. Este último valor não é nenhuma impossibilidade, se tivermos em conta que o mercado norte-americano, em particular o índice S&P 500, gerou um retorno anual de 11% durante os últimos 50 anos, com uma inflação de 3,9% por ano para o mesmo período – um retorno real em torno de 7%. Por outro lado, se este “milionário” falecer aos 50 anos, alguém lhe devolve os “descontos”?

    Outro dos temas que deveria ter sido abordado é o fracasso completo da escola pública. Na última ordenação decrescente dos resultados dos exames nacionais constavam apenas cinco escolas públicas nas primeiras 50. Ao final de meio século do regime, ainda nos apresenta 293 mil analfabetos, cerca de 3% da população – uma vergonha nacional. Nos últimos resultados de PISA, demos um grande tombo em literacia matemática (- 21 pontos), leitura (-15 pontos) e científica (– 7 pontos). Recentemente, ficámos no último lugar num estudo sobre literacia financeira da Zona Euro! Em conclusão: a escola pública limita-se a produzir analfabetos funcionais e continua a ser uma “vaca sagrada” que não merece discussão.

    O mais impressionante foi nenhum político conhecer o custo do “Estado Social”: um roubo de 12,5 mil euros por pessoa, incluindo crianças e idosos; 50 mil euros por uma família de quatro pessoas. Não foi dito por uma simples razão: por que motivo não contratamos directamente a saúde, a educação a reforma, em lugar de o “entregar” a políticos, funcionários e burocratas? Ou melhor: se assaltam cada português em 12,5 mil Euros por ano, por que razão esperamos anos por cirurgias, horas e horas para sermos atendidos numa urgência?

    Outra das questões fora dos debates foi o dinheiro e a inflação. Nenhum político teve a coragem –talvez ignorância – de explicar aos portugueses de que forma o dinheiro criado: por dívida. Cada vez que vamos a um banco e este nos concede um crédito, ocorre a criação novos euros, do nada. A única restrição são as reservas junto do Banco Central Europeu (BCE), que este pode criar de forma infinita em monopólio. Em concluso: os bancos podem imprimir dinheiro porque possuem uma licença bancária; se o comum cidadão pratica contrafacção de dinheiro vai preso.

    Aplicação mensal de 347,5 € durante 43 anos aplicados a diferentes taxas de juro (Unidade: €); Fonte: análise do autor

    Ninguém teve a coragem de explicar as razões da inflação que presentemente vivemos: o brutal incremento de Euros em circulação, em particular em 2020 e 2021, onde as taxas de crescimento anual foram de 12% e 11% respectivamente, os anos da putativa pandemia. Não foi a guerra na Ucrânia, nem os choques externos, mas as rotativas do BCE e dos bancos os verdadeiros causadores desta inflação que vivemos e que permitiu ao Estado português equilibrar o orçamento em 2023, pois as receitas de IVA e dos demais impostos directos dispararam com o este assalto silencioso chamado inflação. Alguém denunciou isto?

    Também não houve qualquer discussão sobre o que se passou durante os três anos da putativa pandemia, em que tivemos confinamentos, restrições à liberdade de circulação, coacção para a toma de inoculações experimentais, prisões domiciliárias decretadas por um funcionário administrativo, um projecto de lei sanitária para nos transformar num regime totalitário e uma mortalidade excessiva desde 2020. Por que razão é um assunto tabu? Foi tudo perfeito? Não se discutem os efeitos adversos das vacinas e o seu impacto na mortalidade excessiva

    Qual a opinião dos dois principais partidos socialistas sobre o tratado pandémico da Organização Mundial de Saúde? Concordam com uma nova entrega de soberania a um órgão supranacional não eleito? A revisão constitucional que tentaram executar há meses é para voltar a repetir e que abrirá caminho à possibilidade de restringir a liberdade de uma pessoa em nome de um “vírus”?

    Evolução da quantidade de dinheiro em circulação medido pelo agregado M2 entre 2000-2023 em Portugal (Unidade: milhões de Euros; %); Fonte: Banco de Portugal

    Por fim, não se discutiu a avaliação do desempenho dos magistrados do Ministério Público: vão continuar impunes e a prender inocentes? Irá existir alguma penalização para os magistrados que acusam pessoas e depois prova-se nos tribunais que são inocentes? Os políticos fogem a estas questões sistematicamente, aparentemente com um enorme medo da justiça.

    Todos estes assuntos sobreditos foram deliberadamente olvidados durante a campanha. Sem surpresa. Ao fim de 50 anos encontramo-nos pobres e miseráveis, sem rumo e cada vez com menos liberdades. Parece que apenas servimos para sermos espoliados todos os dias pelo Estado português.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • Infortúnio

    Infortúnio


    O azar do mundo pode ser medido em candidatos.

    Uma América que tem de escolher entre aqueles dois.

    Um Brasil que só tem aqueles dois.

    Depois há os países que estão diminuídos pela ascensão de canalhas, desmiolados, fanáticos, tontos, facínoras. O zoo é ilimitado e muito variado. Estes países normalmente perdem a legitimidade democrática porque os tiranos percebem que o Tribunal Constitucional os perturba, as Assembleias da República são forças de bloqueio, os procuradores levantam suspeições.

    group of person walking on road

    O grande problema das maiorias absolutas está na construção de poderes eternos. Ninguém deveria governar sem limites. Ninguém devia perpetuar-se no poder. Também as instituições não deviam ser geridas por escolhas políticas ou amizades antigas. Os juízes devem ser fiscalizados e ter uma carreira independente do cartão partidário. Deste modo, construímos as linhas que definem a democracia.

    Infortúnio é eleger um canalha sem fronteiras, sem instituições que o vigiem, sem estruturas que fiscalizem as decisões. A democracia tem um pilar na escolha livre dos votos, mas os outros pés da mesa devem incluir a Economia, o primado da Lei, e as instituições que a garantem. A Lei pode mudar? A Lei é como todas as coisas adaptável à dinâmica da vida, mas não a Lei Fundamental que nos garante a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Eu sou um grande adepto de incluir aqui a velocidade temperada por reflexão e a estética.

    A rapidez ajuda a melhorar muitas coisas. Portugal está hipotecado por uma Justiça demasiado lenta sobretudo no direito administrativo e na fiscalização das decisões e escolhas do poder. A estética por sua vez traduz uma necessidade de ser mais ético, mais sábio, mais sofisticado.

    O pilar económico devia ter uma regra de limitação da capacidade de endividamento de cada governo. Não podemos ter uma distribuição de emprego com base nos partidos, um endividamento com base no deslumbramento dos eleitos. A edificação de obra pública sem qualquer sentido e necessidade.

    A Pordata é uma ferramenta fria que nos entrega dados de observação. Devia ser de consulta obrigatória nas escolas. Nela podemos ver o que foi o crescimento da dívida total, da dívida relativa, o custo da administração pública, relacionados ou não com o produto interno bruto (PIB). Na verdade, se lhe colarmos os rostos dos nossos Governos após o 25 de Abril de 1974, temos um modo fácil e limpo de conhecer os grandes gastadores. Sócrates é um campeão, mas na análise relativa Cavaco e Guterres não são de cerimónias também.

    O vínculo da governação às obras públicas é uma das grandes fontes das dívidas. A maior, no entanto, é o tamanho da Função Pública. Temos uma enorme quantidade de funcionários, e leis demasiado protectoras das suas ineficiências. A realidade comprova que maus administradores conseguem baixas eficiências. Se toda a gente arrebanhada dos partidos para as Câmaras, SNS, CP, TAP, etc., fosse trabalhadora, e premiada pelo desempenho, íamos carecer de menos gente, e tínhamos melhores serviços.

    rotten green apple

    O Infortúnio é, pois, o que vem de cima. Muito mais dramático para as consequências de uma governação perdulária é a escolha dos seus dirigentes. Se perpetuamos os incapazes de reflexão cuidada, os mancos em decisão sustentada, os lerdos de logística e de organização, construímos um Portugal medíocre e endividado.

    Pior infortúnio seria ter de escolher entre lideranças fracas, demagogos e bufões. Mas acho que estamos perto. 

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O abismo

    O abismo

    Como as de todas as outras paixões, as raízes do ódios são imprevisíveis.

    Jorge Luis Borges


    Aqui há uma semana acordei com telefones a tocar em protestos solidários, o correio electrónico cheio de mensagens encorajadoras, e o Facebook pejado de nomes feios destinados a uma pessoa que eu desconhecia em absoluto. Por fim, o meu editor fez-me chegar uma espécie de CV do Inferno que o tal desconhecido acabava de publicar no Diário de Notícias, onde até este mesmo PÁGINA UM era insultado por minha causa, e todos os acontecimentos desagradáveis de há vinte e quinze anos voltavam a ser esmiuçados em parágrafos intermináveis[1]. No entanto, e assaz curiosamente para quem se tinha dado a tanto trabalho de rememoração desagradável, tudo aquilo estava positivamente juncados de incorrecções. Comecei a ler o texto com toda a atenção, e a questão das tais incorrecções, incluindo erros nos anos dos acontecimentos e outras trapalhices muitíssimos piores, começou a despertar-me a curiosidade. Aquele chorrilho de grosserias parecia escrito à pressa por um estagiário[2] assanhado, e era um exemplo de livro de texto de como não se pode fazer jornalismo, mesmo se feito por um colunista. Comecei a tomar notas.


    A primeira estranheza era mesmo logo no princípio, na frase relativa à altura em que, quando ainda estava a meio do curso de Biologia, entrei para a redacção do semanário O JORNAL, e, quatro anos mais tarde, publiquei o meu primeiro romance. Ora, sendo que a frase começava com as palavras…

    “… nos seus tempos de oiro, muito novinha…”

              … só pude concluir que aquela pessoa estava, no mínimo, extremamente distraída.

    Não tive nenhuns tempos de oiro quando era muito novinha. Tive, isso sim, tempos exigentes em que estudava Biologia quando o resto do País estava todo bronzeado nas filas da camioneta para a Caparica[3], e trabalhava em jornalismo ao mesmo tempo, com dedicação por inteiro ao JORNAL e em mais não sei quantos ganchos para chegar ao fim do mês[4] – e, para onde quer que me virasse, esbarrava constantemente em boatos de que ia para a cama com toda a gente e mais alguém para conseguir fazer todas as coisas que fazia. Se isto são tempos de oiro vo,u ali já venho.

    A seguir o senhor admite que ADEUS, PRINCESA, o meu segundo romance, grangeou um grande respeito da crítica literária (não acrescenta, embora tivesse sido fácil de verificar, que esse respeito, e a consequente explosão de vendas, levou três anos a fazer o seu caminho). Segue-se uma passagem surpreendente, em que nos explica que, quando Vasco Pulido Valente o considerou “o melhor romance português desde OS MAIAS”, o fez apenas por “puro efeito de provocação” – e a pessoa interroga-se, “como é que ele sabe? Falou com o Vasco? E, a ser verdade, o Vasco havia de ser tão burro que lhe dizia isso mesmo na cara? Está bem que o Vasco tinha os seus defeitos – mas burro?” Quer dizer, poupem-nos. Quando eu era aprendiz de jornalista, escrevia uma patetice destas, totalmente infundada e baseada apenas no meu sentimento pessoal, e o Fernando Assis Pacheco ia-me à cara.

    Perfil’ sobre Clara Pinto Correia do ‘historiador’ António Araújo, professor universitário e também membro do Conselho de Administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos, também conhecido por ‘Fundação Pingo Doce’.

    Já agora, só para atestar mais uma vez a total  falta de cuidado com que o autor destes dislates faz o seu trabalho, há uma altura em que envereda pela minha vida pessoal. E aí os seus erros, todos eles facílimos de verificar e de corrigir, acumulam-se de tal forma que alguém bem intencionado na redacção do seu jornal deveria ter arranjado uma desculpa inocente, como por exemplo falta de espaço, para cortar aquilo tudo e poupar ao mais puro dos ridículos um jornalista que pelos vistos tem preguiça de investigar.

    A primeira argolada é afirmar que eu sou a irmã mais velha das quatro.

    Valha-me Deus, o senhor, se não gosta de fazer perguntas, não pode ao menos consultar o Facebook?

    A nossa “primogénita” (como o descuidado me chama, da forma mais insultuosa deste mundo para toda a minha família) é a Maria do Rosário, não sou eu. E isto não é uma pequena curiosidade sem importância. Ao longo de toda a nossa vida adulta – e certamente da minha –, a Ró tem sido a nossa grande organizadora, protectora, aquela que no Verão nos junta a todas na praia, e no Natal e na Páscoa se certifica que toda a gente se consegue reunir, quem vigia a saúde de quem fraqueja, todo um papel de mana mais velha que nunca estaria no meu feitio assumir – e talvez todas nós perdêssemos muito com isso.

    Segue-se a história comovente dos meus passeios em Tremês com o meu Pai, de casa dos meus avós até ao pomar das macieiras. O senhor menciona as minhas palavras comoventes quando digo que as nossas conversas nesse caminho foram fulcrais para estruturar na minha mente os passos do meu futuro. E cita-me: “Numas lindas manhãs de sol, só nós os dois e a passarada.”.

    Porreiro.

    Para já, sou uma grandessíssima parola.

    E ademais, ao que tudo indica com a conivência do meu Pai[5], imagina-se perfeitamente o sol e a passarada a estruturarem os passos do meu futuro. Com flores no cabelo, sandálias, ganzas, e o ashram do Ravi Shankar.

    white sheep on white surface

    Ensinam-nos que os jornalistas não manipulam as fontes, mas este aprendiz de feiticeiro manipulou e não foi pouco. A minha frase sobre as caminhadas com o meu Pai que foram fulcrais  na estruturação do meu futuro eram antes,

    “Numas lindas manhãs de sol, só nós os dois, a passarada, e o anel de benzeno.”

    OK, é possível que a total ignorância do que pudesse ser um anel de benzeno tenha tornado aquela frase, escrita assim, incompreensível ao escrevinhador. Mas, uma vez mais: o jornalismo tem regras. Uma delas é que não se alteram as fontes. E, dê lá por onde der, de certeza que a internet está cheia de textos e videos a explicar o que é o anel de benzeno, como funciona, e a importância que tem na nossa vida. De certeza que até virá contado, algures, que Michael Faraday, o cientista que descobriu a sua estrutura em 1825, conseguiu chegar lá porque a viu claramente num sonho[6]. Descobrem-se coisas lindas, quando se faz investigação. Mas, com toda a evidência, estamos perante uma personalidade de todo em todo alérgica a dar um passo dentro de uma biblioteca.

    A seguir, o despistado lista as várias alcunhas que fui tendo na vida. Num novo exemplo de péssimo jornalismo, mistura os nomes familiares com os nomes profissionais, e nunca percebe que eram, todos eles, nomes extremamente carinhosos[7]. Em África, os meus tios chamavam-me “Pretinha” – o que não era certamente um insulto, e aliás eu tinha imenso orgulho em ser a pessoa mais escura da família. Um namorado que tive no JORNAL chamava-me “Minhoca” com a maior ternura deste mundo. O autor que não consegue perceber nada disto estampa-se ainda mais ao comprido logo a seguir, quando explica que, “como retaliação” eu chamava aos meus colegas “os fósseis,”

    É preciso não me conhecer de todo.

    E é preciso não ter perguntado nada a ninguém.

    Antes de mais nada, não sou minimamente dada a retaliações. E depois, quem é que vai retaliar tratamentos carinhosos? Como expliquei milhares de vezes[8], a história dos fósseis vinha do tempo do liceu, em 1976, dois anos depois da Revolução. De cada vez que nós, os membros aguerridos do esquerdalho, passávamos o portão e esbarrávamos com “os fascistas” de corrente da moto na mão para darem cabo de nós, bem podíamos ficar com as pernas todas rasgadas que não nos abstínhamos da vingança. Íamos para casa de alguém que não tivesse lá os pais, ligávamos para um dos fascistas em causa, esperávamos que viesse a mãezinha ao telefone, e um de nós dizia, no tom mais ameaçador deste mundo,

    “Brigadas de Extermínio aos Fósseis. O seu filho que não saia de casa amanhã, ou não responderemos por nós.”

    Depois, no dia seguinte, o fascista faltava às aulas e nós fartávamo-nos de rir.

    black haired man making face

    É certo que eram outros tempos. Mas quando, aos vinte anos, de shortinhos e top porque era Julho, entrei para uma redacção onde as únicas mulheres eram a Edite Soeiro[9] e a Lurdes Feyo, ambas bastante mais velhas do que eu, e aqueles gajos todos, também mais velhos do que eu, começaram a atirar-se a mim como se eu tivesse nascido ontem, mas depois ficaram muito ofendidos porque os meus palavrões ainda eram mais criativos do que os deles – ah, sim, as BEFs voltaram a acender-se na minha memória e desatei a correr toda a gente a fóssil. Mas isto era no gozo. No gozo”, percebe-se a certa altura, é uma atitude que este jornalista limitado não entende.

    Vale também a pena salientar que há mais passagens interessantes relativas aos talentos de crítico literário deste personagem. A primeira é quando está a listar os diversos tipos de literatura que eu fui cobrindo nas mais de cinquenta obras que escrevi até hoje. Uma delas, segundo este entendido, é a “ficção científica” – com tanto azar, logo um género que eu francamente detesto. Ou seja, a minha produção literária está a ser-nos apresentada por uma pessoa incapaz de distinguir homenzinhos verdes de um outro género que, esse sim, é uma das grandes paixões da minha vida, a divulgação científica.

    Com uma cabeça destas, já não causa grande surpresa que, mais à frente, o grande crítico conceda que sou uma grande cientista (em matérias que ele ignora de todo) mas que os meus livros não prestam. Deduz-se que os leu todos com imensa atenção, que os sublinhou, que marcou as passagens desastrosas, porque só depois de um trabalho destes é que um bom jornalista poderia fazer semelhante afirmação. Vamos acreditar que sim e imaginar que o que deitou tudo a perder foi, digamos, o meu  livro infantil A HISTÓRIA HORROROSA DOS PEIXINHOS AMARELOS, sobre o qual seria interessante fazer-lhe algumas perguntas tão bem preparadas como a crítica literária dele. Mas já  repararam numa coisa? Santo Deus, os editores portugueses devem ser completamente cretinos, não é[10]? Para terem publicado tantos livros meus. E olhem que consegui enganar muito bem os americanos. E os japoneses, que traduzem o meu trabalho científico? Ora, nada mais fácil. Mais de metade do artigo é dedicado a dissecar a minha arte para enganar toda a gente. Por que é que não havia de enganar também os estrangeiros[11]?

    E olhem, segundo este apressado cronista de costumes também houve alguém que enganei muito bem quando fui casar-me a Las Vegas. Aquilo de que eu me lembro é de ter ido lá casar-me com o Dick, o pai dos meus filhos, o meu companheiro  de dezassete anos de vida no Massachusetts, e lembro-me de todos, todos, todos os pormenores. Mas como o autor do artigo escreve por ouvir dizer… fui a correr casar-me a Las Vegas com o autor “daquelas” fotografias, para atenuar a escandaleira nacional[12].

    Só depois disto é que volta a entrar a parte do interesse de Portugal por mim, que já agora corrijo.

    O grande interesse de Portugal por mim registou-se mais entre os 32 e os 40 anos – quando, entre várias outras coisas, já tinha clonado mamíferos muito antes de nascer a Dolly, coisa que o autor não parece ter minimamente registado… e, bem, tinha-se tornado completamente impossível ir para a cama com o mundo inteiro para conseguir fazer o que fazia, incluindo passar quinze dias na Ilha da Páscoa, correr a URSS de comboio e vir-me embora uma semana antes do sonho socialista acabar, doutorar-me, fazer clones, e ir estudar História da Ciência para Harvard. Estou a ler as trapalhadas de datas e de afirmações não atribuídas, a pensar que em jornalismo não se faz isto, e…

              … e depois descubro que o senhor distraído não é um jornalista.

    O homem que não estudou nada do que escreveu é um historiador, pelo que aqui eu já começo a ficar seriamente preocupada[13].

    Será que ele dá aulas?

    E ensinará ele aos alunos a expressarem-se desta forma que, se é errada em jornalismo, em História é pura e simplesmente inaceitável?

    black swivel chair beside rectangular brown wooden desk

    Parece que vive no Alentejo e continua a deslocar-se aos Estados Unidos.”

    Parece?

    Mas o que vem a ser esta balda, este “parece”?

    Então e a verificação das fontes?

    Deveria ser bastante fácil investigar se eu estou ou não a viver no Alentejo – aliás, bastaria ler o mesmo PÁGINA UM pelo qual o nosso historiador, para me desprezar a mim, mostrou um desprezo alarve na sua peça. Da mesma forma, era só sondar o consulado americano e ficaria logo a saber que não – já não me desloco aos Estados Unidos, ou pelo menos certamente não em trabalho. E porquê? Santo Deus, se não quisesse perguntar-me directamente que perguntasse à Segurança Social Portuguesa: estou reformada antecipadamente por invalidez, demasiadamente doente para pode manter horários lectivos constantes e fiáveis.

    O que, acto contínuo, desmente outro “parece que” do nosso brilhante historiador: claro que, se estou reformada, já não sou catedrática na Universidade Lusófona.

              E, uma vez mais, que raio de desmazelo vem a ser este? Um historiador que faz o seu trabalho com seriedade, e que pelos vistos não tem coragem para esclarecer as suas dúvidas directamente comigo (que diabo, tenho um Facebook chamado Clara Pinto Correia e é meu hábito responder às mensagens que recebo) não é pelo menos capaz de agarrar no telefone, ligar para os recursos humanos da minha antiga universidade, e perguntar se eu ainda lá estou a trabalhar? A pessoa até treme, só de imaginar o que serão os seus artigos da especialidade. Consta. Parece que. Dizem. Bibliografia por ouvir dizer. E depois dizem que os alunos portugueses são medíocres, e que têm dificuldades de concentração, e que observam terríveis graus de absentismo. Mas por favor, está toda a gente a ver bem o exemplo que lhes chega de cima?

    Miguel Relvas perdeu, muito merecidamente, o seu grau de doutor. Mais merecidamente ainda, esta nulidade devia perder já o seu grau de historiador. Pode insultar-me à vontade, se isso lhe dá prazer. Mas não pode passar aos miúdos que estão a tentar definir a sua vida a noção de que um historiador é um insultador que manda vir como muito bem lhe apetecer com a maior das leviandades. Até pode tornar a minha irmã mais velha mais nova do que eu, porque, como toda a gente sabe, essas minudências nunca tiveram, nem nunca terão, qualquer espécie de importância. E então em História.

    E este pensamento horrível traz-nos de volta aos insultos.

    Infelizmente, em toda a rodada de maledicência destinada a dizer mal de mim, não é só o PÁGINA UM que come por tabela. Mais perto do fim (porque se há uma outra coisa fundamental em História que este historiador nunca consegue observar é a regra-mestra da sequência cronológica), chegamos à parte em que eu abandono os estudos (nada podia ser mais falso) e me entrego a actividades fúteis do pior gosto e menor qualidade.

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    Logo a primeira é ter aceite um papel secundário no filme do António da Cunha Telles KISS ME. Epá, tenham dó. Cubram o Cunha Telles dos defeitos de personalidade e feitio que quiserem[14]. Agora, para me deixar mal vista, ter a lata de chamar a um dos maiores  e mais pioneiros cineastas portugueses fútil, foleiro, de mau gosto, de má qualidade… um historiador não tem que perceber de cinema, mas, à semelhança de todos os outros  académicos como nós, quando não sabe não tem que ir estudar? E, pela descrição do filme que faz a seguir, será que foi mesmo vê-lo? Mesmo, mesmo? Um verdadeiro historiador teria ido. Este limita-se a vituperar que é um filme com a Mariza Cruz. Que, diga-se de passagem, se revelou aqui uma actriz excelente.

    A minha segunda actividade fútil e de muito mau gosto foi ter aceite participar, juntamente com Rui Zink, Carlos Quevedo, e Mariza Cruz, no júri do concurso da TVI A BELA  E O MESTRE. O historiador nem sequer menciona que o nosso papel era integrarmos o júri, e ainda por cima junta a Paula Bobonne ao nosso elenco. Aqui as suas trapalhadas são ainda mais imperdoáveis, porque todos os episódios ficaram gravados, o que lhe teria permitido consultá-los e tirar a limpo o que aconteceu. Qual quê. Ao melhor estilo psicanalítico, o senhor tece várias considerações sobre o que leva uma figura do mundo cultural a aparecer ali, sem a mínima menção a razões semelhantes para o Rui ou para o Carlos, também eles pessoas do mundo cultural. A ideia evidente de que uma mãe solteira com dois adolescentes rebeldes em casa pudessse precisar de dinheiro talvez não lhe tenha passado pela cabeça[15]; mas, uma vez mais, perguntar não ofende. Agora, este historiador é de tal forma avesso a investigar os seus temas que ignorou o ponto principal: chegada ao terceiro episódio, e com o nível do concurso sempre a descer, com ou sem necessidade de dinheiro eu não aguentei mais aquilo e demiti-me. No último programa em que apareci para me despedir, entrevistada pelos apresentadores sobre a minha decisão, disse, apenas, “Sou professora Universitária. Este não é o meu mundo. De certeza que outras pessoas farão muito melhor o que se esperou de mim que eu fizesse.” E foi então – então sim – que a Paula Bobonne entrou para o meu lugar[16].

    E claro que fez aquele papel muitíssimo melhor do que eu.

    Até é uma história interessante.

    Mas, se estamos a braços com um historiador que não sabe dar-se ao trabalho sério e árduo de fazer História…

    … em vez de verdadeiros factos apanhamos antes com chorrilhos de faits divers.

    Muito foleiros, ainda por cima.

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    E extremamente perigosos para a motivação futura de quem ainda anda a estudar, o que não pode ser dito de nenhuma forma elegante: é um verdadeiro crime.

    Sabes, caro homúnculo que se realmente estudou História depois tratou de se  esquecer dela, e cujo nome nunca serei capaz de memorizar? Vi no fim do teu textículo que, ao que parece, as citações de Nietzsche te dão prazer mesmo que sejam completamente descabidas. Então, por uma questão de caridade, sugiro-te que não gastes mais o teu Nietzsche comigo. Porque calculo que saibas como é que isto acaba:

    “Se olhares muito tempo para o abismo, é o abismo que vai olhar para ti.[17]

    Há poucas coisa mais perigosas do que o olhar de volta que o abismo nos manda quando ousamos olhar estupidamente para ele.

    Tu tem lá cuidado com os teus futuros gatafunhos, piroso.[18]

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] E interminavelmente maus, além de interminavelmente mal escritos.

    [2] Ou mesmo, quem sabe, um “candidato a estagiário”, o escalão onde me arrumaram quem eu comecei a trabalhar no JORNAL.

    [3] Eram os exames de Julho. Por uma questão de princípios, nunca deixei nenhum exame para a segunda época.

    [4] Claro que este detalhe a criatura não poderia aber a menos que perguntasse ao Silva Pinto, mas, quando comecei a minha vida de jornalista – muito novinha, nesses tais tempos de oiro – o meu ordenado era de seis contos por mês. E eu aguentei-me como pude.

    [5] Que, ainda por cima, ainda passou ali uns anos consideráveis com bastante medo de que viesse a acontecer-me qualquer coisa como esta.

    [6] E vocês acham, porventura, que eu decorei isto tudo nas aulas de Bioquímica do segundo ano? Pelo amor de Deus. Fui agora mesmo ver à Wikipedia. Tal como o troca-tintas deveria ter feito, em vez de omitir o anel de benzeno quando cita a minha frase.

    [7] Não sendo psicanalista, atrevo-me a sugerir, perante esta estranha interpretação do sentido de nomes que só poderiam ser ou doces ou humorísticos, que talvez todas as alcunhas dele tenham sido insultuosas, razão pela qual não consegue interpretar nomezinhos queridinhos de outra maneira.

    [8] Uma vez mais, ele que investigasse, gaita.

    [9] Que, com o tempo, veio a ser a minha querida “Mãezinha”.

    [10] Bom, os editores e as pessoas que vêm ter comigo na rua a dizer “queria só que soubesse que o MAIS MARÉS QUE MARINHEIROS é o meu livro preferido!”. Ou que me escrevem para o Facebook a dizer “Fiquei  fascinada com o MAIS-QUE-PERFEITO, mas emprestei-o e nunca mais o vi. Onde poderei encontrá-lo agora?”O que é que  eu hei de dizer, “deixem-se de coisas e leiam o MOBY DICK?”

    [11] Uma vez estava no  aeroporto de Frankfurt cheia de fomne e de sede, e só tinha uma nota de dez euros no bolso das calças. Epá, meus amigos, enganei ali uns dinamarqueses que foi um gosto.História absolutamente verdadeira excepto no uso do verbo enganar. Confraternizámos enquanto comíamos e bebíamos, foi mais isso.

    [12] Desculpem, está tudo doido?

    [13] “Seriamente preocupada” é um eufemismo, claro. Quantos “historiadores”  destes existirão em Portugal?

    [14] E nem sequer são merecidos.

    [15][15] Os meus colegas do mundo cultural lá teriam razões como as minhas.

    [16] E adorou tudo Aquilo. De onde se prova que aquele não era mesmo o meu mundo, independentemente do dinheiro para pôr os meus rapazes rebeldes na linha.

    [17] Nietzche, citação muito famosa que o homúnculo certamente já conheceu mas depois esqueceu, como tudo o resto.

    [18] Citando Valete, RAP CONSCIENTE. Quem conhece o seu trabalho conhece a continuação.


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  • PAN: ‘Avançamos, pelas causas’

    PAN: ‘Avançamos, pelas causas’

    Em contagem decrescente para as legislativas de 2024, esta foi uma semana recheada tanto de debates políticos como de fait divers e trivialidades. De facto, o eleitorado tem sido estimulado das mais diversas maneiras nos canais de comunicação formais ou informais. E na rua também apareceram novos motivos e novas promessas eleitorais para esta recta final das campanhas. Quem dá mais?

    Com o objectivo de recuperar um grupo parlamentar nestas eleições, o PAN lançou uma campanha de outdoors concebida internamente aliando um mupi genérico com o retrato da sua líder Inês Sousa Real e estruturas de grande formato com mensagens provocatórias para ganhar maior visibilidade e quiçá despertar a polémica.

    Comecemos pela designação curta deste partido: PAN é o acrónimo de Pessoas, Animais e Natureza e inevitavelmente traz à memória o prefixo que exprime a noção de totalidade, universalidade, o que lhe confere força e impacto.

    Para um aficionado de banda desenhada, poderá lembrar uma onomatopeia que sugere a imagem auditiva de algo a embater noutra. Talvez por isso, a expressão fonética não esteja completamente sedimentada, algumas pessoas pronunciam o ‘N’ final, enquanto outras não. Oficializado em 2011 pelo Tribunal Constitucional, a sua designação fundadora era Partido pelos Animais e pela Natureza em linha com a sua agenda animalista, que orientou aliás a escolha dos brindes — sacos e utensílios para cães e gatos — que distribuiu numa recente arruada no parque das Nações.

    Mupi do PAN na Avenida da República, em Lisboa. Foto: ©Sara Battesti

    O motivo mais disseminado pelo espaço público é o mupi verde com o retrato sorridente da líder ao lado de um headline que se assemelha a um balão de fala das BD a clamar: ‘Avançamos, pelas Causas’. O fundo verde mentol que alude à natureza é mais do que expectável, porém esta é também a cor escolhida pelo PS, o que acaba por não ser distintivo e comprometer a desejada rápida identificação.

    Na fotografia, Sousa Real é empática pelo seu olhar franco e amigável, enquanto o vestuário escolhido transmite sofisticação, usando um blazer de tons dourados que contrasta com o fundo verde. Espera-se que seja uma indumentária Made in Portugal e amiga do ambiente.

    Quanto ao seu logótipo, emprega uma fonte com pouca personalidade adquirindo uma expressão visual quase infantil ou ingénua, conjugado com a designação completa do partido por baixo, com fraca legibilidade. O símbolo é uma árvore com um tronco em forma de braço e mão humana, ilustrando duas vertentes da missão do partido, ficando incompreensivelmente de fora a defesa da causa animal. E ao assemelhar-se a tantas ilustrações comuns royalty free, o seu design é só banal.

    Em Lisboa, numa das principais entradas da cidade a propaganda PAN é composta por três outdoors usando uma composição exclusivamente tipográfica, que varia nas cores de fundo. O primeiro outdoor pergunta: “O tamanho importa?” O segundo responde: “Importa.” E o terceiro completa: “Se com 1 é bom, em grupo é ainda melhor.”

    Outdoor do PAN na Calçada de Carriche, em Lisboa. Foto: ©Santiago Cecílio

    A tentativa do partido em associar sua abordagem ao filme “Três Cartazes à Beira da Estrada” de Martin McDonagh é um tanto ou quanto forçada. O filme retrata uma história comovente de uma mãe desesperada pela inércia da justiça em relação ao desaparecimento da sua filha, utilizando cartazes como forma de estimular um maior envolvimento da polícia e comunidade local.

    Comparativamente, a versão do PAN parece descontextualizada e até desrespeitosa em relação ao tema e à mensagem do filme, assim como o tom e estilo da campanha política serem distintos da seriedade do enredo cinematográfico. Esta mensagem de estilo bem vulgar revela uma estratégia superficial para chamar a atenção, a qual não se alinha adequadamente com a profundidade do filme. O denominador comum em ambos os contextos reside apenas no desespero de uma chamada de atenção.

    A campanha de estilo grosseiro visa captar mais votações para alcançar um aumento o número de deputados, recuperando assim o protagonismo que o partido teve nas eleições de 2019 quando elegeu quatro deputados (com a liderança anterior).

    Outdoor do PAN na Calçada de Carriche, em Lisboa. Foto: ©Santiago Cecílio

    Compensando as limitações orçamentais, esta é uma abordagem destinada a potenciar o impacto, e alimentar reacções em cadeia, o que se torna bastante eficaz para partidos mais recentes. Estas estratégias provocatórias têm de facto maior propensão em atrair as massas, facilitando a memorização dos slogans, como é evidenciado pela ascensão do IL, embora este partido tenha apostado num conceito criativo fácil de adaptar que sublinha diferentes vectores da sua proposta de acção governativa.

    Desde 2021, a liderança de Inês de Sousa Real tem sido alvo de críticas, tanto internas quanto externas, o que fragiliza o potencial de crescimento do partido. As críticas surgiram do facto de deter uma empresa de exploração agrícola de mirtilos, como Joaquim Sousa acusou-a de realizar “purgas estalinistas” e de transformar o PAN num “partido oco, de cariz animalista excessivo”.

    Atendendo que a base de eleitores do PAN é predominantemente composto por mulheres e licenciadas, este conceito e estilo não estão propriamente muito em consonância com este perfil, representando um ponto fraco além de limitar o impacto da campanha de rua.

    Outdoor do PAN na Calçada de Carriche, em Lisboa. Foto: ©Santiago Cecílio

    Quanto ao design dos outdoors e mupis, é válido apontar que a inconsistência pode comprometer a projecção do partido e dificultar o reconhecimento pelos eleitores. O uso do hashtag #juntateaogrupo revela a intenção de atrair apoiantes e valorizar os benefícios inerentes ao aumento de deputados do partido na Assembleia da República. Com um grupo parlamentar maior, os avanços para as causas que o partido representa serão ainda maiores, factor de persuasão do seu eleitorado para contribuir para o crescimento do PAN. Numa fase anterior a esta, foi desconcertante saber que o PAN chegou a usar a inteligência artificial como parte de uma estratégia de expansão do seu eleitorado. Ora, é fundamental o partido manter a sua autenticidade assim como uma linha orientadora para garantir que a sua mensagem e imagem ressoem dentro da comunidade portuguesa, evitando que sejam diluídas por tendências passageiras.

    “Touradas só na cama e com consentimento” é a mensagem desafiadora que o partido lançou mais recentemente nas proximidades do Campo Pequeno. Apesar de adoptar uma linguagem próxima do tríptico da Calçada de Carriche, confunde-se ao longe com um anúncio do IKEA não só pelo fundo branco como pela fotografia da cama de casal de design neutro, não conseguindo assim assegurar uma coerência gráfica com os restantes motivos que estão na rua.

    Para instigar a polémica mediática, o partido procurou amplificar o seu impacto com a distribuição de uma nota de imprensa de maneira a contrabalançar as limitações da sua visibilidade nos debates televisivos de formato compacto. O candidato com mais horas de direito de antena terá possivelmente sido o Ricardo Costa, do “partido SIC”. Terá sido a eficácia da última campanha desta marca sueca que convenceu o PAN a relançar o debate aceso em torno da abolição das touradas com um outdoor afixado nas redondezas da praça de touros? Subjacente está o desejo de acabar com o financiamento público (que se eleva em 19 milhões de euros) desta prática cultural enquanto acto gratuito de crueldade animal. Uma forma de contestar as políticas vigentes e sublinhar a sua força como partido animalista, o que de certa forma segue a abordagem populista tão em voga.

    Outdoor do PAN dedicada à abolição da tourada na Avenida da República, em Lisboa. Foto: ©Liliane Miliciano

    Na recta final da campanha eleitoral, observamos uma mudança nos cartazes políticos, exemplificados pelo PS e AD, que passam a incluir promessas bem concretas. O PAN também não é excepção, embora não desfrute da mesma notoriedade, nem promova a pluralidade de promessas eleitorais. Como afirmou o linguista francês Charaudeau em 2008, “todo acto de linguagem ocorre numa arena de aventuras, onde estão em jogo apostas e expectativas. Isso implica que, nesse processo, os intervenientes políticos recorram a uma diversidade de manobras e estratégias discursivas para comunicar de forma clara suas intenções.”

    Num ano marcado por desafios significativos para a governação, como os conflitos mundiais, a tensão geopolítica no estreito de Taiwan, o crescimento económico modesto e as eleições nos EUA, é fundamental que os partidos políticos comuniquem de forma pertinente e abrangente para conquistar vínculos significativos com os cidadãos. À luz dos processos de transformação delineados por Charaudeau, a pertinência do discurso político exige que seja adequado ao contexto e à finalidade, levando em consideração uma base comum de valores sociais e compreensão do mundo.

    Para conquistar um vínculo sólido com o seu eleitorado, um partido precisa articular sua mensagem de forma a abordar as preocupações da população, incorporando uma visão abrangente que englobe questões sociais, ambientais e económicas. Isso significa que deve ser capaz de oferecer propostas e soluções que ecoem as necessidades e aspirações da sociedade, demonstrando uma compreensão profunda dos desafios enfrentados e um compromisso genuíno com a melhoria do bem-estar colectivo.

    Cartaz do Festival dos Túbaros, na Rotunda da Malveira. Foto: ©Sara Battesti

    Como partido defensor de um novo paradigma moral, ético, cultural e civilizacional, esta campanha parece não reflectir uma grande elevação intelectual, privilegiando a polémica para inspirar fervor e lealdade entre os seguidores que se identificam.

    Importa ainda notar que esta forma de fazer campanha incorpora desvantagens, como alienar eleitores potenciais e gerar controvérsias negativas a longo prazo. Assim sendo, esta estratégia deve ser cuidadosamente considerada e avaliada em relação aos benefícios e riscos. Ao proporcionar um controlo total sobre o conteúdo político, em contraste com o conteúdo filtrado e interpretado pela comunicação social, os cartazes de rua continuam a ter futuro pela sua capacidade mobilizadora do eleitorado e, em certos casos, persuadir pessoas indecisas, desiludidas com o sistema político, e até converter os abstencionistas. Como expressão da identidade e posicionamento de cada força partidária, os outdoors continuam a ter um papel de destaque na comunicação política, até porque ninguém lhes é indiferente.

    E assim, neste oitavo acto, chegamos ao fim desta rubrica ‘Cartazes há muitos’.

    Sara Battesti é especialista em Comunicação


    Avaliação do cartaz

    Design: 2/5

    Impacto: 2/5

    Eficácia: 1/5

    Média: 1,67/5


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  • Imbecis pelo clima

    Imbecis pelo clima


    Pensei preparar uma crónica sobre o modo de combater a mudança climática depois de ler um estudo sobre a utilização da Inteligência Artificial.

    Um trabalho que analisava os desenvolvimentos relacionados com a IA e a robótica, que estão entre as ferramentas identificadas num projeto recente liderado pela Organização Meteorológica Mundial, pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, e pela União Internacional de Telecomunicações. 

    white robot action toy

    Sabendo que a evolução constante da tecnologia se deve, sobretudo, a jovens licenciados, a maior parte deles com preocupações ambientais, analisei com interesse os textos compilados pela “ONU News” sobre o modo “como a IA ajuda o mundo, desde as comunidades às empresas e aos legisladores, a enfrentar as alterações climáticas”.

    Os autores do estudo, depois de constatarem que, “ao redor do mundo, a Inteligência Artificial já está presente na saúde, na educação e na indústria”, quiseram saber como esta tecnologia de ponta poderia “ajudar a combater e mitigar os efeitos das mudanças climáticas”.

    Rapidamente concluíram que se podia utilizar esta ferramenta em praticamente todas as áreas com extraordinários benefícios para todo o mundo.

    A ONU lançou,  recentemente, o “Órgão Consultivo de IA” que impulsionou “a tendência global de aproveitar a aprendizagem por máquinas para encontrar soluções para desafios comuns, desde logo começando por melhorar o processamento de dados em conjunto com um número crescente de governos, empresas e parceiros da sociedade civil que trabalham em conjunto para colher os seus muitos benefícios”.

    Centenas de jovens espalhados pelo mundo, desenvolvem tarefas de extraordinária importância para o nosso planeta.

    Os exemplos apontados neste trabalho são inúmeros e variados:

    a computer chip with the letter a on top of it

    “Várias agências da ONU apoiam comunidades vulneráveis ​​no Burundi, no Chade e no Sudão através de um projeto orientado pela IA para investigar alterações ambientais passadas em torno de pontos críticos de deslocamento.

    Em campo, os dados aperfeiçoados podem ser a solução para problemas até agora incontornáveis. Por exemplo, a aplicação MyAnga ajuda os pastores quenianos a prepararem-se para a seca. Com dados de estações meteorológicas globais e satélites enviados para os seus telefones, os pastores podem planear com antecedência, gerir melhor o seu gado e poupar horas de busca por pastagens verdes.”

    O estudo abrange áreas que muitos consideram não serem problemáticas no que respeita às mudanças climáticas.

    Desde logo, por exemplo, a “moda”.

    Na realidade trata-se de uma “indústria com um histórico de emissões elevadas” mas que pode vir a “beneficiar de pesquisa e desenvolvimento orientados pela IA para acelerar a inovação”, otimizando economias e melhorando a eficiência nas etapas com utilização intensiva de energia. 

    Outra área fundamental é a agricultura, responsável por 22% dos gases de efeito de estufa lançados na atmosfera, de acordo com um relatório de avaliação climática da ONU.

    photo of Gardens by the Bay, Singapore

    As acções planeadas pela IA podem mudar esse quadro.

    A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, FAO, apresentou exemplos de tecnologias que visam transformar práticas tradicionais em sistemas baseados em dados que protegem as pessoas e o planeta. Entre elas, “a IA e as ferramentas digitais consideradas fundamentais na construção de sistemas agroalimentares resilientes ao clima que sejam mais eficientes, sustentáveis ​​e adaptáveis ​​aos desafios das alterações climáticas”. 

    Este magnífico trabalho despertou-me o interesse, repito, e fez com que a minha, já enorme, admiração pela juventude atual aumentasse.

    São inúmeros os exemplos, no nosso país, de empreses de sucesso na área tecnológica e os nossos engenheiros informáticos são competentíssimos e uma referência mundial.

    Quando juntam a essa capacidade técnica o interesse pela melhoria do nosso mundo tornam-se merecedores de todos os encómios.

    É deles que me lembro, de imediato, quando alguns alarves resolvem “lutar em defesa do clima” com “acções” que buscam somente os seus cinco minutinhos de fama nem que seja com atitudes a roçar a total imbecilidade.

    green plant on brown soil

    Desde atirarem com produtos de todo o género a obras de arte, património mundial, cortarem estradas, desfilarem mais ou menos despido(a)s pelas ruas e, agora, com a nova moda de atirarem com tinta a políticos.

    Tudo gentinha com um número reduzido de neurónios, que nunca leram um livro, que nada sabem dos estudos que acima falo, que nunca deixariam a comodidade das suas casas (quase sempre as casas dos pais) onde vegetam, usando todo o tipo de roupa e usando todos os aparelhos e veículos que prejudicam o clima que dizem defender, mas que querem aparecer como paladinos de uma luta de que ouviram falar na televisão.

    Uns imbecis que deviam usar a tinta que atiram aos outros para pintar a própria cara.

    Vítor Ilharco é assessor


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  • A máscara perdida pela AD

    A máscara perdida pela AD


    Em tempos escrevi que não acreditava que Luís Montenegro alguma vez chegasse a primeiro-ministro. Disse-o pelas mesmas razões que ainda hoje acredito, ao fim de dois anos de pré-campanha por todos os concelhos do país – como ele gosta de repetir em cada oportunidade. Vejo, ainda, um homem com o carisma de uma alface, sem outra ideia para o país que não seja a de desviar dinheiro dos impostos para o sector privado. Disfarça ligeiramente melhor do que Rui Rocha, da Iniciativa Liberal (IL) mas, no essencial, o programa é o mesmo. Daí que nem seja estranho a aliança assumida com a IL e as 10 medidas que terão que acatar para conseguir uma maioria de direita sem o Chega.

    As minhas dúvidas sobre Montenegro desapareceram com o frete que escolheu fazer à Vinci, na escolha do novo aeroporto de Lisboa. Depois de ter acordado uma última investigação com António Costa que daria uma decisão final, voltou a recuar na palavra, criando nova comissão para estudar a decisão da comissão independente (cujo resultado não agradou os patrocinadores do PSD). Luís Montenegro, para beneficiar alguns privados, resolveu adicionar mais um capítulo à eterna novela do aeroporto de Lisboa. A palavra do líder político ficou aqui apresentada.

    Ainda assim, reconheço, a campanha não lhe estava a correr mal para os objectivos da Aliança Democrática (AD). Partindo de uma base fraquíssima e sem chama, a começar pela risível tentativa de recuperar uma AD com Nuno Melo e Gonçalo da Câmara Pereira, Montenegro sobreviveu aos debates, apesar de um amasso aqui e outro ali. Foi mais ou menos perceptível que as ideias estavam alinhadas e o discurso ensaiado para captar um eleitorado de centro moderado e alguns descontentes. Por esta altura, estabeleceu a ‘cerca sanitária’ ao Chega – bem, na minha opinião –, e ficou preso ao seu próprio compromisso. Lançou alguma confusão na própria direita, que, ao contrário da esquerda, não se conseguiu organizar.

    A saída de cena de António Costa beneficiou a AD, e Montenegro em particular, porque deixou Pedro Nuno Santos a ter de criar, rapidamente, uma personagem ao mesmo tempo que defendia oito anos de governação.

    É incrível, na minha opinião, ver a sucessão de erros de Montenegro no debate contra Pedro Nuno Santos, e perceber como é que um homem, que anda há dois longos anos a preparar-se para isto, não consegue arrasar um antigo ministro de um Governo que passou por uma pandemia, uma guerra, inflação, aumentos de impostos, degradação da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde e perda do poder de compra dos portugueses. Pedro Nuno Santos, em cima do joelho e em poucos meses, soube (sem encantar) criar uma defesa que praticamente anula a oposição do PSD. Por aqui também se vê a capacidade do líder da AD.

    Pedro Nuno Santos não consegue, comprovadamente, encher os sapatos de António Costa, mas nem isso parece ajudar a AD. Aliás, nota-se alguma queda em ambos (AD e PS), com subidas dos partidos mais pequenos à esquerda e à direita. O que também me parece positivo, para ser sincero.

    Mas foi na estrada que verdadeiramente se percebeu como a AD tinha este discurso colado com cuspo e as convicções mais escondidas. Miguel Relvas, outro artista dos bastidores, dizia esta semana na CNN, a propósito do disparate de Paulo Núncio, que em campanha deve-se seguir disciplina militar: saber-se exactamente o que se pode dizer e o que não se pode dizer. Ou seja, mentir, em português mais corrente.

    Recorde-se que Paulo Núncio, vice-presidente do CDS-PP e candidato pela AD, apareceu a representar a coligação num encontro que deveria ter sido discreto, e onde se discutiu a revogação do direito ao aborto (lembram-se do referendo que nos tirou do tempo das cavernas?).

    Paulo Núncio, nesse encontro, ainda disse com orgulho que o governo PSD/CDS tinha sido dos primeiros do Mundo a dificultar o acesso ao aborto. Corre agora um vídeo de arquivo da RTP onde, em 2004, Núncio defende o direito das crianças a terem uma “família normal”, com casais formados por homens e mulheres.

    Montenegro veio a correr distanciar-se desta posição, tal como já tinha feito com Gonçalo da Câmara Pereira a propósito da violência contra mulheres.

    Se, do lado do CDS e do PPM, ninguém espera grandes disfarces, já no caso do Dom Sebastião – Passos Coelho, para os amigos – a ideia era outra. A entrada do antigo líder na campanha, com aquele infeliz discurso sobre “sensações de segurança”, a propósito dos imigrantes, foi uma tentativa deslavada de apanhar eleitores do Chega e mais uma punhalada em Montenegro. Por um lado, voltou-se a abrir a discussão, que estava fechada, da ‘cerca sanitária’ ao Chega. Por outro lado, todos vimos Passos Coelho, o criador de Ventura, a tentar normalizar ideias mais radicais dos extremistas.

    Aquilo que ficou claro ao fim desta primeira semana de arruadas e comícios é que, apesar de todo o esforço de Montenegro nos debates para fazer as pazes com os pensionistas, não restam mais dúvidas de que este PSD, presente a estas eleições, é, de facto, o de Passos Coelho. Não é o de Rui Rio. Não é de nenhum moderado. É a mesma coligação que juntou Passos, Relvas, Portas e outras figuras menores que cortaram o que lhes foi exigido e o que ninguém lhes pediu. Já agora, a mesma coligação que tinha Luís Montenegro como líder parlamentar, e que, por exemplo, em temas como o aborto, assinou processos disciplinares a quem, na bancada do PSD, votou contra o retrocesso civilizacional.

    Ainda assim, mesmo para mim que aprendi nas ultimas eleições a não ligar muito a empates técnicos nas sondagens, acho que esta AD, colada com cuspo e tentando disfarçar as suas reais convicções, pode vencer as eleições. Por duas razões essenciais. Primeiro, porque o PS não está a ser competente e a esquerda, do Bloco de Esquerda à CDU, insistem em alguns erros de palmatória (fica para outro texto). Depois, porque, parece-me, a ‘cerca sanitária’ ao Chega desapareceu e julgo que Montenegro se entenderá com Ventura se assim tiver de ser.

    Seguem-se cenas dos próximo capítulos e cada um votará em quem quiser. É essa a beleza da democracia e o alimento do debate. Mas, para a tomada de decisão consciente, é importante percebermos aquilo que cada partido traz para a mesa. No caso da AD, parece-me, depois desta semana, que ficou clarinho como água o século para onde nos querem enviar.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

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  • Um médico-empresário e um regulador dos media entram num bar

    Um médico-empresário e um regulador dos media entram num bar

    O que acontece quando um médico-empresário que factura milhares de euros anualmente com serviços prestados a farmacêuticas – nomeadamente através da sua empresa Terra & Froes -, se une a um regulador dos media, cuja liderança é de nomeação política?

    O resultado só pode ser a censura e a tentativa de intimidar e desacreditar jornalistas de investigação que escrevem notícias com base em dados e fontes oficiais e artigos científicos de qualidade, as quais não são ‘aprovadas’ pelos ‘patrões’ nem pelos ‘clientes’ de lobbies poderosos.

    O Editorial de Pedro Almeida Vieira, jornalista e do director do PÁGINA UM, dá os detalhes e anuncia o inevitável. “A contínua perseguição infame da ERC contra as investigações do PÁGINA UM não continuará: uma queixa judicial por injúrias e difamação seguirá em breve contra os cinco membros do seu Conselho Regulador da ERC. E, claro, contra o Doutor Filipe Froes.”

    Esta não é a primeira vez que a ERC adopta deliberações ou promove iniciativas lesivas para o bom nome do PÁGINA UM, numa lógica de dois pesos e duas medidas, sendo algo que começa a ser recorrente.

    Por coincidência, as acções da ERC para condicionar e intimidar o PÁGINA UM têm envolvido investigações jornalísticas na área da Saúde. Foi o que aconteceu com a investigação do PÁGINA UM aos financiamentos da Sociedade Portuguesa de Pneumologia ou com a investigação que envolve o actual Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo. Ou a investigação às compras públicas efectuadas pelo Hospital de Braga, pejadas de irregularidades e opacidade.

    Ou ainda a investigação às irregularidades existentes em torno do fundo da campanha ‘Todos por quem cuida’ da Ordem dos Médicos. Neste caso, em concreto, recentemente, o Tribunal Administrativo deu razão ao PÁGINA UM e intimou a Ordem dos Médicos a divulgar informação que estava a esconder.

    Mas não só. O tribunal deu também razão ao PÁGINA UM e intimou a Ordem dos Médicos a divulgar pareceres de relevo que o antigo bastonário, Miguel Guimarães manteve secretos, escondidos dos portugueses.

    Perante estes casos em concreto, enquanto a Justiça apoia a transparência e o Jornalismo e as boas práticas, a ERC faz exactamente o oposto: dá guarida e apoia a opacidade, o secretismo, as más práticas e a censura de jornalistas.

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    Percebe-se porque, hoje, em Portugal, tantos jornalistas praticam a autocensura, sobretudo no que toca a temas ‘tabu’ para grandes indústrias e partidos no poder. Pode ser em torno das vacinas contra a covid-19 ou outro tema que mexa com temas considerados ‘intocáveis’.

    No Jornalismo, quando há temas intocáveis, é porque: ou não se vive em democracia; ou não existe liberdade de imprensa; existe censura; existe autoritarismo.

    Não é novidade o poder político e económico pressionar e intimidar a imprensa. É uma táctica já ‘velha’. Uma denúncia surge aqui, alguém adopta uma deliberação ali, um outro faz um comunicado acolá. Os media e jornalistas promíscuos, comprometidos ou vendidos, fazem o resto: espalham a campanha para desacreditar. Com as redes sociais, fica ainda mais fácil condicionar quem faz jornalismo sério, de investigação. E há sempre aquele recurso de se difamar o jornalista, espalhando desinformação sobre ele.

    O que é estranho, é ainda haver quem pense que se pode passar incólume com este tipo de más práticas.

    Ir fiscalizar os directores de órgãos de comunicação social, em Portugal, que executam publicamente contratos comerciais, é algo que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não faz.

    Acabar com as notícias e entrevistas pagas nos media ou com a cascata de podcasts patrocinados, feitos por jornalistas, que nascem que nem cogumelos nos media em Portugal, é algo que a ERC também não quer fazer.

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    Em alguns casos, a ERC só actuou na sequência de investigações do PÁGINA UM a más práticas, a práticas ilegais, na imprensa.

    Já censurar jornalismo de investigação, que se baseia em fontes oficiais, credíveis, fidedignas, isso a ERC já está disposta a fazer.

    Não é a primeira vez que o Conselho Regulador da ERC adopta deliberações que são autênticos avisos a todos os jornalistas que queiram prosseguir com investigação, sobretudo em torno de determinadas indústrias e temas.

    Infelizmente, enquanto a liderança da ERC for nomeada por partidos – os maiores partidos, que vão rodando entre si o poder – duvido que alguma coisa vá mudar nesse tipo de censura.

    Atenção: a ERC tem bons (mas poucos) técnicos ao seu serviço. O regulador faz, em determinados casos, uma fiscalização eficaz. Demora muito tempo? Demora.

    Ainda estamos à espera, por exemplo, que a ERC se pronuncie sobre as queixas que chegaram ao regulador em meados de 2023 devido a uma escandalosa reportagem feita pela TVI, passada em horário nobre, em que foi promovido um negócio obscuro e uma entidade não autorizada a prestar serviços de investimento ou intermediação financeira em Portugal. O caso foi grave, ao ponto do Banco de Portugal ter feito um alerta sobre a entidade mencionada na reportagem.

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    Mas, quando o assunto é jornalismo de investigação, bem fundamentado, sobre temas ‘tabu’ ou assuntos que sejam vistos como uma ameaça a poderosos, o caso muda de figura. Pelo menos, é isso que temos observado em deliberações que envolvem o PÁGINA UM.

    Não será por acaso. O PÁGINA UM, em particular o jornalista e director do jornal, Pedro Almeida Vieira, tem investigado interesses mais do que instalados no país e que envolvem fortes lobbies. E os lobbies não perdoam e pagam – e persuadem – para que as pedras no seu sapato sejam descartadas.

    Não é por acaso. O PÁGINA UM é o órgão de comunicação social que mais tem recorrido à CADA para obter acesso a informação que devia ser pública. Também é o meio de comunicação social que mais tem recorrido à Justiça para conseguir que haja transparência e acesso a informação pública que está a ser escondida.

    Também foi o PÁGINA UM que criou um Boletim diário de escrutínio às compras públicas, destacando os negócios obscuros ou opacos que são feitos com o dinheiro dos contribuintes.

    E tem sido o PÁGINA UM a trazer alguma moralização à imprensa, sector onde se normalizou o sentar à mesa com o poder político e económico. Ao ponto de haver jornalistas que pensam que investigar temas importantes mas incómodos – como o dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 – é uma heresia, um pecado capital.

    O PÁGINA UM faz Jornalismo. Não há espaço para temas tabu no Jornalismo. Por isso, há muito que é visto por alguns lobbies – e por jornalistas que sentam à mesa com o poder – como um ‘alvo a desacreditar’, ou seja, um ‘alvo a abater’. Que a ERC se preste a ser usada para essa tentativa de desacreditar é lamentável.

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    Para os ´’Froes’, a ERC e todos os que têm sido alvo de investigações do PÁGINA UM, esta deliberação do regulador dos media é motivo de celebração. Para os jornalistas, para o Jornalismo, para a liberdade de imprensa, para a transparência e para a democracia, esta deliberação da ERC é um capítulo negro.

    Há quem esteja a enfiar a cabeça na areia e a preferir não ver a ‘Idade das Trevas’ em que a liberdade de imprensa e a investigação jornalística estão a mergulhar em Portugal, mas também em outros países do mundo ocidental, com a crescente pressão persecutória dos profissionais que são independentes do grande poder económico e político.

    Mas há quem esteja a ver. Claramente. E o público, os leitores, também.

    Elisabete Tavares é jornalista


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