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  • Carta aberta aos nascidos nos anos 70 e 80

    Carta aberta aos nascidos nos anos 70 e 80


    Num vídeo, que se tornou viral, um rapaz mostra-se a bater com o ombro numa porta e imita as reacções ao acidente conforme as diferentes gerações. No caso dos nascidos nos anos 70, depois de irem contra a porta, prosseguem indiferentes. Os nascidos na década de 80 entram em confronto verbal com porta. Os nascidos nos anos 90 levam a mão ao ombro com dor ligeira e reviram os olhos. Os nascidos depois dos 2000 fazem um drama, caem no chão e aproveitam para tirar uma selfie com muitos # de vitimização. Certamente que alguns fariam hoje um vídeo curto sobre o ‘acidente’ para o TikTok.

    Mas este tipo de vídeos e memes, apesar de poderem ser engraçados, estão longe de representar a triste realidade: grande parte da corajosa malta nascida nos desafiantes anos 70 e 80 transformou-se, rendeu-se e traiu a sua geração (e as suas promessas).

    Estas gerações que assistiram ao nascimento e infância da democracia em Portugal, no pós-25 de Abril, que assistiram à queda do Muro de Berlim e ao fim da Guerra Fria, estão, na sua maioria, em silêncio perante o regresso da cultura de censura e repressão. E estão em silêncio, na sua maioria, perante o regresso do poder dos senhores que promovem (e lucram) com as guerras.

    Uns ter-se-ão esquecido quem são devido ao conforto do carro na garagem do condomínio, aos centros comerciais gigantescos, à era do consumo, do smartphone e da Netflix. Outros sentem-se derrotados por décadas de baixos salários, empregos precários e por não verem a luz ao fundo do túnel. E estes também esqueceram quem são.

    Outros, estarão doentes, cansados, desanimados. Mas todos estão rendidos e renegaram, sem saber, às suas promessas de juventude.

    Mas, quer estejam aburguesados, doentes, ou desanimados, assisto, triste, a muitos da minha geração parados, impávidos perante o assalto à democracia e à liberdade que estamos a sofrer na Europa. Em vez de lutarem contra os fortes ataques à democracia em Portugal e na Europa, entretêm-se a publicar quase só fotos de gatinhos, a pôr likes em posts de celebridades e influencers e a encher os seus bolsos pagos pela publicidade encapotada. Em vez de lutarem pela defesa da liberdade de expressão e liberdade de imprensa, apoiam aqueles mass media que estão em perseguição dos que estão a defender a liberdade de expressão, a democracia e a lutar contra a censura.  

    white cassette tape close-up photography

    Muitos da minha geração pensam mesmo – imagine-se – que em Portugal se vai mesmo celebrar os 50 anos de Abril. E acreditam que os comentadores que nas TV falam sobre as cinco décadas da Revolução dos Cravos são mesmo, na sua maioria, defensores da democracia. Muitos da minha geração ignoram o que se está a passar. Ignoram que muitos dos comentadores são pró-censura e pró-leis tiranas. E pró-guerra e pró-condicionamento das liberdades civis e dos direitos humanos, ‘pelo bem de todos’.

    Não entendo. Custa compreender.

    Quando me perguntam, por exemplo, porque tantos jornalistas têm estado em silêncio e pactuado com a censura e a cultura de tirania pró-ditadura (reflectida em leis e políticas de governos ocidentais), respondo: “porque são jornalistas espertos”. São espertos porque defendem o seu ganha-pão, o seu sustento. Sabem que estamos a viver numa era em que regressaram as tendências pró-ditadura – agora disfarçadas sob capas de combate à desinformação e luta contra a ‘extrema-direita’.   

    Já nem falo das estrelas de cinema que tanto me desiludiram nos últimos anos, ao defenderem a censura, nomeadamente nos Estados Unidos, ou a violação da soberania sobre o próprio corpo. Já nem falo das estrelas do rock e da pop que deram concertos apenas a audiências segregadas, apoiando uma cultura ignóbil de discriminação entre seres humanos.

    Falo aqui das pessoas comuns, as que, como eu, frequentaram os bailes ao ar livre nos anos 90, em Lisboa. As que iam ao cinema sempre que podiam. As que sabem de cor os diálogos de ‘The Breakfast Club’ ou do ‘Assalto ao Arranha Céus’. As que ouviram vezes sem conta ‘Get up, Stand up’, de Bob Marley. É para elas que escrevo este texto. Onde estão? O que vos aconteceu?

    Na Europa, a antiga ministra da Defesa da Alemanha, a Sra. Von der Leyen, arrasta o nosso Continente para uma guerra sem fim. O anúncio de uma ‘Economia de Guerra’ na União Europeia não despertou a minha geração para a acção?

    Onde estão os pacifistas da minha geração? Onde estão os pacifistas em geral, os que sabem que as guerras são monstros para alimentar lucros de multinacionais e os bolsos dos políticos (e dos seus filhos) que as promovem?

    Onde estão os pacifistas portugueses? Onde estão os pacifistas europeus? Onde estão os pacifistas do Ocidente? Onde estão os pacifistas do Mundo? Estarão enfiados em shoppings a comprar o último iPhone ou a viajar pela América do Sul? Estarão entretidos a lavar o seu novo carro eléctrico ou a fazer like no seu influencer preferido? Estarão a assistir todo o fim-de-semana aos inúmeros jogos das diferentes Ligas? Estarão distraídos a ver (de novo) ‘aquela série’ da Netflix? Ou estão quebrados por doenças e a sentir-se vítimas de uma vida ‘que os tem maltratado’?

    Onde estão os corajosos, lutadores e destemidos ‘jovens’ da geração de 70 e 80? Onde estão os jovens inspirados a fazer um bypass ao status quo depois de ver o ‘Clube dos Poetas Mortos’? Onde estão os apaixonados e utópicos ‘jovens’ que têm ainda a cassete VHS com o filme (que viram no cinema) sobre ‘Cyrano de Bergerac’?

    E os jovens que gravavam as cassetes com as músicas das rádios pirata? Onde estão?

    Não estranham que, ao fim de tantos anos, não se consiga acabar com os sem-abrigo, a fome e a pobreza, mas que haja sempre milhares de milhões para armas, bancos, ‘a economia’ e as guerras?

    bokeh photography of man wearing shirt

    Não estranham que tenham sido aprovadas, nos últimos tempos, leis na Europa que condicionam a liberdade de imprensa e de expressão? E não estranham que haja em Portugal movimentos de grandes partidos no Parlamento para mutilar de forma impensável a nossa Constituição? Não estranham que esteja a ser desmembrado o conceito de direitos humanos nas alterações ao Regulamento Sanitário Internacional da Organização Mundial da Saúde que estão a ser negociadas por países, incluindo Portugal?

    Não estranham que políticos supostamente de esquerda sejam a favor da censura e da repressão e estejam a perseguir ‘opositores’? (É ler este artigo sobre a reacção de Musk à repressão em curso no Brasil).

    Não estranham que haja censura em 2024 e que tudo o que seja ‘contra o regime’ é ‘desinformação’ e ‘extrema-direita’ (na pandemia eram negacionistas e anti-vacinas’)? Não estranham que muitos dos mass media apoiem a censura e sejam hoje máquinas de propaganda?

    Malta: a torre Nakatomi está em chamas e a nossa geração anda a pôr likes em selfies?

    Nós vimos John McClane descalço, ferido, sozinho, a dar cabo dos assassinos gananciosos e com ar sofisticado! E vimos centenas de filmes com heróis a defender a democracia, a liberdade, a lutar contra os maus!

    (Foto: D.R.)

    Alugámos dezenas de cassetes de vídeo de filmes em que se lutava contra corruptos e a ganância. Vimos ‘Erin Brockovich! Vimos ‘Alien’ e a pobre da Sigourney Weaver a matar ‘bichos viscosos e feios’ atrás de ‘bichos viscosos e feios’.  

    Vimos Mulder e Dana nos ‘X- Files’. No entanto, não estranhamos que nos dias de hoje cada vez mais se perseguem pessoas que fazem alguns alertas sobre as novas leis, chamando-os de ‘teóricos da conspiração’?  Vimos ‘Matrix’ com o Neo. (E, se calhar, continuamos à espera desse ‘The One’ que nos virá salvar.)

    Ouvimos Nirvana, U2, Queen, Metallica, Pink Floyd (e mais todos aqueles que não admitimos que ouvimos, como Def Leppard e Europe). Ouvimos música com sintetizadores. E também músicas com letras sobre liberdade, amor e paz.

    Como é que aceitamos que se difamem e cancelem pessoas, acusando-as de ser da extrema-direita (ou outro nome pejorativo qualquer) porque defendem… a paz, a liberdade e a democracia? É isso que está a acontecer, hoje.

    Nós somos a geração do Ferris Bueller! Vamos deixar que os que têm tiques de ‘bufos’, os censores e a repressão vençam? Que a nova tecno-ditadura se instale? Que o jornalismo seja substituído pela propaganda de mass media amigos do poder (que também lucram com políticas anti-democráticas e a com a tecno-censura)?

    (Foto: D.R.)

    Nós somos a geração de ‘The Breakfast Club’. Vamos deixar que as próximas gerações vivam sem liberdade de expressão e sob repressão constantes? Vamos permitir que a guerra avance e Von der Leyen, os donos da indústria de armamento, as grandes multinacionais e magnatas pró-censura das Big Techs vençam? Vamos deixar que os mass media pró-guerra e pró-ditadura vençam?

    Vamos permitir que todos os que gritam ‘paz’, ‘liberdade’ e ‘democracia’ sejam perseguidos e difamados com acusações que se tornaram cliché, de tão comuns?

    Vamos poder ser quem queremos ser, vamos poder viver em liberdade? Vamos poder expressar a nossa verdade? Vamos poder fugir aos ‘carimbos’, à segregação (por género, etnia, nome de família, conta bancária, ….) e procurar viver numa sociedade que se baseia em valores e princípios mais elevados?

    Lembram-se da carta que Brian Johnson escreveu naquele Sábado de detenção n’ ‘O Clube’, num famoso dia 24 de Março? Começa com “Dear Mr. Vernon” e termina assim: “You see us as you want to see us: in the simplest terms, in the most convenient definitions. But what we found out is that each one of us is a brain, and an athlete, and a basket case, a princess, and a criminal. Does that answer your question? Sincerely yours, The Breakfast Club.”

    Não interessa como (nos) vos vêem. Sabemos quem somos. E nós somos a geração de 70 e 80. E não sabemos apenas ‘quem’ somos. O mais importante é que sabemos o que podemos fazer. Juntos.

    carnation, flowers, red

    O que quero acreditar é que, apesar do conforto e do aburguesamento, apesar da doença ou da pobreza, ou dos shoppings, da Netflix e do carro-na-garagem, ainda há ‘jovens’ genuínos dos anos 70 e 80, por aí.

    Não falo só da malta que andava com joelhos e os cotovelos feridos de jogar na rua e no asfalto. Não falo só da malta que não se detém perante o embate em portas. Falo da malta que tem a liberdade no sangue, a democracia nos genes e a rebeldia nas células. Falo da malta que tem a poesia da música na alma e no coração. Da malta que se inspirou em Gandhi, que leu Pessoa, que leu Espanca.

    Acredito que muita dessa malta que tem estado adormecida, embalada com as selfies, o futebol, as férias no paraíso (a crédito, às vezes), o conforto do carro na garagem, ainda têm um pouco de rock em si e se lembram quem são.

    Acredito que muita dessa malta que pode estar doente, sem dinheiro, triste, ainda tem muita garra e coragem para ‘dar e vender’.

    people, friends, together

    São os da geração que viu Sarah Connor e John McClane. São vocês, aí. E estão a tempo de ser os heróis das gerações futuras, se lutarem contra os novos censores, os senhores (e senhoras) da guerra e a cultura pró-ditadura.

    Podem até fazê-lo com selfies e com gatinhos. Ao som de rock ou de pop. Ao estilo de Ferris Bueller ou de Mulder. Mas façam-no. Porque não acredito que “quando se cresce, o nosso coração morre”, como disse Allyson. Pelo menos, espero que não.

    Elisabete Tavares é jornalista


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  • É certo porque é impossível

    É certo porque é impossível

    Ó cores viscerais que jazeis subterrâneas

    Fulgurações de azul, vermelhos de hemoptize,

    Reprezados clarões, cromáticas vesânias,

    No limbo onde esperais a luz que vos baptize,

    As pálpebras cerrai, ansiosas, não veleis.

    Camilo Pessanha

    POEMA FINAL in CLEPSYDRA (1920)


    Proponho-vos aqui toda uma série[1] que será um exercício de raciocínio livre, já que, até aterrar sem aviso nesta rubrica do PÁGINA UM, ainda não constou antes de nenhum romance, de nenhum livro de texto, nem de nenhum artigo científico. Mas vamos lá, que a ideia vale por si. Ainda ninguém pensou que há diversas semelhanças entre um ornitorrinco e um urso polar?

    Entre um monotrémato oleoso com pés de pato e um caniforme desgrenhado de patas plantígradas?

    Hm.


    Toda a gente tem, pelo menos, a noção de que os ornitorrincos representam uma grande quantidade de bichos diferentes amalgamados num só. Mas como é no mínimo improvável que toda a gente saiba tudo no respeitante a esta amálgama, tenham santa paciência, mas vamos começar pela rememoração das principais características que eles partilham com vários outros grupos animais, todos muito distanciados entre si.

    Antes de mais nada, a cor e a cauda do ornitorrinco são iguaizinhas à do castor[2]. Pensaríamos de início que esta ligação seria de grande importância, porque a cauda do ornitorrinco é extremamente importante para ele: é a sua única reserva de gordura, e quem diz gordura diz protecção e energia.

    Mas não.

    Falso alarme.

    Por muito importante que seja a cauda de castor na vida de um ornitorrinco, e por absolutamente imprescindível que seja a ligação à água doce na vida de ambos os bichos, não há absolutamente mais nada que os aproxime. Mesmo a forma como o castor vive na água doce, formando grandes famílias e construindo diques que lhe dão imenso trabalho a montar e a manter, isto não se assemelha em nada à forma ensimesmada e preguiçosa característica da vida do ornitorrinco. Como toda a gente sabe, a América do Norte e a Austrália não correspondem a posturas filosóficas similares.

    Ornitorrinco (em imagem gerada por inteligência artificial).

    Seguidamente, e tal como o Urso Polar[3], estas criaturas estão de tal forma bem adaptadas à vida na água[4] que acabaram por ser classificadas como semi-aquáticas[5]. À semelhança de qualquer urso, quando se encontram em cativeiro mostram que podem perfeitamente ter um regime alimentar basicamente omnívoro. No entanto, as características particulares do seu habitat condicionaram-lhe desde há muito as preferências gastronómicas.

    E então aqui vai uma boa história de selecção convergente[6].

    Porque é que o Urso Polar, podendo ser omnívoro, se tornou carnívoro?

    Ora, não gozem com o povo normal.

    O Urso Polar é carnívoro porque, como é evidente, no Ártico há sempre focas, mas não existem plantas durante a enorme maioria do ano. Talvez o seu sistema digestivo se tivesse adaptado aos conteúdos dos caixotes de lixo das pessoas, como aconteceu com o de tantos outros ursos, especialmente nos que vivem perto dos parques naturais. Mas, para que tudo isto acontecesse, era preciso que vivessem mais pessoas nas condições extremas em que vive o Urso Polar. Estive duas vezes no Alasca, cruzei muitas estradas de terra completamente desertas, atravessaram-se-me três vezes uns ursos vagarosos à frente do carro, mas eram sempre ursos castanhos. Mesmo que um Urso Polar partilhe por breves instantes algum território com alguns Inouits, os povos do Ártico não têm  minimamente o hábito de considerar que seja o que for é lixo, pelo que procuram reciclar tudo e não deitar nada fora[7]. E o habitat do Urso Polar não desce tão baixo que atinja as regiões onde a tundra se enche de mirtilos no pino do Verão[8]. Se comesse alguns gostava de certeza – mas de certeza  que que nenhum Urso Polar fica alimentado só com umas boas razias nos mirtilos deliciosos da tundra.

    polar bear on snow covered ground during daytime

    Então e o Ornitorrinco?

    Se já tem milhões de anos de existência em o registo fóssil nos diz que cobriu quase toda a Terra habitável, se é o mais antigo de todos os mamíferos dos nossos dias, não poderia ter recorrido a essa primazia para tirar proveito de todos os tipos de dietas antes de existirem sequer novos rivais? E se, ainda por cima, quando observado em cativeiro demonstra que pode mesmo ser omnívoro, porque é que decidiu dar ideias ao Urso Polar e ser carnívoro?

    Ah, pois é.

    A adivinha que se segue agora é que já não é para qualquer um.

    Antes de mais nada, qual é a dieta deste carnívoro, e de onde é que ela vem?

    O ornitorrinco revolve o fundo das águas onde mora à procura de camarões, ameijoas, peixinhos, larvas, vermes, cobras, ou outras delícias fáceis de engolir, juntamente com pedrinhas, lama, ou ainda raízes e caules aquáticos[9]. Não tem dentes, mas tem placas trituradoras nos maxilares, e é com elas que faz a primeira mistura de tudo isto, para depois a guardar  de reserva nas bolsas das bochechas[10]. Quando essas bolsas estão cheias, vem até à superfície, tritura tudo até fazer uma papa, e só nessa altura é que a engole. Depois vai logo para o fundo buscar mais comida.

    Porquê?

    Porque os monotrématos não têm estômago.

    Segue-se o grande sobressalto que seria de esperar.

    Mas…mas…

    Mas como não têm estômago?

    E, se não têm,

    porque é que não têm?

    polar bear standing in front of three walrus on water

    Olha que gaita, porque sim. Porque a evolução existe, a selecção natural também, e este grupo deu-se bem com o seu regime[11].  Para satisfazerem as exigências resultantes do sistema lunático em que se especializaram, os ornitorrincos passam doze horas por dia dentro de água à procura de alimentos.[12]. São óptimos nadadores, e estão altamente especializados nesse sentido. Numa performance que volta a recordar-nos o Urso Polar, conseguem mergulhar durante dois minutos blindando os olhos, os ouvidos, e as narinas.

    Ai é?

    Ah pois é.

    Não desistam ainda, camaradas e amigos. A série continua. Dentro de mais um mês, talvez venhamos a saber como é que os ornitorrincos conseguem encontram o seu alimento debaixo de água  com todos os órgãos dos sentidos blindados. E talvez este conhecimento os aproxime ainda mais dos ursos polares.

    Algumas charadas progridem muito devagar.

    Mas progridem.

    E a sua lentidão permite-nos ir pensando.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    N.B. O título é retirado de Tertuliano, padre do século II, nas primeiras fases do Cristianismo.


    [1] Ficamo-nos por “série” porque o contéudo não estica para “telenovela”. Nem ninguém leria nada do que se segue depois de semelhante introdução. Espero eu, não sei. Vivemos tempos difíceis.

    [2] Sabiam que, no século XVIII, quando já se conhecia praticamente toda a fauna do mundo e a Europa do Iluminismo foi a votos para escolher o Rei dos Animais, várias vozes se levantaram em defesa do CASTOR? Ah pois foi. Mas essa é toda uma outra história, que, por este andar, terá que ficar para bastante mais tarde.

    [3] Ah-ah! Mais um regresso do URSO POLAR. Alguém quer apostar qual será o último? Façam concursos, façam. Quando derem pelo que aconteceu, acabaram de celebrar os vossos respeitáveis setenta anos e de contrair matrimónio com uma espécie qualquer de semideus que vos entrou à noite a voar pela janela. Será que este semideus é o Espírito Santo? Bem, isso ele nunca confirma nem desmente.

    [4] Embora, no caso do Ornitorrinco, não se encontre qualquer evidência de que começaram por ser mamíferos absolutamente terrestres, como por exemplo os ursos. Daí a necessidade de uma classificação à parte também só para eles: não são terrestres nem aquáticos, são semi-aquáticos.

    [5] Et voilà. Ou seja, “ora aí está”, mas a Autora não quer exta pequena exclamação traduzida do francês. Insiste em exibir-se culta até ao fim. NT.

    [6] Duas espécias muito diferentes adquiriram características semelhantes ao longo do tempo devido às suas adaptações progressivas ao ambiente onde vivem.

    [7] Refiro-me aos que continuam a viver naquele que é desde há milhares de anos o seu habitat natural, e onde, de facto, tudo serve para alguma coisa. Esqueçamos, por favor, todos aqueles que vieram instalare-se nas cidades, onde vivem maioritariamente de orçamentos governamentais. É uma tristeza ver uma esquimó obesa, de fato de treino cor-de-rosa e ténis pretos com luzres que acendem nas solas, o cabelo pintado de verde já com as raízes à mostra e com uma permanente que também já começou a perder o vigor, a deitar para o lixo a sua terceira lata de Coors enquanto acende um cigarro e fala ininterruptamente com um grupo de gente tão feio de ver como ela. Claro que é feio, mas enfim. A vida não é nenhum conto de fadas.

    [8] Ou antes, está agora a começar a descer por escassez de comido mais a Norte – e a consequência imediata destas explorações desesperadas é que há cada vez mais ursos polares sumariamente abatidos a tiro.

    [9] É aquilo a que se chama um bottom-dweller, ou seja, um explorador do fundo. As nossas tainhas, por exemplo, fazem exactamente a mesma coisa. E querem lá saber se estão a revolver o fundo mesmo ao lado de um esgoto. Fritam-se, temperam-se com algum sal e muito vinagre, e quando chegam à mesa estão absolutamente deliciosas.

    [10] Aqui podemos, também, considerar que o ornitorrinco tem qualquer coisa de hamster.

    [11] Tudo bem, claro – quando ainda não existiam outros grupos, era um regime tão bom como qualquer outro.

    [12] Parte deste tempo passado na água deve-se ao facto de, muito embora sejam omnívoros, precisarem de ingerir todos os dias metade do seu peso em carbohidratos para manterem a energia e a capa subcutânea de gordura que os mantêm vivos e activos. Outra parte é porque precisam de procurar todos os dias alimento que chegue para ingerir todo esse peso alimentar. E, finalmente, uma última parte destas doze horas é preguiça: a água doce não tem tão pouca gravidade como a água salgada, mas sempre tem bastante menos gravidade que a terra firme.


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  • Já chega de lhes dar importância!

    Já chega de lhes dar importância!


    Para quem segue, com algum cuidado, a política internacional e as redes sociais, para quem passa alguns minutos nos cafés e supermercados e presta alguma atenção às conversas dos seus concidadãos, o aumento de votação no partido Chega só pode espantar por não ter atingido números mais elevados.

    Aos votos de protesto, de quem se sentia defraudado com os últimos Executivos, o que poderia fazer com que este partido chegasse aos dois dígitos, juntaram-se os de uma população que tem como única fonte de informação os canais de televisão com programas de terceiro mundo, os discursos populistas de quem tudo promete e as palavras de ódio contra os governantes que, no dizer daqueles, se servem do Poder para todo o tipo de ilegalidades.

    André Ventura, presidente do Chega. (Foto: D.R./Chega)

    Centenas de milhares de portugueses acreditaram que os autores destas promessas tinham capacidade, e interesse, em mudar.

    Melhor dizendo, quiserem acreditar.

    Quiserem acreditar com tanta vontade que deram de barato as constantes contradições nos discursos.

    A criação de milhares de avatares nas redes sociais, ajudou.

    Notícias falsas, acusações sem fundamento, elogios aos demagogos, tudo feito, na maior parte da vezes, por figuras fictícias, inundaram todas as redes sociais.

    A exemplo do que já acontecera com, por exemplo, Trump, nos Estados Unidos, Bolsonaro, no Brasil, Andrzej Duda, na Polónia e Tamás Sulyok, na Hungria.

    Todo este processo está estudado e foi excepcionalmente descrito no livro, de Giuliano da Empoli, “Os Engenheiros do Caos”.

    Um cartaz do Chega foi vandalizado, em Lisboa, durante a campanha para as eleições legislativas.
    (Foto: PÁGINA UM)

    Há que reconhecer mérito à máquina do Chega e lamentar a ingenuidade de grande parte dos nossos conterrâneos.

    Como aceitar, por exemplo, que conhecido o discurso de ódio contra os imigrantes os nossos emigrantes, tenham votado maciçamente neste partido, ao ponto de lhe dar a vitória nesses círculos?

    Gente que sofreu na pele a separação da família, o abandono da sua terra, a saudade dos seus costumes, da sua gastronomia, do cheiro do seu lar, unicamente para procurar uma vida melhor que garantisse o futuro dos seus filhos, consegue anos depois, mostrar-se contra os cidadãos de outros países que tentam seguir-lhes o exemplo trabalhando em Portugal.

    Como aceitar que gente que se diz defensora dos Direitos Humanos, gente que frequenta igrejas, e reza, aceite votar num partido que defende a pena de morte, a prisão perpétua e a castração química?

    Gente que consegue aceitar os discursos de um charlatão que vai contra as palavras do Papa e dos líderes das outras religiões.

    (Foto: D.R.)

    Como aceitar que portugueses votem em indivíduos que, em Plenário na Casa da Democracia, ofendem o Presidente da República de um País amigo, como o Brasil?

    Se pensavam que tudo mudaria se o partido crescesse, ao ponto de poder integrar o Governo de Portugal, devem ter ficado esclarecidos quando viram a reacção do líder à decisão do Partido vencedor quando este não aceitou, e bem, sequer ouvir as suas ideias e propostas.

    A explicação é simples:

    O PSD e o PS pertencem, desde a sua fundação, à mesma “família política”: a social-democracia.

    Têm, ambos, 77 deputados eleitos e mais de 1.800.000 votos, cada um.

    O Chega pertence à extrema-direita, nada tem a ver com a ideologia do partido vencedor, e conseguiu 50 deputados e 1.100.000 votos.

    O PSD quer, e bem, tentar governar sozinho.

    O PSD quis, e bem, ter a possibilidade de eleger, de entre os seus, o Presidente da Assembleia da República.

    Luís Montenegro, líder do PSD, sucede ao socialista António Costa no cargo de primeiro-ministro. (Foto: D.R./Foto oficial divulgada por António Costa)

    O Chega, desde que os resultados foram conhecidos, esqueceu as vaidades, a soberba, os discursos de vitória e passou a mendigar lugares e atenção.

    Ao não conseguir esses intentos, boicotou a eleição e prometia prosseguir nessa via por tempo indeterminado.

    Seguiu-se o normal: um entendimento entre adversários, civilizados, que optaram por, com custos para ambos, ultrapassar o problema.

    “Vale mais um mau acordo que uma boa demanda”, é um provérbio antigo.

    Seguiu-se, de novo, a soberba e a vaidade:

    “Vamos liderar a Oposição!”, garantiu o líder de um partido com 50 deputados acreditando que o que dispõe de 77 lhe dará essa hipótese.

    Após o que voltou aos discursos populistas e raivosos.

    André Ventura criticou o acordo entre PSD e PS para a escolha do presidente da Assembleia da República. Ventura acusou o PSD de colocar o interesse partidário e a pressão da extrema-esquerda acima de Portugal e da estabilidade. (Foto: Captura a partir de imagem da AR-TV)

    No primeiro discurso da nova Legislatura, começou com as ameaças de represálias tratando por tu, em Plenário na Casa da Democracia, o primeiro-ministro eleito, e ofendendo, com linguagem de taberna, o presidente cessante da Assembleia da República.

    Ao líder do CDS garantiu que este só estava no Parlamento graças ao PSD, que o aceitara numa coligação, esquecendo que, desde que se conheceram os resultados, pedira insistentemente uma reunião, “onde o líder do PSD quiser, à hora que quiser”, para ver se este aceitava coligar-se com ele no Governo.

    Ficou a falar sozinho.

    Pode ser que todos os que nele votaram, por se sentirem zangados, desprezados, humilhados, até, compreendam que essa não é a escolha certa.

    Quem dera que este episódio tenha sido mais um aviso de que chega de lhes dar uma importância maior do que aquela que merecem.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • Os do “fascismo nunca mais” e a liberdade

    Os do “fascismo nunca mais” e a liberdade


    Por um processo doente e travesso fui descobrindo como um discurso com memória de postal se sobrepõe à realidade. A memória de postal é a imagem de coisas que vimos, mas não visitámos. É a memória fotográfica da infância que assumimos na adultez como vivenciada, mas é um embuste da memória. A larga maioria do vivido até aos seis anos é esquecido. A ideia de que se recorda de mamar é uma irrealidade.

    Neste processo de recordação, as pessoas tendem a não perdoar. As pessoas que valorizam o trauma e dão primazia à dor (involuntariamente ou não) sofrem obviamente mais que as do copo meio cheio. Esta capacidade inata para o optimismo ou a visão benigna foi levada à hipérbole no filme de “A Vida é Bela” sobre o judeu Guido Orefice.

    Roberto Benigni, realizador de ‘A Vida é Bela’, numa das cenas do filme no qual é também protagonista.
    (Foto: D.R.)

    Já os do copo meio vazio observam sempre a borra do café, excluem todos os brindes para lá do estritamente pedido, desgostam de mudanças, insistem teimosos na sua observação icónica. Para eles os outros têm culpa. A culpa nunca é deles.

    Os do “fascismo nunca mais” pertencem a este plano inclinado onde o mundo se divide em bons e maus e os primeiros nunca cometeram crimes.

     Já agora, os bons são sempre, e somente, eles. A visão retorcida de um mundo onde Estaline não cometeu erros, onde as barbaridades pintadas de ideologia socialista se justificam por um bem maior. Para eles a culpa não tem fim. Os do holocausto foram os alemães, e, portanto, desconfiam de todos eles. A visão retalhada da história onde o genocídio de 1994, em cem dias, de oitocentos mil tutsis no Ruanda, pela mão dos comandados por Agathe Habyarimana foi encoberto pelo partido socialista francês, não conta! O genocídio de mais de cento e cinquenta mil alemães em Dresden, depois da rendição em 1945, não conta. Foi uma ordem trabalhista. O Holodomor entre 1931 e 1933 que matou milhões de ucranianos, às ordens de Estaline, não existiu. A morte dos opositores de Fidel Castro não existiu. O mundo da esquerda foi-se pintando desta maré de lavar os erros dos bons e colocar à tona os dos maus.

    E o que é a expiação de culpa? Depois dela continua a mágoa e o crime? Os crimes de direita, admitindo como só existindo esses, não prescrevem? Os assassinatos do Primo de Rivera são eternos e os da Dolores Ibarurí (a Pasionara) prescrevem?  A ela se atribui a frase: “Más vale matar a cien inocentes que dejar escapar a un solo culpable”. Uma doçura!

    Monumento em Memória das Vítimas do Comunismo, em Praga, República Checa. (Foto: D.R.)

    É por esta forma viciada de observar o mundo que os do fascismo nunca mais defendem agora a coartação da liberdade na internet, a redução da informação às verdades que eles escolhem, os discursos inflamados contra todos os que não são os bons. A unidade dos partidos de esquerda em Portugal é um sintoma desta perniciosa realidade. Todos utilizam estribilhos ofensivos e arrogantes contra os partidos de direita. Os maus (sempre a direita) querem as trevas, o obscurantismo, o fim do SNS, o fim da educação para todos. Na realidade, nada disto é verdadeiro e nada disto tem respaldo programático ou da prática recente.

    Recentemente um velho conhecido escrevia-me – “não quero que os meus amigos leiam o que tu escreves” – e assim me retirou dos seus espaços sociais. O democrata, que teve liberdade de usar o meu espaço sempre que quis, e dizer o que lhe apeteceu, censurou-me! Diz-se de esquerda, como habitual. É um dos do “fascismo nunca mais” desde que mande eu! Direi como Dolóres Ibarrúri – No pasarán!

    Diogo Cabrita é médico


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  • Chaves 1.0

    Chaves 1.0


    Depois de uma crónica em dia de eleições, outra em ‘dia da crucificação’ de Jesus, não o JJ. O futebol, sabido está, é quando os homens (e mulheres) querem, e portanto o que vale um sufrágio democrático ou a quadra pascal quando há tantos golos a marcar e frustrações a terminar. Ou a falhar e a criar.

    Hoje, declaro já, só um 15 a zero me deixará satisfeito. Ou menos irritado. Quer dizer, menos abespinhado, porque agastadiço já estou. Neste momento, preciso, para ser exacto. Então não é que chega este vosso escriba às imediações da Varanda da Luz, e uma sádica amiga lhe envia um magote de fotografias de rangos sem fins na bancada VIP do estádio, a saber: sandes de leitão, caril de galinha e legumes, arroz de cardamomo (que, confesso, fui ver o que era), bacalhau à lagareiro, massas, pães, bolos, mais bebidas à discrição – e eu, enfim, levo com o farnel costumeiro, mudando-se apenas a baguete para o recheio de atum, se calhar por causa da quadra pascal.

    (o jogo entrentanto começou, já vai em cinco minutos, uma oportunidade de golo, mas nada…)

    Em todo o caso, sabem já bem os meus (poucos) leitores que, em questões essenciais, como sejam jogos de bola, tento sempre encontrar, para prever resultados, sinais racionais, onde as leis da probabilidade funcionam, e também outros sinais mais esotéricos, como sejam fezadas. Por vezes, misturam-se.

    Do ponto de vista objectivo, o 15 a zero é possível, atendendo que o Desportivo das Chaves é o último, com a pior defesa, tendo já empratado 56 golos. Bem, isto dá ‘só’ uma média de 2,15 golos sofridos por jogo, longe dos 15 que merece hoje levar terras transmontanas, mas convenhamos que se o Farense e o Arouca já lhe meteram cinco cada, e o Boavista e o Estoril quatro cada, então não é impossível para o Glorioso. Basta jogar um bocadinho melhor do que o Porto… que só lhes ganhou 1-0 nas Antas, no final de Dezembro.

    Talvez a contribuir para aumentar as chances do 15-0 estará o João Mário, porque hoje, pelo menos até aos 65 minutos – altura em que o Roger Schmidt costuma fazer as substituições – em grande parte do tempo de jogo ocupará a posição de extremo quieto… no banco. Acho que o nosso colunista Tiago Franco, que o ‘adora’, estará, por estas alturas, particularmente feliz.

    (penalty… é mesmo penalty! caramba, estava difícil o árbitro descortinar uma cotovelada de um defesa do Chaves na cara do Bah, nem com o VAR o homem se decidia… Anda lá, Angelito, o 15 a zero já é mais uma miragem, que quimera se mostra, pois já vamos no minuto 25, mas pelo menos faz o gosto ao pé e descansa a malta… mas que merda foi esta? Porra: até eu não faria pior; um chutezo para o lado direito do guarda-redes que nem sequer teve de se esforçar muito)

    Como isto vai, temos então em perspectiva mais um jogo de caca, passe a expressão – que passará, que eu não censuro palavras –, pelo que nem sei bem se vale já a pena elencar os supostos alegados eventuais esotéricos sinais que me esperançaram, antes do apito inicial, a ver um 15 a zero. Bem, não perco nada, até porque são coisas parvas referem-se ao número da minha acreditação de hoje ser o 55 e o número da senha do ‘farnel do Benfica’ ser o 10…

    Bem, nem eu sei bem que lógica (ou ilógico raciocinio) me poderia servir para fazer que um 55 e um 10 fosse dar, por artes de haríolo, num 15 a zero. Podia juntar um dos 5 ao 1 e ficava com o 0 do outro lado, mas o que faria com o outro 5? Escafedia-se.

    (e nestas andanças se fez uma miserável primeira parte, condizente com um tempo de porcaria, para não dizer de merda, ao qual responde, ou corresponde, bancadas a meio gás)

    Com o intervalo morno, se calhar caía-me bem agora era uma sandocha de leitão, mas tinha de ser da minha Bairrada… Enfim, mas também não me posso vender. Ou assim por tão pouco…

    Bem, como isto se escrevinha em tempo real, sempre terei agora um tempinho, que esta crónica – a última em que falarei do meu desejo de ver um 15 a zero – está uma bosta e já nem sei bem que dizer, para divulgar nas redes sociais a ‘nossa’ (do PÁGINA UM) análise sobre as duas dezenas de Resolução de Conselho de Ministros de António Costa que condicionam o Governo de Luís Montenegro. Escrito esta tarde, antes de vir para esta malfadada Varanda.

    (a segunda parte recomeçou… tudo como dantes no Quartel de Abrantes, ou seja, segue parca ou porcamente mal)

    Isto está tão fraco que, na verdade, acho que houve um sinal, sim, mas aziago, que é a poça de água ao fim das escadas de acesso aos elevadores da comunicação social aqui do estádio. E eu até fotografei o aviso de piso escorregadio…

    Passa o tempo e vem a desesperança. Eu sei que não deveria dizer isto numa crónica ‘comprometida’, que não é jornalística: o Benfica este ano só ganha o campeonato por milagre! E isto aplica-se também a este jogo, parece-me.

    (olha, outro penalty, e indicado pelo VAR, que ainda por cima agora anuncia a ‘coisa’ pelos altifalantes… vamos lá, Arthur Cabral, não faças o mesmo que o Di Maria, chuta mellhor… mas que merda é esta?… falhou; está tudo doido)

    Ainda por cima, envergonho-me perante o sportinguista Bruno Cecílio – com quem estava ao telefone, quando o Arthur Cabral se preparava para rematar, de sorte a combinarmos a hora para amanhã continuarmos a montagem de estantes na nova redacção do PÁGINA UM na rua… –, que ainda por cima teve o desplante de dizer que, e cito, “isso deve ser tudo uma roubalheira”.

    (bom, não sei é ou não, houve, é certo, um jogador do Chaves a invadir ligeiramente a área entes de o Arthur Cabral ter rematado, e, enfim, o VAR assinala repetição da grande penalidade… vá, segunda chance, Arthur Cabral: não nos lixes! Fornicou-nos! Falhou outra vez! Inacreditável. Cepos!)

    Vou desistir da crónica. Há dias da manhã que um cronista à tarde não pode pensar escrever à noite.

    E, sendo eu cada vez menos crente, apesar de baptizado e com comunhão, vou dedicar estes últimos 25 minutos a rezar, não pelo Benfica, que assim não tem remissão possível, mas por mim, para que venha um qualquer golito, um à Vata contra o Marselha há mais de três décadas, e dessa sorte não ser, como benfiquista, gozado por lagartos e tripeiros…

    (olha, golooooooooo…. do baixote João Neves [quer dizer, é mais alto uns seis centímetros do que eu], que ‘penteia’ ligeiramente um centro do Di Maria, e enfia a bola mesmo no cantinho da baliza)

    Pronto, se não houver mais nenhuma surpresa, fico-me por aqui. Daqui a nada de certeza que entra o João Mário e, assim, com probabilidade elevadíssima, manteremos a vitória… por 1 a zero… Foi você que pediu mesmo um 15 a zero?

    (dito e feito, entrou o João Mário ao minuto 82, e tudo ficou como estava, com ele a fazer cerimónia e a falhar novo golo)

    Temo, ou lamento, ter sido uma fortuna a minha decisão de somente escrever as crónicas da Varanda da Luz em dias de jogo da Liga. Terça-feira, a jogar assim na segunda-mão das meias-finais, contra o Sporting, não me parece que fosse ver milagres como o sucedido aqui em Novembro passado.


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  • O circo máximo de Ventura

    O circo máximo de Ventura


    Começamos a perceber, por esta altura, um pouco melhor daquilo que é o plano do Chega para esta legislatura. Corrijo: o plano de André Ventura. O Chega, mesmo com 50 deputados, continua a ser o partido de um homem só, que se desdobra em entrevistas e que, diariamente, é entrevistado por um canal qualquer para dizer uma série de alarvidades, desmentidas 10 minutos após a saída do estúdio.

    Ventura vive, entre nós, aquele famoso momento Trump: “poderia dar um tiro em alguém na Quinta Avenida e, mesmo assim, nada me aconteceria”.

    Para os eleitores do Chega, não há um incómodo com o chorrilho de mentiras que o querido líder debita em cada entrevista? Bem sei que tudo é dito com uma altivez de estadista indignado, mas, no fim, são apenas mentiras.

    A última foi sobre o deputado eleito pelo círculo europeu, ilegal em França e expulso por via disso, que, segundo Ventura, tinha dado o “salto” para fugir à guerra do Ultramar… em 1976. Provavelmente, ninguém lhe tinha contado que a revolução acontecera dois anos antes. Também pode ser isso. Ele podia acreditar que estava a fugir de uma guerra, como Ventura acredita que está a fazer o trabalho de Deus. O nosso, o filho do carpinteiro; pois, se forem enviados de outro deus qualquer, a começar pelo profeta, é dar-lhes guia de marcha, que o Martim Moniz já está a rebentar pelas costuras.

    Mas tudo bem. A mentira não vos incomoda, até por que “todos os políticos são iguais”, certo? Mentem de manhã até à noite.

    Sendo assim, o que dizer do partido que se declara anti-sistema e que se prepara para “limpar Portugal”, mas que só aceita as regras do jogo se fizer parte do arco da governação? Há mais sistema do que isso?

    Ao verem a chantagem diária e o pedido incessante de Ventura para que o deixem jogar também (leia-se entrar no governo), não ficam com a sensação de que ele nunca quis limpar nada, mas quer, simplesmente, chegar com a mão ao pote? Não? Também não? Tudo bem. Temos tempo para lá chegar.

    Se este triste espectáculo da eleição do Presidente da Assembleia da República nos ensinou algo, foi a percebermos, desde a primeira hora, aquilo que o Chega vai fazer nesta legislatura.

    É relativamente simples: Ventura vai chantagear, todos os dias, Luís Montenegro. Ou passa a bola, ou terá problemas para aprovar tudo e um par de botas, a começar pelo Orçamento do Estado, e ficando, assim, obrigado a negociar com o Partido Socialista.

    Para isso, vai repetir sete vezes ao dia que o Chega representa 20% dos eleitores, deixando de parte, como é óbvio, os restantes 80% que não quiseram ser representados por uma força extremista que não respeita a Constituição Portuguesa. Mais: muitos desses 80% votaram em partidos de direita que disseram, a partir de certa altura da campanha eleitoral, que não haveria coligação com o Chega. Esses, a maioria, são os primeiros que devem ser respeitados, e o “não” de Montenegro, deve mesmo ser não, apesar de algumas pressões que chegam de dentro, nomeadamente pelo CDS.

    Ouvi Cecília Meireles – uma personagem particularmente irritante pelas tentativas de normalização da extrema-direita – dizer que “era o que faltava que a Aliança Democrática não pudesse falar com o Chega, quando o PS fala com partidos antidemocráticos como o PCP e o BE”.

    Ora, eu já aqui expliquei, algumas vezes, que comparar um partido que lutou pela democracia e que defende diariamente a nossa Constituição, com outro que a quer ignorar e fazer tábula rasa dos direitos que lá estão inscritos, é uma daquelas idiotices sem tamanho. É a nova narrativa que a direita e alguns comentadores com espaço em horário nobre vão ensaiando.

    Primeiro, o PCP era “negacionista” porque organizava o Primeiro de Maio ou o Avante, seguindo todas as regras de distanciamento. Como, por exemplo, acontecia na Suécia. Depois, o PCP passou a putinista, porque, apesar de falar mal de Putin desde 2000 (quando a União Europeia lhe beijava os pés a troco de gás), defendia uma solução de negociação para a guerra da Ucrânia (que obviamente acontecerá, como a Administração Biden já assumiu). Agora que é necessário validar uma aberração antidemocrática como o Chega, o PCP também é pau para toda a obra, entrando nas mentiras de um contra-ponto à esquerda.

    O PCP é o Fredrik Aursnes da política portuguesa.

    Aquilo que eu espero, sinceramente, é que o Ventura não cesse de falar em estabilidade, enquanto chantageia o Governo diariamente. Aliás, até desejo que o faça até nova queda e eleições. Pode ser que chegue à maioria absoluta no próximo sufrágio e aí, todos os pobres, trabalhadores e dependentes do Estado social que votaram nele, percebam finalmente o buraco em que se meteram.

    Até lá, é desligar a Fox Comedy e sintonizar no canal do Parlamento.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • A realidade, esse estranho fenómeno inabitado

    A realidade, esse estranho fenómeno inabitado

    As intermitências da linguagem permitem-nos entender o mundo (seja lá o que isso for). Ou parte dele. Assim como que um truque, ou um drible.

    Há sempre por perto alguém que nos quer enganar, inclusive a nossa própria consciência (inconsciência).

    Aquilo que existe fora da continuidade e do expectável, devolve-nos a alegria de quando achávamos que tínhamos futuro. Um futuro só nosso.

    E é nessa coisa-tempo, dentro dos sonhos, que quando melhor vemos a Realidade, porque ela é linguagem pura e comporta todos os sonhos do mundo, em que tudo faz sentido e o seu contrário, como se houvesse Deus, o que é para rir.

    Como se o Fernando Pessoa tivesse tido uma vida real e até fosse possível desenhar-lhe uma biografia.

    Convém é saber descodificar algumas “línguas” vivas da contemporaneidade para não sermos apanhados na curva… Numa curva carregada de psicotrópicos e de loucos varridos.

    É como se tivesse um pouco de todas as moléculas de toda a gente ao mesmo tempo, ao meu alcance para poder aceder à Realidade. Estão a ver?

    É lindo!

    E liga-nos em êxtase!

    Estarei maluco? Claro que não.

    Há aqueles, como eu, que tentam frequentar a Realidade de quando em quando, mas não a vivem na plenitude porque isso não é efectivamente fácil. Para ser desenvolvida a ideia implicaria mergulharmos noutro paradigma, quando essa acção deveria ser o acto mais natural e acessível de todos, devendo-se isso, a termos frequentemente imaginação a mais, logo sonhos a menos, perdendo-se a espontaneidade. 

    Por isso não convém sermos assim tão hiper-realistas, e caminhar com humildade por entre as palavras, como se se tratasse de uma ilha rodeada de letras que por sua vez compõem frases imperfeitas quase saídas da matemática do Chat-quase-humano, que já se banalizou.

    Confusos?

    Evidentemente que não.

    Claro que todas estas cenas podem não vir da nossa imaginação.

    Dúvidas?…

    Pois claro, quem as não tem?

    Podemos mesmo ter caído no caldeirão da imaginação quando éramos pequenos. Da imaginação dos outros. Tipo Obélix e a poção mágica vinda da cabeça do Goscinny.

    E realmente efectuar a tarefa não se afigura fácil, porque dormimos em excesso acordados, o que nem sempre é mau, mas bolas também há limites.

    É tipo droga, para ser vulgarote.

    Todo o tempo, também a dormir… Era desnecessário.

    E ao contrário do que toda esta circunstância nos possa indicar qual Pedro, qual lobo, qual cordeiro, já não sonhamos, somos sonhados.

    Sim, sim.

    Passemos então à acção com naturalidade.

    No domingo de dia 10 de março, quem ganhou foi a Realidade e não a AD nem o Chega como dizem para aí. Muito menos o Livre muito pouco free.

    Teria de acontecer um dia, por muito que uma pessoa não queira, ou mesmo que um comentador no abstrato não o deseje, que pelos vistos não tem assim tanto poder de influência quanto pensa ou pensava, sobretudo quando a onda se prepara para cavalgar e ultrapassar aquilo que eles consideraram serem as linhas vermelhas. Os comentadores se fossem aos óscares, estariam só a concorrer ao prémio dos melhores efeitos especiais como se ostentassem apenas um curso de audiovisuais mal amanhado da Restart

    A Realidade aparece de vez em quando em força como um tsunami ou uma doença relâmpago, servindo assim para alimentar em fartura o inconsciente colectivo que tem andado bastante apático nas últimas décadas (no mínimo), e a consumir muita ficção, que à força da sua inusitada premência viciante nos fez distanciar uns dos outros, o que às vezes até pode dar jeito, mas que raio… Já chega também. É que a Realidade também corre o risco de ser viciante mais do que estar viciada.

    Quando as coisas correm bem, a vida corre bem como diria algum jogador de futebol algures num banal estúdio qualquer ao acaso.

    Para caracterizar o futebol diz-se que são onze para cada lado e ganha sempre a Alemanha. Aqui e aproveitando o princípio, podemos dizer que as eleições são compostas por muitos partidos a concurso que irão dar 230 deputados, mas ganha sempre o Ricardo Araújo Pereira. O do “olho em terra de cegos”. O cómico engraçado e inteligente. Andam todos a trabalhar para as suas piadas. O Herman e o seu ecletismo mimético engenhoso já foi ultrapassado há muito, mesmo com prémios institucionais, talvez por isso.

    Mas o RAP está a perder a piada assim como a Alemanha a hegemonia futebolística. Se calhar nunca tiveram assim tanta piada ou hegemonia. A História e a estatística que façam o seu trabalho um dia que se façam contas à vida.

    O Chega da nova geração de antiácidos, e que é neste momento a denominada doença nacional e o portador das mensagens do Além, que neste caso e por paradoxal que pareça, assemelha-se a uma representação plausível da Realidade, traz novidades na dança das cadeiras.

    Ninguém está com isto a dizer que a Realidade é uma cena boa e saudável, não convém é ignorá-la porque então corre-se o risco de rapidamente começarmos a marcar consultas em psiquiatras, psicólogos e até em homeopatas e astrólogos, cujo planeta e o futuro cheiram mais a dólares que a erva fresca. Mas os técnicos de saúde mental também precisam de outros técnicos de saúde mental que por sua vez…

    O partido Chega não só a anuncia como também faz parte dessa realidade, e se mais pessoas  tivessem andado atentas durante o período do uso de máscaras (já que elas não só taparam as bocas, mas frequentemente os olhos), perceberiam que o fenómeno estava a normalizar-se por toda a Europa, tendo até nesse período chegado ao seu zénite no Youtube e companhia.

    Os organismos oficializados andavam obcecados com casos covid e com mortos pandémicos, não se falava mesmo de outra coisa, e até se achava bem multar pessoas por estarem a comer em carros sozinhas, e era evidente que o mundo não tinha parado, andava mesmo noutras galáxias a negociar à grande, mas as máscaras, os jornalistas e outros actores que não são para aqui chamados faziam tudo para que não se visse.

    Negociava-se à grande e à chinesa por entre morcegos e pangolins. 

    E dividia-se o mundo mais uma vez, mas ia ficar tudo bem. Agora os jornalistas choram por credibilidade e dinheiro.

    Temos pena. Vai ficar tudo bem.

    Não se admirem se em breve virem o Pedro Marques Lopes ou outro(a) parecido a conduzir um Uber porque também chegará a vez deles de ficar de fora na estranha dança das cadeiras. Neste caso talvez o Pinto da Costa se continuar presidente com a sua lábia nortenha e vencedora lhe dê mais uns trocos a ganhar para dizer umas banalidades azuis, já que os comentadores nunca escondem as suas cores clubísticas ao trazerem para estúdio o kit completo na esperança da esmola televisiva.

    Quem quisesse assistir ao jogo fora da pandemia teria oportunidade de ver os patriotas a declararem guerra aos globalistas sem passar pela casa de partida que seria a História (bem ou mal contada, segundo os lados e as academias), passando por cima de todos os vírus e bactérias, sendo mesmo até considerado negacionista quem ousasse pensar.

    Enquanto os comentadores, separados por vidros assépticos iam falando de coisas inimagináveis inseridos na nova narrativa do videojogo.

    Muitas dessas personagens televisivas e jornalísticas desconhecem os criadores de Jogos, uma vez que não havendo Deus, a vida é sempre um jogo como o título de um filme sobre snooker em que o bem e o mal dependem mais do editor que do Papa, que curiosamente vai-se transformando ele mesmo paulatinamente e de acordo com o guião num editor da filosofia woke também. O que é para rir sem pecado.

    Mas ainda nos vendem jornais celestiais impregnados de colectivismo, mas do mau, como o colesterol.

    Por falar em dicotomias, enquanto os maus eram também os vírus e os negacionistas de vírus, a Realidade ia fazendo calmamente o seu trabalho sempre orquestrado pelos do costume que segundo as notícias oficiais do jogo, nos queriam salvar de morcegos, pangolins, e de morcegos esfomeados a comer pangolins debaixo da prosa jornalística cujo actor principal era o inenarrável Rodrigo Guedes de Carvalho que de idiota útil nada tem.

    E pelos vistos salvaram, não foi?

    Agora resta-nos ficar atentos até ao próximo capítulo deste filme que, caso estivesse integrado na grelha da Netflix seria na rubrica de terror contemporâneo que mete muito medo.

    Fará, no entanto, tudo parte da mesma ficção?

    Claro.

    Steve Bannon que o diga.

    Para quem não conheça o homúnculo da nova alquimia política, deveria estudar mais a sua passagem pelas direitas europeias com ligações profundas a Israel, mas este texto não habita um quarto com vista para esse deserto, até porque não temos informação completa e estudada do fenómeno sionista e o próprio Bannon anda desaparecido da Net, o que tornaria a tarefa de investigação mais ao estilo Philip Marlowe e daria certamente pancadaria e sangue na tentativa de chegar a algum lado.

    Como sempre, o caminho da sabedoria e conhecimento deverá ser feito com calma para que um dia possamos vir a dominar assuntos, e que o desejo em si, passe para outro plano, senão corremos o risco de nos tornarmos dogmáticos e depois só podemos jogar futebol dentro da mesma equipa sempre contra os mesmos jogadores, pondo de lado o prazer de ver as jogadas dos adversários reais e plausíveis, em jogos cujos árbitros desapareceram do relvado.

    A democracia tem o condão especial de se auto-sabotar. Assim o jogo torna-se cansativo e chato. E por isso é melhor alguns começarem a pensar já numa second life.

    Nesta fase do campeonato, houve bastantes transferências que abalaram a liga.

    Desde que haja divisão e luta entre as pessoas, com ou sem razão, é sempre positivo para o Poder, segundo os clássicos princípios maquiavélicos, para que o reino tenha sempre os motores a bombar ácido para a maralha… Que somos nós.

    Os jornalistas, comentadores e partidos tipo Chega depois vão fazendo o resto do trabalho sujo, destruindo a realidade com r pequeno.

    Os comentadores de uma forma geral são bastante totós, já sabíamos, talvez por isso sejam comentadores. Não comentam, vomitam palavras e não percebem nada de muita coisa como convém para o espectáculo da democracia continuar a ter os holofotes a bombar watts. Mas alguns queimam-se na floresta mediática. Desta vez serão muitos. Não havendo bombeiro com água na mangueira para apagar as chamas da nova inquisição.

    Não há já muito dinheiro para aguentar tanto verbo e apagar tantos fogos auto-impostos como convém para perpetuar a democracia. Já os políticos da nova mensagem vêem o seu prazo de validade ainda longe, uma vez que a onda ainda vai no adro e ganharam algum espaço de crescimento, o que se verá certamente já nas Europeias que são para os votantes, e mantendo as analogias desportivas, a taça Intertoto da UEFA.

    Enquanto isso o GPT continua à espreita de vítimas circenses que são sempre as melhores e mais apetecíveis, chegando às vezes a ser divertido. Os comentadores andam assustados.

    Sem dúvida que se trata de um western contemporâneo cheio de bons e maus, conforme o ângulo por onde se olhe, transpondo-nos para a clássica literatura que, em simbiose com a Realidade, deu-nos obras de arte cujo resultado provavelmente somos nós, os seres humanos com as suas eternas vicissitudes.

    Soa sempre bem falar em westerns, e tem a ambiguidade necessária para me distanciar dos extremos tão nefastos, então agora que o parlamento está cheio de cowboys.

    Como diz um amigo meu, a esse novo partido-doença só falta ter lá em exposição o índio dos Village People, já que tem polícias e o resto do folclore necessário para se disfarçar de ideologia. Até tem o Marcus, um lutador luso-brasileiro que quer confrontar os racistas de esquerda, segundo o que está escrito no seu velho Twitter.

    Estarão a fazer uma actualização da farsa setentista cheia de cor e kitch antes da mimesis de zeros e uns que deu nova hemoglobina ao sangue e que apareceu de rompante com a internet?

    Haverá sem dúvida muita adrenalina nas casas de banho do parlamento.

    Para assistir ao circo cada vez mais imbuído de realismo, bastou nessa noite eleitoral olhar atentamente para os comentadores habituais das televisões que são mais de cem e que sem dúvida, nos ofereceram um bom espectáculo televisivo em noite de Óscares que também andam pelas ruas da amargura, à espera da dose gélida de neo-realismo (já que falamos de cinema) que lhes apareça como um terremoto politicamente incorrecto pelo veludo da passadeira e dos vestidos grená adentro, para voltarem a ter as audiências que o Trump levou.

    Como se tivesse sido o vento.

    Como se vê, só falamos de boa gente como diz o ex-povo.

    É preciso desconfiar das catástrofes naturais politicamente correctas porque começam a faltar troncos para nos agarrarmos, na esperança da salvação.

    Sabemos, por outro lado que é a própria indústria quem tem o poder de construir ficções, o que noutro tempo esteve entregue às religiões.

    Mas o que é sinal do nosso tempo é a própria indústria ter metido os óculos da Realidade virtual (RV) e não ter tido a capacidade de os tirar a tempo como as religiões fizeram chegado o fim do episódio para passar ao seguinte. As religiões pareciam mais certinhas no acerto do compasso.

    Como se as catástrofes fossem naturais.

    O século XXI prescinde dessas religiões e abraça outras que já não nos prometem a vida depois da morte, mas sim a própria morte, por isso no domingo 10 do 3 de 2024, houve mais alguns actores que perceberam o seu fim vendo por exemplo os seus parcos empregos em risco, embora o caminho para o desemprego em estúdios assépticos já tivesse sido anunciado há muito.

    Os canais televisivos estão em falência técnica. Nem o polígrafo pode desmentir. Polígrafo quase pago na totalidade pelo Facebook.

    Por isso os comentadores são mais que as mães e até já têm juniores a fazer comentário, tipo estagiários a custo zero como sintoma da democracia dos pobres.

    Um dos vitoriosos da noite das eleições foi o Pedro Nuno Santos que dias antes tinha provocado o Ricardo Araújo Pereira, ao assinalar-lhe que o seu canal do grupo Impresa era um dos grandes devedores nacionais, como quem avisa para se pôr a pau. O desconforto do RAP foi evidente. Coitado do rapaz que foi apanhado à traição não estando minimamente preparado para as provocações alheias fora do guião.

    Nos Óscares, os actores principais ainda custam milhões, mas por estes lados lá pelos plateaus ficcionados, imaginamos que estes actores-comentadores andem muito baratos para nos explicar o que vai na cabeça dos políticos. Desta vez, deu mesmo para perceber que as pessoas não são assim tão estúpidas nem os comentadores são assim tão espertos e o resultado trouxe algum espectro de Realidade. Mas só algum.

    Acredite-se ou não, no momento em que finalizo este texto, todos os canais de televisão promovem debates e tertúlias intermináveis sobre o cancro da Kate Middleton, pessoa que eu desconhecia até então. Esses mesmos jornalistas que moderam os debates e tertúlias são aqueles que ostensivamente e moralmente julgam qualquer frase dita por alguém do Chega. Eu também o faço amiúde, também questiono à grande essa inflamação, mas não ando a moderar parvoíces televisivas.

    Tenho mesmo a sensação de que alguns vivem e dormem nos edifícios onde estão os plateaus como o Sebastião Bugalho, que está sempre pronto para ser o bombeiro de serviço. Muitas vezes até o imaginamos de pijama na parte que não é visível. Coitado do puto que ainda não tem autorização para discordar do chefe Ricardo Costa que parece mesmo ter feito desses não-lugares o seu paraíso artificial.

    Mas esse jornalista-director-irmão é mais perspicaz e sapiente que os outros e lá vai sobrevivendo aos abanões de terra como uma térmita bem preparada. Não quer dizer que seja melhor pessoa, mas no jogo do simulacro Debordiano é rei.

    O Sebastião, por quem até nutro alguma simpatia televisiva, parece um desenho animado do Charlie Brown e talvez por isso não costume levá-lo muito a sério. Quando não se tem barba e se tem ar de chavalo, não se deveria usar blazer e muito menos gravata. Parece que este tipo de pessoas está sempre vestido para ir à catequese ou a um casamento. Fica o conselho Gaultier.

    Há uma jornalista-Robocop da CNN que é adorável ver em acção. Já corporiza o novo ciclo que aí vem. Chama-se Ana Sofia Cardoso. Sempre que entrevistar o André Ventura, tentem não perder. Nunca o polícia mau havia chegado tão longe, ainda por cima um polícia mau Robocop.

    Gélida, incisiva e espectacular, embora feitas as contas, o político-espectáculo-do-momento dê ideia de conseguir sacar sempre mais uns votos. A vítima perfeita com um carrasco à altura. Só visto em filmes de acção. De vez em quando os jornalistas têm a mania que são jornalistas e ainda fazem pior. Talvez fazer jornalismo seja ouvir, para o público poder escutar também. Mas a gritaria e cacofonia já não vende tantos champôs, mas pelos vistos continua a render votos.

    O que é curioso e fruto de uma aprendizagem, é que a Realidade não é grande nem é pequena, é a Realidade. Ou cabem todos ou não cabe nenhum. O sol quando nasce deveria ser para todos, assim como os novos jogos da PlayStation.

    E parece que o tempo está a começar a ajustar-se ao espaço televisionado para mal dos protagonistas em que a realidade sem R maiúsculo se torna inimiga, fazendo mesmo, estranhamente, com que os actores se auto desmascarem.

    E quando algo inesperado faz o ajuste, (infelizmente muitas vezes são as estúpidas guerras), parece que o denominador comum faz o seu papel. Por isso o mundo anda sempre à procura de conflito. O Poder sabe isso, mas também vai precisando de raios de sol que brilhem o suficiente até ao seu suicídio, como na Grécia Antiga ou em Roma.

    Desta vez não fazemos ideia se será possível a analogia porque entra um novo player para baralhar, chamado IA. Já para não falar da sempre nefasta possibilidade nuclear.

    Quando o planeta se reajustar à sua verdadeira dimensão, presumo que haja festa à séria e que a violência fique para segundo plano, presumo também, que isso nunca tenha acontecido.

    Vale a pena viver e ter esperança, a magia pode acontecer desde que não se confundam os mágicos com as marés e marinheiros. E há sempre uma primeira vez, como diz o ex-povo.

    Para a grande maioria, a Realidade já era.

    Aquilo que lhes contaram e ensinaram já não se verifica facilmente com contas de cabeça preguiçosas. Antigamente ainda se podia enganar a Realidade porque havia excedentes de muita coisa. O excesso permitia ocultar o tempo, mas ocultar o tempo é a maior das armadilhas,

    sabemos por experiência.

    Contaram-nos uma história de violência engraçada, mas o tiro saiu muito ao lado.

    Assim a Realidade vai ficando sem ninguém como um deserto.  Ela existe, sei-o pelos sonhos, mas quase ninguém anda por lá.

    Ah! E se ela é fresca e cheia de sombras (porque há sol)!..

    A Realidade não tem género inclusivo, tem literatura.

    E se há coisa que distingue a Realidade dos outros jogos cujas regras nos ensinaram, é que lá os mortos falam a nossa língua porque aí, e deixemo-nos de brincadeiras, a morte não existe.

    O que existe somos nós, os “mortos”… De medo de estar a perder alguma coisa de essencial.

    Bem vistas as coisas, e prescindindo das análises dos anormais da moda, a Realidade corre mesmo o risco de existir e de ser recomendável.

    Já viram? Parece sempre tudo a brincar.

    Viver, começa a ser urgente.

    Voilá!

    Ruy Otero é artista media

    Ilustrações de ©Ruy Otero


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  • A vitória do ‘partido fascista’

    A vitória do ‘partido fascista’


    No último dia 10 de Março, tivemos as tão esperadas eleições legislativas, em que a Aliança Democrática – desconsiderando o PPM – ganhou com o menor número e percentagem de votos de sempre. Em 1980 obteve 2,707 milhões de votos (44,91%), em 1979 contabilizou 2,554 milhões de votos (42,52%), em 2015 registou 1,994 milhões de votos (36,86%) e, agora, em 2024 foram 1,867 milhões de votos (28,84%).

    Em 2022, PSD e CDS considerados juntos obtiveram uma percentagem superior de votos (29,27%) do que a Aliança Democrática em 2024. Podemos, assim, considerá-la uma vitória de Pirro, atendendo que não existe qualquer maioria de “direita” no Parlamento – supondo que as promessas das “linhas vermelhas” e do “não é não” são para manter.

    two white patio umbrellas near pink and white painted concrete building

    A única vitória do regime foi, uma vez mais, a manutenção da maioria de dois terços dos deputados – suficiente para aprovar revisões constitucionais – pelos dois partidos socialistas, o PS-1 (Partido Socialista) e o PS-2 (PSD). Com uma percentagem de apenas 56,84%, muito inferior aos 66,6% correspondentes aos dois terços, continuam a controlar 68% dos deputados (156 deputados e tendo em conta os dois deputados do CDS) na Assembleia da República.

    Mais uma vez, sem plebiscitarem as suas propostas de revisão constitucional durante a campanha eleitoral, é provável que voltem à carga com uma nova tentativa de alterar a Constituição da República Portuguesa (CRP). O objectivo é o de sempre: tornar possível que um funcionário administrativo, em lugar de um juiz, decrete a prisão domiciliária de um cidadão em nome do combate a um “vírus”.

    Mas não só, também acomodará na CRP o novo tratado pandémico da Organização Mundial de Saúde (OMS), onde o Sr. Tedros, um personagem “eleito” e “mui” conhecido dos portugueses, decidirá se podemos entrar no avião ou se seremos obrigados a tomar a próxima substância experimental, em nome do combate à doença X – ainda não existe mas já se estão a preparar.

    Do lado dos vitoriosos: o PS-1; depois da saída de 11 ministros e secretários de Estado em pouco mais de um ano, de 3,2 mil milhões € do “nosso dinheiro” na bancarroteira TAP, da pancadaria no Ministério das Infraestruturas, dos despedimentos por WhatsApp, das indemnizações de meio milhão de Euros ao final de 7 meses de trabalho, de uma secretária de Estado da Agricultura que tomou posse e demitiu-se em apenas 26 horas, devido a um processo judicial do marido, da operação Influencer e dos 75 mil € encontrados no escritório do chefe de gabinete do primeiro-ministro, ex-assessor do “grande engenheiro”, é absolutamente extraordinário que ainda existam 1,8 milhões de portugueses a votar no PS-1! Deveria ser um caso de estudo internacional.

    O grande derrotado foi claramente o PCP, reduzido agora a apenas 4 deputados. Daqui a uns tempos, talvez tenhamos de criar uma reserva ou um museu para encontrar comunistas em Portugal. Apesar de tudo, temos de enaltecer o seu respeito pela CRP, ao contrário da extrema-esquerda caviar (Bloco de Esquerda e Livre); hoje, globalista e defensora do projecto totalitário, conhecido por União Europeia.

    Recordemo-nos que há quatro anos foram favoráveis às restrições das nossas liberdades individuais durante a putativa pandemia; nos próximos tempos, iremos certamente vê-los a apoiar a “transição verde”, o envio de tropas para a Ucrânia, a identidade digital da União Europeia e as demais tropelias que se avizinham.

    Em relação aos nossos “liberais”, mantiveram os seus oito deputados, o que se pode considerar uma vitória, tendo em conta o saneamento de Carla Castro ao melhor estilo estalinista, depois de se ter atrevido a candidatar-se à liderança do partido.

    Mas importa destacar o grande vencedor: o partido Chega, que obteve a maior votação de um terceiro partido desde o início da “democracia”. Ligeiramente acima da percentagem obtida pelo PRD em 1985 (17,92%) e com mais 5 deputados, num total de 50.

    Apresentou-se com um programa socialista e com todas as bandeiras: aumento vertiginoso de pensões, impostos sobre “lucros extraordinários”, impostos sobre os “lucros da banca” e favorável à manutenção da bancarroteira nacional nas “nossas mãos”. O único ponto polémico: a introdução de controlos sobre a imigração vigentes há poucos anos em Portugal, nada mais.

    man cleaning white building

    Assim, gera a maior das perplexidades a acrimónia para com o Chega por parte dos órgãos de propaganda, que decidiram proporcionar-nos debates de pouco mais de 20 minutos durante a campanha eleitoral, onde os seus “comentadores”, durante horas a fio, destilavam o seu veneno ao Chega, em particular ao seu líder André Ventura.

    Mais hilariante foi o período pós eleição, nos múltiplos debates e comentários para comentar os resultados. Quem melhor que o canal que nos obrigam a pagar com vários milhares de milhões € para ouvirmos estas pérolas “democráticas”: os deputados do Chega não são mais que “assaltantes de caixas de esmola”; um partido “neofascista”, “racista”, “xenófobo” e “nazi”! Atenção: “nazi”.

    Para não ficar atrás, o comentador Miguel Sousa Tavares informou-nos que as ideias do Chega são “antidemocráticas e contra o Estado de Direito”. É estranho, será que o Tribunal Constitucional não fez o seu trabalho?

    O comentador João Maria Jonet não quis ficar atrás, dando-nos uma ideia do local onde o Chega encontrou os seus deputados: “Quem irá ser o quadragésimo deputado do Chega, vão buscá-lo a uma valeta?, sabe ler e escrever?, sabe falar em público?”

    A cereja no topo do bolo, surgiu da pena de Luísa Semedo, numa coluna de opinião do jornal Público: “Não consigo deixar de olhar hoje para criaturas como Netanyahu, Putin, Trump, Bolsonaro, Orbán ou Ventura e não pensar nos primatas que são”! Enfim, uma macacada.  

    Por fim, a principal surpresa: os mais de 100 mil votos no ADN. No dia das eleições disseram-nos que havia milhares de pessoas a engarem-se no voto; aparentemente desejavam votar na AD, em lugar do ADN.

    Estranha-se, pois nunca vimos tal erro entre os dois partidos socialistas, onde apenas se diferenciavam pela letra D durante múltiplas eleições. Aparentemente, os órgãos de propaganda julgam não existir portugueses revoltados com o que se passou há quatro anos: os confinamentos ilegais, a coacção para a toma de substâncias experimentais, a mortalidade excessiva, os atropelos às liberdades individuais, as fraldas faciais em crianças, a morte ao abandono dos idosos nos lares. Parasse que nada disto existiu, pelo que “são incompreensíveis” as razões para o voto no ADN, para além do erro.

    Mas tenhamos esperança e alegremo-nos, pois dizem-nos que a herança do PS-1 não podia ser melhor: um excedente orçamental de 4,33 mil milhões €, algo inédito na “democracia”. Olvidam-se, no entanto, de mencionar a colossal dívida pública: 271 mil milhões € em Janeiro de 2024; bem como as dívidas da “Segurança Social” não reconhecidas nas contas do Estado. Reparem, a este ritmo necessitaríamos de 63 anos para pagar a dívida pública. Não é fantástico tudo isto?

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • O curioso percurso de Fábio Fausto…

    O curioso percurso de Fábio Fausto…


    O povo era quem mais ordenava, o povo era sábio, mas as coisas mudaram, e não poucos saíram da toca: afinal, o povo é medíocre, provinciano, boçal e estúpido. Em certas cabeças bem-pensantes, dizer mal do povo já não parece mal. Pelo contrário: parece bem. É chique. É cosmopolita. Mostra superioridade moral, intelectual e civilizacional. Há até nesses bem-pensantes quem veja os novos pobres como entes diferentes dos pobres de outrora: eles são, dizem-nos, a expressão máxima da mediocridade. Raras vezes, a aporofobia terá ido tão longe.

    Valerá a pena dizer que esse discurso só reforça o que alegadamente querem combater?

    Bem, estou aqui para falar de Fábio Fausto.

    grayscale photo of man with shop bags walking past beggar siting on sidewalk

    Fábio Fausto começou a carreira a fazer piadas sobre gajas, mamas ou falta delas, louras (que eram sempre burras), homossexuais, pobres e racializados (na época, a nomenclatura era outra). Havia quem o considerasse engraçado, havia quem o considerasse vulgar, mas Fábio Fausto tinha êxito comercial.

    Com os ventos do tempo a mudar, Fábio Fausto metamorfoseou-se num racista e machista em desconstrução. Hoje, dá prédicas que recebem muitos gostos e aplausos sobre os pensamentos malsãos dos homens e da sociedade, sobre as categorias mentais dos homens (que dividem as mulheres entre «putas» e «santas», afirma), e — aspecto mais irritante — gosta de policiar e moralizar os outros por coisas menos graves do que ele repetidamente fazia. A sua redenção de faceto boçal machizóide fez, qual Hulk rasgando a camisola, emergir um pregador feminista. A essa conversão, juntou-se outra: depois de muito descolonizar o pensamento, renasceu como anti-racista com a cartilha hodierna.

    Com a pletora de informação que tomba a toda a hora, se o que aconteceu há duas semanas aconteceu «há muito tempo», o que aconteceu há bastantes anos… não aconteceu, de modo que o Fábio Fausto actual não é confrontado com o Fábio Fausto pretérito quando faz o papel de inquisidor.

    A propósito de Fábio Fausto, alguém se lembra das declarações do Anjo Torquemada quando discutia o aborto com Paulo Portas? (O escriba destas linhas é insuspeito de ter simpatia por Paulo Portas e votou «sim» no referendo do aborto.)

    Aqui vão as declarações do Anjo Torquemada:

    «Não me fale de vida, não tem direito a falar de vida. O senhor não sabe o que é gerar uma vida. Não tem a mínima ideia sobre o que isso é. Eu tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança.»

    five children smiling while doing peace hand sign

    Além de uma insinuação desprezível sobre a vida sexual de Paulo Portas, o Anjo Torquemada usou o mais estapafúrdio argumento: só quem tinha pelo menos uma filha (e gerada pelo próprio) poderia invocar o argumento do direito à vida.

    Quando a máscara dos Anjos Torquemadas cai, o rosto visível costuma assustar.

    Voltemos a Fábio Fausto.

    O Fábio Fausto de outros tempos ainda mora, porém, na cabeça de alguns (muito poucos, é certo). Dentro dessa minoria que se lembra do pretérito Fábio Fausto, há quem acredite que o pecador viu a luz; há quem veja mero oportunismo e gestão da carreira; e há até quem julgue ter Fábio Fausto mudado por acreditar ser assim que «saca umas gajas» (há quem garanta que, num contexto privado, ele fale assim, mas seja-lhe dado o benefício da dúvida, coisa que ele não dá aos outros).

    Talvez, quem sabe?, a resposta esteja em Freud: não odiamos nos outros aquilo que nos é distante, mas o que nos é interiormente próximo. Para o Pai da Psicanálise, o ódio não era o oposto do amor — a indiferença era o oposto do amor, pois ela, ao contrário do ódio e do amor, não tinha associada o vínculo ao objecto amado/odiado. Talvez, quem sabe?, a resposta esteja na síntese de Hermann Hesse: «Se odeia uma pessoa, odeia nela algo que faz parte de si.»

    Regressemos a Fábio Fausto, ainda que dele não tenhamos saído. A sua cronologia nas redes sociais é fascinante: na era dos confinamentos, andava muito indignado com a falta de civismo e humanidade, vituperando ajuntamentos e aqueles que não usavam máscara ou não praticavam o devido distanciamento social. Era uma questão de cidadania, dizia, ainda que frequentasse ajuntamentos lúdicos sem máscara. Quando se deu a invasão da Ucrânia, Fábio Fausto pôs a bandeira da Ucrânia. Mais recentemente, pôs a bandeira da Palestina e a bandeira do arco-íris (outra conversão), ainda que na primeira não haja possibilidade de bandeiras da segunda. Para que não restasse um grânulo de dúvida, inscreveu também nas redes sociais que era «antifascista». Pelo meio, tornou-se ainda num grande activista da habitação, dos transgénero e do clima.

    Versões prováveis do Fábio Fausto

    O que mais impressiona em Fábio Fausto, que não se distingue pela cultura geral, é conseguir apresentar-se como especialista instantâneo de todos os assuntos: epidemiologia, História da Ucrânia, conflito israelo-palestiniano, alterações climáticas, todas as ramificações das questões de género, todas as especificidades do mercado da habitação.

    Da minha parte, faço o enorme esforço de dar o benefício da dúvida a Fábio Fausto, mas, com novos ventos a soprar pela Europa (havia quem estranhamente entendesse haver uma singularidade lusa que nos tornaria imunes a tais ventos), se as coisas virarem muito (da minha parte, confesso que a AfD é, desses partidos, o que mais me infunde terror, vejam o que é esse partido e o que propõe para crianças com deficiência), suspeito de que Fábio Fausto não sacrificará tudo para lutar pelos seus mutantes ideais. Não estou a ver Fábio Fausto no Tarrafal. Não, ele não é desses. Se/quando o paradigma mudar, não me admiraria de o ver com a bandeira de Portugal nas redes sociais, a cantar o hino nacional e a exaltar os Descobrimentos, com a inscrição «Deus, Pátria e Família». Dirá então ser um antifascista em desconstrução.

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O inferno é um estado de espírito

    O inferno é um estado de espírito

    Já não receio nada.

    Braço dados contigo,

    Desafio o meu século.

    Friedrich Schiller

    Século XVIII


    Sim, é verdade, tivemos eleições. E essas eleições dizem-nos coisas importantes. Talvez não tanto sobre Portugal, onde era evidente que já ninguém podia ver o PS nem morto[1]. E onde também já toda a gente esperava a grande subida do CHEGA, e aliás, pormenor sempre irritante, falava dela no tom fatalista de quem não pode intervir sobre uma catástrofe que já viu desenhar-se ao longe a mais de um ano de distância[2]. E, já agora, o que é de péssima educação, onde ninguém se lembra de saudar a tenacidade democrática do povo português, que, ao contrário de todas as previsões bisonhas de desinteresse com que andávamos a ser bombardeados, só se absteve nuns mínimos 38% e fez questão de ir às urnas dizer o que queria, mesmo que não queira o que nós queríamos que quisesse. Agora, essas eleições dizem-nos é muitíssimo sobre o nosso mundo e sobre todos os horrores com que poderemos vir a ter de viver muito em breve. E, nessa altura, se continuarmos anestesiados por uma comunicação social que não nos explica absolutamente nada sobre o que é que está realmente em curso no xadrez colossal de todos os países, a culpa do inferno que aí vem será toda, e apenas, de quem todos os dias se dedica à sabotagem dos nossos cinco sentidos[3]. Mas vamos todos lá parar. Tal como enfatizou em 2018 ao Vatican News o padre Athos Turchi, professor de Filosofia na Faculdade Teológica da Itália Central, “o inferno não é um lugar ou um espaço, mas antes um estado da alma”[4]. E já antes dele, em 2015, o Papa Francisco deixara muito claro que o inferno não é uma condenação, mas antes uma escolha[5]. “Ninguém é mandado para o inferno,” disse então o Santo Padre. “Quem para lá vai, por escolha própria, estará afastado para sempre da felicidade.[6]

    E então pensei que podia dar-vos umas boas imagens do que nos acontecerá se continuarmos a escolher a torto e a direito este inferno sem felicidade, sejamos nós crentes ou não. O estado de espírito que lá se encontra é igual para toda a gente.


    O Inferno são quatro paredes. Sem portas. Quem fez o Inferno não fez portas, porque quem está no Inferno está lá para sempre. E não entra por uma porta, consubstancia-se no Inferno por vontade do seu criador. E encontra-se logo entre quatro paredes.

    Do mesmo modo não existem nas paredes signos, asperidades, ilustrações ou motivos arquitectónicos. Qualquer um desses elementos poderia representar uma porta simbólica, e as portas do Inferno são portanto lisas.

    Nada permite diferenciar uma parede da outra. Nesse sentido, as quatro paredes do Inferno são uma concretização da quadratura do círculo. São um quadrado que é um círculo. Por isso ninguém poderá dizer nunca que conhece os quatro cantos do Inferno.

    O Inferno não tem dimensões. As paredes encostam-se ao seu ocupante até impedir os seus movimentos, e de seguida afastam-se até perder de vista. Jamais sabemos a que distância nos encontramos delas. Se fosse possível medir o Inferno, teríamos um início de entendimento da sua realidade. Uma porta. Talvez apenas mental, mas uma porta. Não há qualquer porta no Inferno.

    silhouette photography of trees

    No Inferno não existem direcções. Pela mesma razão que as quatro paredes formam um círculo, não existe nenhuma orientação no Inferno. Quem se consubstanciou no Inferno, tem apenas um ponto de referência: si-próprio. Referência inútil na circunstância, visto que o ser está carregado de sentido, e constitui portanto a antítese do Inferno. O ser e o Inferno não são compatíveis.

    No Inferno não há mais ninguém. É o nosso Inferno, com as nossas paredes. Sem nós, aquele Inferno não existiria.

    No Inferno nada responde. Procuramos signos, distâncias, direcções. Nada responde. Nunca haverá respostas. O Inferno é a interrogação perpétua. A parede.

    O Inferno não tem eco. Inúmeros animais guiam-se por ecos, as cores e os sons são ecos, o mundo é um eco multidireccional. No Inferno é inútil chamar, aliás não há ninguém, e também é inútil gritar para provocar um eco. Todo o grito se perde.

    No Inferno a noção do tempo desaparece rapidamente. Depois de consubstanciados entre as quatro paredes, tudo parece ter durado desde sempre e vir a durar para sempre.

    No Inferno não existem nomes. As palavras são inúteis. Não há nada para nomear. O Inferno são quatro paredes, chamadas paredes em todas as línguas do mundo. Não havendo nada para nomear, não havendo distância, e portanto perspectiva, não havendo tempo, as palavras confundem-se com o ser e não têm para onde ir.

    E agora digam lá. Todos os que escolhem nem sequer pensar em fazer escolhas e consideram mais confortável ignorar defesas ou exigências de direitos. Todos os que, pura e simplesmente, não têm qualquer espécie de paciência para se juntarem ao cheiro a suor dos seus semelhantes, na defesa seja do que for que os une a todos. Todos os que mentem. Todos os que se corrompem. Todos os que, ao longo dos anos, já mentiram tanto, e já se corromperam tanto, que fizeram dos seus próprios seguidores bandos incontáveis de mentirosos e corruptos, ou então desmotivaram por completo dezenas, centenas, milhares de pessoas que eram promissoras, que eram boas, que eram muito boas, que eram mesmo verdadeiramente excelentes[7]. Todos os demagogos sem vergonha que têm o descaramento pecaminoso de prometer grandes mudanças, sem nunca, por uma vez que seja, proferirem uma só palavra, quanto mais uma só frase, sobre a forma como essas mudanças serão construídas, pedra sobre pedra, por forma a chegarem, conforme o plano, a ver num dado momento a luz do dia. Todos os patrões da comunicação social que já bombardearam os portugueses com tanto lixo que acabaram por torná-los insensíveis e acríticos às verdadeiras notícias, verdadeiras reportagens, verdadeiras sátiras ou verdadeiros segmentos culturais. Todos aqueles que, com a mais acabada falta de escrúpulos e de remorsos, estão constantemente a movimentar-se nas sombras, com a intenção deliberada de, parafraseando a Greta Thunberg, roubarem o futuro aos filhos dos portugueses.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Agora digam lá.

    É num estado de espírito destes, um inferno sem mais ninguém, sem portas e sem palavras e até sem eco – é nesta quadratura do círculo infinita que querem vir a ter de passar o resto da vida e ainda mais a eternidade, dentro de uma mera e curta questão de tempo?

    Portugueses, aquela gente não lê e não pensa. Se quisermos que exista de facto alguma mudança, os agentes dessa mudança teremos de ser nós. O apocalipse já nos foi anunciado. Depois não poderemos dizer que não sabíamos.

    Responsabilidades destas parecem sempre tão esmagadoras da primeira vez que as encaramos que é normal sentirmos uma vontade nada desprezível de lhes virarmos as costas, argumentando que não há caminho.

    Mas acontece que há caminho.

    Um caminho de cabras escarpado encosta acima, por onde avançamos muito devagar e com muita prudência, não deixa lá por isso de ser um caminho.

    Provavelmente até estamos a falar de um caminho de onde se vão descobrindo, curva a curva, paisagens que ainda nunca ninguém descobriu antes de nós.

    Hão de ter reparado que a passagem sobre o Inferno com quatro paredes que formam um círculo e não têm portas é uma longa e belíssima charada que não parece escrita por mim.

    Não parece porque não foi[8].

    Então e se não foi, onde terei eu ido buscá-la?

    a bridge built into the side of a mountain

    Possivelmente a um daqueles primeiros livros das primeiras culturas do mundo de que por esta hora já se percebeu que eu tanto gosto. Ao LIVRO DOS MORTOS do Antigo Egipto, por exemplo. À GÉNESE DO MUNDO da Antiga Babilónia, também era plausível. E se fosse uma qualquer pré-configuração do Hades descoberta num fragmento Pré-Socrático ainda mais antigo do que todos os outros? Ah, deixem. Eu não passo a vida a jogar sempre ao mesmo jogo, e para esta história do século XXI fazer sentido a referência teria de ser, também, do século XXI. Os dez poemas em prosa sobre o inferno são da autoria do poeta discreto Filipe Jarro[9], e foram publicados em 2007 pelas edições Moura. Na dedicatória impressa, o autor até lhes atribui poderes mágicos: “Quando fechados na estante, incham até preencher o espaço que lhes cabe. Depois sei que rebentam. Espalham-se então as suas letras geneticamente pelo interior de todos os livros vizinhos[10] e aí ficam para sempre, alterando-lhes definitivamente o sentido, impedindo que sejam lidos, tomando conta deles.” Falar com o Filipe é uma festa, um exercício de ironia, de parte a parte uma crítica válida e um apoio precioso. Isso, desde já, nós podemos rever-nos na citação de Schiller e fazer muito mais do que tendemos a fazer agora. Tal como Schiller e Goethe injectaram uma nova saúde nas letras alemãs do século XVIII quando criaram o espaço de intercâmbio que veio a ficar conhecido como o Classicismo Weimar, nós podemos, devemos reencontrar os nossos amigos, apoiar-nos neles e dar-lhes apoio, rir tudo o que houver para rir e usar a dureza que ainda ninguém ousou usar – e, na radiância desta energia[11], enfrentar melhor a jornada.

    Já sabemos que vai ser muito dura.

    Vale a pena responder-lhe com o nosso melhor.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] Pelos motivos óbvios que todos conhecemos, e credo, já basta. Eu não sou socialista, mas sou de esquerda. Andava cheia de vergonha, e esta pequena frase não se destina a funcionar como nenhum efeito de ironia.

    [2] Foi impressão minha, ou existiam bastantes e belíssimos contra-argumentos para aquelas frases promocionais completamente palermas deles? É que ao menos isso. Quem se opõe tem o dever de desmontar tudo o que tiver tempo para desmontar, seus bananas.

    [3] Ou seis, se contarmos a Intuição Feminina, como se fazia nos tempos da Revolução Científica.

    [4] Este senhor não é nenhum rebelde, ou então não ocupava a sua posição académica. Aliás, vejam-se já a seguir as declarações do próprio Papa, feitas aos fiéis em plena homilia.

    [5] Ambas as declarações foram feitas no âmbito da Semana Santa, que vai começar agora. Obviamente, já que rememora a morte de Cristo e todo o sofrimento padecido anteriormente, é a melhor altura do Calendário Católico para reflectir sobre o Inferno.

    [6] Na frase completa, proferia numa homilia em Roma, “… do Deus que dá a felicidade.”

    [7] E quantas vezes, pior ainda, atacaram aguerridamente essas pessoas para que não fizessem sombra aos videirinhos de que se rodeavam.

    [8] Vá lá, confessem. Deram logo por isso? Ou só estão a dar por isso agora? É que aquilo é lindo e quem me dera, mas eu não escrevo assim, nunca escrevi assim em 64 anos de vida e 40 de publicações, e não era esta noite, de repente, a meio do resto da crónica, que se acendia dentro do meu cérebro a luz brilhante de uma inspiração estrangeira.

    [9] Deixem-se de tretas. Somos amigos desde o tempo do liceu. Santo Deus, esta gente.

    [10] A bióloga que transcreve o texto acha que, aqui, a escolha deste geneticamente é um bocado duvidosa, sobretudo considerando tanto advérbio de modo que há no mundo — mas enfim, o livro é do Filipe, não é meu.

    [11] “radiância” eu tirei da dedicatória do Filipe. Palavra de poeta, mesmo.


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