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  • 25 de Abril, roubos mil

    25 de Abril, roubos mil


    Celebremos os cinquenta anos transcorridos desde o advento da “democracia” em Portugal, após o alívio do jugo opressivo imposto pelo Estado Novo, cuja duração, por mero acaso, se estendeu por um período de quarenta e oito anos (1926-1974).

    Tudo teve início, como não poderia deixar de ser, com as nobres inquietações salariais de um grupo de militares que se sentiam injustiçados com a progressão de carreira dos oficiais milicianos; afinal, quem se preocupava verdadeiramente com o destino do povo?

    Esse mesmo povo que, num ímpeto de efémera exaltação colectiva, celebrara Marcelo Caetano no Estádio Nacional alguns dias antes, ou que, posteriormente, de forma eloquente, empunhava cravos e bradava “abaixo o fascismo” e “morte ao ditador”.

    Apenas um ano e sete meses mais tarde, encontrávamo-nos novamente diante da necessidade preeminente de um novo golpe militar, conhecido como o 25 de Novembro, que se revelou essencial para a efectivação da tão ansiosamente almejada “liberdade” que o precedente movimento militar havia prometido restaurar.

    Neste turbilhão político, o Estado português abandonava os seus concidadãos no Ultramar à própria sorte, privando-os dos bens e propriedades acumulados ao longo de uma vida inteira. O resultado foi que muitos chegaram a Lisboa apenas com a roupa que tinham sobre o corpo, enfrentando meses de penúria e de luta pela sobrevivência. Este triste episódio ficou gravado na memória como a chamada descolonização exemplar! Para trás, ficaria um rastro de destruição, guerras civis, fome e morte que, até hoje, deveria envergonhar-nos.

    Até à data, o Estado português não indemnizou estes portugueses, nem tão pouco os jovens arrancados das suas aldeias e deslocados para travar uma guerra a milhares de quilómetros de casa, em que muitos regressavam mutilados, doentes ou mesmo num caixão. Que ironia: o mesmo regime, por intermédio do seu representante máximo, ousa agora afirmar que Portugal deve pagar pela escravatura em África! Surge a questão: inclui os descendentes daqueles africanos que, através de guerras, escravizaram os seus próprios conterrâneos para vendê-los nas praias ao longo de séculos?

    Eleita a 25 de Abril de 1975, a assembleia constituinte teve como principal objectivo redigir uma nova constituição que reflectisse os “ideais democráticos e as aspirações do povo português” – sempre pungentes as aspirações do colectivo –, fixando no seu preâmbulo um programa socialista: “abrir caminho para uma sociedade socialista”.

    Neste cenário, surgiram dois partidos socialistas, cujos camaradas, aliados e comparsas se têm regozijado em saquear a população portuguesa ao longo de mais de cinco décadas. Parece que o tão aclamado caminho em direcção à sociedade socialista se revelou, na verdade, uma jornada lucrativa para esta casta parasitária.

    Desde então, a carga fiscal subiu de uns modestos 16% do PIB para uns impensáveis 35,8%! Considerando o actual PIB (277 mil milhões €) e a tributação de 1974, isso equivaleria a uma redução de 55 mil milhões de euros, ou seja, aproximadamente 5.500 € a menos roubados a cada português a cada ano.

    Desde logo, fomos brindados com um flagrante desrespeito pela propriedade privada, quando uma série de ocupações de terras e propriedades, destacando-se como parte fulcral do intitulado movimento de “reforma agrária”, irrompeu em cena. Para o descalabro total, não poderiam faltar as nacionalizações, decididas de forma arbitrariamente selectiva – quem terá o poder de discernir os “sectores-chave”? O colectivo? -, abrangendo áreas como a banca, as companhias de seguros, os transportes e as indústrias base.

    Estas supostas “reformas” revelaram-se tão bem-sucedidas que, em 1977, testemunhámos a primeira bancarrota do actual regime, acompanhada da estreia dos predadores internacionais no nosso país: o Fundo Monetário Internacional (FMI).

    Como é de praxe, o programa adoptado impunha medidas “drásticas”, que incluíam cortes nos gastos públicos, mas também o aumento do confisco à população: impostos e desvalorização da moeda. Notável! Alguns anos antes, o Estado português era proprietário das oitavas maiores reservas de ouro do mundo, e era responsável por uma dívida pública praticamente inexistente. O regime exibia então pela primeira vez as suas habilidades: transformar o ouro em cinzas! Não satisfeitos, repetiu a bancarrota em 1983, com novo recurso ao FMI. Como sempre, com um impacto severo na população: aumento do desemprego, salários em atraso e redução dos rendimentos reais.

    Em 1986, optámos por alienar nossa soberania à então Comunidade Económica Europeia (CEE). Ao que parece, enviavam montantes astronómicos de fundos “grátis” para “auxiliar-nos” a superar o nosso atraso atávico, do qual, até os dias actuais, jamais recuperámos. A adesão proporcionava fabulosas sinecuras à casta parasitária, garantindo-lhes, ao mesmo tempo, o voto do rebanho, através da “oferta” de subsídios para cessar produção e quilómetros de auto-estradas.

    Em 1992, com a assinatura do Tratado de Maastricht, cedemos uma vez mais a nossa soberania à CEE, que era então rebaptizada como União Europeia, alçando-se ao estatuto de unidade política, em detrimento de uma mera união aduaneira. Além disso, previa-se a criação do Euro, abolindo igualmente a soberania monetária dos Estados aderentes.

    A casta parasitária não desapontou diante deste grandioso “desafio” nacional: a adesão ao Euro e a transferência do monopólio da sua emissão ao Banco Central Europeu (BCE). Foi o período do choque fiscal, seguido do episódio emblemático do “país está de tanga”; do “menino guerreiro” e do ilustre engenheiro, herdeiro de uma fortuna guardada num cofre e avaliada em um milhão de contos!

    Para a população, foi a era do dinheiro “grátis” para a habitação e o respectivo mobiliário, automóveis e férias de sonho. Já para a casta parasitária, foram tempos de auto-estradas, às vezes duas para o mesmo trajecto, de parcerias público-privadas desastrosas para o rebanho, de aeroportos sem passageiros e de estádios sem espectadores. Foram, sem dúvida alguma, momentos de glória!

    Foram momentos tão gloriosos que, em 2011, testemunhámos a terceira bancarrota do regime; segundo a lenda, surgiram entraves na obtenção de financiamento para a dívida pública nos mercados internacionais. Em tradução clara: não havia um tostão para pagar salários dos funcionários do Estado, e tampouco havia alguém disposto a emprestar. Então, eis que surgiram o FMI e a União Europeia para “auxiliar” o povo português, com a concessão de empréstimos, em troca de mais um saque à população. Desta vez, até tiveram de vender tudo ao desbarato: companhias aéreas, redes eléctricas, infra-estruturas aeroportuárias e serviços postais. Em cada bancarrota, assistíamos sempre ao enriquecimento de várias personagens do regime.

    Após o regresso à “normalidade”, depois dos anos negros da austeridade, apareceu a guerra ao “vírus”. Desta vez, as tão almejadas liberdades individuais oferecidas pelo regime foram suspensas: confinamentos ilegais, fecho de escolas, abandono de idosos, fraldas faciais, passaportes nazis e vacinas “salvíficas”. O fascismo tinha regressado em força, desta vez pelos altos representantes da casta parasitária de cravo na lapela.

    A guerra contra o “vírus” revelou-se um colossal empreendimento e uma redistribuição de riqueza sem precedentes em favor da casta parasitária: aquisição de “vacinas” experimentais, campanhas “solidárias”, compra de “batas e fraldas faciais”, assessorias jurídicas, e assim por diante. Simultaneamente, o rebanho foi mais uma vez pilhado sem piedade: inflação descontrolada, encerramento arbitrário de negócios, resgate de companhias aéreas insolventes e uma constante escalada da carga fiscal.

    As sucessivas crises e a suposta pandemia concederam à União Europeia poderes sem precedentes; hoje, é de facto um superestado federal que dita a nossa política monetária, a maioria da legislação nacional, sem qualquer escrutínio democrático, e determina o que é verdadeiro – como evidenciado pelo regulamento dos serviços digitais –, e o que é propaganda – basta observar o encerramento da agência de notícias russa Sputnik e do canal de televisão RT. Que admirável exemplo de democracia e liberdade de expressão na nova ordem europeia!

    train passing in between buildings

    O temos hoje? Uma dívida pública colossal, de 269 mil milhões de Euros, o equivalente ao actual PIB, quatro milhões de pobres, um crescimento económico anémico, em torno de 1% por ano desde o aparecimento do Euro, risível face ao crescimento económico no último período do Estado Novo (5,1% por ano entre 1953 e 1974), um parlamento em que o partido “fascista” é o único que defende a liberdade, face a nova tentativa de cedência de soberania a entidades supranacionais, uma total falta de transparência da administração pública, em contradição com a constituição, e censura e cancelamento de opiniões da população que faria corar os censores do lápis azul do antigo regime.

    Mas, respiremos fundo! Temos um representante máximo da República que nos ajudará a celebrar os 50 anos de Abril, depois de ter afirmado que o actual primeiro-ministro é lento e rural, enquanto o seu antecessor era só lento, mas era por ser oriental – estão a compreender? Nada disto é xenofobia nem tão pouco é racismo. O regime e os órgãos de propaganda reservam sempre esses epítetos para o partido “fascista”. Celebremos então Abril; celebremos o assalto de 50 anos ao rebanho.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • O final do alcoolismo

    O final do alcoolismo

    Continuava a sentir-me no país de outro homem, sentia a forma como era estrangeiro, a minha solidão.

    V.S. Naipaul

    THE ENIGMA OF ARRIVAL


    Os momentos em que os governos das democracias recentes tomam posse costumam ser aqueles em que o eleitorado insuspeito sente mais dificuldades em perceber como é que vão concretizar-se novas medidas que nos façam de facto mais felizes, e o momento presente, em que se testam as primeiras águas do novo governo, não foge à regra. Um quarto dos eleitores de Estremoz votou na AD. Mas essas pessoas, agora, terão todas a ganhar com os cortes nos impostos que se perspectivam? Serão todas elas mais felizes quando entrarem em vigor as novas margens de manobra para as rendas das casas? E o pior é ouvir a Assembleia da República em peso a discutir o novo Orçamento Geral do Estado. Pergunto-me qual dos meus vizinhos é que vai beneficiar com ele e não sei. Não sou tão burra como pareço, bolas. Apenas não vivo naquele país, pela simples razão de que nem toda a gente lá vive.


    Se a democracia portuguesa fosse tão disfuncional como qualquer outra nas suas redondezas, então os portugueses não abandonavam Melides para irem trabalhar em Andorra, nem trocavam Lisboa por Berna, nem largavam São Pedro de Moel para se fixarem em Cardiff, nem tomavam mais nenhuma das muitíssimas outras opções de vida deprimentes que podiam listar-se daqui em diante, o que aliás seria completamente desnecessário porque a moral da história está mais do que implícita: a democracia portuguesa só pode ser disfuncional, porque, por mais que o seu país seja bonito e agradável, e ainda por cima cheio de gente a quem os mesmos adjectivos se aplicam, os portugueses continuam a deixá-lo para trás, geração atrás de geração atrás de geração. Temos o clima que temos e gozamo-lo com a nossa proverbial simpatia, enquanto que em Londres chove o ano inteiro, o céu do fim da tarde fica negro de estorninhos que são uma praga infestante pior que os pombos, e as pessoas têm um carácter tão tendencialmente agreste que já ninguém que partilhe a sua vida volta para casa sem passar primeiro pelas happy hours da saída dos empregos. E, no entanto, é para lá que não param de partir os jovens portugueses – em bandos, como os estorninhos. E, no entanto, ali estão os nossos novos governantes a debater as suas novas medidas, que farão dos portugueses um povo feliz. A seguir os comentadores políticos falam interminavelmente sobre quem disse o que quê nessa nova lista das compras do que desta vez se pretende fazer, como se a  lista em si nos tivesse parecido diferente de várias outras, ou como se o tempo em que todos vivíamos bem em Portugal e pagávamos em Euros essas vidas já tivesse existido.

    man and woman sitting and facing near concrete fence during golden hour

    Uma democracia não perde a sua virtude democrática por ser disfuncional. Nem Portugal é a única democracia disfuncional de toda a Europa, para não irmos mais longe. Um país pode ter o seu eleitorado dividido quase ao meio entre a extrema-direita e o socialismo, como o Brasil ou os Estados Unidos, que isso não torna a sua democracia disfuncional, por muito que possamos dizer cobras e lagartos de metade dos seus habitantes. Mas não são falsidades como as de Trump, ou manipulações de contagens de votos como as de Bush Jr., que levam levam os americanos a abandonar o seu país. O que faz partir um grande número de portugueses é a escassez de políticas frontalmente empenhadas na maior felicidade de quem não tiver garantias de meios. Ou seja, o que torna uma democracia disfuncional é notar-se que está atravessada por uma linha horizontal, e tudo o que se passa na sua política e nas suas instituições, a beneficiar alguém, beneficia quem se encontra no espaço superior a essa linha. No espaço inferior a essa linha as pessoas ou dificilmente são beneficiadas, ou – com bastante frequência – são prejudicadas.

    Como a maioria dos portugueses, as pessoas aqui em Estremoz podem ter poucos meios mas fazem tudo o que podem para se sentirem felizes, e usam todos os pretextos a que têm acesso para se divertirem. Além de todas as datas mágicas que se prestam a feriados, pontes, bandas, e danças, procuram-se pretextos especiais para almoços e jantares sempre que estes são possíveis, e basta haver sol para se juntarem grupos nas esplanadas assim como basta que as noites aqueçam para que quem vive dentro das casas se sente cá fora, nos degraus da entrada, a conversar em voz branda para um lado e outro da rua ou mesmo só a ver quem passa. Mas ultimamente festeja-se menos, porque a metade do país que fica na linha inferior da disfuncionalidade não tem dinheiro para festejos. Muita gente não tem nesse extracto não tem dinheiro nem para convidar um amigo, um único, para almoçar ou para jantar. É possível ir para uma esplanada e só tomar um café, mas só um café compra menos tempo. Isto faz todas estas pessoas verem-se quase de repente obrigadas a viver muito mais sós. E, por isso mesmo, mais tristes.

    a woman sitting on a wooden swing in the middle of a field

    Os cálculos de poupança que levavam estas pessoas a ir abastecer e comprar gás a Badajoz podiam não estar feitos a regra e esquadro, mas a verdade é que os abastecimentos em Espanha já eram um hábito antigo, que se tinham generalizado ainda mais depois de começar a Guerra da Ucrânia – e, com ela, começarem as subidas de preço da gasolina, que em Portugal pareciam suceder-se dia sim dia não. Agora quem vive abaixo da linha divisória não abastece em Espanha coisa nenhuma. Nem compra gás. Se por qualquer razão a sua vida depender mesmo de ir a Badajoz, já nem apanha a autoestrada. Ir passear a Espanha, fazer umas compras, e de caminho meter gasolina, podia ser uma tradição que perdeu todo o sentido financeiro com o passar do tempo. Mas foi uma tradição de décadas, e os preços recentes da gasolina portuguesa rejuvenesceram-na. Até pode não ser ir abastecer a Badajoz que faz falta. Mas saber-se que se pode, mesmo que pouco ou nada se ganhe com a manobra – isso sim, isso claro que faz falta. E, para quem já tem pouco dinheiro, é uma recordação acrescida de que passou a haver ainda menos dinheiro, de tal forma que já praticamente nada depende do que queremos fazer mas antes do que somos obrigados a fazer. As grandes depressões não têm só por causa grandes desgostos de amor.

    Tenho ouvido várias vezes falar da falta de dinheiro para comprar medicação prescrita para tomar duas vezes ao dia pela mãe, pelo pai, por um dos filhos, ou pela própria pessoa que está a falar comigo. O ano passado, as farmácias armaram-se de umas maquinetas que não deixam sair um único medicamento que não seja pago primeiro – e não devem ter feito isso por acaso. Às vezes eu por acaso sei que os fármacos que as pessoas não conseguem comprar são fundamentais para o convívio com uma ou outra doença mais ou menos séria. “Então mas estás sem comprar isso há quanto tempo?” – “Há uns dois ou três meses, o que é que tu queres?

    A história mais impressionante daqui do fundo da linha, no entanto, para mim foi a dos bêbedos.

    Quando acaba a folia do Carnaval, tenho por hábito ir tomar café, tão cedo quanto possível, a um barzinho que fica aberto a noite inteira, e de onde, por vezes, ainda vão os últimos bêbedos a retirar-se aos risos, caminhando sem tombos por forma a homenagearem as suas máscaras de mulheres. Faço isto para ouvir as conversas dos velhotes, que entretanto chegam a passo vagaroso, de samarra vestida e boné na cabeça em qualquer altura do ano, para se encostarem ao balcão, pedirem o seu café com bagaço ou então só o seu bagaço, e começarem a questionar o jovem proprietário sobre os bêbedos do Carnaval.

    clear glass tumbler on brown wooden tray

    Ainda no ano passado, a conversa, quando eu entrei, ia nisto:

    Então oh pá. E tivestes cá muito bêbedo?

    O rapaz até apoiou a cabeça na mão antes de se pôr a acenar.

    Ai deixem-me cá.

    Os velhotes inclinaram-se por cima do balcão.

    Tudo maluco, era? Tudo aos berros? Dá-me aí outra pinguinha. Muita bêbedo, hã?

    O rapaz tinha um pano na mão, que pousou de repente para calar toda a assembleia num só gesto.

    Vocês não imaginam a quantidade de miúdas bêbedas que me entraram por aqui adentro, ouviram? Miúdas novinhas, miúdas da idade da minha filha, pois acreditem, aparecem-me aqui com catorze anos e nem se têm em pé, e lá fora umas gritam, outras vomitam, e eu só insisto que não as sirvo, mas é que não as sirvo, e que não as sirvo nem por nada, e elas a dizerem-me de todas as tendinhas onde as serviram e eu que dali que se ponham mas é a andar antes que eu chame a polícia, e elas num estado que já nem queriam saber, eu não servia nem rapazes de catorze anos mas olhem que elas são piores, até tentaram ir-me à cara, se não estivessem tão bêbedas ainda me matavam.

    Os velhotes ouviram aquilo tudo sem dizer uma palavra, e a seguir puseram-se a debater baixinho qual deles é que já se metia assim nos copos aos catorze anos. E, sobretudo, se no tempo deles alguma miúda faria o mesmo.

    Fazer, faziam,” concluiu lapidarmente um dos mais velhos. “Aí por esses montes, onde não havia mais nada, onde não vivia mais ninguém, onde os pais e as mães estavam sempre borrachos e toda a gente sabia onde é que ficavam as chaves para as adegas, vá que às vezes faziam. Mas não faziam era essas figuras, e muito menos vinham fazê-las às claras para o centro da cidade.

    O centro histórico, ainda por cima,” protestou outro velho, menos velho.

    Na esperança de testemunhar mais material que pode sempre vir a ser usado para qualquer coisa, este ano voltei ao barzinho logo a seguir ao Carnaval.

    a man laying in the grass with a bottle of beer

    Como cheguei bastante mais tarde, encontrei tudo muito limpo e arrumado e não estava lá dentro velho nenhum.

    O que vale é que, à custa de tanto trabalho de campo, por estes dias o rapaz já me conhece bem.

    Então conte lá,” perguntei eu, à falta de quem o fizesse por mim, “como é que foi esta noite, muitos bêbedos?

    Ele pôs-me o café e o copo de água do costume em cima do balcão, sem sequer fazer uma daquelas suas perguntas de gozo mútuo como por exemplo “ora então diga-me lá em que é que esta humilde casa pode servi-la.” Depois olhou para mim com um ar de desgosto tão sincero, tão sentido, que não podia ser nenhuma fita.

    E disse:

    Olhe, menina Clarinha. Não há mais esperança. Até já os bêbedos estão tesos.

    E foi acabar de fechar a loja sem mais uma palavra.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


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  • Entre Gaza e Montenegro

    Entre Gaza e Montenegro



    Lá fora.

    Não sou grande coisa nas teorias da conspiração, mas estou com alguma dificuldade em chamar ataque ao que o Irão fez em Israel. Enviar drones com aviso de dois dias e hora marcada para um sítio onde mora o melhor sistema de defesa anti-aérea do mundo é algo esquisito. Visto daqui, pareceu mais o envio de uma encomenda com número de localização. A DHL faz isso todos os dias com mais sucesso porque, por norma, as encomendas chegam mesmo ao destino.

    No caso do ataque a Israel, tivemos o privilégio de o ver em direto. Horas e mais horas com os jornalistas sem saber bem o que dizer, enquanto enchiam alguns chouriços. Nós em casa de pipocas na mão enquanto no estúdio alguém dizia: “dentro de uma horas espera-se que cheguem”. Os drones, entenda-se. 

    Grey Jet Plane

    A aviação civil desviava-se da zona e em aplicações como o “Flightradar” íamos seguindo a movimentação ao segundo. O mundo esperava a entrega dos mísseis e por todos os noticiários ouvíamos que “o ataque estava iminente”.

    Serei o único a achar que a coisa foi mal e porcamente ensaiada, num acto de real politik de vão de escada?

    Ora, recapitulemos. 

    Israel, que não tem entretenimento suficiente com o genocídio que vai perpetuando em Gaza, mandou uns rapazes da Mossad matar uns generais na embaixada do Irão em Damasco (Síria). Deixaram cartão de visita para o mundo ter a certeza que era um acto israelita. Típico de Israel, isto de atacar em segredo e depois gritar “fui eu”.

    Vendo isto, o regime iraniano que não quer entrar no conflito no Médio Oriente (apenas patrociná-lo), ficou naquela de posição de “ouve lá, temos que fingir que lhes queremos dar uma chapada para não parecermos uns bananas”. Dão umas conferências de imprensa e anunciam a hora e minuto do ataque de retaliação.

    a red and white flag

    Em Israel desligam a Cúpula de Ferro (Iron Dome) para poupar energia e apanharam os drones com uma rede para borboletas. O “ataque” iraniano resultou numa pessoa ferida com uns estilhaços e outras 7 que tropeçaram uns nos outros a correr para os abrigos.

    No fim, os iranianos pediram aos americanos que não se metessem e prometiam que não faziam mais nada e, os israelitas, fingiram que estavam muito chateados e foram logo a correr para o conselho de segurança da ONU, pedir sanções e fazer o papel de vítima.

    Em poucas horas o genocídio de Gaza desapareceu das notícias e Israel voltou a merecer a solidariedade internacional por estar “sob ataque”. Os 34000 palestinianos que Israel matou desde 7 de Outubro e os 76000 que feriu, ficaram nos estilhaços que feriram uma pessoa com drones iranianos. As 26000 crianças mortas ou feridas em Gaza, estão agora escudadas pelas palavras de Ursula Von Der Leyen que, de imediato, se colocou ao lado de Israel depois do “bárbaro” ataque iraniano que feriu uma pessoa e danificou um armário de três espelhos numa base aérea qualquer.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. (Foto:D.R./CE)

    A hipocrisia de quem nos dirige e a forma como nos tentam fazer passar por estúpidos, atinge em 2024 níveis de uma obscenidade como eu nunca pensei ver. É que nem para os jogos de bastidores se esforçam por criar algo que o grande público consiga engolir sem se enjoar.

    Da próxima vez que virem um aumento nos combustíveis, já sabem. Foi o Irão. Dá-se um grito no médio oriente e sobe o preço da gasolina, larga-se uma bomba no Donbass e temos mais três meses com taxas de juro sufocantes. O tal Ocidente civilizado tem todas as desculpas que precisa para nos fazer pagar cada conflito, organizado pelas elites governantes, sem que possamos sequer dizer que não. 

    Cá dentro.

    Luís Montenegro a discursar no Parlamento. (Foto: D.R./Foto oficial)

    Este primeiro mês de governo AD não foi bem aquilo que se esperava, não é?  O tal choque fiscal prometido por Montenegro é, afinal, um empadão requentado que o PS tinha deixado no forno. Pelas contas que vi, esta fabulosa baixa de impostos vai deixar cada português com mais 3 euros na carteira e beneficiar, essencialmente, os salários mais altos. Há ainda os cortes no IRC que vão permitir à banca e aos grandes grupos da distribuição que aumentem, ainda mais, o jackpot de lucros que se arrasta desde o crescimento da inflação e das taxas de juro.

    Não é que existissem grandes dúvidas sobre os interesses que a AD vinha defender para o governo, Montenegro foi claro durante a campanha sobre eles. Mas espero que os eleitores tenham percebido agora melhor quais eram. Entre a habitual cacofonia do “dar tudo a todos” que se ouve em campanha, por vezes é difícil captar a mensagem. Esta era bastante simples e bastava ter visto a actuação do PSD, preocupado em defender os interesses da Vinci, depois de ser conhecido o último relatório da comissão técnica para o novo aeroporto de Lisboa. 

    O PSD está no governo para defender o interesse das classes altas e dos grupos económicos. Que surpresa! Que espanto! Que novidade! E com o CDS de Nuno Melo de arrasto, com algum jeito ainda vamos andar a falar da ilegalização do aborto ou das famílias “tradicionais” de 1950.

    Foi isto que elegemos, espero que seja claro ao fim do primeiro mês do executivo em funções. 

    Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional. (Foto: D.R./Foto oficial/CDS-PP)

    A somar a esta constelação, ainda vemos que o Chega, o tal partido que vinha limpar Portugal, tem deputados com cadastro, a serem investigados ou com histórias de vida que contradizem aquilo que o partido transformou em programa. O caso do deputado que foi imigrante ilegal e sobre quem o Ventura já mentiu (em relação a ter fugido da guerra nas colónias quando o homem tinha emigrado em 1976), é a cereja no topo do bolo.

    Tal como os membros do governo que estão debaixo de suspeita ou mesmo a serem investigados. Casos e casinhos, tal e qual como nos tempos do PS, para que ninguém fique aflito com saudades.

    Pode parecer algo simplista da minha parte mas visto daqui do meio do Atlântico, parece que nada de essencial mudou. Variámos o lado do Centrão e mantivemos as políticas, piorando provavelmente o apoio ao SNS e à escola pública. Ah…e voltámos à selva do alojamento local e das rendas sem fim. Portanto, em 30 dias conseguiram destruir uma das poucas coisas em que o PS tinha acertado.

    thumbs down, disapprove, gesture

    Ao ver este governo lembro-me de um técnico de segurança aeronáutica que me explicava como o preço de um bilhete refletia as políticas de uma companhia. “Meu amigo, se você paga 30 euros na Ryanair e 300 euros na Lufthansa, é porque os segundos fazem gastos que os primeiros não fazem. Em pessoal, infraestruturas ou peças, algo é poupado, logo, a qualidade não pode ser a mesma. Em resumo, você paga o que recebe.”

    E foi isto que nos aconteceu, mas ao contrário. Pagamos efectivamente para andar na Lufthansa mas, entre PS e PSD, não saímos daquele irritante amarelo da Ryanair. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Um mundo às avessas

    Um mundo às avessas


    Vivemos em tempos nada convencionais, onde o preto se torna branco, o certo se confunde com o errado e a moral se desvanece na imoralidade. Parece que a harmonia está em falta nos tempos actuais. Será este o capítulo contínuo da fórmula ancestral utilizada pelo escol para nos dominar: problema, reacção, solução? Vivemos propositadamente num incessante pavor, num turbilhão perpétuo de confusão.

    No último fim-de-semana, tivemos um ataque do Irão a Israel, através do lançamento de uma chuva de mísseis e drones. Porém, para espanto – ou assim nos dizem os órgãos de propaganda -, a Cúpula de Ferro de Israel, essa “maravilha da tecnologia”, funcionou com uma precisão imaculada, anulando qualquer ameaça. É fascinante contemplar uma pequena nação, rodeada de inimigos, na vanguarda tecnológica, destemida, mesmo perante ataques com armas sofisticadas e letais.

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    Comparem com a tragédia do último 7 de Outubro. Os “corajosos” militantes do Hamas decidiram fazer uma visita a Israel, não apenas por terra ou mar, mas também pelo ar, sim, de parapente! O mais incrível é que isso aconteceu sem que os guardiões da fronteira mais vigiada do mundo, com todo o seu aparato tecnológico, se tivessem dado conta do que estava a acontecer. Durante horas a fio, os intrépidos membros do Hamas tiveram o luxo de assassinar, violar e fazer reféns à vontade, sem encontrar qualquer tipo de resistência ou alerta dos sistemas de vigilância. Passámos da idade da pedra à guerra das estrelas numa questão de meses.

    Agora, a insanidade nacional, tão cativante na sua extravagância. Um dos nossos estimados órgãos de propaganda, sob a sábia direcção do seu ilustre director, decidiu brindar-nos com uma revelação de tirar o fôlego: o governo recém-empossado, num acto de “completa surpresa para todos”, teve a ousadia de nos mentir! Num tom pungente e indignado: “É mais que um embuste. É enganar os portugueses!”.

    Realmente, é jocoso pensar que a nobre classe parasitária, que tão gentilmente nos assalta há meio século, poderia, por um segundo sequer, abster-se de nos privar de mais alguns tostões. Ainda mais hilário é quando nos asseguram que se tratava, afinal, de uma redução apenas ligeiramente menor, como se estivessem a tentar convencer-nos de que a mão do assaltante estava apenas um pouco menos profunda no nosso bolso. O que realmente me surpreende é que haja milhões de portugueses e, pelos vistos, alguns “jornalistas” que ainda engolem estas patranhas: de que nos vão “restituir” os “nossos” suados impostos!

    Noutro órgão de propaganda, desta vez inteiramente pago pelos “nossos impostos” – se fossem nossos, não teríamos de os pagar! -, a comentadora de um programa semanal sobre política lançava-nos esta pérola: “…para haver mais democracia, as redes têm de facto mandar calar os seus utilizadores”, numa clara defesa da liberdade de expressão e de respeito por opiniões contrárias. Fica sempre a pergunta: alguém a pode mandar calar?

    Não satisfeita, noutro programa, obtivemos outra pérola do mesmo personagem: “Não se nasce mulher, tornamo-nos mulheres, porque é uma construção social e específica de um terminado tipo de sociedade”. Na verdade, quando na adolescência me apareceu a barba, questionei seriamente a minha mãe por que razão estava a ser vítima de uma construção social. Aparentemente, a sociedade congeminava para me fazer crescer pêlos na cara.

    Os sábios comentadores deste país maravilhoso asseguram-nos que está tudo a correr pelo melhor com a imigração. Sentados confortavelmente nos seus SUVs, desfrutando das casas no centro de Lisboa, provavelmente no Príncipe Real, sentem-se invariavelmente muito satisfeitos com os imigrantes: servem-nos à mesa, entregam-lhes comida em casa, limpam-lhes a casa, um sem fim de glórias a preço de escravo. Enfim, os imigrantes adicionam sempre um toque “cosmopolita” à coisa e, claro, para eles, o fenómeno nunca representa qualquer ameaça à sua segurança e bem-estar.

    Neste contexto, foi bem elucidativo o acontecimento pitoresco na praia do Tamariz, Estoril, no último fim-de-semana: um combate de boxe entre jovens em pleno areal, com uma turba em seu redor a fazer apostas. Ali, tivemos a confirmação de que esses jovens imigrantes não só não representam nenhum problema de segurança, como também serão os nossos salvadores financeiros, ajudando-nos generosamente a pagar as “nossas reformas”. Os tais comentadores ainda têm a coragem de ficar surpresos com o sucesso do “partido fascista”.

    Na incansável batalha antifascista travada pelos nossos estimados órgãos de propaganda, fomos brindados também com uma entrevista imperdível. Um “escritor e ex-militar” decidiu partilhar a sua perspicaz visão sobre o “partido fascista”, declarando solenemente: “Os líderes da extrema-direita representam a escória da sociedade”. Reparem bem: aqui não se trata de discurso de ódio, não! Trata-se apenas de um facto incontestável, um veredicto irrevogável: são simplesmente a escória, e ponto final. A doçura da democracia em pleno vigor!

    comfort room signage

    Por fim, deram-nos a conhecer cafés nos EUA que podem ajudar a “aliviar a ansiedade da crise climática” nos jovens norte-americanos. Em relação aos jovens da praia do Tamariz, estou seguro de que não necessitam de frequentar tais estabelecimentos. Aliás, seguramente que o boxe no areal resolve todos estes problemas de ansiedade com a máxima rapidez.

    Neste sentido, recomendo ao Diário de Notícias que faça uma reportagem sobre estes jovens, pois estou certo que ansiedade climática é que coisa que não abunda por ali. Aliás, devia ser exportada para os Estados Unidos, como mais uma solução para a “ansiedade climática” que tanto afecta a juventude.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • A Matrix aqui à nossa frente

    A Matrix aqui à nossa frente


    Um jovem contou no programa da Antena 1 “Portugueses no Mundo”, como é a sua vida na China, dependente de um telemóvel. Na China, diz ele, é impossível viver sem telemóvel: ” se a bateria do telemóvel acaba, não dá para apanhar o metro para ir para casa, não dá para chamar um táxi, não dá para pagar a comida, não dá para fazer nada”.

    O dinheiro como objecto praticamente desapareceu e se queremos um bilhete de metropolitano, temos uma aplicação; para um restaurante, outra aplicação; para o táxi, nova aplicação; para entrar no prédio há dependência de outra aplicação, ou de um registo biométrico. Somos controlados no tempo gasto, na presença nos espaços e na actividade de compras ou de ócio.

    person carrying umbrellas

    O telemóvel é agora um porta-moedas, um bilhete de identidade e uma chave. Na China passaram do dinheiro para as aplicações. Por acaso também regista fotos, permite filmes e jogos e também acesso à Internet e a telefonar. Tendo localizadores e mecanismos de orientação, o telefone é agora o que garante a nossa cidadania vigiada. Estamos protegidos pois indica quem se aproxima, e escolhe os encontros que desejamos ter. O telemóvel é uma rede de encontros, uma forma de negociar e sobretudo uma fonte de informação.

    O jovem gostava, e achava que as aplicações, que só são disponibilizadas em chinês, são amigas do utilizador, fáceis de perceber, e de interiorizar, mesmo não conhecendo a língua. Nos restaurantes, por exemplo, nem sequer precisa de interagir com os empregados. Tudo se faz por um aplicativo.

    Do ponto de vista conceptual estamos perante um telemóvel que nos ajuda a orientar, que nos garante não esquecer a medicação, que nos relaciona com sistemas de segurança, que nos identifica na relação institucional. Associado às pulseiras, que hoje parecem relógios, o telemóvel é um analista de saúde registando pulsações, glicemias, pO2. Os telemóveis estão, portanto, para além da privacidade, e convertem-se em nós mesmos. Eles interligam-se com os carros, com a televisão, com a luz de casa, e permitem abrir os estores e persianas, mesmo quando vamos de férias. A tecnologia invade o nosso quotidiano e começa a ser uma limitação da cidadania info-excluída.

    worm's eye-view photography of ceiling

    Na China o poder lembrou-se de utilizar isto tudo para catalogar a cidadania e pontuar as pessoas em níveis de qualidade. Podemos ser multados, repreendidos, mudados de emprego se os pontos obtidos são inadequados. O protesto ou o desvio da norma paga-se em retirada de pontuação.

    O Estado manda e tu obedeces. A sociedade caminha para uma mutação uniformizada, previsível, redutora de riscos, indutora de segurança, obsessiva de rotinas e normalização. 

    Como sempre, há coisas boas e más. Se a esta vigilância corresponder uma distribuição igualitária de bens e riqueza, se com ela houver igualdade de acesso à Saúde e à Educação, se forem induzidas para estilos de vida saudáveis, com endorfinas sempre em alta, sentem-se felizes – e são autómatos a quem se pode dar a droga da felicidade permanente. A Matrix é, pois, uma escolha à nossa frente.  

    Diogo Cabrita é médico


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  • Moreirense 3.0

    Moreirense 3.0


    Após os funestos acontecimentos da passada semana, soubesse eu tocar mais do que campainhas de porta – e já pouco treinado ando, que quase nenhumas há agora –, e tivesse eu guitarra, já a teria metido esta época no saco, e andava agora a banhos que agora está bom tempo para isso. Mas compromissos são compromissos, já nem sequer estou aqui como cronista comprometido (de águia ao peito desde que se conhece) e compenetrado (em ser de novo campeão, que uma vez mais nunca é demais), mas sim como ‘escravo’ de uma promessa. Assim não chego a político.

    Estou assim, confesso-vos, tão entusiasmado esta noite quantos as dezenas de milhares de adeptos benfiquistas que deixaram, ali em baixo, excelentes cadeiras vazias em plena bancada central mesmo no enfiamento da linha do meio-campo.

    (cheguei ligeiramente atrasado, já nem vi a águia Vitória, que deveria fazer gazeta sob protesto)

    Em todo o caso, mantenho-me empedernidamente profissional, e mesmo se seduzido por amiga para assistir a estre jogo em camarote com pitéus suculentos e fartas viandas, mas acho que já estou viciado na baguete – hoje acompanhada por snacks de milho frito com sabor a queijo, uma maçã e a habitua água pH 9,5 – com que me banqueteio – estou a exagerar, embora ainda fosse pior se escrevesse “com que me lambuzo” – desde Agosto. Em todo o caso, envia-me ela uma fotografia de uma panacota de manga que me faz o gosto. Também havia pipis… e filetes de tilápia com molho de citrinos e cama de legumes e batata. Mais um peixe do qual nunca tinha ouvido sequer falar quanto mais provar.

    (golooooooo… Kökçü numa boa jogada de contra-ataque em triangulação)

    Reparo agora melhor na equipa do Benfica – grande cronista que saio, que venho ver um jogo de bola completamente impreparado (sem falar que estou para mudar de graduação há dois meses) – e noto que está mais de meia equipa não habitualmente titular, incluindo o guarda-redes Samuel Soares. Até o Morato e o João Mário estão a jogo, o que garantidamente dará uma crise de nervos ao nosso colunista (recém-regressado de férias) Tiago Franco.

    Na verdade, e isso não é propriamente uma boa notícia, a equipa ali em baixo do Benfica – que não tem Otamendi nem Aursnes (que nem no banco estão; o segundo a cumprir castigo) nem Rafa nem Di Maria nem Florentino nem Tengstedt (e ainda bem) – nem se está a portar mal, apesar de um ou outro calafrio na defesa. Até mais solta, remata mais (bela ‘bomba’ de Arthur Cabral à barra, e um remate bem intencional em arco do lateral esquerdo Carreras). Claro, está o João Neves a jogar, o que vale meia equipa.

    Entretanto, o intervalo aproxima-se e…

    (goloooo… Tomás Araújo em insistência depois de mais um canto… esta quase não queria entrar)

    E pronto, intervalo, vai tudo descansar. E eu também; aliás, deveria era estar a dormir, que hoje descansei pouco. Ando em processo de ‘trasladação’ da minha biblioteca pessoal para a nova redacção do PÁGINA UM, e entre escrita de artigos e outras burocracias, tem-me tomado tempo de sono.

    Entretanto – e este ‘entretanto’ não vai ter golo –, começa a segunda parte, com três substituições de uma assentada, nem parece ‘coisa’ do alemão, incluindo Neres e João Neves, o que não me parece boa ideia. sobretudo por ser manter João Mário. Assegura-se assim uma segunda parte de contenção. Sonolenta, portanto. Barbitúrica, mesmo.

    Acho que vou começar a paginar a crónica, fazer o upload das fotografias… Hoje, terei de me despachar que seguirei depois para a Worten, ali no Colombo, para reclamar de uma máquina de lavar loiça Indesit que, pela segunda vez no prazo de um ano, me dá um erro F1 e nicles… Nem água mete. Volto aqui se, com um entretanto, o Benfica por um milagre marcar um golo, havendo lugar a canonização se for da autoria do João Mário.

    (olha… houve mesmo golo; marca um tipo que eu tenho de ir ver como se escreve para não me enganar: Rollheiser; isso)

    E nisto vamos no minuto 80, e eu aqui em troca de mensagem com um lagarto que anda de peito feito por mor do iminente título sem qualquer eminência. Como já devem ter desconfiado, esta crónica hoje está em serviços mínimos. Mesmo assim deverá merecer as habituais críticas sobre a independência do PÁGINA UM por se meter na bola. Amanhã é outro dia, e o PÁGINA UM UM meter-se-á com a Santa Casa da Misericórdia de XXXXXX, e depois na terça-feira com a Câmara Municipal de YYYYYYY e seguir na quarta-feira com a ZZZZZZ ZZZZZ, e por fim… assim se mostra a nossa ‘dependência’…

    Falta quatro minutos para terminar uma noite descansada. Jogo morninho. Insosso. Ou insonso, como queiram.

    E terminou. E assim cessa esta crónica. Há dias melhores; e outros bem piores, como o do dia 6. Pelo menos que em Marselha o Schmidt, sempre à rasquinha, nos conceda alegrias semelhantes às da mão do Vata em 1990, sob batuta do grande Sven-Göran Eriksson.


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  • Em defesa do livro ‘Identidade e Família’

    Em defesa do livro ‘Identidade e Família’

    Depois do famigerado logotipo, a polémica desta semana foi o lançamento do livro Identidade e Família, promovido pelo Movimento Acção Ética e apresentado esta segunda-feira pelo ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Todo este alvoroço serviu, entre outras coisas, para evidenciar as incoerências, contradições e acrobacias argumentativas de muitos críticos para quem, pelos vistos, só as opções de vida alinhadas com a agenda LGBT merecem ser promovidas e celebradas.

    Tendo lido o livro, creio que poderá ser sumarizado, em poucas palavras, como um comovente tributo à família. Em particular, sim, à dita família tradicional ou natural. Quem alega não saber o que isso é, deverá ter as suas dúvidas dissipadas se tentar formar uma família biológica sem o recurso à ciência moderna. Muito provavelmente, não vai conseguir. Contudo, ao que parece, nos mui interessantes tempos que correm, os esclarecidos são aqueles que negam a biologia, e os “chalupas” são aqueles que aceitam os seus pressupostos.

    A este respeito, as críticas à ideologia de género plasmadas no livro foram usadas para afirmar que esta obra se baseia no ódio e no preconceito. Não é o caso; pelo contrário. É, sim, uma obra assente no amor, que celebra e defende uma instituição que é a célula-base da sociedade, e que, por isso, se reveste da maior importância. Como seria de esperar, porém, serviu de fermento para o azedume e a hostilidade arraigadas contra aquilo que jornais de referência como o Expresso apelidam de direita ultraconservadora.

    O elogio e a promoção dos laços familiares tradicionais constituem hoje um discurso extremista, reacionário, fascista; enfim, perigoso ao ponto de representar um retrocesso civilizacional até à Idade da Pedra. Por outro lado, os mesmos epítetos não foram aplicados à meia dúzia de activistas – assim os denomina a imprensa mainstream – que protestaram à porta da livraria Buchholz durante a apresentação do livro, de bandeiras LGBT em punho e entoando as palavras de ordem “Morte aos Fascistas”. Estes terríveis fascistas a quem se desejava a morte, seriam, claro, todos aqueles que subscrevem o conteúdo do livro – tanto os que se encontravam dentro da livraria, e os outros.

    Vimos diversas críticas e reacções indignadas em relação ao livro. Alguns, querem convencer-nos de que a família é uma instituição ultrapassada, démodé, como se se tratasse de uma tendência sazonal que agora devemos descartar. Pretender que uma aspiração tão natural e visceral como a formação de família é algo datado é tão absurdo como dizer que necessidades básicas como comer e dormir também já estão gastas.

    brown and red wooden fish wall decor

    Muitos, dizem que a família natural não existe, e que qualquer conjunto de espécimes humanas e não-humanas pode configurar uma família, e que afirmar o contrário é retrógrado e bafiento. Eis o que já cheira a bafio: esta tentativa incessante de desfigurar a família e aniquilar os valores tradicionais. Uma intenção que não é de agora, mas que tem ganhado terreno através de uma profusão de ideias que levam ao extremo aquilo que o liberalismo tem de pior, resultando num individualismo e hedonismo doentios em que o homem e o seu desejo são a medida de todas as coisas.

    Há quem considere disparatado o desígnio da obra, e troce de alegações de que há uma guerra aberta contra a família. Ironicamente, a urticária generalizada que o livro causou comprova, precisamente, a sua pertinência e necessidade. Afinal, por que carga de água este livro seria tão polémico, se não existisse uma aversão e desejo de repressão dos valores tradicionais e à dita família natural?

    Os militantes woke asseguram-nos sempre, aliás, que não há razões para temer a defesa dos direitos da comunidade LGBT porque estes em nada prejudicam os demais membros da sociedade. Aplicando o mesmo raciocínio, porque se sentem tão incomodados com a mesma liberdade de todos os não-membros da comunidade LGBT para fazer apologia do seu modus vivendi? Parece que, afinal, só acham válido celebrar as suas próprias escolhas e estilos de vida – as pessoas conservadoras e tradicionais não têm direito a exibir orgulho pelas suas opções. Ensinar ideologia de género nas escolas não é doutrinar, dizem-nos, numa espécie de gaslighting. Mas é quem o diz, que agora entrou num pranto pela disseminação de ideias diferentes das suas, vistas como perigosas e prejudiciais.

    Embora uma certa “direita” – ou, talvez, que se identifica como direita –, tentando pôr água na fervura, tenha logo vindo acautelar que o livro não tem como co-autores apenas pessoas de uma ala mais conservadora ou religiosa, este tipo de argumentos é ceder à ‘cultura de cancelamento’ vigente. O fundamental é admitir que, sim, o livro apresenta opiniões bastante zelosas dos laços familiares tradicionais, e que essas posições são mais do que legítimas e não devem ser censuradas ou conspurcadas do debate público.

    Foi também divertido ver alguns críticos da obra a lembrar que hoje há muitas famílias monoparentais, fragmentadas, refeitas, e todos os obstáculos financeiros ou sociais que as famílias enfrentam. Mais uma vez, esta observação só reafirma a importância de se proteger e fomentar uma cultura mais amiga das famílias e propícia à criação de vínculos familiares fortes. O cenário actual em que se revela cada vez mais difícil manter uma família coesa é resultado, precisamente, da perda de valores que este livro tenta denunciar.  

    Por fim, são dignos de louvor todos os nomes que contribuíram para o livro, e que tiveram a coragem de se expor nestes tempos sombrios em que contrariar as convenções politicamente correctas torna o herege alvo de apedrejamento público. Ficou comprovadíssimo que estas iniciativas são necessárias e urgentes, como pão para a boca.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


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  • Ambição

    Ambição

    Há um silêncio que embrulha aquele senhor, não é solene, é uma cautela, um cálculo, um sorriso de escarninho. Respostas curtas e a gotejar de desdém, esperteza, manha, diria diplomacia mas prefiro dizer ardil.

    Este senhor tem a pele saudável, dentes devidamente monitorizados, perfume em aroma leve, elegante, roupa engomada e discreta. Uma aparente calma (devidamente monitorizada), senta-se de forma confortável na cadeira estofada, sem anseios ou devaneios. Boas noites de sono propiciam isto, saúde (calma).

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    Há uma trança de números que embrulha aquele senhor, moedas que geram moedas e quantos algarismos sobram para ele. Trata de assuntos. Tem três telemóveis hiperactivos e vários números importantes gravados na lista de todos. Os números são importantes, porque pertencem todos a outros senhores calmos e bem engomados, alguns eleitos, outros instituídos (ungidos), nunca encardidos ou puídos pela traça.

    Defronte da cadeira estofada está a mesa redonda com centro de pedra marmoreada, de novo com um brilho elegante (leve), e em cima da mesa os meus bonecos, desenhos suados de um esforço vão de tentar brincar aos sistemas, onde as pessoas vão ser roubadas e compartimentadas em caixas indignas, casas fatiadas como pão de forma, farelo, para render uma medida política, para acenar com circo (e pão), nós de forca em pescoços tensos, nada de calma, nada de escárnio, só cabeça baixa (não baixa, vergada, vergada pela bota da ambição).

    Há um silêncio conivente, que nos embrulha a todos perante um senhor assim, a mão estendida é sempre solene, a cautela já pouco importa. Primeiro direito. Depois esquerda e segue-se a vénia. Obra feita para encher a boca com bolo rei, e nós todos a rabear na orla da toalha, a ver se nos cai migalhas para encher a barriga, que a vida não é só rezar e sobra pouco a oeste da meseta em tempos de terceiras guerras disfarçadas de acidentes.

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    Há salas assim de cadeiras estofadas e mesas debruadas a mogno, dignas, onde ocasionalmente indignos entram de mão estendida a ver o que lhes toca, ou outros disfarçam o roncar de estômago com um pigarrear tímido, ou outros fazem peito de raposa segura das suas capacidades, ou outros entram com absoluto sentido de propriedade, cautela, cálculo, calma, ardil. E todos manobram rodas para que a coisa ande (avança, avança! Se viras as costas ao sistema, o sistema vira-te as costas a ti).

    Ora pois então o senhor calmo, composto, sossegado trata de assuntos. Um gavião. Uma pedra filosofal. (Se não comes estás a ser comido, sabes, sabes?)

    Escusemo-nos de juízos de valor, por favor, predadores fazem parte da lei natural (sabes, sabes?), eles seguem por aí a controlar a população de lebres, a restringir o crescimento dos patos bravos. Desde que as salas continuem com umbrais selectivos, desde que as pedras não se danifiquem por palmas suadas de ansiedade, os aromas permanecem sem a intensidade dos brutos, isto é importante!

    Quando o senhor se levanta, alheio a contemplações desta natureza, alheio porque genuinamente desinteressado dos novelos, (para quê novelos se já as tranças levam tanto tempo e atenção a manter apertadas?) sabemos que a conversa está encerrada. O bólide não se paga sozinho. O retemperar forças em férias onde o sol se mantém a brilhar não se sustenta a mãos estendidas. Se insistimos em novelos estranhos sobre ética e deontologia vemos a calma a perturbar-se, a impaciência sacode-lhe a anca, de repente vemos os números dos seus olhos a ponderar o quão dispensável somos, como interlocutores tão impertinentes. Que as crianças não pagam nada, e as crianças é que acreditam em heróis e vilanias.

    gold and black car license plate

    Convenhamos, de novo, não se atormentem a julgar o senhor. Entre o falcão e o bando de pombos são poucos os que escolhem os pestilentos gangrenados.

    O senhor Ambição é um motor! Toda uma economia!

    Isto no fim do dia é tudo um jogo.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


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  • A fascinante persona de Fábio Fausto nas redes sociais…

    A fascinante persona de Fábio Fausto nas redes sociais…


    Antifascista

    Antipatriarcado

    Antigenocida (mas dos genocídios maus)

    Anti-imperalista

    Anti-islamofobia

    Antigordofobia

    Feminista e LGBTQIA+ (mas só para o Ocidente, porque é multiculturalista)

    Adora a Netflix, a Big Tech e a Big Pharma, mas odeia de morte o capitalismo

    É contra a especulação financeira (excepto a do filantropo Soros)

    Versões prováveis do Fábio Fausto

    Valoriza muito o sentido de humor nas pessoas (mas somente o humor inclusivo)

    Assim como há quem se benza com Pai, Filho e Espírito Santo, Fábio Fausto, sendo laico, benze-se com «Igualdade», «de» e «Género», mantra que repete cinquenta vezes por dia

    Gosta de pronomes inclusivos e só vai a Manhattan quando se chamar Womanhattan

    Prefere ler Herstory a ler History

    Usa peoplekind em lugar de mankind, porque é mais inclusivo

    Está numa relação aberta (ainda não informou a parceira, mas apenas porque não tem nenhuma)

    Pacifista

    Progressista

    Globalista

    Decolonial

    Pró-Ucrânia, mas anti-OTAN

    Pró-Palestina, vai a manifestações com a bandeira do arco-íris e a bandeira da Palestina

    Gosta de mulheres, mas afirma-se queer

    Sente as trepidações dos ventos do tempo e está sempre do lado do vento que sopra, não por oportunismo, mas apenas por querer estar sempre do lado do progresso

    Já viajou muito pelo mundo, pelas principais cidades cosmopolitas, vive na Lapa, gosta de viajar em executiva, de ir aos lugares mais finos do Príncipe Real e a hotéis de cinco estrelas, mas o seu coração está na Cova da Moura e no Bairro da Serafina, que são os seus destinos de sonho para uma viagem que ainda não realizou

    Não foi a muitas manifestações pelo Bem (com excepção das mais mediáticas), mas põe gosto em todas

    Sonha em linguagem inclusiva

    Adora gatos e livros, especialmente livros escritos por pessoas racializadas, mulheres e trans

    Apesar de não dispensar um bom bitoque na Portugália, sonha ser vegano

    Obcecado com questões de género e ecologia (ainda que troque de iPhone todos os anos e viaje muito de avião)

    Nunca faz generalizações nem tem preconceitos, excepto sobre a escumalha dos fogareiros (vulgo taxistas) e da bófia

    Nunca discriminou ninguém com base na classe, na etnia, no género ou na orientação sexual, porque não paga estágios remunerados a todes por igual

    Adora pessoas trans e a cultura africana, sobretudo nas redes sociais

    Nunca fez uma rasteira a um cego

    Gosta de ser fotografado com pessoas com perturbação do espectro do autismo e com trissomia 21, desde que haja legendas

    a man walking a dog on a leash down a sidewalk

    Quando era pequeno, foi o primeiro a reciclar lixo no seu bairro

    Nunca, ao contrário dos colegas, apalpou uma menina quando era pequeno e está muito arrependido de ter contado uma anedota sexista aos doze anos

    Não é apologista da violência, mas já deu uns sopapos a uns fachos

    Hiperconsciente do seu privilégio de homem branco hétero e cis

    Principal qualidade: empatia (mas detesta e lincha pessoas tóxicas, tem de ser… não podemos ser tolerante com os intolerantes, já explicou Popper)

    Defeitos: só tem dois — detesta a hipocrisia e é muito teimoso na defesa dos seus ideais!

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Carta de António Costa, director do ECO (e resposta)

    Carta de António Costa, director do ECO (e resposta)


    Caro Pedro

    Sigo com particular interesse o trabalho que têm desenvolvido no PÁGINA UM, um projeto com um modelo de negócio muito diferente de outros, o que prova que há espaço para vários formatos de jornalismo e que respondem a formas muito diferentes de levar notícias aos leitores. 

    Considero, aliás, particularmente importante o trabalho jornalístico que têm desenvolvido em relação a temas como a covid-19 e as restrições à liberdade que nos foram impostas, também quanto a mim excessivas face às necessidades e longe de garantirem os resultados propagandeados. Assim como o escrutínio às contas dos grupos de comunicação social. Se o nosso papel é escrutinar os poderes, temos também de prestar contas e aceitar o escrutínio sobre o nosso próprio trabalho, e nas várias dimensões: A editorial e também a económica e financeira. 

    person holding smartphone

    Li com atenção o texto que escreveu sobre a nomeação do novo secretário de Estado da Presidência, Rui Armindo Freitas, e as ilações que retira na sequência dos resultados económicos e financeiros da Swipe News. O texto não é bem uma notícia, tem factos, mas também opinião e processo de intenção que justificam esta minha mensagem — que está autorizado obviamente a usar, só lhe pedindo que, se o fizer, a publique na íntegra; e não, isto não é um direito de resposta ao abrigo da lei [da imprensa], é apenas um comentário construtivo e que tenta ajudar os leitores da PÁGINA UM com informação e enquadramento que estão ausentes da texto que fez. É também, ainda mais importante um direito de defesa do trabalho de uma redação e de todos os trabalhadores.

    O Pedro cita factos indesmentíveis: Rui Armindo Freitas foi vogal e presidente do CA [conselho de administração] e é também um acionista absolutamente minoritário da Swipe News. Obviamente não respondo por um acionista que passou a governante, mas considerar “larga experiência” de media uma presença não executiva num conselho de um jornal que nasceu em 2016 não será exatamente o que poderíamos classificar de rigor jornalístico. Eu tenho 32 anos de profissão, o que será então esta experiência? Depois, os resultados da Swipe, editoriais e económico-financeiros, são devidos em particular aos promotores executivos, portanto, a mim próprio, e não aos administradores não-executivos e menos ainda a acionistas que se limitam a aprovar contas anuais e demais atos competência de assembleia geral. Devo acrescentar que os acionistas do ECO são conhecidos desde o primeiro dia, com total transparência. 

    Começo, de qualquer forma, pelo fim: o Pedro faz um processo de intenções sobre prejuízos e a conversa sobre ajudas públicas. Deveria saber, e isso, neste contexto, justificava uma evidente referência, que o ECO recusou os apoios públicos que foram dados aos meios no quadro da pandemia. Fomos um dos dois meios que recusou a ajuda. Por convicção, independentemente do valor. Os órgãos de comunicação social devem escrutinar o poder político e não receber fundos decididos por governos. Cria no mínimo um risco de perceção de independência, mas cada um sabe de si. O ECO recusou, e voltará a recusar se a ajuda não for dada diretamente ao leitor. Mas o Pedro faz um processo de intenção que não é, permita-me também o escrutínio do que escreve, intelectualmente honesto nem justo: Faz uma relação entre membros do Governo e a sua passagem pela Swipe News com “o debate para eventualmente salvar com dinheiros públicos (leia-se dinheiro dos contribuintes) modelos de negócio de empresas de comunicação social com resultados económicos desastrosos”. Como escrevi, não subscrevemos esse modelo de negócio (se é que o podemos chamar assim). 

    António Costa, director do ECO desde a sua fundação.

    O ECO tem sete anos, um período de vida ainda curto para um meio de comunicação social. Não sei exatamente o que considera “resultados económicos desastrosos”, mas o nosso plano previa – e prevê – um equilíbrio operacional ao fim de sete anos. Na verdade, as contas de 2023, já fechadas mas a aguardar aprovação da AG [assembleia geral], ainda ditam um prejuízo operacional, mas muito menor do que em 2022, próximo do equilíbrio, como terá oportunidade de confirmar em breve. Não, não é, como tenta adivinhar (num texto que se apresenta como notícia), mais meio milhão de euros de prejuízo. 

    Além disso, obviamente, o consumo de capital acionista – 4,6 milhões como é publico – não é o mesmo que prejuízos acumulados, como refere. Será seguramente um lapso, admito. Mas qualquer euro de prejuízo é sempre muito. Enquanto acreditar no caminho a seguir, e enquanto os leitores quiserem ler o ECO, continuaremos a fazê-lo, com todas as dificuldades que se apresentem. 

    Uma coisa é certa: nestes primeiros sete anos, o negócio do ECO resultou de publicidade e financiamento acionista. Não temos dívidas ao Estado, não aceitamos fundos públicos, nem sequer fizemos lay-off no período da pandemia, como sucedeu noutros meios. E não, como escreve erradamente, o ECO não vive de financiamento bancário, simplesmente porque não o tem, apenas de acionistas. Volto a repetir: Não temos dívidas ao Estado nem à banca.

    O ECO tem mais de 25 jornalistas, portanto um criador de emprego num setor reconhecidamente difícil do ponto de vista do negócio, mas que depende em primeiro lugar da qualidade do jornalismo que se faz. E continua a crescer em receita e audiência. A operação económica e financeira é difícil? Claro que é. O ECO está a fazer um caminho para a sustentabilidade económica e financeira. O recente aumento de capital foi mais um passo, e outros se seguirão. Para garantir um objetivo estratégico, a situação líquida positiva. E as condições para continuar a investir em pessoas, e para pagar melhores salários.

    Ainda há dias um meio de comunicação social anunciava o seu fim por razões “exclusivamente financeiras”. Obviamente uma falácia, porque se não há receitas para pagar a estrutura – sejam elas comerciais, de subscritores ou de acionistas, ou tudo somado – é porque o meio não está a corresponder às necessidades de informação dos leitores a que se dirigirá. Mas também tenho curiosidade em saber quais são as receitas da PÁGINA UM e os seus custos (confesso que não fui ao portal da ERC para ver as contas) e quantos jornalistas tem a trabalhar em exclusivo. Paga-se? Tem prejuízos? Qual é o salário médio bruto no PÁGINA UM? 

    two black headphones on brown wooden table

    Última nota para a referência às várias marcas do ECO – devidamente registadas na ERC – como meios de brand content. Talvez não seja leitor regular das notícias publicadas por meios como a Advocatus, o Capital Verde ou o ECO Seguros. O ECO identifica de forma clara o que é branded. Estes meios são especializados nestas áreas, têm editores e procuram responder às necessidades de informação dos leitores que têm interesse nas respetivas notícias. 

    Prezo mesmo o trabalho da PÁGINA UM, sou leitor assíduo. Não preciso de concordar com tudo o que fazem para considerar que prestam um serviço aos leitores. Mas tenho de discordar de um tom – muitas vezes, demasiadas vezes – moralista, a pregar uma verdade. Já temos disso em demasia no espaço público. Cumprindo-se as regras éticas e deontológicas, não há melhores e piores, nem os bons nem os maus. Descredibiliza o papel da PÁGINA UM quando não resiste a comentários e especulações no meio de notícias – pelo menos são apresentadas como tal –, algumas delas contra outros jornalistas e redatores que não têm quaisquer responsabilidades editoriais de decisão. Isso é um leitor a falar.

    A independência é um critério essencial do jornalismo, mas não é um fim em si mesmo se o trabalho jornalístico não for rigoroso e se não separar de forma clara a notícia da opinião. Tão importante como a independência é a verdade. Podemos, na verdade, ser dependentes dos nossos próprios preconceitos e preferências, pondo em causa a verdade.

    Bom trabalho a toda a equipa do PÁGINA UM, continuarei a ser leitor assíduo e exigente.

    António Costa

    Diretor do ECO


    Resposta de Pedro Almeida Vieira

    Alguns dos pontos da carta do director do ECO, que agradeço pessoalmente, até pela postura dialogante necessária entre camaradas de profissão com pontos de vista distintos, merecem breves esclarecimentos. A crítica ao meu estilo de escrita jornalística – que não é único, e que tem ganho adeptos sobretudo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) – tem um claro intuito depreciativo, no sentido de falta de rigor. Estranho muito (ou talvez não) que tal suceda, porque o estilo que uso – e onde explicitamente se mostra o que são factos e o que é opinião (tanto assim que os visados facilmente distinguem) é muito similar ao que usava, por exemplo, na revista Grande Reportagem há já mais de 20 anos. Ficam agora chocados por o manter nesta década num jornal independente? Convenhamos: aquilo que no PÁGINA UM talvez incomode certos arautos é exactamente o rigor: raramente escrevo sem dados, sem números, sem documentos. Ora, detendo os factos, analiso e interpreto-os, contextualizo, e se considerar relevante oiço opiniões ou peço comentários.

    No jornalismo começam a surgir ‘correntes’ (defendidas pela ERC, CCPJ e CD-SJ) de que, para tudo, se exige contraditório (mesmo quando existem documentos) e que só uma condenação em tribunal concede o direito de se fazer denúncias jornalísticas, não bastando apenas documentos nem fontes seguras. Quer-se fazer do jornalismo um mero ‘relator’ de opinião, um simples ‘pé de microfone’. Quer-se um jornalismo amorfo, irrelevante, inútil. Sou contra essa visão. Se o jornalismo não servir para denunciar casos anómalos, para interpretar documentos, para expor estratégias ou estratagemas que se podem tornar ‘daninhas’, então serve apenas como meio de comunicação social. Isso é muito pouco. O jornalismo é muito mais do que isso.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Portanto, a notícia sobre o desempenho empresarial do novel governante Rui Freitas na sua passagem pela Swipe News – que deverá ser relevante, até porque mereceu a sua ida para a administração da Media Capital, que teve um volume de negócios de 149 milhões de euros em 2022 – tem evidente interesse noticioso. E ademais usando os indicadores financeiros desta empresa disponíveis, incluindo as demonstrações financeiras de 2022. Sobre este aspecto, os ‘erros’ apontados por António Costa não fazem sentido, a menos que as contas da Swipe não revelem a realidade. Por um lado, na notícia falei sempre em capitais próprios (ou seja, naqueles que estão sob a alçada dos accionistas, e que não são meramente as acções subscritas) e quanto aos prejuízos acumulados constituem o somatório dos resultados transitados desde 2016.

    Por outro lado, sobre a alegada ausência de dívidas bancárias, reiterada por António Costa, convém referir que na demonstração dos fluxos de caixa da Swipe News em 2022 surge o recebimento de 529.265,36 euros através de “financiamentos obtidos” e no balanço contabiliza-se um passivo de cerca de 1,58 milhões de euros na rubrica de “financiamentos obtidos”, que não empréstimos sequer dos accionistas. Pode haver, obviamente, outras modalidades de financiamento (que não passem por instituições bancárias), mas numa simplificação (e à falta de dados) estamos perante o equivalente a empréstimos bancários com pagamento de juros. Aliás, a Swipe News assume mesmo a existência de empréstimos bancários na sua demonstração de resultados de 2022, uma vez que suportou o pagamento de juros no valor de 29.167,51 euros, o que se coaduna, face às taxas de juro praticadas naquele ano, com empréstimos em curso na casa de um milhão de euros. 

    Além dessa análise financeira, enquadrei-a justificadamente no contexto político de profunda crise financeira da imprensa tradicional em Portugal. Praticamente todas as grandes e médias empresas de media estão com prejuízos inacreditáveis, e há duas soluções políticas: ou salvar tudo, ou deixar o mercado funcionar, aceitando que haja despedimentos, mas tornando os títulos que sobrevivem com maior capacidade de fazer bom jornalismo com um mercado publicitário sem se imiscuir na parte editorial. Neste contexto, é mais do que aceitável a especulação – que diabo!, nas secções de política fartam-se de fazer isso, e sem sequer uma fonte –, atendendo ao facto de a crise na Global Media (e em tantos outros grupos de media) terem levado diversos partidos a considerarem viável e aceitável uma intervenção do Estado para ‘salvar’ o jornalismo. Aceito que o António Costa tenha um conceito demasiado restrito do termo ‘especulação’; eu prefiro no jornalismo usar a acepção mais filosófica de especulação: indagação intelectual, feita de forma autónoma ou independente de fundamentos empíricos, mas com premissas em dados. Essa é também a função de um jornalista: dar ‘pistas’ para uma reflexão. Desde que se seja honesto na apresentação dos dados é mais do que legítimo.

    Um outro ponto relevante na missiva de António Costa refere-se à questão dos branded contents. Como se sabe, sou visceralmente contra a promiscuidade entre jornalismo e conteúdos pagos ou eventos que empresas privadas e públicas pagam aos media e que têm a presença de ‘jornalistas da casa’. O ECO – mais as suas diversas marcas – é um dos órgãos de comunicação social que mais usa esse modelo de negócios, e pode António Costa garantir haver uma clara distinção. Eu acho que não há, porque alguém escreve aqueles textos e eu não vejo na ficha técnica do ECO uma lista de pessoas (não-jornalistas) responsáveis pela escrita dos tais branded contents. E mesmo nas diversas marcas do ECO, como, por exemplo, na Capital Verde, nem sequer tem a lista de jornalistas ou a identificação de quem escreve os textos de marketing. Aliás, o caso do ECO deve mesmo merecer uma profunda reflexão. Não me parece que seja bom para o jornalismo – e para o próprio António Costa, como jornalista – haver uma ‘secção’ no seu jornal, a Advocatus, e da qual ele é formalmente responsável editorial, mas que, na verdade, é detida por uma empresa, a Newsengage, da qual o dono (com 99%) é João Paixão Martins, actual dono da LPM (fundada pelo seu pai, Luís Paixão Martins), uma das mais influentes agências de comunicação do país. Haver agências de comunicação a deterem órgãos de imprensa parece-me um absurdo.

    No dia em que os órgãos de comunicação social com branded contents passarem a exibir, na ficha técnica, a lista de redactores (sem carteira profissional de jornalista, mas devidamente identificados) que escrevem os conteúdos patrocinados, e os directores e ‘jornalistas da casa’ deixarem de participar em eventos de marketing das suas empresas, então aí muitas questões serão clarificadas e a confiança aumentará.

    São estas as questões fundamentais a debater numa profissão onde a credibilidade vale muito, onde mais se aplica a máxima “a mulher de César tem de ser e parecer séria”.

    gray concrete road between brown grass field at daytime

    Por fim, o PÁGINA UM não tem um modelo de negócio tradicional; aliás, desafia os princípios económicos, porque é de open access – ou seja não está restrito apenas aos assinantes – e não tem publicidade nem parcerias comerciais. Vive apenas de donativos dos leitores. O objectivo fundamental do PÁGINA UM, além de dar notícias (e sobretudo daquelas que os outros não dão), é demonstrar valor intrínseco do Jornalismo. Ora, como é óbvio, em Portugal esta modalidade não dará (ainda) para criar uma redacção digna com meios semelhantes aos outros. E por uma simples razão, o PÁGINA UM não se endivida, e por isso o seu passivo é virtualmente zero (no final de Dezembro fica apenas para pagar o remanescente de impostos à Autoridade Tributária e Aduaneira, que são saldados nos primeiros dias de Janeiro). Em dois anos, o PÁGINA UM teve receitas de um pouco menos de 100 mil euros; e poderíamos ter contratado cinco ou seis jornalistas, teríamos feito muito mais, mas provavelmente teríamos agora um prejuízo de 200 mil ou 300 mil euros. Estaríamos como o ECO e muitos outros. Ora, somos de opinião de que esse não é o caminho para o PÁGINA UM. Cresceremos se os nossos leitores assim o desejarem. São eles, na verdade, os nossos accionistas: valorizando o nosso trabalho com os seus donativos.

    Quanto à transparência do PÁGINA UM, está tudo no Portal da Transparência dos Media, e pode ser consultado também o IES – Informação Empresarial Simplificada referente ao ano de 2022. Nas próximas semanas serão disponibilizadas as contas de 2023, que foram positivas. Aliás, como poderíamos falar de empresas de media com prejuízos se nós também apresentássemos prejuízos?

    P.S. Esta resposta está longe de encerrar o debate. Pelo contrário. Penso que somente agora começa.

    Pedro Almeida Vieira

    Director do PÁGINA UM


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