Etiqueta: Destaque Opinião

  • Viva a Liberdade!

    Viva a Liberdade!

    A pretexto dos 50 anos da Revolução dos Cravos, um texto da autoria do rapper Estraca.

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    Viva a Liberdade!

    A liberdade do politicamente correto,

    do pensamento único,

    do silêncio das cantigas.

    Cuidado, avisem os poetas que existe um novo dicionário das palavras proibidas.

    Liberdade moderna, dirias tu, o maior ditador das nossas vidas.

    Fascistas que se acham democratas,

    democratas que são fascistas,

    são as feridas do passado que reflectem na ignorância deste povo fraco, que a única coisa que sabe fazer é andar com cravo na mão a gritar Liberdade…

    É Abril, a igualdade, grita a tia da Lapa, toda ela cheia de privilégios com a sua mala de marca, a cantar o Grândola Vila Morena.

    Mas sabem uma coisa? Eu não tenho pena.

    Que se lixem todos com este sistema que legitimam com a vossa cegueira ideológica.

    Acreditam mais em políticos do que em vocês mesmos.

    É este o país que temos, onde o voto virou um acto de preguiça.

    Votas para ser governado, entregas tudo ao senhor engravatado, que te rouba, explora,

    e diz-te que não és escravo.

    E tu repetes: eu não sou escravo, isso são coisas do passado, eu não sou escravo, eu dou metade daquilo que eu ganho a um Estado que nada me dá,

    mas não sou escravo…

    Eu penso algo diferente daquilo que eles querem que eu pense, e sou censurado,

    mas não sou escravo.

    É a política do tem que ser,

    tem que haver respeitinho…

    Então, isto agora é assim?

    Viramos todos uns rebeldes?

    Temos que respeitar os senhores que cuidam com muito carinho e dedicação da nossa vida e da nossa nação,

    que nos oferecem a ração,

    que nós pagamos,

    que nos dão metade daquilo que nos tiram,

    mas pelo menos dão.

    E sim! Eu sou livre.

    A televisão disse-me que eu era livre.

    Os políticos e até os meus ídolos me confirmaram que eu era livre…

    É porque eu sou livre.


    Só seremos livres quando soubermos que somos escravos. Esse é o primeiro passo para a Liberdade!


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  • O Povo Unido já foi vencido (e não sabe)

    O Povo Unido já foi vencido (e não sabe)


    Canta-se ‘Grândola, Vila Morena’ a descer a Avenida. Cravos vermelhos na mão, ao peito, ou no cabelo. Caminha-se emocionado, lado a lado com outros portugueses, respirando a memória daquele dia 25 de Abril, faz 50 anos (a minha idade).

    Como a Revolução, também eu nasci em Abril de 1974. Cresci a ouvir as histórias de censura, repressão e medo, muito medo. De política, não se podia falar. Na minha família, havia essa noção e esse conselho era passado às novas gerações. O medo pode ser poderoso. Já não se vivia em ditadura mas a memória dele permanecia (e ele vivia).

    Ouvindo os gritos e vivas à democracia na Avenida, vejo os rostos dos que, de cravo ao peito, desconhecem que nos jornais, nas rádios e nas TVs já não se pode falar de muitos temas importantes para ‘o povo’. Abril é hoje uma sombra do que foi. E o povo canta, sem saber que a nova era de censura e repressão chegou e prospera, cresce, alimenta-se, flui. O povo canta, mas não sabe.

    O povo não sabe que só sai na imprensa o que é ‘autorizado’. O mantra da ditadura de ‘não se fala de política’ foi substituído por ‘não se fala de políticas de Saúde’, ‘não se fala da censura’, ‘não se fala que há um jornalista preso há 5 anos no Reino Unido’. E, sobretudo, ‘não se fala das novas leis de censura e repressão’.

    Ouço na Avenida os cânticos da Revolução, incluindo ‘O povo é quem mais ordena’. Mas o povo não tem hoje um direito fundamental: o do acesso a informação. Porque os media, a imprensa, não dão informação fora da considerada válida pelo regime. Pior. Os media, hoje, são parte do regime. Estão soldados e inseparáveis.

    E que regime é esse? É um regime cuja função é, exclusivamente, defender e proteger interesses financeiros e comerciais. É um regime apropriado à era do consumo fácil, do compra e deita fora, do troca de carro todos os anos.

    O povo não sabe e canta. Caminha de cravo na mão, feliz por estarmos todos a celebrar Abril. Mas celebrar Abril estando às escuras quanto à realidade actual, que inclui a censura e a repressão, não é uma celebração, é uma condenação. Celebrar Abril na ignorância das notícias que não são autorizadas a sair é condenar a Revolução.

    carnation, flowers, red

    Esta semana, foi debatido na Assembleia da República um tema de enorme relevância para o futuro do país e dos portugueses. Em outros tempos, seria tema de telejornais em horário nobre. seria tema de primeira página. Seria tema a destacar pelas agências noticiosas e pelas rádios. Mas tente-se procurar notícias sobre esse debate. Deixo esse desafio. O tema que foi debatido foi tão somente o plano da Organização Mundial de Saúde (OMS) de preparação do mundo para futuras pandemias e crises de saúde pública. Que tenha reparado, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social a acompanhar o debate.

    O povo não sabe que houve mudanças profundas no plano nos últimos dois meses. Porquê? Porque tiveram de cair propostas que estavam na mesa, incluindo a eliminação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais do artigo 3º do Regulamento Sanitário Internacional. Mas esta era apenas uma das medidas totalitárias e extremistas que estavam na mesa. Outras tiveram de ser ‘riscadas’ do plano. Mas outras medidas polémicas continuam na mesa de negociação. O povo não sabe e este plano da OMS pode ser já adoptado por Portugal no final de Maio.

    E porquê a censura? Porque é um tema sobre políticas de Saúde. O leitor pergunta: porque há censura de temas de Saúde? Porque é uma área que envolve muito, muito dinheiro dos cofres estatais e que é fácil de controlar pela informação que é passada ao ‘povo’. Se o povo só souber o que as TVs passam, o povo é fácil de dominar e aprovará tudo o que lhe disserem que ‘é para o seu bem’. O povo obedecerá e tudo o resto será ‘desinformação’.

    A área de Saúde envolve algo crucial para controlar a população: o medo. O medo de se ficar doente, de morrer, de perder familiares e amigos para vírus e doenças.

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    Mas não é apenas a área de saúde que é alvo de censura por parte dos media. Também a Ciência em geral. Os melhores estudos científicos em diversas áreas são omitidos ao ‘povo’ pela imprensa. Os cientistas e especialistas mais conceituados nunca são entrevistados e até são difamados pela imprensa.

    A censura chega aos jornalistas. Muitas ‘cachas’, temas que seriam manchete, abertura de telejornal, são metidos na gaveta, abafados, escondidos. Jornalistas incómodos , que querem fazer o seu trabalho, são metidos na prateleira.

    Mas o povo canta na Avenida. Os jornais publicam cravos na capa. As TVs passam as imagens da festa de Abril com tom emocionado dos pivots.

    Recordar Abril é fácil (e bom). Honrar Abril é que é cada vez mais difícil na nova era de censura e perseguição.

    Numa entrevista recente ao PÁGINA UM, Stella Assange, mulher do jornalista Julian Assange, disse que o seu marido tem sido “um canário na mina de carvão”. Julian está detido numa prisão de alta segurança no Reino Unido há cinco anos e arrisca a extradição para os Estados Unidos. Biden quer julgá-lo por… ter publicado informação confidencial, incluindo denunciando crimes de guerra cometidos por Estados, incluindo a morte de jornalistas.

    Pouco ou nada se fala de Assange nos media portugueses. Se estivesse preso na Rússia seria notícia todas as semanas.

    a picture of a burger with a free assange sign on it
    (Foto: Samuel Regan-Asante)

    As ditaduras estão aqui, à nossa porta e a porta já foi aberta. O totalitarismo foi convidado a entrar. O povo unido ‘come e cala’ e ainda canta enquanto come, porque nem sabe o que está a comer.

    Muita legislação tem sido aprovada em países ocidentais com vista a condicionar fortemente a liberdade dos jornalistas e da imprensa e para censurar a liberdade de expressão. Da União Europeia, ao Canadá, Brasil, Austrália, Irlanda, está a ser construído um edifício legislativo de suporte à nova era totalitária. E o povo não sabe porque a imprensa se recusa a noticiar este facto. Este edifício legislativo é um dos pilares do novo regime ocidental anti-democrático, anti-liberdade, anti-jornalismo.

    Este novo regime alimenta os abusos comerciais cometidos por multinacionais, alimenta as políticas globalistas que querem anular culturas e comércio local, alimentam o capitalismo selvagem. Ou seja, este novo regime ocidental alimenta (e alimenta-se de) tudo aquilo que os chamados partidos da esquerda dizem combater.

    E o cravo é agora usurpado, como outros símbolos da liberdade e da democracia, e é usado para promover este novo regime de ‘falsa democracia’ e ‘falsa liberdade’… e do falso jornalismo dos mass media do regime.

    Mas o povo canta, descendo a Avenida. E a imprensa distribui imagens de cravos enquanto anda de braço dado com os opressores e censores.

    Naquela história do elefante que viveu preso toda a vida, o animal, depois de solto, continuou a andar apenas em redor do poste que o prendia. Não sabia que tinha sido libertado. Aqui, em Portugal, no mundo ocidental, o povo tem vindo a ser preso numa redoma de ferro mas sempre com música da revolução e com cravos vermelhos. Está cada vez mais confinado a uma redoma de censura e condicionamento e não sabe.

    O povo pensa que é livre porque canta ‘Grândola, Vila Morena’ e desce a Avenida. O povo pensa que vive em democracia porque vota. O povo pensa que é livre porque pessoas do mesmo sexo se podem casar. Porque o povo pode ir a festivais de música com bandas do estrangeiro. Tudo isto é bom e uma alegria. Mas não chega.

    Na redoma de ferro invisível, sem acesso a informação de forma livre, o povo canta. Dá graças a todas as migalhas de liberdade que o novo regime permite que existam.

    Da imprensa, aos grandes motores de busca na Internet (como o Google), passando por grandes redes sociais ou pela Wikipedia, é patente a ausência de alguma informação verdadeira, factual e crucial que o ‘povo’ devia saber. Pior. Há deturpação de informação e difamação de ‘opositores’ ao regime. A gigantesca indústria de censura que tem vindo a ser montada pelo novo regime ocidental está aí em força. E o povo não sabe.

    a city street with a red building in the background
    Avenida da Liberdade (Foto: Alice Kotlyarenko)

    Os que lutam contra esta prisão que está quase a ser concluída, fazem uma luta desigual. Mas lutam. Do jornalismo, passando por empresários, por plataformas na Internet, passando por activistas da sociedade civil e mesmo políticos de diversos backgrounds e ideologias, a luta continua. E o povo não sabe.

    Como aconteceu com o caso do plano pandémico da OMS, a imprensa convenceu o povo que o tema é… da ‘extrema-direita’. Como é que o debate sobre o que está nas propostas para a criação de um plano de preparação para pandemias é da ‘extrema-direita’? Quem acredita nisto? Caramba!. Este tema, como outros, não tem cor partidária nem ideologia. Não tem género, nem sexo, nem etnia. O tema do plano pandémico da OMS diz respeito a todos nós, humanos a viver nos países que o irão subscrever e adoptar. Por isso, é bom que saibamos o que está a ser feito para nós e por nós (supostamente).

    Censurar o debate deste tema deveria fazer soar os alarmes. É mais um ‘canário na mina de carvão’. Será que é porque se está a querer criar uma indústria de pandemias para vender produtos, testes, aparelhos, medicação, apps de rastreio? Para impor a venda destes produtos que serão, na maioria, pagos com dinheiros públicos e para encher os bolsos de multinacionais e organizações? Ou o que está a ser feito está a ser bem feito, a pensar efectivamente na saúde pública? Só saberemos se pudermos ter acesso a informação. E isso é o que falta, hoje, sobre este tema e muitos outros.

    Por isso, quando hoje passarem nas TVs as imagens a preto e branco a recordar Abril de 1974, vale a pena pensar na tal redoma de ferro invisível que está a ser construída. Vale a pena pensar que é fácil hoje passar nas TVs imagens de há há meio século e não se consegue ver nas TVs imagens de acontecimentos que estão a acontecer na actualidade. O mesmo se aplica aos jornais e às rádios.

    (Foto: D.R./Arquivos RTP)

    Recordar é bom. Mas não se significar viver num passado de recordações e canções enquanto se ignora que não se é livre. Livre para saber, para se informar, para tomar decisões e apoiar políticas de forma consentida. Sem acesso a informação, o povo é convencido que há temas de que não se fala. Convence-se o povo que temas de relevo como o da Saúde, Liberdade de Expressão, são temas com cor política. Não são. É o novo ‘não se fala de política’ como havia na ditadura do Estado Novo.

    Também canto ‘Grândola, Vila Morena’. Mas canto triste e ao mesmo tempo com esperança. Esperança de que o povo desperte uma madrugada, ao som de uma música na rádio, e desperte, saia do transe em que caiu. E que esse despertar seja o início do fim desta nova ditadura sem rosto, sem nome, mas que nos ameaça manter todos presos. Presos e calados mas com cravos na mão e com autorização para, todos os anos, celebrarmos Abril na Avenida.

    Elisabete Tavares é jornalista


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  • 25 de Abril, roubos mil

    25 de Abril, roubos mil


    Celebremos os cinquenta anos transcorridos desde o advento da “democracia” em Portugal, após o alívio do jugo opressivo imposto pelo Estado Novo, cuja duração, por mero acaso, se estendeu por um período de quarenta e oito anos (1926-1974).

    Tudo teve início, como não poderia deixar de ser, com as nobres inquietações salariais de um grupo de militares que se sentiam injustiçados com a progressão de carreira dos oficiais milicianos; afinal, quem se preocupava verdadeiramente com o destino do povo?

    Esse mesmo povo que, num ímpeto de efémera exaltação colectiva, celebrara Marcelo Caetano no Estádio Nacional alguns dias antes, ou que, posteriormente, de forma eloquente, empunhava cravos e bradava “abaixo o fascismo” e “morte ao ditador”.

    Apenas um ano e sete meses mais tarde, encontrávamo-nos novamente diante da necessidade preeminente de um novo golpe militar, conhecido como o 25 de Novembro, que se revelou essencial para a efectivação da tão ansiosamente almejada “liberdade” que o precedente movimento militar havia prometido restaurar.

    Neste turbilhão político, o Estado português abandonava os seus concidadãos no Ultramar à própria sorte, privando-os dos bens e propriedades acumulados ao longo de uma vida inteira. O resultado foi que muitos chegaram a Lisboa apenas com a roupa que tinham sobre o corpo, enfrentando meses de penúria e de luta pela sobrevivência. Este triste episódio ficou gravado na memória como a chamada descolonização exemplar! Para trás, ficaria um rastro de destruição, guerras civis, fome e morte que, até hoje, deveria envergonhar-nos.

    Até à data, o Estado português não indemnizou estes portugueses, nem tão pouco os jovens arrancados das suas aldeias e deslocados para travar uma guerra a milhares de quilómetros de casa, em que muitos regressavam mutilados, doentes ou mesmo num caixão. Que ironia: o mesmo regime, por intermédio do seu representante máximo, ousa agora afirmar que Portugal deve pagar pela escravatura em África! Surge a questão: inclui os descendentes daqueles africanos que, através de guerras, escravizaram os seus próprios conterrâneos para vendê-los nas praias ao longo de séculos?

    Eleita a 25 de Abril de 1975, a assembleia constituinte teve como principal objectivo redigir uma nova constituição que reflectisse os “ideais democráticos e as aspirações do povo português” – sempre pungentes as aspirações do colectivo –, fixando no seu preâmbulo um programa socialista: “abrir caminho para uma sociedade socialista”.

    Neste cenário, surgiram dois partidos socialistas, cujos camaradas, aliados e comparsas se têm regozijado em saquear a população portuguesa ao longo de mais de cinco décadas. Parece que o tão aclamado caminho em direcção à sociedade socialista se revelou, na verdade, uma jornada lucrativa para esta casta parasitária.

    Desde então, a carga fiscal subiu de uns modestos 16% do PIB para uns impensáveis 35,8%! Considerando o actual PIB (277 mil milhões €) e a tributação de 1974, isso equivaleria a uma redução de 55 mil milhões de euros, ou seja, aproximadamente 5.500 € a menos roubados a cada português a cada ano.

    Desde logo, fomos brindados com um flagrante desrespeito pela propriedade privada, quando uma série de ocupações de terras e propriedades, destacando-se como parte fulcral do intitulado movimento de “reforma agrária”, irrompeu em cena. Para o descalabro total, não poderiam faltar as nacionalizações, decididas de forma arbitrariamente selectiva – quem terá o poder de discernir os “sectores-chave”? O colectivo? -, abrangendo áreas como a banca, as companhias de seguros, os transportes e as indústrias base.

    Estas supostas “reformas” revelaram-se tão bem-sucedidas que, em 1977, testemunhámos a primeira bancarrota do actual regime, acompanhada da estreia dos predadores internacionais no nosso país: o Fundo Monetário Internacional (FMI).

    Como é de praxe, o programa adoptado impunha medidas “drásticas”, que incluíam cortes nos gastos públicos, mas também o aumento do confisco à população: impostos e desvalorização da moeda. Notável! Alguns anos antes, o Estado português era proprietário das oitavas maiores reservas de ouro do mundo, e era responsável por uma dívida pública praticamente inexistente. O regime exibia então pela primeira vez as suas habilidades: transformar o ouro em cinzas! Não satisfeitos, repetiu a bancarrota em 1983, com novo recurso ao FMI. Como sempre, com um impacto severo na população: aumento do desemprego, salários em atraso e redução dos rendimentos reais.

    Em 1986, optámos por alienar nossa soberania à então Comunidade Económica Europeia (CEE). Ao que parece, enviavam montantes astronómicos de fundos “grátis” para “auxiliar-nos” a superar o nosso atraso atávico, do qual, até os dias actuais, jamais recuperámos. A adesão proporcionava fabulosas sinecuras à casta parasitária, garantindo-lhes, ao mesmo tempo, o voto do rebanho, através da “oferta” de subsídios para cessar produção e quilómetros de auto-estradas.

    Em 1992, com a assinatura do Tratado de Maastricht, cedemos uma vez mais a nossa soberania à CEE, que era então rebaptizada como União Europeia, alçando-se ao estatuto de unidade política, em detrimento de uma mera união aduaneira. Além disso, previa-se a criação do Euro, abolindo igualmente a soberania monetária dos Estados aderentes.

    A casta parasitária não desapontou diante deste grandioso “desafio” nacional: a adesão ao Euro e a transferência do monopólio da sua emissão ao Banco Central Europeu (BCE). Foi o período do choque fiscal, seguido do episódio emblemático do “país está de tanga”; do “menino guerreiro” e do ilustre engenheiro, herdeiro de uma fortuna guardada num cofre e avaliada em um milhão de contos!

    Para a população, foi a era do dinheiro “grátis” para a habitação e o respectivo mobiliário, automóveis e férias de sonho. Já para a casta parasitária, foram tempos de auto-estradas, às vezes duas para o mesmo trajecto, de parcerias público-privadas desastrosas para o rebanho, de aeroportos sem passageiros e de estádios sem espectadores. Foram, sem dúvida alguma, momentos de glória!

    Foram momentos tão gloriosos que, em 2011, testemunhámos a terceira bancarrota do regime; segundo a lenda, surgiram entraves na obtenção de financiamento para a dívida pública nos mercados internacionais. Em tradução clara: não havia um tostão para pagar salários dos funcionários do Estado, e tampouco havia alguém disposto a emprestar. Então, eis que surgiram o FMI e a União Europeia para “auxiliar” o povo português, com a concessão de empréstimos, em troca de mais um saque à população. Desta vez, até tiveram de vender tudo ao desbarato: companhias aéreas, redes eléctricas, infra-estruturas aeroportuárias e serviços postais. Em cada bancarrota, assistíamos sempre ao enriquecimento de várias personagens do regime.

    Após o regresso à “normalidade”, depois dos anos negros da austeridade, apareceu a guerra ao “vírus”. Desta vez, as tão almejadas liberdades individuais oferecidas pelo regime foram suspensas: confinamentos ilegais, fecho de escolas, abandono de idosos, fraldas faciais, passaportes nazis e vacinas “salvíficas”. O fascismo tinha regressado em força, desta vez pelos altos representantes da casta parasitária de cravo na lapela.

    A guerra contra o “vírus” revelou-se um colossal empreendimento e uma redistribuição de riqueza sem precedentes em favor da casta parasitária: aquisição de “vacinas” experimentais, campanhas “solidárias”, compra de “batas e fraldas faciais”, assessorias jurídicas, e assim por diante. Simultaneamente, o rebanho foi mais uma vez pilhado sem piedade: inflação descontrolada, encerramento arbitrário de negócios, resgate de companhias aéreas insolventes e uma constante escalada da carga fiscal.

    As sucessivas crises e a suposta pandemia concederam à União Europeia poderes sem precedentes; hoje, é de facto um superestado federal que dita a nossa política monetária, a maioria da legislação nacional, sem qualquer escrutínio democrático, e determina o que é verdadeiro – como evidenciado pelo regulamento dos serviços digitais –, e o que é propaganda – basta observar o encerramento da agência de notícias russa Sputnik e do canal de televisão RT. Que admirável exemplo de democracia e liberdade de expressão na nova ordem europeia!

    train passing in between buildings

    O temos hoje? Uma dívida pública colossal, de 269 mil milhões de Euros, o equivalente ao actual PIB, quatro milhões de pobres, um crescimento económico anémico, em torno de 1% por ano desde o aparecimento do Euro, risível face ao crescimento económico no último período do Estado Novo (5,1% por ano entre 1953 e 1974), um parlamento em que o partido “fascista” é o único que defende a liberdade, face a nova tentativa de cedência de soberania a entidades supranacionais, uma total falta de transparência da administração pública, em contradição com a constituição, e censura e cancelamento de opiniões da população que faria corar os censores do lápis azul do antigo regime.

    Mas, respiremos fundo! Temos um representante máximo da República que nos ajudará a celebrar os 50 anos de Abril, depois de ter afirmado que o actual primeiro-ministro é lento e rural, enquanto o seu antecessor era só lento, mas era por ser oriental – estão a compreender? Nada disto é xenofobia nem tão pouco é racismo. O regime e os órgãos de propaganda reservam sempre esses epítetos para o partido “fascista”. Celebremos então Abril; celebremos o assalto de 50 anos ao rebanho.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • O final do alcoolismo

    O final do alcoolismo

    Continuava a sentir-me no país de outro homem, sentia a forma como era estrangeiro, a minha solidão.

    V.S. Naipaul

    THE ENIGMA OF ARRIVAL


    Os momentos em que os governos das democracias recentes tomam posse costumam ser aqueles em que o eleitorado insuspeito sente mais dificuldades em perceber como é que vão concretizar-se novas medidas que nos façam de facto mais felizes, e o momento presente, em que se testam as primeiras águas do novo governo, não foge à regra. Um quarto dos eleitores de Estremoz votou na AD. Mas essas pessoas, agora, terão todas a ganhar com os cortes nos impostos que se perspectivam? Serão todas elas mais felizes quando entrarem em vigor as novas margens de manobra para as rendas das casas? E o pior é ouvir a Assembleia da República em peso a discutir o novo Orçamento Geral do Estado. Pergunto-me qual dos meus vizinhos é que vai beneficiar com ele e não sei. Não sou tão burra como pareço, bolas. Apenas não vivo naquele país, pela simples razão de que nem toda a gente lá vive.


    Se a democracia portuguesa fosse tão disfuncional como qualquer outra nas suas redondezas, então os portugueses não abandonavam Melides para irem trabalhar em Andorra, nem trocavam Lisboa por Berna, nem largavam São Pedro de Moel para se fixarem em Cardiff, nem tomavam mais nenhuma das muitíssimas outras opções de vida deprimentes que podiam listar-se daqui em diante, o que aliás seria completamente desnecessário porque a moral da história está mais do que implícita: a democracia portuguesa só pode ser disfuncional, porque, por mais que o seu país seja bonito e agradável, e ainda por cima cheio de gente a quem os mesmos adjectivos se aplicam, os portugueses continuam a deixá-lo para trás, geração atrás de geração atrás de geração. Temos o clima que temos e gozamo-lo com a nossa proverbial simpatia, enquanto que em Londres chove o ano inteiro, o céu do fim da tarde fica negro de estorninhos que são uma praga infestante pior que os pombos, e as pessoas têm um carácter tão tendencialmente agreste que já ninguém que partilhe a sua vida volta para casa sem passar primeiro pelas happy hours da saída dos empregos. E, no entanto, é para lá que não param de partir os jovens portugueses – em bandos, como os estorninhos. E, no entanto, ali estão os nossos novos governantes a debater as suas novas medidas, que farão dos portugueses um povo feliz. A seguir os comentadores políticos falam interminavelmente sobre quem disse o que quê nessa nova lista das compras do que desta vez se pretende fazer, como se a  lista em si nos tivesse parecido diferente de várias outras, ou como se o tempo em que todos vivíamos bem em Portugal e pagávamos em Euros essas vidas já tivesse existido.

    man and woman sitting and facing near concrete fence during golden hour

    Uma democracia não perde a sua virtude democrática por ser disfuncional. Nem Portugal é a única democracia disfuncional de toda a Europa, para não irmos mais longe. Um país pode ter o seu eleitorado dividido quase ao meio entre a extrema-direita e o socialismo, como o Brasil ou os Estados Unidos, que isso não torna a sua democracia disfuncional, por muito que possamos dizer cobras e lagartos de metade dos seus habitantes. Mas não são falsidades como as de Trump, ou manipulações de contagens de votos como as de Bush Jr., que levam levam os americanos a abandonar o seu país. O que faz partir um grande número de portugueses é a escassez de políticas frontalmente empenhadas na maior felicidade de quem não tiver garantias de meios. Ou seja, o que torna uma democracia disfuncional é notar-se que está atravessada por uma linha horizontal, e tudo o que se passa na sua política e nas suas instituições, a beneficiar alguém, beneficia quem se encontra no espaço superior a essa linha. No espaço inferior a essa linha as pessoas ou dificilmente são beneficiadas, ou – com bastante frequência – são prejudicadas.

    Como a maioria dos portugueses, as pessoas aqui em Estremoz podem ter poucos meios mas fazem tudo o que podem para se sentirem felizes, e usam todos os pretextos a que têm acesso para se divertirem. Além de todas as datas mágicas que se prestam a feriados, pontes, bandas, e danças, procuram-se pretextos especiais para almoços e jantares sempre que estes são possíveis, e basta haver sol para se juntarem grupos nas esplanadas assim como basta que as noites aqueçam para que quem vive dentro das casas se sente cá fora, nos degraus da entrada, a conversar em voz branda para um lado e outro da rua ou mesmo só a ver quem passa. Mas ultimamente festeja-se menos, porque a metade do país que fica na linha inferior da disfuncionalidade não tem dinheiro para festejos. Muita gente não tem nesse extracto não tem dinheiro nem para convidar um amigo, um único, para almoçar ou para jantar. É possível ir para uma esplanada e só tomar um café, mas só um café compra menos tempo. Isto faz todas estas pessoas verem-se quase de repente obrigadas a viver muito mais sós. E, por isso mesmo, mais tristes.

    a woman sitting on a wooden swing in the middle of a field

    Os cálculos de poupança que levavam estas pessoas a ir abastecer e comprar gás a Badajoz podiam não estar feitos a regra e esquadro, mas a verdade é que os abastecimentos em Espanha já eram um hábito antigo, que se tinham generalizado ainda mais depois de começar a Guerra da Ucrânia – e, com ela, começarem as subidas de preço da gasolina, que em Portugal pareciam suceder-se dia sim dia não. Agora quem vive abaixo da linha divisória não abastece em Espanha coisa nenhuma. Nem compra gás. Se por qualquer razão a sua vida depender mesmo de ir a Badajoz, já nem apanha a autoestrada. Ir passear a Espanha, fazer umas compras, e de caminho meter gasolina, podia ser uma tradição que perdeu todo o sentido financeiro com o passar do tempo. Mas foi uma tradição de décadas, e os preços recentes da gasolina portuguesa rejuvenesceram-na. Até pode não ser ir abastecer a Badajoz que faz falta. Mas saber-se que se pode, mesmo que pouco ou nada se ganhe com a manobra – isso sim, isso claro que faz falta. E, para quem já tem pouco dinheiro, é uma recordação acrescida de que passou a haver ainda menos dinheiro, de tal forma que já praticamente nada depende do que queremos fazer mas antes do que somos obrigados a fazer. As grandes depressões não têm só por causa grandes desgostos de amor.

    Tenho ouvido várias vezes falar da falta de dinheiro para comprar medicação prescrita para tomar duas vezes ao dia pela mãe, pelo pai, por um dos filhos, ou pela própria pessoa que está a falar comigo. O ano passado, as farmácias armaram-se de umas maquinetas que não deixam sair um único medicamento que não seja pago primeiro – e não devem ter feito isso por acaso. Às vezes eu por acaso sei que os fármacos que as pessoas não conseguem comprar são fundamentais para o convívio com uma ou outra doença mais ou menos séria. “Então mas estás sem comprar isso há quanto tempo?” – “Há uns dois ou três meses, o que é que tu queres?

    A história mais impressionante daqui do fundo da linha, no entanto, para mim foi a dos bêbedos.

    Quando acaba a folia do Carnaval, tenho por hábito ir tomar café, tão cedo quanto possível, a um barzinho que fica aberto a noite inteira, e de onde, por vezes, ainda vão os últimos bêbedos a retirar-se aos risos, caminhando sem tombos por forma a homenagearem as suas máscaras de mulheres. Faço isto para ouvir as conversas dos velhotes, que entretanto chegam a passo vagaroso, de samarra vestida e boné na cabeça em qualquer altura do ano, para se encostarem ao balcão, pedirem o seu café com bagaço ou então só o seu bagaço, e começarem a questionar o jovem proprietário sobre os bêbedos do Carnaval.

    clear glass tumbler on brown wooden tray

    Ainda no ano passado, a conversa, quando eu entrei, ia nisto:

    Então oh pá. E tivestes cá muito bêbedo?

    O rapaz até apoiou a cabeça na mão antes de se pôr a acenar.

    Ai deixem-me cá.

    Os velhotes inclinaram-se por cima do balcão.

    Tudo maluco, era? Tudo aos berros? Dá-me aí outra pinguinha. Muita bêbedo, hã?

    O rapaz tinha um pano na mão, que pousou de repente para calar toda a assembleia num só gesto.

    Vocês não imaginam a quantidade de miúdas bêbedas que me entraram por aqui adentro, ouviram? Miúdas novinhas, miúdas da idade da minha filha, pois acreditem, aparecem-me aqui com catorze anos e nem se têm em pé, e lá fora umas gritam, outras vomitam, e eu só insisto que não as sirvo, mas é que não as sirvo, e que não as sirvo nem por nada, e elas a dizerem-me de todas as tendinhas onde as serviram e eu que dali que se ponham mas é a andar antes que eu chame a polícia, e elas num estado que já nem queriam saber, eu não servia nem rapazes de catorze anos mas olhem que elas são piores, até tentaram ir-me à cara, se não estivessem tão bêbedas ainda me matavam.

    Os velhotes ouviram aquilo tudo sem dizer uma palavra, e a seguir puseram-se a debater baixinho qual deles é que já se metia assim nos copos aos catorze anos. E, sobretudo, se no tempo deles alguma miúda faria o mesmo.

    Fazer, faziam,” concluiu lapidarmente um dos mais velhos. “Aí por esses montes, onde não havia mais nada, onde não vivia mais ninguém, onde os pais e as mães estavam sempre borrachos e toda a gente sabia onde é que ficavam as chaves para as adegas, vá que às vezes faziam. Mas não faziam era essas figuras, e muito menos vinham fazê-las às claras para o centro da cidade.

    O centro histórico, ainda por cima,” protestou outro velho, menos velho.

    Na esperança de testemunhar mais material que pode sempre vir a ser usado para qualquer coisa, este ano voltei ao barzinho logo a seguir ao Carnaval.

    a man laying in the grass with a bottle of beer

    Como cheguei bastante mais tarde, encontrei tudo muito limpo e arrumado e não estava lá dentro velho nenhum.

    O que vale é que, à custa de tanto trabalho de campo, por estes dias o rapaz já me conhece bem.

    Então conte lá,” perguntei eu, à falta de quem o fizesse por mim, “como é que foi esta noite, muitos bêbedos?

    Ele pôs-me o café e o copo de água do costume em cima do balcão, sem sequer fazer uma daquelas suas perguntas de gozo mútuo como por exemplo “ora então diga-me lá em que é que esta humilde casa pode servi-la.” Depois olhou para mim com um ar de desgosto tão sincero, tão sentido, que não podia ser nenhuma fita.

    E disse:

    Olhe, menina Clarinha. Não há mais esperança. Até já os bêbedos estão tesos.

    E foi acabar de fechar a loja sem mais uma palavra.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


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  • Entre Gaza e Montenegro

    Entre Gaza e Montenegro



    Lá fora.

    Não sou grande coisa nas teorias da conspiração, mas estou com alguma dificuldade em chamar ataque ao que o Irão fez em Israel. Enviar drones com aviso de dois dias e hora marcada para um sítio onde mora o melhor sistema de defesa anti-aérea do mundo é algo esquisito. Visto daqui, pareceu mais o envio de uma encomenda com número de localização. A DHL faz isso todos os dias com mais sucesso porque, por norma, as encomendas chegam mesmo ao destino.

    No caso do ataque a Israel, tivemos o privilégio de o ver em direto. Horas e mais horas com os jornalistas sem saber bem o que dizer, enquanto enchiam alguns chouriços. Nós em casa de pipocas na mão enquanto no estúdio alguém dizia: “dentro de uma horas espera-se que cheguem”. Os drones, entenda-se. 

    Grey Jet Plane

    A aviação civil desviava-se da zona e em aplicações como o “Flightradar” íamos seguindo a movimentação ao segundo. O mundo esperava a entrega dos mísseis e por todos os noticiários ouvíamos que “o ataque estava iminente”.

    Serei o único a achar que a coisa foi mal e porcamente ensaiada, num acto de real politik de vão de escada?

    Ora, recapitulemos. 

    Israel, que não tem entretenimento suficiente com o genocídio que vai perpetuando em Gaza, mandou uns rapazes da Mossad matar uns generais na embaixada do Irão em Damasco (Síria). Deixaram cartão de visita para o mundo ter a certeza que era um acto israelita. Típico de Israel, isto de atacar em segredo e depois gritar “fui eu”.

    Vendo isto, o regime iraniano que não quer entrar no conflito no Médio Oriente (apenas patrociná-lo), ficou naquela de posição de “ouve lá, temos que fingir que lhes queremos dar uma chapada para não parecermos uns bananas”. Dão umas conferências de imprensa e anunciam a hora e minuto do ataque de retaliação.

    a red and white flag

    Em Israel desligam a Cúpula de Ferro (Iron Dome) para poupar energia e apanharam os drones com uma rede para borboletas. O “ataque” iraniano resultou numa pessoa ferida com uns estilhaços e outras 7 que tropeçaram uns nos outros a correr para os abrigos.

    No fim, os iranianos pediram aos americanos que não se metessem e prometiam que não faziam mais nada e, os israelitas, fingiram que estavam muito chateados e foram logo a correr para o conselho de segurança da ONU, pedir sanções e fazer o papel de vítima.

    Em poucas horas o genocídio de Gaza desapareceu das notícias e Israel voltou a merecer a solidariedade internacional por estar “sob ataque”. Os 34000 palestinianos que Israel matou desde 7 de Outubro e os 76000 que feriu, ficaram nos estilhaços que feriram uma pessoa com drones iranianos. As 26000 crianças mortas ou feridas em Gaza, estão agora escudadas pelas palavras de Ursula Von Der Leyen que, de imediato, se colocou ao lado de Israel depois do “bárbaro” ataque iraniano que feriu uma pessoa e danificou um armário de três espelhos numa base aérea qualquer.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. (Foto:D.R./CE)

    A hipocrisia de quem nos dirige e a forma como nos tentam fazer passar por estúpidos, atinge em 2024 níveis de uma obscenidade como eu nunca pensei ver. É que nem para os jogos de bastidores se esforçam por criar algo que o grande público consiga engolir sem se enjoar.

    Da próxima vez que virem um aumento nos combustíveis, já sabem. Foi o Irão. Dá-se um grito no médio oriente e sobe o preço da gasolina, larga-se uma bomba no Donbass e temos mais três meses com taxas de juro sufocantes. O tal Ocidente civilizado tem todas as desculpas que precisa para nos fazer pagar cada conflito, organizado pelas elites governantes, sem que possamos sequer dizer que não. 

    Cá dentro.

    Luís Montenegro a discursar no Parlamento. (Foto: D.R./Foto oficial)

    Este primeiro mês de governo AD não foi bem aquilo que se esperava, não é?  O tal choque fiscal prometido por Montenegro é, afinal, um empadão requentado que o PS tinha deixado no forno. Pelas contas que vi, esta fabulosa baixa de impostos vai deixar cada português com mais 3 euros na carteira e beneficiar, essencialmente, os salários mais altos. Há ainda os cortes no IRC que vão permitir à banca e aos grandes grupos da distribuição que aumentem, ainda mais, o jackpot de lucros que se arrasta desde o crescimento da inflação e das taxas de juro.

    Não é que existissem grandes dúvidas sobre os interesses que a AD vinha defender para o governo, Montenegro foi claro durante a campanha sobre eles. Mas espero que os eleitores tenham percebido agora melhor quais eram. Entre a habitual cacofonia do “dar tudo a todos” que se ouve em campanha, por vezes é difícil captar a mensagem. Esta era bastante simples e bastava ter visto a actuação do PSD, preocupado em defender os interesses da Vinci, depois de ser conhecido o último relatório da comissão técnica para o novo aeroporto de Lisboa. 

    O PSD está no governo para defender o interesse das classes altas e dos grupos económicos. Que surpresa! Que espanto! Que novidade! E com o CDS de Nuno Melo de arrasto, com algum jeito ainda vamos andar a falar da ilegalização do aborto ou das famílias “tradicionais” de 1950.

    Foi isto que elegemos, espero que seja claro ao fim do primeiro mês do executivo em funções. 

    Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional. (Foto: D.R./Foto oficial/CDS-PP)

    A somar a esta constelação, ainda vemos que o Chega, o tal partido que vinha limpar Portugal, tem deputados com cadastro, a serem investigados ou com histórias de vida que contradizem aquilo que o partido transformou em programa. O caso do deputado que foi imigrante ilegal e sobre quem o Ventura já mentiu (em relação a ter fugido da guerra nas colónias quando o homem tinha emigrado em 1976), é a cereja no topo do bolo.

    Tal como os membros do governo que estão debaixo de suspeita ou mesmo a serem investigados. Casos e casinhos, tal e qual como nos tempos do PS, para que ninguém fique aflito com saudades.

    Pode parecer algo simplista da minha parte mas visto daqui do meio do Atlântico, parece que nada de essencial mudou. Variámos o lado do Centrão e mantivemos as políticas, piorando provavelmente o apoio ao SNS e à escola pública. Ah…e voltámos à selva do alojamento local e das rendas sem fim. Portanto, em 30 dias conseguiram destruir uma das poucas coisas em que o PS tinha acertado.

    thumbs down, disapprove, gesture

    Ao ver este governo lembro-me de um técnico de segurança aeronáutica que me explicava como o preço de um bilhete refletia as políticas de uma companhia. “Meu amigo, se você paga 30 euros na Ryanair e 300 euros na Lufthansa, é porque os segundos fazem gastos que os primeiros não fazem. Em pessoal, infraestruturas ou peças, algo é poupado, logo, a qualidade não pode ser a mesma. Em resumo, você paga o que recebe.”

    E foi isto que nos aconteceu, mas ao contrário. Pagamos efectivamente para andar na Lufthansa mas, entre PS e PSD, não saímos daquele irritante amarelo da Ryanair. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • Um mundo às avessas

    Um mundo às avessas


    Vivemos em tempos nada convencionais, onde o preto se torna branco, o certo se confunde com o errado e a moral se desvanece na imoralidade. Parece que a harmonia está em falta nos tempos actuais. Será este o capítulo contínuo da fórmula ancestral utilizada pelo escol para nos dominar: problema, reacção, solução? Vivemos propositadamente num incessante pavor, num turbilhão perpétuo de confusão.

    No último fim-de-semana, tivemos um ataque do Irão a Israel, através do lançamento de uma chuva de mísseis e drones. Porém, para espanto – ou assim nos dizem os órgãos de propaganda -, a Cúpula de Ferro de Israel, essa “maravilha da tecnologia”, funcionou com uma precisão imaculada, anulando qualquer ameaça. É fascinante contemplar uma pequena nação, rodeada de inimigos, na vanguarda tecnológica, destemida, mesmo perante ataques com armas sofisticadas e letais.

    man in room

    Comparem com a tragédia do último 7 de Outubro. Os “corajosos” militantes do Hamas decidiram fazer uma visita a Israel, não apenas por terra ou mar, mas também pelo ar, sim, de parapente! O mais incrível é que isso aconteceu sem que os guardiões da fronteira mais vigiada do mundo, com todo o seu aparato tecnológico, se tivessem dado conta do que estava a acontecer. Durante horas a fio, os intrépidos membros do Hamas tiveram o luxo de assassinar, violar e fazer reféns à vontade, sem encontrar qualquer tipo de resistência ou alerta dos sistemas de vigilância. Passámos da idade da pedra à guerra das estrelas numa questão de meses.

    Agora, a insanidade nacional, tão cativante na sua extravagância. Um dos nossos estimados órgãos de propaganda, sob a sábia direcção do seu ilustre director, decidiu brindar-nos com uma revelação de tirar o fôlego: o governo recém-empossado, num acto de “completa surpresa para todos”, teve a ousadia de nos mentir! Num tom pungente e indignado: “É mais que um embuste. É enganar os portugueses!”.

    Realmente, é jocoso pensar que a nobre classe parasitária, que tão gentilmente nos assalta há meio século, poderia, por um segundo sequer, abster-se de nos privar de mais alguns tostões. Ainda mais hilário é quando nos asseguram que se tratava, afinal, de uma redução apenas ligeiramente menor, como se estivessem a tentar convencer-nos de que a mão do assaltante estava apenas um pouco menos profunda no nosso bolso. O que realmente me surpreende é que haja milhões de portugueses e, pelos vistos, alguns “jornalistas” que ainda engolem estas patranhas: de que nos vão “restituir” os “nossos” suados impostos!

    Noutro órgão de propaganda, desta vez inteiramente pago pelos “nossos impostos” – se fossem nossos, não teríamos de os pagar! -, a comentadora de um programa semanal sobre política lançava-nos esta pérola: “…para haver mais democracia, as redes têm de facto mandar calar os seus utilizadores”, numa clara defesa da liberdade de expressão e de respeito por opiniões contrárias. Fica sempre a pergunta: alguém a pode mandar calar?

    Não satisfeita, noutro programa, obtivemos outra pérola do mesmo personagem: “Não se nasce mulher, tornamo-nos mulheres, porque é uma construção social e específica de um terminado tipo de sociedade”. Na verdade, quando na adolescência me apareceu a barba, questionei seriamente a minha mãe por que razão estava a ser vítima de uma construção social. Aparentemente, a sociedade congeminava para me fazer crescer pêlos na cara.

    Os sábios comentadores deste país maravilhoso asseguram-nos que está tudo a correr pelo melhor com a imigração. Sentados confortavelmente nos seus SUVs, desfrutando das casas no centro de Lisboa, provavelmente no Príncipe Real, sentem-se invariavelmente muito satisfeitos com os imigrantes: servem-nos à mesa, entregam-lhes comida em casa, limpam-lhes a casa, um sem fim de glórias a preço de escravo. Enfim, os imigrantes adicionam sempre um toque “cosmopolita” à coisa e, claro, para eles, o fenómeno nunca representa qualquer ameaça à sua segurança e bem-estar.

    Neste contexto, foi bem elucidativo o acontecimento pitoresco na praia do Tamariz, Estoril, no último fim-de-semana: um combate de boxe entre jovens em pleno areal, com uma turba em seu redor a fazer apostas. Ali, tivemos a confirmação de que esses jovens imigrantes não só não representam nenhum problema de segurança, como também serão os nossos salvadores financeiros, ajudando-nos generosamente a pagar as “nossas reformas”. Os tais comentadores ainda têm a coragem de ficar surpresos com o sucesso do “partido fascista”.

    Na incansável batalha antifascista travada pelos nossos estimados órgãos de propaganda, fomos brindados também com uma entrevista imperdível. Um “escritor e ex-militar” decidiu partilhar a sua perspicaz visão sobre o “partido fascista”, declarando solenemente: “Os líderes da extrema-direita representam a escória da sociedade”. Reparem bem: aqui não se trata de discurso de ódio, não! Trata-se apenas de um facto incontestável, um veredicto irrevogável: são simplesmente a escória, e ponto final. A doçura da democracia em pleno vigor!

    comfort room signage

    Por fim, deram-nos a conhecer cafés nos EUA que podem ajudar a “aliviar a ansiedade da crise climática” nos jovens norte-americanos. Em relação aos jovens da praia do Tamariz, estou seguro de que não necessitam de frequentar tais estabelecimentos. Aliás, seguramente que o boxe no areal resolve todos estes problemas de ansiedade com a máxima rapidez.

    Neste sentido, recomendo ao Diário de Notícias que faça uma reportagem sobre estes jovens, pois estou certo que ansiedade climática é que coisa que não abunda por ali. Aliás, devia ser exportada para os Estados Unidos, como mais uma solução para a “ansiedade climática” que tanto afecta a juventude.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • A Matrix aqui à nossa frente

    A Matrix aqui à nossa frente


    Um jovem contou no programa da Antena 1 “Portugueses no Mundo”, como é a sua vida na China, dependente de um telemóvel. Na China, diz ele, é impossível viver sem telemóvel: ” se a bateria do telemóvel acaba, não dá para apanhar o metro para ir para casa, não dá para chamar um táxi, não dá para pagar a comida, não dá para fazer nada”.

    O dinheiro como objecto praticamente desapareceu e se queremos um bilhete de metropolitano, temos uma aplicação; para um restaurante, outra aplicação; para o táxi, nova aplicação; para entrar no prédio há dependência de outra aplicação, ou de um registo biométrico. Somos controlados no tempo gasto, na presença nos espaços e na actividade de compras ou de ócio.

    person carrying umbrellas

    O telemóvel é agora um porta-moedas, um bilhete de identidade e uma chave. Na China passaram do dinheiro para as aplicações. Por acaso também regista fotos, permite filmes e jogos e também acesso à Internet e a telefonar. Tendo localizadores e mecanismos de orientação, o telefone é agora o que garante a nossa cidadania vigiada. Estamos protegidos pois indica quem se aproxima, e escolhe os encontros que desejamos ter. O telemóvel é uma rede de encontros, uma forma de negociar e sobretudo uma fonte de informação.

    O jovem gostava, e achava que as aplicações, que só são disponibilizadas em chinês, são amigas do utilizador, fáceis de perceber, e de interiorizar, mesmo não conhecendo a língua. Nos restaurantes, por exemplo, nem sequer precisa de interagir com os empregados. Tudo se faz por um aplicativo.

    Do ponto de vista conceptual estamos perante um telemóvel que nos ajuda a orientar, que nos garante não esquecer a medicação, que nos relaciona com sistemas de segurança, que nos identifica na relação institucional. Associado às pulseiras, que hoje parecem relógios, o telemóvel é um analista de saúde registando pulsações, glicemias, pO2. Os telemóveis estão, portanto, para além da privacidade, e convertem-se em nós mesmos. Eles interligam-se com os carros, com a televisão, com a luz de casa, e permitem abrir os estores e persianas, mesmo quando vamos de férias. A tecnologia invade o nosso quotidiano e começa a ser uma limitação da cidadania info-excluída.

    worm's eye-view photography of ceiling

    Na China o poder lembrou-se de utilizar isto tudo para catalogar a cidadania e pontuar as pessoas em níveis de qualidade. Podemos ser multados, repreendidos, mudados de emprego se os pontos obtidos são inadequados. O protesto ou o desvio da norma paga-se em retirada de pontuação.

    O Estado manda e tu obedeces. A sociedade caminha para uma mutação uniformizada, previsível, redutora de riscos, indutora de segurança, obsessiva de rotinas e normalização. 

    Como sempre, há coisas boas e más. Se a esta vigilância corresponder uma distribuição igualitária de bens e riqueza, se com ela houver igualdade de acesso à Saúde e à Educação, se forem induzidas para estilos de vida saudáveis, com endorfinas sempre em alta, sentem-se felizes – e são autómatos a quem se pode dar a droga da felicidade permanente. A Matrix é, pois, uma escolha à nossa frente.  

    Diogo Cabrita é médico


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  • Moreirense 3.0

    Moreirense 3.0


    Após os funestos acontecimentos da passada semana, soubesse eu tocar mais do que campainhas de porta – e já pouco treinado ando, que quase nenhumas há agora –, e tivesse eu guitarra, já a teria metido esta época no saco, e andava agora a banhos que agora está bom tempo para isso. Mas compromissos são compromissos, já nem sequer estou aqui como cronista comprometido (de águia ao peito desde que se conhece) e compenetrado (em ser de novo campeão, que uma vez mais nunca é demais), mas sim como ‘escravo’ de uma promessa. Assim não chego a político.

    Estou assim, confesso-vos, tão entusiasmado esta noite quantos as dezenas de milhares de adeptos benfiquistas que deixaram, ali em baixo, excelentes cadeiras vazias em plena bancada central mesmo no enfiamento da linha do meio-campo.

    (cheguei ligeiramente atrasado, já nem vi a águia Vitória, que deveria fazer gazeta sob protesto)

    Em todo o caso, mantenho-me empedernidamente profissional, e mesmo se seduzido por amiga para assistir a estre jogo em camarote com pitéus suculentos e fartas viandas, mas acho que já estou viciado na baguete – hoje acompanhada por snacks de milho frito com sabor a queijo, uma maçã e a habitua água pH 9,5 – com que me banqueteio – estou a exagerar, embora ainda fosse pior se escrevesse “com que me lambuzo” – desde Agosto. Em todo o caso, envia-me ela uma fotografia de uma panacota de manga que me faz o gosto. Também havia pipis… e filetes de tilápia com molho de citrinos e cama de legumes e batata. Mais um peixe do qual nunca tinha ouvido sequer falar quanto mais provar.

    (golooooooo… Kökçü numa boa jogada de contra-ataque em triangulação)

    Reparo agora melhor na equipa do Benfica – grande cronista que saio, que venho ver um jogo de bola completamente impreparado (sem falar que estou para mudar de graduação há dois meses) – e noto que está mais de meia equipa não habitualmente titular, incluindo o guarda-redes Samuel Soares. Até o Morato e o João Mário estão a jogo, o que garantidamente dará uma crise de nervos ao nosso colunista (recém-regressado de férias) Tiago Franco.

    Na verdade, e isso não é propriamente uma boa notícia, a equipa ali em baixo do Benfica – que não tem Otamendi nem Aursnes (que nem no banco estão; o segundo a cumprir castigo) nem Rafa nem Di Maria nem Florentino nem Tengstedt (e ainda bem) – nem se está a portar mal, apesar de um ou outro calafrio na defesa. Até mais solta, remata mais (bela ‘bomba’ de Arthur Cabral à barra, e um remate bem intencional em arco do lateral esquerdo Carreras). Claro, está o João Neves a jogar, o que vale meia equipa.

    Entretanto, o intervalo aproxima-se e…

    (goloooo… Tomás Araújo em insistência depois de mais um canto… esta quase não queria entrar)

    E pronto, intervalo, vai tudo descansar. E eu também; aliás, deveria era estar a dormir, que hoje descansei pouco. Ando em processo de ‘trasladação’ da minha biblioteca pessoal para a nova redacção do PÁGINA UM, e entre escrita de artigos e outras burocracias, tem-me tomado tempo de sono.

    Entretanto – e este ‘entretanto’ não vai ter golo –, começa a segunda parte, com três substituições de uma assentada, nem parece ‘coisa’ do alemão, incluindo Neres e João Neves, o que não me parece boa ideia. sobretudo por ser manter João Mário. Assegura-se assim uma segunda parte de contenção. Sonolenta, portanto. Barbitúrica, mesmo.

    Acho que vou começar a paginar a crónica, fazer o upload das fotografias… Hoje, terei de me despachar que seguirei depois para a Worten, ali no Colombo, para reclamar de uma máquina de lavar loiça Indesit que, pela segunda vez no prazo de um ano, me dá um erro F1 e nicles… Nem água mete. Volto aqui se, com um entretanto, o Benfica por um milagre marcar um golo, havendo lugar a canonização se for da autoria do João Mário.

    (olha… houve mesmo golo; marca um tipo que eu tenho de ir ver como se escreve para não me enganar: Rollheiser; isso)

    E nisto vamos no minuto 80, e eu aqui em troca de mensagem com um lagarto que anda de peito feito por mor do iminente título sem qualquer eminência. Como já devem ter desconfiado, esta crónica hoje está em serviços mínimos. Mesmo assim deverá merecer as habituais críticas sobre a independência do PÁGINA UM por se meter na bola. Amanhã é outro dia, e o PÁGINA UM UM meter-se-á com a Santa Casa da Misericórdia de XXXXXX, e depois na terça-feira com a Câmara Municipal de YYYYYYY e seguir na quarta-feira com a ZZZZZZ ZZZZZ, e por fim… assim se mostra a nossa ‘dependência’…

    Falta quatro minutos para terminar uma noite descansada. Jogo morninho. Insosso. Ou insonso, como queiram.

    E terminou. E assim cessa esta crónica. Há dias melhores; e outros bem piores, como o do dia 6. Pelo menos que em Marselha o Schmidt, sempre à rasquinha, nos conceda alegrias semelhantes às da mão do Vata em 1990, sob batuta do grande Sven-Göran Eriksson.


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  • Em defesa do livro ‘Identidade e Família’

    Em defesa do livro ‘Identidade e Família’

    Depois do famigerado logotipo, a polémica desta semana foi o lançamento do livro Identidade e Família, promovido pelo Movimento Acção Ética e apresentado esta segunda-feira pelo ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Todo este alvoroço serviu, entre outras coisas, para evidenciar as incoerências, contradições e acrobacias argumentativas de muitos críticos para quem, pelos vistos, só as opções de vida alinhadas com a agenda LGBT merecem ser promovidas e celebradas.

    Tendo lido o livro, creio que poderá ser sumarizado, em poucas palavras, como um comovente tributo à família. Em particular, sim, à dita família tradicional ou natural. Quem alega não saber o que isso é, deverá ter as suas dúvidas dissipadas se tentar formar uma família biológica sem o recurso à ciência moderna. Muito provavelmente, não vai conseguir. Contudo, ao que parece, nos mui interessantes tempos que correm, os esclarecidos são aqueles que negam a biologia, e os “chalupas” são aqueles que aceitam os seus pressupostos.

    A este respeito, as críticas à ideologia de género plasmadas no livro foram usadas para afirmar que esta obra se baseia no ódio e no preconceito. Não é o caso; pelo contrário. É, sim, uma obra assente no amor, que celebra e defende uma instituição que é a célula-base da sociedade, e que, por isso, se reveste da maior importância. Como seria de esperar, porém, serviu de fermento para o azedume e a hostilidade arraigadas contra aquilo que jornais de referência como o Expresso apelidam de direita ultraconservadora.

    O elogio e a promoção dos laços familiares tradicionais constituem hoje um discurso extremista, reacionário, fascista; enfim, perigoso ao ponto de representar um retrocesso civilizacional até à Idade da Pedra. Por outro lado, os mesmos epítetos não foram aplicados à meia dúzia de activistas – assim os denomina a imprensa mainstream – que protestaram à porta da livraria Buchholz durante a apresentação do livro, de bandeiras LGBT em punho e entoando as palavras de ordem “Morte aos Fascistas”. Estes terríveis fascistas a quem se desejava a morte, seriam, claro, todos aqueles que subscrevem o conteúdo do livro – tanto os que se encontravam dentro da livraria, e os outros.

    Vimos diversas críticas e reacções indignadas em relação ao livro. Alguns, querem convencer-nos de que a família é uma instituição ultrapassada, démodé, como se se tratasse de uma tendência sazonal que agora devemos descartar. Pretender que uma aspiração tão natural e visceral como a formação de família é algo datado é tão absurdo como dizer que necessidades básicas como comer e dormir também já estão gastas.

    brown and red wooden fish wall decor

    Muitos, dizem que a família natural não existe, e que qualquer conjunto de espécimes humanas e não-humanas pode configurar uma família, e que afirmar o contrário é retrógrado e bafiento. Eis o que já cheira a bafio: esta tentativa incessante de desfigurar a família e aniquilar os valores tradicionais. Uma intenção que não é de agora, mas que tem ganhado terreno através de uma profusão de ideias que levam ao extremo aquilo que o liberalismo tem de pior, resultando num individualismo e hedonismo doentios em que o homem e o seu desejo são a medida de todas as coisas.

    Há quem considere disparatado o desígnio da obra, e troce de alegações de que há uma guerra aberta contra a família. Ironicamente, a urticária generalizada que o livro causou comprova, precisamente, a sua pertinência e necessidade. Afinal, por que carga de água este livro seria tão polémico, se não existisse uma aversão e desejo de repressão dos valores tradicionais e à dita família natural?

    Os militantes woke asseguram-nos sempre, aliás, que não há razões para temer a defesa dos direitos da comunidade LGBT porque estes em nada prejudicam os demais membros da sociedade. Aplicando o mesmo raciocínio, porque se sentem tão incomodados com a mesma liberdade de todos os não-membros da comunidade LGBT para fazer apologia do seu modus vivendi? Parece que, afinal, só acham válido celebrar as suas próprias escolhas e estilos de vida – as pessoas conservadoras e tradicionais não têm direito a exibir orgulho pelas suas opções. Ensinar ideologia de género nas escolas não é doutrinar, dizem-nos, numa espécie de gaslighting. Mas é quem o diz, que agora entrou num pranto pela disseminação de ideias diferentes das suas, vistas como perigosas e prejudiciais.

    Embora uma certa “direita” – ou, talvez, que se identifica como direita –, tentando pôr água na fervura, tenha logo vindo acautelar que o livro não tem como co-autores apenas pessoas de uma ala mais conservadora ou religiosa, este tipo de argumentos é ceder à ‘cultura de cancelamento’ vigente. O fundamental é admitir que, sim, o livro apresenta opiniões bastante zelosas dos laços familiares tradicionais, e que essas posições são mais do que legítimas e não devem ser censuradas ou conspurcadas do debate público.

    Foi também divertido ver alguns críticos da obra a lembrar que hoje há muitas famílias monoparentais, fragmentadas, refeitas, e todos os obstáculos financeiros ou sociais que as famílias enfrentam. Mais uma vez, esta observação só reafirma a importância de se proteger e fomentar uma cultura mais amiga das famílias e propícia à criação de vínculos familiares fortes. O cenário actual em que se revela cada vez mais difícil manter uma família coesa é resultado, precisamente, da perda de valores que este livro tenta denunciar.  

    Por fim, são dignos de louvor todos os nomes que contribuíram para o livro, e que tiveram a coragem de se expor nestes tempos sombrios em que contrariar as convenções politicamente correctas torna o herege alvo de apedrejamento público. Ficou comprovadíssimo que estas iniciativas são necessárias e urgentes, como pão para a boca.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


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  • Ambição

    Ambição

    Há um silêncio que embrulha aquele senhor, não é solene, é uma cautela, um cálculo, um sorriso de escarninho. Respostas curtas e a gotejar de desdém, esperteza, manha, diria diplomacia mas prefiro dizer ardil.

    Este senhor tem a pele saudável, dentes devidamente monitorizados, perfume em aroma leve, elegante, roupa engomada e discreta. Uma aparente calma (devidamente monitorizada), senta-se de forma confortável na cadeira estofada, sem anseios ou devaneios. Boas noites de sono propiciam isto, saúde (calma).

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    Há uma trança de números que embrulha aquele senhor, moedas que geram moedas e quantos algarismos sobram para ele. Trata de assuntos. Tem três telemóveis hiperactivos e vários números importantes gravados na lista de todos. Os números são importantes, porque pertencem todos a outros senhores calmos e bem engomados, alguns eleitos, outros instituídos (ungidos), nunca encardidos ou puídos pela traça.

    Defronte da cadeira estofada está a mesa redonda com centro de pedra marmoreada, de novo com um brilho elegante (leve), e em cima da mesa os meus bonecos, desenhos suados de um esforço vão de tentar brincar aos sistemas, onde as pessoas vão ser roubadas e compartimentadas em caixas indignas, casas fatiadas como pão de forma, farelo, para render uma medida política, para acenar com circo (e pão), nós de forca em pescoços tensos, nada de calma, nada de escárnio, só cabeça baixa (não baixa, vergada, vergada pela bota da ambição).

    Há um silêncio conivente, que nos embrulha a todos perante um senhor assim, a mão estendida é sempre solene, a cautela já pouco importa. Primeiro direito. Depois esquerda e segue-se a vénia. Obra feita para encher a boca com bolo rei, e nós todos a rabear na orla da toalha, a ver se nos cai migalhas para encher a barriga, que a vida não é só rezar e sobra pouco a oeste da meseta em tempos de terceiras guerras disfarçadas de acidentes.

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    Há salas assim de cadeiras estofadas e mesas debruadas a mogno, dignas, onde ocasionalmente indignos entram de mão estendida a ver o que lhes toca, ou outros disfarçam o roncar de estômago com um pigarrear tímido, ou outros fazem peito de raposa segura das suas capacidades, ou outros entram com absoluto sentido de propriedade, cautela, cálculo, calma, ardil. E todos manobram rodas para que a coisa ande (avança, avança! Se viras as costas ao sistema, o sistema vira-te as costas a ti).

    Ora pois então o senhor calmo, composto, sossegado trata de assuntos. Um gavião. Uma pedra filosofal. (Se não comes estás a ser comido, sabes, sabes?)

    Escusemo-nos de juízos de valor, por favor, predadores fazem parte da lei natural (sabes, sabes?), eles seguem por aí a controlar a população de lebres, a restringir o crescimento dos patos bravos. Desde que as salas continuem com umbrais selectivos, desde que as pedras não se danifiquem por palmas suadas de ansiedade, os aromas permanecem sem a intensidade dos brutos, isto é importante!

    Quando o senhor se levanta, alheio a contemplações desta natureza, alheio porque genuinamente desinteressado dos novelos, (para quê novelos se já as tranças levam tanto tempo e atenção a manter apertadas?) sabemos que a conversa está encerrada. O bólide não se paga sozinho. O retemperar forças em férias onde o sol se mantém a brilhar não se sustenta a mãos estendidas. Se insistimos em novelos estranhos sobre ética e deontologia vemos a calma a perturbar-se, a impaciência sacode-lhe a anca, de repente vemos os números dos seus olhos a ponderar o quão dispensável somos, como interlocutores tão impertinentes. Que as crianças não pagam nada, e as crianças é que acreditam em heróis e vilanias.

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    Convenhamos, de novo, não se atormentem a julgar o senhor. Entre o falcão e o bando de pombos são poucos os que escolhem os pestilentos gangrenados.

    O senhor Ambição é um motor! Toda uma economia!

    Isto no fim do dia é tudo um jogo.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


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