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  • O modelo de governo europeu, ou a indigência sob a forma de jornalista

    O modelo de governo europeu, ou a indigência sob a forma de jornalista


    Chateia-me a ignorância. A directora-adjunta do Público Marta Moitinho Oliveira não estará no lote dos ignorantes – acredito, ou tenho fé, pelos seus ininterruptos 25 anos de jornalismo, com passagens pelo Euronotícias, Diário Económico, Jornal de Negócios, Diário Económico, Sol, Lusa, novamente Diário Económico, Jornal de negócios, ECO e Público, onde está desde 2020, tendo cargos de chefia desde 2021.

    Deduzo que tenha aprendido, ao longo destes tempos, alguma coisa sobre o funcionamento da União Europeia e sobretudo para o esvaziamento das funções do Parlamento Europeu. E, se assim foi, o seu editorial de hoje é uma lamentável indigência e uma grosseira manipulação, ainda mais dando um péssimo exemplo que, ao invés de conceder confiança institucional na União Europeia, nos demonstra estarmos reféns de uma elite anti-democrática, na fronteira da oligarquia.  

    Hoje, todos devemos saber, o Parlamento Europeu – perante a Comissão Europeia, o Conselho Europeu e o Conselho da União Europeia – é uma espécie de ‘Rainha da Inglaterra’. Adopta legislação, mas juntamente com o Conselho da União Europeia, com base em propostas da Comissão Europeia, decide sobre os acordos internacionais, alargamentos, analisa o programa de trabalho da Comissão, fazendo propostas, e tem poderes (limitados) de supervisão, elege (e pode destituir) o presidente da Comissão (serão agora 720 eurodeputados, portanto o peso de um país é quase nulo) e aprova a sua equipa, concede a quitação ao orçamento e aprova o quadro financeiro plurianual. É o único órgão eleito, mas o poder efectivo é quase nulo – e mais ainda para um país pequeno como Portugal, que elege apenas 21 dos 720 eurodeputados (2,9% do total), ainda mais de forças políticas que agendas acopladas às suas ‘famílias’ políticas europeias. Não surpreende que, somente por esse motivo, a abstenção esteja elevada – e devia ser visto sobretudo um ‘recado’ dos cidadãos europeus sobre um sufrágio que anda a brincar com a democracia.

    Hoje, todos devemos saber, quem verdadeiramente determina a política europeia é a Comissão Europeia e o Conselho Europeu, onde a Alemanha (sobretudo) e a França mais do que pretenderem alimentar um espírito de coesão de um continente em contínuas convulsões e conflitos em séculos precedentes, desejam criar artificialmente um modelo federal ao arrepio da História e rumo das distintas nações e culturas. Esquecem que sempre que houve tentativas de criação de impérios ou federações, os resultados foram nefastos.

    Ora, mas Marta Moitinho Oliveira – que, na verdade, representa uma ‘linha’ instruída no jornalismo – para tentar demonstrar, no seu editorial de hoje no Público, as vantagens de se votar nas eleições para o Parlamento Europeu dá, como exemplo, “a compra conjunta de vacinas para a covid-19, conseguindo assim pôr em prática uma das mais importantes recomendações médicas dadas durante a pandemia”.

    blue and yellow flag on pole

    Podiam as vacinas contra a covid-19 ser a mais importante recomendação médica durante a pandemia – concedo até, como hipótese académica, a ser ‘testada’, a começar pela imprensa –, mas já é absurdo e de uma atroz manipulação (ou ignorância, mas eu tenho fé de não ser essa a causa) associar a eleição para o Parlamento Europeu com o modus operandi das vacinas (e também de outros fármacos, como o remdesivir, da AstraZeneca, e o Paxlovid, da Pfizer), que é porventura um dos eventos mais obscuros e antidemocráticos que temos assistidos nos últimos anos na União Europeia.

    Eu acredito que Marta Moitinho Oliveira estejam ‘amestrados’, e perdido a capacidade crítica durante a pandemia, e tenham alguma dificuldade de ‘acordar’. Mas, caramba! Não leu o The New York Times sobre o affair entre Ursula von der Leyen e Albert Bourla, CEO da Pfizer, que andaram a negociar por WhatsApp, sendo as mensagens entretanto escondidas? Não sabe Marta Moitinho Oliveira que o The New York Times processou a Comissão Europeia como parte de um pedido de liberdade de informação – e é triste que isso seja feito por um jornal não europeu –, estando o processo judicial pendente no Tribunal Europeu?

    Não sabe também Marta Moitinho Oliveira que não só os contratos conjuntos negociados pela comissão von der Leyen (que desoneraram as farmacêuticas de responsabilidades) como também os contratos nacionais – no caso português, assinados pela Direcção-Geral da Saúde e as farmacêuticas – estão a ser escondidos, estando em curso, no segundo caso, um penoso e vagaroso processo intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa intentado pelo PÁGINA UM desde Dezembro de 2022? E que existe o risco de ser considerado que os tribunais nacionais sejam incompetentes para decidir sobre contratos secretos assumidos pela Comissão Europeia?

    a bunch of flags that are in front of a building

    Isto é uma democracia? Isto é um modelo de transparência sadia?

    É esta a União Europeia que Marta Moitinho Oliveira – e outros que comungam deste modelo – quer para si como cidadã portuguesa? Se sim, que tome essa posição clara, não usando a ‘pele de jornalista’ que nos quer evangelizar, dizendo, de modo manipulatório, que temos de votar no Parlamento Europeu porque o secretismo de uma elite não-democrática é bom para a saúde.


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  • A Guerra da Ucrânia: uma perspectiva libertária

    A Guerra da Ucrânia: uma perspectiva libertária


    A contenda que assola o cenário mundial actualmente é entre a Rússia, de um lado, e o líder da NATO, os Estados Unidos, do outro, acompanhado dos seus estados suseranos: as nações europeias, incluindo a Ucrânia.

    Pela negativa, dois Estados vassalos em destaque: a Alemanha, que arca com a maior parcela dos auxílios financeiros e provê uma parte substancial dos recursos bélicos, enquanto é sujeita a terrorismo económico, como foi o caso da destruição do gasoduto Nordstream, cujo autor da façanha permanece envolto em mistério até os dias de hoje.

    O segundo, e sem dúvida o mais lamentável, é reservado ao Estado ucraniano, que se ergue como uma testa-de-ferro dos interesses norte-americanos perante a Rússia, detendo como único activo os seus cidadãos a desempenhar o papel de peões sacrificiais.

    É importante ressaltar que os Estados se constituem como entidades parasitárias, destituídas de qualquer produção benéfica à sociedade; são, de facto, organizações criminosas cuja estrutura se assemelha à Máfia. Nos seus domínios, extorquem os cidadãos produtivos, não tolerando qualquer concorrência, privando-os, na maioria das vezes, de quaisquer meios de defesa, como armas. Além disso, os Estados detêm o monopólio da arbitragem de conflitos entre os membros da sociedade, inclusive quando estão envolvidos, seja como acusadores ou réus. Os seus tribunais e juízes têm sempre a palavra final. Nas guerras, podem fazer recair todos os custos sobre a população: recursos financeiros e jovens para a matança.

    Assim, temos uma quadrilha comandada por Putin e outra por Zelensky, sendo esta última respaldada pela quadrilha mais poderosa do mundo, os Estados Unidos da América; estes encaram a Rússia e a China como as únicas quadrilhas rivais à sua altura, representando verdadeiros obstáculos à sua ambição de hegemonia global: a liderança de um governo mundial, com o Dólar norte-americano a desempenhar o papel incontestável de moeda reserva do mundo.

    Em 2014, a máfia norte-americana instalou um bando de criminosos da sua confiança na Ucrânia, concedendo-lhes carta-branca para bombardear, intimidar e subjugar a população de cultura russa, relegando-a ao estatuto de cidadãos de segunda. Posteriormente, abriram-se as portas da NATO, apesar das promessas feitas há décadas de que tal expansão jamais aconteceria. Até tentaram encenar uma farsa de paz com os acordos de Minsk, os quais, na verdade, serviram apenas para armar a quadrilha ucraniana para a guerra que se previa, tal como posteriormente confirmado por Angela Merkel.

    Em circunstâncias normais, seria expectável que a sinistra quadrilha liderada por Putin eliminasse a bandidagem de Zelensky, instalando no poder uma quadrilha fantoche e aliada em Kiev. No entanto, tal desfecho não se concretizou, uma vez que a quadrilha de Zelensky desfruta de vastos recursos materiais e financeiros – a impressora é infinita –, provenientes da quadrilha dos EUA e dos seus subjugados estados europeus.

    Além disso, a quadrilha de Zelensky tem por trás a máquina global de propaganda controlada pelos EUA: os eventos na Ucrânia não são retratados como uma disputa regional entre grupos mafiosos em busca de poder e território, mas sim como um confronto épico entre o bem e o mal: uma Ucrânia virtuosa, onde todos os ucranianos são vítimas dos vilões russos, e, portanto, qualquer apoio oferecido à Ucrânia é visto como um acto do bem!

    A quadrilha liderada por Zelensky desempenha um único papel: enviar a juventude do território sob o seu controlo a servir de carne para canhão, nada mais. É digno de nota que a quadrilha Zelensky tentou desesperadamente restringir a saída de homens ucranianos entre 18 e 60 anos do país, resultando em milhões de desertores.

    Os custos derivados da fuga da população não são suportados pela quadrilha Zelensky; recaem sobre os cidadãos produtivos dos estados vassalos europeus, mediante o seu confisco tributário; arcam com todas as despesas: alimentação, assistência financeira, alojamento e demais despesas. Ao contrário da quadrilha Zelensky, a quadrilha Putin foi obrigada a impor à população do seu território o ónus de custear três milhões de refugiados.

    Qual é a razão por trás do uso dos peões sacrificiais ucranianos? A quadrilha dos Estados Unidos compreende que a quadrilha Putin não é um Iraque ou Afeganistão qualquer. Pelo contrário, encontra-se fortemente armada, possuindo, inclusive, tantas ou mais ogivas nucleares que a quadrilha dos Estados Unidos. Por esta razão, recorreu às sanções económicas, numa tentativa de arruinar economicamente o território sob o domínio da quadrilha Putin e entregou os jovens ucranianos ao sacrifício no altar da guerra.

    Para a população ucraniana, a situação é profundamente angustiante: testemunhar uma guerra entre duas facções rivais, enfrentando a possibilidade iminente de perder toda a sua propriedade privada e ter as suas vidas devastadas. De um lado, a facção liderada por Zelensky tem o poder de recrutar à força, e até mesmo de perpetrar assassinatos, confiscar propriedades e congelar contas em nome da defesa nacional. Por outro lado, a facção liderada por Putin tem a capacidade de capturar, assassinar e apossar-se de propriedades, ou até mesmo destruí-las, sob o pretexto da libertação nacional. É uma realidade verdadeiramente aterradora.

    Os Estados Unidos não demonstram o mínimo interesse pelo país denominado Ucrânia, apenas a utilizam como um verdadeiro “idiota útil” na sua estratégia de dominação global. A Ucrânia tornou-se um peão nas mãos dos norte-americanos, sendo manipulada e explorada para servir os interesses geopolíticos dos norte-americanos, enquanto estes permanecem indiferentes às consequências devastadoras das suas políticas. Com tudo pago pela impressora do Banco Central norte-americano, o complexo militar-industrial norte-americano está a lucrar exorbitantemente com as ajudas enviadas à Ucrânia, pelo que tem todo o interesse em prolongar este conflito.

    A tragédia que se desenrola na Ucrânia expõe de forma contundente a cruel realidade de uma população, tanto ucraniana como russa, a ser usada como peões num jogo de xadrez geopolítico, à mercê dos caprichos de facções rivais que buscam apenas os seus próprios interesses egoístas, sem se importar com as vidas humanas que destroem. Na verdade, não são mais que guerras entre grupos criminosos a que chamamos estados.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • Que Camões nos proteja!

    Que Camões nos proteja!

    Informa-me um amigo português que um jornal daquela terra de navegadores [o Diário de Notícias] vai publicar semanalmente uma edição em “português brasileiro” e que manterá um sítio no qual colocará, todos os dias, notícias de interesse da vasta parcela de brasileiros que por aí vivem.

    Num primeiro momento, leva-se um susto porque se trata de algo que soa estranho. Ou seja, uma empresa noticiosa se propõe a traduzir informações escritas, em tese, na mesma língua.

    Pouco depois, mais calmos, temos que admitir que são grandes as diferenças entre o português europeu e o linguajar brasílico.

    Christ Redeemer statue, Brazil

    A tradução em si já é um baita pepino. Ao se referirem à quase impossibilidade de verter um texto de uma língua a outra sem que se perca parte do sentido original, sentenciam os inventores da pizza: traduttore, traditore.

    Como seria a coisa entre “dois” idiomas que têm o mesmo nome?

    Vamos por partes, como diria o esquartejador no matadouro.

    Imagino que os dirigentes do jornal certamente fizeram estudos sobre a viabilidade dessa empreitada. Torço para que sejam bem-sucedidos!

    Ocorre-me, de início, que duas das nossas maiores diferenças linguísticas vêm do futebol: a divisão entre “adeptos” e “torcedores” e entre “times” e “equipas”.

    Aliás, por falar no esporte bretão, dele vem grande parte do nosso atual intercâmbio: há incontáveis jogadores brasileiros por aí, enquanto por cá pululam os treinadores lusos.

    Nas vezes em que fui a Portugal costumava frequentar as bancas de revistas porque aqui, em Brasília, sumiram. Melhor dizendo: transformaram-se em lanchonetes.

    Por que ia às bancas? Porque gosto de ler jornais e, em Lisboa, podia comprar vários.

    Aqui os impressos estão virando raridade.

    Recentemente, num voo para o Rio de Janeiro, desfraldei um exemplar de O Globo. Na fila dos que entravam no avião, todas as pessoas com menos de trinta anos me olhavam intrigadas, perguntando-se: para que serve essa imensa bandeira (tabloides aqui são raros) de papel borrado?

    Voltando. Nas minhas passagens por Portugal, sempre pensei que deveria haver um sítio jornalístico para os nossos exilados em Lusitânia, que são multidão. Uns 5 por cento da população local, dizem. É muita gente!

    Na base do puro palpite, acho que esses nativos de Pindorama querem, antes de tudo, notícias da sua “terrinha”.

    Mas não será “terrinha” uma expressão privativa dos filhos do país do bacalhau?

    Os brasileiros também precisam muito de notícias sobre o país no qual vivem, em especial dos órgãos públicos aos quais precisam recorrer no seu dia-a-dia.

    Mas quem é o brasileiro que vive em Portugal?

    Quando por aí passei, pareceu-me que o grupo mais numeroso dos brazucas (assim são chamados aqui os que moram nos Estados Unidos) seria o daqueles que, com menor escolaridade, exercem funções mais modestas.

    Percebi que há também muitas pessoas com mais estudo, saídas da classe média, na maioria jovens, que se lançam como empreendedores ou profissionais liberais.

    Há, ainda, uma ala de pessoas de mais idade, quase sempre aposentadas aqui (seriam reformadas aí), que escolhem viver seus anos outonais sem os muitos sobressaltos das nossas maiores cidades.

    Posso imaginar, por fim, que há ricos também, embora as más línguas digam, por aqui, que esses, na maioria, preferem Miami, a Meca Mundial da Cafonice.

    Traduzo: cafonice é mau gosto extremo.

    Os conterrâneos que encontrei por aí elogiavam, antes de mais nada, o sentimento de segurança. Podiam, em Portugal, flanar pelas ruas, mesmo à noite, sem grandes preocupações.

    Eu também pensava o mesmo. Nos anos de 2016 e 2017, quando fui a Lisboa, sentia-me como se estivesse caminhando na minha cidade (Pelotas, 300 mil habitantes, muitíssimos luso-descendentes) no começo dos anos 1970.

    Retornando à edição brasílica do periódico lusitano: 600 mil pessoas formam um belo público-alvo, como diriam publicitários ou marqueteiros tupiniquins.

    Mas quem serão os tradutores? Tudo nos leva a crer que serão brasileiros conhecedores do idioma de Graciliano Ramos. Não sei se lusos, mesmo tendo residido por muitos anos no Brasil, conseguirão trocar o infinitivo pelo gerúndio.

    a large ornate ceiling with a stained glass window

    É missão dificílima.

    Ouvi alguém (um brasileiro, claro) dizer certa vez:

    – Sempre que leio um texto acadêmico rabiscado em português de Portugal tenho a impressão de estar enfrentando um trabalho escrito originalmente em finlandês e traduzido, depois, por um húngaro.

    Não chego a tanto, mas penso, sem ser íntimo de gramáticas e dicionários, que os imensos Machado de Assis e Eça de Queiroz escreviam em uma língua que parecia a mesma. Hoje, sinto que é considerável a diferença entre as duas escritas (no jornalismo, na literatura).

    Publicar, em Portugal, um jornal para os que nasceram na nação dos sambistas, além de ser uma árdua tarefa, certamente será uma grande diversão.

    Que Camões nos proteja!

    Lourenço Cazarré é um escritor brasileiro


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  • Os imigrantes e o discurso de ódio

    Os imigrantes e o discurso de ódio


    No fim da década de sessenta do século vinte iniciei a minha actividade profissional como jornalista do “Jornal do Fundão”.

    Um Jornal “de província” que era um marco no jornalismo nacional.

    Numa época de censura feroz era a voz dos resistentes enfrentando um Poder todo-poderoso e antidemocrático.

    Nomes como José Saramago, Alçada Batista, Artur Portela Filho, Carlos Porto, José Carlos Vasconcelos, José Rabaça, Fernando Luso Soares, Armindo Mendes de Carvalho, Alexandre Babo, Isabel da Nóbrega, Luís Sttau Monteiro e tantos outros, com as suas Crónicas, faziam tremer o Regime Fascista que nos governava.

    Acima de todos, António Paulouro como líder incontestado pela sua extraordinária coragem, verticalidade, cultura enciclopédica e respeito total pela democracia.

    Com Sede num concelho de casas vazias e aldeias desertas, pelo fenómeno da emigração, uma elevada percentagem da edição do “Jornal do Fundão” seguia para os milhares de assinantes, emigrantes espalhados por todo o mundo.

    O “Jornal do Fundão” dividia as suas páginas pela análise da política local, nacional e internacional com as informações da pequena notícia das pequenas aldeias do concelho.

    Era por ele que os emigrantes recebiam as notícias dos seus familiares e conterrâneos e todos os portugueses sabiam muitas das notícias que a imprensa nacional calava, fosse por conveniência, fosse por medo.

    Toda a Redacção tinha a missão de receber e rever as informações dos inúmeros “correspondentes” do Jornal que, a partir da sua terra, nos faziam chegar as notícias e, por vezes, dar-lhes um “cunho jornalístico”.

    Sabíamos que era um trabalho importante porque eram essas as páginas que os leitores, no estrangeiro, liam em primeiro lugar.

    As centenas de cartas que chegavam ao jornal, muitas publicadas na rubrica “Cartas ao Director”, eram a demonstração da sintonia entre a Redacção e estes leitores especiais.

    Daí que eu tenha um apreço único, de mais de cinquenta anos, por esses homens (e mulheres) que deixaram as suas terras para irem “a salto” (sem documentos e passando ilegalmente as fronteiras) para países longínquos, sem dinheiro no bolso, sem trabalho garantido, sem conhecerem a língua falada nesses locais.

    Maior prova de heroicidade (ou loucura) não conheço.

    A alternativa era a fome na sua terra ou a obrigação de irem lutar numa guerra com a qual não concordavam.

    Oriundo de família de “fracos rendimentos”, mas com refeições garantidas, e tendo optado por fazer a tropa, não emigrei, mas quando falo com um emigrante, e muitíssimos deles tornaram-se gente de sucesso, de muito sucesso, sinto sempre uma enorme admiração e respeito por eles.

    Daí que uma raiva me cresça no peito quando ouço compatriotas meus, alguns deles descendentes desses emigrantes de que venho falando, a manifestarem-se contra os imigrantes que, hoje, nos batem à porta.

    E a quererem pôr regras que, na prática, os impediriam de entrar no país.

    As mesmas regras que criticávamos a franceses, alemães e ingleses.

    green plants

    Exigem Contratos de Trabalho, sabendo que, nos países de onde são oriundos, os Consulados Portugueses nem visto lhes dão para poderem entrar no nosso.

    Querem saber se têm dinheiro para alguns meses de estadia em Portugal quando a realidade, de todos conhecida, é que a maioria não tem o suficiente para o dia-a-dia no seu país.

    Numa palavra, têm como objectivo impedir a entrada de gente a quem tanto devemos.

    Sentados nas cadeiras dos gabinetes de Lisboa não têm a possibilidade de visitar, por exemplo, a zona Oeste do nosso Portugal.

    Caso contrário abririam a boca de espanto com as muitas centenas de hectares de terrenos que, há meia dúzia de anos, eram terrenos incultos e cheios de silvas e que, hoje, produzem toneladas de morango, batata-doce, alface, etc. graças ao esforço de milhares de imigrantes.

    É passar por esses campos e ver centenas de homens (principalmente) num trabalho duro, a tornar rica uma terra improdutiva durante décadas.

    Sem haver, ali, um único português!

    À noite, estes trabalhadores ficam às dúzias em casas planeadas para quatro ou cinco pessoas.

    angry face illustration

    Não são os “bidonville” habitados pelos portugueses em meados do século passado, mas deveriam ser proibidos pelos mesmos políticos que condenam a sua entrada no nosso país.

    Esta gente, com os seus descontos para a Segurança Social, acaba, ainda, por ajudar na garantia da reforma dos nossos idosos nas próximas décadas.

    Tudo isso é sabido.

    Mas, todos os dias, ouvimos os mesmos discursos, os mesmos insultos, as mesmas ameaças por parte de alguns políticos que têm como única regra o incentivo ao ódio, o racismo e a xenofobia.

    Um nojo de gente!

    Vítor Ilharco é assessor


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  • Sermão da Senhora Ursula aos portuenses

    Sermão da Senhora Ursula aos portuenses


    No dia 13 de junho de 1654, em São Luís do Maranhão, o padre António Vieira proferiu o Sermão de Santo António aos Peixes aos brasilienses. Era dia de Santo António, santo propiciador na busca de objetos perdidos, padroeiros pobres e dos oprimidos, dos casais e das grávidas. 

    Trezentos e setenta anos depois, no Porto, a Senhora Ursula van der Leyen proferiu um discurso aos portuenses. Era Dia de São Norberto, que foi bispo de Magdeburgo, germânico como a Senhora Ursula e padroeiro da Boémia. 

    Durante o seu discurso no Porto, a Senhora Ursula foi confrontada com um grupo de jovens manifestantes que protestavam contra o alegado financiamento, feito pela Comissão Europeia, do “genocídio em Gaza”. Recordemos que a Senhora Ursula é presidente da Comissão Europeia, pelo que aquele protesto, concorde-se ou não com o motivo e com a forma, não parece ser totalmente deslocado. Os jovens foram, obviamente, detidos pela polícia, assim se provando a lendária hospitalidade portuguesa.

    Claro que a Senhora Ursula não deixou o protesto passar incólume. E de pronto, dirigindo-se aos jovens que nesse momento estavam a ser arrastados pela Polícia, afirmou, num tom onde alguma pedagogia se mesclava com algum desdém, que, afinal, aqueles jovens tinham muita sorte, pois se estivessem na Rússia acabariam na prisão em dois minutos. E, sob os aplausos gerais das pessoas presentes no comício, bem como sob o perfume geral de incenso que a rodeava, a Senhora Ursula passou a sua mensagem contra a Rússia e contra os manifestantes.

    Há 370 anos, o padre Vieira disse em São Luís do Maranhão:

    «O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, outra corrupção?»

    Há dois dias, a Senhora Ursula disse no Porto:

    «Se vocês estivessem em Moscovo, estavam na prisão em dois minutos»

    Duas mensagens fortes, dois estilos. Qual delas permanecerá para a posteridade? É ousado fazer previsões.

    Todavia, ainda no contexto de uma -quiçá abusiva- comparação entre os dois discursos, persiste uma dúvida. O padre António Vieira fez o sermão num momento em que o Brasil-colónia se debatia com o problema da escravidão dos povos indígenas e os litígios daí decorrentes entre os colonos e alguns missionários.

    A Senhora Ursula fez o seu sermão sobre a Rússia aos portuenses, a propósito de quê? Por outras palavras, o que tem a Rússia a ver com aqueles jovens que protestavam contra a política da Comissão Europeia em relação à Palestina? Que se saiba, a Palestina não é a Rússia, são coisas e causas diferentes, pelo que o sermão da Senhora Ursula aos portuenses me parece tão a deslocado (ao contrário da manifestação) como se o padre António Vieira, no sermão em São Luís do Maranhão, reclamasse contra a expulsão dos parlamentares ingleses adversários por parte de Oliver Cromwell, ocorrida no mesmo ano.

    Talvez eu esteja a exagerar. Afinal, entre São Luís do Maranhão e Londres são 7.306 quilómetros, entre o Porto e Moscovo é cerca de metade. Por outro lado, a dita expulsão levada a cabo por Cromwell dos parlamentares desafetos, só ocorreu meses depois do sermão de Vieira, pelo que o bom padre nunca o poderia citar. Eis porque acho que, se calhar, estou mesmo a exagerar.

    Mas a minha dúvida persiste.

    Porquê referir tão enfaticamente a Rússia contra jovens que se manifestavam em relação à Palestina? Dizer que a questão da Rússia é uma das mais marcantes questões atuais, não me convence. Há outras questões atuais tão marcantes como essa. Imagine-se como nos soaria deslocado se a Senhora Ursula se virasse para os manifestantes e exclamasse:

    «Se vocês estivessem na Amazónia, estariam a arder em dois minutos»

    Ou:

    «Se vocês estivessem num icebergue do Pólo Norte estariam a derreter em dois minutos»

    Pois, de facto parece-me deslocado. Mas isso sou eu, pronto…

    Talvez haja outras explicações.

    Será que a Senhora Ursula, como muitos dos seus conterrâneos norte-europeus, persiste na ideia de que os povos do sul da Europa (os PIGS, como solidariamente lhes chamam) precisam de pedagogia político-financeira como de pão para a boca? É possível. Afinal, a tradição já vem de longe. Há uns aninhos, o Senhor ministro holandês Dijsselbloem afirmou que os povos do Sul gastam tudo em copos e mulheres. Note-se que não estou a criticar o Senhor ministro Dijsselbloem. Afinal, basta olhar para ele para perceber que aquilo é homem que nunca gastaria um euro numa coisa ou noutra.

    Apenas trago à colação esta frase do Senhor holandês (agora neerlandês) para que se compreenda essa recorrente preocupação norte-europeia em instruir-nos, o que até será louvável. Por isso, aqueles jovens que, no Porto, protestavam contra o que se passa em Gaza, precisavam de ouvir a Senhora Ursula, alemã, a educar-nos com o exemplo da Rússia.

    Se se pensar bem, até que o sermão da Senhora Ursula terá sido bem escolhido. A Rússia é tema presente, omnipresente, aliás, e está mesmo ali à mão de semear. Se a Senhora Ursula fosse buscar outras comparações históricas, talvez os jovens manifestantes não percebessem a alegoria e a atualidade. Imaginem que a germânica Senhora Ursula lhes bramava:

    «Se vocês estivessem no meu país no tempo em que os alemães seguiam cegamente Hitler, estariam num campo de concentração em dois minutos».

    Pois… Talvez os jovens não percebessem. Afinal, os portugueses são incultos, desorganizados, improdutivos e gastam tudo em copos e mulheres. Não somos organizados e poupados como a nação do Senhor Dijsselbloem, que, solidária, foi a nação estrangeira que mais voluntários deu às SS no tempo em que os alemães seguiam cegamente o senhor Hitler.

    Bem, talvez eu esteja a ver mal as coisas. Não seria a primeira vez, não será a última. E talvez esteja a fazer uma comparação tola entre o discurso da Senhora Ursula aos portuenses e o sermão do padre António Vieira aos maranhenses. E daí, talvez não. A presidência da Comissão Europeia tem alguma tradição piscícola. Afinal, o antecessor da Senhora Ursula não era também conhecido pelo cognome de “o cherne”? Mas, lá está, se calhar estou de novo a exagerar…

    Sérgio Luís de Carvalho é escritor e historiador


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  • Chalupa? Blogue? Ai, Luís, Luís…

    Chalupa? Blogue? Ai, Luís, Luís…


    No último texto que escrevi aqui no PÁGINA UM, usei o Luís Ribeiro (jornalista que escreve na Visão) como exemplo de uma tribo que defende a narrativa das “Bombas pela Paz”. Ou seja, que gritam pela continuação da Guerra na Ucrânia a todo o custo, com os argumentos já conhecidos do invasor imperialista e da moralidade sobre a justiça na discussão da integridade territorial. É bom de notar que, por norma, as mesmas pessoas que defendem isto já acham exactamente o contrário no conflito de Gaza onde, como se sabe, não há invasor e apenas um “direito de defesa”.

    Ao que parece, o meu texto chegou ao amigo Luís que, em consequência, me dedicou um mimo no X (ex-Twitter), e de boleia zurziu ainda no PÁGINA UM e no seu director. Como expliquei, nesse texto, raramente passo por aquela plataforma e tudo aquilo me parece uma constante descarga de bílis. No Twitter, agora X, parece que espalhar ódio e embirrar de manhã à noite é uma modalidade desportiva com direito a Olimpíadas. Contudo, fizeram-me o favor de enviar as palavras do revolucionário (com sangue alheio, claro) Luís, e lá fui eu ver o que se passava.

    Chalupa

    Primeiro, o Luís diz que não me conhece, e eu devo confirmar e avisar ser isso normal num planeta com já mais de oito mil milhões de pessoas. Não conhecemos a maior parte daqueles que respiram no nosso quilómetro quadrado. E, no meu caso, o não conhecer significa que nem sequer sabia o que ele fazia até um amigo, poucas semanas antes, me ter dito: “tu já viste as coisas que este gajo escreve?”. Aí passei a conhecer o Luís, pela sua prosa twitteira, pelo menos até ao limite da minha paciência, ou seja, dois ou três “scroll down“.

    Na sua elaborada prosa na rede do Musk, o Luís passa os dias a insultar tudo o que mexe, bastando que não pensem como ele. Não importa o tema – isso é secundário. Também faz parte daquele clube que adjectiva de “chalupa” qualquer pessoa que não vote no Centrão, no CDS ou na IL. Obviamente, ainda mais por isso, fui contemplado com esse magnífico adjectivo que, se a memória não me atraiçoa, surgiu durante a pandemia. Nessa altura, pessoas que não sabiam nada de Saúde Pública chamavam chalupas a outras pessoas que também não sabiam nada de Saúde Pública. E chamavam também “chalupas” a quem sabia de Saúde Pública, desde que não pensassem como eles. Foram tempos bonitos.

    De facto, durante esses anos, eu, que percebo nada de Saúde Pública, segui as recomendações do Epidemologista-Chefe que coordenava a Saúde Pública do país onde eu vivia, a Suécia. Portanto, mantive o distanciamento, não usei máscara, não fiz qualquer confinamento e vacinei-me. Foram essas as recomendações das instituições médicas do país e, portanto, foram essas que segui.

    Portanto, há que perceber isto, Luís: no país onde eu vivia durante a pandemia, havia um especialista de créditos firmados a coordenar a coisa. Não eram vendedores da Pfizer que andavam a recomendar mais doses, e muito menos professores de Geologia a fazer estudos que anunciavam o fim do Mundo e a necessidade de máscaras e confinamentos. Não sei se isto entra na tua definição clássica de “chalupa”, mas, adiante, que ainda temos alguma lenha para serrar.

    Convenhamos assim que chamar alguém de “chalupa” como único argumento, e acrescentar zero sobre o assunto em discussão é ligeiramente pobre. Se me permites, é até uma entrada no “reino da chalupice” que, na verdade, parece ser o teu ganha-pão diário. Parece-me até um pouco conversa de “chegano”, que cancela todo e qualquer debate alinhando de imediato no insulto.

    Mas eu não quero ir tão longe. Vamos ao teu modus operandi apenas de “chalupice ribeirinha”. Para já. Ou por agora.

    Avancemos. Quando em 2022 a Guerra da Ucrânia entrou na segunda parte – leia-se, invasão russa –, eu fiz o que costumo fazer em momentos novos e inesperados: ouço quem parece entender do assunto.

    Assim, passei mais de um ano a ouvir falar em game changers, em armas que tudo iriam mudar o curso do conflito, em russos que iam para a frente de batalha descalços, que roubavam máquinas de lavar e caíam que nem tordos. A cada semana, mais uma épica vitória dos ucranianos, mas, curiosamente, os russos consolidavam posições e a não mais largaram o território.

    Ao mesmo tempo, nós, os europeus, fomos empobrecendo, rebentando com a inflação e pagando taxas de juros exorbitantes. A solidariedade é muito bonita quando o banco não nos leva a casa em nome de uma guerra que não escolhemos e, honestamente, não nos diz sequer respeito.

    Comentários do jornalista da Visão, Luís Ribeiro, sobre o jornal PÁGINA UM, publicados na rede social X na sequência do seu tweet sobre o artigo de opinião de Tiago Franco.

    Passaram mais de dois anos, e já poucos, muito poucos, repetem a conversa dos game changers ou do “exército com pés de barro”. Aqueles que o fazem são, se me permites, os idiotas úteis.

    Chegamos ao dia de hoje onde é mais ou menos do senso comum que a Ucrânia não tem a mínima hipótese de ganhar esta guerra, por mais dinheiro ou armas que lá se despejem. Assim sendo, de que lado está a chalupice? Em quem defende que tudo continue como está, ou em quem insiste na diplomacia? Já fiz esta pergunta N vezes e nunca vi uma resposta. Tento agora contigo, Luís, até porque sei que vais ler isto porque, sei, segues secretamente o PÁGINA UM.

    Mas diz lá se, no íntimo, pensas mesmo que há hipótese de a Ucrânia ganhar a guerra se continuarmos a enviar armas, dinheiro e casas para os bancos.

    Se sim, então não tenho mais pergunta alguma, e percebo melhor as coisas que escreves. Fica o encontro marcado para essa Nárnia onde me pagarás um copo.

    Se não, então qual é o passo seguinte para quem defende o envio de mais armas? Continuar até que os russos larguem o território com a NATO a entrar no conflito? Alinhas numa III Guerra Mundial? É essa a questão.

    black barbwire in close up photography during daytime

    Por fim, uma nota sobre deselegância que não mete casas de strip (mas dou-te nota 10 por esse raciocínio, que foi apenas teu, mas que tentaste chutar para mim).

    O PÁGINA UM não é um blogue, como tu bem sabes. É um órgão de comunicação oficial – modesto, é um facto, porque subsiste e cresce enquanto os leitores assim o entenderem, sem acumular dívidas. Não terá o peso e reconhecimento da revista Visão – e esta dou-te de borla. Mas o reconhecimento da Visão vem de tempos já longínquos, naquela época em que eu, fiel seguidor, a comprava regularmente, quando vivia em Portugal. Mas eram também tempos em que a proprietária da Visão não tinha problemas com dívidas ao Estado, sob o beneplácito dos Governos.

    Não há mundos perfeitos, camarada. Foi exactamente por isso que, no meu texto anterior, o título era “o Ribeiro da Visão”. Primeiro, para não se confundir com o outro, que tem piada – o da Rádio Comercial –; e, depois, para ter um ponto de referência (a Visão), pois imaginei, talvez erradamente, que, tal como eu, a maior parte dos leitores não soubessem quem eras. E tal como tu não saberes quem eu sou, isso não tem nada de mal. É apenas a consequência de um mundo cheio de gente. Não há tempo para nos conhecermos a todos, mesmo se cortares os chineses. Fica difícil e é uma pena.

    Por fim, tirando-se do X, estou até convencido de que, quando não estás a escrever atrocidades e insultos no Twitter, deves ser um encanto. Assim, se me vires um destes dias na roulotte do Estádio da Luz (aquela ao lado do túnel), promete que me contas como é que se ganha esta guerra pela escalada militar. E prometo que podes desenvolver as teorias mais alucinantes sem eu te chamar chalupa. E como é óbvio, a imperial fica por minha conta, até porque, pelo que vou lendo nas notícias, os descontos para a Segurança Social não estão em dia aí na casa.

    Um abraço.

    P.S. – Aos leitores do PÁGINA UM, deixo aqui o compromisso de honra em voltar a temas importantes no próximo texto.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Finalmente, a Decência ao lado da Ciência

    Finalmente, a Decência ao lado da Ciência


    A decência, mais do que a inteligência, é a maior qualidade do ser humano. Na verdade, É esta, porventura, a qualidade que nos torna humanos, para além dos genes.

    Acredito não haver estudos sobre esta matéria, até por o conceito de decência se equivale à dificuldade de Santo Agostinho definir tempo, mas todos nós sabemos identificar a indecência.

    Por exemplo, a indecência dos políticos e de muita comunicação social, e ainda de muitas organizações (‘sequestradas’) de base científica e de peritos, que manipularam uma crise sanitária – e, muito provavelmente, até a sua origem –, de sorte a criarem uma onda de pânico e de emoção que, por sua vez, incrementaram uma crise assistencial e socioeconómica, que também causaram muitas mortes.

    A indecência de políticos, jornalistas, organismos internacionais e até muitos peritos que impuseram, sem qualquer base científica, um conjunto de regras e medidas, amiúde inconstitucionais, e a mais das vezes ineficazes, apenas pelo simples ‘prazer’ de ostentar poder e mostrarem uma hipócrita preocupação por terceiros.

    clear glass ball with light

    A indecência de ocultarem e manipularem informação, de modo a criarem a ideia de que um conjunto de fármacos (antivirais e vacinas), sem suficiente tempo de testagem, era a única ‘salvação’, e a eficaz e segurança dogmaticamente inquestionáveis.

    A indecência de perseguirem quem, porventura, mesmo com argumentos válidos, questionasse as medidas populistas e de atrozes efeitos nefastos (e.g., adiamentos de diagnósticos e de cirurgias programadas, e necessárias) e os fármacos que constituíram um filão inimaginável a certas farmacêuticas.

    A indecência de, onanisticamente, se elogiarem mutuamente, se premiarem até com prémios de ética e bioética, se alcandorarem a cargos políticos e afins, aproveitando-se da manipulação.

    A indecência de, durante anos, bloquear um debate científico, aberto à discussão, sem tabus nem limites que não seja a vitória da verdade, que deve estar sempre disponível a ser continuamente colocada à prova.

    A indecência de negar, nem que fosse por mera hipótese académica, talvez as vacinas não sejam assim tão seguras nem tão eficazes; que a imunidade natural confere uma melhor protecção contra a doença, e que foi um erro colossal vacinar jovens saudáveis.

    A indecência de colocar em cima da mesa, como única e dogmática hipótese, as quiméricas sequelas da covid-19 como causa do excesso de mortalidade, excluindo as vacinas.

    Jardim em Estocolmo, em Agosto de 2020.

    Por tudo isto, a notícia que hoje o PÁGINA UM publicou, dando eco a um artigo cientifico sobre o excesso de mortalidade do triénio 2020-2022 estar associado também às vacinas contra a covid-19, é um sinal de esperança na decência humana – e na decência dos cientistas, que devem mostrar-se humanos não apenas pela sua inteligência e rigor mas também através da decência.

    No fim do artigo, depois de apresentarem os as análises e discussão, os quatro holandeses – Saskia Mostert, Marcel Hoogland, Minke Huibers e Gertjan Kaspers – lançam um apelo às consciências: “A mortalidade excessiva permaneceu alta no Mundo Ocidental durante três anos consecutivos, apesar da implementação de medidas de contenção da covid-19 e das vacinas contra a covid-19. Isto não tem precedentes e levanta sérias preocupações. Durante a pandemia, foi enfatizado diariamente por políticos e pelos media que cada morte por covid-19 importava e que cada vida merecia proteção através das medidas de contenção e das vacinas contra a covid-19. No rescaldo da pandemia, a mesma moral deve ser aplicada. Cada morte precisa ser reconhecida e contabilizada, independentemente da sua origem. A transparência em relação aos possíveis factores letais é necessária. Os dados específicos sobre a mortalidade por causa precisam ser disponibilizados para permitir análises mais detalhadas, directas e robustas para determinar os contribuintes subjacentes. E exames post-mortem precisam ser facilitados para determinar a causa exacta da morte. Os líderes governamentais e os formuladores de políticas públicas precisam de investigar minuciosamente as causas subjacentes da mortalidade excessiva persistente e avaliar as suas políticas perante crises sanitárias”.

    Conclusão do artigo científico “Excess mortality across countries in the Western World since the COVID-19 pandemic: ‘Our World in Data’ estimates of January 2020 to December 2022“.

    Esta é, acreditem, uma peça de decência da Ciência, mas que ainda não ainda paralelo no mundo dos media, que continuam em negação sobre o que se fez durante a pandemia – com a ajuda de jornalistas e direcções dos media. A decência ainda vai demorar a chegar ao Jornalismo, tanto assim que, de entre a imprensa internacional, até agora o único jornal de relevância a noticiar este artigo científico foi o The Telegraph, esta tarde.

    Que seja. Por mais críticas que façam ao PÁGINA UM, e a mim, continuarei o caminho em prol da decência: por isso mesmo, temos lutado nos tribunais administrativos, para serem satisfeitos os pedidos de acesso às bases de dados sobre mortalidade (SICO), sobre os internamentos hospitalares (Grupos de Diagnóstico Homogéneos), sobre as mortes em lares durante a pandemia, sobre os contágios em hospitais, sobre as reacções adversas das vacinas e sobre os contratos de compra. Muitos destas casos correm nos tribunais há mais de ano e meio, o que só se justifica pela indecência reinante.


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  • Ribeiros, riachos e bichos-de-conta

    Ribeiros, riachos e bichos-de-conta

    Aquilo que devemos ter em conta sobre viagens no tempo é se, de verdade, as queremos fazer.

    Nadar contra a corrente, para além de esforço considerável, requer a capacidade de engolir golfadas de pirolitos. Os ribeiros trepam fragas e não sobram margens para abrir os braços, de verdade, pagas o preço dessa viagem?

    Ah, e depois, podes sempre decompôr, se é mera viagem (ida e volta) ou se é regresso (retorno). Numa viagem, a tentação da nostalgia é tão imensa que quase admitimos o risco.

    Green Swim Band

    – Deixa-me só ir lá ver, de novo.

    Num regresso há, pois então, perda. Perdemos a pescaria, fogem-nos as redes das mãos, a rebentação engole-nos e abafa-nos, choca o corpo contra pedras polidas.

    Nunca arriscaria tal. Isso é para garotos e românticas que se atiram do barco em plena rebentação.

    – Simão! Simão!

    Viagens no tempo fazem-se com facilidade, fazem-se com música e água, sem precisarmos de regressar, para ir (e vir) só lá ver (de novo).

    Somos todos antenas. Seja em que ponto do ribeiro (tempo) for. Estamos todos a ampliar o sinal uns dos outros, lembramo-nos mutuamente de pedras nos caminhos e saltamos riachos que alimentam lameiros (a lama) que alimentam aquele rebanho (a lã) que nos alimenta a nós, aos nossos filhos, enquanto o sangue se inflama com coisas vãs (a lama) e o lodo entra nos sapatos se nos falha um pé.

    a group of cell towers sitting on top of a mountain

    Todos nós antenas, que lá continuam pelo tempo corrido, corninhos no ar, flutuando ao de leve com as brisas e ventanias da sociedade do espectáculo, entre actores que memorizam bem as suas deixas – até com precisão matemática –, pontos, encenadores nas sombras, e os críticos – ah! Os críticos. Essa massa soberba – cheia de ar no recheio, fermento lento e pão que seca num dia até parecer cavaca amarga. Ranho que pinga do nariz (são as alergias, as alergias!), mas têm eles sempre uma opinião, homessa! Sempre um refrão na ponta da língua, para cantar em verso e fingir que não seguem a partitura. Os instrumentistas todos a levar com chimbalaus e a plateia só ais e uis, que espanto, que emoção! Ora são os turcos, os argelinos, os brasileiros, os portugueses de bem e os portugueses de mal, os aventais e os bordados! Ai! Ui! Pim! Pam! (Pum!)

    Nada de novo. Qualquer viagem no tempo nos ensina isso. Mas precisamos de tempo para a fazer, pode parecer diferente, mas na verdade não há atalhos para ida e volta. Podemos ter ido até onde o primeiro Deus habita, a distância percorrida continua a mesma.

    E mesmo que agora baixem todos os lancis, pintem os passeios de vermelho, para em seguida desovar mecos de ferro a cada cem centímetros (cem). Pim! Pam! (Pum!) Tomem lá estas acessibilidades mágicas, que a vida não foi feita para trepar ribeiros sem tropeçar nas fragas, dependendo da distância das rodas a um potencial volante tereis ou não privilégio de circular pelas ruas ocupadas pelas forças opressoras.

    Entre rios, ribeiros e riachos, anda a água acima e abaixo, a alimentar mares e oceanos e, com música bastante, quantas viagens no tempo podemos fazer até ficarmos loucos?

    – Sabes que, para os meus filhos, eu sou como a chuva e peço desculpa, e isso é razão bastante para que me gostem.

    O primeiro Deus, ouvindo-me, soltou sonora gargalhada, sobressaltando-me. E, imediatamente, se enrolou como um bicho-de-conta.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


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  • Miguel Guimarães, um infame hipócrita anti-Hipócrates

    Miguel Guimarães, um infame hipócrita anti-Hipócrates


    Em Janeiro do ano passado, em final de mandato na Ordem dos Médicos, e preparando já caminho para voos políticos – é agora vice-presidente da bancada parlamentar do Partido Social Democrata (PSD) e uma escolha de Luís Montenegro nas eleições legislativas para o distrito do Porto –, Miguel Guimarães concedeu uma entrevista ao Diário de Notícias. E destacava que “o caso do bebé sem rosto foi o mais difícil dos seus mandatos”. Garantiu: “Senti-me pequenino no mundo”.

    O mesmíssimo homem que se sentiu “pequenino no mundo” pelo mediático caso de uma dramática e lastimável negligência de outro médico (e não dele) – e que resultou no nascimento de uma criança com elevadas deficiências (ainda viva), em vez de se fazer uma interrupção de gravidez (a ‘terapêutica’ para estes casos) –, não teve pejo de lançar a sua bênção institucional, como bastonário da Ordem dos Médicos, para que centenas de milhar de jovens portugueses recebessem um fármaco cujo benefício era virtualmente nulo para a larguíssima esmagadora maioria, e grande ainda era (e é) a incerteza sobre os efeitos adversos, incluindo mortes, a curto, médio e longo prazos.

    Miguel Guimarães foi bastonário da Ordem dos Médicos entre 2017 e Março de 2023.

    E não fez isto de forma inconsciente nem negligente. Em Julho de 2021, como ontem o PÁGINA UM revelou (e depois de ser necessário recorrer ao Tribunal Administrativo para obrigar o agora bastonário Carlos Cortes a ceder), Miguel Guimarães escondeu activamente dos seus colegas do Conselho Nacional e da opinião pública um parecer aprovado pelos 11 membros do Colégio da Especialidade de Pediatria da própria Ordem dos Médicos – um órgão independente –, assinado pelo seu presidente, Jorge Amil Dias, que não recomendava a vacinação contra a covid-19 para adolescentes saudáveis entre os 12 e os 15 anos. Meses mais tarde, Miguel Guimarães agiu de novo dolosamente no sentido de esconder um alerta para a ser prudente quanto à vacinação contra a covid-19 de crianças entre os 5 e os 11 anos.

    Não satisfeito, Miguel Guimarães ‘montou’ nos meses seguintes, activamente, com os seus apaniguados – onde se destaca o inefável Filipe Froes, um marketeer de bata branca –, uma das mais vergonhosas e nauseantes campanhas de difamação contra Jorge Amil Dias, ‘patrocinando’ um processo disciplinar sem pés nem cabeça, por delito de opinião (ainda mais científica e médica), com a conivência de uma imprensa acéfala. Nesta fase, Miguel Guimarães sempre se mostrou mais favorável em agradar, por exemplo, ao comentador Marques Mendes do que em salvaguardar a saúde de crianças.

    Miguel Guimarães poderia ser apenas um tonto e inábil para a função que exerceu durante o período da pandemia, ou a ‘ressurreição’ de Tomás de Torquemada, se a Ordem dos Médicos fosse apenas uma associação profissional – chateava e perseguia os seus, e eles que se entendessem como agremiação. Mas não. A Ordem dos Médicos é mais do que isso; é sobretudo um bastião da defesa das práticas e princípios de uma classe profissional, não apenas terapêuticos e éticos, que se baseiam na confiança – e, legalmente, é um dos pilares da Saúde Pública, o que lhe dá direitos, mas também responsabilidades. E sobretudo deveres sobre cada um de nós.

    Pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson (1767-1824) representando Hipócrates negando presentes do imperador persa Artaxerxes II.

    Por isso, quando Miguel Guimarães decidiu intencionalmente ‘engavetar”, sem sequer levar à discussão no seio da Ordem dos Médicos, um parecer da cúpula da Pediatria portuguesa – e depois encetar uma perseguição ao autor desse parecer –, não cometeu um acto a ser dirimido eventualmente numa assembleia geral dos seus ‘confrades’. Violou sim, vergonhosamente, vários dos princípios da Medicina, que fariam estremecer Hipócrates, a saber:

    Primum non nocere: primeiro, não prejudicar – um princípio que recomendaria não administrar um fármaco supostamente preventivo, cujos efeitos secundários ainda não estão consolidados, a um vasto grupo de pessoas (jovens) sobre a qual a doença em causa era genericamente benigna.

    Beneficum: existência de um benefício evidente da terapêutica – um princípio que recomendaria que apenas se deve administrar uma terapêutica a alguém se os seus efeitos benéficos suplantarem, para o indivíduo que a toma, os eventuais efeitos adversos, não sendo sequer aceitável que seja prejudicado mesmo se outros pudessem beneficiar desse “sacrifício”.

    Fidelitas: fidelidade – um princípio que se refere à lealdade e compromisso de um médico para com os seus pacientes, no sentido de lhe conceder todas a informação para um consentimento informado, o que foi impedido, no caso em concreto, com a ocultação do parecer do Colégio de Pediatria.

    Veritas: verdade – um princípio básico em sociedade, mas ainda de maior valia na Medicina, porquanto qualquer ocultação intencional de informação, ainda mais saída do Colégio de Pediatria, é um ultraje à verdade, se outros mais graves actos não tivessem sido cometidos.

    Respectus: respeito – um princípio que, em primeira análise, e neste caso, deveria impedir que se olhasse, no processo de vacinação de menores, para cada um dos adolescentes e para cada uma das crianças como simples membros indistintos de um ‘rebanho’, porquanto uma das fundamentais diferenças entre tratamentos veterinários e tratamentos médicos é que, nos segundos, o tratamento é individualizado e o objectivo é o indivíduo em si.

    woman in bikini lying on wooden dock during daytime

    Bem sei que a História é escrita pelos vencedores. E, por agora, Miguel Guimarães – como outros, com Gouveia e Melo à cabeça – é um dos ‘vitoriosos da pandemia’, não apenas pelos lugares que agora ocupam como pela impunidade de que beneficiam. Aliás, veja-se o caso de Miguel Guimarães – e também de Ana Paula Martins, a actual ministra da Saúde – que se fizeram de ‘bons samaritanos’ gerindo numa conta pessoal mais de 1,4 milhões de euros numa suposta campanha solidária, mas financiada quase na sua totalidade pela indústria farmacêutica, sem pagar impostos, promovendo facturas e declarações falsas, sem que nada tenha sucedido. Veja-se também o caso da vacinação de médicos não-prioritários, em articulação com Gouveia e Melo, violando as normas da Direcção-Geral da Saúde (DGS), mas que uma inspecção intencionalmente pífia da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) considerou estar legal sem sequer analisar a lista dos inoculados e sem se preocupar com o facto de um político ter beneficiado de uma dose ‘dada’ por Miguel Guimarães.

    Mas, apesar desta ‘vitória’ fruto de uma ‘verdade’ imposta pelo poder, e não pela realidade, os factos são factos. E os factos são evidentes: Miguel Guimarães – que se sentiu “pequenino” por um lamentável caso de negligência médica, que implicaria, se não tivesse existido, a ocorrência de uma interrupção de gravidez (porque seria impossível tratamento intra-uterino) – é um hipócrita, porque tratou centenas de milhar de crianças e adolescentes saudáveis como gado, contribuindo para um clima de pânico junto dos pais, que não haveria se o parecer do Colégio de Pediatria tivesse sido conhecido.

    girl covering her face with both hands

    Com isto, negou e violou os princípios do Juramento de Hipócrates, mais graves ainda por estar em funções de bastonário, obstaculizando o acesso a informação vital para um consentimento informado, tornando-se assim um hipócrita anti-Hipócrates.

    Miguel Guimarães, por tudo o que fez – começando pela ocultação do parecer do Colégio de Pediatria em 2021 e consequente perseguição ao pediatra Amil Dias –, só não é, para além de hipócrita anti-Hipócrates, um criminoso, porque estamos em Portugal, onde o Ministério Público não defende o bem público, entrando em jogos de conveniência e de política, e avalizando, com a sua inércia, práticas previstas e punidas pelo Código Penal.

    Só por esse motivo, e por recomendação de advogados, este texto de opinião não se intitula “Miguel Guimarães, um criminoso hipócrita anti-Hipócrates”. Não faz mal, substituir criminoso por infame até me parece mais apropriado para a persona em causa. E assim atinge também, justamente, muitos médicos que aceitaram, sem protestar nem sequer pestanejar, ser representados por esta infame figura que se destacou negativamente num dos períodos mais negros e sombrios da Medicina e da Ética em Portugal.


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  • A bizarria, a única verdade e o crescimento da direita

    A bizarria, a única verdade e o crescimento da direita


    A realidade transformada é agora a percepção da normalidade. A ideia que transmitimos do que é comum e genericamente desejado está pervertida no politicamente correto.

    Hoje vivemos um tempo de várias bizarrias. Um exemplo da forma leve e acrítica como recebemos notícias chegadas dos meios de informação é o fenómeno Castelo Branco. Ou a bizarria em que se converteu a Eurovisão. Ou os julgamentos sumários de pessoas exóticas que servem propósitos mediáticos e depois se destroem sem pudor. Para cantar não se carece de uma extravagância. Para dizer uma letra eloquente não se precisa uma bandeira. Mas acha, quem organiza, que a maioria dos ouvintes prefere a bizarria? Só por dizermos isto incomodamos muita gente!

    brown wooden piano

    A forma quase obrigatória em que os programas da tarde são anunciados por homossexuais é outra face única da realidade. Nada me ofende em Manuel Luís Goucha, excepcional apresentador. Nada me afasta do Malato ou do Cláudio Ramos. Já me parece desproporcional a obrigatoriedade de ser gay para apresentar um programa na televisão. A realidade é uma face de um mundo em que cinco outras faces se escondem. Não há heterossexuais de qualidade? Só o facto de dizer isto, deixa muita gente incomodada!

    A projeção de uma “realidade”, que só transporta uma verdade, é um processo de aculturação perverso que esconde muitas faces da composição da realidade. Deste modo, conduzimos o mundo para um silêncio balizado por discursos corretos, verdades convenientes, políticas de insulto ofuscante. A realidade pode estar desenhada sem perceber que a maioria silenciosa está cansada das montras obrigatórias.

    O bizarro facto de haver dezenas de comentadores do “centrão político”, do globalismo feroz, dos fascinados por certificações, dos sucumbidos da tecnociência, tenta apagar o homem religioso, a componente mágica da mente, a importância do desconhecido, as consequências da utilização de aditivos, medicações, vigilância informática. Qualquer dúvida sobre os temas fortes do globalismo, tornou-se um alvo dos canhões dos crentes na emergência climática, dos defensores das energias ditas sustentáveis, na aposta nos carros elétricos. Os outros são negacionistas e terraplanistas. Logo depois, são fascistas e toda a lista de ‘istas’ que fervem na boca de ‘Catrina Martins’.  A total indiferença que o candidato do Chega ofereceu a Catarina Martins foi tonitruante. A verborreia insultuosa com que esta retorquiu reduz a protagonista.

    A realidade deve ser um cubo, e está vertida numa exposição de uma face, apresentando-se como um quadrado simples, que esconde as cinco faces restantes. A melhor visão da realidade é supormos um cubo inclinado na perspetiva de observarmos três faces, ou se quiserem três verdades. Um ser humano é social, mental, biológico, circunstancial, genético e celular. Nunca estes capítulos são observáveis em simultâneo.

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    Nunca o conhecimento do outro integra a totalidade das verdades do cubo. Por outro lado, cada face é um título cheio de capítulos. A mente é emoção, razão, memória, comportamento, atitude, relação. A circunstância é ambiente, tempo, política. A genética é isso mesmo com suas consequências boas e más. A célula é o homem só, o ser na completa solidão, as características da pessoa sem observação.

    Serve este texto para explicar como a ferocidade ideológica se está a impor no Mundo. Aqueles que não concordam com algumas evoluções encontram um radicalismo bizarro que só se pode combater com uma bizarria igual. Os actores são cada dia mais bufões, mas carregam com eles os silêncios das cinco faces que não se quer mostrar. São bufões, como os cantores da eurovisão que vestem a música que não cantam. Imaginem que se candidatam à europa trajados assim…  

    Diogo Cabrita é médico


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