Etiqueta: Destaque Opinião

  • Incêndios & Amamentação & Brás Cubas

    Incêndios & Amamentação & Brás Cubas


    Neste episódio do podcast Acta Diurna abordam-se três temas:

    1) Os incêndios rurais ocorrem todos os anos em Portugal. Mas as autoridades são, aparentemente, sempre ‘apanhadas’ de surpresa. A dispersão de meios abunda e a forma como é feita a prevenção e o combate às chamas precisa de ser repensada.

    2) A ministra do Trabalho causou polémica com declarações sobre as mulheres trabalhadoras que amamentam os filhos, algumas até os filhos entrarem na escola. Além de as declarações de Maria do Rosário Palma Ramalho serem absolutamente condenáveis, também são demonstrativas de que em 2025 ainda se assistem a políticas retrógradas em matéria de maternidade e protecção da família.

    3) Vem aí o primeiro livro do PÁGINA UM e a estreia não podia ser melhor, já que a obra contém crónicas do nosso Brás Cubas. Pedro Almeida Vieira levanta o véu a esta obra que estará disponível dentro de poucos meses.

    https://open.spotify.com/episode/2VgexIbvzV6OnvfTfgkheW?si=b6d276d371314209

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

    Inspirado no conceito ancestral de noticiar os factos do dia, o PÁGINA UM decidiu registar a marca Acta Diurna no INPI (não é apenas o Almirante Gouveia e Melo que a usa), com o intuito de lançar um podcast de comentário regular sobre a actualidade e temas que orbitam em torno das nossas abordagens.

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    A Acta Diurna foi, muito provavelmente, o primeiro jornal da História. Criado na Roma Antiga, no ano 59 a.C., por ordem de Júlio César, tratava-se de uma folha de informação pública onde eram registados e divulgados acontecimentos políticos, decisões judiciais, anúncios e até mexericos. Afixada em locais de grande circulação, a Acta Diurna tinha como propósito dar conta do quotidiano, funcionando como um instrumento de transparência – ou, ao que tudo indica, de propaganda e controlo da informação.

    Inspirado neste conceito ancestral de noticiar os factos do dia, o PÁGINA UM decidiu registar a marca Acta Diurna, para lançar um podcast de comentário regular sobre a actualidade e temas que orbitam em torno das abordagens do próprio jornal. Mas não só. Também haverá espaço para outros assuntos que, por diversas circunstâncias acabam por não ser desenvolvidos em formato escrito.

    O Acta Diurna será conduzido por Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares, podendo contar, pontualmente, com convidados externos que tragam outras perspetivas ao debate. Não é um podcast de entrevistas, é um espaço de análise crítica, com o selo do jornalismo livre do PÁGINA UM.

    O Acta Diurna será um espaço para quem quer pensar além das narrativas dominantes. E o novo episódio já está disponível.

  • Brazil under attack, ou A blitz de Donald Trump contra as instituições nacionais

    Brazil under attack, ou A blitz de Donald Trump contra as instituições nacionais


    Meteoro trumpista

    O panorama político e económico brasileiro foi sacudido na segunda semana de Julho por um meteoro oriundo directamente de Washington. Numa “carta” publicada em sua própria rede social (a Truth Social), o presidente norte-americano, Donald Trump, impôs, de forma unilateral e indiscriminada, uma tarifa de 50% sobre todo e qualquer produto exportado pelo Brasil aos Estados Unidos.

    Para justificar tão brutal imposição, Trump – cujo bronzeado artificial, associado à pesada maquilhagem, confere à sua pele um curioso aspeto laranja– fez uso de três “argumentos”:

    1 – Existiria uma perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe de Estado. Essa seria uma “caça às bruxas” que deveria parar “IMEDIATAMENTE” (a ênfase da caixa alta é do próprio Trump);

    2 – As redes sociais no país, controladas em sua maior parte por Big Techs norte-americanas, estariam a ser alvo de “censura” por parte do STF, o que violaria o direito à “liberdade de expressão dos americanos”;

    3 – “Défices comerciais insustentáveis” entre os dois países estariam a pôr em causa a “segurança nacional” dos Estados Unidos.

    Autoexilado nos Estados Unidos, o filho mais novo de Bolsonaro, Eduardo, comemorou a medida nas redes sociais. Não satisfeito, o “Filho 03” do ex-presidente chegou a pedir aos brasileiros através de um tweet que “agradecessem” a Trump pelas tarifas impostas aos produtos nacionais.

    “Sanções” é o nome do jogo

    Quando surge um imbróglio qualquer, seja a nível nacional, seja a nível global, o primeiro passo para compreendê-lo é respeitar o bom vernáculo. Chamando as coisas pelos seus próprios nomes, é mais fácil identificar do que se está a tratar e, a partir daí, começar a pensar em soluções. Por isso mesmo, será erro dar o nome de “aumento de tarifas” ao ataque perpetrado por Donald Trump ao maior país ao sul do Equador. O que houve foi a imposição de sanções.

    Para cogitar-se de uma possível guerra comercial, o pressuposto fundamental seria acreditar que verdadeiramente existe uma base factual para as alegações de comércio desigual formuladas pelo Nero dos nossos tempos. É essa disparidade, aliás, que justifica – ao menos em tese – a imposição de tarifas através de ordem executiva do Presidente dos Estados Unidos, de modo a contornar a autoridade constitucional outorgada ao Congresso norte-americano para impor semelhante tributo a importações estrangeiras.

    a crowd of people walking down a street

    O argumento de “segurança nacional” baseado na suposição de um “imenso défice comercial” – de legalidade duvidosa desde sempre – adquire ares de realismo fantástico no caso brasileiro. Sim, pois enquanto os Estados Unidos mantêm uma balança comercial cronicamente deficitária com o resto do mundo, o Brasil é um dos poucos países com os quais os estadunidenses ostentam superávit nas trocas de bens e serviços. De 2009 para cá, não houve um único ano em que os Estados Unidos tivessem défice comercial com o Brasil. Ao contrário. No acumulado, já são quase US$ 90 mil milhões de saldo favorável aos americanos em quinze anos.

    Para além do défice comercial inexistente, o ataque de Trump ao Brasil não pode ser chamado de “guerra comercial” porque ele mesmo enumera dois outros argumentos para justificar a imposição unilateral de tarifas: 1) a suposta “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro; 2) a “censura” imposta às Big Techs americanas pelo Supremo Tribunal Federal.

    “Caça às bruxas”?

    Réu no STF por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro sempre se prestou, mesmo enquanto presidente, à submissão vassalar frente ao seu “ídolo”. Bolsonaro chegou ao cúmulo de dizer, em 2019, I love you para Trump mesmo depois que o presidente norte-americano impusera uma taxação às exportações de aço brasileiras para a terra do Tio Sam. Tudo para receber em troca apenas um embaraçoso Nice to see you again.

    Bolsonaro não é vítima de perseguição política. É um criminoso que está a ser julgado por tentar impedir a posse de um presidente legitimamente eleito. Trata-se de um julgamento limpo, no qual já se carreou um caminhão de provas, inclusive os depoimentos do ex-comandante do Exército e do ex-comandante da Aeronáutica, a confirmar que o ex-presidente e parte de seus generais pretendiam usar as Forças Armadas para permanecer ilegalmente no poder. Bolsonaro recebe da democracia toda a cortesia que a garantia de um devido processo legal pode conferir. A mesma cortesia que foi negada aos presos políticos da ditadura que ele tanto exaltou durante toda a sua carreira política.

    wide road with vehicle traveling with white dome building

    O nó da questão

    O segundo ponto levantado por Donald Trump diz respeito à suposta “censura” aplicada pelo Supremo Tribunal Federal às redes sociais norte-americanas. Trata-se de assunto já abordado aqui nesta coluna (https://www.paginaum.pt/2024/09/19/elon-musk-vs-alexandre-de-moraes-uma-visao-brasileira). Não existe censura. O que existe é uma tentativa tímida de responsabilizá-las pelo conteúdo que veiculam.

    Fora isso, revela-se formidável hipocrisia ver o Nero Laranja falar em “liberdade de expressão” quando seu governo revogou o visto de 300 estudantes que se manifestaram em universidades a favor da causa palestina; cassou as credenciais da Associated Press por recusar-se a chamar o Golfo do México de “Golfo da América”; e, agora, ameaça tirar a cidadania da jornalista Rosie O’Donnel (nascida em Nova Iorque) por criticar sua agenda ambiental. So much for free speech defense.

    Um ataque sem precedentes

    Do ponto de vista histórico e diplomático, o ataque de Donald Trump às instituições brasileiras é sem precedentes. Nunca houve nada sequer semelhante ao que se está a passar agora. É verdade que, durante o governo do general Ernesto Geisel, o Brasil sofreu pressão do governo Jimmy Carter pela abertura do regime. Já havia mais de dez anos do golpe de 1964 e as denúncias de violações aos direitos humanos tinham atingido patamar insustentável. Tais pressões, porém, deram-se nos bastidores e em momento algum o governo Carter publicou uma nota desaforada para contestar os crimes cometidos pelos agentes da ditadura.

    O máximo de constrangimento imposto por Carter ao governo brasileiro foi obrigar Geisel a receber sua mulher, Rosalynn. Geisel entendia que, como presidente, só lhe competia discutir questões de Estado com seu par americano, não com a primeira-dama, que não fora eleita para coisa alguma. O episódio calou tão fundo na alma do general que, anos depois, já com ambos fora dos respetivos cargos, Geisel negou-se a receber Carter em sua residência. A questão “resolveu-se” depois que o Brasil denunciou o acordo de cooperação técnico-militar com o exército dos Estados Unidos.

    red and blue crane under blue sky during daytime

    O sequestro e o resgate

    Do ponto de vista jurídico e político, a “carta” enviada pelo Nero Laranja não faz o menor sentido. A começar pelo facto de que seu destinatário, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva, não dispõe de qualquer autoridade para fazer o que Trump exige. Por mais que o país seja desconhecido em grande parte das redes de poder em Washington – por vezes referenciado de forma jocosa como “México do Sul”, cuja capital é a cidade de Buenos Aires –, mesmo um governo de ignorantes como o de Trump é capaz de saber o Brasil não é uma Banana Republic, onde o Presidente manda suspender um processo da Suprema Corte (contra Bolsonaro) ou desfazer-lhe um julgamento (contra as Big Techs).

    Ao contrário do que Trump expôs em sua missiva, no Brasil não vigora qualquer regime de exceção. Na verdade, pela primeira vez em sua história, o país tem a oportunidade de consolidar à vera a sua democracia, levando ao banco dos réus civis e militares que conspiraram pela derrubada do regime democrático. Bolsonaro não é vítima de uma “caça às bruxas”. É um liberticida mimado, que passou a vida inteira sem responder pelos seus atos. Agora, com a perspetiva de enfim ser preso, resolveu “sequestrar” o país com a ajuda de uma potência estrangeira para tentar livrar-se do cárcere.

    Bolsonaro, de facto, importa?

    Mas até que ponto Bolsonaro, de facto, importa nessa equação?

    Na mesma carta em que ataca as instituições brasileiras, Trump afirma que, caso as empresas brasileiras decidam “construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos”, a tarifa não será implementada. O presidente norte-americano dispõe-se até a fazer o serviço de despachante “para aprovar rapidamente” os investimentos brasileiros. A gentileza é tamanha que ele se propõe a aprovar “em questão de semanas” o desembaraço burocrático. É dizer: se os empresários nacionais resolverem investir nos Estados Unidos, dane-se Jair Bolsonaro.

    a person holding a flag

    A ser verdade que Bolsonaro seria elemento-chave dessa medida, por que ele mesmo não veio a público pedir a revogação da medida? Dado o imenso prejuízo causado à economia brasileira, Bolsonaro poderia capitalizar politicamente a questão, “sacrificando-se” pelo bem da Nação e apresentando-se como “salvador da pátria”.

    Das duas, uma: ou Bolsonaro não dispõe qualquer poder de ingerência para pedir a revogação das tarifas a Donald Trump; ou ele não foi o principal motivo para que elas fossem impostas. Não há como entender que ele tenha sido a principal motivação do troço e, ao mesmo tempo, não seja capaz de pelo menos advogar pela revogação da medida.

    Freud explica?

    Há sempre o risco de que tudo isso não tenha passado de um TACO Trade. O acrónimo Trump Always Chickens Out (“Trump sempre amarela”), formulado jocosamente por alguns operadores financeiros de Wall Street, indica uma fórmula através da qual, toda vez que o Nero Laranja apresenta alguma medida estapafúrdia, ele termina por recuar depois de algumas semanas. Seja por conta das pressões dos setores envolvidos, seja por conta da repercussão negativa, Trump acaba por dar o dito pelo não dito e ainda sai por aí a anunciar vitória. Esse, porém, pode não ser o caso das sanções aplicadas ao Brasil.

    Como toda a gente sabe, Donald Trump foi processado por sedição depois do infame episódio do 6 de Janeiro. Uma multidão ensandecida, incensada por um comício incendiário do próprio Nero dos nossos tempos, tentou impedir a certificação da vitória de seu oponente democrata, Joe Biden. A alegação? “Fraude” nas eleições. Graças à incapacidade do sistema judicial norte-americano de levar a cabo a denúncia por golpe de Estado, Donald Trump pôde concorrer e vencer novamente a corrida para a Casa Branca.

    Durante todo o tempo em que foi processado, Trump alegou ser vítima de uma “caça às bruxas”. A mesma “caça às bruxas” que ele agora acusa o governo brasileiro e o STF de praticarem contra Jair Bolsonaro. Ninguém sabe até que ponto o caso de Bolsonaro detona algum “gatilho” mental na cabeça do Nero Laranja. O mais provável, porém, é que a pressão exercida por ele seja motivada não por qualquer espécie de sentimento de solidariedade, mas, sim, para evitar o “exemplo” contra pretendentes a autocratas que a Justiça brasileira está a dar. Não será mera coincidência, portanto, que Trump tenha feito ameaça semelhante a Israel pela “perseguição” a Benjamin Netanyahu, réu em um rumoroso caso de corrupção.

    a flag flying in the air

    Não é por acaso, portanto, que o Brasil foi “premiado” com o maior percentual dessa nova rodada de tarifações imposta por Donald Trump. Há, sem sombra de dúvida, uma componente política nesse ato.

    Isso explica, ademais, por que ambos os argumentos – “perseguição” a Bolsonaro e “censura” às Big Techs – estão situados topograficamente acima do “argumento comercial” na malcriada “carta” enviada pelo Nero da nova Roma. Esse trecho, a propósito, reproduz na base do “Ctrl+C – Ctrl+V” o conteúdo de cartas enviadas a outros países por Trump. Isso indica não só a aparente preguiça dos redatores na revisão do texto, como também a irrelevância do “argumento comercial” para a imposição indiscriminada de uma tarifa de 50% sobre toda a pauta de exportação brasileira ao país.

    E agora?

    Ainda que o Brasil fosse uma República de Bananas, qualquer criatura minimamente familiarizada com relações diplomáticas sabe que um país não pode ceder a tais termos sob chantagem. Seria um desastre político a nível interno e uma humilhação vexatória a nível internacional. Churchill ensinava que não se pode negociar com um tigre quando sua cabeça está dentro da boca dele. O que Trump está a pedir, em suma, é que, para não serem assassinados, Lula e o STF cometam suicídio. Parece óbvio que nenhum dos dois cometerá tal despautério.

    O ataque deliberado do Nero Laranja às instituições brasileiras detonou uma onda de nacionalismo poucas vezes vista no território brasileiro. Mesmo quem não morre de amores pela esquerda sabe identificar quando seu país está a ser injustamente atacado por uma nação estrangeira. Sequestrada pelo bolsonarismo desde 2018, a bandeira do patriotismo foi transferida de mão beijada para Lula. Com a popularidade em baixa e uma gestão questionada até mesmo por aliados, o babalorixá petista conseguiu tirar seu governo das cordas e parece reenergizado para uma disputa presidencial que promete ser renhida ano que vem.

    a long row of flags in front of a building

    Danos colaterais

    Como se isso não bastasse, a tarifação indiscriminada dos produtos brasileiros abortou o projecto de amnistia aos golpistas de 8 de Janeiro. Ambicionado por Bolsonaro e seus generais golpistas, o projecto tramitava na surdina no Congresso Nacional. Embora nada do texto tenha vindo a público, havia lideranças que defendiam até que se votasse a amnistia antes do recesso parlamentar, em 17 de Julho. Agora, toda essa programação foi por água abaixo.

    Para piorar, a péssima repercussão do tarifaço trumpista atingiu a base económica do bolsonarismo, como o agronegócio e alguns setores industriais. Fortemente exportadores, esses setores estão entre os mais prejudicados pelas tarifas de Donald Trump. Sem saber de que lado se posicionar, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas – encarnação daquilo que parte do mainstream mediático alcunha de “bolsonarismo moderado” (como se tal coisa pudesse existir) – ficou na linha de tiro.

    Preferido do chamado “Centrão” e do mercado financeiro para substituir o inelegível Bolsonaro na próxima contenda presidencial, Tarcísio de Freitas deparou-se com uma encruzilhada. Se defendesse os empresários atingidos pela medida, compraria briga com seu padrinho político. Se defendesse Bolsonaro, compraria briga com os potenciais patrocinadores de sua campanha. Resultado: Tarcísio não defendeu nem um nem outro. Acabou, assim, por apanhar dos dois lados.

    silhouette of road signage during golden hour

    Em resumo:

    O episódio das tarifas contra os produtos brasileiros, portanto, é um caso a ser estudado no futuro. Numa só tacada, Donald Trump conseguiu: 1) enterrar o projecto de amnistia aos golpistas de 8 de Janeiro; 2) enfraquecer politicamente seu protégé; 3) alvejar gravemente seu potencial substituto na corrida;e, finalmente, 4) encorajar o atual presidente para as próximas eleições.

    Quanto ao Supremo, a ameaça de Trump de nada adiantará para suspender o processo contra Bolsonaro. Na verdade, deve resultar no exato oposto: seu julgamento deve ser acelerado. Quem não conhecesse as personagens, seria capaz de jurar que Trump é lulista de carteirinha.

    Diante de tudo isso, resta apenas concluir ironicamente: “Parabéns aos envolvidos”.

    Arthur Maximus é advogado no Brasil e doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

  • Calor & America Party & Diogo Jota & Djokovic

    Calor & America Party & Diogo Jota & Djokovic


    Neste episódio do podcast Acta Diurna abordam-se quatro temas da actualidade:

    1) Subida das temperaturas e mortalidade

    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) divulgou, através da agência Lusa, os dados com os óbitos em excesso no mais recente período em que as temperaturas subiram em Portugal Continental. Uma análise ao dados divulgados permite retirar várias conclusões e a DGS ‘não sai bem’ no retrato.

    2) America Party: novo partido nos Estados Unidos?

    O milionário Elon Musk anunciou a criação de um novo partido nos Estados Unidos. O America Party visa fazer frente ao bi-partidarismo que tem reinado no país e terá como ‘bandeiras’ uma maior eficiência dos gastos públicos e o combate ao aumento da despesa pública, que têm sido batalhas de Musk.

    3) As trágicas mortes de Diogo Jota e André Silva

    Em análise, a cobertura mediática desta tragédia, o jornalismo abutre e a necessária investigação aos múltiplos factores que poderão ter sido decisivos para causar o acidente que tirou a vida aos dois jogadores.

    4) Novo marco de Djokovic

    O lendário tenista obteve a sua 100ª vitória em Wimbledon e mostrou, mais uma vez, que se apresenta em excelente forma física nos seus 38 anos.

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    A Acta Diurna foi, muito provavelmente, o primeiro jornal da História. Criado na Roma Antiga, no ano 59 a.C., por ordem de Júlio César, tratava-se de uma folha de informação pública onde eram registados e divulgados acontecimentos políticos, decisões judiciais, anúncios e até mexericos. Afixada em locais de grande circulação, a Acta Diurna tinha como propósito dar conta do quotidiano, funcionando como um instrumento de transparência – ou, ao que tudo indica, de propaganda e controlo da informação.

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    O Acta Diurna será conduzido por Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares, podendo contar, pontualmente, com convidados externos que tragam outras perspetivas ao debate. Não é um podcast de entrevistas, é um espaço de análise crítica, com o selo do jornalismo livre do PÁGINA UM.

    O Acta Diurna será um espaço para quem quer pensar além das narrativas dominantes. E o novo episódio já está disponível.

  • Diogo Jota e o jornalismo abutre e sensacionalista

    Diogo Jota e o jornalismo abutre e sensacionalista


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo.

    No 22º episódio, analisa-se o caso do jornalismo abutre que se está a aproveitar das trágicas mortes de Diogo Jota e André Silva. Também se analisa o sensacionalismo atroz que ‘pintou’ de vermelho e negro o mapa de Portugal nas previsões meteorológicas.

    Ainda se analisam dois fenómenos estranhos que afectaram a BBC e um estudo (mais um) divulgado pela Lusa, desta vez da autoria de uma investigadora do ISCTE.

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  • É o caráter, estúpido

    É o caráter, estúpido


    Em 29 de maio, Gouveia e Melo (GM) anunciou que é candidato a Presidente da República (PR). A apresentação da candidatura teve o modelo de “alocução às tropas em parada”: o tom e o semblante severos, o conteúdo do discurso, a aprovação dos aplausos, a audiência sob a direção do mestre de cerimónias, tudo sustentou a imagem de (mais) um D. Sebastião. E as “tropas”, “em parada” ou através dos media, arrebatadas, aclamaram o “Messias”. No fim, a encenação com jovens não dissipou o tom grisalho, e varonil, da audiência, nem a vanguarda de despeitados dos partidos e perdedores militantes (confirmada no dia seguinte).

    Ninguém se surpreendeu com o anúncio. A ideia foi lançada em 2021 numa TV, e os media, sobretudo o Diário de Notícias e as TVs (com muitas “sondagens”), alimentaram-na, dando-lhe palco mediático semanalmente ou mais. Os media garantiram-lhe a notoriedade nestes 4 anos, sem a qual o seu protagonismo na crise pandémica se teria diluído nas mentes das massas.

    A Procura

    A observação e a análise dos apoiantes de GM, nas redes sociais e por aí, tem valor sociológico e político: diz-me com quem andas e digo-te quem és, diz o povo com razão. Há procura pelo “diferente” (de quê?) e há uma elite de apoiantes, os elogiantes, que a corporiza. GM disse na alocução que foram os apoiantes que o convenceram – então não foi a vitória de Trump? Logo, não é independente deles, é a sua figura de proa, o que merece escrutínio. Disse que não depende de partidos; mas isso só é um trunfo se GM não se endividar face a particulares – quem paga os €2 milhões? As dívidas a partidos são mais transparentes.

    Pouco une os apoiantes de GM, mesmo entre os elogiantes. Há até quem diga votará em Pedro Passos Coelho (PPC), se este for candidato – ninguém explicou o que aproxima GM de PPC, exceto na vaga perceção que os coloca à direita… De resto, pouco mais dizem do que “Força Almirante!” ou “O Almirante vai ganhar!”. Mas destaco 3 pontos observados nos apoiantes:

    • cidadãs menos jovens que dizem que o acham bonito, e que dizem que votam nele;
    • “pôs em ordem” a vacinação contra o SARS-COV-2, logo vai ser um bom PR, porque só ele pode “pôr o país na ordem”, obrigando os partidos a fazer o que ele manda;
    • e, por ser militar, vai ser como Ramalho Eanes, uma referência de sisudez, de integridade e de autoridade, para ser diferente do atual PR.

    Registo, sem mais, a superficialidade da avaliação de algumas cidadãs.

    A ideia de que “pôs em ordem” a vacinação cai ante os factos. Primeiro, foi o próprio GM que, quando tomou posse (2021), afirmou que “Neste momento, em cada mil vacinas que foram administradas, há uma vacina que ainda não foi clarificado como é que decorreu”; isto é, a alegada “rebaldaria” seria inferior a 0,1%; e só terá atrasado por poucos dias o momento da injeção, pois havia doses para todos, e várias vezes (Portugal encomendou mais de 60 milhões de doses). Mas a taxa de desperdício até 2022 foi superior a 11% (Auditoria 13/2023 do Tribunal de Contas). Afinal, o desperdício ocorreu depois de Francisco Ramos deixar o cargo.

    Poucos sabem destes factos, porque a maioria dos editores e dos jornalistas escolheu não os escrutinar e noticiar e, muito menos, “martelar”. E muitos apoiantes de GM nem querem saber.

    Além disso, “fogem como o diabo foge da cruz” a explicar como é que GM, notado por uma função executiva e sem bagagem política, vai ser bom numa função não-executiva e na função mais política do regime. Só emitem juízos conclusivos à volta da “ordem”; e ataques ad hominem ao mensageiro, como se fosse este o candidato. (Devo notar que não sou candidato; não vou ser; e decido em quem votar quando estiver formado o boletim de voto.)

    Poucos elogiantes caem no ridículo de dizer que GM pode ser o “novo” Eanes. Os que imaginam que todos os militares são iguais acham que, por ser militar, GM tem as virtudes e a sisudez de Eanes. Ignoram a diversidade dos militares, que incluem António de Spínola, Vasco Lourenço, Santos Costa, Rosa Coutinho, Américo Tomás, Costa Gomes, Pereira Crespo, Vasco Gonçalves, Alpoim Calvão, Otelo Saraiva de Carvalho, Galvão de Melo, Mário Tomé, Kaúlza de Arriaga, Melo Antunes, e tantos outros.

    A fé em que GM imporá “a ordem” será abordada abaixo; parece ser decisiva para os apoiantes e aponta para o essencial: o caráter de GM.

    Realço a superficialidade – sim, a superficialidade – com que tantos cidadãos parecem escolher os políticos em que votam. E é inquietante: até pessoas diferenciadas, por vezes académicos respeitados, expressam posições superficiais, mesmo que não as publiquem.

    A ordem, o belicismo e o autoritarismo

    A imagem que as pessoas em geral têm de GM é consistente: autoritário. GM e os elogiantes tentam disfarçar, só por propaganda; mas sabem que esse é o maior trunfo para as massas de apoiantes, que têm fé de que GM vai “pôr o país na ordem”. GM alimenta essa imagem, às claras quando é espontâneo, e subtilmente quando está comprometido com o teleponto.

    Mas se GM assumir sem equívocos a narrativa da “ordem”, que os seus apoiantes desejam e na qual apostam, aliena os eleitores moderados do centrão e fica só com alguns “chateados” à direita. Por isso, dizem-lhe para “vestir pele de cordeiro”, e dizer coisas bem-sonantes como “serei um presidente que respeitará os partidos políticos […] assim como a separação de poderes, tendo sempre em mente que o PR não governa.” A sério? Como acreditar nisto?

    Para não alienar a sua base natural, tem de invocar a “ordem”. Este trecho (muito aplaudido) serve esse fim: “um presidente estável, confiável e atento, acima de disputas partidárias, longe das pressões e fiel ao povo que o elegeu”. São de realçar a palavra “acima” e a expressão “o povo que o elegeu”.

    Todos os PR estiveram acima de disputas partidárias; mas as palavras “acima” e, mais adiante, “árbitro” inspiram e animam quem busca a “ordem”. É nesta ideia de “ordem”, de mandar e dar ordens aos demais atores sociais e políticos (sobretudo, aos partidos), que a larga maioria de apoiantes se revê, e que se revela a personalidade autoritária de GM neste domínio.

    Neste contexto, é de destacar a sua afirmação belicista sobre distribuir injeções contra o SARS-COV-2: “Para mim isto é uma guerra.” GM concretizou esta ideia com o uso de uniforme militar camuflado durante aqueles 8 meses de 2021. (Que os órgãos de soberania tivessem aceite essa prática de um funcionário público numa função civil, é uma das bizarrias então vividas.)

    A ideia de “ordem”, tão apreciada pelos seus apoiantes, já tinha sido expressa numa entrevista em 2021, quando afirmou: “Este país eram anos para endireitar”.

    O colapso do processo disciplinar sobre militares do NRP Mondego, por decisão do Supremo Tribunal Administrativo, por violações graves da Constituição e da lei (2025), é mais uma prova de que GM se acha acima, também, das normas do Estado de Direito.

    Acresce a acusação pelo Tribunal de Contas de excesso de ajustes diretos (2024, referida a factos de 2017) a qual prova que se acha, e há muito, acima da lei.

    A sua ideia de o PR ser um árbitro – uma autoridade para mandar em todos os demais – não é compatível com a Constituição, que o PR jura e que está vinculado a cumprir e a defender.

    Estas posições negam a afirmação de GM na sua alocução, “Defendi a liberdade, a Constituição e os interesses de todos os portugueses.” Se defendesse a Constituição, não teria sido anulado aquele processo, justamente por violar a Constituição e a lei; nem acusado pelo Tribunal de Contas, por violar a lei; nem acusado por crime praticado em serviço em 2018 (GM retratou-se para evitar o julgamento, tão convencido estava de ser inocente…).

    Numa cerimónia do Dia de Portugal (2025), GM disse a um cidadão “Cale-se!”. Contra o autor, e para o “calar”, já promoveu três processos judiciais – com a ineficácia que se vê, e que deixa os apoiantes desconsolados. Se foi assim até agora, será mais suave com os poderes de PR?

    A vaidade e o narcisismo

    Curiosamente, nunca vi um/a apoiante de GM negar a sua vaidade e o seu narcisismo. O que é bizarro, já que estes apoiantes apontam esses defeitos a Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), e é um dos motivos que invocam para quererem um PR “diferente”.

    Ainda em 2021, GM disse que “Nós somos silence service, porque gostamos de prestar serviço de forma silenciosa. Não é pôr-mo-nos em bicos de pés que vai ajudar os portugueses”. Depois andou esse ano, e os seguintes, a exibir-se nas TVs, que o esperavam onde ele ia.

    Apostando na fraca memória das massas, GM disse em 2024 sobre a distribuição das injeções que “não era qualquer militar que fazia aquilo”. E em 2025 disse: “coordenei… quando Portugal mais precisava de organização, confiança e liderança”. Em 2021, GM sugeriu humildade; mas a sua vaidade prevaleceu. Objetivamente, é falso que tenha colocado ordem numa “rebaldaria”; pelo menos, o desperdício superou 11% em dois anos.

    Já algo parecido tinha ocorrido com a tragédia de Pedrógão/Castanheira/Figueiró (2017), em que no Relatório da Comissão Técnica Independente se diz sobre GM: “O aparecimento do Comandante Naval na área de operações, por exemplo, pode ter dado algum tipo de dividendos à Marinha Portuguesa do ponto de vista político mas é negativo para as Forças Armadas e para o CEMGFA.” Os elogios que António Costa fez a GM, e os cargos que ele e MRS lhe deram revelam bem quem usufruiu dos tais dividendos.

    A vaidade de GM vence sempre que não há teleponto, como estes dois exemplos confirmam:

    – “Os chefes militares eram mais do tipo Português Suave” (2024): reflete o desprezo que nutre pelo papel e pela discrição dos chefes militares no Estado de Direito Democrático;

    – e, numa clara alusão a MRS na sua alocução, “precisamos de um presidente diferente. Um presidente capaz de unir-nos, de motivar, de dar sentido à esperança, capaz de ser consciência e exemplo […] um presidente estável, confiável e atento,”. A deselegância só surpreende quem ignora como “atropelou” o seu antecessor no comando da Armada. Mas diferente é: nenhum PR chegou ao cargo acusado por vários tribunais.

    Unir os portugueses

    Nada no seu passado, nada mesmo, fundamenta a ideia de que vai unir os portugueses. Até no seu curso de oficiais da Escola Naval, por se meter em questões pessoais a que era alheio, GM criou divisões entre camaradas, com consequências muito nefastas.

    Sem qualquer legitimidade, ou saber para tal, GM demonizou quem levantava dúvidas legítimas durante a crise pandémica, por exemplo, com esta afirmação: “Todos os malucos que acham que o vírus não faz mal” são também “inimigos””. E noutra ocasião afirmou, “Faço o que tiver de fazer e sou impiedoso com os malandros” – e é ele que decide quem são os “malandros”…

    Pior: em 2021, pressionou a imposição da inoculação das crianças contra o SARS-COV-2, sem que tivesse qualquer competência técnica na matéria que o habilitasse a opinar, e menos a pressionar, quando já se sabia que as crianças pouco ou nada eram afetadas pelo vírus.

    A expressão “um presidente […] fiel ao povo que o elegeu” merece ser analisada: nem sequer ambiciona ser o PR de todos os portugueses, mas só de quem votar nele. Quiçá não queriam que tivesse dito isto; mas foi isto que disse.

    Claro que “o povo” tinha de vir na alocução, pois é uma enzima emocional crucial nas narrativas populistas – de quem exige aos partidos que apresentem “propostas, sem demagogias”…

    O caráter de GM

    Um traço de personalidade que muitos apreciamos, pelo valor moral que tem, é a consistência, e mais quando os custos superam os benefícios. Neste âmbito, importa rever algumas posições e declarações de GM ao longo de 3 anos:

    – “Não sinto necessidade de dar [o meu contributo] enquanto político, primeiro porque não estou preparado para isso, acho que daria um péssimo político e também acho que devemos separar o que é militar do que é político, porque são campos de actuação completamente diferentes”;

    – “Os militares devem fazer o que sabem fazer, que é ser militar e os políticos fazem o que sabem fazer, que é ser políticos (…) nós vivemos numa democracia estável, não devemos confundir as coisas”;

    – “Não gosto que me imiscuam na área política. Sou militar e não tenho intenção no futuro de me candidatar a nada. Isto é um não. Quando eu digo não é não“;

    “Se isso acontecer, dêem-me uma corda para me enforcar”;

    “Quando eu digo não é não.”

    Há mais: em 2024, num dia defendeu a conscrição; na semana seguinte, recuou.

    GM também disse na alocução que o PR não governa. Mas há 3 meses indicou um programa de Governo, vago e bem-sonante, do estilo “Miss Universo”; e na alocução repetiu sons no mesmo estilo, embora com as palavras “acima” e “árbitro” pelo meio: “Precisamos de uma economia centrada nas pessoas, mais forte, mais competitiva, mais produtiva”; “Também precisamos de reformar a Administração Pública e a Justiça. […]  De olhar para as ilhas, para o interior e para a diáspora. Importa garantir saúde a todos, em tempo e qualidade”; e “Encontrar soluções para a habitação”. Nunca disse que ia ajudar o Governo a conduzir a política geral do país, nem a concretizar as políticas públicas – mas é isso que cabe nas competências do PR.

    Muito notadas foram ainda as declarações contraditórias, com intervalo de dias:

    – em 12 de Março, uma fonte próxima e não desmentida por GM afirmou que o “almirante Gouveia e Melo apresentará a candidatura logo após as legislativas”, e que “não quer interferir nem perturbar as eleições legislativas”;

    – em 14 de Maio, 4 dias antes das eleições, afirmou que “A minha decisão é avançar”;

    – em 15 de Maio, foi noticiado: “Gouveia e Melo arrependido de anúncio de candidatura”.

    Muitos apoiantes de GM criticam os políticos, por estes dizerem uma coisa e fazerem outra. Por isso, também, querem um PR “diferente”. Todavia, os mesmos toleram, justificam e alguns até aplaudem as contradições de GM. Talvez saibam que para chegar ao poder tem de dizer coisas para agradar ao centrão; já no poder pode fazer outra, como mandar nos partidos e agradar ao “povo que o elegeu”. Vale tudo para alcançar o poder? Em que atos e factos mostrou GM ser diferente dos maus políticos?

    Com estes factos da sua conduta no passado, como saber se GM vai cumprir amanhã o que diz hoje? Como confiar em GM, se ele muda de posição ao sabor do “vento”? Como pode GM unir algum grupo, sem ser pela imposição, senão mesmo pela coação?

    Usualmente, o caráter é um critério de avaliação para qualquer cargo. E é crucial para avaliar um candidato a um órgão unipessoal, político e não-executivo, com uma apreciável margem de apreciação dos factos, a qual depende diretamente do caráter e da experiência de vida.

    Por isso, é preocupante o receio evidente de editores e jornalistas em escrutinarem o passado de GM, e em analisarem a sua conduta e o seu caráter. Só querem saber do que GM diz agora; quiçá para apagar a vaidade e a espontaneidade que prevalecem sem teleponto, e que diferem da versão oficial.

    De facto, a imagem generalizada entre os portugueses, de pessoa autoritária e vaidosa, assenta justamente em avaliações de caráter, baseadas na observação da conduta de GM. Os apoiantes desejam o autoritarismo de GM. Até por isso, o caráter de GM é um elemento nuclear da sua candidatura, e é bizarro que jornalistas e editores, sempre tão ágeis a esmiuçar o passado de tantos outros, fujam a observar e a escrutinar todo o passado e o caráter de GM.

    Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • ‘Grátis’: um caso de demência entre jornalistas

    ‘Grátis’: um caso de demência entre jornalistas


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo.

    No 21º episódio, analisa-se o caso dos títulos que anunciam concertos ‘grátis’ e festivais ‘grátis’, mas que, afinal, são pagos pelos contribuintes…

    Também se analisa: a ‘não cobertura’ da reunião anual do Grupo Bilderberg; a repentina preocupação dos media com conflitos de interesse entre ‘especialistas’ de saúde pública; a cobertura ‘fofinha’ da presença de Portugal na Expo 2025; e a bipolaridade dos media ao noticiar motins como protestos ‘pacíficos’.

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  • Pobreza & Calor & Peritos

    Pobreza & Calor & Peritos


    Neste episódio do podcast Acta Diurna abordam-se três temas de relevo: um que levanta preocupações de cariz social; e outros dois relacionados com a área da Saúde:

    1) Nunca houve tantos idosos em risco de pobreza e exclusão

    Uma análise do jornalista Pedro Almeida Vieira aos dados mais recentes disponíveis no Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam uma realidade preocupante em matéria de aumento de pobreza na terceira idade. O aumento da longevidade não está a ser acompanhado de apoios à população sénior mais vulnerável em termos sociais e económicos. As mulheres são as mais afectadas.

    2) Calor e mortalidade: está o SNS preparado para lidar com as consequências que dias mais quentes trarão, designadamente para os mais idosos?

    As previsões apontam que os próximos dias serão de calor no território continental. Os riscos em termos de saúde, sobretudo para os idosos, são grandes, podendo assistir-se a um efeito de aumento da mortalidade. Até porque o Inverno foi ‘ameno’ em termos de mortalidade. Se não houver a devida preparação das autoridades e do SNS, depois vai culpar-se o tempo e as alterações climáticas pelo eventual aumento de mortes.

    3) Robert F. Kennedy Jr., secretário de Saúde dos Estados Unidos, reformou o painel de membros de um comité que ajuda a definir as políticas de vacinação com o objectivo de restaurar a confiança do público nas vacinas. Mas os media, e alguns ‘especialistas’ não ficaram contentes com a mudança.

    Caiu o ‘Carmo e a Trindade’ com o anúncio da reforma do painel de conselheiros de um comité que ajuda a definir as políticas de vacinação nos Estados Unidos. Os media, muitos dos quais têm parcerias com farmacêuticas, vieram de imediato criticar a decisão com notícias enviesadas e negativas. Também ‘especialistas’ com ligações a farmacêuticas, como é o caso em Portugal de Filipe Froes, apressaram-se a insultar Kennedy.

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    Inspirado no conceito ancestral de noticiar os factos do dia, o PÁGINA UM decidiu registar a marca Acta Diurna no INPI (não é apenas o Almirante Gouveia e Melo que a usa), com o intuito de lançar um podcast de comentário regular sobre a actualidade e temas que orbitam em torno das nossas abordagens.

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    A Acta Diurna foi, muito provavelmente, o primeiro jornal da História. Criado na Roma Antiga, no ano 59 a.C., por ordem de Júlio César, tratava-se de uma folha de informação pública onde eram registados e divulgados acontecimentos políticos, decisões judiciais, anúncios e até mexericos. Afixada em locais de grande circulação, a Acta Diurna tinha como propósito dar conta do quotidiano, funcionando como um instrumento de transparência – ou, ao que tudo indica, de propaganda e controlo da informação.

    Inspirado neste conceito ancestral de noticiar os factos do dia, o PÁGINA UM decidiu registar a marca Acta Diurna, para lançar um podcast de comentário regular sobre a actualidade e temas que orbitam em torno das abordagens do próprio jornal. Mas não só. Também haverá espaço para outros assuntos que, por diversas circunstâncias acabam por não ser desenvolvidos em formato escrito.

    O Acta Diurna será conduzido por Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares, podendo contar, pontualmente, com convidados externos que tragam outras perspetivas ao debate. Não é um podcast de entrevistas, é um espaço de análise crítica, com o selo do jornalismo livre do PÁGINA UM.

    O Acta Diurna será um espaço para quem quer pensar além das narrativas dominantes. E o novo episódio já está disponível.

  • Habemus Papam, ou A influência da Igreja Católica no contexto político brasileiro

    Habemus Papam, ou A influência da Igreja Católica no contexto político brasileiro


    Habemus Papam.

    Quando o fumo branco começou a sair pela chaminé instalada no telhado da Capela Sistina, toda a gente já sabia: a Sé não estava mais vacante; os cardeais haviam escolhido um novo bispo para Roma. Cumprido o ritual milenar, restava ao cardeal protodiácono, Dominique Mamberti, pronunciar a fórmula estabelecida desde o século XV, após a eleição de Martinho V: “Habemus papam!” Só então o planeta descobriu que o sucessor de Francisco também era oriundo do Novo Mundo: Robert Francis Prevost. Ou, como será doravante conhecido por toda a eternidade, Papa Leão XIV.

    Para os céticos e não crentes, as tradições papalinas não se diferenciam muito das demais sucessões monárquicas: “rei morto, rei posto”, é o ditado que vem desde Carlos VI, Rei de França. Para os crentes do universo católico, significa que novamente temos um Vigário de Cristo para dar seguimento à Sua palavra. Para o mundo político brasileiro, contudo, o significado é potencialmente bem outro.

    Papa Leão XIV. Foto: Vatican News.

    A história política da Igreja Católica no Brasil

    Não que a ligação entre política e Igreja Católica seja algo recente na história política brasileira. Pelo contrário. Desde quando aqui aportaram as caravelas de Cabral, Estado e Igreja caminharam lado a lado. Enquanto os portugueses lideravam a dominação territorial, aos padres competia a “salvação das almas” dos povos conquistados. Esse foi o balé dançado a dois desde 1500. Mesmo quando a música era atravessada por episódios tragicómicos, como a “deglutição” do Bispo Sardinha – primeiro prelado do país, canibalizado pelos índios caetés –, o baile seguia, dada a comunhão de interesses entre os pares.

    A coisa só começou a desandar no final do século XIX. Pela Constituição de 1824, cabia ao Imperador não só nomear os bispos, como também “conceder ou negar o beneplácito aos decretos dos concílios, e letras apostólicas, e quaesquer outras constituições ecclesiasticas que se não oppozerem á Constituição” (Art. 102, inc. XV, da Constituição de 1824). Quando Pio IX decretou a Bula Syllabus Errorum, D. Pedro II foi colocado numa sinuca de bico. A diretriz papal condenava “ideologias” incompatíveis com a fé cristã – e a maçonaria era uma delas. Se o imperador brasileiro fizesse cumprir a determinação de Sua Santidade, ofenderia os maçons; se negasse sua aplicação, compraria briga com o Vaticano. Entre a Santa Sé e suas bases, D. Pedro II preferiu ficar com os maçons.

    Ritual antropofágico desenhado por Theodore de Bry (1528-1598)

    Desse embate resultou a prisão por “insubordinação ao Imperador” dos bispos de Olinda e do Pará, que ameaçaram de excomunhão quem frequentasse templos maçons. Um arranjo posterior permitiu o funcionamento da maçonaria sem a condenação religiosa, em troca da libertação dos bispos. O cristal, contudo, encontrava-se irremediavelmente trincado. Ao lado da questão militar e da questão abolicionista, a questão religiosa foi decisiva para o fim do Império e o consequente golpe que instaurou a República no Brasil.

    Ainda que a primeira constituição republicana tenha estabelecido como um de seus princípios fundantes a separação entre Igreja e Estado (Art. 11, n. 2º, da Constituição de 1891), seria ingénuo acreditar que uma cultura arraigada de forma tão profunda no imaginário popular pudesse desfazer-se assim tão rapidamente. Durante todo o século XX, a Igreja Católica foi, juntamente com a sombra do fantasma militar, o maior fator de desequilíbrio eleitoral no cenário político brasileiro. Membro da Ação Integralista no Ceará (os fascistas da época), D. Hélder Câmara – que viria a ser o líder religioso mais influente do país – fez campanha em 1934 para a Liga Eleitoral Católica em seu estado com o slogan: “um voto para a LEC é um voto para o Nosso Senhor Jesus Cristo”. Foi o que bastou para que a oposição fosse varrida nas urnas.

    D. Hélder da Câmara (1909-1999)

    Não surpreenderá a ninguém constatar que, trinta anos depois, o chão tenha começado a ruir sob os pés de João Goulart justamente quando militares e católicos ultraconservadores resolveram unir-se contra o seu governo. Em 19 de Março de 1964, meio milhão de pessoas saíram às ruas em São Paulo naquela que ficou conhecida como a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Duas semanas depois (2 de Abril), outras 200 mil saíram às ruas da antiga capital federal, no Rio de Janeiro, para comemorar o golpe militar contra o governo constitucional na chamada “Marcha da Vitória”.

    No início da ditadura, militares e a cúpula da Igreja Católica mantiveram-se razoavelmente próximos. D. Hélder Câmara – que batalhara junto ao então Subsecretário de Estado do Vaticano, Giovanni Battista Montini, pela criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e ocupara por treze anos a sua Secretaria-Geral – foi defenestrado meses depois do golpe em favor da ascensão de um prelado inexpressivo, porém alinhado à nova ordem: D. Agnelo Rossi.

    Batido, D. Hélder teve de resignar-se com a perda da poderosa arquidiocese do Rio de Janeiro. Tentaram exilá-lo no Maranhão, mas, nomeado para a diocese de São Luís, a “sorte” atravessou-lhe o caminho, matando pouco dias antes da sua efectivação na capital maranhense o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Carlos Coelho. Para os militares e para os católicos ultramontanos, teria sido melhor vê-lo em São Luís, mas mesmo assim o Recife era uma vitrine menos vistosa do que a antiga capital do estado da Guanabara.

    A capital pernambucana, contudo, ainda guardava nos anos 1960 muito do espírito revolucionário que levou a outrora gloriosa capitania de Pernambuco a ser palco de oito em cada dez insurreições no período do Império. Estudantes revoltosos e insurretos de todas as idades viam naquela figura magra e pequena o vulto de um líder. Não se podia dizer que D. Hélder quisesse liderar uma revolução que conduzisse ao fim da ditadura, mas era certo que sabia da influência que detinha para distribuir cotoveladas aos militares através de suas palavras.

    Como não pudessem prendê-lo – o que seria visto em toda a parte como uma afronta inaceitável –, os militares iam atrás de quem estava no seu entorno. Por mais de uma vez, coroinhas de D. Hélder foram presos e levados incomunicáveis a quartéis do Recife. Quando não prendiam sem razão, metralhavam sua casa ou o Palácio de Manguinhos, residência oficial do arcebispado de Olinda e Recife. Se isso fosse pouco, no dia 27 de Maio de 1969, um cadáver foi descoberto nas cercanias da Cidade Universitária no Recife. Era o corpo do Padre António Henrique Pereira Neto, assistente da arquidiocese para assuntos da Juventude, a quem D. Hélder estimava como um filho. Os restos do Padre António Henrique continham uma corda passada no pescoço, feridas espalhadas por todo o corpo, cortes de facão na garganta e na barriga, além de três tiros na cabeça. No seu enterro, D. Hélder fez questão de indicar os assassinos: “Aqueles que julgam estar salvando a civilização cristã com a eliminação de sacerdotes e líderes estudantis”.

    O caldo – sempre fervente – entornara de vez. Pela primeira vez na história do Brasil, um clérigo havia sido assassinado por motivos políticos. D. Hélder – que passara quase cinco anos como voz solitária a pregar no deserto – comprou um bilhete aéreo e foi a Roma ter com o Santo Padre. Seu velho amigo Montini – agora Papa Paulo VI – resolveu tomar partido nessa briga: “Nós lemos a documentação referente à tortura que você nos mandou. Então, tudo o que você havia nos contado era verdade. A Igreja não deverá tolerar mais as atrocidades e torturas cometidas num país que se diz católico”.

    Dom Helder com uma multidão no cortejo do Padre Henrique em 1969. Foto: Arquivo/Jornal A Verdade.

    Foi a senha para o divórcio definitivo entre a Igreja Católica e a ditadura militar. Alguns meses depois, D. Hélder verbalizou no Palais des Sports, em Paris, o que todo o brasileiro decente já sabia, mas não podia falar: “A tortura é um crime que deve ser abolido. Os culpados de traição ao povo brasileiro não são os que falam, mas sim os que persistem no emprego da tortura. Quero pedir-lhes que digam ao mundo todo que no Brasil se tortura. Peço-lhes porque amo profundamente a minha pátria e a tortura a desonra”. Dali em diante, a Igreja Católica passou a ser praticamente a única instituição regular organizada a denunciar os crimes e os desmandos da ditadura brasileira.

    A Igreja no pós-redemocratização e um possível cenário para 2026

    Quando a ditadura caiu em 1985, a Igreja ainda era, com sobras, a denominação religiosa mais influente do país. 90% da população professava a fé católica. Nas pequenas cidades do interior, as maiores autoridades locais eram – não necessariamente nessa ordem – o prefeito (representante do poder secular), o juiz (representante da lei), o delegado (representante da ordem) e o padre (representante do poder divino).

    De lá para cá, entretanto, o panorama mudou bastante. Hoje, não mais do que metade da população brasileira declara-se católica. Os evangélicos, que em 1980 não chegavam sequer a 10% do total, atualmente somam mais de 30%. Embora não seja possível definir a posição política do cidadão a partir da sua fé declarada, é certo que a maior parte dos protestantes rejeita Lula ou qualquer coisa que se pareça com o PT. Aproximadamente 60% deles votaram em Jair Bolsonaro na eleição de 2022. Se Lula conseguiu vencer por estreita margem no pleito passado, isso deveu-se em sua maior parte aos votos católicos, onde o babalorixá petista amealhou mais de 50% do total. Como os católicos (ainda) são maioria no país, essa diferença – somada aos votos dos ateus – resultou nos pouco mais de 2 milhões de votos que deram a vitória a Lula.

    E o que o novo Papa tem a ver com isso?

    Em que pese a doutrina católica professar a crença fundamental de que o Santo Padre é o representante legítimo de Jesus na Terra, muitos dos sedizentes católicos brasileiros abominavam o Papa Francisco mais do que o próprio demónio. “Comunista”, o argentino Jorge Mario Bergoglio recusara-se a receber o “mito” dessa malta, Jair Bolsonaro. Trata-se de façanha única entre os presidentes brasileiros desde a redemocratização em 1985. Para o eleitorado bolsonarista, Francisco era antes um rival a ser combatido do que um líder espiritual a ser reverenciado. Não causa espanto, portanto, que sua morte tenha sido objeto de comemoração nesses círculos mais sombrios.

    Felizmente, essa porção dantesca do catolicismo brasileiro constitui minoria na Igreja brasileira. A imensa maioria ainda reza à vera o credo niceno-constantinopolitano e não acredita na teoria de que a Terra é plana. Para essa porção, a palavra do Bispo de Roma segue tendo peso, e ele está longe de ser irrelevante.

    Papa Francisco, à direita.

    Embora seja tradição o Papa não declarar voto em ninguém, as seguidas demonstrações de “apoio” de Francisco a Lula certamente não passaram despercebidas pelos crentes católicos. Ainda quando o actual presidente estava preso, Jorge Mario Bergoglio escreveu-lhe uma carta. Depois que Lula saiu da prisão, em 2020, recebeu-o no mesmo Vaticano em cujo solo não quis receber Bolsonaro. Quatro dias antes do segundo turno da eleição de 2022, naquele que talvez tenha sido seu movimento mais ousado no tabuleiro político brasileiro, Francisco pediu em oração que “Nossa Senhora Aparecida proteja e cuide do povo brasileiro, livrando-o do ódio, da intolerância e da violência”.

    É possível que Francisco não fosse propriamente um fã de Lula. É possível até intuir que o Papa não enxergasse no atual presidente um modelo de cristão. Mesmo assim, como bom jesuíta, Francisco sabia reconhecer que, se Lula não era enviado de Deus, Bolsonaro provavelmente era mandatário da outra figura. O recado, portanto, estava dado. O Papa não queria Bolsonaro – o ódio, a intolerância e a violência encarnadas – como presidente do Brasil.

    Prevost não é Bergoglio e não há a menor garantia de que Leão será Francisco. Todavia, o simples facto de o Sacro Colégio Cardinalício ter escolhido um Papa norte-americano que criticou publicamente em redes sociais Donald Trump e seu vice, J.D. Vance, é sinal de que Jair Bolsonaro e sua trupe não encontrarão na Santa Sé um aliado contra o “comunismo”, vocábulo no qual se enquadra qualquer um que não reze pela cartilha da extrema-direita.

    aerial photography of city

    O calendário de hoje marca 2025 e, se é cedo para virar a folha para 2026, mais prematuro ainda é tentar profetizar o que se passará nas eleições de outubro do ano que vem. Entretanto, a julgar pelo cenário que se desenha, uma coisa é certa: teremos uma eleição acirrada e a religião terá novamente papel preponderante nela.

    Resta, agora, saber que tipo de papel o Papa Leão vai querer desempenhar nela. Vai marcar posição, como fez seu antecessor? Ou preferirá manter a Igreja longe da hélice?

    Só Deus – literalmente – sabe.

    Arthur Maximus é advogado no Brasil e doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

  • O mistério da Lusa e a ‘protecção’ de Luís Delgado

    O mistério da Lusa e a ‘protecção’ de Luís Delgado


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo.

    Regressa o Alterações Mediáticas. E no 20º episódio, analisa-se o fenómeno bizarro que tem levado a agência Lusa a esconder repetidamente uma informação relativa aos gerentes da Trust in News.

    Também se analisa um artigo distorcido da revista The New Yorker sobre Jacinda Arden e o fenómeno que levou alguns media britânicos a mentir no caso do acórdão do Supremo Tribunal sobre direitos das mulheres.

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  • Será sensato a Justiça expulsar os jornalistas das audiências?

    Será sensato a Justiça expulsar os jornalistas das audiências?


    Neste nono episódio de A Corja Maldita, abordamos o cerceamento da liberdade de imprensa no julgamento do homicídio da grávida da Murtosa, cuja exclusão dos jornalistas foi justificada com o argumento de “garantir o rigor da informação”.

    Será esta uma decisão sensata ou grave num Estado de Direito? Mas não terá sido o próprio jornalismo, tantas vezes submisso, sensacionalista e desinteressado do essencial, a criar as condições para este afastamento? Um debate acalorado, tão acalorado que a moderação acabou por ser pouca…

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    A Corja Maldita, o podcast que retira o verniz à Justiça portuguesa. Vozes, sem medo num país em surdina, que expõem abusos, desmontam rituais e denunciam os silêncios coniventes da Justiça, com factos, nomes e a coragem que falta ao comentário instituído.

    • Pedro Almeida Vieira, director do PÁGiNA UM e jornalista de investigação, num papel sobretudo de ‘moderação’ (ou ‘incitamento’)

    • João De Sousa, consultor forense e ex-inspetor da PJ, conhecedor profundo do sistema com a coragem para o enfrentar;

    • Miguel Santos Pereira, advogado de pensamento livre, crítico do formalismo cego e das ficções que se fazem passar por justiça. Neste espaço, a crítica é frontal e a análise é crua – e a Verdade não pede licença.