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  • Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    As dormidas turísticas em Portugal atingiram valores recorde em Agosto passado, mas há uma realidade escondida nos números agora divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística. Uma análise do PÁGINA UM confirma a hecatombe económica nas receitas dos alojamentos no sector turístico durante a pandemia. As perdas estimadas no triénio 2020-2022 situam-se acima dos 6 mil milhões de euros, devido às restrições impostas às viagens e ao alarme associado. O ano de 2020 foi o mais afectado: seria expectável, sem pandemia, receitas da ordem dos 4,6 mil milhões de euros, seguindo a tendência de crescimento do sector de 8%, mas o ‘tombo’ foi colossal, apenas se arrecadando pouco mais de 1,4 mil milhões de euros. A recuperação apenas se mostrou visível em 2022, embora os proveitos tivessem ficado aquém do que seriam de esperar. A análise aos ‘anos perdidos’ do sector do turismo em Portugal mostra uma realidade pouco reconhecida a nível político e mediático, de enormes perdas que afectaram empresas e trabalhadores do sector turístico, um dos principais motores da Economia portuguesa.


    As dormidas turísticas em Portugal atingiram o máximo histórico em Agosto, mas o caso não é ainda motivo para se atirar foguetes. É que, para trás, há ainda muitas ‘feridas por cicatrizar’, com três ‘anni horribiles‘ por causa das restrições impostas pelo Governo durante a pandemia. Uma análise do PÁGINA UM, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e as taxas de crescimento do sector no período imediatamente anterior e posterior à pandemia, estima que se perderam, pelo menos, 6,2 mil milhões de euros de receitas nos diversos estabelecimentos de alojamento turístico, designadamente unidades hoteleiras, alojamento local e turismo rural. Este montante é superior a um ano ‘bom’ de receitas, como o observado em 2023, quando o sector registou um recorde nos proveitos.

    Segundo a análise, que estima qual seria a evolução natural das receitas das dormidas turísticas caso não houvesse restrições, só as perdas registadas em 2020 ascendem a um valor estimado de 3,2 mil milhões de euros. Seria expectável, face ao anterior triénio, com taxas de crescimento médio anual a rondar os 8%, que o ano de 2020 tivesse receitas de mais de 4,6 mil milhões de euros, mas quedou-se nos 1,4 mil milhões. Os meses de Abril e Maio, associados ao pânico generalizado, incluindo interrupções de tráfego aéreo, levaram a quedas brutais. Em Abril de 2020, as receitas de alojamento turístico cifraram-se apenas em 4,4 milhões de euros, o que representou somente 1,3% das receitas do mês homólogo de 2019. Mesmo em Agosto de 2020, as receitas foram metade das registadas no mesmo mês do ano anterior.

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    Ao invés de o sector registar uma continuação do crescimento observado até 2019, logo em 2020 o travão às dormidas turísticas foi imediato. Recorde-se que, ao contrário da Suécia, Portugal adoptou uma estratégia radical, seguida na generalidade dos países europeus, impondo confinamentos, fecho de empresas e de fornecimento de alguns serviços, bem como suspensão do tráfego aéreo. O pânico ajudou também a refrear as visitas de estrangeiros. As restrições foram aplicadas a partir de meados de Março de 2020, o que afectou as dormidas turísticas logo a partir deste mês.

    Em 2021, mesmo com a introdução do certificado de vacinação – que não dava qualquer garantia de controlo das infecções e constituiu uma limitação inconstitucional às viagens -, houve uma ligeira recuperação das receitas face a 2020, mas ainda muito abaixo dos anos anteriores à pandemia. Com efeito, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, seriam expectáveis receitas da ordem dos 5 mil milhões de euros, sem pandemia, mas na realidade apenas se recolheram 2,4 mil milhões.

    Para estimar as perdas anuais provocadas pelas medidas covid, o cálculo considerou a tendência de crescimento observada entre 2017 e 2019 (taxa de crescimento anual composta de 8%) e também os valores ‘normais’ de 2023 e 2024. Foram então estimados os montantes das receitas se não tivesse havido restrições covid, como as que foram impostas em Portugal, e confrontado com os valores reais.

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    Em 2022, as receitas mais que duplicaram face a 2021, mas mesmo assim ficaram aquém em quase 400 milhões de euros face ao cenário expectável se não houvesse restrições e outros efeitos associados à pandemia da covid-19.

    Neste cenário, entre 2020 e 2022, as receitas de dormidas turísticas em Portugal deveriam ter atingido cerca de 15 mil milhões de euros, mas, na realidade, ficaram-se pelos 8,9 mil milhões de euros (extrapolando para os 12 meses os valores registados entre Janeiro e Julho nos três anos antes e os dois anos depois da pandemia). Saliente-se que o ano de 2024 está a ser excelente, com uma taxa de crescimento de 11% nos primeiros sete meses do ano face a 2023, sendo expectável que, a manter-se esse desempenho até Dezembro, se alcancem valores próximos dos 6,7 mil milhões de euros.

    Em todo o caso, a resiliência deste sector é evidente, tendo-se atingido, no passado mês de Agosto, cerca de 3,8 milhões de hóspedes e 10,5 milhões de dormidas em todo o país, observando-se mesmo um recorde nas dormidas, segundo a estimativa rápida do INE. Em termos de variação, trata-se de crescimentos homólogos de 5,9% e 3,8%, respectivamente e mostram uma aceleração face ao mês anterior (+1,7% e +2,6% em Julho de 2024).

    Evolução das receitas por mês, em milhares de euros, na totalidade dos estabelecimentos de alojamento turístico (A), na hotelaria (B),no alojamento local (C) e no turismo rural e de habitação (D). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM)

    Por origem, as dormidas de residentes aumentaram 4,6%, depois de terem registado um decréscimo em Julho. Já as dormidas de não residentes, subiram 3,4%, o que corresponde a um abrandamento pelo terceiro mês consecutivo. Segundo o INE, as dormidas de residentes totalizaram 3,6 milhões e as de não residentes totalizaram 6,9 milhões.

    Em termos de proveniência dos turistas, o mercado britânico “manteve-se como principal mercado emissor (quota de 17,1%), tendo registado um crescimento de 1,3% em Agosto, seguido da Espanha (peso de 16,3%), que cresceu 4,6%”. Segundo o INE, entre os 10 principais mercados emissores em agosto, destacaram-se os mercados canadiano e norte-americano, com crescimentos de 11,2% e 8,4%, respectivamente.

    Assim, se é certo que se registou um recorde nas dormidas turísticas em Portugal e o sector observa crescimento, este aumento de procura segue-se a anos em que o mercado de alojamento para turistas sofreu perdas substanciais.

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    No total, de acordo com os dados oficiais mensais do INE, entre 2017 e 2019, as receitas totais dos alojamentos turísticos ascenderam a 11.963 milhões de euros. Entre os anos de 2020 e 2022 o mesmo valor ficou-se pelos 8.790 milhões de euros, uma diferença de 3.173 milhões de euros.

    No entanto, os dados do INE estarão ‘viciados’ por não incorporarem alojamentos locais com menos de 10 camas. Segundo um estudo da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) divulgado esta semana no 1º Congresso Nacional da Associação Alojamento Local em Portugal (ALEP), e que foi citado pela imprensa, o peso do alojamento local nas dormidas nacionais ronda os 42%, um valor muito superior aos meros 15% reportados pelo INE.

    A ALEP quer, assim, que o INE faça uma revisão e altere a sua metodologia, para passar a reflectir nas estatísticas que divulga a dimensão real do alojamento local no sector das dormidas turísticas. O INE contabiliza, nas suas estatísticas, apenas 11 milhões de dormidas em alojamentos locais em Portugal. Segundo o estudo agora divulgado, ajustando aos dados do Eurostat, as dormidas turísticas em alojamentos locais ascendem a 47 milhões, o que constitui uma fatia significativa dos 113 milhões de dormidas registadas em território nacional. Existe, assim, um ‘gap’ de 36 milhões de dormidas nos dados do INE relativos aos alojamentos locais.


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  • “Culpado de fazer jornalismo”: Conselho da Europa diz que Assange foi um preso político

    “Culpado de fazer jornalismo”: Conselho da Europa diz que Assange foi um preso político

    A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa considerou que Julian Assange, jornalista e fundador da WikiLeaks, foi um preso político no Reino Unido. Após uma audiência a Assange, esta semana, a instituição apelou aos Estados Unidos para que alterem a Lei de Espionagem e pediu ao país para que não a volte a usar contra jornalistas. A audiência, que teve lugar em Estrasburgo, marcou a primeira declaração pública de viva voz por parte do jornalista australiano. Na sua declaração numa sessão plenária do Conselho da Europa, Assange declarou que apenas está em liberdade porque aceitou dar-se como “culpado de fazer jornalismo”.


    A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europeu (APCE) considerou que Julian Assange, jornalista e fundador da WikiLeaks, foi um preso político quando esteve detido no Reino Unido, na sequência de uma acusação dos Estados Unidos.

    A instituição condenou o encarceramento de Assange e pediu aos Estados Unidos para alterarem a Lei de Espionagem de 2017 e também apelou que não a mesma não seja de novo usada contra jornalistas.

    O jornalista e fundador da WikiLeaks esteve ontem presente numa sessão plenária do Conselho Europeu, junto com a sua mulher, Stella Assange, e o editor-chefe da WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson. Na sua declaração proferida perante a audiência, Julian Assange afirmou: “estou livre hoje, após anos de encarceramento, porque porque me declarei culpado de fazer jornalismo”.

    Stella e Julian Assange na sessão plenária da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Foto: D.R./Wikileaks

    O Conselho da Europa, com sede em Estrasburgo, França, foi criado em 1949 e é uma instituição que actua na defesa dos direitos humanos, da democracia e do Estado de Direito no continente europeu. A Assembleia reúne membros de 46 nações que integram o Conselho Europeu e já antes tinha condenado a detenção de Assange e tinha alertado para o grave precedente que a sua prisão criou.

    A APCE aprovou uma resolução sobre “A detenção e condenação de Julian Assange e os seus efeitos arrepiantes nos direitos humanos” com 88 votos a favor, 13 contra e 20 abstenções.

    Na resolução, a Assembleia Parlamentar mostrou uma profunda preocupação em relação “ao tratamento duro e desproporcional” que Assange enfrentou e considerou que criou “um efeito perigoso e arrepiante” que ameaça a protecção de jornalistas e denunciantes em todo o Mundo.

    Julian Assange à saída do tribunal em Saipã, nas Ilhas Marianas do Norte (território dos Estados Unidos), já como um homem livre. (Fonte: D.R.)

    Assange foi finalmente libertado, no passado mês de Junho, depois de ter aceitado um acordo com a Justiça norte-americana. Para sair em liberdade, o jornalista declarou ser culpado do crime de conspiração para fazer espionagem por publicar provas de crimes de guerra e abusos de direitos humanos por parte dos Estados Unidos e irregularidades cometidas pelos Estados Unidos em todo o Mundo.

    Foi o fim de 14 anos de perseguição, que incluíram o encarceramento de Assange em condições duras numa prisão de alta segurança no Reino Unido. Assange regressou entretanto ao seu país Natal, a Austrália, onde reside actualmente com a mulher e os dois filhos do casal.

    Numa entrevista ao PÁGINA UM, em Março deste ano, Stella Assange afirmou que já tinha alertado que o caso do seu marido era apenas um dos sinais alarmantes da crescente tendência de se querer eliminar a liberdade de imprensa e censurar.

    De resto, na Europa tem vindo a ser implementada legislação, como a nova directiva para os media e a directiva sobre serviços digitais, que tem merecido críticas por abrir a porta ao amordaçar de jornalistas e agrilhoar da liberdade de expressão. [Sobre este temas pode ler mais AQUI AQUI].

    Além disso, recentemente a Comissão Europeia tentou que fosse aprovada legislação para eliminar a privacidade e a encriptação de mensagens, ferramentas essenciais para o jornalismo e protecção de denunciantes.

    Nota: Pode ler AQUI o testemunho completo de Julian Assange perante a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.


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  • Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu instaurar um processo de contra-ordenação ao jornal Público pela inclusão de conteúdos comerciais disfarçados de notícias na secção Azul, dedicada ao tema do ambiente. Em causa está um conjunto de conteúdos publicitários publicados no âmbito de um contrato de ‘parceria comercial’ feito com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N). O regulador dos media também identificou uma jornalista que assinou quatro peças de carácter comercial no âmbito dessa parceria comercial, o que constitui uma incompatibilidade com a profissão, pelo que decidiu remeter para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista a análise da infracção. Esta acção do regulador dos media resulta de uma notícia do PÁGINA UM em Junho do ano passado, e que, na altura, mereceu um direito de resposta do director do Público a negar a veracidade das revelações. A ERC confirma agora, implicitamente. quem dizia a verdade.


    Mais vale tarde do que nunca. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tardou mas decidiu abrir um processo de contra-ordenação ao Público por publicar conteúdos comerciais disfarçados de ‘notícias’ na sua secção de ambiente, Azul.

    Em causa estão quatro conteúdos publicados há um ano no âmbito de um contrato celebrado com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N), um organismo da Administração Pública com nomeação governamental. Nas cláusulas contratuais constava a “obrigação de produzir uma série de conteúdos editoriais relativos à temática do crescimento azul do Programa Espaço Atlântico”, ficando o jornal do Grupo Sonae obrigado a publicar os referidos conteúdos encomendados pela CCDR-N nos sites do Azul, do Público e no podcast Azul.

    Na sua deliberação, a ERC refere que decidiu avançar com a “instauração de um processo de contraordenação contra o Público – Comunicação Social, SA, por violação do disposto no nº 2 do artigo 28º da Lei da Imprensa“, o qual estabelece que “toda a publicidade redigida ou a publicidade gráfica, que como tal não seja imediatamente identificável, deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”.

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    A deliberação, adoptada a 4 de Setembro e que foi comunicada esta semana ao PÁGINA UM em primeira-mão, surge na sequência de questões colocadas à ERC pelo nosso jornal em 3 de Outubro do ano passado sobre a legalidade dos contratos de prestação de serviços entre o Público e duas entidades, a CCDR-N e a Biopolis, que envolviam a obrigação de publicação de conteúdos editoriais.

    Os contratos assinados entre o Público e aquelas duas entidades foram revelados pelo PÁGINA UM numa notícia publicada em Junho de 2023. No caso da Biopolis, o contrato determinava até o número de artigos a publicar pelo jornal, e no caso da CCDR-N constava mesmo a condição de prévia entrega de conteúdos para a respectiva validação por aquela entidade. A decisão do PÁGINA UM de remeter para a ERC um pedido formal de análise dos contratos da Biopolis e da CCDR-N foi tomada após o director do Público, David Pontes, ter exigido a publicação de um direito de resposta.

    David Pontes acusou então o PÁGINA UM de, “através de uma leitura parcelar de documentos” ter construído “uma teia de falsidades com que se procura[va] denegrir a actividade profissional” dos jornalistas do Público e da secção Azul. Numa primeira fase, o PÁGINA UM, convicto da veracidade das revelações, recusou a publicação do direito de resposta do director do Público, mas o regulador considerou que esse direito pode ser exercido independentemente das circunstâncias relatadas serem verídicas. Agora, a deliberação da ERC de abrir um processo de contra-odenação ao Público atesta que não houve qualquer “teia de falsidade” criada pelo PÁGINA UM, mas apenas mercantilização do jornalismo à margem da lei por parte do jornal dirigido por David Pontes.

    O processo de contra-ordenação aplica-se apenas ao contrato com a CCDR-N, porque o Público alegou que o contrato com a Biopolis “nunca chegou a ser concretizado por não ter sido viável o cumprimento das obrigações dele decorrentes pelo que o mesmo foi revogado por mútuo acordo”. Segundo o jornal, os textos envolvendo a Biopolis que foram mencionados no ofício que a ERC enviou ao Público, foram elaborados e publicados exclusivamente devido ao seu interesse noticioso, não estando abrangidos por nenhum contrato comercial.

    No entanto, até hoje não constava qualquer referência no Portal Base à revogação do contrato público entre estas duas entidades, assinado no dia 2 de Março do ano passado, como deveria suceder se tal tivesse mesmo ocorrido. Na verdade, já este ano, em 9 de Março, o Público e a Biopolis assinaram um novo contrato, em tudo similar ao do ano anterior, e que inclui especificamente a promoção de “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas da Biopolis”. Tudo a troco de 90 mil euros.

    Foto: PÁGINA UM

    A intenção destes apoios até pode, em teoria, ser boa, mas este tipo de prestação de serviços é incompatível com a Lei da Imprensa, e se generalizado pode implicar que, por exemplo, uma petrolífera ou uma farmacêutica possa também pagar para ver promovidos na imprensa “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas” da sua confiança ou de temas que lhe sejam queridos.

    No caso da CCDR-N, estão em causa conteúdos comerciais publicados como notícias entre 29 de Setembro e 11 de Novembro de 2023. A ERC constatou que nos quatro artigos publicados, alguns com referências positivas e elogiosas a empresas e instituições públicas, não existem referências “nem quaisquer elementos verbais ou gráficos que identifiquem a relação contratual”. Os quatro textos com o tema comum de ‘Mudar o Atlântico em quatro vagas’ são assinados por uma jornalista com carteira profissional, Inês Loureiro Pinto (CP 8264). A jornalista assina os quatro textos, bem como um podcast sobre a mesma temática. Esta jornalista é freelancer, ou seja, não tinha vínculo ao Público. A ERC enviou documentos para a CCPJ para eventual processo de cassação da carteira profissional.

    Na sua deliberação, a ERC assinalou também que “a não identificação [pelo PÚBLICO] da natureza contratual estabelecida, bem como da entidade adjudicante [CCDR-N], é susceptível de comprometer a independência do órgão de comunicação social perante interferências do plano económico”. O regulador constatou ainda que “tal actuação é também passível de inobservar o livre exercício do direito à informação”, garantido na Constituição da República Portuguesa e na Lei da Imprensa.

    Por outro lado, o regulador presidido por Helena Sousa, considerou que, “ao comprometer-se contratualmente nestes termos, o Público restringe a liberdade e autonomia editorial do seu director, em desrespeito” pela Lei da Imprensa, acrescentando que tal “pode perigar o rigor e a objectividade da informação”.

    Foto: PÁGINA UM

    Além da instauração de um processo de contra-ordenação, a ERC advertiu “o Público para a necessidade de garantir que os conteúdos publicados ao abrigo de contratos de natureza comercial com entidades externas não sejam concebidos, nem assinados, por jornalistas”. Recorde-se que a ERC está a realizar um estudo sobre a separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos promocionais ou publicitários. embora a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalismo sejam extremamente claros sobre esta temática.

    O regulador ainda tem em curso, desde Junho do ano passado, um conjunto de processos de contra-ordenação por contratos públicos de mercantilização do jornalismo que atingem sete grupos de media, nomeadamente a Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Medialivre (ex-Cofina) e Público. Houve também 14 ‘jornalistas comerciais’ identificados, que elaboraram artigos e conteúdos noticiosos contratualizados com entidades públicas, mas nenhum caso teve efeitos na CCPJ.

    Apesar destes processos, a promiscuidade mantém-se na imprensa, sobretudo nas ambíguas ‘parcerias comerciais’ ou de ‘media partner’, com a ERC e a CCPJ a fecharem os olhos a casos evidentes de elaboração de notícias e entrevistas que são feitas ao abrigo de contratos com empresas e entidades públicas, passando mensagens de cariz promocional ou promovendo gestores, organismos, empresas e até políticos. Além disso, proliferam nos media outros formatos, como podcasts, cujos conteúdos poderão estar também contratualizados, passando a ideia de que se trata de informação isenta, quando não passa de promoção dos entrevistados ou de entidades ou produtos. Ao contrário do que sucede nos contratos públicos, divulgados no Portal Base, os acordos comerciais envolvendo empresas de media e entidades privadas não são de divulgação obrigatória, mantendo-se secretos. A única excepção sucede com as farmacêuticas, obrigadas pela Lei do Medicamento a divulgar fluxos financeiros de promoção, incluindo nos média, mas o regulador, o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, tem intencional e claramente fechado os olhos à ausência sistemática de registos no Portal da Publicidade e Transparência.

    Resta agora aguardar pelo estudo do regulador dos media sobre a promiscuidade evidente, que em muito tem contribuído para desacreditar a imprensa e os jornalistas, ajudando a melhorar as receitas de órgãos de comunicação, mas afastando cada vez mais o público e os leitores. Para já, de acordo com a Lei da Imprensa, o ‘crime’ compensa do ponto de vista financeiro: a coima máxima para o caso do Público é de apenas 5.000 euros. A ERC costuma, porém, fazer ‘descontos’, ou seja, por regra atenua as ‘multas’.


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  • Pena suspensa: o homem que queria ser lavrador

    Pena suspensa: o homem que queria ser lavrador


    Hoje, na rubrica ‘Caderno dos Mundos’, uma reportagem de Rui Araújo, publicada no jornal Semanário na edição de 20 de Agosto de 1988, sobre António, 34 anos, profissão desconhecida.


    Foto: Rui Araújo

    — Tem 34 anos e nunca trabalhou?

    Trabalhei uma vez já lá vão muitos anos. Muito mais … já não me lembro.

    — E como é que vive?

    — Vivo mal. Não tenho alimentação e vivo mal.

    — Como é que vai arranjando o suficiente para comer?

    — Ando no… lixo. Tenho de apanhar umas coisas no lixo. Nos supermercados.

    — E já alguma vez tentou arranjar emprego?

    Não. Não me interessa derivado ao ponto que já tenho…

    António, 34 anos, solteiro, profissão desconhecida — desde que veio ao mundo apenas trabalhou meia dúzia de dias na faina da pesca —, antecedentes criminais banais. Preso várias vezes por vadiagem, furto e agressão a tiro. Pelo menos estas. Desta vez, veio parar ao Tribunal de Polícia por estar a perturbar o trânsito. Quando o agente da PSP o interpelou, António, mal-encarado e porventura bem bebido, puxou de uma navalha e tentou sangrar o polícia como quem sangra um porco.

    handcuff, black silver, caught

    Ainda bastante «entorpecido» o rapaz conta a história.

    Apanharam-me com um saco de lixo duas vezes e levaram-me à esquadra.

    E desta vez qual á a história?

    Desta vez? Ameacei o polícia. Estava assim um bocadinho bebido…

    Quem é que estava bebido?

    Eu.

    E ameaçou-o com quê?

    Com uma navalha.

    Mas ameaçou o agente porquê?

    — Estava um bocadinho bebido. Deu-me na vida… Deu-me na vida e ameacei.

    E a seguir foi conduzido à esquadra?

    — Fui.

    O que é que aconteceu lá?

    Deram-me pancada. Por onde calhou. Mas não me bateram muito… E depois trouxeram-me para aqui.

    white painted wall

    E qual é a moral desta história?

    A moral desta história é derivado… Tenho mais coisas, mas não me rima contar.

    Que coisas?

    Coisas… Coisas que eu faço por aí na vida. Não me rima para falar desta maneira…

    E agora? O que vai fazer?

    Vou esperar até ver o que me vai acontecer.

    E vai acontecer o quê?

    Talvez ficar preso. Ou ir para a vida…

    Qual é o seu sonho?

    Ser lavrador!

    Porquê?

    Tem gente na vida. Tem gente na vida…

    Não chegou a haver julgamento. Durante o interrogatório surgiram algumas dúvidas quanto à integridade mental do réu. O juiz decidiu restituir António à liberdade. Os autos vão agora ser remetidos para os juízos correccionais de Lisboa. Julgamento daqui a uns meses. Depois de António ser visto por um psiquiatra.


    Reportagem originalmente publicada no jornal Semanário, na edição de 20 de Agosto de 1988.


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  • Fluxo migratório recente aproxima-se dos tempos da Descolonização, mas com fenómeno inédito

    Fluxo migratório recente aproxima-se dos tempos da Descolonização, mas com fenómeno inédito

    O saldo migratório de 2023 foi o terceiro maior de sempre, apenas ultrapassado pelos anos de 1975 e 1976, no decurso de processo de Descolonização no pós-25 de Abril, segundo uma análise do PÁGINA UM a partir de dados demográficos desde 1887 até 2023. Mas se este recente fluxo de entradas marca o terceiro ciclo de saldo migratório positivo – num país que desde finais do século XIX se tem mostrado um país mais ‘convidativo’ para sair do que para entrar -, tem características especiais: o fluxo de saída (emigração) encontra-se também a níveis elevados; menos de metade das entradas constituem regressos (de portugueses); e o crescimento populacional coincide com um saldo natural negativo. O impacto destes fenómenos demográficos, bons ou maus, será inédito em Portugal.


    São números oficiais – e imunes a orientações ideológicas. O fenómeno migratório em Portugal nos últimos anos aproxima-se do intenso fluxo de entrada de novos residentes no período da Descolonização em África. De acordo com a análise do PÁGINA UM aos saldos migratórios – a diferença entre imigração (entrada de residentes) e emigração (saída de residentes) – desde finais do século XIX, os últimos dois anos (2022 e 2023) juntam-se aos anos de 1975 e 1976, no restrito ‘clube’ dos que registaram valores positivos superiores a 100 mil pessoas.

    Sendo certo que o ano de 2023 (com saldo migratório de 155.701 pessoas) e de 2022 (+136.144 pessoas) ficaram ainda bastante aquém do enorme fluxo decorrente da independência das antigas colónias africanas – em 1975, o saldo migratório foi superior a 257 mil e no ano seguinte superou os 177 mil –, a tendência nos anos mais recentes evidencia um fenómeno de contornos inéditos.

    No último quinquénio, o somatório do saldo migratório – assente sobretudo na entrada de estrangeiros, que se aproximará dos 400 mil entre 2019 e 2023 – atingiu, oficialmente, os 488.816 indivíduos, mesmo contabilizando-se a saída para o estrangeiro de quase 144 mil pessoas nesse período. Estes valores confrontam com um somatório do saldo migratório de quase 530 mil pessoas entre 1974 e 1979, mas em circunstâncias políticas e sociais únicas e irrepetíveis, ou seja, resultaram na entrada sobretudo de portugueses das antigas colónias africanas, o que, aliás, veio a quebrar um ‘estrutural’ saldo migratório profundamente negativo durante o Estado Novo, que se prolongava desde 1948 até 1973.

    Numa análise do PÁGINA UM aos dados demográficos – baseada nos saldos migratórios indicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a partir de 1991 e, no período anterior, nos cálculos dessa variável a partir das estimativas demográficas da população e da mortalidade e nascimentos por ano a partir de 1886 –, mostra-se patente que o país assiste, nos últimos anos, ao terceiro ciclo no regime democrático com um saldo migratório positivo, e que tem permitido compensar um saldo natural negativo (mais mortes do que nascimentos).

    Com efeito, antes da Revolução dos Cravos, a ‘porta da saída’ de Portugal foi muito mais aberta do que a ‘porta de entrada’. Entre 1887 e 1929, raros foram os anos com saldo migratório positivo. Contam-se apenas quatro anos em 43 anos, destacando-se 1918 com valores substanciais (78.395), que resultaram sobretudo do fim da Primeira Guerra Mundial. Porém, esse ano marcou também o auge da gripe espanhola em Portugal, que contribuiu para a morte de 4,2% da população do país. A título comparativo, no ano de 2021, em pleno auge da pandemia da covid-19, morreu 1,2% da população portuguesa.

    A partir dos anos 30, e até ao período imediatamente a seguir ao fim da Segunda Guerra Mundial, o fluxo migratório foi ligeiramente favorável à entrada, sendo que o saldo foi genericamente positivo, embora mais marcante em 1940, no ano a seguir ao início da guerra mundial. Nesse ano, em que Portugal contava apenas uma população de cerca de 7,7 milhões de habitantes e um saldo natural extraordinariamente positivo (mais cerca de 67 mil nascimentos do que mortes em cada ano), o saldo migratório deu então um pulo de quase 60 mil pessoas.

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    O ciclo económico e político nas décadas de 50 e 60 do século passado levariam a uma ‘fuga’, em muitos casos literal, dos portugueses para o estrangeiro, numa primeira fase sobretudo para o Brasil e América do Norte, e a seguir para países europeus, com França e Alemanha à cabeça. Deste modo, de acordo com os dados do INE, contam-se 26 anos consecutivos, entre 1948 e 1973, sempre com saldo migratório negativos, ultrapassando mesmo a fasquia dos 150 mil nos anos de 1952, 1965, 1967, 1969 e 1970. Por causa desta ‘sangria’, e pese embora um saldo natural bastante positivo de cerca de um milhão de pessoas, na década de 60 contabilizou-se um decréscimo populacional em Portugal, por causa de um saldo migratório acumulado negativo de quase 1,3 milhões de pessoas.

    Apesar de os anos da Primavera Marcelista terem marcado uma tendência de atenuação emigratória dos portugueses – em 1973, o saldo migratório continuou negativo, embora ‘apenas’ na ordem dos 74 mil, então o valor menos desfavorável desde 1963 –, foram os acontecimentos políticos de 1974 que inverteram por completo os fluxos de entrada e saída.

    No ano da Revolução dos Cravos, o saldo migratório passou repentinamente para terreno positivo (+46.214), mas ‘disparou’ para os 257.393 no ano seguinte, descendo para 177.655 em 1976. Ou seja, em apenas três anos, o saldo migratório foi positivo em mais de 480 mil. Considerando o saldo natural então bastante positivo, entre 1974 e 1976, a população portuguesa aumentou nesse triénio mais de 722 mil pessoas, um crescimento inédito na História de Portugal. O impacte desse ‘êxodo’ vindo das antigas colónias africanas foi complexo, tanto a nível social como urbano. Uma parte bastante considerável dos imigrantes era de origem portuguesa e confluíram sobretudo para a Grande Lisboa, criando, em muitas zonas, aglomerados de barracas e bairros de génese ilegal sem condições mínimas de salubridade.

    Evolução anual do saldo migratório em Portugal entre 1887 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    O saldo migratório positivo pós-25 de Abril manteve-se apenas até 1982. O ano seguinte, marcado uma intensa intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) e uma inflação galopante, iniciou novo período de saída em massa para o estrangeiro, com o regresso do saldo migratório negativo, embora não tão baixo como nos anos 60. O ano de 1989 foi aquele que registou, neste período de mais saídas do que entradas – e que se prolongou por 10 anos, até 1992 –, o saldo migratório mais desfavorável (-37.350).

    Com o crescimento económico resultante dos fluxos financeiros da entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia (CEE), surgiu novo fluxo favorável no saldo migratório, em grande parte para o sector da construção civil. O ano de 1993 seria o início do mais longo, até agora, período de saldos migratórios positivos, que se prolongaria até 2010. O cume seria, contudo, atingido no ano 2000 (+67.108 indivíduos).

    Com nova crise financeira, e a consequente entrada da ‘troika’ em Portugal, voltaram a sair mais do que aqueles que entravam. O saldo migratório manteve-se negativo entre 2011 e 2016, agravando assim o peso negativo do saldo natural, que desde 2009 passou a ser negativo. No sexénio 2011-2016, Portugal terá perdido mais de 216 mil habitantes, registos que apenas encontram paralelo na década de 60.

    A partir de 2017, apesar do saldo natural continuar extremamente negativo – nos últimos sete anos contribuiu para uma ‘perda populacional’ de 231.774 –, a inversão dos fenómenos migratórios modificou drasticamente o cenário demográfico. E em 2019 o ganho populacional pelo saldo migratório (+67.163) começou a ‘compensar’ as perdas no saldo natural (-25.264). Nesse ano, o crescimento populacional foi assim de quase 42 mil pessoas.

    Evolução anual do crescimento populacional em Portugal entre 1887 e 2023, considerando os saldos migratório (imigração – emigração) e natural (nascimentos – mortes). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Embora o triénio da pandemia (2020-2022) tenha refreado temporariamente o saldo migratório, e agravado o saldo natural – tanto por via da redução dos nascimentos como pela elevada mortalidade –, mesmo assim o nível de ‘entradas’ manteve-se elevado. Em 2020, de acordo com os dados do INE, contabilizaram-se 83.654 imigrantes contra 25.886 emigrantes, resultando num saldo migratório positivo de 57.768 indivíduos. No ano seguinte, em plena pandemia, mesmo assim entraram 97.110 imigrantes, tendo saído de Portugal mais 25.079 pessoas, significando, deste modo, um saldo migratório positivo de cerca de 72 mil.

    No ano de 2022 ultrapassou-se pela primeira vez desde 1975 a fasquia dos 100 mil para o saldo migratório, fruto da entrada de 167.098 imigrantes e da saída de 30.954 emigrantes. Por fim, no ano passado, o saldo migratório chegou aos 155.701, por via de uma entrada de perto de 190 mil emigrantes e da saída de 33.666 pessoas para o estrangeiro. Note-se que a emigração de 2023 constitui o valor mais elevado desde 2016, embora a proporção se tenha modificado bastante. Se em 2017 por cada 100 pessoas que emigravam para o estrangeiro se contabilizavam 147 entradas de emigrantes, no ano passado esse rácio subiu para 562.

    Apesar de o INE ainda não ter revelado o número de estrangeiros entre os emigrantes em 2023, mostra-se muito provável que atinja os níveis de 2022, quando apenas um terço (cerca de 57 mil de entre 168 mil) das entradas foi de cidadãos portugueses. Se a proporção de emigrantes estrangeiros em 2023 tiver sido similar à de 2022, então terão entrado em Portugal nos últimos cinco anos 379 mil estrangeiros.

    Estes valores devem ser, contudo, observados com precaução, não apenas porque estes números não contabilizam situações de imigração ilegal, como uma parte pode ter, entretanto, saído para outros países. Por outro lado, no grupo de nacionais que entraram em Portugal estará também um número indeterminado de portugueses que adquiriram a cidadania por razões familiares, mesmo nunca tendo aqui residido.

    Evolução anual da imigração (entradas) e da emigração (saídas) em Portugal entre 2008 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    No entanto, constata-se uma evidência: o último quinquénio, e especialmente os últimos três anos, está a ser marcado por uma dinâmica demográfica inédita: a população aumenta num cenário com saldo natural fortemente negativo, com uma emigração ainda intensa mas com um saldo migratório bastante elevado por via de uma imigração crescente. O rápido crescimento demográfico de curto prazo (três anos) observado em 2023 tem similitudes com o da segunda metade dos anos 70 e meados dos anos 90 do século passado, mas baseia-se em fenómenos sociais bastante distintos.

    Com efeito, o crescimento actual assenta somente na imigração de estrangeiros, algo que exige – mais do que sucedeu durante o período da Descolonização, onde o aumento populacional radicou numa natalidade elevada em migrantes portugueses não completamente ‘desenraizados’ – uma intervenção específica de integração social e de planeamento urbanístico. Estará a ser feita, ou a ser bem feita?

    A resposta pode começar a desenhar-se no facto de o Governo ter agora em mãos a regularização de 400.000 pessoas que estão em Portugal, e sobre as quais o próprio Governo desconhece “quem são, onde estão, onde trabalham”, como até já confessou recentemente o secretário de Estado Adjunto da Presidência, Rui Freitas.


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  • Incêndios: O que é preciso mudar (para que não fique tudo na mesma)

    Incêndios: O que é preciso mudar (para que não fique tudo na mesma)


    Em Portugal, surge o calor, surgem os incêndios; surgem os incêndios, surgem as acusações de incendiarismo. Por mais que se conheçam as causas e o regime dos fogos devastadores em Portugal, todos os anos aos primeiros fogos com alguma dimensão, além do pânico cada vez maior, sobretudo após as mortandades de 2017, aparece uma miríade de «comentadores de bancada» apontando quase exclusivamente o dedo ao São Pedro (leia-se, clima mediterrânico, com os seus Verões quentes e secos, por vezes ventosos) e aos malévolos incendiários, como se os fogos de grande dimensão, e só esses, tivessem um ADN próprio.

    Viu-se isto esta semana, não pela boca apenas de um bombeiro mais extenuado ou de um autarca mais estouvado, mas do próprio primeiro-ministro, Luís Montenegro, que prometeu “ir atrás” dos criminosos e dos “interesses que sobrevoam” os incêndios florestais. Encontrar um ‘inimigo’ vago, mas que apela à emoção popular, é uma típica estratégia da ‘falácia do espantalho’, que servia, aliás, na perfeição para não discutir como foi possível não se ter encerrado a tempo a A1. Foi um milagre não ter ocorrido uma tragédia pior do que a de Pedrógão Grande em 2017.

    No meio disto, culpa-se sempre a floresta “desregrada”, mas as mudanças espoletadas pelos Governos, desde os anos 90, quando se agravou a incidência destrutiva, e sobretudo desde os trágicos anos de 2003, 2005 e 2017, são pouco mais do que incipientes e conjunturais. Nada se muda de estrutural, nada se modifica. É tudo para fazer de conta, como os “pechisbeques” dos kits de protecção anti-fogos comprados a uma empresa de turismo, e que afinal eram os primeiros a arder – uma situação tão ridícula que até causa vergonha alheia.

    Incêndio em Vale da Carreira, Sardoal. Foto: Paulo Jorge de Sousa/mediotejo.net

    Infelizmente, esta irritante tendência dos políticos de “fazer que fazem”, e dos portugueses em geral a culpar entes diabólicos ou a opinar com base na ignorância – vulgo, a dar bitaites –, constituem os principais factores sociopolíticos para não se mudar o paradigma de gestão da floresta e dos espaços florestais.

    Afinal, porquê mudar se tudo estaria bem sem os incendiários a colocar fogos? Não bastaria apanhá-los todos e metê-los na prisão? E não bastava que os proprietários “limpassem” os matos? Infelizmente, a resposta é não.

    Procurarei, em traços muitos breves, neste texto, apresentar algumas reflexões.

    Comecemos, assim, por «desculpabilizar», desde já, o clima mediterrânico. Na verdade, a Natureza é como é. Em termos de risco, o clima mediterrânico está para Portugal como os terramotos estão para o Japão. Não quer isto dizer que são situações similares, mas apenas que o Japão soube ao longo do tempo minimizar os riscos (através da construção anti-sísmica e planos de prevenção e acção). O Japão não se queixa dos deuses por causa dos terramotos e, apesar de quando em vez serem graves, não causam agora as mortandades que se registavam até ao início do século XX.

    A analogia nem sequer é muito feliz, porque o clima mediterrânico tem inegáveis vantagens que os terramotos obviamente não têm. Além de nos beneficiar com uma meteorologia que inveja meio mundo, e que fornece matéria-prima para o turismo, o clima mediterrânico concede à nossa floresta – e à vegetação em geral – condições quase únicas para um elevado crescimento, e portanto um elevado potencial económico, se bem gerido.

    De acordo com um recente estudo internacional, Portugal é o país mediterrânico que, potencialmente, maior riqueza no sector florestal pode extrair por hectare (344 euros por ano). Por exemplo, França regista 292 euros e Espanha apenas 90 euros. Devíamos agradecer à Natureza este clima; não “amaldiçoá-la”.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017) Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Sendo incontornável que haverá sempre incêndios, porque o mundo não é perfeito, vejamos onde está o cerne do problema em Portugal. Sobretudo nas últimas três décadas, o regime do fogo tem estado sobretudo associado a dinâmicas antropogénicas, tanto ao nível de acções danosas (negligência à cabeça, e algum dolo) e da (in)capacidade de supressão de incêndios, como ao nível da gestão de combustíveis e de planeamento territorial.

    No entanto, embora exista uma forte correlação entre número de ignições e a densidade populacional em regiões mediterrânicas – por exemplo, o distrito do Porto é historicamente aquele que regista mais ignições –, tal já não se verifica entre o número de ignições e área ardida. Com efeito, são factores como a orografia, a precipitação fora da época de estiagem e a percentagem de área inculta que apresentam maiores correlações positivas com a área ardida total.

    Os efeitos dos incêndios apresentam-se assim, numa base regional, como problemas de distinta intensidade e dimensão. Mais população significa maior número de ignições, mas a maior área ardida observa-se sobretudo em regiões de menor densidade demográfica. Exemplo paradigmático dessa “dualidade” regional observa-se num dos períodos de recrudescimento dos incêndios florestais, entre 1996 e 2005, período sobre o qual me debrucei com detalhe quando escrevi o ensaio Portugal: O Vermelho e o Negro‘, publicado em 2006, mas que ainda hoje, retirando a parte estatística mais ‘datada’ mantém uma infeliz actualidade.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017) Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Tendo sido contabilizadas, neste intervalo, cerca de 284 mil ignições e uma área ardida de quase 1,64 milhões de hectares, a distribuição foi a seguinte: 39,2% do total das ignições (cerca de 111 mil) concentraram-se em apenas 25 concelhos (quase todos do litoral, mais densamente povoado), mas ardeu aí apenas 10,3% do total nacional (menos de 170 mil hectares); e nos 25 concelhos com menor número de ignições (todos do interior despovoado) registaram-se apenas 10,7% do total (pouco mais de 30 mil) mas contribuíram em 39,0% (cerca de 640 mil hectares) para o total da área ardida.

    O êxodo rural em Portugal, iniciado nos anos 60 e agravado significativamente a partir de meados da década de 1980, mostra-se, sem dúvida, como uma das principais causas para o surgimento de fogos devastadores. Um dos efeitos da perda demográfica especialmente sentida nas aldeias, após a implementação da Política Agrícola Comum, foi a eliminação quase total e imediata de práticas e usos tradicionais associados à agricultura, pastorícia e silvicultura, que contrariavam a ocorrência e a propagação dos incêndios.

    A sociedade rural, imagem de marca de Portugal durante séculos, modificou-se de forma abrupta em poucas décadas, levando simplesmente ao abandono de vastas áreas agrícolas e florestais, sem a ocorrência de qualquer transferência relevante de direitos de propriedade para quem não seguiu esse êxodo para as cidades e litoral. A população empregada no denominado sector primário tradicional passou de expressivos 47,6% em 1950 para apenas 2,8% em 2011.

    Como reverso dessa “moeda de modernidade”, foi colossal a redução de actividades permanentes no espaço rural: em 2011 eram apenas 120 mil pessoas com emprego no sector primário, enquanto em 1950 suplantavam 1,5 milhões. Paradoxalmente, apesar dessa evolução, e por via de planos directores municipais demasiado permissivos, aumentaram as habitações em espaço florestal ou contíguo, sobretudo de segunda residência, levando não só a uma maior probabilidade de procedimentos negligentes causadores de fogos como também a um agravamento da complexidade do combate.

    Efectivamente, muitos dos grandes incêndios tomaram proporções incontroláveis porque o sistema de combate, bem como os investimentos de prevenção, tem tido como prioridade a defesa de bens (habitações e equipamentos) em detrimento da protecção da floresta. O problema desta estratégia é de aumentar a probabilidade de incêndios devastadores, que assim destroem mais floresta e, provavelmente, mais casas.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    O aparente paradoxo patente na ocorrência de uma maior destruição pelos incêndios onde mais se reduziu a quantidade de pessoas – sabendo-se serem estas que causam os fogos –, explica-se facilmente. O surgimento de incêndios devastadores sobretudo desde o início do século XXI decorre do incremento muito significativo da biomassa vegetal nos espaços florestais, tanto horizontal como verticalmente, em virtude das mudanças socioeconómicas – que levaram ao desaproveitamento de subprodutos florestais (e.g., lenha, matos, etc.) – e do forte abandono agrícola e florestal. 

    Em 2010 a área agrícola era a menor desde o início do século XX e a área e mato (com pastagens) estava em vias de ultrapassar a área florestal, algo que não acontecia desde a década de 1940. Entre 1950 e 2010, a área de matos e pastagens quase quadruplicou, passando de 885 mil hectares para um pouco acima de três milhões de hectares, o valor mais elevado desde a década de 1920.

    Por outro lado, a política florestal a partir dos anos 80 – que coincidiu com o agravamento do problema dos incêndios – privilegiou sobretudo a substituição de áreas de pinhal, algumas afectadas pelos fogos, por eucaliptais (ambas espécies altamente combustíveis), mantendo-se na generalidade dos casos uma deficiente gestão antrópica, enquanto ao redor desses espaços florestais medraram matagais.

    Para agravar a situação, aumentaram os fenómenos meteorológicos extremos, bem patentes no ano de 2017, com dois devastadores períodos a ocorrerem fora do Verão (Junho e Outubro). As condições meteorológicas do mês de Setembro deste ano foram também muto agressivas, e localizadas em regiões restritas, bem patente em destruições que, por vezes, ultrapassam meia centena de milhar de hectares, ou mesmo mais, em apenas um dia. Isso é uma consequência não apenas meteorológica. Com uma floresta mesclada com matagais e densos estratos vegetais, por vezes intransponíveis, também pela orografia, e sem o “obstáculo” das outrora zonas agrícolas – que serviam de zonas-tampão –, os fogos encontram agora extenso e contínuo combustível para galgarem milhares e milhares de hectares.

    Outro aspecto particularmente grave, que se tem vindo a intensificar, é a recorrência do fogo, i.e., a maior susceptibilidade de determinadas regiões a serem percorridas ciclicamente por incêndios, retirando-lhes assim qualquer possibilidade de rentabilidade económica, o que incentiva a manutenção deste status quo.

    Por exemplo, um estudo desenvolvido pelo Instituto Superior de Agronomia para um período de 16 anos (entre 1990 e 2005) apurou que quase 300 mil hectares arderam duas vezes, cerca de 83 mil hectares três vezes e uma área de 28 mil hectares foram afectados pelo menos quatro vezes, estando essa recorrência associada a queimadas para pastagens. Torna-se assim absurdo, com tamanhas recorrências, tentar encontrar interesses, urbanísticos ou mineiros, como causa para os fogos. Até porque a eliminação das árvores não traz sequer vantagens, a não ser em zonas periurbanas, para a construção, além de que, no caso de explorações mineiras, a autorização nunca estará condicionada à existência ou não de cobertura arbórea na zona a licenciar.

    Nas análises sobre os incêndios florestais em Portugal um outro factor que sempre surge é o alegado contributo do regime de propriedade, marcadamente de minifúndio sobretudo a norte do rio Tejo e no Algarve. Embora os dados oficiais sejam pouco precisos sobre o cadastro e a propriedade rústica em Portugal, e sobretudo em relação às propriedades com uso silvícola, sabe-se que Portugal está, segundo a FAO, entre os 10 países do mundo com maior percentagem de área florestal privada, ocupando a primeira posição a nível europeu.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Os valores geralmente apontados para caracterizar o regime fundiário na floresta portuguesa baseiam-se em estimativas ou em amostragens, ou também em informação dos recenseamentos agrícolas. Por esse motivo, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira indique a existência de 11.578.124 prédios rústicos no ano de 2015, ignora-se os que são ocupados por floresta, e nem se sabe se este número corresponde à realidade, uma vez que nem existe coincidência entre os registos do Cadastro Predial, da Matriz das Finanças e do Registo Predial. Esta ignorância é também demonstrativa do desleixo geral do país relativamente a um problema crucial. A criação do Balcão Único do Prédio (BUPi) tem contribuído para inverter esta situação, mas também tem revelado uma tenebrosa realidade: há uma parte substancial dos prédios rústicos sobre os quais ninguém reivindica a propriedade. Ou seja, estão ao abandono, são ‘pasto de chamas’, e se arderem levam muitas outras áreas atrás.

    Em todo o caso, grosso modo estima-se que as propriedades públicas, incluindo os baldios (com gestão conjunta do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), agrega cerca de 540 mil hectares, estando assim a restante área ocupada por proprietários privados.

    Na região a norte do Tejo, onde se localiza a esmagadora maioria da área de pinheiro e eucalipto, e se concentra o minifúndio, cerca de 54% da área florestal encontra-se distribuída por povoamentos com menos de 10 hectares. No caso do pinheiro, 63% dos povoamentos têm áreas inferiores a 10 hectares e 25% áreas inferiores a dois hectares, enquanto no caso do eucalipto cerca de metade dos povoamentos têm dimensão inferior a 10 hectares.

    Há cerca de uma década, aquando da elaboração da Estratégia Nacional para as Florestas, estimou-se que cerca de 61% do total dos proprietários florestais possuíam parcelas com menos de cinco hectares, embora apenas detivessem cerca de 26% da área florestal do país, dando assim uma ideia clara da predominância do regime de minifúndio.

    Com efeito, cerca de 10% da área florestal era formada por parcelas com menos de um hectare e 16% por parcelas entre um e cinco hectares, significando isto ser muito frequente um proprietário possuir, de forma disseminada, um elevado número de parcelas de reduzidíssima dimensão.

    Para agravar a situação, grande parte das propriedades com área inferior a cinco hectares possuíam povoamentos dominados por pinheiro, dimensão onde impera geralmente ausência de investimento, e também pouca expectativa de obtenção de rendimento. Numa postura optimista, estas minúsculas parcelas florestais – que podem representar, em manchas contínuas, centenas de milhar de hectares – constituem, individualmente, meros fundos de poupança para satisfação de necessidades económicas conjunturais. No caso das propriedades inferiores a um hectare não existia mesmo qualquer produção, tanto mais que numa percentagem significativa os proprietários nem sequer sabem identificar nos terrenos as suas parcelas.

    Nas ciências económicas, a denominada Teoria dos Jogos mostra, infelizmente, que a melhor decisão de um qualquer agente numa parcela de “floresta” rodeada por proprietários absentistas é não fazer qualquer gestão, porque a probabilidade de arder gastando ou não dinheiro é praticamente a mesma, e assim optando por não fazer gestão, pelo menos “poupa-se” nesses custos. 

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Ou seja, não há receitas mas também não há custos, logo não há prejuízo. Claro, o prejuízo vem para a sociedade, através da destruição dos incêndios, i.e., de uma externalidade negativa. Esta é a triste realidade portuguesa: face à ausência de associativismo florestal, a inacção de diversos agentes causa uma generalizada inacção, porquanto o risco de um investimento se “esfumar” com um incêndio, proveniente da ausência de gestão em redor, acaba por determinar, como estratégia dominante, ninguém fazer gestão.

    No caso do eucalipto, a situação era um pouco melhor, tendo em consideração que grande parte da sua área se situava em propriedades com dimensão entre os cinco e os 20 hectares (12% do total da área florestal) e entre os 20 e os 100 hectares (7% do total). Nestes casos verificava-se já uma presença de investimento e gestão, tendo a exploração um rendimento relevante para os proprietários. A restante área (55%), agregando 15% dos proprietários, possuía uma dimensão superior a 100 hectares, embora dominada por sobreiros e azinheiras, portanto sobretudo localizadas a sul do Tejo e em herdades do distrito de Santarém.

    Porém, este cenário, que desde 2007 não se terá alterado, pode induzir a uma conclusão precipitada. Sendo certo que uma estrutura de minifúndio pode conduzir mais rapidamente à ineficiência económica, será imprudente generalizar e determinar uma correlação imediata entre incêndios e minifúndios. De facto, mostra-se conveniente investigar antes esta questão por duas novas perspectivas, complementares.

    Primeiro, deve analisar-se diacronicamente o regime fundiário português para determinar se ocorreu algum fenómeno que tenha alterado a estrutura da propriedade típica e que per si justifique um agravamento dos incêndios florestais a partir da década de 1980.

    Segundo, comparar a afectação das áreas ardidas em função da tipologia dos proprietários, ou seja, pôr em paralelo o grau de destruição das áreas de gestão pública, de gestão pelas empresas de celulose (que gerem áreas de maior dimensão) e as restantes áreas privadas que incluem o minifúndio.

    No primeiro caso, analisando a informação disponível em diversas fontes, verifica-se que o fraccionamento da propriedade rústica é um fenómeno antigo e já bastante estabilizado. Com efeito, a génese do minifúndio surge no decurso de um processo político iniciado nos anos 30 do século XIX, com a instauração da Monarquia Constitucional, que resultou na desamortização de grandes propriedades então pertencentes à nobreza e à Igreja.

    Posteriormente, teve ainda um maior impulso com a definitiva abolição dos morgados e a entrada em vigor do Código Civil de 1867, quando estabeleceram sem excepção direitos de herança a todos os filhos. Uma década depois existiam cerca de 5,05 milhões de prédios rústicos, manifestando-se já nesse período excessiva fragmentação, sobretudo na região do Noroeste, com efeitos perniciosos em termos de desenvolvimento agrícola.

    Apesar de várias tentativas políticas para evitar o contínuo fraccionamento por via das heranças, somente nos anos 20 do século XX, quando o número de prédios rústicos já ultrapassara os 10,7 milhões, se criou legislação para o estancar, através do Decreto nº 16731 (vd. artigo 107º) que decretou a nulidade de qualquer partilha de prédios com menos de um hectare ou que daí resultassem parcelas inferiores a meio hectare. Esta medida travou fortemente o fracionamento, embora não o impedisse na totalidade.

    Se até 1930, em comparação com o último quartel do século XIX, numa parte considerável dos distritos a norte do Tejo mais que duplicou o número de prédios rústicos, a partir dessa década o ritmo estancou. Em 1960 verificou-se até um decréscimo de cerca de 2% em relação ao início do Estado Novo.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    A partir dessa década registou-se um novo crescimento no fracionamento, mas mesmo assim suave, atingindo-se um máximo de 11,17 milhões de prédios em 1971. A partir da instauração da democracia, em 1974, o acréscimo foi ligeiro, da ordem dos 0,12% por ano até 2015, estando nessa data contabilizados cerca de 11,58 milhões de prédios rústicos.

    Sendo assim, outros factores, e não (apenas) o minifúndio, terão determinado a perda de interesse económico da floresta nas pequenas parcelas e a eclosão de incêndios catastróficos. Uma explicação encontra-se por via sociológica. Durante o Estado Novo, com uma sociedade marcadamente rural, as vivências sociais permitiam um uso comum das propriedades florestais privadas. Ou seja, de modo informal mas cooperativo, os proprietários concediam livre acesso aos não-proprietários para estes, graciosamente, recolherem alguns produtos (e.g., lenha, caruma, matos, etc.), para uso doméstico e agropecuário, «recebendo» em troca uma gestão de combustíveis.

    A presença de pessoas nas florestas constituía também uma vigilância quase contínua e dissuasora de comportamentos dolosos ou negligentes por parte de terceiros. Além disso, tendo presente que, durante o Estado Novo, a produção de resina constituía um importante suplemento económico dos pinhais, fica-se com uma ideia clara dos motivos muito prováveis para que, neste período, mesmo os minifúndios florestais fossem rentáveis e estivessem longe de constituir um factor de risco de incêndios. Na verdade, as condições sociais e de cooperação tradicional, que então se viviam nas zonas rurais portuguesas, parecem ter constituído um sistema benigno de interligação entre regime privado e comunal por via da cooperação entre agentes que visam a um equilíbrio sustentável.

    Deixando de existir esse ténue equilíbrio, por força do êxodo rural e da perda económica dos pinhais, a gestão de combustíveis foi desaparecendo, redundando num aumento do risco de incêndio, desincentivador de investimentos e promotor de absentismo.

    Na análise desta evolução não podem dissociar-se as reestruturações neste sector pela Administração Pública a partir dos anos 80, que contribuíram decisivamente para retrocessos na prevenção silvícola e na eficácia e eficiência do sistema de combate aos incêndios.

    Nesse aspecto convém destacar o diagnóstico traçado em 2012 na Estratégia para a Gestão das Matas Nacionais, promovida por técnicos da própria Administração Pública onde se apontam os principais factores que contribuíram para a degradação da protecção das florestas e espaços florestais: a diminuição dos condicionamentos de acesso às matas nacionais e da fiscalização dos guardas florestais (a partir de 1974), a transferência do combate aos incêndios dos Serviços Florestais para as corporações de bombeiros voluntários (a partir de 1981), o encerramento das administrações florestais a nível regional (a partir de 1996), bem como, mais recentemente, o desligamento das tarefas de gestão do corpo de guardas e mestres florestais, e a transferência da competência de análise e decisão dos projectos florestais para o actual Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) e outros organismos sem vocação nem técnicos nas áreas silvícolas.

    O esvaziamento dos Serviços Florestais (com distintas denominações), criados no início do século XX, intensificou-se desde a década de 1990, passando em poucos anos de cerca de quatro mil funcionários para menos de mil. Inclui-se neste lote o Corpo Nacional de Guardas Florestais – que tradicionalmente viviam no interior dos espaços florestais em cerca de mil casas de função –, cuja estrutura foi extinta em 2006, tendo sido integrados os trezentos elementos remanescentes nos Serviços de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da Guarda Nacional Republicana.

    Incêndio em Vale da Carreira (2016). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Estas alterações políticas resultaram, sem dúvida, num aumento do risco de incêndio e da susceptibilidade das florestas e dos espaços florestais em geral, mas também particularmente das matas nacionais e perímetros florestais (que integram os baldios), geridas pelos Serviços Florestais. Essa situação mostra-se evidente quando se comparam os registos da área ardida das florestas sujeitas a regime público até à década de 1970 e posteriores à década de 1980.

    A situação apresenta contornos catastróficos nos últimos anos. Por exemplo, nos anos de 2016 e 2017 cerca de 20% da área sob gestão pública foi afectada por fogos, sendo que em 18 perímetros e matas nacionais se registaram destruições superiores a 70% das respectivas áreas, estando aqui incluído o secular Pinhal de Leiria.

    Lamentavelmente, a destruição das florestas públicas desde 2001 (4,62% em média por ano) ultrapassa largamente os valores das propriedades das celuloses (2,33%) e mesmo da restante área privada (2,28%), que inclui o minifúndio.

    Por todos estes motivos, a análise da perda de sustentabilidade da floresta portuguesa e os prejuízos recorrentes das externalidades negativas, encabeçadas pelos incêndios, não deve ser feita de forma simplista face à complexa teia de factores: a quebra dos vínculos sociais informais nos meios rurais, o abandono de actividades agroflorestais tradicionais, a emigração e êxodo rural, a perda da sustentabilidade da agricultura de minifúndio, etc.. Porém, quando se recomendaria que o Estado, perante estas variáveis, tivesse uma intervenção determinante para corrigir falhas de mercado, sucedeu o oposto: um desinvestimento no sector florestal. O único sector com orçamento reforçado foi o do combate aos incêndios.

    As autoridades nacionais portuguesas somente a partir de meados da década passada começaram a contabilizar os custos directos e prejuízos resultantes dos incêndios, incluindo uma parte das externalidades, embora recorrendo a métodos muito simplistas, que requerem alguma reserva. Antes desse período, a Universidade Católica de Lovaina, no âmbito da Emergency Disasters Database, estimara que os prejuízos dos fogos de 2003, que destruíram cerca de 425 mil hectares, ascendiam aos 1,5 mil milhões de euros.

    Nos trabalhos preparatórios realizados em 2006 para a Estratégia Nacional para as Florestas estimou-se que os incêndios representavam uma externalidade negativa de cerca de 380 milhões de euros por ano, reduzindo em 30% a riqueza anual produzida pelas florestas. E, de acordo com dados oficiais, os incêndios rurais entre 2000 e 2016 provocaram perdas da ordem dos 5.232 milhões de euros. No ano de 2017, o pior desde a existência de registos estatísticos, os prejuízos ter-se-ão aproximado dos mil milhões de euros.

    Incêndio em Vale da Carreira (2016). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Até recentemente estes aspectos eram ignorados pelas autoridades oficiais, e mesmo os custos de supressão – associados às infraestruturas e equipamentos, aluguer de aeronaves e pagamentos aos bombeiros – eram vistos como investimento, e um Governo considerava ser-lhe favorável politicamente conceder acréscimos sucessivos à componente de combate.

    Contudo, a realidade demonstra, infelizmente, que os gastos públicos na vigilância e supressão dos incêndios florestais têm estabilizado em torno dos 100 milhões de euros por ano, mas sem quaisquer efeitos positivos. Os prejuízos dos incêndios mostram variações aleatórias sem relação com os gastos em combate. Esse cenário demonstra que, na verdade, os gastos na prevenção e em equipamentos e meios humanos para controlar os incêndios (supressão) não têm um efeito determinante na área ardida e, portanto, nos prejuízos, evidenciando-se que o actual modelo de gestão se mostra insustentável.

    A solução para este grave problema económico, social e ambiental, que já se mostra tragicamente crónico, terá de passar, na minha opinião, pela assumpção da defesa da floresta como um bem público (no conceito das ciências económicas), implementando, a partir daí, uma reforma administrativa intersectorial já defendida por diversos especialistas.

    No entanto, considero que, ao contrário daquilo que têm sido os recentes sinais de política económica para este sector, o Estado deveria deixar de desempenhar apenas um papel de mero coordenador, regulador e redistribuidor de recursos financeiros; antes sim deveria passar a exercer uma função interventora de gestão directa dos espaços florestais, incluindo obviamente, até para dar exemplos de boas práticas, as florestas de regime público.

    Isto não significa a privatização das florestas, antes sim assumir-se que o Estado é indubitavelmente a única entidade com capacidade de intervenção global para implementar, gerir e executar um modelo centralizador para a gestão dos espaços florestais. Note-se que existe uma distinção entre floresta – bens privados – e os espaços florestais – conjunto de parcelas que fornecem externalidades positivas, como ar limpo, paisagem e outros benefícios para a sociedade, e por isso são bens públicos, na visão económica do termo –, e daí necessitam de abordagens distintas.

    Incêndio em Vale da Carreira (2016). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Distinguir estes dois bens que, na verdade, coexistem – e, por vezes, se confundem por «comungarem» do mesmo espaço físico – serve sobretudo para colocar, de um lado, um bem sobretudo privado (floresta) que, por razões complexas, tem vindo a criar externalidades negativas (incêndios); e, do outro lado, um bem público (espaços florestais) que criam benefícios para a sociedade.

    Ora, actualmente, porque estes benefícios não são convenientemente remunerados (ou compensados) acabam por ser «lesivos» para todos. Com efeito, o conjunto de proprietários que produz esse benefício para a sociedade nada recebe, e, em alguns casos, até tem de suportar mais encargos para proteger bens alheios.

    Face ao carácter de minifúndio das propriedades, a ausência de uma compensação aos proprietários florestais por essa externalidade positiva para a sociedade contribui para o agravamento da sustentabilidade económica dessas parcelas e induz a um maior absentismo. Ou seja, a existência de uma externalidade positiva (porque um serviço ambiental não é pago pela sociedade) pode estar na origem de uma externalidade negativa (os incêndios). E havendo incêndios, não apenas ocorrem danos económicos e sociais directos como se perdem os benefícios fornecidos pelos espaços florestais. Daí a necessidade de intervenção directa do Estado, bem diferente daquela que até agora tem sido, para equilibrar aquilo que se chama uma “falha de mercado”.

    Justifique-se, com um simples mas elucidativo exemplo, as razões para se defender uma intervenção directa do Estado, e não apenas reguladora e distribuidora de fundos. Quando, como actualmente sucede, o Governo determina administrativamente (e sem critério técnico, por vezes) que sejam os proprietários das florestas a proceder e a assumir os custos da desmatação e desarborização em redor de habitações (das quais, por vezes, nem são os proprietários), não está a seguir princípios de eficácia, de eficiência e de equidade.

    Por um lado, porque essa obrigação quase nunca é eficaz nem eficiente, uma vez que não se baseia em estratégias de prevenção nem em estudos que definam adequadamente faixas de gestão de combustíveis, nem existe a garantia, face ao absentismo de muitos proprietários, de que essas operações sejam executadas. Por outro lado, obrigando apenas certos proprietários a assumir esse ónus, o Estado beneficia free-riders, i.e., os proprietários das habitações em redor (muitas das quais autorizadas após a existência da floresta) e os vizinhos florestais isentos dessas operações.

    E mesmo que este controlo de vegetação fosse eficaz para eliminar a externalidade negativa (incêndios), manter-se-ia a iniquidade, porquanto o proprietário responsável pela operação de limpeza não fora compensado por esse serviço – i.e., a criação de uma externalidade positiva – com a agravante de ainda ter uma perda de rendimento potencial por redução de biomassa florestal.

    Não se está a advogar um Estado a gerir as florestas privadas, mas sim a exercer a gestão dos espaços florestais, podendo eventualmente «entrar» em áreas privadas, como já sucede em outros casos, através de servidões administrativas, de modo a corrigir externalidades, sempre também com uma visão nas funções de redistribuição e mesmo de estabilização.

    Assim, de uma forma muito sucinta, por via de um reforço da Administração Pública do sector florestal, proporia a criação de um denominado Sistema de Gestão de Espaços Florestais (SIGEF) numa instituição estatal autónoma que deveria agregar equipas de técnicos, vigilantes e sapadores florestais, com a missão de executar no terreno as operações necessárias de gestão de combustíveis (biomassa), de vigilância e controlo de acessos, e ainda supressão de incêndios. Por outro lado, no âmbito deste modelo, deveria ser criado um mecanismo de compensação económica ou fiscal, através de um sistema de perequação, para benefício dos proprietários dos terrenos florestais onde se fizessem intervenções de controlo de vegetação.

    Incêndio em Vale da Carreira (2016). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    No sentido de o Estado financiar este sistema como uma provisão de um bem público – e sem necessidade de contabilizar os rendimentos de um previsível aumento das receitas dos impostos (IRC e IRS) associados à melhoria da produtividade das actividades silvícolas por eliminação das externalidades – poder-se-ia apostar em três fluxos financeiros: separando-o do mastodóntico Fundo Ambiental, um reforço no Fundo Florestal Permanente (cujas receitas, para além do actual adicional ao ISP, poderiam ser provenientes de um «imposto» específico similar a aplicar aos produtos de origem silvícola, sendo assim uma forma de internalização pela sociedade das externalidades positivas concedidas pelos espaços florestais); um adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis rústicos (aplicando uma taxa regressiva por prédio rústico em função da área, também como incentivo ao emparcelamento e/ou como penalidade à manutenção de áreas improdutivas); e uma denominada Taxa de Protecção de Espaços Florestais (sob a forma de taxa fixa por prédio urbano e veículo).

    Um sistema deste género implicaria elevados investimentos, mas esse montante será incomensuravelmente menor do que as externalidades negativas existentes.

    A versão original, sem a actualização agora realizada, foi publicada na revista PONTO – revista do mediotejo.netem 2021, acessível aqui. O PÁGINA UM apresenta os agradecimentos à directora do Médio Tejo, Patrícia Fonseca, e ao fotógrafo Paulo Jorge de Sousa.


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  • Aplicação de lei militar ‘exige’ processo disciplinar a Gouveia e Melo

    Aplicação de lei militar ‘exige’ processo disciplinar a Gouveia e Melo

    As declarações de índole política de Gouveia e Melo na sua entrevista à RTP3, onde opinou mesmo sobre as causas do atraso no desenvolvimento económico de Portugal, são susceptíveis da abertura de um processo disciplinar automático e secreto por parte do Estado-Maior das Forças Armadas por violação do dever de isenção. Na entrevista do passado dia 4 de Setembro, o actual chefe do Estado-Maior da Armada compareceu fardado e com todas as insígnias e, além de ter dissertado sobre o seu tabu a candidatura à presidência da República fez considerações políticas sobre o estado do país. A maior evidência de se ter tratado de uma entrevista de índole política está no impacto que as declarações de Gouveia e Melo tiveram nos meandros da política e também na comunicação social.


    O almirante Gouveia e Melo, actual chefe do Estado-Maior da Armada, violou o dever de isenção na sequência de uma entrevista de carácter político concedida à RTP3 no passado dia 4, numa altura em que se discutem possíveis candidaturas à Presidência da República. De acordo com a Lei da Defesa Nacional, apesar de um militar ter direito à liberdade de expressão, estão-lhe vedadas opiniões políticas, mesmo se apartidárias, quer pela Constituição da República Portuguesa quer pelo Regulamento de Disciplina Militar, um diploma de 2009.

    O dever de isenção dos militares consiste no seu rigoroso apartidarismo, “não podendo usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical”. Ora, num contexto de posicionamento de putativos candidatos, em que o seu nome surge sistematicamente em sondagens, Gouveia e Melo concedeu uma longa entrevista televisiva, fardado e com todas as insígnias militares, onde dissertou sobre o seu tabu em redor de uma candidatura às Presidenciais de 2025, expondo também considerações políticas e sugerindo até que o perfil de alguém com experiência militar será o mais indicado para o futuro do país. Gouveia e Melo ‘colou-se’ mesmo ao General Ramalho Eanes, Presidente da República entre 1976 e 1986, por ter sido também militar. Recorde-se que, durante o Estado Novo, a Presidência da República foi também ocupada por militares que não deixaram saudades: Gomes da Costa, Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Tomás.

    No início desta entrevista de cariz político, onde o único tema não-político se centrou por breves minutos na intervenção da Autoridade Marítima na recuperação dos corpos dos bombeiros vítimas de um acidente com um helicóptero no rio Douro, o jornalista Vítor Gonçalves apresentou Gouveia e Melo como “militar de carreira, almirante” e actual “chefe do Estado-Maior da Armada, mandato que termina no final do ano”. Ainda na apresentação do entrevistado, o jornalista acrescentou que aquilo “que vai acontecer depois [do mandato] é uma incógnita, no entanto o seu nome tem sido apontado como candidato presidencial e as sondagens indicam que está bem colocado se decidir avançar”.

    O chefe do Estado-Maior da Armada na entrevista à RTP3, à qual compareceu fardado e em representação das funções que desempenha na hierarquia militar.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Nesta entrevista, Gouveia e Melo nunca recusou vir a ser candidato, mas foi sempre alimentando um tabu cada vez menos escondido, salientando que avançaria se sentisse que a sua “candidatura à Presidência seria útil ao país”. O actual chefe do Estado-Maior da Armada criticou também aqueles que o tentavam condicionar. Questionado sobre se o actual contexto de incerteza e guerras poderia favorecer um candidato militar, o almirante, estando fardado, respondeu: “sem me pôr no meu papel militar, no meu papel de Gouveia e Melo, falando como uma pessoa normal, como cidadão, acho que os contextos influenciam muito as situações; este contexto de uma guerra e incerteza geoestratégica e de alguma violência, […] de certeza que vai pesar nas circunstâncias futuras em quaisquer eleições”. Gouveia e Melo disse ainda que “o último militar na Presidência foi Ramalho Eanes, a quem a população tem de estar agradecida”.

    Pelo meio, partilhou diversas opiniões políticas, como: “temos que saber aproveitar, em termos geopolíticos, a nossa posição; não é só a Europa, é também o Atlântico; não é só o Atlântico, é também a Europa e o Norte de África”. Gouveia e Melo também dissertou, embora sem profundidade, sobre o que considera serem os maiores problemas do país, argumentando que “o maior desafio [de Portugal] é a produtividade da nossa Economia”. E manifestou até ser um adepto das políticas dos países nórdicos. Partilhando uma visão populista, Gouveia e Melo afirmou ainda que “devemos criar riqueza e a criação de riqueza deve beneficiar aqueles que são os motores dessa riqueza, mas também devemos distribuir a riqueza pela sociedade porque uma sociedade desequilibrada é o fim dessa própria sociedade, criamos extremismos e pobreza”.

    Além de tudo isto, Gouveia e Melo chegou a revelar aspectos operacionais sensíveis relacionados com a Armada no decurso da invasão russa da Ucrânia, alegando terem já existido “momentos de tensão com navios russos que foram resolvidos com bom senso”. E detalhou que, “só o ano passado, tivemos que fazer 43 missões de seguimento e acompanhamento desses navios militares” e que “este ano, já superámos esse número”.

    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Estas revelações também infringem gravemente normas legais. A Lei da Defesa Nacional salienta que “os militares na efectividade de serviço estão sujeitos a dever de sigilo relativamente às matérias cobertas pelo segredo de justiça ou pelo segredo de Estado e por outros sistemas de classificação, aos factos referentes ao dispositivo, à capacidade militar, ao equipamento e à acção operacional das Forças Armadas de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções, bem como aos elementos constantes de centros de dados e registos de pessoal que não possam ser divulgados”.

    Saliente-se que a Constituição da República Portuguesa estipula que “as Forças Armadas [e por extensão os militares] estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.

    O dever de isenção política está ainda plasmado no Regulamento da Disciplina Militar, onde se explicita que “o dever de isenção dos militares consiste no seu rigoroso apartidarismo, não podendo usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical”. A violação deste regulamento implica obrigatoriamente a abertura de um processo disciplinar que, no caso de Gouveia e Melo, será José ​Nunes da Fonseca, o Chefe do Estado-Maior-General das Forç​as Armadas. Com efeito, o regulamento disciplinar destaca que “o processo disciplinar é obrigatória e imediatamente instaurado, por decisão dos superiores hierárquicos, quando estes tenham conhecimento de factos que possam implicar a responsabilidade disciplinar dos seus subordinados, devendo do facto ser imediatamente notificado o arguido”.

    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Em todo o caso, por agora não se mostra legalmente possível saber se José Nunes Fonseca cumpriu este preceito legal, porque “o processo disciplinar é de natureza secreta até à notificação da acusação“, sendo proibida a divulgação de peças procedimentais. Em todo o caso, dado o impacto mediático e político da entrevista, será tecnicamente impossível que o general que comanda as Forças Armadas alegue, no futuro, que não tomou conhecimento das declarações deste mês de Gouveia e Melo.

    A entrevista do líder da Marinha teve amplo eco mediático, com diversos órgãos de comunicação social a destacar as suas declarações e a possível candidatura do chefe de Estado-Maior da Armada a Belém. Ao volume de notícias juntou-se ainda um coro de comentadores a amplificar as palavras de Gouveia e Melo e posicionando-o como candidato à Presidência da República.

    No caso de comentadores, as declarações políticas de Gouveia e Melo foram destacadas, por exemplo, no programa Soundbite, no jornal Público, do dia 5 de Setembro, na crónica de João Pereira Coutinho, no dia 7 de Setembro, no Correio da Manhã, e como ‘nota de rodapé’ da última crónica de Dinis de Abreu, no Observador. Mas a entrevista também teve impacto nos meandros da política, com políticos, nomeadamente Pedro Santana Lopes, a comentar a possível candidatura de Gouveia e Melo à Presidência.

    De acordo com juristas consultados pelo PÁGINA UM – e pela interpretação de obras sobre esta matéria escritas por constitucionalistas, como Gomes Canotilho, Vital Moreira e Jorge Miranda, – as intervenções de Gouveia e Melo são, de facto, susceptíveis de abertura automática e secreta de um processo disciplinar. Para José Melo Alexandrino, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, “no contexto em que foram proferidas, tais declarações, por serem essencialmente políticas, e, mais do que isso, por se referirem a potenciais projectos políticos do entrevistado, constituem clara ofensa aos deveres de apoliticidade e de neutralidade a que os militares estão sujeitos, por força da Constituição e da lei”.

    Fazendo uso da sua farda, o almirante admitiu que pode vir a ser candidato à Presidência da República e as suas declarações tiveram um forte impacto mediático e político.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Apesar de não ter assistido à entrevista, este reputado constitucionalista e especialista em Direito Comparado diz bastar “a leitura da dezena de notícias dos dias seguintes e das opiniões” de comentadores para concluir, “sem margem para grandes dúvidas” que Gouveia e Melo violou gravemente a lei.

    José Melo Alexandrino também considera, aliás, que no cerne desta entrevista não está “num problema de liberdade de expressão dos militares, direito fundamental cujo âmbito foi adequadamente alargado na revisão da Lei de Defesa Nacional em 2009”, mas sim os limites decorrentes da “reserva própria do estatuto da condição militar”, como expressamente determina a Lei da Defesa Nacional.

    O professor de Direito salienta ainda que, “dentro dessa esfera da reserva da condição militar, se encontra precisamente o dever fundamental especial, inscrito na Constituição, segundo o qual ‘os elementos das Forças Armadas não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.

    Assim, “à luz das notícias e das opiniões já divulgadas na opinião pública, está mais do que demonstrado que algumas das declarações feitas nessa entrevista ofenderam de forma grave e manifesta o dever de neutralidade e de ‘apoliticidade’ inerente ao estatuto da condição militar, dever como tal concretizado nas diversas leis militares”.

    Para este jurista, há que ter em consideração não só o contexto pré-eleitoral em que a entrevista foi concedida e as declarações políticas que foram proferidas, como também o forte impacto mediático que causou, com comentadores políticos a destacar as palavras do almirante. Além disso, Gouveia e Melo proferiu as considerações políticas usando farda e estando a representar o cargo que ocupa na hierarquia militar.

    Estes posicionamento segue em linha com a de outros constitucionalistas José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira que já defenderam, obra “Constituição da República Portuguesa Anotada“, publicada em 2007. que “o princípio da imparcialidade e neutralidade política política − que, em parte, integra já o princípio do apartidarismo − é mais extenso do que este, pois ele impõe , além do apartidarismo, também a apoliticidade dos militares, enquanto tais”. E citam também a Constituição, a qual explicita que um militar não pode aproveitar-se “da sua função, do seu posto ou da sua arma para qualquer intervenção política”, acrescentando que cabem, “nesta interdição, todos os actos típicos de intervenção militar na política, desde as simples tomadas de posição políticas de um chefe militar, até, bem entendido, aos actos insurrecionais”.

    A entrevista do chefe do Estado-Maior da Armada teve um forte impacto mediático e político.

    Por seu lado, Jorge Miranda, outro reputado constitucionalista, considerou também já numa obra anotada sobre a Constituição da República, publicada há quatro anos, que “a proibição de intervenções políticas (…) dirige-se, em primeiro lugar, aos representantes institucionais das Forças Armadas − os Chefes de Estado-Maior”, defendendo que “não podem estes , nem qualquer militar, assumir posição política ou, muito menos, político-partidária”.

    Nessa obra, Jorge Miranda esclarece ainda que a definição de “serviço do povo português” significa “o reconhecimento da legitimidade inerente ao Estado de Direito democrático (…), com obediência aos órgãos de soberania (…) baseados nesta legitimidade − os únicos aos quais cabe decretar a legislação e o orçamento militares e definir as missões que, em concreto, em cada momento, as Forças Armadas podem ser chamadas a cumprir, nos termos da Constituição”.

    Contudo, em contraciclo, Jorge Pereira da Silva, professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, considera que as declarações do almirante podem ser abrangidas no conceito de liberdade de expressão, citando o artigo 270º da Constituição da República e o artigo 28º da Lei da Defesa Nacional.

    Apesar de não ter ouvido a entrevista, Pereira da Silva salientou ao PÁGINA UM que “se as declarações de Gouveia e Melo tivessem resultado em consequências materiais”, nomeadamente agitação social ou algum tipo de tumulto, haveria, nesse caso, violação de deveres, porque iriam para além do direito à liberdade de expressão.

    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Para este professor, pode haver ataques a Gouveia e Melo, nomeadamente acusando-o de violação de deveres, por parte de pessoas de esquerda, que não vejam com bons olhos a possível eleição para a Presidência de um “candidato popular e populista, de origem militar”. Mas considera que a melhor resposta não será tentar silenciar Gouveia e Melo, mas sim “responder-lhe no espaço público e mediático”.

    Na entrevista, Gouveia e Melo − que liderou a operação de distribuição logística das vacinas contra a covid-19 − insurgiu-se, aliás, por existirem sectores de o quererem “condicionar”, defendendo o direito a ser um cidadão livre e de ser candidato a Belém, se o desejar, quando terminar o actual mandato como chefe do Estado-Maior da Armada no próximo dia 27 de Dezembro. “Estou é decidido a ser um cidadão livre, depois de sair das minhas funções; e que ninguém me venha tentar condicionar essa liberdade porque aí, sim, ficarei aborrecido, como é evidente, porque acho que nós não devemos ser condicionados das nossas liberdades garantidas por lei”. Esta opinião de Gouveia e Melo contrasta, contudo, com as suas posições durante a pandemia, quando as liberdades e garantias definidas pela lei constitucional foram violadas e condicionadas.


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  • Imprensa: Gerentes da Trust in News condenados por dívidas ao Fisco

    Imprensa: Gerentes da Trust in News condenados por dívidas ao Fisco

    Luís Delgado e mais dois gerentes da Trust in News foram condenados em Junho passado pelo Tribunal Judicial de Oeiras num processo instaurado em 2021 por iniciativa do Ministério Público. O processo está agora em recurso no Tribunal da Relação, mas com efeitos suspensivos por via de se encontrar em curso um Processo Especial de Revitalização (PER). A empresa proprietária da revista Visão e de mais 16 títulos da Impresa acumulou dívidas avultadas junto do Fisco e da Segurança Social, que também já abriu processos judiciais, actualmente em curso. Inexplicavelmente, a Trust in News, apesar de possuir um capital de apenas 10 mil euros, conseguiu acumular dívidas de 30 milhões de euros sem ser encerrada. Agora, aguarda perdões de dívida, que em grande parte, a ocorrerem, lesarão os contribuintes.


    Luís Delgado, Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos, gerentes da Trust in News – empresa proprietária das revistas Visão e Exame, entres outros periódicos em papel comprados em 2018 ao Grupo Impresa – foram condenados pelo Tribunal Judicial de Oeiras num processo instaurado em 2021 pelo Ministério Público por dívidas fiscais no valor de cerca de 828 mil euros. Essa dívida diz respeito apenas à parte acumulada em 2018, no seu primeiro ano de actividade. O PÁGINA UM ainda não teve acesso à sentença por aguardar autorização de consulta por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, uma vez que Luís Delgado e os gerentes desta empresa unipessoal apresentaram recurso no passado dia 4 de Julho. A sentença terá também espoletado a abertura de um Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News, uma estratégia que também procura suspender o trânsito em julgado deste e de outros processos.

    Com efeito, o PÁGINA UM apurou que, para além deste processo de 2021, a Trust in News – e o seu sócio único, Luís Delgado, e mais dois gerentes – enfrentem mais casos na Justiça por avultadas dívidas junto do Fisco e da Segurança Social. No total, as dívidas ao Estado superam já os 17 milhões de euros. No limite, Luís Delgado e restantes gerentes da empresa de media podem ser condenados até cinco anos de prisão.

    Luís Delgado (à esquerda) ficou com o portfólio de revistas da Impresa, activos que se revelaram tóxicos. Agora, o comentador e dois outros gerentes da Trust in News arriscam pena de prisão por abuso de confiança fiscal e pelo crime de abuso contra a Segurança Social. (Foto: D.R.)

    O Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social confirmou ao PÁGINA UM que de entre os vários inquéritos instruídos na Justiça “contra entidades empregadoras que não entregaram à Segurança Social as quotizações obrigatórias dos salários dos seus trabalhadores”, está também “incluído um processo contra a empresa em apreço, Trust in News”.

    Tal como o PÁGINA UM já tinha revelado em Junho, os gerentes da Trust in News – que tem apenas um capital social de 10 mil euros, e que evidenciam uma absoluta incapacidade de suportar os encargos gerais – arriscam penas de prisão. O Regime Geral das Infracções Tributárias determina que “quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7.500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”. Contudo, “nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50.000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas”.

    No caso da Segurança Social, a falta de pagamento das contribuições dos trabalhadores é considerada abuso de confiança, sendo aplicadas as mesmas penas previstas para os casos de infracções tributárias de maior gravidade, incluindo prisão e multa.

    Recorde-se que Luís Delgado, através da sua empresa unipessoal, a Trust in News, adquiriu o portfólio de revistas da Impresa em Janeiro de 2018 por 10,2 milhões de euros. O negócio rapidamente se revelou ruinoso e as dívidas começaram cedo a avolumar-se. Actualmente, rondam os 30 milhões de euros, sendo o Estado o maior credor. No entanto, as dívidas incluem também empresas de comunicação e o próprio proprietário das redacções das revistas no Taguspark, bem como trabalhadores e ex-trabalhadores. Neste lote, está Mafalda Anjos, a directora que ‘abandonou o barco’ e que em Julho do ano passado apelidou de “fantasiosas” as notícias do PÁGINA UM sobre a situação financeira da Trust in News. A actual comentadora da CNN Portugal reivindica agora 54 mil euros que não lhe foram pagos por Luís Delgado no acordo de rescisão.

    Registo da distribuição do recurso de Luís Delgado e dos outros dois gerentes da Trust in News no Tribunal da Relação de Lisboa

    Após o pedido de acesso a Processo Especial de Revitalização (PER) junto do Tribunal de Sintra, para evitar a falência, a empresa de media está sob gestão de um administrador judicial, estando o plano ainda em elaboração, depois de um recente prolongamento do prazo por mais um mês. Inexplicavelmente, apesar das dívidas ao Estado se terem acumulado desde o primeiro dia, bem como ao Novo Banco, que financiou a compra das revistas, e à própria Impresa, a Trust in News continuou a sua actividade.

    No caso das dívidas ao Estado, estranhamente, a empresa de Luís Delgado nunca integrou a lista de devedores e continuou a beneficiar de contratos comerciais e publicidade junto de entidades públicas. Não se sabe quem autorizou a acumulação sucessiva de dívidas ao Fisco e à Segurança Social, mas terá eventualmente existido autorização superior, da tutela, para atingir os 17 milhões de euros. Também se desconhece se este eventual ‘favor’ político foi concedido mediante a negociação de contrapartidas. Mas é certo que durante todo este período, desde que começou a dever ao Estado, a Trust in News e os seus títulos de media ficaram com a espada sobre a cabeça.

    Saliente-se também que, desde 2019, a empresa de Luís Delgado tem as suas principais marcas penhoradas pelo Fisco e pela Segurança Social, como já noticiou o PÁGINA UM.

    O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social defende que a ausência da Trust in News da lista de devedores tem uma explicação legal. “Num primeiro momento, a dívida da referida entidade à Segurança Social gerou processos de execução fiscal e, posteriormente, estiveram ativos planos prestacionais de pagamento de dívida em execução fiscal, com apresentação de garantia idónea e suficiente aos planos prestacionais firmados, motivo pelo qual a empresa não constou da lista de devedores à Segurança Social”, indicou fonte do gabinete da ministra Maria do Rosário Ramalho ao PÁGINA UM.

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    Posteriormente, acrescenta a mesma fonte ministerial, “considerando a rescisão por incumprimento dos acordos prestacionais que estiveram em vigor até final de abril de 2024, e a informação conhecida nos processos da existência de bens penhoráveis na esfera de devedora originária, as execuções em fase de penhora não prosseguiram com a preparação dos processos para reversão da dívida, porquanto não se encontravam reunidas as condições legais previstas” na Lei Tributária, isto é, “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal”.
     
    O Ministério da Segurança Social adianta também que agora, com a nomeação do administrador judicial, “foi registada a suspensão das execuções, aguardando-se os ulteriores termos deste processo”.  E assim, como a lista de devedores à Segurança Social compreende informação de devedores com processos de execução fiscal, neste caso concreto, e “uma vez que as execuções fiscais estão suspensas por PER, não estão reunidas as condições para publicação na referida lista”.

    O PÁGINA UM enviou também questões ao gabinete do ministro das Finanças, mas, apesar das muitas insistências, não recebeu respostas até ao fecho desta edição. Joaquim Miranda Sarmento repete assim a postura de Fernando Medina, que nunca quis abordar o caso Trust in News, que ameaça tornar-se mais um ‘negócio tóxico’, caso seja aprovado um perdão de dívidas às custas do dinheiro dos contribuintes.


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  • Mortes em Portugal por ‘doenças do Terceiro Mundo’ associadas à água e higiene quadruplicam na última década

    Mortes em Portugal por ‘doenças do Terceiro Mundo’ associadas à água e higiene quadruplicam na última década

    O Ministério da Saúde não quer saber. O Ministério do Ambiente segue-lhe os passos. Mas os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados discretamente na semana passada, mostram um contínuo e surpreendente retrocesso civilizacional e de Saúde Pública em Portugal: as mortes causadas por doenças associadas a água infectada e a problemas de saneamento e higiene mais do que quadruplicaram entre 2010 e 2022. E pior do que isso, incidem cada vez mais nos idosos, com números pouco dignos de um país da Europa. Com base nas taxas de mortalidade indicadas pelo INE, o PÁGINA UM calculou os óbitos que foram determinados por médicos legistas para um conjunto determinado de doenças. Para esse grupo, em 2010 tinham sido contabilizadas 116 mortes, e em 2022 já se atingiram os 470 óbitos. Destes, cerca de nove em cada 10 foram de pessoas com mais de 75 anos, o grupo etário mais vulnerável e que vive em lares de idosos, uma parte dos quais sem condições adequadas de higiene.


    Mais do que um problema de saúde pública, é um retrocesso civilizacional. As mortes em Portugal associadas a água insalubre ou a condições deficientes de saneamento básico e de higiene mais do que quadruplicaram entre 2010 e 2022.

    Os dados mais recentes – referentes a 2022, e que se baseiam em informação dos médicos legistas que a introduzem no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – foram divulgados de forma discreta pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) na passada sexta-feira, sem qualquer comunicado ou nota de imprensa. Mas revelam as taxas surpreendentes de mortalidade para um conjunto de doenças associadas a complicações decorrentes do uso de água imprópria para consumo ou por condições inadequadas em termos de esgotos, lixos e higiene.

    De entre as causas de morte atribuídas pelos médicos legistas, e que são registadas no SICO, constam sobretudo doenças do foro intestinal, causadas por bactérias, vírus e vermes, tais como determinadas infecções intestinais virais, diarreias e gastroenterite de origem infecciosa presumível, shigelose, amebíase, ancilostomíase, ascaridíase e tricuríase. Na lista indicada pelo INE surge também a cólera, embora não haja registo de mortes em Portugal desde 1974.

    O INE agrega apenas os óbitos de um determinado grupo de doenças listadas [vd. MetaInfo dos dados], não discriminando as mortes por cada uma dessas afecções integradas na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde. Saliente-se que o PÁGINA UM não conseguiu, no ano passado, que o Tribunal Administrativo de Lisboa lhe concedesse o direito de acesso aos dados detalhados do SICO, mesmo se anonimizados, impedindo assim o conhecimento pormenorizado das diferentes causas de morte em Portugal, sendo assim impossível definir padrões locais ou regionais.

    Por outro lado, na informação disponibilizada em quadro, o INE também não aponta o número absoluto de mortes nem as regiões e concelhos onde ocorreram, mas, em todo o caso, mostra-se fácil calcular esses valores através das estimativas oficiais da população em cada ano. Assim, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, tendo em conta a população estimada de 10,44 milhões de pessoas em 2022 e uma taxa de mortalidade para este conjunto de doenças de 4,5 por 100 mil habitantes, o número total de óbitos terá sido de 470. Em 2010, a taxa de mortalidade determinada pelo INE foi de apenas 1,1 por 100 mil, o que significa 116 óbitos para uma população de então 10,57 milhões de habitantes. Em suma, a mortalidade mais do que quadruplicou em 12 anos.

    O agravamento desta situação atinge sobretudo a população idosa, em especial com mais de 85 anos, o grupo etário onde prevalece um sistema imunitário bastante débil. Com efeito, também segundo os cálculos do PÁGINA UM com base em estimativas populacionais anuais do INE, nos grupos etários inferiores aos 75 anos, a mortalidade para as doenças específicas praticamente mantém-se constante e em níveis muito baixos.

    No período de 2010 a 2022, para os menores de 75 anos, os óbitos por ano variaram entre os 21 e 66, mas este grupo populacional engloba cerca de nove milhões de pessoas. No caso da população com menos de 45 anos, a mortalidade por causa deste tipo de doenças é residual ou mesmo nula em alguns dos anos.

    Na verdade, a situação mostra-se particularmente dramática nos muito idosos (maiores de 85 anos). O INE aponta em 2022 uma taxa de 73,1 óbitos por 100 mil pessoas desta idade, ou seja, 16 vezes superior à média nacional (4,5%). Atendendo que este grupo etário contava naquele ano cerca de 368 mil pessoas, o número de óbitos entre os muito idosos foi de 269 pessoas. Esta taxa é substancialmente superior à registada pelo INE em 2010 (apenas 4,5 óbitos por 100 mil pessoas deste grupo etário), mas a partir desse ano tem-se registado um anormal crescimento.

    No grupo subsequente, das pessoas com idade entre os 75 e os 84 anos, observa-se também um agravamento da taxa de mortalidade desde 2010, mas não de uma forma tão intensa. Em 2022, essa taxa foi de 15,8% (mesmo assim cerca de três vezes superior à média nacional), o que representou um total de 135 mortes por estas doenças. Em 2010 e 2011, os óbitos foram de 45 e 43, respectivamente, neste grupo etário para estas doenças ainda frequentes em países do Terceiro Mundo. Saliente-se, aliás, que nas primeiras décadas do século XX, a elevadíssima taxa de mortalidade infantil em Portugal devia-se sobretudo a doenças do foro gastrointestinal, que foram sendo debeladas com a melhoria do saneamento básico e dos tratamentos médicos.

    O PÁGINA UM perguntou tanto ao Ministério do Ambiente – entidade que tutela o sector das águas e saneamento – e ao Ministério da Saúde se tinham conhecimento do forte agravamento da mortalidade destas doenças, e se conseguiam adiantar alguma explicação ou apontar alguma medida em curso. Porém, tanto o gabinete de Maria da Graça Carvalho como o gabinete de Ana Paula Martins preferiram ignorar as questões do PÁGINA UM, nem sequer reagindo, como se os problemas, assim procedendo, desaparecessem.

    Evolução da mortalidade por grupos etários entre 2010 e 2022 para doenças associadas a fontes de água insalubre ou a condições de saneamento e higiene deficientes ou inexistentes. Fonte: INE. Cálculos: PÁGINA UM com base na taxa de mortalidade e estimativas da população por grupos etários.

    Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, mostra-se surpreendido com esta evolução, e considera que deveria haver uma investigação sobre estes números que “não são muito favoráveis”. Para este professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, “em princípio, os sistemas públicos de abastecimento de água garantem a sua potabilidade, mas sabe-se que existem núcleos populacionais e algumas pessoas, sobretudo em zonas rurais, que adoptam sistemas alternativos que podem não ser seguros”.

    Um médico de Saúde Pública contactado pelo PÁGINA UM, que prefere manter o anonimato, olha com preocupação sobretudo para a elevada incidência da mortalidade nos grupos etários muito idosos, que, alerta, coincidem com a maior parte da população residente em lares de idosos. “O grupo de doenças em causa está associado também a problemas de higiene, que se mostram letais em pessoas com imunidade frágil”, salienta, acrescentando que “se mostra fundamental investigar em que locais em concreto ocorreram essas mortes para se identificar eventuais surtos e solucionar problemas recorrentes”. Pela ausência de reacção dos Ministérios da Saúde e do Ambiente perante estes números terceiro-mundistas, muito provavelmente este apelo cairá em saco roto.


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  • Sinais de corrupção atingem um terço dos gastos públicos do Reino Unido durante a pandemia

    Sinais de corrupção atingem um terço dos gastos públicos do Reino Unido durante a pandemia

    Uma organização anti-corrupção, a Transparency International UK, detectou 135 contratos públicos adjudicados durante a pandemia de covid-19 que levantam fortes suspeitas de terem envolvido práticas corrupção. No total, estes contratos envolveram um montante de 18,2 mil milhões de euros, cerca de um terço de toda a despesa pública efectuada na pandemia pelo país. Agora, aquela organização apela às autoridades britânicas para investigarem os contratos suspeitos. Não foi só no Reino Unido que a gestão da pandemia escancarou a porta para a corrupção. Em Portugal, houve o chamado ‘cartel dos testes’, envolvendo os maiores laboratórios do país, mas também floresceu a falta de transparência, como no caso dos contratos das vacinas assinados pela Direcção-Geral da Saúde, que permanecem envoltos em opacidade. Um processo de intimação do PÁGINA UM, apresentado em Dezembro de 2022, ainda não tem desfecho previsto, devido a sucessivas procrastinações e mentiras do Ministério da Saúde.


    A Transparency International UK, uma organização britânica anti-corrupção, analisou 5.000 contratos públicos adjudicados no Reino Unido durante a pandemia da covid-19 em busca de sinais de potencial corrupção. A análise aos contratos públicos detectou a existência de problemas significativos em contratos no valor de 15,3 mil milhões de libras (ou 18,2 mil milhões de euros), o que corresponde a um terço dos gastos globais. Segundo a análise da mesma organização, foram identificados 135 contratos com sinais de alto risco de poderem envolver práticas de corrupção.

    Testes, material de protecção médica e máscaras geraram estão entre os bens que originaram contratos nebulosos no Reino Unido. Um total de 28 contratos, no valor de 4,1 mil milhões de libras (4,9 mil milhões de euros), foram adjudicados a empresas com conhecidas ligações políticas. Outros 51 contratos, no montante de 4,0 mil milhões de libras (4,75 mil milhões de euros), foram adjudicados através de uma via VIP para empresas recomendadas por membros do parlamento e pares, uma prática que o Supremo Tribunal considerou ser ilegal.

    Para a Transparency International UK, a suspensão das regras normais de prevenção da corrupção no Reino Unido, careceu de fundamentação, na maior parte dos casos, tendo a medida acabado por trazer prejuízo aos contribuintes. Segundo aquela organização, quase dois terços dos contratos de valores mais elevados para fornecer bens como máscaras e equipamento de protecção médica durante a pandemia, num total de 30,7 mil milhões de libras (36,5 mil milhões de euros), foram adjudicados por ajuste directo.

    Um grupo de oito contratos, num valor global de 500 milhões de libras (593,8 milhões de euros) foram entregues a empresas que não tinham mais de 100 dias de existência, que é um dos sinais de alarme na prevenção da corrupção.

    A Transparency International UK, uma organização que tem tido um papel forte e activo na investigação à gestão da pandemia naquela país, apelou às autoridades para que investiguem os contratos identificados como apresentando um risco muito elevado de corrupção.

    Em Portugal, foi notícia, recentemente, a aplicação de coimas ao chamado ‘cartel dos testes‘ que envolveu os grandes laboratórios de análises clínicas do país. Mas, além da corrupção, a gestão da pandemia trouxe falta de transparência em diversos contratos públicos. O PÁGINA UM, por exemplo, aguarda ainda o desfecho da intimação colocada no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Direccção-Geral da Saúde para o acesso aos contratos da compra das vacinas para a covid-19, bem como da correspondência com as farmacêuticas e as guias de remessa. A acção foi colocada em 31 de Dezembro de 2021, ou seja, há quase 21 meses.

    O Ministério da Saúde tem tentado aproveitar o secretismo dos acordos prévios assinados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas para convencer a juíza deste exasperante e longo processo, Telma Nogueira, a considerar os tribunais administrativos portugueses incompetentes para analisar o pedido. A suceder significaria que qualquer acto administrativo que decorresse de Bruxelas podia estar vedado aos cidadãos portugueses se houvesse qualquer cláusula secreta determinada por ‘eurocratas’ não-eleitos, independentemente da sua cidadania.

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    Depois de o Tribunal Geral da União Europeia ter considerado abusivas as cláusulas de confidencialidade, a juíza Telma Nogueira instou o Ministério da Saúde, antes de concluir a sentença, a fornecer-lhe os contratos assinados pelo Estado português, bem como a correspondência. E deu um prazo de 15 dias. Esta semana, no limite deste prazo, a directora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, pediu uma prorrogação de de mais 40 dias. A juíza concordou, o que, em princípio, fará com que um processo de intimação, considerado urgente, vá demorar, na primeira instância, aproximadamente dois anos.

    Além deste negócio da compra das vacinas, merece também destaque em Portugal uma aquisição sem contrato no valor de 20 milhões de euros do antiviral Paxlovid, da farmacêutica Pfizer, usando uma norma legal já revogada. De entre os casos obscuros de aquisição de testes e diversos materiais de protecção individual, estão situações qm que as empresas não detinham sequer qualificações nem histórico no sector.

    Houve também entidades públicas que esconderam compras por ajuste directo e sem documentos de suporte conhecidos, aproveitando um regime especial de contratação pública que dispensava a redução a escrito. O caso mais gritante detectado ao longho dos anos pelo PÁGINA UM passou-se no Hospital de Braga, presidido por João Porfírio Oliveira, que escondeu 1.354 ajustes directos de 47 milhões de euros relacionados com a pandemia por mais de dois anos. Em muitos nem se sabe o que se comprou. O PÁGINA UM ainda aguarda que o Tribunal de Contas se pronuncie sobre esta matéria.


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