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  • Resíduos hospitalares: desde Janeiro, 26 contratos por ajuste directo que já vão em 9,3 milhões de euros

    Resíduos hospitalares: desde Janeiro, 26 contratos por ajuste directo que já vão em 9,3 milhões de euros


    A recolha e tratamento de resíduos hospitalares é um dos sectores de actividade económicas que, apesar de ser previsível e contínua, mais recorre a contratos por ajuste directo. Desde o início do ano de 2023, foram celebrados por hospitais, entidades da Administração Central e autarquias um total de 56 contratos dos quais 26 por ajuste directo. Porém, em termos de valor, o uso deste expediente representa já cerca de 64% do total (9.33.035 euros), que contrasta com os 5.184.295 euros nos 25 contratos por concurso público e os 102.615 euros nos cinco contratos com consulta prévia. Um dos contratos por ajuste directo, entre a Ambimed e o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, no valor de 552.581,92 euros, foi publicado ontem no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo. O Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos analisa os contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura), com excepção da edição de segunda-feira que inclui os registos colocados entre a sexta-feira e o domingo.


    Ontem, dia 5 de Setembro, no Portal Base foram divulgados 720 contratos públicos, com preços entre os 1,18 euros – para a aquisição de medicamentos do sistema nervoso central, pelo Hospital Distrital da Figueira da Foz, através de concurso público – e os 46.196.884,60 euros – para a aquisição de serviços para a manutenção das especialidades de catenária e via na Rede Ferroviária Nacional, pelas Infraestruturas de Portugal, também por concurso público.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 11 contratos, dos quais quatro por concurso público, cinco ao abrigo de acordo-quadro e dois por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados oito contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Instituto de Medicina Molecular (com a Enzifarma – Diagnóstica e Farmacêutica, no valor de 1.025.400 euros); Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (com a Ambimed – Gestão Ambiental, no valor de 552.581,92 euros); Município de Espinho (com a Eurest Portugal, no valor de 499.947,75 euros); Serviços de Ação Social do Instituto Politécnico de Santarém (com a ICA – Indústria e Comércio Alimentar, no valor de 272.368,50 euros); Infraestruturas de Portugal (com a CivilSer, no valor de 132.650 euros); Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos da Torre (com a Porto Editora, no valor de 129.934,13 euros); Hospital de Braga (com a Moonsurge – Importação e exportação de material médico, no valor de 124.461 euros); e o Município de Vila Nova de Gaia (com a Porto Editora, no valor de 115.290 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 5 de Setembro

    (todos os procedimentos)

    1Aquisição de serviços para a manutenção das especialidades de Catenária e Via na Rede Ferroviária Nacional

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Sacyr Neopul e EIP – Serviços

    Preço contratual: 46.196.884,60 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    2Construção do Mercado Municipal

    Adjudicante: Município da Murtosa

    Adjudicatário: Nível 20 – Estudos, Projectos e Obras

    Preço contratual: 2.247.677,89 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de computadores de secretária, portáteis e de elevado desempenho, periféricos e impressoras, para a GNR e PSP

    Adjudicante: Secretaria-Geral do MAI

    Adjudicatário: BASE2

    Preço contratual: 1.747.980,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Medicamentos antipsicóticos

    Adjudicante: Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa

    Adjudicatário: Janssen Cilag

    Preço contatual: 1.604.753,70 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    5Fornecimento de electricidade em regime de mercado livre para IPST

    Adjudicante: Instituto Português do Sangue e da Transplantação

    Adjudicatário: Petrogal

    Preço contratual: 1.248.990,00 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 5 de Setembro

    1Aquisição de um separador e analisador celulares para citometria de fluxo

    Adjudicante: Instituto de Medicina Molecular

    Adjudicatário: Enzifarma – Diagnóstica e Farmacêutica

    Preço contratual: 1.025.400,00 euros


    2Aquisição de serviços de relacionados com resíduos hospitalares 

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte

    Adjudicatário: Ambimed – Gestão Ambiental

    Preço contratual: 552.581,92 euros


    3Aquisição de refeições escolares

    Adjudicante: Município de Espinho

    Adjudicatário: Eurest Portugal

    Preço contratual: 499.947,75 euros


    4Concessão da exploração dos refeitórios e das cafetarias/bares

    Adjudicante: Serviços de Ação Social do Instituto Politécnico de Santarém

    Adjudicatário: ICA – Indústria e Comércio Alimentar

    Preço contratual: 272.368,50 euros


    5Aquisição de serviços para elaboração de um projecto de pontes

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: CivilSer

    Preço contratual: 132.650,00 euros

  • PÁGINA UM destaca quem mais contratos (chorudos) por ajuste directo faz em Portugal… e quem mais recebe

    PÁGINA UM destaca quem mais contratos (chorudos) por ajuste directo faz em Portugal… e quem mais recebe


    Numa sociedade transparente e num sistema económico de livre concorrência, os ajustes directos deveriam ser raros. Em Portugal, não. Desde Janeiro foram publicados 2.574 contratos por ajuste directo acima de 100 mil euros, envolvendo um montante global de 1.008.847.121,05 euros.

    O PÁGINA UM começa a partir deste mês, e com dados do Portal Base, a compilar um conjunto de rankings, renovável, em que “destacaremos” quem mais usa o expediente do ajuste directo. Antecipamos, para hoje, quatro rankings com as 20 entidades públicas adjudicantes e as 20 empresas privadas adjudicatárias em função do número de contratos (acima de 100 mil euros), distinguindo o sector da saúde dos outros sectores.

    Amanhã apresentamos muito mais novidades sobre esta que será, cada vez mais, uma das bandeiras editoriais do PÁGINA UM.


    TOP 20 DOS CONTRATOS POR AJUSTE DIRECTO – 2023

    Janeiro-Agosto de 2023 – número de contratos públicos acima dos 100.000 euros

    ADJUDICANTES (entidades públicas) – GERAL (excluindo unidade de saúde)

    1 – Infraestruturas de Portugal – 65

    2 – Município de Lisboa – 41

    3 – Estado-Maior da Armada – 24

    4 – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) – 18

    5 – Estado-Maior-General das Forças Armadas – 17

    6 – Estado-Maior da Força Aérea – 16

    7 – Administração Regional de Saúde do Norte – 14

    7 – Instituto da Segurança Social – 14

    9 – Lisboa Ocidental – Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) – 13

    9 – Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – 13

    11 – Administração Regional de Saúde do Centro – 12

    11 – Instituto do Emprego e da Formação Profissional – 12

    11 – Instituto Nacional de Emergência Médica – 12

    11 – Município de Loures – 12

    15 – Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo – 11

    15 – Banco de Portugal – 11

    15 – CP – Comboios de Portugal – 11

    15 – Metropolitano de Lisboa – 11

    15 – Polícia de Segurança Pública – 11

    20 – Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais – 10

    20 – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) – 10

    20 – Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge – 10

    20 – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) – 10


    TOP 20 DOS CONTRATOS POR AJUSTE DIRECTO – 2023

    Janeiro-Agosto de 2023 – número de contratos públicos acima dos 100.000 euros

    ADJUDICANTES (entidades públicas) – UNIDADES DE SAÚDE

    1 – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – 195

    2 – Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – 165

    3 – Hospital de Braga – 146

    4 – Instituto Português de Oncologia do Porto – 79

    5 – Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro – 70

    6 – Centro Hospitalar Universitário do Algarve – 64

    7 – Centro Hospitalar Universitário de São João – 62

    8 – Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca – 61

    9 – Hospital de Loures – 56

    10 – Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia – Espinho – 53

    11 – Instituto Português de Oncologia de Lisboa – 48

    12 – Hospital Garcia de Orta – 43

    13 – Centro Hospitalar Universitário de Santo António – 37

    14 – Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga – 28

    15 – Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira – 26

    16 – Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano – 26

    17 – Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental – 24

    18 – Centro Hospitalar do Médio Tejo – 23

    18 – Centro Hospitalar Tondela-Viseu – 23

    20 – Centro Hospitalar Barreiro Montijo – 22

    20 – Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira – 22


    TOP 20 DOS CONTRATOS POR AJUSTE DIRECTO – 2023

    Janeiro-Agosto de 2023 – número de contratos públicos acima dos 100.000 euros

    ADJUDICATÁRIOS (empresas privadas) – GERAL (excluindo bens e serviços de saúde)

    1 – Petrogal (Energia) – 30

    2 – Uniself (Restauração) – 25

    3 – ITAU (Restauração) – 20

    4 – Endesa (Energia) – 19

    5 – Sá Limpa (Limpezas) – 17

    5 – COPS (Vigilância) – 17

    7 – Interlimpe – Facility Services (Limpezas) – 15

    8 – Porto Editora (Editora) – 12

    8 – Prestibel (Vigilância) – 12

    10 – Eurest Portugal (Restauração) – 11

    10 – Fine Facility Services (Limpezas) – 11

    10 – EDP Comercial (Energia) – 11

    13 – CTT – Correios de Portugal (Mercadorias) – 10

    14 – Gertal (Restauração) – 9

    14 – Ronsegur (Vigilância) – 9

    16 – Fidelidade (Seguros) – 8

    16 – Generali (Seguros) – 8

    16 – Iberlim (Limpezas) – 8

    16 – Iberdrola (Energia) – 8

    16 – Euromex (Limpezas) – 8


    TOP 20 DOS CONTRATOS POR AJUSTE DIRECTO – 2023

    Janeiro-Agosto de 2023 – número de contratos públicos acima dos 100.000 euros

    ADJUDICATÁRIOS (empresas privadas) – BENS E SERVIÇOS DE SAÚDE

    1 – Medtronic Portugal – 61

    2 – Laboratório Pfizer – 45

    2 – Sanofi – 45

    4 – Johnson & Johnson – 39

    5 – Novartis Farma – 36

    6 – Roche – 35

    7 – Gilead Sciences – 34

    8 – Roche Sistemas de Diagnósticos – 28

    9 – Abbott Laboratórios – 27

    10 – Takeda – 25

    11 – Werfen Portugal – 24

    12 – Abbott Medical – 23

    12 – Biogen Portugal – 23

    12 – Siemens Healthcare – 23

    15 – Janssen-Cilag – 21

    16 – Cepheid Iberia – 20

    17 – Abbvie – 19

    18 – Octapharma – 18

    18 – Alexion Pharma – 18

    20 – Vertex Pharmaceuticals – 17

  • Aquecimento global?! E que tal olhar para o Inverno em vez de temer o Verão?

    Aquecimento global?! E que tal olhar para o Inverno em vez de temer o Verão?


    A primeira pergunta deve ser vista em tom provocatório, porque feita por alguém que assume, desde os idos anos 90, antes do wokismo climático, a existência de alterações climáticas (que não se mede numa perspectiva meteorológica) decorrentes do aquecimento global, mas que rejeita histerismo (colectivos e individuais), hipocrisias (sobretudo políticas) e sensacionalismos (sobretudo de jornalistas) e renega, crítica e abomina toda uma corja de oportunismos ao melhor estilo do greenwashing (sobretudo de certas empresas, mas também de políticos como António Guterres), enquanto se continuam os negócios e as negociatas, e o povo, às tantas, acaba apontado como o culpado a merecer justa punição. E acredita; e cala; até concorda com a perda de direitos; e, às tantas, de liberdades – enquanto os supostos “salvadores do Planeta” viajam, comem e divertem-se para “salvar o Planeta” para aqueles que, acusados, estão “presos” para não “destruírem mais o Planeta”.

    Em abono da verdade, independentemente das alterações climáticas decorrerem dos gases com efeito de estufa, o Mundo tem um paradigma energético para resolver, e que passa também por resolver problemas de poluição, de uso ineficiente de recursos. Mas a solução para tudo isto tem de vir de políticos e de diplomatas, porquanto está nas mãos da China, dos Estados Unidos e da Índia (a União Europeia não conta, pelo peso residual). E tem de ser feito sobretudo sem radicalismos e sem tentativas de ressuscitar a energia nuclear. E também passa por assumir que, provavelmente, em muitos casos a solução será a possível: a adaptação, embora com evidentes perdas e com embates geopolíticos e sociais.

    Orange Safety Ring on Man Shoulder Near Body of Water

    Quanto à segunda pergunta, esta faz cada vez mais sentido, sobretudo no mundo ocidental onde o discurso político e mediático em redor do aquecimento global se estafa nas alegadas ondas de calor (por vezes inexistentes) supostamente terríficas e letais, e não em outros problemas decorrentes das alterações climáticas muito mais graves, como seja a redução dos recursos hídricos, o aumento do risco de incêndios (que não significa que haja incêndios e que não se possa fazer nada para evitar que o risco se transforme em dano) e as alterações profundas de habitats.  

    Mas esta pergunta também faz todo o sentido porque me parece essencial saber se, de facto, se notam efeitos das alterações climáticas – e do aquecimento global, portanto – na mortalidade em Portugal durante o Verão, a grande preocupação política e dos media nacionais.

    Ou seja, devemos estar mesmo preocupados com as ondas de calor no Verão do ponto de vista de Saúde Pública? Ou devemos considerar esse um problema mais secundário se comparado com as outras épocas do ano, em especial com o Inverno? Ou seja, devemos repetir o que se fez entre 2020 e 2022: olhar para a covid-19 sem cuidar do resto?

    Verão em Portugal em 2023, imaginado pelo Midjourney.

    Vamos então por partes. A resposta sobre se o aquecimento global está a causar em Portugal mais mortes, a resposta não pode ser dada com um simples sim, ou um simples não.

    Primeiro, porque, na verdade, o matar mais ou menos, quando falamos em efeitos de alterações climáticas, requer um período relativamente longo para análise, de várias décadas. E, nessa linha, entram factores que interferem com análises simples, porque se mostra muito difícil isolar o fenómeno climático dos demais, que numa primeira análise são muito mais relevantes.

    Vejamos: em Portugal, a população vulnerável – susceptível de ser afectada mortalmente por eventos associados às variações da temperatura e outras variáveis meteorológicas (chuva, humidade, vento, etc.) – foi modificando-se ao longo dos tempos quer por factores demográficos quer por factores associados à Saúde Pública e às condições sanitárias e médicas.

    Apenas a título de exemplo – e é algo que escapa à maioria das análises –, saliente-se que a mortalidade infantil ainda era elevadíssima há algumas décadas, e os óbitos de recém-nascidos tinham um peso imenso. Por exemplo, em 1970, morreram ainda 10.027 bebés com menos de um ano de idade, o que representou 10,8% do total dos óbitos desse ano. Se recuarmos para os anos 50 ou ainda antes, os números são ainda mais pavorosos. No ano de 2022, o número de mortes nesse mesmo grupo etário foi de 233, representando somente 0,02% do total.

    Verão em Portugal em 1951, imaginado pelo Midjourney.

    Assim, quando observamos, por exemplo, a mortalidade em meses de Verão nas primeiras décadas do século XX, salientam-se alguns picos significativos, mas não se devem a óbitos necessariamente relacionados com temperaturas extremas (letais agora para os idosos), mas mais à proliferação de doenças transmissíveis por água inquinada ou alimentos contaminados, e que causavam elevada mortalidade em bebés e crianças.

    Por outro lado, o grupo de idosos foi-se alterando de forma significativa, com todas as vulnerabilidades que tal implica. Além disso, por exemplo, alguém com 65 anos em 1970 já estaria a atingir a sua esperança de vida à nascença, quando agora uma criança que nasce pode ambicionar ultrapassar os 80 anos. Uma pessoa de 65 anos de há 50 anos não apresentava as mesmas condições físicas de uma que agora tenha essa mesma idade. E a ciência médica consegue mantê-la em boas condições por mais tempo.

    Acresce ainda que as condições de vida foram registando evoluções muito favoráveis, pelo que muitas doenças crónicas e agudas, antes bastante letais, são hoje raras e perfeitamente controladas.

    Inverno em Portugal em 2023, imaginado pelo Midjourney.

    Significa isto, de uma forma muito sintética, que a vulnerabilidade é um conceito muito fluído e dinâmico, e por isso devemos ter alguma prudência quando fazemos comparações ao longo do tempo em populações que, embora do mesmo país, não têm uma estrutura demográfica similar e muito menos um “quadro clínico” comparável. A população de Portugal de 2023 não é estruturalmente semelhante à do ano 2000 e muito menos à de 1975 ou de 1950…

    Em todo o caso, uma análise para apurar se há mais ou menos mortalidade numa determinada época do ano carece sempre de se saber qual o “comportamento” das outras épocas do ano. No caso concreto de Portugal, desde sempre – e pegando, por agora, nos valores mensais desde 1951 –, o Inverno (considerando os meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro) sempre foi, e continua a ser, muito mais mortífero do que o Verão (considerando os meses de Junho, Julho e Agosto), que, apesar de toda a histeria mediática em redor do aquecimento global, se mantém como a época do ano menos mortífera.

    Desde 1951, muito raramente o mês de Janeiro não é o mês mais letal – e se tal sucede, então é “substituído” por Dezembro, seguindo-se, normalmente, Fevereiro como o terceiro pior mês. Em média, o Inverno abrange 29,8% das mortes entre 1951 e 2022, variando dos 28,6% na década de 1950 até aos 30,7% da década de 1970. Na década mais recente (década de 2010), o Inverno englobou 29,6% das mortes.

    Inverno em Portugal em 1951, imaginado pelo Midjourney.

    Em 2021, por via da pandemia da covid-19 e de outros factores que causaram a ruptura do Sistema Nacional de Saúde, os meses de Inverno representaram 35,1% do total das mortes, sendo que 15,7% foi apenas em Janeiro (o valor mais elevado num mês desde 1951).

    No oposto, o Verão sempre tem sido historicamente a época do ano menos mortal, agregando 22,0% do total dos óbitos registados entre 1951 e 2022 – uma diferença, para menos, de 7,8 pontos percentuais, o que é muito significativo. As variações por decénio não são muito relevantes: 21,5% na década de 1950; 21,1% na década de 1960; 21,4% na década de 1970; 22,5% na década de 1980; 22,3% na década de 1990; 22,6% na década de 2000; e 22,3% na década de 2010. Mesmo estando a falar de grupos populacionais distintos entre 1951 e 2020, não se observa qualquer agravamento em termos médios.

    Na verdade, o Verão é a época do ano com menor taxa de mortalidade, independentemente de se considerar o período entre o solstício de Junho e o equinócio de Setembro, ou os meses de Julho a Setembro ou os meses de Junho a Agosto. Tem uma mortalidade inferior também significativamente à Primavera e ao Outono.

    Peso relativo (% em relação ao total do ano) dos meses de Inverno (Janeiro, Fevereiro e Dezembro) na mortalidade desde 1951 até 2022. Linha branca mostra tendência. Fonte: INE. Análise: PAV.

    Numa análise mais fina, pode-se tentar identificar eventuais acréscimos de mortalidade no período do Verão ao longo das últimas décadas, mas aí deparamo-nos com a tal situação de se comparar alhos com bugalhos. Por exemplo, se definirmos que entre Junho e Agosto (que nesta análise se considera a época de Verão) a ocorrência de um mês com mais de 8% das mortes no ano relevante, então contabilizam-se seis casos na década de 1950 (dos quais cinco em Agosto e um em Julho), apenas dois na década de 1960 (ambos em Agosto), nenhum caso na década de 1970, quatro na década de 1980 (um em Junho, dois em Julho e um em Agosto), dois na década de 1990 (um em Julho e outro em Agosto), três na década de 2000 (dois em Julho e um em Agosto), e três na década de 2010 (dois em Julho e um em Agosto).

    Na verdade, a maior prevalência de meses de Verão particularmente mortíferos na década de 50 não parece dever-se simplesmente a ondas de calor, mas sim a doenças potenciadas por problemas sanitários associados a temperaturas mais quentes.

    Na verdade, fazendo análises estatísticas um pouco mais complexas, até se poderia concluir que existe verdadeiramente um fenómeno de crescimento da mortalidade por causa das alterações climáticas, embora depois, provavelmente, constatar-se-ia que por “troca” de um Outono mais ameno. Aliás, esse fenómeno aparenta ser evidente numa análise estatística simples desde a década de 50: a mortalidade relativa dos meses de Outono (Setembro a Novembro) tem-se tendencialmente aproximado da dos meses de Verão (Junho a Agosto).

    Peso relativo (% em relação ao total do ano) dos meses de Primavera (Março, Abril e Maio) na mortalidade desde 1951 até 2022. Linha branca mostra tendência. Fonte: INE. Análise: PAV.

    Com efeito, na década de 50, os meses de Outono, com 26,2% do total das mortes, até eram mais mortíferos do que os meses de Primavera (algo que deixou de suceder logo na década seguinte), valor que contrastava com os 21,5% do total associados aos meses de Verão. Essa diferença – então de 4,7 pontos percentuais – foi-se atenuando até à década de 2010, não tanto por um crescimento do peso relativo da mortalidade no Verão (aumento de 0,8 pontos percentuais face à década de 1950), mas sobretudo pela diminuição da letalidade relativa do Outono (descida de 3,2 pontos percentuais face à década de 1950).

    É certo que se nota uma tendência de crescimento do peso relativo da mortalidade nos meses de Verão, e com alguns picos, mas não é assim tão relevante que salte à vista – e mereça parangonas constantes –, antes sim exigem medidas preventivas adequadas e oportunas para se reduzir o impacte potencialmente letal dessas ondas de calor.

    Aliás, para reforçar a necessidade de intervenção preventiva ou profiláctica – e deixar de considerar que nada se pode fazer –, exemplifiquemos com o relatado sobre os picos de mortalidade em alguns Verões da década de 1950: por certo que, com a situação sanitária e médica do século XXI, aquela mortalidade não teria sido tão elevada com as temperaturas então registadas. Portanto, criem-se condições “sanitárias” para que, independentemente das causas do aquecimento global ou dos seus efeitos, a letalidade não seja elevada quando chegarem ondas de calor.

    Peso relativo (% em relação ao total do ano) dos meses de Verão (Junho, Julho e Agosto) na mortalidade desde 1951 até 2022. Linha branca mostra tendência. Fonte: INE. Análise: PAV.

    Aliás, é olhando para o perfil da mortalidade interanual (ao longo dos anos) e intranual (ao longo dos meses) que melhor conseguimos apurar o grau de controlo que temos sobre o ambiente que nos rodeia, porque é isso que, ao fim e ao cabo, interessa saber.

    E é aqui que quero levar a água ao moinho: é, na verdade, no Inverno, e não propriamente no Verão, que reside o nosso maior problema “sanitário” – e, ironicamente, um aquecimento global pode ajudar-nos indirectamente, por os meses de Dezembro a Fevereiro passarem a ser menos agrestes.

    De facto, esperando que a todos seja já evidente – até pelo que acima se referiu – que os meses de Inverno são mais letais do que os de Verão, porque o ambiente nesses meses em Portugal, que aqui deve incluir Setembro (o mês menos mortífero), é mais propício para não se ser afectado por doenças e afecções.

    Ora, um objectivo fundamental da Saúde Pública será sobretudo o de evitar que o ambiente externo – que inclui agentes biológicos, químicos e físicos – não constitua um factor agravante da condição e natureza humana, e de cada indivíduo (e das suas opções de vida). Daí que conseguiremos uma vitória absoluta sobre os elementos quando a distribuição do peso da mortalidade padronizada (em função da idade) nos diferentes meses e ao longo dos anos for cada vez mais homogénea. Isso ainda está longe de suceder, mas não é por “culpa do Verão”, mas sobretudo por “culpa” da nossa incapacidade (não apenas portuguesa, mas muito portuguesa) em controlar o que sucede nos Invernos.

    Senão vejamos.

    Peso relativo (% em relação ao total do ano) dos meses de Outono (Setembro, Outubro e Novembro) na mortalidade desde 1951 até 2022. Linha branca mostra tendência. Fonte: INE. Análise: PAV.

    O Inverno não é apenas a época do ano onde mais se morre – é aquela que regista uma maior variabilidade interanual, porque, de quando em vez, os agentes meteorológicos associados aos agentes biológicos e virais se mancomunam ainda mais para causarem maiores mortandades. E isso sucede não apenas pela maior capacidade de destruição dos “inimigos”, do seu “armamento”, ou da “ferocidade” maior ou menor em cada investida, mas sobretudo pela maior ou menor capacidade de defesa do ponto de vista individual e de Saúde Pública. Dir-se-ia que há similitudes com a área militar.

    Podendo-se fazer essa análise simples também para Dezembro e Fevereiro, exemplifique-se, por economia de tempo, com a situação do mês de Janeiro, como já dito o mais mortífero do ano. Em termos médios, entre 1951 e 2022, constata-se que 10,8% do total das mortes concentraram-se neste mês (Janeiro tem 8,5% dos dias de um ano). Vistas década a década, as médias não são muito diferentes, variando entre 10,3% na década de 2000 e o0s 11,2% da década de 1970.

    Contudo, analisando ano a ano observam-se porém grandes variações, com picos associados sobretudo a período de gripe associados a condições meteorológicas mais agrestes, às quais os mais vulneráveis não ficaram protegidos. E quanto mais idosa se tem tornado a população mais estragos “causam” os Janeiros mais inclementes.

    Earth with clouds above the African continent

    Assim, para Portugal, se consideramos como fasquia definidora de um Janeiro particularmente letal um peso relativo superior a 12%, detecta-se um ligeiro agravamento da mortalidade ao longo das últimas décadas, o que sendo expectável, não é o desejável. Assim, com mais de 12% do total das mortes não encontramos nenhum Janeiro na década de 1950, temos dois na década de 1960 (1965 e 1970), mais três na década de 1970 (1973, 1976 e 1978), mais um na década de 1980 (o Janeiro de 1990), mais dois na década de 1990 (1997 e 1999), nenhum na década de 2000, e dois na década de 2010 (2015 e 2017).

    Se acrescentarmos o Janeiro de 2021 (15,7% das mortes, por via da pandemia e ruptura do Serviço Nacional de Saúde, até porque a mortalidade não-covid foi também elevada), verificamos que nos últimos 25 anos contabilizam-se cinco Janeiros registando uma mortalidade com peso superior a 12% do total anual. No período de 1951 a 1975 (também 25 anos), contam-se três Janeiros nestas condições.

    É certo que a estrutura etária é bastante distinta, mas aquilo que se pretende mostrar é que os Invernos são tão ou mais agrestes no presente do que no passado, mesmo se temos melhor tecnologia e melhores cuidados médicos e sanitários.

    windmill on grass field during golden hour

    Obviamente, a manutenção da maior vulnerabilidade aos Invernos deve-se, em grande parte, à crescente prevalência de idosos, mas, se assim é, então não se compreende que seja dado um enfoque exclusivo à protecção dos idosos contra as potenciais ondas de calor no Verão. Qual é, afinal, o motivo para se dar tão pouca importância à desprotecção deste grupo etário nos meses de Inverno?

    Por isso, esta análise ao aquecimento global, tem como objectivo principal um alerta: para que se cuide melhor da saúde dos vulneráveis no Inverno – é nessa época do ano que há ainda muito a ser feito. Muito mais. E não se tem feito, do ponto de vista político, quase nada.

  • Cúpula das Forças Armadas gasta 90 mil euros por mês em segurança e vigilância privada

    Cúpula das Forças Armadas gasta 90 mil euros por mês em segurança e vigilância privada

    Em casa de ferreiro e de cozinheira, afinal o espeto é de pau e até se contrata empresa externa para meter a carne no assador. No Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), que serve para proteger a soberania dos portugueses, há instalações sensíveis para a segurança interna a serem vigiadas por empresas privadas, como sucede com o Reduto Gomes Freire, em Oeiras, a sede do Comando Conjunto para as Operações Militares. Também o Hospital das Forças Armadas tem contado com vigilância privada. Esta opção de “caçar com gato” é bastante recente, tendo sido alimentada sobretudo pelo almirante Silva Ribeiro, que deixou o EMGFA em Fevereiro deste ano. Desde 2021, à conta desta opção gastou-se quase 3 milhões de euros.


    O Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) gastou, desde 2021, quase 2,9 milhões de euros em 43 contratos de vigilância privadas das suas instalações, incluindo as do seu Instituto de Apoio Social (IASFA). O montante em causa contrasta com apenas 23 contratos nos 10 anos anteriores (2011-2020) que totalizaram apenas 1,4 milhões de euros. Ou seja, em termos médios, o EMGFA passou de um gasto médio mensal de cerca de 12 mil euros no período de 2011-2020 para um gasto médio mensal quase oito vezes superior. Em média, nos 32 meses que passaram desde Janeiro de 2021, os gastos em segurança privada ultrapassam os 90 mil euros por mês.

    De acordo com o levantamento do PÁGINA UM aos contratos assinados pelo EMGFA e pelo IASFA desde 2011, verifica-se que foi sobretudo com a entrada em funções do almirante Silva Ribeiro como chefe de estado-maior general das Forças Armadas que os contratos de vigilância e segurança privada floresceram num sector onde, para além de questões de segurança nacional e até pelo simbolismo, não seria suposto existirem.

    Uma casa de militares afinal vigiada por uma empresa privada. EMGFA não explica se há critérios para assegurar protecção de matéria sensível.

    E foi logo desde o início. No próprio dia da tomada de posse de Silva Ribeiro – que antes estivera na cúpula da Armada, agora ocupada por Gouveia e Melo –, em 1 de Março de 2018, foi logo assinado um contrato, ao abrigo de um acordo-quadro, com a empresa Ronseguir no valor de 372.043 euros, para a vigilância e segurança das unidades de apoio do Reduto Gomes Freire, do Instituto Universitário Militar e do Campus de Saúde Militar.

    Convém, no entanto, referir que a vigilância privada a estas instalações militares, de grande sensibilidade, começara em 2016, com a contratação da Securitas para o Reduto Gomes Freire, através de um contrato de 50.368 euros, que obteve outro ainda em 2017, no valor de 49.565 euros.

    Ainda em 2017, durante o mandato do general António Pina Monteiro – que ocupou as funções entre 2014 e o início de 2018 – já fora determinado contratar por cerca de 213 mil euros a empresa Ronsegur para, por nove meses, prestar serviços de segurança e vigilância para o Reduto Gomes Freire.

    Saliente-se que estas instalações militares, localizadas em Oeiras, funcionaram até finais de Dezembro de 2012 como Comando de Forças da NATO, sendo actualmente a sede do Comando Conjunto para as Operações Militares do EMGFA, o centro nevrálgico de coordenação das intervenções dos três ramos das Forças Armadas. E têm estado sistematicamente a ser vigiadas, as entradas e saídas, por esta empresa privada sedeada em Santa Maria da Feira.

    Pólos de Lisboa e do Porto do Hospital das Forças Armadas começou a ter vigilância privada desde 2021.

    O contrato mais recente, explicitamente destinado apenas ao Reduto Gomes Freire, no valor de quase 333 mil euros, foi assinado em Julho do ano passado, com duração de 12 meses, prevendo um pagamento horário por serviços de vigilância e segurança para a Unidade de Apoio entre 8,28 euros e 16,73 euros, em função do dia de semana e do horário. Ainda não foi publicado o contrato que terá sido assinado já este ano.

    Contudo, foi sem dúvida durante o mandato do almirante Silva Ribeiro que se “institucionalizou” a contratação de serviços privados de vigilância e segurança privada para instalações do EGMFA e do IASFA. De entre os 66 contratos de segurança privada destas duas entidades publicadas no Portal Base, contabilizam-se 47 durante o seu mandato. E se no seu primeiro dia de mandato (1 de Março de 2018) se assinou um contrato com a Ronsegur, também no último (28 de Fevereiro de 2023) se assinou outro com a Ronsegur, no valor de 60.985 euros, mas neste caso para a vigilância de instalações do IASFA durante dois meses. No total, nos cinco anos do seu mandato, foram assinados contratos de segurança privada no valor de 2.089.692 euros.

    Em todo o caso, foi nos anos de 2021 e 2022 – já que em 2020, primeiro ano da pandemia apenas se assinaram quatro contratos no valor total de 121 mil euros – que o EMGFA e o seu instituto de acção social deram gás à contratação de empresas privadas para vigiar as suas instalações. Em 2021 foram assinados 21 contratos no valor de 1,3 milhões de euros e no ano seguinte mais 15 contratos envolvendo um pouco mais de 1,2 milhões de euros. Ao longo de 2023 estão apenas assumidos publicamente sete contratos desta natureza, dos quais ainda quatro do mandato de Silva Ribeiro, com um montante de quase 167 mil euros, e os restantes três do actual Chefe de Estado Maior General, Nunes da Fonseca, num total de quase 167 mil euros.

    Montantes dos contratos, por empresa e ano, de vigilância e segurança privadas estabelecidos pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas e pelo Instituto de Acção Social das Forças Armadas desde 2010. Fonte: Portal Base. [ver em maior dimensão]

    A Ronsegur tem sido, especialmente a partir de 2021 a empresa mais beneficiada, totalizando 23 contratos nos últimos 32 meses, com uma facturação de quase 2,1 milhões de euros. Antes do mandato de Silva Ribeiro, a Ronsegur já fizera nove contratos com as Forças Armadas (EMGFA e IASFA), mas envolvendo pouco mais de 330 mil euros.

    Esta empresa de Santa Maria da Feira, criada em 2004, está envolvida num processo em que o Ministério Público acusa três autarcas de Mogadouro de prevaricação por via de contratos de vigilância e segurança privada do Parque de Campismo da Quinta da Aguieira, do Complexo Desportivo local e do Parque Juncal. De acordo com o Ministério Público, “em conjugação de esforços e em concretização de plano previamente delineado” os três autarcas e os sócios de três empresas “lograram simular a aparência de um procedimento de contratação pública por intermédio de consulta prévia de modo a lograr atribuir, novamente, à Rosengur, a execução de serviços de vigilância e segurança privada” no município de Mogadouro, “contornando, flagrantemente, as regras legais da contratação pública e da concorrência”.

    A empresa tem estado também no centro de vários casos de alegados abusos laborais, embora no seu site ostente vários documentos sobre sua política, designadamente de responsabilidade social e um plano de gestão de riscos de corrupção e infracções conexas.

    Empresas privadas controlam quem entra ou sai de instalações militares. Em casa de ferreiro, espeto de pau.

    Muito mais atrás da Ronsegur no que diz respeito a relações comerciais com o EMGFA no âmbito da vigilância, surge a Ovisegur, que apenas começou trabalhar para a cúpula das Forças Armadas a partir de 2021, mas com grande sucesso: tem sacado contratos atrás de contratos para a vigilância e segurança do Hospital das Forças Armadas, tanto no pólo de Lisboa como no do Porto.

    No total, a Ovisegur conta já 13 contratos desta natureza – uma parte por concurso público, outra por ajustes directos, por vezes sem redução a escrito –, que já totalizam 489.587 euros. Nos últimos dois anos, uma outra empresa, a COPS, tem coleccionado no seu portfólio contratos para vigilância do Hospital das Forças Armadas: dois em 2022 e mais três este ano, envolvendo 227.686 euros.

    Aliás, somando todos os contratos de segurança privada do Hospital das Forças Armadas – 20 no total desde 2021, não se tendo detectado qualquer outro antes dessa data –, o EMGFA gastou já 789.204 euros.

    Além das três empresas privadas já referidas – Ronseguir, Ovisegur e COPS –, existem mais quatro empresas com contratos de vigilância privada com o EMGFA: a Securitas, a Noite e Dia, a 2045 e ainda a Strong. No caso da Securitas, o último contrato é, porém, de 2020 – para instalações do IASFA – e antes dessa data constam apenas quatro contratos em 2013 e dois em 2016.

    Almirante Silva Ribeiro, no dia em que deixou o EMGFA e foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo por Marcelo Rebelo de Sousa. Durante o seu mandato foram assinados 47 contratos de vigilância privada, tanto para instalações do EMGFA como para o seu instituto de acção social. Antes de si, o uso de empresas privadas era raro.

    Ainda mais fortuitas são as relações comerciais com a 2045 (um contrato em 2012 no valor de 53 mil euros), a Noite e Dia (dois contratos, em 2021 e 2022, num montante total de cerca de 72 mil euros) e a Strong (um contrato em 2013 de pouco mais de 11 mil euros).

    O PÁGINA UM pediu, no dia 22 deste mês, comentários ao EMGFA sobre estas matérias, pedindo que fossem dados esclarecimentos sobre os motivos de não ser a função de vigilância feita por recursos próprios, ou seja, por militares. De igual modo, perguntou-se se existiam critérios de reforço de segurança relativamente aos funcionários das empresas contratadas, de modo a assegurar a inviolabilidade de espaços e informação sensíveis.  

    No dia seguinte, as relações públicas das Forças Armadas acusou a mensagem, informando que “o assunto foi encaminhado para os órgãos competentes a fim de ser analisado”. Passou uma semana e a análise ainda não chegou.

  • Expresso organiza conferência sobre desinformação… e não informa que foi paga pelo INATEL

    Expresso organiza conferência sobre desinformação… e não informa que foi paga pelo INATEL

    É mais um caso de promiscuidade e sobretudo de falta de transparência. Mas desta vez com uma dose de ironia: em Julho, no âmbito das comemorações dos 50 anos, o jornal Expresso “esqueceu-se” de informar que um debate sobre desinformação foi pago pelo anfitrião, a Fundação Inatel, sob a forma de contrato de prestação de serviços, que surgiu na semana passada no Portal Base. O presidente do INATEL foi também um dos oradores. Mas este não foi o único caso de dinheiros públicos em eventos que o Expresso assumiu só ter patrocinadores privados. Saiba quem foram os autarcas que, a troco de dinheiro, tiveram a sua imagem promovida no Expresso, de mão dada (ou de tuk-tuk) com o seu director.


    Não se pode dizer que não houve oportunidade. No passado mês de Julho, por três vezes nas suas páginas virtuais e uma vez na edição em papel do dia 21, no seu caderno semanal de Economia, o Expresso destacou um debate em Évora assaz oportuno: “inteligência artificial e desinformação”. Mas em nenhuma dessas oportunidades de um debate sobre desinformação, o jornal do Grupo Impresa deu a informação aos seus leitores de que a Fundação INATEL – instituição tutelada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – pagou 19.500 euros para a realização do evento.

    Apesar do INATEL ter a sua actividade focada em actividades de ocupação de tempos livres – gerindo também 17 unidades hoteleiras, um parque de jogos, vários pavilhões desportivos e o Teatro Trindade, em Lisboa –, o Expresso também incluiu na lista de participantes deste debate sobre desinformação o presidente daquela instituição, Francisco Madelino, que está longe de ser especialista em inteligência artificial ou desinformação. Presidente da Fundação INATEL desde Janeiro de 2016, Madelino é sim especialista em teoria económica e Economia portuguesa e europeia, tendo sido presidente do Instituto de Políticas Públicas e Sociais do ISCTE. A sua presença ter-se-á devido, assim, não apenas ao financiamento do evento como também à cedência do espaço, o Palácio do Barrocal, sede naquela cidade alentejana.

    Comemorações dos 50 anos do Expresso: o jornal “esqueceu-se” de informar os leitores que não havia só patrocinadores privados. Também houve dinheiros públicos.

    Não se pode, porém, provar documentalmente que a presença de Francisco Madelino tenha sido uma contrapartida do pagamento da verba, porque o contrato por ajuste directo foi feito sem qualquer papel.

    De acordo com o Portal Base, o contrato para “aquisição de serviços para organização da iniciativa da Conferência Inteligência Artificial e Desinformação: os novos desafios para a opinião Pública” (sic) – com data de 11 de Julho, dois dias antes do evento, mas apenas publicado há uma semana – não foi reduzido a escrito.

    As duas entidades recorreram, para tal, a um regime de excepção previsto no Código dos Contratos Públicos que possibilita que nada seja assumido por escrito se se considerar que “o fornecimento dos bens ou a prestação dos serviços (…) ocorrer integralmente no prazo máximo de 20 dias a contar da data em que o adjudicatário comprove a prestação da caução ou, se esta não for exigida, da data da notificação da adjudicação”, “a relação contratual se exting[ue] com o fornecimento dos bens ou com a prestação dos serviços” e “o contrato não esteja sujeito a fiscalização prévia do Tribunal de Contas”.

    Expresso fez extensa cobertura do evento pago pela Fundação INATEL, nunca referindo que o apoio foi financeiro, envolvendo também convite ao presidente desta instituição tutelada pelo Governo.

    Mas essa, saliente-se, é uma opção das partes envolvidas. As empresas de media – cujos jornalistas muitas vezes criticam a existência de contratos por ajuste directo por entidades públicas – têm, contudo, estabelecido nos últimos tempos diversos contratos desta natureza: ajustes directos e muitos até sem acordo escrito.

    Num artigo de antecipação ao debate – curiosamente com a data em que se estabeleceu o contrato, o que denota que já havia uma combinação prévia –, a jornalista do Expresso, Marina Almeida (CP 1753), nunca faz referência ao financiamento do INATEL, apenas revelando, além do tema e participantes, que a iniciativa é conjunta (Expresso e Fundação INATEL) e que “a abertura dos trabalhos estará a cargo de Francisco Madelino, Presidente do INATEL”.

    Um dia depois do debate, a mesma jornalista Marina Almeida publicou um texto no Expresso, de cobertura do evento, e faz três referências ao INATEL: duas destacando ter sido a entidade que “acolheu” o debate, e outra para citar um chavão do presidente Francisco Madelino: “sem informação livre não há democracia”.

    Evento foi divulgado pelo INATEL como sendo uma parceria, ou seja, sem referência a qualquer pagamento.

    O título do artigo assinado pela jornalista Marina Almeida – numa estranha secção denominada “Iniciativas e Produtos” – acaba por ser algo irónico neste contexto: “Nas notas de rodapé está uma das armas contra a desinformação”, porque nem em nota de rodapé surge a referência a um evento pago por um dos intervenientes, e ainda mais com o director do jornal que presta o serviço em pessoa.

    A jornalista do Expresso também cita o seu director, João Vieira Pereira, salientando que focou a sua intervenção nas práticas jornalísticas, salientando que o responsável editorial do jornal “disse que os jornalistas são especialistas em desinformação, e que lidam em permanência com fontes que têm agendas”.

    Mais adiante, acrescenta que “o diretor do Expresso referiu ainda que há vários órgãos de comunicação social em Portugal com uma situação frágil, e isso também coloca em risco a democracia”, e cita João Vieira Pereira: “tem de haver uma reflexão não política sobre como financiar os órgãos de comunicação social”. Não consta que tenha havido reflexão sobre questões éticas relativas a um evento sobre desinformação ser pago pelo anfitrião (INATEL) sem que nenhuma informação surja sobre esse pagamento.

    Quatro dias mais tarde, o Expresso destacou também declarações de todos os intervenientes no debate, com excepção de João Vieira Pereira: além de Francisco Madelino e do colunista Henrique Raposo, também foram gravados em vídeo os depoimentos de Manuel Carvalho da Silva, ex-homem forte da CGTP e investigador da Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, de um especialista em marketing (Gustavo Miller) e do director-geral da GFK Metris (António Gomes).

    E, por fim, a quarta referência ao evento pago pela Fundação INATEL sobre desinformação surgiu em papel, no dia 21 de Julho, no caderno de Economia, na ambígua secção de Projetos Expresso, já alvo de análise crítica da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que resultou no levantamento de um processo de contra-ordenação em curso. Neste texto, igualmente assinado pela jornalista Marina Almeida, a Fundação INATEL surge como entidade que concedeu “apoio” – sem referência a pagamento – de um roadshow de conferências e exposições associadas às comemorações dos 50 anos do Expresso. E com financiamento público.

    Com efeito, a exposição Expresso 50 anos, acompanhada também por debates, percorreu as capitais de distrito, naquilo que o jornal afirmava servir como “convite à leitura, à celebração do jornalismo, e à descoberta da história”, sendo então inicialmente apontadas como patrocinadores as empresas Altice, BPI, Hyundai, JC Decaux e Navigator, para além da Antarte, que produzia um banco de jardim para marcar o evento. Explicitamente, não surge na lista nenhuma entidade pública.

    João Vieira Pereira, director do Expresso desde 2019. Até de tuk-tuk andou com autarcas,

    Porém, também aqui o Expresso não informou os seus leitores com a verdade – ou seja, houve desinformação. De acordo com um levantamento do PÁGINA UM ao Portal Base, o Expresso fez pelo menos contratos com as autarquias da Guarda, Viana do Castelo e Leiria no âmbito das suas comemorações, tendo como contrapartida implícita e explícita a exposição mediática do presidente da câmara que concedeu apoio financeiro.

    No caso de Leiria, o contrato foi assinado em Fevereiro deste ano, no total de 14.950 euros, e refere-se a uma prestação de serviços com vista à publicação do município na edição dos 50 anos do Jornal Expresso”. O evento ocorreu porém apenas no passado dia 1 de Junho, sendo a jornalista Marina Almeida a “prestadora de serviços”, que cobriu a inauguração da exposição com direito a três fotografias do director do Expresso sempre ao lado do presidente da edilidade, o socialista Gonçalo Lopes.

    Em Março, para ter também a presença de Francisco Pinto Balsemão e João Vieira Pereira, o município da Guarda desembolsou 18.500 euros para que o seu presidente, Sérgio Costa (sem filiação partidária), tivesse uma conferência e uma notícia no Expresso sobre o evento com direito a foto ao lado do seu fundador. O contrato não foi redigido a escrito.

    Luís Nobre (à esquerda), presidente da autarquia de Viana do Castelo, pagou 19.800 euros por uma publirreportagem no Expresso, feita por uma jornalista, como contrapartida da exposição comemorativa dos 50 anos do jornal dirigido por João Vieira Pereira (à direita)

    Por fim, em Junho, também João Vieira Pereira esteve em Viana do Castelo a cortar fitas e a andar de tuk-tuk ao lado do presidente daquela edilidade nortenha, o socialista Luís Nobre, para inaugurar mais uma exposição sobre os 50 anos do Expresso. Houve direito a notícia no Expresso e ao correspondente “cheque” recebido da autarquia no valor de 19.800 euros.

    Neste caso não houve evento; apenas um contrato puro e duro de “prestação de serviços relativa à aquisição de um package promocional em Viana do Castelo”, cujo caderno de encargos estipulava que se deveria concretizar através de uma publirreportagem em página ímpar do caderno principal do Expresso e também no site. Quem fez a prestação de serviços sob a forma de publirreportagem foi a jornalista Marina Almeida, em claríssima e inequívoca violação do Estatuto do Jornalista.  

    Saliente-se que mais contratos podem ter sido assinados, uma vez que, por vezes, decorrem vários meses até as entidades públicas os divulgarem no Portal Base, apesar da lei determinar que, por norma, sejam publicitados no prazo de 20 dias.

  • Mortalidade dos adolescentes e jovens adultos está a níveis nunca vistos (desde 2014)

    Mortalidade dos adolescentes e jovens adultos está a níveis nunca vistos (desde 2014)

    Quase não se dão por elas, por serem apenas três em cada 1.000 mortes contabilizadas em Portugal. Poucas centenas em cada ano. Em todo o país eram menos de um óbito por dia; mas agora, de repente, já é um pouco mais de um por dia, e analisando em detalhe verifica-se que nos últimos dois anos o incremento da mortalidade nos adolescentes e jovens adultos, com idades entre os 15 e os 24 anos, aumentou 22% face ao período pré-pandemia. O forte aumento coincidiu com o início do programa de vacinação contra o SARS-CoV-2, a partir do quatro trimestre de 2021. Mas esse é tema tabu. O PÁGINA UM até já tinha, há cerca de um ano, detectado uma tendência preocupante. Daí para cá, só piorou.


    Há um problema persistente e já indisfarçável, excepto se o “sangue jovem” for já indiferente para os lados da Avenida João Crisóstomo, sede do Ministério da Saúde: a mortalidade total na faixa etária dos 15 aos 24 anos está anormalmente elevada desde o início de 2022. A situação nem sequer se pode já considerar surpreendente, porque em  Setembro do ano passado o PÁGINA UM já detectara uma preocupante tendência crescente na mortalidade dos adolescentes e jovens adultos desde Outubro de 2021.

    Mas desde Setembro, esta situação só piorou. E piorou duplamente, porque há um manto de silêncio político e mediático sobre estas mortes há largos meses, enquanto os media mainstream apenas se entretêm quando há show off, como a trágica (e desumana) morte de um idoso de 93 anos que, quando nasceu em 1930 tinha então uma probabilidade de viver só até aos 50 anos, ou seja, menos 43 anos do que aqueles que acabou vivendo. Os jovens que estão a perder a vida em circunstâncias não apuradas (porque aparentemente não interessa saber as causas) nem sequer terão a chance de contribuir para que, dentro de décadas, não se continue a deixar morrer nenhum idoso sozinho numa maca de hospital…

    girl, sad girl, sitting

    Em Setembro do ano passado, numa análise do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação do Certificados de Óbito (SICO) já se constatara que em todo o mês de Agosto de 2022 tinham sido contabilizados 45 óbitos, um máximo desde 2014 – ano em que se começou a recolher estes dados com detalhe etário e mensal – para os jovens daquele intervalo de idades. Mais do que um recorde fortuito, enquadrava-se numa tendência crescente.

    Considerando a evolução da média da mortalidade anual – ou seja, o somatório dos óbitos dos 12 meses anteriores –, o mês de Agosto do ano passado mostrava estar num pico (com 360 óbitos), que contrastava com 304 óbitos no mesmo período de 2021. E o PÁGINA UM já anunciava não haver sinais de abrandamento.

    E o pior cenário confirmou-se. Uma nova análise do PÁGINA UM aos dados do SICO mostram que, para a faixa etária dos 15 aos 24 anos, o crescimento da mortalidade anual – calculada em função dos 365 dias anteriores – só inverteu ligeiramente na segunda semana de Novembro do ano passado, depois de se estabelecer um novo máximo nos 377 óbitos. Isto significa que morriam então 103 jovens deste grupo etário em cada 100 dias, quando antes da pandemia, e mesmo antes do início da vacinação contra a covid-19, o rácio era de 87 mortes por cada 100 dias. Significa que, extrapolando para 365 dias, havia um acréscimo inexplicável e inesperado de quase 60 mortes por ano de adolescentes e jovens adultos.

    Evolução da mortalidade acumulada nos últimos 365 dias para o grupo etário dos 15 aos 24 anos em cada dia desde Janeiro de 2015. Nota: para suavizar pequenas variações diárias procedeu-se ainda, para cada dia, ao cálculo da média móvel a 30 dias. Fonte: SICO / DGS. Análise: PÁGINA UM.

    No início de Janeiro deste ano ainda se chegou a observar uma ligeira retracção dos níveis de mortalidade deste grupo juvenil, mas este nunca ficou abaixo dos 360 óbitos (nos últimos 365 dias). E a partir daí encetou-se nova subida que atingiu os 375 óbitos (nos últimos 365 dias) em 21 de Julho. Anteontem, dia 23 de Agosto, este nível de mortalidade situava-se nos 371 óbitos – ou seja, desde 24 de Agosto de 2022 foi esse o número total de mortes em Portugal de jovens entre os 15 e os 24 anos.

    Comparando com períodos homólogos durante a pandemia, entre 24 de Agosto de 2021 e 23 de Agosto tinham morrido 360 jovens desta faixa etária – menos 11 óbitos. No período homólogo de 2020 a 2021 apenas 295 – menos 76 óbitos. No período homólogo de 2019 a 2020 registaram-se 338 – menos 33 óbitos. Este último valor, mais elevado do que o contabilizado no ano seguinte, não terá sido devido à covid-19, uma vez que no primeiro ano da pandemia apenas se registou um óbito por esta doença nesta faixa etária.

    Nos períodos de Agosto a Agosto dos anos anteriores à pandemia, as diferenças face ao período homólogo de 2022-2023 nos níveis de mortalidade na faixa etária dos 15 e os 24 anos situaram-se entre menos 36 e menos 74 óbitos.

    Em Setembro do ano passado, tendo feito uma análise similar, detectando já sinais evidentes de agravamento da mortalidade entre adolescentes e jovens entre os 15 e 24 anos, a situação só piorou.

    Para confirmar que este acréscimo de mortalidade nesta faixa etária não é conjuntural, e aparenta ser já estrutural – e é pelo menos coincidente com o início do período de vacinação contra a covid-19 nos jovens –, diga-se que nenhum outro grupo etário apresenta similar cenário.

    De acordo com outra análise do PÁGINA UM, para o período de 1 de Janeiro a 23 de Agosto (ou 22 de Agosto nos anos bissextos) desde 2014, é certo que o grupo dos maiores de 85 anos tem sido o mais “fustigado”, mas estamos perante uma faixa etária que está já fora da esperança média de vida, ou seja, com taxas de mortalidade bastante elevadas (acima dos 15% ao ano).

    Mesmo assim, comparando, para este período do ano, a mortalidade no quadriénio 2020-2023, observa-se que os mais idosos registaram um acréscimo de mortalidade de 16% face ao quadriénio 2016-2019, com o pior ano a ser o de 2022. Porém, no ano em curso, apesar da mortalidade ainda estar bem acima de qualquer ano pré-pandemia, o número de óbitos está abaixo do registado em 2022 e 2021. Além disso, convém salientar que este grupo etário tem estado a aumentar nas últimas décadas, sendo daí que também se justifica um aumento do número absoluto de óbitos.

    Ora, mas tal não se verifica no grupo etário dos 15 aos 24 anos, que até revela uma ligeira diminuição populacional em termos absolutos face à gradual diminuição da natalidade nas duas últimas décadas. Nestes casos, um aumento no número de óbitos em determinado período significa automaticamente uma subida da taxa de mortalidade.

    Assim, no período de 1 de Janeiro a 23 de Agosto, se se comparar o quadriénio 2020-2023 com o quadriénio 2016-2019, constata-se um agravamento de 15,3% da mortalidade neste grupo de jovens. Contudo, a situação ainda se agrava mais se se comparar o biénio 2022-2023 (média de 243 óbitos) com o período de 2014-2021 (média de 202 óbitos), revelando-se um aumento da taxa de mortalidade de 20,3%. E se se considerar apenas o quinquénio anterior à pandemia (2015-2019), a taxa de mortalidade aumenta 22%.

    A dimensão deste flagelo nos jovens entre os 15 e os 24 anos – que passa despercebido num país que se habitua a ter mais de 300 óbitos, na sua esmagadora maioria de pessoas bastante idosas – não encontra paralelo nas faixas etárias antecedentes e subsequentes.

    A análise do PÁGINA UM aos dados do SICO desde 2014 para o período entre 1 de Janeiro e 23 de Agosto (ou 22 de Agosto, nos anos bissextos) mostra que, confrontando o quadriénio 2020-2023 (que engloba os anos da pandemia) com o quadriénio anterior (2016-2019), a taxa de mortalidade infantil até apresentou uma melhoria substancial (-23,3%), confirmando aliás a boa evolução deste indicador já salientada em notícia de Maio passado. Isto mesmo se 2022 e 2023 apresentam números mais elevados do que 2021, que foi ano atípico (no bom sentido).

    Ministério da Saúde anda desde Agosto de 2022 a dizer que estuda as causas do excesso de mortalidade, mas Manuel Pizarro até já culpou as alterações climáticas.

    No grupo dos 1 aos 4 anos, a redução é de 2,5%, embora os valores de 2022 e 2023 sejam mais elevados do que os dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021). Em todo o caso, este é, por norma, um grupo etário de baixíssima taxa de mortalidade, pelo que se pode concluir que a última década tem sido marcada pela estabilidade. O mesmo se pode dizer para o grupo dos 5 aos 14 anos, em que a variação entre os dois quadriénios é praticamente nula.

    Como a variação entre quadriénios no grupo etário dos 25 aos 34 anos também se mostra baixa (apenas 2,4%), sendo que os números de óbitos em 2022 e até de 2023 são superados por outros anos do período 2014-2019, mais se destaca assim, pela negativa, a situação da mortalidade dos adolescentes e jovens adultos dos 15 aos 24 anos.

    E ainda mais se se juntar, na comparação, o grupo etário dos 35 aos 44 anos, que claramente foi um grupo pouco ou nada afectado pela pandemia, quer pela covid-19, quer pela desregulação do Serviço Nacional de Saúde, quer mesmo por hipotéticos efeitos adversos das vacinas contra o SARS-CoV-2. Com efeito, sendo certo que nos anos anteriores à pandemia, entre 1 de Janeiro e 23 de Agosto, se contabilizam, neste grupo etário, mais de um milhar de óbitos, a partir de 2021 os valores passam a estar abaixo dessa fasquia. Os números deste ano (864 óbitos) são mesmo os mais baixos desde 2014.

    Número de óbitos por grupo etário e ano desde 2014 no período de 1 de Janeiro a 23 de Agosto (ou 22 de Agosto, em anos bissextos). Fonte: SICO /DGS. Análise: PÁGINA UM.

    Nos grupos imediatamente subsequentes, apesar de o quadriénio 2020-2023 apresentar valores acima do quadriénio anterior à pandemia (2016-2019), os dois últimos anos mostram uma tendência de regresso à normalidade. Nos diversos grupos etários entre os 55 e os 84 anos verifica-se mesmo uma contínua descida ano após ano, desde 2021, o pico da pandemia. Os valores de mortalidade do grupo etário dos 75 aos 84 anos desde o início do ano em curso (20.534 óbitos) até já se situa abaixo da generalidade dos anos entre 2014 e 2022.

    Este cenário geral, contudo, só agrava, por isso, a situação dos adolescentes e jovens dos 15 aos 24 anos. Mesmo se, no total, representam apenas 0,3% do total dos óbitos. Mas a morte dos jovens não são apenas mortes: são vidas que deixaram de ser vividas. E isso custa mais…

    Entretanto, recordemo-nos que em Agosto de 2022, o Ministério da Saúde anunciou um estudo para analisar e detectar as causas para o excesso de mortalidade. Ainda não deu “sinais de vida”, apesar de o ministro Manuel Pizarro se ter antecipadao e culpado já as alterações climáticas. Enquanto isto, o PÁGINA UM ainda aguarda os resultados de um recurso junto do Tribunal Central Administrativo Sul, através do seu FUNDO JURÍDICO, para aceder aos dados discriminados do SICO que, em poucos dias de análise, permitiria apurar as principais doenças ou afecções responsáveis por esses excessos.

  • JMJ: Peregrinos pagaram transporte, mas Ministério do Ambiente ainda deu 3,3 milhões de euros aos operadores

    JMJ: Peregrinos pagaram transporte, mas Ministério do Ambiente ainda deu 3,3 milhões de euros aos operadores

    No acto da inscrição para a Jornada Mundial da Juventude, houve 354 mil peregrinos que pagaram ao Patriarcado de Lisboa verbas que incluíam um kit de transporte, e quem preparou os seus próprios percursos pagou os bilhetes do seu bolso. Mas ninguém explica agora se o Patriarcado pagou algum serviço ou se antes encaixou as verbas nos seus cofres; e nem se sabe se os operadores suportaram algum custo adicional. Só se sabe, sim, que um simples despacho do ministro Duarte Cordeiro mandou o orçamento do Fundo Ambiental às malvas e determinou que se concedesse um subsídio à empresa intermunicipal TML de até 3,3 milhões de euros. Mas esta empresa pública, que sobrevive de subsídios à exploração e já apresenta indicadores que podem levar à sua dissolução em breve, também ainda não deu sinal de si sobre esta matéria. Nem ao próprio Ministério do Ambiente. O apoio estatal concedido é superior ao custo do polémico altar-palco.


    No âmbito da Jornada Mundial da Juventude, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, autorizou a transferência de 3,3 milhões de euros do Fundo Ambiental para a empresa pública TML – Transportes Metropolitanos de Lisboa, mas ninguém diz, em concreto, para que serviu nem qual a justificação.

    A TML é uma empresa pública, criada em 2021 no seio das 18 autarquias Área Metropolitana de Lisboa (AML), com atribuições no planeamento e gestão de bilhética, como o Cartão Viva, funções antes atribuídas à OTLIS. Apesar de no ano passado, primeiro em pleno funcionamento, ter alcançado a venda de 15,6 milhões de euros, mostra, desde já, uma situação completamente deficitária, não tendo registado prejuízos colossais apenas porque sobretudo a AML lhe injectou 20 milhões de euros de subsídios de exploração.

    Altar-palco foi palco de polémica e baixou de 4,2 milhões para 2,9 milhões de euros. Apoio do Fundo Ambiental para transportes, que foram pagos pelos peregrinos, foi superior.

    O montante máximo a atribuir (3,3 milhões de euros) pelo Ministério do Ambiente decorre de um despacho de Duarte Cordeiro, publicado no final de Julho, que decidiu usar as verbas do Fundo Ambiental para, “mediante protocolo de colaboração técnica e financeira a celebrar” com a TML “para apoiar a aquisição de títulos de transporte público para os peregrinos que participam na Jornada Mundial da Juventude 2023”.

    A atribuição da verba do Fundo Ambiental – um milionário fundo com receitas previstas este ano de 1,2 mil milhões, metade dos quais dos leilões das licenças de emissões de dióxido de carbono (CELE) – foi feito à margem do orçamento de 2023 aprovado pelo próprio Duarte Cordeiro em Março deste ano, que determinava que o destino das verbas só poderia ser revisto “caso a execução orçamental da receita apresente variações significativas face às receitas previstas ou perante eventuais alterações significativas à execução orçamental de compromissos assumidos.”

    Porém, Duarte Cordeiro invocou uma cláusula de excepção do diploma que criou o Fundo Ambiental em 2016 que permite apoios pontuais por decisão do “membro do Governo responsável pela área do ambiente e da ação climática” quando se considerar que beneficia “a intervenções urgentes ou de especial relevância”. E o ministro do Ambiente assim fez, por considerar que se justificava
    “o apoio à disponibilização de títulos de transporte intermodais específicos para os peregrinos da JMJ, como forma de induzir e facilitar a opção de deslocações em transporte público, em detrimento de outras formas de mobilidade mais poluentes e penalizadoras do ambiente.”

    Duarte Cordeiro gere o Fundo Ambiental com um orçamento anual de 1,2 mil milhões de euros. Por simples despacho, pôde contrariar o orçamento do multimilionário fundo e atribuir 3,3 milhões de euros para apoiar uma empresa deficitária, sem justificação fundamentada.

    Porém, a justificação para esta operação de financiamento à TML não encaixa na realidade, porque os peregrinos que se inscreveram na Jornada Mundial da Juventude tiveram de pagar o transporte, que estava incluído explicitamente como contrapartida. Recorde-se que nos Pacotes Peregrinos, a Fundação JMJ Lisboa 2023 – criada pelo Patriarcado de Lisboa para a organização do evento que contou com a presença do Papa Francisco – estabeleceu diferentes valores de inscrições, desde os 95 até aos 255 euros, todos incluindo kits de transporte.

    Pressupondo que uma parte das avultadas receitas do Patriarcado de Lisboa pelas cerca de 354 mil inscrições de peregrinos se destinaria, em princípio, para também custear passes de transportes, o PÁGINA UM questionou por duas vezes a Fundação JMJ para saber se houve algum pagamento de serviços, ou algum desconto pelos passes durante a Jornada Mundial da Juventude, quer à TML quer a outro qualquer operador, como a Carris e Metropolitano de Lisboa. Porém, do Patriarcado de Lisboa só veio silêncio – e, por agora, só Deus saberá a resposta…

    Ou também a administração da TML – mas esta também não respondeu aos pedidos de informação do PÁGINA UM sobre o protocolo de colaboração técnica e financeiro previsto, nem deu explicações para o recebimento do apoio do Fundo Ambiental sabendo-se que, em princípio, os peregrinos pagaram o transporte no acto da sua inscrição.

    Houve 354 mil peregrinos que pagaram inscrição, que incluía kit de transporte. Os restantes tiveram que pagar bilhete nos transportes. TML não explica se recebeu dinheiro do Patriarcado de Lisboa ou se teve suportar algum custo que não teve retorno financeiro positivo.

    Apenas o Ministério do Ambiente, através do gabinete de imprensa de Duarte Cordeiro reagiu, embora ao estilo de Pôncio Pilatos, dizendo que aguardam que a “TML comunique o número de títulos usados para poder contabilizar o montante do Fundo Ambiental que será efetivamente necessário mobilizar, nos termos referido no despacho”, acrescentando, porém, que “o valor que a TML receberá será repartido pelos operadores da área metropolitana de Lisboa que aderiram, consoante o número de validações”, incluindo “a Carris e o Metropolitano de Lisboa”.  

    Na nota enviada pelo Ministério do Ambiente ao PÁGINA UM não surge qualquer referência sobre a noticiada comparticipação de 40% por parte do Governo aos passes dos peregrinos, através de um suposto acordo com a Fundação JMJ.

    Em suma, cerca de um mês após o despacho governamental, ignora-se se o dinheiro recebido dos peregrinos pela Fundação JMJ acabaram no bolso da Patriarcado de Lisboa, e se os 3,3 milhões de euros não são mais um dos contínuo subsídios à exploração de uma empresa pública, nascida há apenas dois anos, que já está deficitária.

    A TML gere, entre outros títulos, o passe Navegante dos transportes públicos da Área Metropolitana de Lisboa. No ano passado, as receitas de prestação de serviços só cobriram 44% dos custos. Resultado: sobrevive de subsídios de exploração para pagar sobretudo contratos externos e salários de 72 funcionários.

    De facto, mostra-se surpreendente constatar, através do relatório e contas de 2022, que a TML, para obter no ano passado vendas de 15,6 milhões de euros, teve de contratar serviços externos no valor de quase 31,4 milhões de euros – sendo 27,7 milhões em subcontratos –, além de arcar gastos com pessoal da ordem dos 3 milhões de euros. Em média, o salário bruto dos 72 empregados aproxima-se dos 3.000 euros mensais. E os três administradores custaram ao erário público, em dois anos (2021 e 2022) quase 456 mil euros.  

    No recente relatório e contas, a administração da TML até já alerta para o incumprimento de indicadores estabelecidos por um diploma de 2012 relativo à actividade empresarial de municípios. Essa legislação obriga que as empresas municipais sejam extintas se, por exemplo, as vendas e prestações de serviços realizados durante os últimos três anos não cubram, pelo menos, 50% dos gastos totais dos respetivos exercícios, ou se o resultado líquido for negativo durante três anos. A continuar esta situação financeira, se os municípios retirarem parte dos subsídios à exploração, os prejuízos contabilísticos disparam.

  • Dona do DN e JN corrige dados na ERC mas continua a esconder dívida ao Estado de 10 milhões de euros

    Dona do DN e JN corrige dados na ERC mas continua a esconder dívida ao Estado de 10 milhões de euros

    É um jogo do rato e do gato. O grupo Global Media, liderado por Marco Galinha, que detém o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias, corrigiu os dados económicos que omitira no Portal da Transparência dos Media, mas continua a esconder dívidas de 10 milhões de euros ao Estado. Mas os novos indicadores mostram que a situação financeira é mesmo extremamente frágil. A “confissão” (parcial) da Global Media junta-se à da Trust in News, que acabou por assumir, depois de uma investigação do PÁGINA UM, que deve mesmo 11,4 milhões de euros ao Fisco. Nada que apoquente o dono da Visão e de outros 16 títulos da imprensa nacional: o empresário Luís Delgado (que só empatou 10 mil euros na Trust in News) está, neste momento, na Ucrânia a convite de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma liberalidade presidencial justificada, certamente, pelos bons serviços.


    É mais uma prova da falta de vigilância e fiscalização preventiva da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC): nas últimas duas semanas, a Global Media é o segundo grupo de media, depois da Trust in News – dona da Visão e de mais 16 títulos –, a corrigir dados económicos no Portal da Transparência dos Media. Porém, o grupo liderado por Marco Galinha – que detém o Jornal de Notícias, Diário de Notícias e outros órgãos de comunicação social, incluindo a rádio TSF – continua a querer esconder a existência de uma colossal dívida de 10 milhões de euros ao Estado, perante o cúmplice silêncio de Fernando Medina, ministro das Finanças, que se mantém em silêncio sem explicar a base legal para esta situação.

    Pela consulta ao Portal da Transparência dos Media, feita hoje pelo PÁGINA UM, mostra-se evidente que houve acrescentos relevantes. A Global Media assume agora, perante a ERC, que 21,15% do seu passivo é detido pela empresa Páginas Civilizadas – uma das suas sócias. Em termos absolutos, esse passivo representa um montante de 11,6 milhões de euros de dívidas da empresa aos seus sócios. Como a parte dos empréstimos dos sócios no passivo total atingia, no final de 2022, um montante de 14,7 milhões, significa que 3,1 milhões de euros é relativo a sócios não identificados. Como o Portal da Transparência apenas exige que sejam identificados os detentores do passivo acima de 10%, a Global Media está isenta de fazer essa declaração.

    Marco Galinha, líder da Global Media, continua sem assumir dívida ao Estado, bem patente no balanço, mas novos dados indicados ao regulador mostram uma muito débil situação económica e financeira.

    Mas como o grupo de Marco Galinha não corrigiu ainda as declarações de 2021 – que, claramente não correspondem à verdade, se confrontados com as demonstrações financeiras desse ano – continua-se sem saber quais dos sócios teve direito a uma devolução de empréstimo da ordem dos 7 milhões de euros. Recorde-se que, como revelou o PÁGINA UM no dia 4 do presente mês, a Global Media aumentou no ano passado a dívida ao Estado em mais de 7,1 milhões de euros face a 2021, desviando esse dinheiro, que se deveria destinar aos cofres públicos, para reembolsar empréstimos aos seus sócios, entre os quais se encontra o empresário Marco Galinha.

    De acordo com a análise à evolução financeira deste grupo de media – que estará, entretanto, a tentar vender as participações de 45,7% da Agência Lusa, detida maioritariamente (50,4% pelo Estado) –, a dívida estatal aumentou de 2.905.183 euros em 2021 para 10.038.481 euros no ano passado. Em anos anteriores, entre 2017 e 2021, o montante das dívidas ao Estado situava-se entre os 2,9 milhões e os 3,6 milhões de euros.

    Ora, e é exactamente o montante de 10.038.481 euros de dívidas ao Estado inscrito do passivo de balanço de 2022 – que deverão ser inteiramente fiscais – que continuam sem ser reconhecidas pela Global Media, mantendo-se ausente no Portal da Transparência dos Media. Como o passivo total do grupo atingia, no final do ano passado, os 54.529.482 euros, as dívidas ao Estado atingirão 18,29% do total, ou seja, claramente acima dos 10%. Por isso, se forem apenas dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira – ou se o montante especificamente a esta entidade for superior a 5,5 milhões de euros –, a Global Media continua a omitir um facto relevante.

    Declarações da Global Media no Portal da Transparência dos Media relativas ao ano de 2022 no início deste mês (à esquerda), antes das revelações do PÁGINA UM, e hoje (à direita).

    Além do empréstimo à Páginas Civilizadas, a Global Media inscreveu agora também no Portal da Transparência uma dívida à Naveprinter que atingiria no ano passado os 7,1 milhões de euros, correspondentes a 12,99% do passivo. Esta empresa é a gráfica que imprime o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo, Vida Económica, Correio do Minho e outros títulos de âmbito regional – e, na verdade, é detida pela própria Global Media. Esta nova informação reforça ainda mais a ideia de elevada debilidade financeira do grupo de Marco Galinha, porque em contas consolidadas o activo reduz-se ainda mais.

    De facto, os activos da Global Media estão a ser “suportados” por uma dúvida ao Estado de 10 milhões de euros, por empréstimos de sócios de 14,7 milhões e por uma dívida a uma gráfica do grupo de 7,1 milhões de euros. Ora, isso representa um pouco mais de metade dos 60,5 milhões de euros de activo do grupo, dos quais 30 milhões são goodwill – que não é, propriamente, em empresas de media, um activo contabilizado a preço justo.

    Tanto sobre este caso da Global Media como sobre a situação similar da Trust in News – que, após as revelações do PÁGINA UM, acabou por assumir as dívidas fiscais no Portal da Transparência no valor de 11,4 milhões de euros –, a ERC disse ontem ao PÁGINA UM que, “anualmente, procede à verificação da informação comunicada em cumprimento do regime jurídico da transparência”, mas que “por motivos operativos, esta verificação é iniciada findos os prazos legais para a transmissão dos fluxos financeiros anuais, a 30 de junho, e numa base de amostragem.”

    Luís Delgado assumiu que a sua empresa de 10 mil euros de capital social tem uma dívida ao Fisco de 11,4 milhões de euros. Semanas depois recebeu um convite de Marcelo Rebelo de Sousa para acompanhar a restrita comitiva presidencial à Ucrânia como empresário dos media de sucesso.

    O regulador acrescenta ainda “que a inserção da informação correta e fidedigna é da responsabilidade de cada regulado e a ausência ou incorreção na comunicação são passíveis de responsabilidade contraordenacional”, pelo que “todos os casos desconformes detetados pela ERC são naturalmente objeto de averiguação, respeitando os procedimentos legais”. Ou seja, embora não revele taxativamente, deverá já estar a decorrer processos de contra-ordenação por falsas declarações dos grupos de Marco Galinha e de Luís Delgado.

    Nada, porém, que previsivelmente modifique o status quo de impunidade dos media mainstream em Portugal. Por exemplo, Luís Delgado – o empresário que com um capital social de 10 mil euros consegue serenamente atingir 11,4 milhões de euros de dívida fiscal – até integra a restrita comitiva presidencial à Ucrânia, a convite pessoal de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma liberalidade presidencial certamente com justificação.

  • Cidade Europeia do Vinho: autarcas do Douro gastam 316 mil euros em copos

    Cidade Europeia do Vinho: autarcas do Douro gastam 316 mil euros em copos

    Não se sabe quantas garrafas foram ou serão necessárias abrir, e quanto vinho será entornado, mas certo é que a Comunidade Intermunicipal do Douro não teve problemas em despachar a compra de 316 mil euros a uma empresa unipessoal da região para o fornecimento de dezenas de milhar de copos para promover a região. Um dos dois contratos define o número preciso de copos de duas qualidades, de dois estilos: 66 mil. Os copos de melhor qualidade custam por unidade, no mercado, mais de sete euros. Mas estes são apenas dois dos 42 contratos já assinados pelos autarcas do Douro para promover os vinhos desta região, que envolvem mais de 2,6 milhões de euros. Mas é pouco provável que haja escândalo na imprensa mainstream por causa disto: CMTV, SIC e TVI estão entre os beneficiários destes contratos públicos.


    Foi tudo para copos. E nem sequer estamos a falar no custo do vinho. A Comunidade Intermunicipal do Douro (CIMDOURO) – uma associação de 19 municípios criada em 2009, e abrangida pelo direito público – já gastou quase 316 mil euros na aquisição de copos para eventos da Cidade Europeia do Vinho. O mais recente contrato, colocado hoje no Portal Base, foi assinado em Julho, havendo um outro em Abril.

    O Douro foi escolhido no ano passado pela Rede Europeia das Cidades do Vinho (RECEVIN) – derrotando as candidaturas, também lusitanas, do Algarve e Vale do Lima –, e as iniciativas começaram há sete meses, prevendo-se o culminar das festividades em 13 de Janeiro do próximo ano.

    Photo of Person Pouring Wine into Glass besides Some Cheese Pairings

    Do primeiro contrato dos copos não existem muitas referências, apenas constando que incide sobre “aquisição de bens/serviço para a “MERCHANDISING – COPOS DE VINHO – DOURO CIDADE EUROPEIA DO VINHO 2023” (sic). O valor do contrato, entregue à empresa unipessoal Amadeu Araújo por consulta prévia – embora o Portal Base não identifique as outras empresas convidadas – foi de 85.755,60 euros, IVA incluído, estando omitida a quantidade ou qualidade dos copos.

    Porém, no caso do segundo contrato existem já referências muito concretas. De acordo com esse contrato assinado em Julho, e hoje publicado no Portal Base, a associação municipal decidiu contratar também a empresa unipessoal Amadeu Araújo para fornecer no prazo de 100 dias, um total de 36 mil copos de acrílicos em tritan – cujo preço de mercado, em pequena quantidade, ronda os 5 euros – e mais 30 mil copos do tipo Riedel Degustazione Red Wine, que, também em pequenas quantidades pode atingir um preço unitário acima dos 7 euros. Há garrafas de vinho do Douro, de qualidade já bastante razoável, que custam isso ou pouco mais.

    Este contrato é o mais oneroso de todos os 43 contratos públicos detectados pelo PÁGINA UM já estabelecidos este ano pela CIMDOURO, liderada por Carlos Silva Santiago, presidente social-democrata da autarquia de Sernancelhe, para eventos no âmbito da Cidade Europeia do Vinho, em diversas localidades da região duriense. No total, a conta vai nos 2.146.829 euros sobretudo em acções de promoção e festividades, que incluem pagamentos de concertos a artistas (Pedro Abrunhosa, Ana Bacalhau, Miguel Araújo e António Zambujo) e contratos com estações de televisão. Sem IVA. Com IVA a conta segue acima dos 2,6 milhões de euros.

    Carlos Silva Santiago, presidente da autarquia de Sernancelhe e da Comunidade Intermunicipal do Douro, de copo na mão, durante a gala de abertura da Cidade Europeia do Vinho em Fevereiro.

    Apesar da decisão de entregar a organização da Cidade Europeia do Vinho para 2022 ter sido decidida em Bruxelas em Junho do ano passado, apenas um dos 42 contratos já assinados pela CIMDOURO foi por concurso público, curiosamente o da aquisição dos 66 mil copos. Porém, foi um concurso público muito sui generis, porque o anúncio foi publicado em 12 de Junho deste ano e somente havia seis dias para apresentação de propostas. Resultado: só houve um concorrente, a Amadeu Araújo Unipessoal.

    Esta empresa de Amadeu Araújo tem sede fiscal em Santa Marta de Penaguião, mas o seu proprietário exerce actividade em toda a região duriense, com 19 contratos públicos no valor total de quase 475 mil euros, grande parte dos quais a autarquia e entidades públicas de Peso da Régua, entre as quais a Santa Casa da Misericórdia. Segundo pesquisa do PÁGINA UM, Amadeu Araújo é suplente do Conselho Fiscal dessa Santa Casa, além de ser vogal da Associação Comercial e Industrial dos Concelhos do Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião e Mesão Frio (ACIR). Também foi entre 2013 e 2016 vogal da A2000 – uma associação de desenvolvimento local de direito público –, com quem a sua empresa estabeleceu dois contratos.

    Além dos 316 mil euros em copos, a CIMDOURO não teve grandes problemas em gastar mais de 183 mil euros (IVAS incluídos) em divulgação do eventos em caixas multibanco, em dois contratos por ajuste directo com a MOL 2. A sociedade Quinta da Pacheca, em Lamego, que possui também um hotel, também não se deu mal: em dois contratos de catering para dois eventos amealhou quase 98 mil euros.

    black and red round fruits on green leaves during daytime

    Também os principais órgãos de comunicação social participaram na festa – e na distribuição de dinheiros públicos. Excluindo IVA, a Cofina recebeu 40.000 euros pela transmissão televisiva pela CMTV da gala de abertura da Cidade Europeia do Vinho no passado dia 4 de Fevereiro.

    Em contrato assinado em 3 de Maio, a SIC assinou um contrato de 61.483 euros para promoção, sem que seja estipulado de que género, tanto mais que o caderno de encargos não se encontra no Portal Base. O contrato foi assinado após consulta prévia, tendo a TVI como perdedora, mas a televisão da Media Capital não ficou a chuchar no dedo, porque em janeiro assinara um outro contrato similar, embora num valor mais reduzido: 34.224 euros.

    Por sua vez, a Porto Canal, através da sociedade Avenida dos Aliados, presidente por Jorge Nuno Pinto da Costa, amealhou verbas para promover a Cidade Europeia do Vinho, encaixando  41.600 euros. O jornal regional Viva Douro recebeu 19.750 euros para os mesmos efeitos.

    people tossing their clear wine glasses

    Apesar de o contrato dos copos ser, até agora, o mais dispendioso, a análise dos contratos feita pelo PÁGINA UM mostram que o evento da gala de abertura, realizada em Lamego, teve também um custo elevado, rondando os 280 mil euros.

    Este montante inclui, além dos custos de transmissão televisão e de produção, os cachets de Ana Bacalhau e Pedro Abrunhosa (19.040 euros, no conjunto), Miguel Araújo (12.500 euros), António Zambujo (10.350 euros) e Ópera da Academia e da Cidade (10.000 euros).  


    Lista dos contratos assinados pela Comunidade Intermunicipal do Douro no âmbito da Cidade Europeia do Vinho (excluindo IVA)

    1 – Aquisição de copos – Merchandising – Cidade Europeia do Vinho (Concurso público) – Amadeu Araújo Unipessoal – 187.140 euros

    2 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Outdoors Autoestradas (Consulta prévia) – Dreammedia Portugal – 74.996 euros

    3 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aluguer de estrutura móvel para eventos (Consulta prévia) – Multitendas – 74.750 euros

    4 – Douro Wine RoadShow – Aquisição de atrelado caixa fechada expansível – Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Raceland – 74.643 euros


    5 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Redes de multibanco (Ajuste Directo Regime Geral) – MOL 2- Multimédia Outdoor Online – 74.550 euros

    6 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Redes de multibanco – Fase II (Ajuste directo regime geral) – MOL 2 – Multimédia Outdoor Online – 74.532,45 euros

    7 – Merchandising – T-Shirt Oficial – Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Primine – 74.000 euros

    8 – Estrutura, som e audiovisuais da gala de abertura da Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Fun Addict – 72.500 euros

    9 – Gestão e coordenação – Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Plataforma Coerente – 72.500 euros

    10 – Merchandising – Copos de vinho – Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – Amadeu Araújo Unipessoal – 69.720 euros

    11 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Serviços de catering comemorativo Cidade Europeia do Vinho – I (Consulta prévia) – Quinta da Pacheca – 65.467 euros

    12 – Promoção da Cidade Europeia do Vinho 2023 – Rádios nacionais (Consulta prévia) – Intervoz Publicidade – 65.000 euros

    13 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Televisão generalista (Consulta prévia) – SIC-Sociedade Independente de Comunicação – 61.482,78 euros

    14 – Produção de conteúdos digitais da Cidade Europeia do Vinho 2023 – Fotografia e Vídeo (Consulta prévia) – I Love Douro – 59.800 euros

    15 – Produção do espectáculo da gala de abertura da Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta prévia) – PLW – Artes do Espetáculo e Turismo – 56.500 euros

    16 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aquisição de serviços de pirotecnia (Consulta prévia) – Pirotecnia Minhota – 55.000 euros

    17 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aluguer de material para eventos – Mesas e cadeiras (Consulta prévia) – Jet Stand – 54.820 euros

    18 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aluguer de bancadas para eventos (Consulta prévia) – Hélio Coelho – Organização de Eventos – 47.717 euros

    19 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Televisão por cabo (Consulta Prévia) – Avenida dos Aliados – 41.600 euros

    20 – Transmissão televisiva da gala de abertura Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 (Consulta Prévia) – Cofina Media – 40.000 euros

    21 – Promoção do evento Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 – Desenvolvimento de uma campanha promocional televisiva (Consulta prévia) – TVI – Televisão Independente – 35.224 euros

    22 – Execução da Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Peacock Smartbusiness Services – 19.950 euros

    23 – Aquisição de serviços de promoção da Cidade Europeia do Vinho 2023 – Jornal regional Viva Douro (Ajuste directo regime geral) – Vivacidade Sociedade de Comunicação Social – 19.750 euros

    24 – Concerto de Música – Ana Bacalhau e Pedro Abrunhosa – Gala de abertura Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Sons em Trânsito Espectáculos Culturais – 19.040 euros

    25 – Aquisição de serviços para desenvolvimento de branding e APP – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Twoplay – 19.000 euros

    26 – Aquisição de merchandising – Brindes para Passeio Mota Douro – Douro Cidade Europeia do Vinho 2023 (Ajuste directo regime geral) – Álvaro Augusto Ramos Fonseca – Pulibrindes – 18.176,4 euros

    27 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aquisição de serviços de aluguer de som e luz (Ajuste directo regime geral) – Braga Eventos – 17.635 euros

    28 – Douro Wine RoadShow – Exposição Douro – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Fundação Museu do Douro – 17.500 euros

    29 – Promoção do evento – Pórticos – Cidade Europeia do Vinho 2023 (Ajuste directo regime geral) – Factory Play – 16.355 euros

    30 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Serviço de aluguer de barco – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Tomaz Douro – Empreendimentos Turísticos – 15.305,28 euros

    31 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Serviços de catering comemorativo Cidade Europeia do Vinho – II (Ajuste directo regime geral) – Quinta da Pacheca – 14.000 euros

    32 – Organização, coordenação e execução – DCEV – Aquisição de serviços de segurança privada (Ajuste directo regime geral) – 3XL Segurança Privada – 13.704 euros

    33 – Douro Wine RoadShow – Aluguer de viatura/carrinha curta e média duração – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Vitoria & Pereira Rent-a-Car – 13.200 euros

    34 – Concerto de música – Miguel Araújo – Gala de abertura Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Primeira Linha – 12.500 euros

    35 – Douro Wine RoadShow – Cidade Europeia do Vinho 2023 – Alojamento e viagens – National Geographic Food Festival (Ajuste directo regime geral) – Realvitur Viagens e Turismo – 11.616,6 euros

    36 – Douro Wine RoadShow – Cidade Europeia do Vinho – Chefs de cozinha – National Geographic Food Festival (Ajuste directo regime geral) – António Luís Gomes Gonçalves – 11.500 euros

    37 – Conceção e aquisição de materiais gráficos Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Hermínio Manuel Lopes – 11.265 euros

    38 – Concerto de música – António Zambujo – Gala de abertura Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Brain Entertainment – 10.350 euros

    39 – Concerto de música – Orquestra – Gala de abertura Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Ópera da Academia e da Cidade – Associação Cultural – 10.000 euros

    40 – Douro Wine RoadShow – Cidade Europeia do Vinho 2023 – Transporte de stand e bens alimentares regionais – National Geographic Food Festival (Ajuste directo regime geral) – Totalplan – 9.500 euros

    41 – Douro Wine RoadShow – Aquisição de tenda – Cidade Europeia do Vinho (Ajuste directo regime geral) – Factory Play – 9.160 euros

    42 – Palco, luz e som para o Encontro de Cantadores de Janeiras no âmbito da Cidade Europeia do Vinho 2023 (Ajuste directo regime geral) – Simbólico Aplauso – 5.540 euros

  • Comunicação da Direcção Executiva do SNS feita por empresa que conta sete farmacêuticas como clientes

    Comunicação da Direcção Executiva do SNS feita por empresa que conta sete farmacêuticas como clientes

    No mundo da política e da comunicação, LPM e Luís Paixão Martins são sinónimos, mesmo se formalmente este consultor já abandonou a chefia de uma das mais influentes empresas do sector, muito por força da sua ligação ao Partido Socialista. Mas embora a presença de LPM continue perene nos meandros governamentais, sendo exemplo a ligação com a Presidência do Conselho de Ministros, os contratos públicos reforçam sobretudo o portfolio, até porque a sua facturação é quase toda do mundo privado. O seu mais recente trunfo é a definição e implementação da estratégia de comunicação da todo-poderosa Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, cujo contrato foi publicado no Portal Base na semana passada. Claro que se as chinese walls funcionarem, nenhum dos 17 clientes da LPM na área da Saúde, entre as quais constam sete farmacêuticas, beneficiarão desta ligação com a nova entidade estatal presidida por Fernando Araújo…


    A LPM Comunicação – a empresa fundada por Luís Paixão Martins, consultor de marketing político do Partido Socialista, e há vários anos administrada pelo seu filho João – ganhou o concurso para prestação de serviços de assessoria de imprensa da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), enquanto mantém, no seu portfólio de clientes privados, sete farmacêuticas e mais uma dezena de empresas e entidades do sector da saúde, entre as quais um hospital privado, uma empresa de homeopatia, três sociedades médicas, uma empresa e uma associação de empresas de diagnóstico médico, uma fundação e duas instituições não governamentais.

    O contrato foi assinado em Maio, mas apenas divulgado na semana passada no Portal Base, e surge no decurso de um concurso público, envolvendo mais duas empresas (Creative Minds e KICAB), para assessorar a equipa de Fernando Araújo a instalar uma estrutura. Na prática, a DE-SNS vai centralizar algumas das funções políticas e administrativas que estavam dispersas pelo próprio Governo e por duas entidades públicas: a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).

    Luís Paixão Martins, fundador da LPM e pai do actual administrador único da empresa que vai gerir a comunicação da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde. (DR)

    No entanto, apesar da ideia da criação da DE-SNS ter saído de um Conselho de Ministros do início de Setembro do ano passado, os alicerces têm estado a avançar a conta-gotas, sem ainda sequer estarem aprovados os estatutos. Por exemplo, a partir de ontem, por Resolução do Conselho de Ministros, a DE-SNS passou a ser a entidade que formalmente passa a designar, por despacho, os membros dos órgãos de gestão de hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e unidades locais de saúde.

    No entanto, essa função até já ocorria na prática nos últimos meses, desde que Fernando Araújo, antigo administrador do Centro Hospitalar de São João, foi escolhido por Manuel Pizarro, ministro da Saúde. Por exemplo, a antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, foi já indicada pela DE-SNS para o cargo de presidente do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que abrange o Hospital de Santa Maria. Recorde-se que Ana Paula Martins era então directora dos assuntos governamentais da farmacêutica Gilead e ocupara, durante alguns meses, o cargo de vice-presidente do PSD no final de mandato de Rui Rio.

    As funções de grande sensibilidade política e social previstas para a DE-SNS – para além da gestão, supervisão e monitorização das unidades do SNS, definirá diretrizes, normas e orientações, com implicações nos fornecedores, utentes e empresas privadas – parecem não ter sido consideradas na escolha da empresa de por onde passará a estratégia de comunicação e de assessoria de imprensa.

    Fernando Araújo, director executivo do Serviço Nacional de Saúde, à esquerda de Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, a LPM identifica como seus clientes, apenas no sector da Saúde, sete farmacêuticas – AbbVie, Bluepharma, Daiichi-Sankyo, Gedeon Richter, GlaxoSmithKline, Novartis e Viatris –, uma empresa de homeopatia (Boiron), duas entidades na área do diagnóstico – a empresa Hologic e a Associação Portuguesa das Empresas de Diagnósticos Médicos (Apormed) –, uma empresa hospitalar privada (Lusíadas), uma fundação associada a uma farmacêutica (Fundação Bial), duas organizações não-governamentais sem fins lucrativos (Liga Portuguesa contra o Cancro e a União das Associações das Doenças Raras de Portugal) e ainda três sociedades médicas (Sociedade Portuguesa de Senologia, Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia e Sociedade Portuguesa de Cardiologia). Esta última sociedade médica é aquela que mais financiamento obtém do sector farmacêutico desde 2017, enquanto a penúltima se encontra no top 10.

    Contudo, apesar disso, nos critérios de avaliação das candidaturas, cujo processo acabou por ser instruído pelos SPMS, não houve qualquer critério de índole ético que pudesse excluir candidatos que tivessem conflitos de interesse por deterem relações comerciais com entidades privadas do sector da saúde ou com alguma que estivesse sob a supervisão directa ou indirecta da DE-SNS.

    Lista dos 17 clientes do sector da Saúde detidos pela LPM. Falta a actualização para incluir a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde.

    Pelo contrário. Além do preço (com um peso de 30%), a “experiência na Área da Assessoria de Imprensa no Setor da Saúde” era um dos critérios explícitos de avaliação qualitativa das propostas, com um peso de 35%.

    Ou seja, não houve qualquer cláusula que obrigasse a uma exclusividade, para garantir independência e evitar transmissão de informação privilegiada entre a DE-SNS e clientes da empresa de comunicação vencedora.

    Deste modo, a LPM até acabou fortemente beneficiada por possuir contas de 17 clientes na área da Saúde, incluindo as sete farmacêuticas e até um hospital privado.

    Em todo o caso, este “problema” seria similar se a escolhida fosse a Creative Minds, que no seu site expõe os seus 28 clientes no sector da Saúde, embora sem incluir tantas empresas de grande dimensão. Com efeito, no meio de pequenas e médias empresas, destaca-se apenas, no sector farmacêutico, a portuguesa Medinfar.

    Pelo caminho, neste concurso, ficou a Kicab, a empresa pertencente a Rui Neves Moreira, que foi assessor de imprensa no Hospital de São João, tendo sido escolhido por Fernando Araújo para o assessorar nas primeiras fases de instalação da DE-SNS. Esse contrato, com a duração formal de 9.000 euros por apenas 25 dias de trabalho, levantou celeuma no início deste ano, por envolver um custo de 360 euros por dia.

    Saliente-se, contudo, que no contrato agora em vigor com a LPM, o valor nem é elevado para os padrões do mercado. O preço do contrato – 22.380 euros (sem IVA), perfazendo cerca de 2.800 euros por mês, durante os oito meses de duração – até ficou ligeiramente abaixo do preço base, que era de 23.600 euros, o que denota o interesse na aquisição deste cliente público. Na verdade, por exemplo, comparando o montante deste contrato com o volume de negócios da LPM em 2021 – as contas relativas ao ano passado ainda não se encontram disponíveis –, estamos perante uma gota de água.

    Com efeito, embora conhecida por ser uma empresa de comunicação próxima do poder, o Estado e a Administração Central e Local nem são assim tão bons clientes em termos de facturação. Em 2021, as receitas da LPM totalizaram 5.976.574 euros, e os seis contratos públicos nesse período (Região de Turismo do Algarve, Direcção-Geral do Património Cultural, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género e Câmara Municipal de Almada, com dois) ascenderam aos 153.770 euros. Ou seja, o sector privado representou 97,4% da facturação da LPM.

    Porém, no mundo da comunicação empresarial, ter uma porta de passagem para o poder mostra-se fundamental. E assim, mais importante do que uma verba num contrato público, ostentar na carteira um organismo estatal com o quilate da DE-SNS vale ouro.

    Mesmo quando existe em contrato uma “cláusula de direitos sobre a informação”, que estipula que a LPM não pode usar nem ceder a terceiros a informação da DE-SNS sem autorização prévia. E mesmo que as empresas de comunicação jurem, a pés juntos, que usam (ou colocam em práticas) as chinese walls, quase sempre mais míticas do que verídicas.