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  • Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Fundada como empresa unipessoal em 2013, a Unbabel é uma das parceiras do projecto do ‘ChatGPT’ português, mas a casa-mãe, a Unbabel Inc, é norte-americana e é uma incógnita. Nos últimos anos, a empresa contou com o financiamento de seis projectos agraciados com fundos europeus, num total de perto de 21 milhões de euros. Além disso, tem realizado rondas de financiamento junto de empresas de capital de risco e investidores, com a última ronda a superar os 20 milhões de euros. Mas, apesar dos sonhos altos e da imagem ‘hi-tech’ a ‘portuguesa’ Unbabel tem apenas um capital social de 108 euros e, apesar de todo conhecimento em inteligência artificial, as últimas contas que divulgou foram as do ano de… 2022.


    De Samora Correia para o Mundo. A Unbabel, parceira ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ português que deverá nascer em 2025, foi fundada por sócios portugueses. Hoje, a casa-mãe tem sede em São Francisco e a empresa tem escritórios em oito cidades, incluindo em Lisboa, Londres e Israel. Mas, apesar de trabalhar na área da inteligência artificial (IA), a ‘portuguesa’ Unbabel tem um capital social de apenas 108 euros e as últimas contas anuais conhecidas são as do ano de 2022.

    O reduzido montante de capital social não a impediu de ‘ganhar asas’ e angariar perto de 21 milhões de euros em fundos europeus tanto através da participação em cinco projectos no programa Portugal 2020 e um projecto contemplado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Neste último financiamento, a Unbabel Unipessoal obteve 18,5 milhões de euros, dos quais 9,9 milhões de euros já entraram em ‘caixa’, para liderar a fundação do Centro para a AI Responsável, um projecto iniciado em 2021 e que tem data prevista de conclusão de Dezembro de 2025, englobando a criação da “próxima geração de produtos de IA”.

    A empresa é uma das principais protagonistas do projecto anunciado no mês passado, pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, que visa criar um grande modelo de linguagem (LLM, na sigla inglesa) em português ‘de Portugal’. O ‘AMÁLIA’, ou ‘Assistente Multimodal Automático de Linguagem com Inteligência Artificial’, é a primeira iniciativa divulgada no âmbito da ‘Agenda Nacional de Inteligência Artificial’ que será apresentada pelo governo no primeiro trimestre de 2025.

    Segundo o governo, o AMÁLIA “tem previsto um investimento de 5,5 milhões de euros e um calendário de trabalho e desenvolvimento de 18 meses, do qual resultará uma primeira versão multimodal” do projecto. Mas, a este valor “acresce o vasto investimento já realizado em infraestrutura de computação, projetos de desenvolvimento e recursos humanos especializados que contribuirão em grande medida para o desenvolvimento do LLM. Aqui está inserido o investimento no LLM GlorIA e também em infraestrutura de computação de alta-performance do Deucalion e Mare Nostrum 5, supercomputadores instalados, respectivamente, na Universidade do Minho e em Barcelona.

    Mas o AMÁLIA vai assentar num alicerce já existente: o Tower LLM, da Unbabel, idealizado para tarefas de tradução. Parte ‘dos tijolos’ para construir o ‘ChatGPT’ português virá de dados da Fundação Científica de Cálculo Nacional (FCCN). Paulo Dimas, vice-presidente de Inovação da Unbabel e CEO do Centro para IA Responsável, disse ao Eco que, além da Unbabel, está envolvida no AMÁLIA uma equipa de investigação da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova, liderada pelo professor João Magalhães, além da equipa de investigação no Instituto Superior Técnico (IST), liderada pelo professor André Martins, que é também vice-presidente do departamento de pesquisa de IA na Unbabel.

    Vasco Pedro, co-fundador e presidente-executivo da Unbabel é uma presença assídua nas edições da Web Summit. / Foto: D.R.

    A Unbabel é, assim, uma peça central no futuro LLM em português. Mas esta é apenas uma das facetas da empresa que já opera desde 2013 e, através de fusões e aquisições já está presente em diversos mercados. Hoje, disponibiliza serviços de tradução em mais de 30 línguas diferentes. A empresa emprega 328 trabalhadores e tem seis vagas abertas para diversas funções, segundo o seu site. A Unibabel Unipessoal tem a sua sede em Lisboa, na Rua Castilho 52. Mas a empresa está também presente em mais sete localizações: São Francisco (sede da casa-mãe, Unibabel Inc.), Londres, Edinburgo, Telavive, Cebu e Timisoara.

    A empresa nasceu como uma sociedade por quotas tendo como sócios fundadores o actual presidente-executivo, Vasco Pedro, e João Graça, Sofia Pessanha, Hugo Vieira da Silva e Hugo Prezado da Silva. Em 2023, integrou a empresa israelita Bablic, que foi fundada em 2011, bem como a alemã EVS Translations, criada em 1991. Antes, em 2021, tinha integrado a britânica Lingo24, com sede em Edinburgo, fundada em 2001.

    No final do ano passado, a empresa anunciou um aumento de capital de dois euros subscrito em dinheiro pelas “novas sócias Ged Tech Seed, Fundo de Capital de Risco Fechado e Ged Tech Growth, Fundo de Capital de Risco Fechado”, geridos pela Ged Ventures Portugal, Sociedade Capital de Risco, com sede em Lisboa. Após esta operação passou a ter um capital social de 108 euros, dos quais 101 euros são detidos pela Unbabel Inc., com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que como sociedade anónima não está obrigada a revelar os seus accionistas..

    Os restantes sócios da Unbabel ‘lusitana’, com uma quota simbólica de um euro cada, são os fundos de capital de risco Explorer Growth Fund II, III,IV, e V, geridos pela Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa;  e o Indico Opportunity Fund I – Fundo de Capital de Risco, gerido pela Indico Capital Partners, Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa.

    Também no final de 2023 foi anunciada a realização de uma emissão de obrigações no montante de 10 milhões de euros efectuada através de uma oferta particular.

    Desde o seu nascimento, a empresa tem realizado rondas de investimento, além dos financiamentos obtidos via fundos comunitários. Na última ronda, há um ano, a empresa angariou 21 milhões de dólares junto de um conjunto de investidores de capital de risco, nomeadamente, Iberis Capital, GED Ventures Portugal, Point 72, Notion, ScaleVentures Partners e Caixa Capital.

    Imagem do edifício-sede da Unbabel Unipessoal em Lisboa. / Foto: D.R.; Unababel

    Nas últimas contas anuais da Unbabel Unipessoal disponíveis, referentes a 2022, a empresa registou uma facturação de 16,7 milhões de euros e um resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos de 3,3 milhões de euros. Mas créditos fiscais de 2,3 milhões de euros fizeram saltar os lucros da empresa para 5,2 milhões de euros. Nas suas contas, a Unbabel contabilizou ainda um valor de 3,8 milhões de euros de activos por impostos diferidos.

    Do lado dos custos com pessoal, a empresa com sede em Lisboa registou gastos de 11,2 milhões de euros, dos quais 8,5 milhões de euros referentes a remunerações. Mas, contrastando com os custos, na Unbabel ‘portuguesa’, apenas se encontram activos fixos tangíveis de 177 mil euros e activos intangíveis de 25 mil euros. Traduzido ‘em miúdos’, o ‘tesouro’ desta Torre de Babel ‘inteligente’ lusa parece estar fora de Portugal.

    O PÁGINA UM contactou a Unbabel pedindo para, além de informações sobre os investimentos na ‘Amália’, serem identificados que eram os beneficários efectivos da Unbabel ‘lusitana’, porque não consta no registo nacional, quem eram os sócios com capital na Unbabel Inc. e se poderiam ser enviados os resultados financeiros dessa empresa com sede nos Estados Unidos. Além disso, considerando que os rendimentos da Unbabel ‘lusitana’ andam em redor de valores pouco acima de 10 milhões de euros, relativamente estáveis, perguntava-se se se afigurava estarmos perante um unicórnio, cujo conceito remete para uma startup com uma avaliação acima de mil milhões de dólares. O CEO e fundador da empresa, Vasco Pedro, ainda respondeu que sobre receitas e accionistas, “infelizmente não podemos divulgar” nada, mas prometendo que teriam “todo o gosto em ajudar” sobre o resto. Não ajudaram.


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  • Sem actas das reuniões do Secretariado, CCPJ é uma ‘Casa da Mãe Joana’

    Sem actas das reuniões do Secretariado, CCPJ é uma ‘Casa da Mãe Joana’

    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), apesar do estatuto de entidade pública, funciona como uma ‘Casa da Mãe Joana’, atropelando códigos e leis, ao mesmo tempo que obstaculiza o acesso aos documentos administrativos. Numa decisão hoje tomada sozinha pela sua presidente, Licínia Girão, através de um órgão colegial (Secretariado) que assume não ter actas das suas reuniões, o PÁGINA UM viu recusado o acesso aos debates do Plenários desde meados de 2023. Neste lote de documentos administrativos estará a descrição de uma acesa discussão em Novembro do ano passado onde foi criticado o uso por Licínia Girão de 6.000 euros desta entidade para custear advogados contratados especificamente para processar o director do PÁGINA UM. A presidente em fim de mandato da CCPJ alega que os requerimentos do PÁGINA UM para aceder às actas são abusivos e entende que mesmo os jornalistas não devem consultar dados nominativos, uma enviesada interpretação que contraria a jurisprudência e que, além do mais, constitui um princípio pouco abonatório para uma entidade que regula a actividade desta classe profissional.


    A presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, recusou hoje divulgar ao PÁGINA UM diversas actas de reuniões de plenário, que integram nove membros deste órgão regulador, entre as quais uma onde se discutiu o uso abusivo de dinheiros públicos.

    Na carta de renúncia de dois dos membros da CCPJ – Anabela Natário e Isabel Magalhães –, no final de Outubro passado, é explicitamente referido, alegadamente citando uma acta, que em reunião do Plenário de 15 de Novembro de 2023, Licínia Girão decidiu informar os seus colegas que tinha “apresentado uma queixa, em nome pessoal, contra o jornalista Pedro Almeida Vieira [director do PÁGINA UM] junto do Conselho Deontológico (…) e apresentado igualmente queixa junto do Ministério Público”. As duas ex-membros do Plenário da CCPJ salientam que “só depois de uma grande pressão, acabou [Licínia Girão] por retirar a queixa, querendo, no entanto, impor condições tão esquisitas que foram ‘chumbadas’”. E são as mesmas duas jornalistas que renunciaram, acusando Licínia Girão de despesismo e centralismo, que a presidente da CCPJ “não se comprometeu a devolver a quantia gasta indevidamente”.

    Licínia Girão, presidente da CCPJ.

    Embora essa seja uma das actas que requereu, o PÁGINA UM pretende consultar um período mais alargado, entre Junho de 2023 e o presente mês de Novembro, mas de qualquer modo Licínia Girão, em ofício remetido em nome do Secretariado – constituído por três membros, mas só por si assinado –, indeferiu o pedido.

    Na sua missiva, Licínia Girão – que tem um passado profissional sobretudo ligado à imprensa regional e não tem actividade jornalística conhecida nos últimos dois anos – alega que os pedidos do PÁGINA UM são abusivos, considerando que foram feitos pedidos similares há menos de dois anos, algo que é, de todo, falso.

    Além disso, Licínia Girão – que é a principal beneficiária de as actas se manterem secretas – alega que se aplica o Regulamento Geral de Protecção de Dados, considerando que “os próprios jornalistas têm o direito de ver protegida a devassa dos seus dados pessoais”, mesmo quando se está meramente perante informação relativa a actividade profissional regulada por lei.

    Esta interpretação da presidente da CCPJ contraria, aliás, a jurisprudência de forma gritante. Por exemplo, um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de Maio de 2021, que até foi publicado em Diário da República, salienta, num processo de intimação intentado pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, que mesmo que haja documentos “que contenham dados pessoais”, apenas ficam protegidos aqueles “que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa”.

    Funcionamento à margem da lei tem sido a regra na CCPJ.

    Similar entendimento teve uma sentença de Outubro de 2022 do Tribunal Administrativo de Lisboa, em benefício do PÁGINA UM, relativa a uma intimação contra a Ordem dos Farmacêuticos e a Ordem dos Médicos, então liderados pela actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e pelo actual deputado social-democrata Miguel Guimarães, respectivamente. Não consta, aliás, que nas reuniões do Plenário da CCPJ sejam debatidas as origens étnica ou as opiniões políticas, filosóficas e religiosas, nem tão-pouco questões de índole sexual.

    Por fim, Licínia Girão – na linha, aliás, de uma visão restritiva e enviesada do acesso dos jornalistas à informação – defende ainda que não se aplica a norma legal específica que concede direitos especiais aos jornalistas no acesso a dados abrangidos pelo RGPD, remetendo para uma alínea que pretende garantir que apenas profissionais legitimados pela legislação (ou seja, reconhecidos como jornalistas segundo as normas nacionais) possam justificar o tratamento de dados sensíveis com base em finalidades jornalísticas.

    Para terminar, Licínia Girão diz também que o Secretariado da CCPJ – o órgão colegial e permanente deste órgão regulador e disciplinador dos jornalistas – “não elabora, obviamente, actas relativas às reuniões que realiza”.  Esta é mais uma interpretação temerária de uma jornalista supostamente eleita por ser “jurista de mérito”.

    Presidente da CCPJ assume com naturalidade que tem funcionado sem actas no funcionamento do Secretariado, um órgão colegial, em flagrante violação do Código do Procedimento Administrativo, pelo que as decisões são nulas e passíveis de responsabilidade financeira, disciplinar e penal.

    Com efeito, de acordo com o Código do Procedimento Administrativo, sendo um órgão colegial, o Secretariado da CCPJ está obrigado por lei, em cada reunião, a lavrar uma acta, “que contém um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente”.

    E acrescenta ainda esta norma que “as deliberações dos órgãos colegiais só se tornam eficazes depois de aprovadas as respetivas actas ou depois de assinadas as minutas e a eficácia das deliberações constantes da minuta cessa se a acta da mesma reunião não as reproduzir”. Ou seja, todas as decisões tomadas por Licínia Girão estão feridas de nulidade, arriscando também responsabilidade financeira e disciplinar, ou mesmo responsabilidade penal, se houver prevaricação ou falsificação de documentos.


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  • Pena suspensa: A última ceia

    Pena suspensa: A última ceia


    Hoje, na rubrica ‘Caderno dos Mundos’, uma reportagem de Rui Araújo, publicada no jornal Semanário na edição de 2 de Julho de 1988, sobre João Carlos, 25 anos, solteiro, serralheiro desempregado.


    Foto: Rui Araújo

    A ÚLTIMA CEIA

    — Os problemas que tenho tido é coisas simples: um sozinho abalar sem pagar. Uma vez até foram dois, mas era uma conta relativa. Fora disso, nunca tive problemas nem com isso nem com aquilo. Tenho sido uma pessoa feliz… — justifica-se o dono do restaurante.

    Eram cinco. Foi um fartar vilanagem. Comeram, beberam… E deram à sola. Só que o mais lento ou o mais ingénuo — João Carlos, 25 anos, solteiro, serralheiro desempregado — permaneceu no restaurante e meteu-se numa alhada. Ficou a contas com a Justiça.

    O senhor Joaquim José, patrão do restaurante, conta a ementa da malandragem. É um homem sem papas na língua…

    A ementa

    — Entraram cinco indivíduos. Mandaram vir logo pão, queijo, manteiga e cinco vermutes. Estudaram a lista e mandaram vir duas amêijoas — uma à Bulhão Pato e outra à Espanhola. Paparam tudo. Atiraram-se à lista outra vez e mandaram vir mais cinco escalopes aos champinhons. Comeram os escalopes — ainda foi mais um bocadinho de arroz porque um gostava muito de arroz —, regados com duas garrafitas de vinho verde. E mais duas garrafas. E outras duas. Acabaram de comer os escalopes e atiraram-se a umas mousses e ao arroz-doce. Repetiram. Pediram cinco cafés e cinco uísques.

    Escuto o dono do restaurante, algo intrigado.

    rice in bowl
    Foto: D.R.

    — Eu, aí, comecei a desconfiar um bocado mas já que ia embalado, continuei. Gelo e duas colas. Mais cinco uísques. Daí a mais um bocadito, mais cinco uísques. E mais duas Colas. Aí, um deles abalou, não sei onde foi. E outros três começaram a ir para a porta. Eu abeirei-me deste que está aqui preso e perguntei-lhe se ficava responsável por aquilo. «O senhor não tenha problemas. Fique descansado que eles vão ali e não demoram nada…» Pois, só que eu comecei a ver aquilo —  a conta já ia nos 13.520 escudos [67,43 euros] — e chamei o guarda. E foi aí que fomos todos parar à esquadra de Arroios. O homem não tinha um «chavo». Não tinha carteira nem maço de cigarros, uma carteirita de fósforos, nada. Tinha mas era um cordel a atar as calças… Começou a chorar muito. Pediu-me desculpa. Se soubesse que era assim não tinha aceite o convite deles. Quanto a mim ele serviu de cobaia daqueles grandes gabirus…

    E a sentença

    Não chegou a haver julgamento. João Carlos não possui qualquer documento de identificação. A história vai continuar nos juízos correccionais de Lisboa.


    Reportagem originalmente publicada no jornal Semanário, na edição de 2 de Julho de 1988.


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  • Fim de linha: Luís Delgado afastado da gestão da Trust in News

    Fim de linha: Luís Delgado afastado da gestão da Trust in News

    Os gerentes da Trust in News (TIN), dona das revistas Visão e Exame, não vão ficar à frente do processo de insolvência do grupo de media, mas esta nem é uma má notícia para os trabalhadores do grupo de media pertencente ao ex-jornalista Luís Delgado. Pelo contrário, o seu afastamento, hoje decretado pelo Tribunal de Sintra, abre portas à possibilidade de venda de 16 títulos da imprensa portuguesa a outros investidores, com a ‘vantagem’ de poderem ser comprados sem quaisquer dívidas, embora com o poder de reajustamento das redacções. Este é mais um episódio de uma crise financeira num grupo de media, que começou a ser denunciada pelo PÁGINA UM em Julho do ano passado após detectar dívidas de milhões ao Fisco e à Segurança Social permitidas pelo Governo socialista. A Trust in News nunca esteve na lista de devedores do Estado mesmo se os ‘calotes’ se iniciaram logo após a compra em 2018 dos títulos à Impresa, do grupo de Francisco Pinto Balsemão, que se livrou de autênticos ‘activos tóxicos’. Luís Delgado arrisca agora, além de condenações por abuso de confiança fiscal, a ser processado por falência fraudulenta. E o Estado vai perder mais de 15 milhões de euros.


    À primeira vista, a declaração de insolvência da Trust in News (TIN) parece ser um acontecimento negativo, mas, na realidade, com a decisão de nomeação de um administrador judicial, hoje decretada pelo Tribunal de Sintra, esta situação será o melhor que podia ter acontecido, tanto para as revistas do grupo de media como para os trabalhadores, que já registam salários em atraso. Isto porque, sem Luís Delgado, o proprietário único da TIN e que levou ao colapso financeiro da empresa com dívidas colossais acumuladas, fica aberta a porta para a venda a terceiros das publicações, sem dívidas, permitindo a manutenção de, pelo menos, alguns dos postos de trabalho.

    Tal como o PÁGINA UM já tinha avançado, Luís Delgado, dono da TIN, e os dois outros gerentes da empresa unipessoal não tinham condições para ficar a gerir a insolvência do grupo. Além de não terem cumprido com pagamentos ao Fisco e à Segurança Social durante as negociações do Processo de Especial de Revitalização (PER) – que, por esse motivo, acabou ‘chumbado‘ -, os gerentes da TIN foram já condenados a pena de prisão de dois anos e meio de prisão na primeira instância, com a sentença confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Os gerentes da TIN ficaram com pena suspensa por cinco anos mas só se pagassem a dívida ao Fisco que levou à condenação, que era uma pequena parte (cerca de 850 mil euros) do total acumulado desde 2018. Recorde-se que o grupo apresenta dívidas de 30 milhões de euros, sendo que mais de metade são ao Fisco e à Segurança Social.

    A sentença de declaração de insolvência foi hoje anunciada publicamente pelo Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra, estando disponível no Portal Citius. A juíza Diana Rute Campos Martins, nomeou de imediato André Fernando de Sá Correia Pais como administrador da insolvência, contrariando as pretensões de Luís Delgado, que desejava administrar o processo.

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    Agora, em princípio será aprovado um Plano de Insolvência, com vista ao pagamento dos créditos, pressupondo a liquidação dos activos e a sua repartição pelos credores, que são muitos, sendo que o Estado tem a primazia. Este Plano pode ser apresentado pelo administrador da insolvência, pela gerência da TIN e por credores que representem um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos. É mais do que certo de que muitos dos activos apresentados pela TIN nas suas contas não terão os valores contabilísticos atribuídos, como é o caso dos títulos (mais de 10 milhões de euros) e da rubrica ‘Outras contas a receber’ (mais de 14 milhões de euros). A juíza também agendou para o dia 29 de Janeiro, às 11:00 horas, a realização da reunião de assembleia de credores de apreciação do relatório. Os credores, designadamente trabalhadores do grupo de media, dispõem de 30 dias para apresentar uma reclamação de créditos junto do administrador da insolvência.

    No edital com a sentença, está explícito que “ficam advertidos os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados, deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao próprio insolvente”. Também “ficam advertidos os credores do insolvente de que devem comunicar de imediato ao administrador da insolvência a existência de quaisquer garantias reais de que beneficiem.

    A sentença que declarou a TIN insolvente pode ser ainda alvo de recurso, no prazo de 15 dias e/ou
    deduzidos embargos, no prazo de cinco dias, segundo o edital da decisão do Tribunal publicado hoje, dia em que os trabalhadores da TIN agendaram uma concentração, no Chiado, em Lisboa.

    Luís Delgado (à esquerda), dono da Trust in News e gerente do grupo de media, e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa na assinatura do acordo de venda do portfólio de revistas que incluía a Visão e a Exame, em Janeiro de 2018. / Foto: D.R.

    Recorde-se que os principais títulos do grupo de Luís Delgado encontram-se penhorados desde 2020, por dívidas acumuladas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, como o PÁGINA UM noticiou. Ou seja, praticamente desde o primeiro ano de existência que a TIN, uma sociedade unipessoal do ex-jornalista e comentador Luís Delgado, com um capital social de apenas 10.000 euros, regista problemas financeiros e acumula dívidas.

    Na insolvência, também se vai poder analisar ao detalhe a evolução da contabilidade da TIN e das opções de gestão da gerência, para se apurar se houve uma falência fraudulenta. Além dos títulos de media, a TIN contabiliza cerca de 14 milhões de euros em activos que atribui a receitas de assinaturas futuras das revistas. Os montantes destes activos aumentaram significativamente nos últimos anos, num quadro de queda de vendas, e existem legítimas suspeitas de contabilidade criativa para ‘mascarar’ os resultados anuais, uma vez que só no ano passado a TIN apresentou prejuízos. Neste processo de insolvência ou na liquidação, irá tirar-se a ‘prova dos nove’ sobre o real valor destes ‘activos’ que têm sido incluídos nas contas da empresa de Luís Delgado ou apurar-se se não passou de um caso de finanças criativas. Luís Delgado e os outros gerentes, além de poderem ser condenados a prisão efectiva por abuso de confiança fiscal agravada, correm o risco de um processo por falência fraudulenta.

    Ao que o PÁGINA UM apurou, só mediante certas condições é que os principais credores, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Segurança Social, aprovariam um plano de insolvência da TIN. Recorde-se que, como noticiou o PÁGINA UM no mês passado, tanto a AT como a Segurança Social votaram contra a aprovação do PER da TIN argumentando, designadamente, que a empresa nem sequer estava a cumprir com as suas obrigações, pagando impostos e contribuições, enquanto decorria o PER.

    woman in dress holding sword figurine

    O PER da TIN foi ‘chumbado’ com os votos tanto da AT (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Entre os credores que queriam viabilizar o PER estiveram a Impresa (13,5% do total dos créditos), que vendeu as suas revistas à TIN em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.

    Será também a possibilidade de desvendar os estranhos contornos de um processo iniciado em 2018, quando a Impresa vendeu a Luís Delgado o seu ‘portfólio tóxico’ de revistas, salvando contabilisticamente a Impresa Publishing e o próprio grupo dono do Expresso e da SIC, que enfrentava dificuldades financeiras após o falhanço de uma emissão de obrigações. Agora, seis anos depois, mais de 30 milhões de euros em dívidas, o antigo negócio que era da Impresa deverá passar para um dono ou vários donos – quem sabe, a própria Impresa –, mas agora limpo das dívidas, as quais ficarão, na sua maioria, nas mãos dos contribuintes.

    Conhecido o destino das revistas da TIN, ficará, no entanto, por explicar como foi possível uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros ter conseguido acumular milhões de euros em dívidas sem nunca ter ido parar à lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social durante os governos socialistas de António Costa.


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  • Mortes de bebés em 2024 atingem o valor mais elevado dos últimos cinco anos

    Mortes de bebés em 2024 atingem o valor mais elevado dos últimos cinco anos

    Apesar de uma meteorologia favorável e de um programa massivo de imunização contra o vírus sincicial respiratório (VSR), o mês de Novembro confirmou uma tendência de crescimento dos óbitos de crianças com menos de um ano de idade em Portugal. O PÁGINA UM analisou os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), contabilizando já 240 mortes de bebés entre Janeiro e Novembro deste ano, superando assim os números registados em todos os meses de 2020, 2021, 2022 e 2023. Os valores deste ano, que previsivelmente se aproximarão dos 260 óbitos, ainda não são alarmantes à escala mundial, mas depois de vários anos com taxa de mortalidade abaixo dos três óbitos por mil nascimentos, observa-se uma inversão, e Portugal deverá superar de novo aquela fasquia em 2024.


    Ainda decorre 2024, mas já há uma infeliz garantia: este será o pior ano do último quinquénio em termos de mortalidade infantil. De acordo com a análise do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), entre Janeiro e Novembro deste ano já perderam a vida 240 bebés com menos de um ano, sendo expectável que seja ultrapassa com o corrente mês de Dezembro a fasquia das 250 mortes, algo que não sucedia desde 2019, quando então perderam a vida 264 recém-nascidos que não completaram os 365 dias.

    Apesar deste valor não ser anormalmente elevado à escalda mundial – pelo contrário, Portugal continuará a ser um dos países mundiais com mais baixa taxa de mortalidade infantil, pouco acima dos dois óbitos por mil nascimentos –, os números de 2024 quebram claramente uma tendência, que ‘puxava’ as mortes de bebés para baixo das 200. No ano de 2020, os óbitos de bebés tinham atingido os 214, então o valor histórico mais reduzido.

    baby crawling on bed

    No ano seguinte ainda baixou mais para um valor inédito (195) abaixo dos 200. Contudo, estes foram anos anormalmente baixos em termos de nascimentos, por via do menor número de gravidezes concluídos como consequência da incerteza criada pela gestão da pandemia. Em 2022, o valor aumentaria para os 233, reduzindo para 219 no ano passado.

    Apesar do número de óbitos mais elevado do que nos quatro anos anteriores, o ano de 2024 não apresenta nenhum mês claramente atípico, ou seja, com uma mortalidade acima dos 30 para os menores de um ano, apesar do se ter aproximado dessa fasquia em Março (27) e em Novembro (26). Recorde-se que a partir de 15 de Outubro começou um programa de imunização massiva contra o vírus sincicial respiratório (VSR). A mortalidade causada por este vírus sempre foi residual ou mesmo nula em Portugal. Aliás, o PÁGINA UM já perguntou várias vezes, sempre sem resposta, ao Ministério da Saúde o número de óbitos causados por VSR, mas sempre sem resposta. Contudo, se o valor não é de zero, estará próximo.

    Com a melhoria das condições de vida, de acompanhamento médicos e de terapêuticas, a mortalidade infantil tem-se mantido relativamente estável, embora o valor de 2024 possa marcar uma inversão. Na última década, os meses de Verão (Junho, Julho e Agosto) tendiam a apresentar valores ligeiramente mais baixos de mortalidade infantil na maioria dos anos, observando-se aumentos moderados, em alguns anos, no Outono, especialmente em Outubro e Novembro.

    Evolução da mortalidade por ano entre 2014 e 2024 (até Novembro). Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
    Evolução da mortalidade infantil por mês entre Janeiro de 2014 e Novembro de 2024. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Apesar deste aumento da mortalidade infantil em 2024, este tem sido um indicador de saúde que, além da questão humanitária, revela uma extraordinária evolução civilizacional. Há um século, um em cada quatro bebés não chegava em Portugal ao final de um ano de vida e a esmagadora maioria morria mesmo com menos de dois meses de idade. Uma época não assim tão longínqua em que o natural era os pais enterrarem os filhos.

    Há pouco mais meio século, o Estado Novo deixou uma situação um pouco melhor, mas ainda na cauda da Europa, com cinco em cada 100 recém-nascidos a falecerem antes dos 12 meses. A partir daí, as evoluções tecnológicas, as artes da Medicina e o desenvolvimento económico têm alcançado sucessos dignos, neste caso, de Primeiro Mundo. Ainda mais quando a margem de melhoria é agora bastante estreita face aos valores já muitíssimo baixos.

    O ano de 2023, como o PÁGINA UM salientou em Maio passado, ainda trouxe motivos de festejo. De acordo com dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística, a mortalidade infantil no sexo feminino – que sempre foi mais baixa do que a registada em meninos – foi de apenas 2,07 por cada mil crianças nascidas, o valor mais baixo de sempre. Este dado representou então uma descida ligeira face aos 2,43 em cada mil registados em 2022.

    a baby laying on top of a bed next to an adult

    No caso das crianças do sexo masculino, a taxa de mortalidade infantil situou-se no ano de 2023 em 2,81, um ligeiro agravamento face aos 2,80 registados no ano anterior. O valor mais baixo de mortalidade infantil masculina observou-se em 2020 com 2,49 óbitos em cada mil. Apesar da situação favorável nas meninas, a taxa de mortalidade infantil global fixou-se em 2,45, ligeiramente acima do mínimo histórico de 2,43 observado em 2021.

    Sendo expectável uma ligeira redução no número de nascimentos em 2024 – deverá ficar pouco acima dos 84 mil, contratando com os 85.764 do ano passado –, a taxa de mortalidade infantil em redor dos três óbitos por mil nascimentos, o que a confirmar-se será o valor mais elevado desde 2018.


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  • Cristina Ferreira: de 112 mil revistas vendidas a menos de três mil em 10 anos

    Cristina Ferreira: de 112 mil revistas vendidas a menos de três mil em 10 anos

    Os tempos mudaram, e a revista da apresentadora da TVI, que em Janeiro de 2020 confiava vir a ter hipóteses de um dia se candidatar à Presidência da República, está em vias de fechar as portas. O PÁGINA UM analisou as contas da empresa de Cristina Ferreira que gere a sua revista, a Treze7, e não há outra solução se não fechar portas. Há pelo menos uma boa notícia: ao contrário de outros grupos de media, a empresa não tem dívidas ao Estado. Pelo menos até ao final de 2023.


    Na edição deste mês da revista ‘Cristina’, a taróloga Joana Dias anunciava um artigo sugestivamente intitulado “Como sobreviver ao mês de Novembro!” Por ironia, ou sinais dos tempos, será a própria revista fundada pela apresentadora Cristina Ferreira que não vai sobreviver ao final do ano. O anúncio ainda não é oficial, mas tem sido especulado o fim da revista de uma das apresentadoras mais mediáticas do país, que ainda há cerca de cinco anos colocava a hipótese de se candidatar à Presidência da República, mas que agora aparente ser uma estrela cadente em declínio.

    Seja como for, a análise da situação financeira feita pelo PÁGINA UM aos últimos anos à empresa Treze7, detida pela apresentadora da TVI, não deixa margem de manobra: 2024 deverá terminar em falência técnica, ou seja, com capitais próprios negativos. Se quisesse continuar, teria de haver uma forte injecção de capitais.

    Mesmo apesar da publicidade feita em plenos programas da TVI, a revista. Foto: DR

    Recorde-se que Cristina Ferreira é ainda sócia maioritária da empresa Amor Ponto, envolvida num litígio com a SIC, e que viu há uma semana o Tribunal de Sintra penhorar as suas contas. A decisão decorreu após uma iniciativa do Grupo Impresa após uma notícia do PÁGINA UM em Junho passado que revelou que a apresentadora da TVI andava a descapitalizar a empresa, tendo desviado 2,2 milhões de euros em dividendos porque não constituíra uma provisão para assegurar o pagamento da indemnização à SIC caso perdesse, como perdeu, o caso em tribunal.

    Ora, a situação financeira da empresa Treze7 é distinta, e deve-se exclusivamente à perda de élan da revista em consequência de um menor brilho da imagem da apresentadora. Criada em Março de 2015, a revista mensal Cristina tinha Oprah Winfrey como modelo, e de facto, à escala portuguesa, registou número de vendas muitíssimo interessantes. O primeiro número atingiu, de acordo com os dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), uns impressionantes 112.058 exemplares vendidos. Nos meses seguintes, os números decaíram, mas mesmo assim no quarto trimestre a revista atingiu vendas médias de mais de 53 mil exemplares. As vendas no ano seguinte foram variando, por trimestre, com números médios entre os 35 mil e os 55 mil exemplares. Neste período, Cristina Ferreira tinha uma produtora, a Masemba, que editava a sua revista, mas as relações negociais deterioraram-se e acabaram em tribunal.

    E foi em Janeiro de 2017 que Cristina Ferreira criaria a sua própria editora, concedendo uma quota simbólica de 1% à sua mãe, Maria Filomena Jorge. Apesar de ter deixado de auditar as vendas na APCT, os primeiros três anos da Treze7 não correm demasiado mal, com receitas totais sempre acima de um milhão de euros, mas com resultados líquidos, embora positivos, sempre a descer: em 2017 ainda foram de quase 184 mil euros, desceram para os cerca de 164 mil euros no ano seguintes, e quedaram-se nos 70.820 euros em 2019.

    Foto: DR

    No primeiro ano da pandemia, em 2020, as receitas quebraram 34% face ao ano anterior, mas mesmo assim as contas ainda ficaram no ‘verde’ com um lucro de um pouco mais de 35 mil euros. Porém, a partir daí somaram-se prejuízos consideráveis para a dimensão da empresa com as vendas da revista e a publicidade (e outras prestações de serviços) a despencarem. De acordo com as demonstrações de resultados analisados pelo PÁGINA UM ao último triénio da Treze7, mostra-se expectável que 2024 esgote o capital próprio positivo de quase 470 mil euros que Cristina Ferreira ainda detinha nesta sua empresa em 2020.

    Com efeito, em 2021, as receitas da Treze7 nem sequer chegaram ao meio milhão de euros, resultando assim no primeiro ano de prejuízos de quase 230 mil euros. Embora não existam indicações de números de exemplares da revista Cristina adquiridos por leitores, o montante das vendas rondou apenas 267 mil euros ao longo de todo o ano, o que significa, ao preço de capa, cerca de seis mil exemplares em média por edição mensal.

    Os números do ano seguinte não foram melhores; pelo contrário. O ano de 2022 contabilizou mais 273.676 euros de prejuízo, apesar de no Portal da Transparência dos Media este valor surgir, equivocadamente, positivo. Não se poderia esperar outra coisa com rendimentos totais de cerca de 465 mil euros, dos quais um pouco menos de 208 mil euros de vendas de revistas. Com o preço de venda ao público (PVP) de 3,70 euros, a revista Cristina terá vendido, em média, apenas cerca de 5.600 exemplares por mês.

    O ano de 2023 ainda viu os rendimentos totais subirem para os 665 mil euros, mas não trouxeram melhorias nos resultados líquidos. Pelo terceiro anos consecutivo, a Treze7 contabilizou prejuízos, sendo que no ano passado ficaram na casa dos 265 mil euros. Ou seja, em apenas um triénio, os prejuízos acumulados atingiram a cifra de quase 770 mi euros. Pior ainda, as vendas das revistas anunciavam números deploráveis, com receitas de apenas 129.339 euros, sendo que a parte restante dos rendimentos referiram-se a prestações de serviços. Deste modo, a revista Cristina terá vendido menos de 2.800 exemplares por mês ao longo do ano passado.

    Revista serviu como âncora de diversos projectos de marketing de Cristina Ferreira.

    Os números deste ano não estão apurados, nem Cristina Ferreira deu qualquer esclarecimento ao PÁGINA UM, mas não será de surpreendente se os 214.803 euros que ainda restavam de capital próprio no final de 2023 tenham sido ‘comidos’ completamente por mais prejuízos. Isto significa que a revista terá dado um prejuízo acumulado em quatro anos de cerca de um milhão de euros, apesar das contas, até 2023, estarem ainda sustentáveis. Ou seja, Cristina Ferreira não tinha dívidas bancárias nem devia valores relevantes ao Estado.

    Ontem, o Correio da Manhã adiantou que em Dezembro sairá, previsivelmente, a última revista Cristina, havendo ainda uma edição especial em Janeiro, com destaque para as capas, protagonistas e entrevistas. E acrescenta ainda a hipótese de se manter a versão digital. Apesar de Cristina Ferreira ter chegado, em Março deste ano, que trabalhavam diariamente 20 pessoas na produção da revista, na verdade os relatórios da Infomação Empresarial Simplificada (IES) apontam apenas sete trabalhadores com salários médios líquidos de um pouco mais de 2.000 euros.


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  • Bebés de mães com naturalidade estrangeira já são maioria em Sintra, Amadora e Odivelas

    Bebés de mães com naturalidade estrangeira já são maioria em Sintra, Amadora e Odivelas

    Quase três em cada 10 partos de nados-vivos no ano passado foram de mães com naturalidade estrangeira, mas um ‘olhar’ mais fino, realizado pelo PÁGINA UM a partir dos dados do Instituto Nacional de Estatística, revela que já há concelhos de grande dimensão onde esse peso é maioritário. Nos municípios de Sintra, Amadora e Odivelas, a maioria dos nascimentos registados em 2023 teve, como mães, mulheres naturais de países estrangeiros. É a primeira vez que tal sucede em concelhos que estão no top 10 dos mais fecundos. Este fenómeno tem vindo reforçar-se sobretudo nos últimos três anos, e com especial prevalência na Grande Lisboa e no Algarve. Na região Norte, no Alentejo interior e nas regiões autónomas o peso de nascimentos provenientes de mães ‘estrangeiras’ mantém-se ainda bastante baixo.


    Uma realidade inédita em Portugal. No ano passado, os municípios de Sintra, Amadora e Odivelas – três dos concelhos que se encontram no top 10 dos mais fecundos do país – contabilizaram mais recém-nascidos cujas mães são de naturalidade estrangeira do que de naturalidade portuguesa. Além destes três municípios, também em Odemira, no Alentejo Litoral, e nos concelhos algarvios de Aljezur e Albufeira se registaram mais bebés de ‘mães estrangeiras’ (no sentido estrito de naturalidade, uma vez que podem ter adquirido a nacionalidade portuguesa). Esta é uma análise do PÁGINA UM aos dados históricos, desde 2011, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), sendo que a informação por município relativa ao ano de 2023 foi disponibilizada no final da passada semana.

    Embora entre 2011 e 2019 se tenha observado esporadicamente concelhos pequenos com uma percentagem superior a 50% de bebés nascidos de mães naturais do estrangeiro – como em Porto Moniz, em 2015 e 2019, e no Corvo, em 2017 –, somente em 2020 surgiram mais casos em municípios de média dimensão. Por exemplo, em 2020 os municípios de Albufeira, Odemira e Aljezur tiveram mais bebés de mães ‘estrangeiras’ do que de mães ‘portuguesas’. Os dois últimos concelhos repetiriam a partir desse ano essa característica, que confirma os efeitos da imigração de população em idade fecunda, e em 2022 até tiveram a companhia novamente de Albufeira e também de Pedrógão Grande e também dos ‘pequenos’ Porto Moniz e Corvo.

    person wearing gray shirt putting baby on scale

    Contudo, no ano passado, juntaram-se a este ‘clube’ concelhos de grande dimensão: Sintra (52,1% de nascimentos de ‘mães estrangeiras’), o segundo do país com mais nascimentos em termos absolutos (apenas atrás de Lisboa); Amadora (56,2%), que está na quinta posição, e ainda Odivelas (50,6%), que é o oitavo. No entanto, em termos percentuais, Aljezur foi em 2023 o município de Portugal com o maior fluxo de nascimentos de mães naturais de país estrangeiros com 64,6% do total, seguindo-se Odemira (63,3%) e Albufeira (63,0%).

    Em concreto, no concelho da Amadora nasceram mais 249 crianças de mãe não-autóctone em comparação com bebés de mães naturais de Portugal (1.135 vs. 886), enquanto em Sintra a diferença foi de 186 (2.267 vs. 2.081) e em Albufeira foi de 139 (337 vs. 198). Nos outros três concelhos, a diferença absoluta foi mais pequena: em Odemira de 73 (174 vs. 101), em Odivelas apenas de 20 (921 vs. 901) e em Aljezur de 19 (42 vs. 23).

    O surgimento de mais nascimentos de crianças de mães ‘estrangeiras’ decorre do aumento da imigração, que tem registado crescimentos significativos nos últimos anos, sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa. Entre 2011 e 2018, a percentagem de nascimentos provenientes de mães de naturalidade estrangeiras variou entre 16% e 19%, tendo atingido os 20% em 2019, ou seja, um em cada cinco nascimentos. Mas em 2022 e 2023 houve saltos significativos, que justificam que o saldo natural em Portugal seja agora positivo. Os municípios da Grande Lisboa e Península de Setúbal concentraram, em 2023, 51,6% dos nascimentos de bebés cujas mães tinham naturalidade de países estrangeiros.

    Nascimentos (números absolutos no topo das colunas) nos 10 municípios mais fecundos em 2023 e repartição em função da naturalidade da mãe. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Em 2022, no território nacional, contabilizaram-se 20.464 bebés nascidos de mães com naturalidade estrangeira, representando já 24,5%, e no ano passado subiu para 25.034 nascimentos, significando 29,2% do total. Em apenas dois anos, entre 2021 e 2023, o número de recém-nascidos de mães não-autóctones aumentou quase em oito mil, com o peso relativo a crescer 7,7 pontos percentuais. Se se considerar o ano base de 2014, ou seja, a última década, os partos de nados-vivos com mães de naturalidade estrangeira cresceram 85%. passando de 13.549 para 25.034.

    A Grande Lisboa, englobando a Área Metropolitana de Lisboa e a Península de Setúbal, foi, sem dúvida, o grande contribuidor. Se bem que o peso relativo de nascimentos de mães ‘estrangeiras’ tenha sido, entre 2011 e 2017, sempre bem acima da média nacional, somente em 2018 ultrapassou os 30%, mas em 2022 já atingiu os 37,5%, ultrapassando mesmo dos 44% no ano passado. Por exemplo, no município de Lisboa, em 2023 contabilizaram-se 2.270 nascimentos de mães ‘estrangeiras’ e 3.776 de mães de naturalidade portuguesa, ou seja, 40,2% do total dos recém-nascidos vieram ao mundo de mães não-autóctones.

    Mas além de Lisboa e dos seis municípios já destacados (Aljezur, Odemira, Albufeira, Amadora, Sintra e Odivelas), encontra-se mais 18 concelhos que ultrapassam a fasquia dos 40%: Lagos (49,6%), Barreiro (48,8%), Vila do Bispo (48,1%), Seixal (46,9%), Monção (46,2%), Loulé (45,7%), Moita (45,0%), Loures (44,8%), Portimão (44,0%), Almada (43,7%), Valença (42,9%), Entroncamento (42,9%), Cascais (42,8%), Montijo (42,1%), Penela (41,7%), Vila Velha de Ródão (41,2%), Tavira (40,6%), Rio Maior (40,3%).

    O fenómeno do aumento da prevalência dos nascimentos provenientes de mães não-autóctones não tem sido homogéneo, subsistindo ainda grandes diferenças regionais, e espelhando distintas dinâmicas económicas, sociais e demográficas. Enquanto a Área Metropolitana de Lisboa, a Península de Setúbal e o Algarve registam percentagens elevadas de mães de naturalidade ‘estrangeira’, outras regiões, sobretudo, a Norte e nas regiões autónomas apresentam um peso muito mais baixo.

    Número de nascimento de bebés em 2023 por região provenientes de mãe com naturalidade portuguesa (barras azuis) e com naturalidade estrangeira (barras verdes), marcando a proporção percentual. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, na região Norte, nenhuma das sub-regiões ultrapassa os 25% de bebés nascidos de mães ‘estrangeiras’, sendo esta percentagem particularmente baixa no Tâmega e Sousa (7,1%) e no Ave (13,7%). No entanto, como acima referido, destacam-se os valores elevados de Monção e Valença, devido à vizinhança com a Galiza. Estes valores heterogéneos reforçam o perfil mais homogéneo destas áreas, onde predominam mães de naturalidade portuguesa. Outras sub-regiões do Norte, como o Cávado (20,6%) e a Área Metropolitana do Porto (18,3%), situam-se ligeiramente acima dos valores mais baixos da região, mas ainda distantes de outras partes do país com maior diversidade.

    Aliás, de entre os 10 concelhos portugueses com mais nascimentos em 2023, os dois da região Norte (Vila Nova de Gaia e Porto), estão abaixo da média nacional no que diz repito à mães não-autóctones, com 21,1% e 28,7%, respectivamente, ou seja, abaixo média nacional. Os restantes oito concelhos, todos da Grande Lisboa, tiveram valores acima dos 40%, com Sintra, Amadora e Odivelas acima dos 50%, como já salientado.

    No Centro, a percentagem de bebés nascidos de mães de naturalidade ‘estrangeira’ foi já mais elevada no ano passado em comparação ao Norte, embora permaneça ainda moderada. Com exceção das Beiras e Serra da Estrela (17,9%), todas as sub-regiões apresentaram valores entre 20% e 30%. O destaque vai para a Região de Leiria, que regista o maior valor da região Centro, com 29,8%, um pouco acima da média nacional.

    persons hand holding babys foot

    As regiões que concentram os valores mais elevados de nascimentos provenientes de mães estrangeiras são a Área Metropolitana de Lisboa (44,5%), a Península de Setúbal (41,4%) e o Algarve (42,2%). Estas três áreas, que lideram a tabela nacional, são destinos preferenciais para comunidades migrantes, quer pelo dinamismo económico, quer pela oferta de emprego em sectores como turismo, construção civil e serviços. Estes números confirmam o papel fundamental da imigração para a renovação populacional nestas regiões.

    No Alentejo, os valores são, em geral, bastante baixos, com três das quatro sub-regiões a registarem percentagens inferiores a 20%. No Alto Alentejo, apenas 13,3% dos bebés nasceram de mães estrangeiras, enquanto no Alentejo Central o valor é de 18,5%. O Baixo Alentejo também se situa em patamares modestos, com 16,3%.

    A excepção notável é o Alentejo Litoral, onde a percentagem sobe para 25,9%, fruto da relevância crescente da imigração laboral, sobretudo em atividades agrícolas, ao longo da última década. O concelho de Odemira é o principal responsável: no ano passado, apenas 101 dos 275 bebés naturais daquele concelho nasceram de mães de naturalidade portuguesa.

    As regiões autónomas ilustram um cenário demográfico peculiar. Os Açores são, aliás, a região com menor peso de bebés nascidos de mães ‘estrangeiras’, registando apenas 5,1% do total, enquanto na Madeira se cifrou nos 19,2%, um valor significativamente abaixo da média nacional.

    Evolução do número de recém-nascidos em Portugal desde 2011 cujas mães tinham naturalidade estrangeira e percentagem em relação ao total. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Estes dados reforçam que as disparidades na naturalidade das mães são uma manifestação clara das dinâmicas económicas e sociais de cada região. Se os municípios dos distritos de Lisboa, Setúbal (sobretudo a norte do Sado) e Faro evidenciam o impacto direto da imigração na estrutura demográfica, observa-se noutras, como o Norte interior e os Açores, perfis populacionais mais tradicionais, com menor diversidade nas origens das mães.

    Esta geografia da maternidade, saliente-se, não permite aferir a nacionalidade das mães nem a naturalidade ou a nacionalidade dos pais, pelo que não se mostra possível retirar quaisquer conclusões sobre graus de miscigenação ou sobre a composição multicultural das famílias. Além disso, a ausência de dados sobre a origem dos pais limita a compreensão das dinâmicas familiares em termos de mobilidade e integração social, restringindo a análise a uma perspectiva exclusivamente centrada nas mães.


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  • Limpeza no Fisco: Governo Montenegro também já entrega contratos de ‘mão-beijada’ a empresa francesa

    Limpeza no Fisco: Governo Montenegro também já entrega contratos de ‘mão-beijada’ a empresa francesa

    Mudou o Governo, mas os negócios entre a empresa francesa Samsic e a Autoridade Tributária e Aduaneira continuam de pedra e cal. Este mês entrou em vigor mais um ajuste directo, o 21º desde 2017, para limpeza das instalações da ‘máquina fiscal’, sempre com o argumento da “urgência imperiosa resultantes de acontecimentos imprevisíveis”, que já dura há sete anos. Durante o Governo Costa, os contratos de ‘mão-beijadas’ eram suportados por despachos do Ministério das Finanças, mas o último justificava a escolha sem concorrência da Samsic, só até ao final do primeiro semestre deste ano. Aparentemente, a limpeza continuou mesmo sem contrato entre os meses de Julho e Outubro. E surgiu agora, caído do céu, mais um ajuste directo por mais um mês. O Ministério de Miranda Sarmento não dá explicações sobre um negócio que desde 2021 deu 11,4 milhões de euros à empresa francesa, ‘sem espinhas’, ou seja, sem concorrência.


    Desde 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) anda a contratar sempre a mesma empresa de limpeza, a Samsic, através de ajustes directos justificados por alegada “urgência imperiosa” e ‘escoltados’ em despachos do Ministério das Finanças. Já são 21 ajutes directos sucessivos, usando um subterfúgio legal no Código dos Contratos Públicos, mas que se torna ilegal quando usado de forma abusiva.

    A prática de contratualizar serviços de limpeza só à Samsic sem qualquer concurso público surgiu durante o Governo de António Costa, mas está a prolongar-se com o Governo de Luís Montenegro, uma vez que foi assinado pelo menos mais um ajuste directo este semestre. Com capitais franceses, a Samsic soma já 25 contratos para limpar as instalações da ‘máquina fiscal’, sendo que os últimos 21 foram por ajuste directo, sem qualquer possibilidade de apresentação de propostas por outros candidatos. Os serviços de limpeza, a par da segurança e do fornecimentos de refeições, é um dos sectores onde a prática abusiva de contratos de ‘mão-beijada’ se tem vindo a generalizar, ano após anos, de uma forma arbitrária e potencialmente ilegal, nas ‘barbas’ do Tribunal de Contas.

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    Apesar de ser um serviço programável – e onde os concursos públicos fazem todo o sentido, por uma questão do melhor preço e qualidade –, apenas dois contratos, desde 2016, não foram realizados por ajuste directo, tendo sido abrangidos por um acordo-quadro. E grande parte dos contratos entre a Autoridade Tributária e a Samsic foram celebrados no decurso do período de vigência, que normalmente são trimestrais, mas podem abranger outras durações sem se perceber os motivos. O mais recente, por exemplo, no valor de cerca de 350 mil euros (sem IVA), é uma excepção: foi assinado em 30 de Outubro e vigora durante o actual mês de Novembro.

    Contudo, o ajuste directo anterior a este, que consta no Portal Base, no valor de um pouco mais de dois milhões de euros, foi assinado apenas em Abril deste ano, apesar da sua vigência se aplicar a todo o primeiro semestre (Janeiro a Junho de 2024). Não existe no Portal Base ainda qualquer referência à prestação de serviços de limpeza referentes aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro – ou seja, quatro meses. O valor deste período ‘esquecido’ deve ascender aos 1,4 milhões de euros.

    Conforme o PÁGINA UM já havia atestado em Outubro do ano passado, quase todos os contratos têm contornos estranhos, havendo mesmo sinais de fraude. Com efeito, em diversos contratos existrem evidências de os preços terem sido inflacionados para compensar a inexistência de suporte contratual em períodos anteriores. Um desses contratos teve uma duração de apenas 13 dias, porque só foi assinado no dia 19 de Março de 2019 e expirava no dia 31 desse mês, e envolveu um pagamento de 648.402 euros, significando assim que, formalmente, em cada um dos poucos dias deste contrato de limpeza a Autoridade Tributária pagou 49.877 euros à Samsic. No mês seguinte, em Abril, entraria em vigor um novo contrato por ajuste directo, que durou 275 dias, até ao final do ano. Como teve um preço contratual de 1.984.242,74 euros, significa que por dia custou 7.215 euros, bem demonstrativo de que o contrato de Março de 2019 foi forjado para ter um preço médio mais de sete vezes superior.

    Helena Borges, directora-geral da AT, e Cláudia Reis Duarte, secretária de Estado dos Assuntos Fiscais. O Ministério das Finanças do actual Governo não diz se manterá prática que ajustes directos sempre com a Samsic.

    Todos os ajustes directos desde 2016 têm sido assinados pelo subdirector Roda Inácio, nomeado pela então ministra social-democrata Maria Luís Albuquerque, actual comissária europeia. Em alguns contratos inseridos no Portal Base, o seu nome está indevidamente rasurado alegadamente por causa do Regulamento Geral da Protecção de Dados.

    O uso de tantos despachos governamentais para justificar a entrega de ‘mão-beijada’ de contratos sempre à mesma empresa, e alegando sempre “urgência imperiosa”, não é uma prática comum e a sua legalidade é bastante questionável. Através destes despachos, o Governo Costa autorizou, entre 2021 e 2024, a aquisição de serviços de limpeza à Samsic no valor total de 9.115.734,10 euros (11,2 milhões de euros com IVA), fundamentados num alegado critério material decorrente de supostos “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” pela AT. Mas isso somente pode servir de argumento se for “na medida do estritamente necessário” e, em simultâneo, “as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”, ou seja, neste caso, à AT.

    O PÁGINA UM consultou advogados especializados em contratação pública que referiram que a urgência imperiosa exige que a situação seja comprovadamente imprevisível, inevitável, e que não permita respeitar os prazos dos procedimentos concorrenciais habituais, pelo que a contratação repetitiva ao longo de vários anos, usando este expediente, contradiz o espírito da lei, que pressupõe que as entidades públicas planeiem os seus procedimentos de forma a evitar ajustes diretos sistemáticos.

    Nélson Roda Inácio, à esquerda (cumprimentando em 2016 o então presidente da autarquia de Pombal) foi nomeado subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 2015, tendo assinado todos os ajustes directos com a Samsic.

    Além disso, nos casos em apreço, estamos perante a prestação de serviços de limpeza que constitui uma necessidade contínua e previsível. A renovação anual ou trimestral com o mesmo fornecedor, alegando urgência, demonstra assim ou uma incompreensível falta de planeamento ou uma estratégia deliberada para contornar os procedimentos normais de contratação pública, nomeadamente concursos públicos ou limitados por prévia qualificação. A renovação sucessiva com a mesma empresa cria também um ambiente de favorecimento e reduz a transparência e a concorrência, violando princípios fundamentais do Código dos Contratos Públicos.

    O PÁGINA UM contactou o Ministério das Finanças para obter esclarecimentos adicionais sobre estes sucessivos ajustes directos, incluindo a razão pela qual nem sequer consta ainda no Portal Base a sustentação legal para os serviços de limpeza entre Julho e Outubro deste ano. De igual modo, procurou-se saber se o Ministério agora liderado pelo social-democrata Miranda Sarmento também usou despachos de algum secretário de Estado para ‘abrigar’ a continuação dos ajustes directos. Não houve resposta. Nem se sabe também qual o motivo para um concurso público para serviços de limpeza da AT, promovido pela Unidade Ministerial de Compras do Ministério das Finanças anda a ‘vegetar’ desde 2022.


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  • Pivot da CNN comprado por agência de comunicação para evento da Direcção-Geral da Saúde

    Pivot da CNN comprado por agência de comunicação para evento da Direcção-Geral da Saúde

    Desconfianças há muitas sobre a promiscuidade entre jornalistas, agências de comunicação e entidades públicas, mas raramente existem provas. Mas, desta vez, existem. João Póvoa Marinheiro, jornalista e conhecido pivot da CNN Portugal, que ainda na semana passada entrevistou António José Seguro, foi contratado em Outubro pela agência LPM para apresentar a cerimónia dos 125 anos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) com a presença da ministra da Saúde e ‘aparições virtuais’ do primeiro-ministro e do Presidente da República. A entidade pública pagou à LPM mais de 77 mil euros pela organização deste evento de apenas três horas e por um vídeo de menos de dois minutos, e impôs ainda uma condição expressa no caderno de encargos: para a apresentação deveria ser contratada uma “figura pública”. João Póvoa Marinheiro predispôs-se assim a ‘mercadejar’ o seu estatuto de jornalista, disponibilizando-se a prestar serviços de ‘mestre de cerimónias’ à LPM, a conhecida agência de comunicação fundada por Luís Paixão Martins. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista promete intervir, e o pivot da CNN Portugal arrisca a cassação do seu título.


    A agência de comunicação LPM, fundada por Luís Paixão Martins e actualmente gerida por um filho, contratou o jornalista João Póvoa Marinheiro (CP 6766), um dos mais conhecidos pivots da CNN Portugal, para apresentar, sob a forma de prestação de serviços, o evento comemorativo do 125º aniversário da Direcção-Geral da Saúde (DGS), que se realizou no mês passado.

    A garantia de contratação do jornalista para um serviço de marketing e de relações públicas – absolutamente incompatível com o Estatuto do Jornalista e susceptível de cassação da carteira profissional – consta do caderno de encargo de um contrato entre a DGS e a LPM no valor de 62.820 euros, recentemente colocado no Portal Base. Com IVA, tudo ficou em 77.269 euros.

    Jornalista e pivot da CNN Portugal foi apresentador de evento da Direcção-Geral da Saúde, depois de ser contratado pela LPM, uma agência de comunicação fundada por Luís Paixão Martins.

    De acordo com esse documento, além da concepção de um vídeo sobre a DGS “até 10 minutos” – mas que foi ‘despachado’ em 1 minuto e 45 segundos –, a LPM comprometeu-se a realizar a “gestão, organização e coordenação do evento de aniversário dos 125 anos, para até 400 pessoas, a realizar a 4 de Outubro de 2024”, e que deveria obrigatoriamente incluir “a contratação de figura pública para apresentação do evento”, além da realização de assessoria de imprensa e actividades de logística.

    João Póvoa Marinheiro foi assim a “figura pública” paga para fazer de ‘mestre de cerimónia’ de todo o evento que decorreu durante a manhã desse dia, dando as boas-vindas, de introdução e prestação de agradecimento aos convidados – que incluiu presencialmente a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e em vídeo do primeiro-ministro e do Presidente da República –, de anúncio do ‘coffee break’ e de despedidas. Foi uma dezena de aparições do jornalista João Póvoa Marinheiro ao melhor estilo de apresentador de uma qualquer ‘Miss Portugal’. O pivot é jornalista acreditado desde 2017.

    A contratação, a troco de uma compensação financeira, por parte de uma empresa de consultadoria e de comunicação de um jornalista é uma prática que viola claramente o Estatuto do Jornalista, ainda mais grave por se tratar do pivot da CNN Portugal com uma intervenção pública relevante no canal da Media Capital. Por exemplo, ainda no dia 22, João Póvoa Marinheiro co-entrevistou, ao lado de Nuno Santos, director da CNN Portugal, o ex-secretário-geral do PS José António Seguro, putativo candidato às presidenciais.

    Ao lado de Nuno Santos, director da CNN Portugal, João Póvoa Marinheiro entrevistou na semana passada uma entrevista a António José Seguro. Pelo Estatuto do Jornalista, o pivot teria de estar sem exercer jornalismo por um prazo mínimo de três meses após a incompatibilidade.

    Fazer apresentações públicas usando-se da credibilidade da profissão é considerado, no Estatuto do Jornalista, uma grave incompatibilidade. Esta lei de 1999 considera impeditivo que um jornalista exerça funções de marketing e relações públicas, que se enquadram em eventos da natureza do aniversário da DGS, onde João Póvoa Marinheiro se prestou a ser um mero ‘mestre de cerimónias’, vendendo a cara e a voz. Na verdade, o pivot da CNN fez mesmo actos de publicidade, uma vez que uma norma do Estatuto do Jornalista determina que se deve considerar “actividade publicitária incompatível com o exercício do jornalismo a participação em iniciativas que visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade pessoal ou institucional do jornalista, quando aquelas não sejam determinadas por critérios exclusivamente editoriais”.

    De acordo com a mesma lei, se o pivot da CNN quisesse mesmo assim receber o dinheiro pago pela LPM teria então de entregar previamente o título profissional, antes da realização do evento, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, mas ficaria depois sujeito um ‘período de nojo’. Ou seja, estaria impedido, devido a essa incompatibilidade, de exercer actividade jornalística “por um período mínimo de três meses”.

    Além disso, findo o período dessa incompatibilidade, continuaria impedido, “por um período de seis meses, de exercer a sua actividade em áreas editoriais relacionadas com a função que desempenhou, como tais reconhecidas pelo conselho de redacção” da CNN Portugal. Nada disso sucedeu.

    João Póvoa Marinheiro a apresentar a ministra do Saúde durante o evento.

    João Póvoa Marinheiro não é, porém, ‘virgem’ as andanças de cometer violações ao Estatuto do Jornalista. No seu site pessoal, que funciona também como de promoção, o pivot da CNN Portugal lista as suas prestações como ‘host’ de eventos pagos, que iniciou em 2021. Nos últimos dois anos, se incluirmos o evento da DGS (que ainda lá não está), contabilizam-se seis participações desta natureza.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos tanto à LPM, através do seu administrador João Paixão, como ao jornalista João Póvoa Marinheiro. Nenhum respondeu. Contactada pelo PÁGINA UM, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) diz não haver nenhum registo de depósito da carteira profissional do jornalista João Póvoa Marinheiro, confirmando-se assim que agiu na apresentação do evento enquanto tinha título activo, e acrescenta que “qualquer situação que possa configurar uma violação do regime de incompatibilidades” será “devidamente investigada, o que acontecerá no caso vertente, e, se for o caso, serão desencadeados os procedimentos previstos na lei”.


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  • Pena suspensa: Tarde de tiros

    Pena suspensa: Tarde de tiros


    Hoje, na rubrica ‘Caderno dos Mundos’, uma reportagem de Rui Araújo, publicada no jornal Semanário na edição de 23 de Julho de 1988, sobre José Manuel, 30 anos, casado, três filhos, canalizador, montador de andaimes e agora réu por injúrias e desobediência à Autoridade.


    Foto: Rui Araújo

    TARDE DE TIROS

    José Manuel, 30 anos, casado, três filhos, canalizador, montador de andaimes e agora réu por injúrias e desobediência à Autoridade.

    Versão da PSP 

    (AUTO DE NOTÍCIA)

    «Sai daí, palhaço! Manda andar esta merda!» Perante tal fraseado, aconselhei o réu a mudar a sua compostura. Só que o mesmo, em vez de se moderar, repetiu as mesmas frases e ainda acrescentou: «Vai para o c… , que é o que tu queres!» Em face disso, mandei-o encostar, mas o mesmo não só não parou como acelerou a viatura passando pela minha esquerda em grande velocidade, ao mesmo tempo que gesticulava frases imperceptíveis.»

    Perante tal atitude movemos-lhe perseguição, alcançando-o. Colocando-me ao lado do veículo, voltei a ordenar que parasse a viatura. Este disse a seguinte frase: «Eu paro mas é o c…».

    Fizemos todas as tentativas em vão. Tivemos de abandonar aquela posição para não sermos colhidos. Em vez de afrouxar ainda acelerava mais. Optei por fazer um disparo de pistola para o ar com o intuito de intimidar, mas, como isso não aconteceu disparei mais três tiros para os pneus não acertando em nenhum deles. O mesmo prosseguiu a fuga só vindo a parar 500 metros mais à frente por não ter onde passar devido a um congestionamento do trânsito por motivo da ocorrência de um acidente de viação. Uma vez imobilizado, o condutor foi instado a facultar a documentação referente a si e à viatura, ao que respondeu: «Tenho-os aqui, mas não os dou a merdas como vocês! Nem saio de dentro do carro.» Assim, dei-lhe voz de detenção. Uma vez nesta Divisão de Trânsito, o detido foi submetido ao teste alcoolémico onde acusou 3,8 gr de álcool por litro (NOTA: Limite legal é de 0,49 gr/l).»

    selective-photography of stop signage
    Foto: D.R.

    Versão do réu

    — Eu vou de carro. O polícia manda-me parar ali na Rotunda, mas quando olho para o meu lado direito verifico que estão ali parados autocarros. Levo o meu vidro a meio. Também penso que não é para mim. Continuo a andar. Com as motas atrás. Deixo-as andar. Sem dizer patavina. Mandam-me encostar. Chego a determinado sítio e eles  começam a atirar tiros. Aí, paro. Conforme eu paro, abrem-me a porta do carro e sacodem-me cá para fora. Agarro-me ao braço desse agente que ia a cair também, mas vem o outro. Agarra-me, dá-me com o joelho nas «partes», amanda-me um murro na cara, passa-me as algemas, põe-me dentro do carro patrulha e leva-me para baixo. Lá, conversei com eles porreiramente. Se eu não tivesse bebido, não tinha dito nada. Eu até sou um gajo que anda na estrada… E obedeço sempre às patrulhas. Até à data de hoje nunca levei uma multa.

    Versão do tribunal

    (SENTENÇA)

    «Houve crime de desobediência e injúrias. Como os agentes da PSP declaram não desejar procedimento pelas palavras injuriosas, o réu vai condenado em 40 contos (200 euros) de multa ou, em alternativa, 36 dias de prisão.»


    Reportagem originalmente publicada no jornal Semanário, na edição de 23 de Julho de 1988.


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