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  • Medina dá 2,8 milhões de euros à Cuatrecasas por ser ‘única’, mas afinal contrato permite subcontratação

    Medina dá 2,8 milhões de euros à Cuatrecasas por ser ‘única’, mas afinal contrato permite subcontratação


    O ainda ministro das Finanças, Fernando Medina decidiu contratar por quase 2,8 milhões de euros a sociedade de advogados Cuatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, sem abrir qualquer concurso público, com vista a representar o Estado português num diferendo em tribunal arbitral com três fundos das ilhas Maurícias que terão perdido 260 milhões de euros durante o processo de resolução do Banco Espírito Santo.

    A Suffolk, a Mansfield e a Silver Point Mauritius reclamam ter perdido 260 milhões no processo de liquidação do BES, por os seus créditos terem sido classificados pela comissão liquidatária como “subordinados”, o que implicou a perda total do investimento. Os três fundos sedados neste paraíso fiscal no Oceano Índico intentaram uma acção há cerca de um ano, alegando que esta decisão viola um acordo entre as Maurícias e Portugal, assinado no final de 1997, para promoção e protecção recíproca de investimentos.

    © Ministério das Finanças

    A escolha a dedo da Cuatrecasas foi apenas ontem revelada no Portal Base, mas concretizada no passado dia 17 de Novembro, com a assinatura de um contrato por ajuste directo no valor de 2,25 milhões de euros (quase 2,8 milhões, incluindo IVA). Contudo, desde pelo menos desde Fevereiro do ano passado, era do conhecimento público que a Cuatrecasas estaria a trabalhar com o Ministério das Finanças neste processo, o que implica que já terá sido executadas tarefas sem suporte contratual, o que constitui uma irregularidade grave à luz do Código dos Contratos Públicos. O contrato refere apenas que as diligências serão tomadas ao longo de 2024.

    Porém, mais grave ainda é a justificação para a opção pelo ajuste directo, com a qual a Cuetrecasas vai ‘sacar’ ao erário público quase 2,8 milhões de euros sem sequer necessitar provar ser a melhor ou apresentar a mais favorável relação qualidade-preço em concurso público. De acordo com o contrato escrito, para a aquisição sem concurso público do patrocínio judiciário à Cuatrecasas no âmbito do diferendo arbitral, a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças invocou uma excepção que permite ajustes directos em caso em que “não exista concorrência por motivos técnicos”.

    Ou seja, ignorando-se o método do Ministério das Finanças para apurar a inexistência de concorrência por motivos técnicos – o PÁGINA UM não obteve quaisquer resposta aos pedidos de esclarecimentos feitos pelo gabinete de Fernando Medina –, a invocação desta norma significa que, de entre as 1252 sociedades inscritas na Ordem dos Advogados, das quais 749 no Conselho Regional de Lisboa e 371 no Porto, não havia mais nenhuma, a não ser a Cuatrecasas, com capacidade técnica e jurídica para defender o Estado português. Na verdade, talvez houvesse mais outra: a PLMLJ, mas essa terá sido a escolhida pelos fundos das Maurícias para o dirimir o diferendo que surge ao abrigo de um acordo bilateral sobre promoção e protecção recíproca de investimentos. E portanto, não poderia ser uma escolha.

    aerial photography of island beside body of water
    Acordo bilateral de protecção de investimentos assinado em 1997 entre Portugal e as Ilhas Maurícias é a derradeira oportunidade de três fundos daquele paraíso fiscal recuperarem investimentos perdidos no BES. Quem ganhará sempre são as sociedades de advogados.

    Além de ser temerário passar ‘atestados de incompetência’ a 1250 sociedades de advogados a trabalharem em território português (excluindo-se, assim, a escolhida, a Cuatrecasas, e a que defende os fundos, a PLMJ), o contrato celebrado pelo Ministério das Finanças acaba por cometer uma incongruência, que faz ruir toda a tese da alegada inexistência de concorrência por motivos técnicos.

    Com efeito, na cláusula 10ª do contrato – onde não sequer é possível apurar a formação do preço contratual, incluindo os honorários por hora – coloca-se a possibilidade de a Cuatrecasas poder “recorrer à subcontratação de serviços a prestar por terceiro, desde que obtenha para tal autorização prévia” do Ministério das Finanças.

    E indica-se depois, na cláusula 11º, uma longa lista de critérios de orientação das subcontratações a serem feitas, denunciando assim que as partes (Cuatrecasas e Ministério das Finanças) assumiam a incapacidade daquela sociedade de advogados em desenvolver sozinha todas as tarefas contratuais, necessitando de ajuda especializada de outras sociedades ou de outros advogados. Portanto, o próprio contrato mostra que, na verdade, haverá outras sociedades de advogados com mais experiência (isoladas ou em consórcio), de contrário não ficaria expressa a possibilidade de subcontratação. Em suma, o próprio contrato denuncia que a Cuatrecasas é uma espécie de ‘empreiteiro’ que só consegue construir um ‘edifício’ para o qual receberá quase 2,8 milhões de euros, se subcontratar ‘pedreiros’ a outras empresas – mas, no entanto, receberá os 2,8 milhões de euros de ajuste directo por alegadamente ser a única capaz de construir o tal ‘edifício’.

    A Cuatrecasas é uma das 1252 sociedades de advogados inscritas na respectiva Ordem. Todas as outras, com excepção da PLMJ (que defende a outra parte), foram consideradas ‘incompetentes’ pelo Ministério das Finanças para defender o Estado num tribunal arbitral.

    Saliente-se que tem sido interpretação do Tribunal de Contas que a opção pelo ajuste direto, por razões técnicas, só é admitida quando no mercado apenas exista ou se mostre habilitada uma empresa ou entidade capaz de executar o contrato, o que não aparenta nada ser o caso do contrato de ‘mão beijada’ ganho pela Cuatrecasas por intercessão do ministro Fernando Medina.

    Não tendo sido ainda possível apurar qual será a decisão do Tribunal de Contas sobre este caso em concreto, certo é que já ocorreram várias situações de recusa de visto quando se invoca indevidamente a ausência de concorrência por motivos técnicos.

    Por exemplo, um contrato de seguros da Infraestruturas de Portugal celebrado em Abril de 2021 por ajuste directo à Fidelidade, no valor de quase 3,3 milhões de euros, foi considerado nulo pelo Tribunal de Contas, uma vez que o argumento “carec[ia] de fundamento legal”. O Tribunal de Contas concluiu que a Infraestruturas de Portugal – a entidade pública que mais ajustes directos celebra –, deveria […] ter lançado mão de um procedimento de concurso público, com publicidade internacional, que desse plena aplicação aos princípios gerais da contratação pública, designadamente ao princípio da concorrência”.

    Ricardo Salgado, líder do BES, continua indirectamente a dar dinheiro a ganhar a sociedade de advogados.

    Recorde-se que a contratação de sociedades de advogados por ajuste directo, alegando ausência de concorrência, tem sido uma prática sistemática por diversas entidades, com o Banco de Portugal à cabeça, mesmo quando os montantes ultrapassam a fasquia de um milhão de euros. As sociedades de advogados Cuatrecasas e a Vieira de Almeida são as principais beneficiadas num clima de completo desrespeito pela transparência, pelas leis da concorrência e pela gestão adequada dos dinheiros públicos.

    O contrato entre a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças e a Cuatrecasas integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no 5 de Fevereiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV


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    Ontem, dia 5 de Fevereiro, no Portal Base foram divulgados 900 contratos públicos, com preços entre os 9,02 euros – para aquisição de produtos para reparação de secretária, pela Unidade Local de Saúde da Região de Leiria, através de ajuste directo – e os 9.854.518,19 euros – para empreitada de concepção e construção das acções previstas no projecto de Investimentos n.º 84 – Parque Empresarial de Chaves, pelo Município de Chaves, através de concurso limitado por prévia qualificação.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 14 contratos, dos quais 11 por concurso público, dois ao abrigo de acordo-quadro e um por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 15 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Secretaria-Geral do Ministério das Finanças (com a Cuatrecasas, Gonçalves Pereira & Associados – Sociedade de Advogados, no valor de 2.250.000,00 euros); Município de Almada (com a S.A. Ramos – Construções, no valor de 223.694,95 euros); Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (com a Rubramac – Construção e Terraplanagem, no valor de 196.846,10 euros); dois do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (ambos com a Sá Limpa – Sociedade de Limpezas, no valor de 182.653,21 euros); Agência para a Integração, Migrações e Asilo (com a Securitas – Serviços e Tecnologia Segurança, no valor de 181.795,78 euros); Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (com a Instituto São João de Deus, no valor de 151.200,00 euros); Ordem dos Enfermeiros (com a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, no valor de 150.000,00 euros); Direcção Regional das Obras Públicas e Transportes Terrestres (com a Marques, S.A., no valor de 149.850,78 euros); Município de Braga (com a Mind Software Multimédia Industrial, no valor de 148.400,00 euros); Centro Hospitalar Universitário de Santo António (com a Gilead Sciences, no valor de 138.000,00 euros); Centro Hospitalar Universitário de São João (com a Willis – Correctores de Seguros, no valor de 137.227,52 euros); Rádio e Televisão de Portugal (com a Ibertelco – Electrónica, no valor de 115.795,80 euros); Unidade Local de Saúde do Alto Minho (com a Praxis – Segurança, no valor de 110.492,13 euros); e a Museus e Monumentos de Portugal (com a Maria Rita Goulart de Medeiros Albuquerque Bettencourt, no valor de 100.000,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 5 de Fevereiro

    1Concepcão e construção das acções previstas no projeto de Investimentos n.º 84 – Parque Empresarial de Chaves

    Adjudicante: Município de Chaves

    Adjudicatário: NOS – Comunicações; BrightCity

    Preço contratual: 9.854.518,19 euros

    Tipo de procedimento: Concurso limitado por prévia qualificação


    2Empreitada de construção de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas – Residência S. Barnabé (Faro)

    Adjudicante: Fundação S. Barnabé

    Adjudicatário: Rui Vilaça Pinheiro Lda.

    Preço contratual: 3.745.557,54 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Execução de obra de construção civil

    Adjudicante: Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora da Luz

    Adjudicatário: RDF Construções – Sociedade Imobiliária

    Preço contratual: 2.947.902,78 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Fornecimento de electricidade em regime de mercado livre para Portugal Continental

    Adjudicante: Polícia Judiciária

    Adjudicatário: Iberdrola

    Preço contratual: 2.394.095,00 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    5Empreitada de construção do Centro de Interpretação Ambiental do Algar do Carvão

    Adjudicante: Direcção Regional das Obras Públicas e Transportes Terrestres

    Adjudicatário: Marques, S.A.

    Preço contratual: 2.367.154,96 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 5 de Fevereiro

    1 Aquisição de serviços de patrocínio judiciário em representação do Estado Português

    Adjudicante: Secretaria-Geral do Ministério das Finanças

    Adjudicatário: Cuatrecasas, Gonçalves Pereira & Associados – Sociedade de Advogados

    Preço contratual: 2.250.000,00 euros


    2Empreitada designada “RAC Bataria da Raposa – Edifício dos Sapadores”

    Adjudicante: Município de Almada

    Adjudicatário: S.A. Ramos – Construções

    Preço contratual: 223.694,95 euros


    3Empreitada de ampliação das instalações da sede da CIM do Médio Tejo

    Adjudicante: Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo

    Adjudicatário: Rubramac – Construção e Terraplanagem

    Preço contratual: 196.846,10 euros


    4Aquisição de serviços de higiene e limpeza

    Adjudicante: Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil

    Adjudicatário: Sá Limpa – Sociedade de Limpezas

    Preço contratual: 182.653,21 euros


    5Aquisição de serviços de higiene e limpeza para Fevereiro de 2024

    Adjudicante: Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil

    Adjudicatário: Sá Limpa – Sociedade de Limpezas

    Preço contratual: 182.653,21 euros


    MAP

  • Campanhas eleitorais: oficialmente, já quase ninguém faz donativos aos partidos

    Campanhas eleitorais: oficialmente, já quase ninguém faz donativos aos partidos

    Em 2005, os donativos pessoais para as campanhas eleitorais ainda pesavam nas contas dos partidos políticos. No primeiro acto eleitoral em que as contas partidárias começaram a tornar-se públicas, o Partido Socialista e o Partido Social Democrata ainda angariaram, em conjunto, 800 mil euros. Mas, a partir dessas eleições, os montante estranhamente começaram a minguar, e actualmente são quase irrelevantes. Para as eleições do próximo 10 de Março, os diversos partidos estimam receber, em conjunto, um total de 273.300 euros em donativos, mas esse valor dificilmente será atingido. Por exemplo, em 2022 só houve cinco partidos a declararem donativos, que atingiram apenas 37.745 euros.


    Os partidos políticos já quase não recebem donativos para as campanhas eleitorais – ou, pelo menos, é aquilo que consta dos orçamentos e das suas contas. De acordo com as expectativas de receitas dos 15 partidos e coligações, entregues na semana passada na Entidades das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), os donativos apenas representam 3,3% do total dovalor total orçamentado para gastos da próxima campanha para as Legislativas de 10 de Março, representando apenas 273.300 euros.

    Embora seja muito previsível que estes valores sejam substancialmente rectificados após as eleições, sobretudo por uma das receitas (subvenções do Estado) dependerem dos resultados dos votos recoilhdos, os partidos que entregaram o seu orçamento apontam para um gasto total de um pouco mais de 8,3 milhões de euros. Deste montante, 85,5% virá das subvenções estatais – que em alguns partidos poderá ficar aquém do que estimam – e 11,2% de outras proveniências, em especial de fundos próprios.

    No entanto, aquilo que mais se destaca nos orçamentos dos partidos para os gastos eleitorais, além da disparidade dos valores – Partido Socialista e Aliança Democrática estão num patamar de gastos muito superior ao dos outros partidos com assento parlamentar, enquanto os outros partidos têm previsões de gastos ínfimos –, acaba por ser a fraca confiança na angariação de donativos.

    Com efeito, para as próximas eleições há mesmo seis partidos que nem sequer aguardam qualquer vintém em donativos para suportar os custos da campanha, incluindo Partido Socialista, Chega, PAN e Livre. Por sua vez, a Aliança Democrática e a Iniciativa Liberal são os mais esperançosos, aguardando apoios financeiros de 75 mil euros, enquanto o Volt e a Nova Direita esperam que os donativos possam suportar a totalidade ou quase das despesas de campanha.

    Saliente-se que os donativos só pode ser feitos a título individual, estando vedados a empresas, e com um limite de 12.725 por pessoa (25 vezes o IAS) e por transferência bancária. E devido às limitações decorrentes da lei, será previsível que os valores agora apontados (273.300 euros) ainda fiquem aquém quando se fizer a contabilidade no fim das eleições.

    Por exemplo, nas eleições legislativas de 2022, o Partido Socialista aguardava por 100.000 euros de donativos, mas acabou por declarar nas suas contas que não recebeu qualquer verba. Neste acto eleitoral, o partido com maior verba de donativos foi a Iniciativa Liberal, que recebeu por esta via 38.868 euros, embora tivesse orçamentado atingir os 150 mil euros. Neste acto eleitoral só houve cinco partidos (PSD, PCTP-MRPP, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal e CDU) que indicaram ter recebido donativos, que atingiram, no conjunto, somente os 37.745 euros.

    Numa consulta do PÁGINA UM às contas das diversas eleições legislativas desde 2005, mostra-se notório que os partidos estão, de forma oficial, a receber cada vez menos dinheiro através de donativos. Nas eleições de 2019, de entre os partidos com assento parlamentar, o Bloco de Esquerda foi o partido que mais dinheiro recebeu (um pouco menos de 65 mil euros), seguindo-se o PS, com quase 48 mil euros, mesmo se nem sequer colocara qualquer valore expectável no orçamento enviado previamente para a ECFP.

    Também o PSD e o CDS não esperavam receber donativos para esta campanha, e acabaram a receber verbas muito baixas: 5.688 e 10.000 euros, respectivamente. Ao invés, o Chega – que nestas eleições entrou para o Parlamento, com André Ventura – garantiu não ter recebido quaisquer donativos, um ‘insucesso’ se considerarmos que ambicionava arrecadar 100 mil euros por esta via.

    Orçamentos da campanha eleitoral de 10 de Março por partido. Fonte: ECFP. Análise: PÁGINA UM.

    O último acto eleitoral em que houve um partido político a receber mais de 100 mil euros de donativos foi o de 2015, que levou António Costa para o Governo, com a criação da geringonça. Apesar de ter ficado em segundo nas eleições, atrás da coligação PàF, o PS foi aquele que mais recebeu de donativos: 159.068 euros, quando orçamentara 150 mil. Por sua vez, a coligação entre Passos Coelho e Paulo Portas somente recebeu 6.240 euros, tendo ambicionado amealhar 75 mil. O Bloco de Esquerda e a CDU também superaram as expectativas iniciais, recebendo cerca de 41 mil e 61 mil euros em donativos, bem acima dos estimado.

    Os dois actos eleitorais anteriores (2011 e 2009) não fugiram à regra do baixo volume de receitas a partir de donativos. Em 2011 nenhum partido ultrapassou os 30 mil euros em donativos, e em 2009 o máximo foi alcançado pelo PS, mas muito abaixo das expectativas: 91.237 euros face aos 600 mil euros orçamentados.

    Em todo o caso, há um ‘mistério’ na evolução dos donativos na ajuda aos partidos políticos para as campanhas eleitorais, porque para as de 2005, a primeira em que se tornou obrigatória a divulgação dos orçamentos e das contas finais, o fluxo financeiro mostrou-se incomensuravelmente superior aos dos anos seguintes. Nesta altura, os partidos viam os donativos como um maná importante, embora todos com mais olhos do que barriga.

    O mais optimista foi o então Partido Popular, liderado por Paulo Portas, que ambicionou receber quase 2,6 milhões de euros provenientes de donativos. Correu mal: só amealharam 13 mil euros, o partido perdeu dois lugares no Parlamento e o PS obteve a maioria absoluta com José Sócrates. Quanto ao PSm esperava receber 1,55 milhões de euros, mas ficou-se pelos 448.963 euros, enquanto o PSD desejava sacar meio milhão de euros de donativos, e apenas obteve um pouco menos de 353 mil euros.

    Mesmo assim, neste acto eleitoral, os dois principais partidos portugueses cerca de 800 mil euros em donativos, o que contrasta com a situação da campanha que se avizinha para as eleições de 10 de Março: o PSD, integrado na Aliança Democrática, já espera receber 75 mil euros e o PS nem sequer está a contar com alguma coisa. Pouco relevante será: as subenção estatal, com o dinheiro dos contribuintes, continuará a compensar a perda de doadores.

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  • Nova sede na CGD: Governo escolhe (a dedo) arquitecto e Siemens alegando inexistência de concorrência

    Nova sede na CGD: Governo escolhe (a dedo) arquitecto e Siemens alegando inexistência de concorrência

    O arquitecto Diogo Lima Mayer, também dono da Coudelaria do Monte Velho, foi o ‘feliz contemplado’ com um contrato por ajuste directo para a o projecto de reabilitação dos interiores da sede da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que se prevê venha a receber os ministérios governamentais. O contrato de ‘mão beijada’, com uma transferência bancária prevista de 940 mil euros (com IVA), tem uma razão ‘sui generis’: o Governo diz que não há mais ninguém capaz desta tarefa, argumentando inexistência de concorrência por motivos técnicos. Também a Siemens não se pode queixar: já garantiu um contrato para instalação de climatização no piso 7 da CGD no valor de 1,2 milhões de euros. Também sem concurso público porque, segundo o Governo, nenhuma outra empresa nacional ou internacional é capaz para esta empreitada. Além de estes contratos indiciarem que o actual Governo demissionário quer ‘despachar’ mais ajustes directos para a reabilitação da CGD, a justificação é temerária, porque é um autêntico ‘atestado de incompetência’ à concorrência dos ‘escolhidos’ (a dedo), neste caso aos gabinetes de arquitectura e empresas de climatização.


    O Governo está a escolher a dedo quem bem quer para executar os diversos projectos para a preparação da mudança dos ministérios e gabinetes governamentais no edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos. Antes da queda do Governo de António Costa, a estimativa de custos atingia os 40 milhões de euros, provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

    Os dois primeiros contratos, entretanto publicados no Portal Base já depois da demissão do Governo, indiciam uma clara ‘estratégia’ em afastar a concorrência e optar por determinadas empresas, usando um expediente pouco ortodoxo: argumentar a inexistência de concorrência por motivos técnicos. Mesmo quando a aquisição de serviços não aparenta absolutamente nada uma tal complexidade que seja minimamente provável que não houvesse quem fizesse melhor e com um preço mais adequado.

    Um dos casos passa-se com a contratação da Intergaup, o gabinete do arquitecto Diogo Lima Mayer, também proprietário da Coudelaria do Monte Velho, em Arraiolos, que inclui um boutique hotel. Por um montante bastante apreciável – 760.885 euros (cerca de 940 mil euros com IVA) –, a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministro decidiu contratar a Intergaup para a “elaboração do projeto de arquitetura e coordenação de especialidades”, através de um contrato celebrado em 21 de Dezembro do ano passado, e com um prazo de execução de três anos. No contrato que consta no Portal Base, o Governo é extremamente omisso, como geralmente sucede, na definição em concreto do objecto, remetendo para um caderno de encargos, que não se encontra naquela plataforma da contratação públicas.

    O PÁGINA Um pediu, contudo, esse caderno de encargos à Presidência do Conselho de Ministros que acabou por enviar alguns elementos, mas não todos, alegando necessidade de “expurgo dos dados pessoais” e retirar “alguns aspectos relacionados com as especificações técnicas que possa, de alguma forma pôr em causa alguns requisitos de segurança”.

    Mas mesmo perante a falta de alguns elementos essenciais, nada no caderno de encargos e sobretudo na memória descritiva e justificativa, parece, passe o pleonasmo, justificar a escolha da Intergraup através de um contrato de mão-beijada, afastando a concorrência – que haveria se fosse lançado um concurso público. De facto, em causa estão apenas intervenções, sem elevada complexidade ou necessidade de ‘criação artística’ ao nível de design de interiores, incluindo instalações sanitárias, reparação de tectos, execução de paredes divisórias para salas de trabalho e de videochamada, reformulações na circulação, e definição de gabinetes em nove pisos, um dos quais, o oitavo, com 197 postos de trabalho e 25 gabinetes afectos ao Primeiro-Ministro. Contabilizado, para já, está a integração de mais de 4400 trabalhadores ligados ao Governo e Administração Pública.

    Na listagem das tarefas a executar pelo gabinete de arquitectura encontra-se também a elaboração de um plano de manutenção e intervenção em fachadas e coberturas, a mudança da identidade exterior do edifício após a saída da CGD e um projecto de reformulação dos espaços exteriores e das áreas desportivas. Nada que centenas de gabinetes de arquitectura não podem almejar conseguir apresentar, mas que não será já possível porque a Presidência do Conselho de Ministro garante que o arquitecto dono da Coudelaria do Monte Velho é o único capaz, não existindo concorrência por motivos técnicos. Aliás, a somar a isto não fica absolutamente nada claro como foi definido o preço do contrato.

    Na mesma linha está o contrato de intervenção do sétimo piso que já foi entregue à Siemens também por contrato por ajuste directo celebrado no dia 22 de Dezembro por 999.346,83 euros. O texto publicado no Portal Base é completamente omisso sobre do que se trata, referindo somente que é uma “empreitada de conceção construção de alterações de instalações especiais do Campus APP” [sic], remetendo para tipologias, quantidades e especificações constante de um caderno de encargos que também não surge na plataforma de contratação.

    Também neste caso, os elementos parciais enviados pela Presidência do Conselho de Ministros ao PÁGINA UM apenas servem para aumentar a estranheza por não ter sido lançado um concurso público para uma simples empreitada de obras públicas, e se tenha alegado a inexistência de concorrência por motivos técnicos para dar um milhão de euros à Siemens.

    António Costa, primeiro-ministro de Portugal. A Presidência do Conselho de Ministros achou por bem ‘passar um atestado de incompetência’ aos gabinetes de arquitectura e às empresas de climatização.

    De facto, somente pela leitura do programa preliminar se consegue perceber esta “empreitada de conceção construção de alterações de instalações especiais do Campus APP”: trata-se de uma melhora no sistema de climatização para o sétimo piso do edifício da CGD, com uma área bruta de intervenção de oito mil metros quadrados, através de um sistema de aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC). Mas também aqui causa estranheza que a Siemens possa ser a única empresa no mercado, nacional e internacional, capaz de executar uma obra desta natureza. Isto porque o argumento usado é o mesmo: o ajuste directo pode adoptar-se quando “não exista concorrência por motivos técnicos”. O Governo acha que basta invocar, sem justificar de forma clara, para ser verdade.

    Saliente-se que em Novembro passado, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, anunciou que o Tribunal de Contas já dera o visto para avançar as obras, embora estes dois contratos tenham sido celebrados após esta declaração da governante. Estes dois contratos serão os primeiros de um conjunto mais alargado, que poderão custar no total cerca de 40 milhões de euros.

    O Governo assegura que a concentração dos ministérios – numa primeira fase os da Habitação, Infraestruturas, Economia, Coesão Territorial, Agricultura e Ambiente – resultará numa poupança de 800 mil euros por ano, em rendas pagas pelo Estado a privados, e de 5 milhões de euros por ano em encargos com a gestão de serviços. E diz ainda que os imóveis públicos a desocupar estão avaliados em cerca de 600 milhões de euros, podendo ser reabilitados para reforço da oferta habitacional.


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  • ERC prepara ‘xeque-mate’ ao World Opportunity Fund no controlo da Global Media

    ERC prepara ‘xeque-mate’ ao World Opportunity Fund no controlo da Global Media

    A demissão de José Paulo Fafe da liderança executiva da Global Media – que detém os periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e ainda a rádio TSF – abre portas à ‘bomba atómica’ nunca usada antes pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social: a suspensão dos direitos de voto do World Opportunity Fund. O PÁGINA UM teve acesso aos documentos enviados pelo fundo das Bahamas ao regulador, onde se persiste em não identificar o nome dos investidores, permitindo assim à entidade liderada por Helena Sousa não apenas retirar os direitos de voto à UCAP Bahamas (que gere o WOF) como também confiscar os bens patrimoniais. Resta saber como reagirá o WOF, que aparentemente já investiu 12 milhões de euros na Global Media.


    Foram cinco atribulados meses, e hoje mais um episódio se concluiu, e com o habitual estrondo: José Paulo Fafe, CEO da Global Media indicado pelo World Opportunity Fund (WOF) – o fundo de investimento das Bahamas que controla este grupo de media – demitiu-se das suas funções de presidente da comissão executiva (CEO). Em comunicado, o antigo jornalista que era a única face visível do WOF justifica a demissão por “considerar estarem esgotadas as condições para exercer essas funções, nomeadamente os pressupostos essenciais, nomeadamente o necessário entendimento entre acionistas, para levar a cabo a reestruturação editorial que há muito este grupo necessita, único caminho possível para o reposicionamento dos seus principais títulos e marcas, condição indispensável para o seu crescimento e expansão.“

    Fafe estava já completamente isolado num Conselho de Administração que perdeu, desde Dezembro, cinco membros: Filipe Nascimento, Paulo Lima Carvalho, Victor Menezes, Diogo Agostinho e Carlos Beja. Na verdade, resta agora apenas o presidente (não-executivo), Marcos Galinha, apesar de deter uma posição na Global Media de forma indirecta e sem direito sequer a voto, uma vez que é parceiro minoritário (49%) do WOF na empresa Páginas Civilizadas. Ou seja, o empresário do Grupo Bel não tem, em teoria, qualquer voz activa, porquanto o fundo das Bahamas possui dois dos três gerentes na Páginas Civilizadas, pelo que é a posição maioritária nessa empresa a ser levada a uma assembleia geral da Global Media.

    José Paulo Fafe demitiu-se hoje de CEO da Global Media, mas não revela as intenções do World Opportunity Fund que arrisca muito perder os direitos de voto e ter mesmo os bens ‘confiscados’.

    No entanto, embora se ignore ainda se José Paulo Fafe se manterá como gerente das Páginas Civilizadas – que continua a ser o accionista maioritário da Global Media –, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) está na iminência de retirar os direitos de voto do WOF, uma vez que o fundo de investimento mantém a recusa de divulgar a lista nominativa dos seus investidores.

    Com efeito, o PÁGINA UM teve acesso aos documentos enviados à ERC por correio registado na quarta-feira da semana passada – e que está em análise por um núcleo muito restrito de pessoas que integram o regulador – onde Fafe justifica que a UCAP Bahamas detem 0,002% do capital da WOF, correspondente a “10 voting non participating shares”, denominadas “management shares” (acções de gestão), mas que, apesar disso, possui a “totalidade dos direitos de voto”. Deste modo, segundo os documentos, “as acções de Investidor não têm direitos de voto”, tendo apenas “direito a participar integralmente nos lucros líquidos da Sociedade e são remíveis de acordo com as disposições” dos estatutos do fundo.

    No entanto, o PÁGINA UM sabe que a ERC não vai aceitar como válidos estes argumentos, sobretudo porque como o WOF mantém a intenção de não revelar a lista nominativa de investidores – que serão 50, no máximo, conforme se revelou em primeira mão no passado dia 9 – estará a violar claramente a Lei da Transparência dos Media. Além disso, de forma clara, também o WOF não está a cumprir as regras da identificação do beneficiário efectivo, tendo indicado Clement Ducasse como seu administrador, mas sem acrescentar qualquer “beneficiário da entidade“.

    Com efeito, este diploma de 2015 determina que qualquer pessoa ou entidade tem de declarar num portal gerido pela ERC uma participação “igual ou superior a 5% do capital social ou dos direitos de voto de entidades que prosseguem actividades de comunicação social”. Ora, se a UCAP Bahamas declara porque detém direitos de voto acima de 5% (na verdade, a totalidade), o próprio fundo – que tem, aliás, um número de identificação fiscal em Portugal –, também terá de demonstrar que não há ninguém de entre os investidores do WOF (empresa ou pessoa) que tenha mais de 5% do capital.

    A persistência do WOF em ‘esconder’ algum ou alguns dos investidores pode assim custar-lhe bem caro, porque a ERC está na iminência de usar a ‘bomba atómica’ nunca antes usada (mas explicitamente prevista) na Lei da Transparência dos Media: a suspensão imediata do “exercício do direito de voto e dos direitos de natureza patrimonial inerentes à participação qualificada” do WOF. E basta uma publicação no site a anunciar formalmente dúvidas sobre os investidores.

    Ou seja, a concretizar-se a aplicação deste normativo, o fundo das Bahamas deixará sequer de poder votar – abrindo assim as portas ao controlo tripartido da Global Media por parte de Marco Galinha, José Pedro Soeiro e Kevin Ho –, e até ficará sujeito a uma espécie de ‘confisco temporário’ de bens, uma vez que a lei determina que os direitos patrimoniais “que caibam à participação qualificada afetada são depositados em conta individualizada aberta junto de instituição de crédito habilitada a receber depósitos em território português, sendo proibida a sua movimentação a débito enquanto durar a suspensão”.

    Segundo o PÁGINA UM apurou, uma decisão do regulador deverá ser tomada ainda antes do dia 19 de Fevereiro, data de uma assembleia geral da Global Media, agendada pelo seu presidente, o advogado Fernando Aguilar de Carvalho, que curiosamente tem as mesma funções no Banco Atlântico Europa. Formalmente, a ERC adiantou ao PÁGINA UM apenas que “não é possível para já apresentar uma data final para a tomada de decisão, face às diligências ainda em curso”. O vazio na Global Media com a saída de José Paulo Fafe será, com elevado grau de probabilidade, a ‘espoleta’ para uma decisão já nos primeiros dias de Fevereiro que se inicia amanhã.

    Recorde-se que esta instituição bancária suspendeu em meados de Dezembro passado as contas da Global Media, incluindo a retenção das contas da Vasp, invocando o impacte mediático do plano de reestruturação então anunciado por José Paulo Fafe. Saliente-se também que Aguilar de Carvalho é sócio da sociedade de advogados Uría Menéndez-Proença de Carvalho. Por sua vez, Daniel Proença de Carvalho foi, recorde-se também, presidente do Conselho de Administração da Global Media, tendo saído em Agosto de 2020. Foi durante a sua presidência no grupo de media que se concretizaria a venda da simbólica sede do Diário de Notícias, na lisboeta Avenida da Liberdade. Outra nota: sabendo-se que o WOF terá já feito entrar 12 milhões de euros, não será previsível que o assunto Global Media se pacifique nos próximos tempos.


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  • ‘Falha técnica’, dizem: Força Aérea revela ‘aos pingos’ contratos de aeronaves para fogos

    ‘Falha técnica’, dizem: Força Aérea revela ‘aos pingos’ contratos de aeronaves para fogos


    No ar, qualquer falha pode ser a ‘morte do artista’, e aí pode-se confiar no rigor da Força Aérea. Já em terra, em frente ao computador e com papelada, a coisa parece já não ser bem assim. O Estado-Maior da Força Aérea (EMFA) somente este mês começou a colocar no Portal Base a informação dos 17 contratos relativos ao Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais de 2023. São meses de atraso em contratos de milhões que a EMFA diz dever-se a ‘falha técnica’, que não especifica nem é confirmada pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), que gere o Portal Base. Na verdade, a existir ‘falha técnica’, então é um problema crónico da Força Aérea: nos seus últimos 500 contratos divulgados no Portal Base, um total de 64 demoraram mais de um ano a ser publicamente conhecidos. Envolviam 69,2 milhões de euros. Estes atrasos têm estado a beneficiar de uma absoluta impunidade face à passividade do IMPIC e do próprio Tribunal de Contas.


    Falha técnica – ou, melhor dizendo, para se ser rigoroso uma alegada “falha técnica”. É esta a justificação do Estado-Maior da Força Aérea (EMFA) para não cumprir os prazos de divulgação dos contratos para aquisição dos meios aéreos em 2023 no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR). Os contratos foram sendo assinados em Maio e Junho do ano passado, mas somente agora em Janeiro de 2024 têm sido divulgados alguns destes ajustes directos. Mas ainda faltam mais.

    Com efeito, de acordo com os registos do Portal Base, somente nas últimas duas semanas foram dados a conhecer quatro contratos com a Helibravo, um com a Gestifly e outro com a Babcock. Com a primeira empresa, os ajustes directos totalizam mais de 9 milhões de euros (sem IVA), enquanto o contrato da Gestifly atingiu os 3,8 milhões de euros e os da Babcocck cerca de 600 mil euros.

    Assumindo que está “pendente da resolução de falhas técnicas encontradas nas plataformas ACINGOV e Portal Base aquando das tentativas de publicação”, fonte oficial do EMFA assumiu ao PÁGINA UM que foram assinados 17 contratos em 2023, faltando a “publicação de seis”, dos quais dois do consórcio Helibravo/Elitellina (no valor de um pouco mais de 10,8 milhões de euros) relativos a 10 aeronaves, outros dois da Gestifly (no valor de 9,1 milhões de euros) relativos a nove aeronaves, e outros dois da CCB (no valor de quase 18 milhões de euros).

    Além do elevado montante destes seis contratos que o EMFA diz estarem em falta relativos ao DECIR de 2023 – um total de quase 28 milhões de euros -, na verdade ainda continuam ignotos mais. Com efeito, se o EMFA diz terem sido assinados 17 contratos e assume agora seis em falta, então faltarão conhecer outros cinco, uma vez que, numa pesquisa detalhada da totalidade dos contratos no Portal Base, por agora só lá estão seis. Portanto, os seis já colocados, mais os seis em falta assumidos pelo EMFA dá 12. Para 17 faltam, portanto, se a aritmética ainda é um ramo elementar da Matemática, cinco contratos.

    No ano passado, em Junho, foi anunciado que se previa gastar 68 milhões de euros em meios aéreos de apoio ao combate aos incêndios, mas esse montante somente pode ser apurado após os contratos no Portal Base. Somando os contratos divulgados em Janeiro, e os seis que o EMFA refere estarem em falta, o montante vai em cerca de 51 milhões de euros. Mas ainda faltarão os tais cinco contratos para que haja mesmo 17.

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    O EMFA acrescenta que apenas recentemente se apercebeu de uma falha técnica, “que teve como consequência um atraso na publicação dos contratos mencionados”, mas não indica qual foi, em concreto, a falha, que diz ser extensiva não apenas ao Portal Base mas também à plataforma Acingov. O PÁGINA UM pediu esclarecimentos ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), entidade responsável pela gestão do Portal Base, mas não obteve ainda qualquer reacção.

    Em todo o caso, estas falhas parecem ser crónicas numa instituição supostamente conhecida pela ‘disciplina militar’ de rigor. Numa análise do PÁGINA UM aos últimos 500 contratos publicados pelo EMFA – que apanham um período desde 27 de Fevereiro do ano passado e hoje – identificam-se quatro contratos em que se demorou mais de 1.000 dias a inserir-se a informação no Portal Base, um dos quais a aquisição de um boroscópio de medição no valor de quase 31 mil euros à Olympus, adquirido em Agosto de 2020 e que só deu entrado no Portal Base em Agosto de 2023.

    Mas isto são só os casos extremos. Se se considerar os atrasos superiores a um ano, ou seja, 365 dias, encontram-se 64 contratos, e aí o montante sobe para os 69,2 milhões de euros. Com atraso superior a meio ano são já 212 contratos, envolvendo um montante total superior a 100 milhões de euros. Contudo, considerando que os prazos de divulgação genericamente previstos no Código dos Contratos Públicos são de 20 dias úteis, o EMFA estará num cumprimento inferior a 20% dos contratos.

    Considerando os 15 contratos acima de um milhão de euros, de entre os 500 mais recentemente divulgados pelo EMFA, apenas em seis se cumpriram os prazos, sendo que nos restantes nove encontram-se três em que a demora foi superior a dois longos anos. Neste caso, destaca-se o contrato de fornecimento de combustíveis por cerca de três anos à Petrogal no valor de 57,3 milhões de euros. A celebração foi a 30 de Setembro de 2021, mas a informação só viu a luz no Portal Base no passado dia 16 de Janeiro. Portanto, uma demora de 838 dias.

    Por sua vez, o contrato de fornecimento de electricidade com a Endesa assinado no antepenúltimo dia de 2021 acabou por somente ontem ser colocado no Portal Base. Teve um preço contratual próximo de 3,5 milhões de euros. Por fim, o contrato de limpeza com a Interlimpe, assinado em 1 de Junho de 2021 no valor de quase 1,2 milhões de euros foi apenas publicado no Portal Base no passado dia 18. Ou seja, um contrato que tinha um período de vigência de 730 dias, demorou 961 dias a ser inserido na plataforma. Portanto, serviu apenas para fazer História.

    Perante este histórico, o ‘guião’ de divulgação dos contratos de meios aéreos para a próxima ‘época de fogos’. No ano passado terão sido contratadas 65 aeronaves, prevendo-se mais cinco para este ano, que o PÁGINA UM não conseguiu confirmar se incluem os quatro helicópteros comprados no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência.


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  • ‘Bandalheira’: 228 contratos da DGEstE entre 2017 e 2021 só foram divulgados em 2023

    ‘Bandalheira’: 228 contratos da DGEstE entre 2017 e 2021 só foram divulgados em 2023


    Silêncio absoluto (e comprometedor) da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). Mas a realidade é feita de factos: entre 2017 e 2021, esta entidade pública celebrou 228 contratos, dos quais 96 por ajuste directo e outros 23 por consulta prévia, mas só os colocou no Portal Base ao longo do ano de 2023. Em 43 contratos, os atrasos são superiores a seis anos, quando a lei determina a divulgação ao fim de, no máximo, 20 dias. Significa assim que os pagamentos não poderiam ser processados, pelo menos nos ajustes directos e consultas prévias. Alguns documentos das obras podem até já ter sido destruídos, havendo até casos de contrato que nem sequer foram escritos. O PÁGINA UM escalpelizou todos os contratos e identificou os beneficiários deste esquema que mostra uma situação de desrespeito generalizado pelas normas da contratação pública por parte da DGEstE.


    2017, 2018, 2019 e 2020 são, cronologicamente falando, anos da década passada. A atender ao ano de 2023, o ano de 2017 tem já cinco anos a separar, com muita água a ter passado debaixo das pontes. Entre 2023 e 2018 são quatro anos de separação. Entre 2023 e 2019 são três. E mesmo entre 1 de Janeiro de 2023 e 31 de Dezembro de 2020 distam 1096 dias.

    Mas para a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), que importância têm os dias, as semanas, os meses e mesmo os anos se o Código dos Contratos Públicos determina que devem ser publicados os contratos no Portal Base até ao 20º dia útil da sua celebração ou início de execução.

    A resposta é: NENHUMA.

    João Gonçalves, director-geral dos Estabelecimentos Escolares.

    Apenas assim se compreende – ademais, atendível também à ausência de explicações do director-geral da DGEstE, João Gonçalves –  que tenham sido colocados no Portal Base, ao longo do ano de 2023, um total de 43 celebrados em 2017, no valor total de cerca de 3,4 milhões de euros; mais 71 contratos celebrados em 2018, no valor total de cerca de 5,1 milhões de euros; mais 73 contratos celebrados em 2019, no valor total de cerca de 5,2 milhões de euros; e mais 26 contratos celebrados em 2020, no valor total de quase 1,6 milhões de euros. Se ainda se quiser ser ainda rigoroso mais rigoroso, foram entregues com atraso inclassificável mais 15 contratos celebrados em 2021, no valor total de 787 mil euros.

    De entre os 228 contratos celebrados pela DGEstE entre 2017 e 2021 que apenas foram inseridos no Portal Base ao longo de 2023, um total de 96 foram celebrados por ajuste directo e outros 23 por consulta prévia. O Código dos Contratos Públicos é taxativo a determinar que “a celebração de quaisquer contratos na sequência de consulta prévia ou ajuste direto deve ser publicitada, pela entidade adjudicante, no portal dos contratos públicos” sendo que constitui “condição de eficácia do respetivo contrato, independentemente da sua redução ou não a escrito, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos”.

    Ou seja, tendo em consideração a quantidade de empresas envolvidas nestes contratos celebrados entre 2017 e 2021 – um total de 93 – e os montantes em causa – quase 12,3 milhões de euros, se forem excluídos 23 contratos por concurso público (no valor total de 3,7 milhões de euros) –, significa que a DGEstE fez pagamentos à margem da lei. Ou mesmo violando sistematicamente a lei. Refira-se que o PÁGINA UM detectou, no âmbito de uma investigação ainda em curso, que, embora existam mais entidades públicas com atrasos assinaláveis, a DGEstE destaca-se, negativamente, na quantidade de contratos por ajustes directos ou por consulta prévia com mais de quatro anos de atraso.

    brown abaca
    Não admira os problemas de Matemática em Portugal. A entidade que gere os estabelecimentos escolares acham que 20 dias podem ‘significar’ anos.

    De entre os contratos de 2017 colocados no Portal Base com atrasos por vezes superiores a seis anos – por terem sido inseridos apenas em 2023 – destacam-se nove com valores acima de 100 mil euros, cinco dos quais por ajuste directo, sendo que os outros foram por concurso público. O contrato mais elevado deste grupo de contratos ‘retardatários’ foi um ajuste directo celebrado pela então directora-geral Maria Manuela Faria com a Manuel Vieira & Irmãos, uma empresa de Amarante, no valor de 486.480 euros para diversas reparações na Escola Secundária de Alpendorada, no concelho de Marco de Canavezes.

    O contrato até refere que o ajuste directo foi publicitado no Portal Base em 3 de Julho, mas a data da celebração foi o dia 1 de Setembro, mas, na verdade, a data de publicação foi apenas o dia 4 de Outubro de 2023. Ou seja, o contrato esteve sem divulgação – e sem efectivação surge nesta plataforma com um atraso de cerca de seis anos. Refira-se que a Manuel Vieira & Irmão tem uma relação privilegiada com a DGEstE, pois já celebraram cinco contratos públicos.

    O segundo maior ajuste directo com publicitação absurdamente retardatária foi celebrado em 14 de Janeiro de 2019, mas só ficou no Portal Base a partir de 27 de Julho de 2023. O beneficiário deste contrato foi a empresa Thermotelha, com sede em Loures, que recebeu 347.462,48 euros (sem IVA) para reparação de danos em três escolas de Montemor-o-Velho causados pela tempestade Leslie. A justificação para o ajuste directo por urgência é estranha, porque o contrato foi celebrado quase quatro meses depois da tempestade, que teve a sua passagem pela região Centro em 13 de Outubro de 2018. Mais estranho ainda é o facto de a DGEstE ter decidido que nem valia a pena reduzir o contrato a escrito. E a justificação, mais uma vez, é a urgência. Aparentemente, neste processo somente não houve urgência para colocar o contrato no Portal Base, condição legal para a sua efectivação e para a realização dos pagamentos.

    Reparações na Escola Secundária de Alpendorada: obras feitas em 2017 custaram 486.480 euros, mas contrato apenas foi divulgado em 2023 no Portal Base.

    Tal como sucede com a Manuel Vieira & Irmãos, também para a Thermotelha tem relações privilegiadas com a DGEste, sendo que em nenhum contrato teve concorrência relevante: dos seis celebrados entre 2017 e 2019, três são por ajuste directo e os restantes por consulta prévia. Saliente-se que, de entre estes contratos, cinco foram divulgados com atrasos de mais de quatro anos.

    O rol de casos é de tal monta que seria fastidioso elencar todas as situações a merecer uma investigação pelo Tribunal de Contas – ou pelo Ministério Público. Em todo o caso, refira-se quem o PÁGINA UM detectou pelo menos 29 empresas que beneficiaram de três ou mais contratos da DGEstE entre 2017 e 2020 que apenas foram divulgados no Portal Base a partir de Janeiro de 2023.

    E os casos de contratos por ajuste directo sem sequer ter sido celebrado contrato escrito não se circunscreveu à reparação das escolas de Montemor-o-Velho, por causa da tempestade Leslie, que, aliás, serviu na perfeição como ‘boa desculpa’. Com efeito, também por causa da intempérie de Outubro de 2018, a substituição urgente de cobertura em fibrocimento na Escola Secundária Fernando Namora, em Condeixa-a-Nova”, também mereceu ajuste directo sem contrato escrito celebrado em 27 de Fevereiro de 2019, no valor de 150.300 euros, com a Construtora Santovaiense. Só foi divulgado em 2 de Maio de 2023, ou seja, quatro anos e dois meses depois.

    Contratos celebrados (montante e números) pela DGEstE entre 2017 e 2021 mas que foram divulgados apenas em 2023, por tipo de procedimento. Fonte: IMPIC / Portal Base. Análise: PÁGINA UM.

    E como não há duas sem três, a substituição alegadamente urgente de cobertura em fibrocimento danificada pela mesma tempestade na Escola Básica São Silvestre, em Coimbra, levou a um ajuste directo quatro meses depois, pois o contrato foi celebrado em 27 de Fevereiro de 2019, no valor de 140.135 euros. O beneficiário foi a empresa Alfredo Cortesão & Marçal. A informação do contrato no Portal Base somente surgiu em 2 de Maio de 2023.

    Em termos globais, a empresas mais beneficiada por estes contratos ‘retardatários’ da DGEstE (celebrados entre 2017 e 2021, mas divulgados apenas em 2023) foram as Manuel Vieira & Irmão, que amealhou 1.098.158 euros, dos quais 825.152 euros de contratos ganhos em 2017. Segue-se a Paredes & Paredes com contratos no valor de 993.629 euros, todos celebrados entre 2018 e 2019. Também neste caso, a DGEsTE é, até agora, o único cliente público desta empresa de construção de Odivelas, acumulando 10 contratos, dos quais apenas três ganhos por concurso público.

    Fecha o pódio a empresa Cunha & Costa com um ‘portefólio’ de 888.422 euros de contratos ‘retardatários’, mais outra empresa de construção civil, esta de Lousada, que tem na DGEste um cliente público relevante, contabilizando já 12 empreitadas, apenas metade das quais ganhas por concurso público. Os contratos celebrados entre 2017 e 2021, mas apenas divulgados no Portal Base em 2023, totalizam 886.422 euros.

    Se ainda considerarmos mais duas empresas para termos um top 5, encontram-se mais dois casos em que a DGEstE é também um assíduo cliente público: a Construtora Santovaiense e Thermotelha, que amealharam com os contratos ‘retardatários’, respectivamente, 764.920 euros e 751.121 euros.

    Em volume de facturação de contratos ‘retardatários’ celebrados pela DGEste, destacam-se ainda oito empresas com mais de 300 mil euros: Coberfer (464.289 euros), Obrimofer (452.999 euros), A Construtora de Pedroso (431.713 euros), Canas Engenharia e Construção (430.907 euros), Togamil (399.519 euros), Magnurbe (381.470 euros), Conjugaresta (374.384 euros), Gravita Ideia (312.411 euros) e CSQL (300.779 euros).


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  • Apelo da Direcção-Geral da Saúde para reforço vacinal em Janeiro foi um ‘flop’

    Apelo da Direcção-Geral da Saúde para reforço vacinal em Janeiro foi um ‘flop’


    Desde o dia 19, a mortalidade total decaiu para números normais para um ‘normal’ mês de Janeiro. estando já abaixo da fasquia dos 400 óbitos por dia, quando nos primeiros 10 dias de 2023 ultrapassaram os 500. Será que se deveu ao apelo da Direcção-Geral da Saúde (DGS) para os mais ‘incautos’ se irem vacinar contra a covid-19 e a gripe, alargando-se mesmo as faixas etárias a cobrir? A resposta é não. Uma análise do PÁGINA UM aos relatórios oficiais mostra que a taxa de ‘convencimento’ das pessoas que não se tinham vacinado em Dezembro foi bastante baixo ao longo de Janeiro, e mesmo irrelevante para os menores de 60 anos. Aliás, os números da DGS (que nos relatórios ‘inflacionam’ as taxas de cobertura vacinal) mostram mesmo existir uma crise de credibilidade nas vacinas contra a covid-19: mais de meio milhão de pessoas que se foram vacinar contra a gripe rejeitaram o ‘booster’ para reforçar a imunidade contra o SARS-CoV-2.


    A elevada mortalidade no final de Dezembro e nos primeiros dias de Janeiro, sem que a situação epidemiológica da covid-19 e da gripe se mostrasse preocupante, levou a Direcção-Geral da Saúde (DGS) a alterar as normas de vacinação contra estas doenças no passado dia 12. No caso da vacinação sazonal contra a covid19 alargou o acesso aos maiores de 18 anos, e na vacinação contra a gripe para a faixa etária dos 50 aos 59 anos. Dias depois, a imprensa relatava uma aparente ‘corrida `s vacinas da gripe e covid’, mas, na verdade, o apelo das autoridades de Saúde e dos habituais ‘peritos’ caiu praticamente em saco roto. Foi um flop.

    Com efeito, numa análise do PÁGINA UM às quantidades administradas das duas vacinas entre os dias 1 e 21 de Janeiro – incluindo assim um período anterior ao apelo da DGS – apenas foram administradas, nestas três primeiras semanas do ano – um total de 78.874 doses de vacina contra a covid-19 e 119.672 contra a gripe.

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    Esta diferença de quase 41 mil vacinas confirma uma tendência de maior adesão à vacina contra a gripe e uma crescente desconfiança face à vacina contra a covid-19, numa altura em que o Infarmed continua a recusar a disponibilização da base de dados das reacções adversas (Portal RAM), num caso que aguarda ainda recurso no PÁGINA UM no Tribunal Central Administrativo Sul.

    De acordo com o mais recente relatório da DGS, foram administradas no programa de vacinação sazonal em curso, até 21 de Janeiro, um total de 1.890.126 doses de vacina contra a covid-19, enquanto 2.407.492 quiseram a vacina contra a gripe. Sendo certo que pode suceder haver pessoas que se vacinaram contra a covid-19 e recusaram a da gripe, estes números revelam, contudo, uma quantidade apreciável de pessoas – pelo menos mais de 500 mil – que recusaram a prometida protecção contra os efeitos do SARS-CoV-2 quando foram receber a vacina contra a gripe.

    Contudo, o dado mais relevante, analisando em detalhe os grupos etários, e os números da vacinação de Janeiro até ao dia 21, é a fraquíssima adesão ao apelo das autoridades de Saúde, mesmo nos grupos idosos, sobretudo no caso da covid-19. E quanto aos menores de 60 anos, o apelo foi praticamente ignorado para ambas as vacinas.

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    Considerando as mais recentes estimativas populacionais por grupo etário do Instituto Nacional de Estatística – que, aliás, permitem detectar excessos na cobertura vacinal apresentada nos relatórios da DGS –, e o número de vacinas administradas até finais de Dezembro do ano passado, conclui-se que não se tinham vacinado contra a covid-19 cerca de 38% dos maiores de 80 anos, 43% do grupo dos 70 aos 79 anos, 59% do grupo dos 60 aos 69 anos e quase 96% do grupo dos 18 aos 65 anos. No caso da vacina contra a gripe, a opção pela não vacinação era ligeiramente menor: 26% para os maiores de 80 anos, 31% para o grupo dos 70 aos 79 anos, 53% para o grupo dos 60 aos 69 anos e quase 92% do grupo dos 18 aos 65 anos.

    Significa assim que, estando em causa o ‘convencimento’ dos não-vacinados, os apelos não tiveram grande eco, sendo, aliás, bastante notório a existência de uma crescente desconfiança na vacina contra a covid-19, mesmo numa situação em que as autoridades de Saúde ‘abanaram’ com o espectro de um corrente excesso de mortalidade associado a infecções respiratórias.

    Assim, segundo os cálculos do PÁGINA UM, de entre os ainda não-vacinados contra a covid-19 em Dezembro com mais de 80 anos apenas 3,4% se convenceram a pedir a vacina contra esta doença nas primeiras três semanas de Janeiro. Para a gripe, esse número quase duplicou, mas manteve-se bastante baixo: 6,4%. A adesão à vacinação durante Janeiro pelos não-vacinados em Dezembro) para o grupo dos 70 aos 79 anos foi quase similar: 3,7% e 7,4%, respectivamente, acabaram por receber as doses para a covid-19 e para a gripe. Já quanto ao grupo dos 60 aos 69 anos, essa adesão quedou-se nos 3,0% e 4,9% para a covid-19 e a gripe, respectivamente.

    Ministério da Saúde exagera na taxa de cobertura, usando dados errados na população por grupos etários.

    No caso dos menores de 60 anos, e incluindo somente os maiores de idade), a adesão foi paupérrima: somente um em cada 200 pessoas (0,5%) que não se tinham vacinado contra a covid-19 em Dezembro quiserem receber uma dose de vacina ao longo de Janeiro (até dia 21), aumentando esse valor para menos de um em cada 100 (0,9%) para a vacina contra a gripe.

    Recorde-se que no início de Janeiro foi destacado um aumento dos internamentos nos cuidados intensivos por pessoas ‘não vacinadas’ contra a covid-19 e a gripe – apesar de, como o PÁGINA UM mostrou no passado dia 9, a cobertura vacinal contra a gripe não estivesse assim tão baixa. Contudo, a realidade mostra que este género de campanhas alimentadas pelo medo – que levou a maior parte da população a vacinar-se durante a pandemia – já não está a surtir o mesmo efeito.

    Em todo o caso, a faixa etária dos maiores de 80 anos continua a ‘jogar pelo seguro’. Assumindo a população estimada pelo INE, dos cerca de 724 mil portugueses com mais de 80 anos, um total de 449.310 receberam reforço sazonal contra a covid-19 até 21 de Janeiro, ou seja, 62,04%. Saliente-se que, para este número de vacinas (449.310), a DGS indica uma cobertura vacinal de 65,11%, que se deve ao facto de considerar, erradamente, uma população menor do que a estimada pelo INE, erro que se verifica com a generalidade dos outros grupos etários. No caso da gripe, considerando as doses indicadas no mais recente relatório da DGS (537.010), 74,15% dos maiores de 80 anos vacinaram-se contra a gripe.

    Situação do programa de vacinação sazonal em Portugal para a covid-19 e gripe e taxa de adesão de não-vacinados em finais de Dezembro às vacinas em Janeiro (até dia 21). Fonte: DGS (doses) e INE (para população). Análise: PÁGINA UM.

    Estes valores baixam significativamente para as faixas etárias mais novas, sendo que no grupo etário dos 60 aos 69 anos se observa que quem se vacina contra a covid-19 e contra a gripe é já uma minoria: 40,85%, no primeiro caso, e 47,30%, no segundo. Para o grupo dos 18 aos 59 anos, apenas 4,50% quiseram receber o ‘booster’ sazonal para a covid-19, aumentando para os 8,23% para a gripe.

    Saliente-se que este mês, depois de se ter observado uma mortalidade média diária acima de 500 óbitos até ao dia 11, os registos desceram com a melhoria das condições meteorológicas. Desde o dia 19, o número de óbitos contabilizado pelo Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) estão abaixo da fasquia dos 400, indiciando uma ‘normalização’. Haverá sempre, por certo, quem possa sugerir que foi resultado do apelo de vacinação contra a covid-19, mas, na verdade, a mortalidade para esta doença mantém-se estável desde Agosto de 2022. E se olharmos para os valores deste mês, nada se alterou de forma relevante: entre 1 e 11 de Janeiro, a covid-19 foi responsável por uma média diária de 6,5 óbitos, e entre 12 e 23 de Janeiro situou-se nos 5,8.


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  • Global Media acumulou dívida de 647 mil euros à Lusa sem suspensão de serviços

    Global Media acumulou dívida de 647 mil euros à Lusa sem suspensão de serviços


    A Agência Lusa deixou a sua accionista minoritária, a Global Media, acumular dívidas de serviços noticiosos até chegar aos 647 mil euros. E nunca teve suspensão da subscrição nem lhe foi aplicadas acções de execução, como sucede com outras empresas detentoras de órgãos de comunicação social. Joaquim Carreira, presidente da empresa de capitais maioritariamente públicos, garante, porém, que não haverá qualquer perdão, e que se se mantiver essa dívida poderão ser implementadas outras medidas “a curto prazo”.


    São 647 mil euros, cerca de metade da dívida de clientes. A Agência Lusa diz que não vai perdoar a dívida da Global Media por serviços noticiosos e fotográficos usados pelos seus órgãos de comunicação social, como o Jornal de Notícias, e que deixaram de ser pagos.

    A garantia foi dada ao PÁGINA UM por Joaquim Carreira, presidente da administração da agência noticiosa de capitais maioritariamente públicos (50,15% detido pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças), e que tem, entre outros accionistas muito minoritários (Empresa do Diário do Minho, NP, Público e RTP), a própria Global Media e a Páginas Civilizadas com participações relevantes (23,36% e 22,35%)

    Recordando que a “liquidação da dívida era uma das condições do negócio que não se concretizou em 30 de Novembro do ano transato” – quando a Global Media e a Páginas Civilizadas tentaram vender as suas participações ao Estado, mas que não avançou alegadamente por falta de consenso político –, Joaquim Carreira assegura que “desde esse momento e sem prejuízo da instabilidade interna e mediática que o grupo GMG [Global Media] tem vivido, e do período das festividades, foram efetuados contactos, com o administrador financeiro [daquela empresas] para regularizar a divida vencida não liquidada”.

    Essas tentativas surgem, aliás, no seguimento de um plano de regularização assinado pelos anteriores administradores da Global Media no início de 2023, que segundo fonte da Global Media está a ser paga, embora o PÁGINA UM não tenha conseguido confirmar. A Agência Lusa não responde em concreto à pergunta do PÁGINA UM sobre se está a ser ponderada a suspensão dos serviços aos periódicos da Global Media se se mantiver essa dívida, acrescentando apenas que se poderão ser implementadas outras medidas “a curto prazo”.

    Além das compensações atribuídas pelo Estado à Agência Lusa, que ultrapassaram os 13,4 milhões de euros em 2022, a venda de serviços noticiosos a outros órgãos de comunicação social é uma importante fonte de receita. Em 2022 atingiu cerca de 3,8 milhões de euros em serviços, sendo que cerca de metade proveio dos denominados grandes órgãos de comunicação social (GOCS). As subscrições têm, contudo, diminuído por força da crise financeira dos media. Neste momento, para diversos serviços da Lusa, no final de 2022 havia um total de 300 subscrições de órgãos de comunicação social, quando no ano anterior eram 353.

    Joaquim Carreira, presidente da Agência Lusa, garante que não haverá perdão da dívida à Global Media.

    No último relatório e contas da Agência Lusa fala-se mesmo da “consistente pressão de renegociação em baixa dos contratos existentes”. O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, avançou que, caso se tivesse concretizado a compra das participações da Global Media e Páginas Civilizadas, era intenção do Governo disponibilizar gratuitamente os serviços da Lusa aos outros órgãos de comunicação social, reforçando a compensação em seis milhões de euros.

    Embora o PÁGINA UM não tenha conseguido apurar desde quando Global Media começou a deixar acumular a dívida à Lusa, certo é que a empresa pública nunca suspendeu o acesso aos periódicos da Global Media nem sequer intentou, nos anos mais recentes, acções executivas. Em 2022, a agência Lusa tinha em curso seis processos para cobrança de dívidas em contencioso no valor de 166 mil euros, a maior das quais contra o Diário dos Açores no valor de quase 55 mil euros.

    Porém, ao longo dos anos, a Agência Lusa teve de assumir imparidades no valor de 505.779 euros por se ter mostrado impossível cobrar as dívidas de clientes, dos quais mais de 118 mil euros em 2021. Não foi possível saber se algum deste montante se deveu a ‘perdões’ à Global Media, que parece ter beneficiado de ser accionista da agência noticiosa pública.


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  • Media: Observador (também) declara à ERC informação errada sobre indicadores financeiros

    Media: Observador (também) declara à ERC informação errada sobre indicadores financeiros


    Por mais congressos apologéticos, apoios públicos que se clame, e bateres de peito sobre credibilidade, o cenário da transparência dos media mostra-se aterrador. O Portal da Transparência dos Media – que serve não apenas para identificar accionistas e sócios de empresas de media, mas também para saber quem, na sombra, pode influenciar linhas editoriais, quer emprestando dinheiro, quer não cobrando dívidas, quer sendo um cliente relevante – é uma anedota. Depois de ter já apanhado a Global Media, a Trust in News, a Inevitável e Fundamental (Polígrafo) e a Parem as Máquinas (Tal&Qual) na ‘rede de mentiras’ que inunda este portal gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o PÁGINA UM apanhou mais um caso: a Observador On Time, dona do Observador. Além de injectar sucessivos ‘balões de oxigénio’ sob a forma de aumentos de capital, a empresa pediu relevantes empréstimos bancários em 2020, que nunca declarou no Portal da Transparência dos Media. Além disso, no registo do beneficiário efectivo nem sequer consta o nome do (suposto) principal accionista, Luís Amaral, e até os dados do presidente do Conselho de Administração, António Carrapatoso, estão errados.


    A Observador On Time, detentora do jornal digital e da rádio Observador, é mais uma das empresas que omite dados financeiros relevantes no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Este é o quinto caso detectado pelo PÁGINA UM nos últimos meses de erros e omissões de informação relevante em termos de transparência e de relevância económica e financeira, apanhando sempre o regulador a ‘ver navios”.

    Numa análise do PÁGINA UM às últimas demonstrações financeiras conhecidas, relativas ao ano de 2022, o Observador On Time – que também tem participações na empresa Cinco Um Zero (em parceria com uma empresa do comentador e ex-jornalista João Miguel Tavares) e na Rádio Baía – tinha um passivo de cerca de 2,9 milhões de euros, identificando-se, porém, na declaração da informação empresarial simplificada (IES), valores de empréstimos bancários junto do Millenium BCP e da Caixa Geral de Depósitos que ultrapassam em muito a fasquia dos 10% do passivo.

    A lei da transparência dos media obriga à identificação das entidades que detenham mais de 10% do passivo total, de modo a ser conhecida a eventual existência de dependências financeiras para além da dos próprios accionistas ou sócios. Ou seja, ao contrário do que possa ser transmitido para a opinião pública, não são apenas os sócios ou accionistas (detentores dos capitais próprios) que podem eventualmente influenciar uma linha editorial, mas também os detentores relevantes do passivo, quer sejam instituições financeiras, obrigacionistas ou até o Estado (por via de dívidas fiscais ou de Segurança Social).

    Exemplo flagrante disso é a Trust in News, detentora da revista Visão e de mais 16 títulos: Luís Delgado é o único sócio da empresa, mas os capitais sociais só representam 0,12% do activo. O resto está nas ‘mãos’ de bancos, da própria Impresa (de Pinto Balsemão), de fornecedores e até do próprio Estado. A Autoridade Tributária e Aduaneira detém 42% do passivo da Trust in News, ou seja, 11,4 milhões de euros, como revelou o PÁGINA UM em primeira mão em Julho do ano passado.

    No caso do Observador on Time, a situação não se mostra tão dramática em comparação com a Trust in News (e também a Global Media), sobretudo porque os accionistas, em grande número, têm realizado sucessivos aumentos de capital nos últimos anos. Só no ano passado foram dois, num valor total de 2,1 milhões de euros, acompanhados principalmente pela Amaral y Hijas Holding, do empresário Luís Amaral, que já se terá tornado, entretanto, o accionista maioritário com 54,57% do capital social e 52,56% dos direitos de voto – de acordo com a informação constante, neste momento, no Portal da Transparência dos Media.

    No entanto, conforme consta no mais recente IES, “em 2020 o Observador obteve dois empréstimos genéricos de financiamento à atividade empresarial”, revelando-se, além de garantias financeiras, um empréstimo específico do Millenium BCP de 500.000 euros e outro de 1.000.000 euros proveniente da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social ‘gere’ um portal da transparência ‘inundado’ de omissões e declarações falsas relevantes que escondem dívidas e interesses.

    Esses dois empréstimos surgem indirectamente reflectidos nos indicadores financeiros do Observador On Time relativos ao ano de 2020 no Portal da Transparência dos Media, uma vez que o passivo sobe para cerca de 3,64 milhões de euros, mais 1,8 milhões de euros do que no ano anterior. Mas apesar de, por via desses empréstimos, a CGD deter cerca de 27% do passivo da Observador On Time e o Millenium BCP cerca de 13%, a empresa omitiu essa informação na base de dados da ERC. O mesmo sucedeu em 2021 e também em 2022, mesmo se os empréstimos foram sendo amortizados.

    Analisando o IES de 2022, a empresa detentora do Observador, sem identificar outras instituições além das duas já referidas, indica que, no final desse ano, o valor do empréstimo corrente era de 521.050,29 euros (a pagar num prazo inferior a 365 dias) e não-corrente de 800.000 euros, o que indica que tanto a CGD, um banco público, como o Millenium BCP continuavam a deter mais de 10% do passivo.

    Um outro indicador que chama a atenção no mais recente balanço disponível – as contas de 2023 só estarão disponíveis em Julho próximo – é a dívida ao Estado por parte da Observador On Time, que era, em final de 2022, de um pouco mais de 300 mil euros, o que ultrapassa também a fasquia dos 10% do passivo total. Resta saber se esta dívida, que pode ser transitória, se aplicava apenas a uma única entidade estatal.

    Saliente-se que desde a sua fundação, em 2014, a empresa detentora do Observador nunca apresentou qualquer ano com lucro e acumulava prejuízos no final de 2022 de quase 8,4 milhões de euros. O descalabro financeiro só não se mostra evidente porque os accionistas têm injectado contínuos reforços sob a forma de aumentos de capital: desde 2018 foram já mais de 5,6 milhões de euros. Sendo certo que as receitas têm aumentado consideravelmente desde 2017, os resultados operacionais são ainda largamente negativos. Em 2020, para vendas e prestações de serviços de 6,6 milhões de euros, os resultados operacionais foram negativos em quase 590 mil euros, ou seja, um prejuízo mensal de quase 50 mil euros. A empresa declarou um número médio de 128 empregados em 2022.

    Prejuízos e aumentos de capital (em euros) da Observador On Time desde 2017. Resultados de 2023 ainda não são conhecidos. Fonte: ERC e Ministério da Justiça. Análise: PÁGINA UM.

    O PÁGINA UM contactou o Observador On Time, através do endereço que consta na identificação dos beneficiários efectivos – que, aliás, está completamente errada, omitindo mesmo o nome do accionista maioritário, e falseando as pequenas participações dos actuais administradores –, para obter esclarecimentos e informações, mas não obteve resposta.

    Instada a comentar mais uma situação de falsas declarações no Portal da Transparência dos Media, desta vez por parte do Observador On Time, a ERC diz que a empresa apenas “inseriu o Balanço e as Demonstração de Resultados, dos quais não constam os detalhes sobre os devedores constantes na IES”. Questionado sobre a sucessão de falsas declarações, o regulador defende que o reporte é da responsabilidade das empresas, e que as “verificações dos elementos comunicados [por parte da ERC são] realizadas por amostragem ou em sequência de exposição / denúncia”.

    Apesar de uma evidente passividade na gestão do Portal da Transparência dos Media – o PÁGINA UM, com simples análise ao IES (cuja obtenção custa 5 euros por cada exercício), detectou já erros ou omissões de grande relevância financeira na Global Media, na Trust in News, na Inevitável e Fundamental (Polígrafo), na Parem as Máquinas (do semanário Tal&Qual), e agora no Observador On Time –, a ERC garante que “sindicou cerca de 170 entidades”. Note-se que a Parem as Máquinas havia preenchido recentemente o registo de 2022, após um processo de contra-ordenação levantado pelo regulador, mas indicou dados que escondiam a situação de falência técnica. O caso foi mais uma vez detectado pelo PÁGINA UM, e a empresa só na última semana colocou os dados verídicos. Recorde-se que José Paulo Fafe, em audição no Parlamento, chegou a negar que a Parem as Máquinas, de quem foi sócio maioritário, estava em falência técnica. Mas está mesmo.

    António Carrapatoso, através da Orientempo é accionista da Observador On Time, e também seu presidente do Conselho de Administração. Porém, apesar de indicar no Portal da Transparência dos Media, que detém 7,83% das acções e 8,64% dos direitos de voto, no registo do beneficiário efectivo esse dados estão a zero. No passado dia 18 escreveu um ensaio no Observador sobre a situação dos media em Portugal.

    Porém, tendo sido pedido que referisse quantas irregularidades detectou e de que tipo, a ERC acrescenta apenas que os casos são “muito díspar[es] e com níveis de gravidade muito distintos”, acrescentando que “algumas situações podem resultar de meros lapsos/ desatenções, outras das entidades não conseguirem facultar informação tida como final em virtude de estarem numa fase de transição/ alteração da sua estrutura, e outras por inação deliberada dos mandatários”.

    Faltará aqui, nestes exemplos dados pelo regulador, os casos de ocultação de dívidas ao Estado e a dependência financeira a instituições bancárias ou de financiadores (clientes). O regulador presidido por Helena Sousa acrescenta ainda que “pela diversidade de situações, a ERC não procede a uma quantificação das regularidades e irregularidades que identifica”. Ou seja, nem sequer existe, nem sequer interessa que exista, uma noção concreta das flagrantes falhas de uma base de dados da transparência dos media que, na verdade, está a servir mais para ‘apanhar’ empresas mentirosas do que para revelar, de forma transparente, as finanças de um sector que, dia após dia, perde a sua credibilidade e reputação exactamente por não ser rigoroso na hora de fazer e mostrar as contas.


    N.D. O PÁGINA UM tem consciência de que, perante uma complexa miríade de normas e preciosismos absurdos exigidos pelo regulador (como, por exemplo, a necessidade de se inserir a morada do responsável editorial do jornal, e não do proprietário, na ficha técnica, o que obriga a que este registe que ‘mora’ na redacção para não divulgar publicamente o endereço da sua residência, como fui ‘obrigado’ a fazer pela ERC), podem ocorrer pequenas falhas ou lacunas no preenchimento dos registos do Portal da Transparência dos Media. Porém, curiosamente, os casos que o PÁGINA UM tem detectado não são, não podem ser, lapsos, tendo em conta a relevância da informação escondida e a dimensão das empresas. Mesmo sendo uma pequena empresa de media, o Página Um, Lda. – detentora do PÁGINA UM – jamais esconderia qualquer informação das suas demonstrações financeiras, porque isso é a base da sua confiança. Por isso, nunca sequer se imaginou, por exemplo, omitir que o irrelevante passivo de 804,60 euros a 31 de Dezembro de 2022 resultava apenas de IRS (porque não temos dívidas a fornecedores nem empréstimos) , ou seja, 100% do passivo (804,60 euros) nesse dia era ‘detido’ pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dívida que seria saldada nos dias seguintes, em Janeiro de 2023. Colocar essa informação pode ser considerada absurda, pelo contexto, mas dura lex, sed lex. E colocámos. Achar que uma empresa de media pode alegremente fazer falsas declarações ou omitir porque sim é, no cenário actual de descredibilização, só comparável com o laxismo do regulador, que acha que com ‘paninhos quentes’ a coisa passa. Não passa.


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  • Fundo das Bahamas propõe desmembrar Global Media e ficar com DN e TSF

    Fundo das Bahamas propõe desmembrar Global Media e ficar com DN e TSF


    Não é tanto um ‘dividir para reinar’, mas mais um ‘dividir para sobreviver’. O World Opportunity Fund abriu o jogo entre os accionistas directos e indirectos da Global Media: quer sair deste grupo e criar sozinho um novo, levando consigo o Diário de Notícias, a TSF, o Açoriano Oriental e outros títulos icónicos, que pretende ‘revitalizar’, entre os quais a Grande Reportagem. Para Marco Galinha e os accionistas minoritários da Global Media ficarão o Jornal de Notícias e O Jogo, e ainda as participações na Lusa e no Diário de Notícias da Madeira. O PÁGINA UM teve acesso a documentos internos, onde se garante que se as negociações chegarem a bom termo, o fundo das Bahamas paga de imediato os salários em atraso de Dezembro, no valor de cerca de um milhão de euros. Depois, tudo dividido, será ‘cada um por si’.


    Dividir para sobreviver. O World Opportunity Fund (WOF) quer desfazer-se do controlo da Global Media, através da cedência da sua posição na Páginas Civilizadas, tendo proposto, como contrapartida, ficar com o Diário de Notícias, a TSF e o Açoriano Oriental, bem como alguns títulos como o Motor24, o Tal & Qual e ainda o 24 Horas e a Grande Reportagem, já extintos.

    A proposta, segundo apurou o PÁGINA UM, terá sido já apresentada na semana passada em reunião de accionistas da Global Media, onde estiveram representantes do fundo das Bahamas e os empresários Marco Galinha, José Pedro Soeiro e Kevin Ho. De acordo com o documento da proposta, o WOF manifesta a “disponibilidade (…) na cedência imediata da sua participação nas Páginas Civilizadas), adquirida em Setembro do ano passado, que incluirá não apenas o valor das quotas como também os suprimentos já concedidos à Global Media.

    Considerando as informações veiculadas este mês pelo seu representante e actual CEO da Global Media, José Paulo Fafe, o WOF terá investido 10,2 milhões de euros desde Setembro, significa assim que o fundo das Bahamas abre mão daquela verba e pretende uma divisão dos activos (e passivos) deste grupo de media.

    Em termos mais concretos, o PÁGINA UM sabe que a estratégia do WOF passa por criar um novo grupo de media, separando-se assim da Páginas Civilizadas e, portanto, da Global Media, que ficaria com o Jornal de Notícias e jornal desportivo O Jogo, bem como com as participações na Lusa e no Diário de Notícias da Madeira (11%). E sem haver, aparentemente, contrapartidas financeiras directas, já que o WOF assume que, além do valor da quota de 51% na Páginas Civilizadas (1,02 milhoes de euros), terá ainda feito suprimentos e assumido outras despesas que totalizam os 10,2 mihões de euros.

    Na prática, caso avance esta proposta, será a concretização do desmembramento de um dos maiores grupos de media do país, embora em profunda crise financeira nos últimos meses, designadamente salários em atraso e um programa de rescisão em curso de até 200 trabalhadores. Com a entrada do WOF em Setembro do ano passado, as revistas Evasões e Volta ao Mundo já tinham formalmente saído da esfera da Global Media, passando para a empresa Palavras de Prestígio, detidas apenas por Marco Galinha.

    Se avançar esta proposta do fundo das Bahamas – que nunca revelou o valor do seu portefólio, nem quem são os investidores principais de um instrumento financeiro apenas disponível a ricos –, o novo grupo garantirá a sobrevivência da empresa que detém a TSF – a Rádio Notícias – Produções e Publicidade – e as suas cinco subsidiárias (Difusão de Ideias, Notícias 2000 FM, Pense Positivo, Rádio Comercial dos Açores, TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, e TSF – Rádio Jornal Lisboa), assumindo as dívidas e o cumprimento do Regime Excepcional de Regularização Tributária, que atingem compromissos de cerca de 1,75 milhões de euros.

    No caso do Diário de Notícias, além de assumir a tentativa de recuperar um periódico que já só vende cerca de 1.500 exemplares, o WHO quer garantir para si a posse do Arquivo Histórico e do seu acervo. Recorde-se que em finais de Julho de 2022, o Governo classificou como “tesouro nacional” o arquivo administrativo e o arquivo da redacção entre 1864 e 2003, bem como o Espólio de Alfredo da Cunha, custodiado pela Global Notícias.

    A Açormedia também estará em cima da mesa numa reunião dos accionistas que deverá ser discutida numa assembleia-geral da Global Media, também desejada pelos seus accionistas minoritários. Apesar de ser uma pequena empresa açoriana, com um volume de negócio inferior a 1,4 milhões de euros, e uma redacção de sete jornalistas, controla o mais antigo jornal português, o Açoriano Oriental, fundado em 1835.

    Por fim, o WOF que ficar também com o jornal digital Motor24, bem como três títulos icónicos da imprensa portuguesa registados em nome da Global Media no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI): 24 Horas (1998-2010), Grande Reportagem (1984-2005, com interrupções) e Tal & Qual, semanário publicado entre 1980 e 2007, mas que foi “ressuscitado” pelo próprio actual CEO da Global Media em 2021 por cedência de Marco Galinha. Em todo o caso, este título é publicado e gerido pela Parem as Máquinas, que não tem ligação à Global Media e deixou de ter Fafe como sócio.

    A proposta encaminhada para os sócios minoritários da Global Media – José Pedro (20,4%) e KNJ Global, de Kevin Ho (29,35%) – pelo WOF coloca a pressão sobre a questão salarial que atinge grande parte dos trabalhadores deste grupo de media. Em caso de concordância no negócio, o fundo das Bahamas diz que “assumiria o pagamento dos salários em dívida referentes ao mês de Dezembro, sendo que os relativos a Janeiro seriam pagos já consoante a divisão proposta”. Ou seja, desligando-se do Jornal de Notícias e de O Jogo, a WOF deixaria não só de pagar salários a partir deste ano como passaria a ‘batata quente’ do avanço ou recuo do programa de rescisões para Marco Galinha e os outros accionistas da Global Media, ou eventuais novos investidores que desejassem ficar com a quota do fundo das Bahamas na Páginas Civilizadas.

    O PÁGINA UM sabe que a operação necessitará de uma maioria qualificada dos accionistas da Global Media, que, saliente-se, não tem directamente capital do empresário Marco Galinha, mas como envolverá a participação da Páginas Civilizadas (onde Marco Galinha detém uma participação relevante, mas minoritária) somente deverá avançar se houver um consenso.

    Saliente-se, aliás, apesar de controlar actualmente este grupo de media por via de um acordo parassocial que lhe deu o direito de nomear dois dos três gerentes da Páginas Civilizadas, o WOF tem, na verdade, apenas uma participação efectiva de 25,63% da Global Media. Directamente, a empresa KNJ Group, de Kevin Ho, tem 29,35% e José Pedro Reis Soeiro 20,4%. De forma indirecta, através de uma empresa sócia da Páginas Civilizadas, a Norma Erudita, o empresário António Mendes Ferreira detém 7%, restando a Marco Galinha e ao seu Grupo Bel (e sempre de forma indirecta) menos de 18%.

    Créditos das fotografias: Fotos 1, 2 e 3 (©somosjn) e 4 (©dnemluta)


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