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  • Concurso público: 50 milhões de euros para limpar vegetação na rede ferroviária

    Concurso público: 50 milhões de euros para limpar vegetação na rede ferroviária


    O controlo da vegetação em zonas em redor de edifícios, passagens de nível e estruturas especiais da rede ferroviária nacional vai custar à Infraestruturas de Portugal mais de 50 milhões de euros nos próximos cinco anos. Os três contratos foram assinados no passado dia 8, mas apenas divulgados na sexta-feira no Portal Base, no decurso de um concurso público bastante renhido em que participaram 11 empresas.

    O concurso foi dividido em três lotes – Norte, Centro e Sul –, sendo que o valor das adjudicações coincidiu com o preço-base previamente definido. No caso do lote 1, respeitante à região Norte, no valor de cerca de 17,8 milhões de euros (a que acresce IVA), foi ganho pela Silvexplor, uma empresa unipessoal da Mortágua, com experiência no sector, mas que nunca ganhara um contrato tão chorudo. Até agora, o contrato de montante mais elevado era de cerca de 277 mil euros para a reabilitação e gestão de áreas florestais da Tapada Nacional de Mafra.

    empty railway

    O contrato para a região Centro, no valor de um pouco mais de 12,5 milhões de euros (sem IVA), foi ganho por um consórcio formado pela Somafel – uma empresa do Grupo Teixeira Duarte, especializada em manutenção ferroviária – e a empresa Floresta Bem Cuidada, sediada na Guarda.

    Esta segunda empresa – gerida por Orlando Faísca, que presidente também à Associação Empresarial da Região da Guarda – ganhou, sozinha, o terceiro lote, para a região sul do país, por um valor de 11 milhões de euros (sem IVA).

    De acordo com os contratos, a execução destas tarefas pode ser prorrogada, com a concordância das partes, por mais dois anos, o que significa que apenas haverá novos contratos em 2031. Em anos anteriores, a Infraestruturas de Portugal fazia o controlo de vegetação e desmatação nas infraestruturas rodoviárias, para prevenção de incêndios florestais, através de contratos pontuais, quase todos por ajuste directo.

    aerial photography of train tracks near forest

    Os três contratos celebrados pela Infraestruturas de Portugal para o controlo de vegetação em infraestruturas ferroviárias integram o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 16 e 18 de Fevereiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

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    Nos últimos três dias, de sexta-feira até ontem, no Portal Base foram divulgados 869 contratos públicos, com preços entre os 17,00 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, ao abrigo de acordo-quadro – e os 17.684.053,95 euros – para aquisição de serviços de controlo de vegetação e desmatação, pela Infraestruturas de Portugal, através de concurso público.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 25 contratos, dos quais 17 por concurso público, cinco ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 16 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Infraestruturas de Portugal (com a Iberdrola, no valor de 4.539.822,21 euros); dois do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (um com a Alnypt, um no valor de 3.256.722,00 euros, e outro com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 472.520,56 euros); dois da EEM – Empresa de Electricidade da Madeira (um com a Schneider Electric Portugal, no valor de 532.978,63 euros, e outro com a Enging – Make Solutions, no valor de 258.830,00 euros); Museus e Monumentos de Portugal (com a J. Kugel Antiquaires, no valor de 420.000,00 euros); três do Hospital do Espírito Santo de Évora (um com a Abbvie, no valor de 220.320,00 euros, outro com a Amgen Biofarmacêutica, no valor de 164.904,40 euros, e outro com a Pfizer, no valor de 159.696,45 euros); Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (com a Uniself – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, no valor de 209.267,29 euros); quatro da Unidade Local de Saúde de Santa Maria (dois com a Octapharma – Produtos Farmacêuticos, um no valor de 181.350,00 euros, e outro no valor de 129.412,00 euros, outro com a Astellas Farma, no valor de 148.407,00 euros, e outro com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 147.662,55 euros); Município do Funchal (com a Prospectiva – Projectos, Serviços e Estudos, no valor de 124.432,50 euros); e a Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (com a Gilead Sciences, no valor de 103.200,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 16 a 18 de Fevereiro

    1Aquisição de serviços de controlo de vegetação e desmatação em edificado

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Silvexplor – Sivicultura

    Preço contratual: 17.684.053,95 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    2Aquisição de serviços de controlo de vegetação e desmatação em edificado

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Somafel – Engenharia e Obras Ferroviárias; Floresta Bem Cuidada, Lda.

    Preço contratual: 12.516.859,70 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de serviços de controlo de vegetação e desmatação em edificado

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Floresta Bem Cuidada, Lda.

    Preço contratual: 11.036.051,20 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Aquisição de serviços de disponibilização e locação de meios aéreos – DECIR 2024 – Aviões Anfíbios Médios

    Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea

    Adjudicatário: AGRO-MONTIAR – Sociedade de Serviços Aéreos para Agricultura e Fogos

    Preço contratual: 10.181.328,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    5Aquisição de serviços de disponibilização e locação de meios aéreos – DECIR 2024 – Helicópteros Ligeiros

    Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea

    Adjudicatário: HTA – Helicópteros

    Preço contratual: 8.055.600,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 16 a 18 de Fevereiro

    1 Fornecimento de energia eléctrica às instalações do Grupo das Infraestruturas de Portugal – Janeiro a Abril de 2024

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Iberdrola

    Preço contratual: 4.539.822,21 euros


    2Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Santo António

    Adjudicatário: Alnypt, Sociedade Unipessoal

    Preço contratual: 3.256.722,00 euros


    3Suporte aplicacional ao sistema EcoStruxure

    Adjudicante: EEM – Empresa de Electricidade da Madeira

    Adjudicatário: Schneider Electric Portugal

    Preço contratual: 532.978,63 euros


    4Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Santo António

    Adjudicatário: Vertex Pharmaceuticals

    Preço contratual: 472.520,56 euros


    5Aquisição de escultura em âmbar de uma Nossa Senhora com o Menino, pertencente às colecções reais

    Adjudicante: Museus e Monumentos de Portugal

    Adjudicatário: J. Kugel Antiquaires

    Preço contratual: 420.000,00 euros


    MAP

  • ‘Faz falta uma revolução, não de cravos, mas de cidadãos independentes, livres e sem medo’

    ‘Faz falta uma revolução, não de cravos, mas de cidadãos independentes, livres e sem medo’

    Militar, investigador e presidente do partido Nós, Cidadãos desde Novembro de 2020, Joaquim Rocha Afonso, 6o anos, já viu muito e não tem ‘papas na língua’. Crítico da forma como se faz política em Portugal e de como se gerem os recursos públicos, o líder do Nós, Cidadãos defende uma maior participação de independentes na vida política do país e no acesso à Assembleia da República. Nas eleições europeias de 2019, o Nós, Cidadãos teve como cabeça de lista Paulo de Morais, um dos rostos do combate à corrupção no país. O partido, fundado em Junho de 2015, concorre nestas legislativas em cinco círculos eleitorais: Porto, Braga, Madeira, Europa e fora da Europa. Esta é a oitava entrevista da HORA POLÍTICA, a rubrica do PÁGINA UM que deseja concretizar o objectivo de conceder voz (mais do que inquirir criticamente) aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal. As entrevistas são divulgadas na íntegra em áudio, através de podcast, e publicadas com edição no jornal.


    OUÇA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA DE JOAQUIM ROCHA AFONSO, PRESIDENTE DO NÓS, CIDADÃOS, CONDUZIDA PELA JORNALISTA ELISABETE TAVARES


    Joaquim Rocha Afonso é militar, investigador e, desde Novembro de 2020, presidente do partido Nós, Cidadãos.

    Sim. Eu não gosto muito da palavra “partido”, porque considero que somos um povo inteiro, que quer devolver a cidadania aos cidadãos que estão cansados dos partidos. E uma coisa que está partida, já não se endireita [risos].

    Aliás, o Nós, Cidadãos foi um bocadinho “obrigado” a ser partido, não é?

    Sim, porque ninguém pode concorrer à Assembleia da República sem ser através de um partido político. Qualquer cidadão independente pode ser eleito fora dos partidos: desde o presidente de uma junta de freguesia até ao Presidente da República, passando pelo presidente de uma câmara; mas, ser deputado, não pode.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Essa é uma das áreas que o Nós, Cidadãos gostaria de mudar e têm essa iniciativa no vosso programa.

    Sim, foi a principal razão por que criámos o Nós, Cidadãos. Porque é antidemocrático que os cidadãos que não queiram ter uma veia partidária, não possam participar na política; nem sequer contribuir para as decisões dos destinos do país. Vemos, inclusivamente, entre os nossos jovens, que eles mais depressa preferem fazer voluntariado numa associação humanitária ou de apoio social – até eventualmente ligada a uma agremiação religiosa e uma IPSS – do que envolverem-se em actividades políticas. Porque quem vai para as juventudes partidárias, fica logo rotulado como “jotinha” e acaba por ficar descredibilizado. É triste, mas infelizmente é a realidade, e já era assim quando eu andava no liceu.

    Entende que essa mudança no sistema político no país poderia ser fundamental para mudar outras coisas que são urgentes mudar?

    Está tudo interligado. Porque como eu estava a dizer, quando andei no liceu, fui delegado de ano – ou seja, representante do meu ano no Conselho Pedagógico – por método electivo, e queriam também que eu fosse para a associação de estudantes, e aceitei. Mas depois vieram os meninos das ‘jotas’ todas, da JC, da JCP, da JS… E disseram-me que tinha de escolher com qual eu queria ir. E eu disse que não queria; ia como Joaquim Afonso, e não queria nenhuma “cor” – nem rosa, nem laranja, nem azul, nem vermelho, “sou independente”. E eles “não, porque o conselho directivo diz que tens de ir com uma cor dos partidos”. E eu não fui.  Entretanto, passado pouco tempo, entrei para a Armada, para a Escola Naval, e nunca mais me pude envolver na política activa.

    Se calhar, alguns portugueses, e portugueses de mérito, são afastados da política também por causa deste fechar de portas a independentes.

    É deliberado. Na altura em que fui capitão de porto em Caminha, fui a um debate sobre a revisão da lei eleitoral para se poder permitir círculos uninominais, em Viana do Castelo, em 1997, se não me falha a memória. Na altura, António Costa era ministro dos Assuntos Parlamentares e andava a fazer umas sessões de esclarecimento pelo país sobre os círculos uninominais, que é cada pessoa saber quem é o seu deputado. E eu, já nessa altura, portanto, há quase 30 anos, deixei toda a gente falar e, no final, perguntei porque é que não se fazia uma experiência-piloto de democracia directa em que as pessoas, com um cartão ou um bilhete de identidade – ainda não havia cartão de cidadão – numa determinada povoação ligada a uma universidade de estudos sociais, decidiam directamente, sem precisar de serem representadas, os destinos dos assuntos que lhe dizem respeito.

    Um pouco como fazer-se referendos sobre determinados temas?

    Sim. Todas as questões mais importantes deviam ser referendadas, o mais possível. Isso acontece em vários países. Toda a gente sabe, por exemplo, da actividade referendária da Suíça. Não se percebe porque é que esta gente dos partidos tem medo dos referendos. O referendo é a coisa mais democrática que há.

    Têm medo da democracia, estes partidos que têm governado o país?

    Têm, porque isto é uma democracia muito musculada e descaracterizada. E agora, toda a gente está cheia de medo deste partido novo que está aí com bastante pujança. O Chega, para mim, não é mais perigoso do que o Bloco de Esquerda. São ambos, um da extrema-esquerda, outro da extrema-direita. Aliás, nunca tivemos sequer partidos de direita em termos ideológicos. Foram todos ilegalizados, pouco tempo depois do PREC – Processo Revolucionário em Curso. Mas acho que sobre a história destes 48 anos, toda a gente sabe e toda a gente está triste. Houve coisas muito boas, mas infelizmente também houve coisas menos boas. E acho que devíamos falar é sobre o que podemos fazer para dar esperança aos portugueses de que Portugal é viável, é possível e pode ser uma coisa muito bonita.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Então vamos falar sobre isso. Mas antes de falarmos sobre o vosso programa, fale-nos um pouco do que é o Nós, Cidadãos actualmente, em termos de organização e da sua participação nas eleições legislativas de 10 de Março. Têm listas, vão ter candidatos?

    A nossa força maior é apoiar os movimentos independentes a nível autárquico. Ninguém em Portugal sabe: nós tivemos uma câmara municipal só do Nós, Cidadãos, entre 2017 e 2021, a Câmara de Oliveira de Frades, que infelizmente perdemos porque o nosso presidente não concorreu às freguesias todas. Só concorreu a quatro das oito e perdemos por 241 votos. Mas ganhámos outra câmara ainda mais importante, mas aí foi em coligação. Embora o presidente da câmara seja independente – e estou a falar do doutor José Manuel Silva – todos os eleitos como vereadores e deputados municipais do movimento Somos Coimbra entraram como identificados pelo Nós, Cidadãos. Temos também uma vereadora em Évora e mais seis vereadores pelo país inteiro. Aliás, com a quantidade de vereadores do Chega que já se demitiram, neste momento podemos estar já à frente do Chega em termos de eleitos autárquicos. Temos deputados municipais em imensos sítios e, portanto, a nossa maior força é a nível autárquico. E porque é que nestas últimas eleições nós crescemos tanto? Porque o PS e o PSD uniram-se para acabar com os grupos de cidadãos eleitores. Na altura, Rui Rio e António Costa, à socapa, fizeram uma lei para praticamente inviabilizar as candidaturas dos cidadãos eleitores independentes.

    Porque estariam a ver o crescimento e a vontade da população de participar activamente?

    Sim. E aí, o Nós, Cidadãos, contactou com a Associação Nacional de Autarcas Independentes, inclusivamente com o doutor Rui Moreira, também independente da Câmara do Porto, e disponibilizámo-nos a abrir completamente o Nós, Cidadãos à cidadania, porque é essa a nossa vocação. Somos fundados por pessoas vindas de movimentos de cidadania independentes, e mantemos essa característica. Ou seja, não nos podem rotular nem de direita, nem de esquerda. Aliás, esses termos estão completamente obsoletos. Isso é uma coisa que vem com 200 anos, desde a Revolução Francesa. E hoje, quer se queira quer não, aqui em Portugal não se decide nada, porque é tudo decidido em Bruxelas. Fazemos parte de uma comunidade que, na minha perspectiva, devia ser só económica, mas querem que seja também política. Em termos políticos, unificar muitos países com culturas diferentes demora séculos. Na Europa, a única altura em que se conseguiu fazer isso foi durante o Império Romano, e demorou séculos. Havia regiões que demoravam séculos a ‘romanizar’. Portanto, vai ser muito difícil. Eu acredito que é possível, mas não pode ser à bruta; não pode ser de cima para baixo. Tem de se divulgar as coisas boas da União Europeia junto das bases da população, através da cultura, do bem-estar social e económico. E isso até tem acontecido, mas infelizmente está a ser esboroado por uma série de más práticas a que assistimos em alguns países.

    E na própria Comissão Europeia, que tem tido algumas investigações e suspeitas. Mas então, voltando a Portugal e às legislativas, qual é o vosso objectivo para estas eleições?

    Olhe, antes de falar do meu objetivo, deixe-me dizer-lhe que estou muito zangado. Porque já sou meio velhote, sou preguiçoso, não gosto de trabalhar e estava aqui descansadinho a pensar que só íamos ter legislativas outra vez daqui a quatro anos, porque estes senhores tinham uma maioria absoluta e, bem ou mal, estavam legitimados pelo voto. Mas pronto, não são capazes de se portar bem, de ser gente decente, de trabalhar a bem do país e do bem comum das populações. E lá vamos nós outra vez ter de ir votar.

    Portanto, vem contrariado?

    Contrariado, não, porque senão demitia-me e iria outra pessoa para a presidência. Mas simplesmente não estávamos preparados. Um pequeno partido não tem os mesmos meios nem os recursos – tanto humanos como económicos – que têm os grandes partidos. E depois, andámos a ver se conseguíamos fazer uma coligação alargada com os partidos pequeninos todos. Mas infelizmente, há muitos pequeninos que são ainda piores que os grandes – as pessoas têm os seus egos, as suas coisas, e não conseguimos. E depois houve outro pormenor, que foi o facto de se ter demorado a dissolver o Parlamento. Porque, primeiro, marcou-se o dia das eleições e depois demorou-se imenso tempo a dissolver o Parlamento, e isso deu só 10 dias para fazer as listas. E não tivemos tempo para fazer listas nos círculos eleitorais todos, por isso não vamos a todos.

    Paulo de Morais foi o candidato do Nós, Cidadãos nas eleições europeias de 2019
    (Foto: Imagem capturada a partir de imagem do Porto Canal/2019)

    Quais são os círculos em que vão?

    Vamos em cinco círculos: Porto, Braga, Madeira, Europa e fora da Europa. Já nas últimas só tínhamos ido em nove, e agora ainda vamos a menos. Vamos começar já a trabalhar para as autárquicas, para ver se conseguimos nas próximas legislativas ir a mais círculos eleitorais. Porque infelizmente, também observamos uma coisa: os movimentos e os cidadãos independentes que nos abordam e que nós apoiamos para as eleições autárquicas, quando chegam as legislativas… Isto é como ser do Sporting ou do Benfica – já não querem saber do Nós, Cidadãos para nada. Porque já veem o Nós, Cidadãos como mais uma cor partidária, enquanto, a nível autárquico, veem como uma cor de cidadania. E nós, o que gostaríamos que passasse para a população civil em geral e nomeadamente para os nossos eleitos autárquicos, é que a cidadania tem de entrar no Parlamento como cidadania, não é como uma cor política partidária. Infelizmente, temos de ser um partido por imposição legal, mas gostaríamos de levar a cidadania para dentro do Parlamento para começar a virar as coisas por dentro.

    Mas isso, para já, não é possível.

    Possível, é sempre. Nós, aliás, apresentámos um enormíssimo protesto muito bem fundamentado juridicamente. Mas lá está, o sistema funcionou, e não conseguimos; nós estivemos pertíssimo de eleger um deputado no círculo fora da Europa, logo na nossa fundação, em 2015, por causa de o nosso candidato de Macau ser uma pessoa muito forte e muito querida e acarinhada em Macau, o doutor Pereira Coutinho. Mas, enfim, inutilizaram-nos uma série de boletins de voto – aquelas manigâncias que se fazem.

    Na secretaria. Portanto, de forma burocrática, conseguem travar isso.

    Sim. É completamente injusto, antidemocrático e indecente, que havendo mais de um milhão de eleitores registados no círculo da Europa, só elegem dois deputados. E no círculo de fora da Europa, que são cerca de 610 mil, também só elegem dois.

    Ou seja, não há uma verdadeira representatividade.

    Não. Setúbal tem muito menos eleitores do que o círculo da Europa, e elege 19, por exemplo.

    Ainda para mais quando há mais portugueses a emigrar, e muitos jovens, era bom olhar para essa questão.

    E há outra coisa:  porque é que não se deixa as pessoas votar electronicamente? Isto continua tudo a funcionar na base do papel. Mesmo agora, para entregar as listas e estas coisas todas, não pode ser nada por e-mail. Tem de ser com papel com carimbo, com presença, com procurações, com delegações… Quando é para fazer coligações, vou directamente com os outros líderes partidários ao Tribunal Constitucional e assinamos presencialmente, porque senão tem de ser com assinatura reconhecidas. É um dispêndio de dinheiro que para os grandes não faz grande diferença, mas para nós é importante.

    O vosso programa também fala muito nesta questão da burocracia e da forma como tudo funciona. Para além da carga fiscal, este é um aspecto que trava muito o avanço da sociedade e da Economia em Portugal?

    E não só. Quanto mais papel há, menos as coisas avançam. Quando eu estive na NATO em 1993-94, fui ajudante de campo do comandante-chefe. E nós criámos, já nessa altura, um sistema informático, e foi o primeiro quartel-general da NATO, em todo o mundo, sem papel! E isto foi há 30 anos. Portanto, não se percebe porque é que toda esta burocracia do Estado continua assente em papel. Fala-se muito das novas tecnologias, dos ‘data centers’ – às vezes não pelas melhores razões –, mas temos de desburocratizar e descentralizar. Algumas estruturas têm de ser hierarquizadas e piramidais, nomeadamente aquela onde eu estive praticamente toda a vida. A estrutura militar tem de ter uma hierarquia definida, algumas empresas também, mas cada vez mais, as estruturas que funcionam melhor, funcionam em rede. Voltando ao Nós, Cidadãos, a nível de estruturas nacionais, funcionamos em rede. Estatutariamente estão previstas, tal como a lei obriga, as distritais e as concelhias, essas coisas todas. Mas, na prática, funcionamos com células independentes que comunicam entre si, muitas vezes, sem dar cavaco nem à presidência, nem à Comissão Política. Chega o reporte das actividades – isto é verdadeira independência e democracia. E, por outro lado, quando nos querem eliminar uma célula, as outras controlam e tomam conta do assunto. Já aconteceu.

    Portanto, é uma organização também flexível, ágil e mais numa lógica de comunidade.

    Sim, e muito ligada às populações locais, porque é isso que é cidadania. As pessoas têm de sentir a proximidade de quem os representa. Por exemplo, o nosso cabeça de lista para o círculo fora da Europa é um jovem de 31 anos que nasceu na Venezuela, filho de imigrantes venezuelanos com origem na Madeira, e conhece perfeitamente o mundo da emigração de fora da Europa. E é assim que deve ser. Os nossos candidatos do Porto, de Braga, da Europa e da Madeira são pessoas conhecidas a nível local e a nível regional. Não é só porque é uma pessoa importante… Eu sou mirandês, de Miranda do Douro, e nas primeiras eleições fui cabeça-de-lista pelo meu distrito, por Bragança. E acho que é assim que deve ser; devem ser pessoas conhecidas localmente e até sugerida pelas estruturas informais que nós temos. Mas, como digo, vamos preparar as autárquicas que são daqui a dois anos, e daí nascer uma lista como deve de ser, para ir a todos os círculos a nível nacional nas próximas legislativas – que eu esperaria que fossem daqui a quatro anos, mas alguém já me disse que se calhar serão lá para Novembro [risos]….

    Então, tem pouca fé de que as coisas corram bem, nesse aspecto…

    Eu não sou analista político, mas nós aprendemos a fazer análise, análise operacional, táctica, estratégica e também política.

    E como militar, também a estar preparado antecipadamente.

    Sim, e antever todos os cenários possíveis. E, infelizmente, o cenário que me parece mais plausível não tem nada de estabilidade como tínhamos agora com este cenário que ruiu por indecente e má figura – como disse o doutor Passos Coelho. Não se prevê que haja uma maioria de esquerda, e provavelmente o PS será o partido mais votado. Mas na minha percepção da rua, ou me engano muito ou o segundo partido mais votado não vai ser o PSD, mas, sim, o Chega. Porque muitos dos votos dos indecisos são pessoas que têm vergonha de dizer aos tipos das sondagens que vão votar no Chega. É aí, temos uma situação problemática, porque havendo uma maioria de direita, e se o partido mais votado for o PS, o Presidente convida o Pedro Nuno Santos, mas chega ao Parlamento e não passa, com uma moção de censura. A seguir, o Presidente tem de convidar o segundo partido mais votado. Quem é que ele vai convidar? E eu não sou daqueles que diz que é o ‘papão’ do fascismo. É tão papão como o Bloco ou o PCP. São iguais, são extremistas, nunca deveriam ser convidados a formar Governo.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas temos alguns países, nomeadamente a Itália, em que também entrou um partido que era supostamente de extrema-direita, rotulado pela tal “Internacional Socialista”, e que nem tem estado a fazer muito má figura. Mas a Itália tem uma coisa e isso é um dado importantíssimo. E nós temos de fazer todos um esforço para obrigar estes nossos políticos a deixarem de ser indecentes e corruptos… É que a Itália pode funcionar com base na estrutura técnica do Estado, porque até um director-geral, as pessoas são nomeadas por competência técnica, há uma progressão na carreira técnica. E nós, infelizmente – isto já começou há mais de 20 anos –, temos directores-gerais nomeados politicamente e agora já é assim com os chefes de serviço, e qualquer dia também será com os chefes de secção. E isto é totalmente desmotivante para quem tem competência, ambição de progredir e motivação. Depois, como já sabe que se não tiver um cartão cor-de-rosa ou cor de laranja, não sobe, e as pessoas marimbam-se, vão para as suas repartições e não querem saber. Como sabem que nunca vão chegar a chefes se não quiserem ter um cartão, pensam, então, “que se lixe”.

    Aliás, essa é uma das propostas que o Nós, Cidadãos tem de mudança para Portugal: este ‘despolitizar’ do que ser deve ser o funcionamento do Estado, das suas estruturas e da administração pública.

    Sim. E emagrecer o Estado, que o Estado está muito gordo. O Hospital de São José, há 40 anos, se não me engano, tinha cinco administradores. A última vez que fui ver, tinha 56. Agora não faço ideia, mas se calhar já tem mais. Para quê? E depois, faltam médicos nas urgências. E depois, os administradores, se calhar, a maior parte são uns ‘jotinhas’.

    O Nós, Cidadãos propõe reformas de fundo. Esta, por exemplo, é uma delas. Os partidos do arco da governação a quererem ceder a esse poder de nomear tantos cargos; os tais “jobs for the boys”.

    Sou um optimista, um homem com esperança. E a principal razão por que eu aceitei este repto de vir para a presidência do Nós, Cidadãos, é porque tenho quatro filhos e espero deixar-lhes um mundo melhor do que aquele que eu encontrei, e que não era nada mau. E nós temos assistido a tantos casos e casinhos, que qualquer dia, eles começam a ter medo de ir parar ao “xilindró” – para falar numa linguagem mais coloquial – e começam-se a encolher antes de fazer porcaria. E aí, talvez os mais aptos, capazes e mais sérios, pode ser que consigam chegar à frente dos partidos grandes, ou supostamente grandes. É uma esperança que eu tenho e que tem de acontecer, porque o povo não é burro. E eu sempre tive essa convicção e mantenho-a. E dizia-me um senhor que foi meu professor, que eu estimo muito, o Professor Adriano Moreira: “em Portugal, nunca tivemos uma transição política pacífica; nós aguentamos é mais que os outros, mas ao longo dos nossos 900 anos de história, nunca houve uma transição política pacífica, como houve em Espanha, por exemplo, quando morreu o Franco”. Em Portugal, foi sempre um regicídio, um golpe de Estado, ou guerra civil… E dizia-me um cabo GNR, meu compadre, que isto de 50 em 50 anos, vira. Portanto, está quase. Eu gostaria que assim não fosse. E por isso, o nosso lema, que está nos nossos cartazes e nossos panfletos, é uma “revolução da cidadania”. Aliás, temos um grupo de WhatsApp com cerca de 200 pessoas em que provavelmente só 10% é que são filiados, mas que são simpatizantes e amigos desta corrente da cidadania, e o nome do grupo é mesmo “A revolução da cidadania”. Porque é isso que faz falta. Uma revolução, não de cravos, mas de cidadãos independentes, livres e sem medo.

    Imagem de campanha do Nós, Cidadãos nas legislativas de 2024. (Foto: D.R.)

    Então, sente que essa mudança pacífica e a bem deste regime, vai acontecer?

    Poderá não ser já no imediato, mas só tem de acontecer. Porque senão, o país acaba! Infelizmente, o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 aconteceu pela falência política, social e económica da Primeira República. Andava tudo à ‘bulha’ no Parlamento, alguns, andavam mesmo ao ‘sopapo’. Mataram um Presidente da República, que foi o Sidónio Pais…. E depois, há alguns movimentos subversivos, que no século XXI não fazem qualquer sentido, numa sociedade plural e organizada, que continuam a querer mandar nisto. E o povo não pode deixar. Mas o povo, infelizmente, cada vez é mais velho. E aí, também faz parte do nosso programa, os incentivos à natalidade, e à família; ter uma sociedade normal e viável. Há 15 dias, vimos nas notícias que 30% da população tem mais de 65 anos, e não pode ser. Não podemos ficar à espera de que sejam os imigrantes a resolver os problemas de Portugal; porque nunca assim foi nem será. Eu tenho imenso respeito pela imigração, aliás, Portugal foi o país que mais se miscigenou ao longo do último milénio.

    Mas caso haja mesmo necessidade de ir novamente para eleições, como referiu, será um período conturbado que pode abanar as estruturas no país, nomeadamente sociais…

    E é bom que abane. Nós, neste momento, já temos polícias na rua. Os agricultores, também. Eu faço parte de alguns grupos, e andam há uma semana a preparar-se.

    Em outros países, já estão a bloquear capitais.

    Já. E isto tem a ver com uma coisa que ninguém sabe, do dinheirão que a União Europeia tem no seu orçamento… Já na altura em que eu andava por Bruxelas, nas guerras do Ambiente, cerca de metade era para financiar a Política Agrícola Comum [PAC]. E, neste momento, a PAC está dependente de uma série de normativos, alguns muito difíceis de implementar, que têm a ver com esta parte do Ambiente e das regras de consumo.  Recordar-se-á perfeitamente de quando nós deixámos de ver fruta mais pequenina nos escaparates. As padarias foram todas obrigadas a deitar para o lixo as masseiras de Madeira! Isto são regras estúpidas, impostas de uma forma sobranceira por Bruxelas, mas em França eles não cumpriam. Porque eu ia visitar padarias em França e eles continuavam a amassar o pão em cima da madeira, que fica muito mais saboroso. E ainda ontem o novel primeiro-ministro de França estava a dizer que têm um poder tal, que podem alterar as regras da União Europeia [UE]. Mas se isto é uma União, então como é que há um tipo que pode falar mais alto que os outros e falar grosso?

    Mas, no fundo, são regras muito favoráveis à industrialização de todas as actividades, não é?

    São favoráveis a quem paga mais são, que são os franceses e os alemães. Por isso é que os ingleses se foram embora. Não tiveram para aturar isto. É certo que não deviam ter ido, mas eles nunca concordaram com esta “União Política”. Alguém lhe perguntou se queria fazer parte de uma União Política da Europa? Ninguém lhe perguntou, e a mim também não. Essas coisas perguntam-se.

    (Foto: PÁGINA UM)

    E estamos todos a vivê-lo, com a implementação destas políticas.

    E a perder soberania. Nós chegámos a fazer uma campanha muito forte – também ligada com outros países – que em Portugal foi patrocinada e acarinhada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, contra o artigo 13º da Constituição Europeia. E chegou-se depois a uma altura em que nunca mais falou em Constituição Europeia, morreu o assunto. E esse artigo 13º, o que ia fazer? Ia tornar como área de gestão da responsabilidade de Bruxelas, a coluna da Água e o fundo das áreas marítimas portuguesas. E eu fiz, durante muitos anos, fiscalização da Pesca. E quando nós entrámos para a UE, nos primeiros 15 dias, como havia ainda incerteza e não tenham sido completamente negociadas as derrogações de os outros países poderem aceder às nossas águas, os espanhóis e os franceses começaram a pescar à ‘fartazana’ nas nossas águas, e nós tivemos de os começar a aprender. E mesmo assim não foi muito mau, porque eles também foram para a Irlanda, que entrou ao mesmo tempo que nós, e os irlandeses mandaram algum espanhol ao fundo; afundaram um pesqueiro. E, mesmo assim, voltaram lá uma segunda vez, e afundaram o segundo, e nunca mais lá puseram os pés.

    Agora, até já se fala de um exército europeu…

    Esqueça lá isso. Nós temos de fazer com que as populações sintam vontade de ser europeias, e para isso, os espanhóis não podem ter medo dos portugueses; os portugueses não podem ter medo espanhóis; nós não podemos ter medo dos franceses. A única coisa que nós temos em comum é esta herança judaico-cristã, que é uma cultura bastante antiga, e daí todas as reacções que tem havido em relação à entrada da Turquia na UE, porque não é um país de cultura judaico-cristã. Apesar da sua vertente europeia, nomeadamente Istambul, que é a sede da Igreja Ortodoxa. Mas isso são questões geoestratégicas e geopolíticas, e infelizmente, mesmo a nível internacional, as nossas perspectivas não são nada boas. Temos um Putin, temos o da Coreia do Norte, e temos mais o outro maluco da China…

    E os Estados Unidos.

    Pois. Esta candidata do Partido Republicano [Nikki Haley] tem toda a razão: então os dois tipos que estão a concorrer à Casa Branca são velhinhos, um com 81 anos, que quando sair de lá tem 87, e o outro com 77…

    E muitos congressistas no Senado.

    Tudo! A Nancy Pelosi, quando foi para a frente do Congresso, já tinha 82 anos. Epá, vão para casa tomar conta dos netos, dar banho ao cão… Eu próprio, para político, com 60 anos, já devia estar fora disto há muito tempo. Nós temos de dar oportunidade aos jovens. É politicamente incorreto isto que eu vou dizer: quando foi feito o golpe de Estado para manter o país na ordem, a 28 de Maio de 1926, foram buscar um professor de Finanças muito competente a Coimbra, que se chamava António Oliveira Salazar – primeiro, foi Ministro das Finanças, depois é que foi Presidente do Conselho de Ministros. E era novíssimo! E os ministros que ele escolheu tinham todos menos de 30 anos. O engenheiro Duarte Pacheco, quando faleceu, depois de uma hemorragia grave que teve num acidente de automóvel, tinha 34 anos e veja-se a obra toda que ele deixou. Agora, estes tipos são os mesmos que andavam cá há 48 anos; eram novos quando foi o 25 de Abril, mas agora estão todos muito velhos.

    Aliás, nós entrevistámos recentemente um economista português, professor na Universidade de Manchester, Nuno Palma, que desmontou, com dados, tudo aquilo que se diz de desinformação relativamente àquilo que era a Economia portuguesa no Estado novo. Obviamente, contudo, de negativo, que também houve e que há numa ditadura. Mas, em termos económicos, ele explica como o grande problema tem sido as últimas décadas…

    Como comecei por lhe dizer, não sou um saudosista, nem do Estado novo, nem do regime democrático pós-25 de Abril. Houve coisas muito boas, tanto num como no outro. Mas o que temos sempre de perceber e sentir, de uma forma isenta, objectiva, prática, é: o que podemos fazer, cada um nas suas funções e no seu dia-a-dia, para ajudar o próximo, para ajudar o país a andar para a frente, e para acabar com este rame-rame de corrupção e de compadrio. Porque este dinheiro todo que tem vindo da Europa não se traduz no bem-estar das populações. Ainda ontem, estavam os polícias a dizer que têm muito menos poder de compra do que tinham quando entraram para a Polícia. E nos militares é igual, porque não têm poder reivindicativo.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Mas este desinvestimento nas forças policiais, nos militares, na Educação, na Saúde, porque se gasta muito, mas investe-se pouco.

    O problema da Saúde não é um problema de investimento, é pura e simplesmente um problema de gestão pura e dura. Ideologicamente, por questões de regime – lá está, por imposição da tal extrema-esquerda – acabou-se com as parcerias público-privadas na Saúde. Todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde que estavam a ser geridos por parcerias público-privadas, estavam a ser geridos com critérios de gestão; é isso que significa “gerir”, aplicar a gestão. Não podem ser geridos com critérios políticos, de compadrio ou de amiguismo. É a mesma coisa que lavar a cara com as mãos abertas.

    Entende que é um retrocesso o que aconteceu?

    É, e esta reforma que estão a fazer agora é ainda pior. Isto de juntarem os centros de saúde com os hospitais, não dá. Quem é que consegue gerir um orçamento de um grupo desses, que pode ser mil milhões de euros?

    Mas entende que este tipo de medidas favorece essa falta de transparência e de escrutínio e o reforço do poder por parte de alguns grupos que têm liderado o país?

    Claro. Mas isso, o povo é que tem de perceber e tirá-los de lá. Porque esta gente faz-me lembrar alguns chefes que nós tínhamos… Em geral, tive chefes bons, mas de vez em quando apanhávamos um mais fraquito. E esses mais fraquitos, o que faziam? Nada, não decidiam, porque ao não decidir, não correm o risco de decidir mal.

    Então fica tudo na mesma.

    Exactamente. Chama-se a isso “despacho-gaveta”. E é o que nós assistimos: ninguém decide, ninguém faz. Andam agora a querer aprovar estas obras milionárias, porque têm lá os ‘grupelhos’ económicos das rendinhas. Aliás, basta ver o programa de ontem à noite do José Gomes Ferreira, em que ele focou isso. Estava lá o meu amigo Paulo Morais, e o Fernando Pereira, também meu amigo. A cidadania tem de se impor a esta corja de gente que não presta! E tem de ser o povo português a escolher os mais competentes, os mais aptos e os mais sérios. E nós temos gente muito boa. Só que não estão para se ligar aos partidos políticos. No Nós, Cidadãos, eu sinto isso.

    Tenho imensos amigos inteligentes e competentes, e muito bons profissionais, mas que não querem ter uma conotação político-partidária. E é este tipo de coisas que está a destruir a democracia. E que está a ser cavalgado por aquilo que eles chamam a “extrema-direita”, que é apenas e só um movimento de contestação. E digo-lhe mais: em termos ideológicos puros, para mim, é muito mais perigoso um partido como a Iniciativa Liberal do que um partido como o Chega. Agora vou ser um bocadinho sobranceiro, mas, para mim, o Chega é o partido dos taxistas e das cabeleireiras. Porque quando andamos num táxi ou vamos ao cabeleireiro, são todos muito bons a dizer o que está mal. Mas quando lhes perguntamos o que faziam se fossem para lá, não apresentam soluções. E depois, aquilo é um saco de gatos. Se alguma vez esta gente tiver de governar, o Chega implode, vai cada um para seu lado. Mas, têm uma coisa muito boa: um líder, que eu tenho imensa pena que ele se tivesse apaixonado, porque ele teria dado um padre de excelência. Aquele senhor nasceu para falar em público, e é, de longe, o melhor parlamentar que nós temos no Parlamento português. Tem jeito para aquilo, sai-lhe! Eu não tenho. Eu falo, fui treinado, mas não tenho aquele à-vontade que tem o André Ventura para falar em público. E parece que aquilo lhe sai sempre bem.

    Outra pessoa que eu admiro imenso porque escreve muito bem – e que o pai dele também era oficial da Marinha –, e que pode estar a escrever sobre o maior absurdo que aquilo faz sempre sentido, é o Miguel Esteves Cardoso. Adoro ler os textos dele. E ele, às vezes de propósito, defende absurdos, mas entrelaça lá as coisas de uma maneira, que aquilo faz sempre sentido [risos]. Mas dizia eu: o Iniciativa Liberal, ideologicamente, é muitíssimo mais perigoso. Porque tem aquilo que nós consideramos, em termos de cidadania, o pior da direita, que é o liberalismo total na Economia, e não pode ser. Há sectores essenciais que têm de ter intervenção do Estado e controlo por autoridades independentes. E tem também o pior da esquerda, que é o liberalismo total nos costumes. Uma sociedade não pode ser totalmente liberalizada em termos de costumes, porque há as tradições, as famílias e os sentimentos das pessoas, que não podem ser adulterados por estas agendas “woke”, como se fala agora. E, todos nós, como pais de família ou mães de família, sentimos que isto não é normal. Temos de respeitar quem é diferente, sim, senhor, mas não é tornar a diferença no “normal”, porque não é. E, portanto, para mim, a Iniciativa Liberal é muito mais perigosa do que o Chega. Agora, também não acredito que com este novo líder vão muito longe. Não tem nada a ver com o Cotrim Figueiredo, que tinha outra ‘estaleca’, outra postura.

    Mendo Castro Henriques, anterior presidente do Nós, Cidadãos.
    (Foto: PÁGINA UM)

    E vende-se muito este medo relativamente à extrema-direita, e na Europa fala-se muito nisso, na própria Comissão Europeia, mas não deixa de ser curioso que é com os governos actuais, nomeadamente em Portugal, o governo socialista, que temos assistido a um enorme recuo na democracia. Não será que a população também sente que há uma maior tendência para medidas mais totalitárias, e reage?

    Não precisa de ir mais longe. Olhe para o que está a acontecer em Espanha. Esta gente agarra-se ao poder e vem com as agendas todas ao mesmo tempo, e normalizam terrorismo de Estado… Imagine o que seria eu agora criar um movimento de mirandeses, porque até temos uma língua e uma cultura diferentes, e queríamos ser independentes. Vamos fazer a República de Miranda do Douro, se calhar era maior que Andorra. E depois, ter os socialistas a perdoar, porque eu fiz um referendo e todos os mirandeses quiseram ser independentes. E em vez de eu ir parar à cadeia, sou perdoado. A principal razão por que Espanha continua a ser um reino – para além de ter havido uma guerra civil entre republicanos e monárquicos em que ganharam os monárquicos – é porque se fosse uma República, eram cinco países, não era só um. São cinco nações completamente distintas umas das outras. A Espanha nunca reconheceu a independência do Kosovo. Porquê? Não lhes dá jeito. Mas, por outro lado, querem voltar a tomar conta de Gibraltar. Enfim.

    Já falou um bocadinho do Serviço Nacional de Saúde, e todos os anos se repete, no pico das doenças do foro respiratório, há sempre uma crise. Já deu algumas pistas, mas para vocês, que soluções podem existir? Porque quem tem mais meios financeiros, mantém sempre a Saúde nos privados, mas quem não tem fica com o que resta…

    Aí, eu penso um bocado diferente daquilo que acabou de dizer. Não está escrito em lado nenhum que os médicos do privado são melhores que os do público. Para mim, os melhores profissionais e com mais saber acumulado por muita experiência, estão no público.

    Sim, mas a questão é que muitas vezes as pessoas nem chegam a ter acesso a esses médicos no SNS.

    O que tem de haver aqui é equilíbrio, bom senso e não haver demagogia. É não deitar fora aquilo que até funciona bem, só porque não está de acordo com o nosso programa do socialismo. Sendo eu raiano e da província de um distrito muito envelhecido… Por todo o interior de Portugal, quem estava na proximidade das populações eram as IPSS, os hospitais das Misericórdias. Porque é que deixou de haver postos médicos nos Bombeiros? Qualquer associação de bombeiros tinha um posto médico onde as pessoas iam tomar uma injecção, ou medir a tensão. Agora, as farmácias começam a fazer isso, mas havia muitos centros de enfermagem. E depois, são regras para aqui e para ali… Maternidades a fecharem nas capitais de distrito, não pode ser. E é a mesma história com a Educação, e as escolas. Cada aldeia deste país tinha uma escola e agora – eu vejo isso no concelho de Miranda do Douro –, há um autocarro da Câmara que vai buscar os meninos para a escola, e eles desde que saem de casa até que chegam às aulas, às vezes são duas horas. Coitadinhos. Vêm de muito longe, quando dantes iam a pé com as botinhas de bezerro a pisar nas poças de lama, todos contentes, iam para a escola. E agora nem meninos há, que é outra coisa. Se os nossos reis há 500 e há 700 anos fizeram a Leis das Sesmarias, para retirar poder económico à Igreja porque ficavam com muitas terras… Tem de haver reformas de fundo para o país ser viável e ser uma coisa harmoniosa.

    E para fixar população nas zonas do Interior?

    Claro. Porque é que deixou de haver as casas de função do sistema judicial, do sistema de saúde? Os médicos, quando iam para as capitais de distrito ou para as cidades mais importantes, tinham uma casa atribuída pelo Estado. Os juízes, a mesma coisa, e os delegados do Ministério Público. As pessoas não têm que ter vergonha de ir viver para a casa que o Estado lhes dá; é a casa de função, está preparada para isso. E quem diz isso, diz, entre outras coisas, incentivos financeiros.

    E habitação, que hoje, mesmo no Interior, às vezes está ainda mais cara

    A Habitação é um dos temas que mais tem revoltado, principalmente a classe jovem e a população activa que trabalha e não consegue comprar uma casa nem pagar uma renda. E nós concordarmos inteiramente com a Federação Portuguesa de Cooperativas de Habitação, que foi o regime que se esqueceu deliberadamente. E em que a construção, através de cooperativas, ‘curto-circuita’ completamente o sistema das mais-valias de quem quer ganhar muito dinheiro com este assunto. E, portanto, o Estado tem de incentivar, por um lado, a bonificação dos juros aos jovens. O primeiro apartamento que eu comprei foi com juro jovem bonificado, e comprei-o com 22 anos. E na altura, os juros estava muito acima do que estão hoje. Aliás, nós colocámos nos nossos cartazes de rua, que são poucochinhos, mas já há mais de dois anos que nós estamos a pedir o juro bonificado. E só agora é que começam alguns partidos a falar nisso, nomeadamente o PAN. E porquê? Porque o juro bonificado não dá lucro aos bancos. Nós andámos aqui a salvar os bancos da bancarrota. Sabe quantos é que eu tinha salvado se fosse primeiro-ministro na altura? Nenhum. Tinha feito como fez o primeiro-ministro, apoiado pelo Presidente da Islândia. Se a Elisabete tiver uma mercearia ou a sua mãe tiver uma loja de rua de retrosaria ou uma coisa qualquer, e não for uma boa gestora e aquilo for à falência, então as pessoas todas da rua têm de estar a contribuir para que a loja lá fique, só porque a menina não sabe gerir? Foi mal gerido, paciência, temos pena, vai à falência, como qualquer outra estrutura comercial ou industrial. Uma empresa que não for bem gerida, entra em insolvência, e fecha.

    Entende que o sector financeiro tem sido demasiado protegido pelo poder político?

    O poder político está lá dentro! É o tal ‘corrupio’ que eu falo, entre as grandes sociedades de advogados, as grandes empresas oligárquicas, os bancos, os governos e o Parlamento. É tudo a mesma gente, andam a saltar de um lado para o outro.

    Agora, os grupos de media também estão a precisar de salvação e têm prejuízos, nalguns casos, são mal geridos têm dívidas a grandes grupos. Por exemplo, a dona da Visão deve ao Estado mais de 11 milhões de euros, infelizmente a Global Media também, e que é algo que também não se percebe, como é que podem ter dívidas tão grandes ao Estado.

    Eu aí sou muito pragmático e tenho a mesma teoria, tal e qual que tenho para os bancos. Há grupos de media que já estão adaptados ao século XXI e às novas tecnologias e às novas tendências. Vocês são um deles, a rádio Observador, o grupo Cofina… E não quiseram os subsídios do Costa, lembra-se? Nem o Observador nem o Correio da Manhã. Aliás, o Sócrates quis à viva força dominar financeiramente o Correio da Manhã, e não conseguiu. Manteve a independência. Agora, temos 10 jornais diferentes, que todos juntos vendem menos que o Correio da Manhã, e depois andam aqui, só porque têm 400 jornalistas que vêm do tempo dos botequins do Bairro Alto, em que eram todos filiados no PCP e passavam o dia e a tarde nos copos e depois a seguir foram dar aulas para a Escola de Jornalismo? Mas que jornalismo é este? É jornalixo! Jamais alguém me vai convidar para dar uma entrevista, mas paciência, já estou habituado.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Portanto, não concorda que haja, como alguns dizem, apoios do Estado?

    Nada! Por acaso tenho pena é do Fafe, coitado. Eu por acaso conheço-o pessoalmente. Se calhar, ele entrou um bocado a matar demais, e caiu-lhe o Carmo e a Trindade em cima. Demitiu-se, não tinha condições. E agora, se calhar, como ele já não vai estar lá, aquilo vai-se resolver tudo… Enfim.

    Em relação aos media, também é crítico da actuação e da cobertura que fazem, por exemplo, nas eleições?

    Sou muito mais crítico, por exemplo, de não haver controlo nas redes de sociais dominadas pelas multinacionais e pelas grandes tecnológicas. A Meta e a do Elon Musk, o X… Aí sim, tem de haver controlo e regras, e felizmente na Europa já estamos menos mal do que os americanos. Mas inclusivamente, essas sim, deviam ser taxadas brutalmente. Nós somos invadidos por publicidade deles, somos escutados… A minha filha Maria do Mar, no outro dia estava na praia com as amigas e estavam a conversar sobre uma determinada marca de roupa, e começaram todas a receber notificações no telemóvel de publicidade a essa marca de roupa! Isto é completamente pidesco, e tem de ser proibido.

    E são grandes tecnológicas que já têm também financiamentos e um pé nos media. Portanto, há um controlo grande de informação por parte dessas empresas.

    Isto é transformar as populações em carneiros.

    Há pouco falou na questão das forças de segurança, e também dos militares, que é algo que também tem proximidade, naturalmente. Que estratégia é que deveria haver para estas áreas? Porque estamos a falar de sectores que são fundamentais para o país e que, de facto, não têm condições, muitas vezes, para operar.

    O problema das forças de segurança e dos militares é que não têm poder reivindicativo. E estes nossos políticos das últimas décadas seguem aquela norma ‘foleira’ que é “quem não chora, não mama”.

    Têm de ir para as ruas?

    Não podem, os militares não podem, é proibido. Eu ajudei a fundar o Nós, Cidadãos já depois de ter saído do serviço activo. E nós temos um juramento de bandeira que nos impõe manter, em todas as circunstâncias, um rigoroso apartidarismo político. Este articulado faz parte do juramento de bandeira e eu mantenho-me fiel a esse juramento, e por isso estou no Nós, Cidadãos, e não noutro partido qualquer. Mas os militares não têm poder reivindicativo, o seu poder reivindicativo é fazer um golpe de Estado. Só que também não queremos ir por aí, nem se pode ir por aí. Portanto, tem de haver sensibilidade e bom senso, e o Senhor Presidente da República tem demonstrado algum.

    Mas o problema não é só de Portugal. Tem havido um desinvestimento atroz em Defesa porque pensávamos que estávamos no mundo da paz. Então e agora que vem o Putin por aí abaixo, o que é que fazemos? Nas televisões russas, já estão a dizer que só param em Lisboa! Não sei se viu essa. Num debate numa televisão russa, com os mais radicais, diziam que agora só param em Lisboa, quando chegarem ao mar. E isto são questões que não são de agora. Eu dei uma entrevista, uma semana antes de começar a guerra da Ucrânia, no “Isto é o Povo a Falar”, em que disse uma coisa que vou repetir: esta guerra começou porque as pessoas não leem a história. Há 170 anos, houve uma guerra na mesma zona, que ficou conhecida como Guerra da Crimeia, em que a Rússia perdeu. Na altura, a Crimeia não era ucraniana, era do Império Otomano. E houve uma coligação internacional da Turquia com a Inglaterra, a Alemanha, e a França, para ‘malhar’ nos russos. Porque o problema dos russos é sempre o acesso ao mar, nomeadamente, naquela região, ao Mar Negro. E a Marinha russa ficou desde essa altura proibida de ter navios militares no Mar Negro. Ainda hoje, isso mantém-se. E ainda hoje, o Estreito do Bósforo é controlado pela Turquia, e quando há conflitos na região, só a Turquia – que são os descendentes do Império Otomano – é que autoriza, ou não, a passar navios militares. Por isso, é que, quando os ucranianos afundaram o Kursk, aquele navio-almirante não foi rendido por mais nenhum, porque não pôde passar para dentro do Mar Negro. Podia andar pelo Mediterrâneo, como eles quisessem, mas para o Mar Negro não passava mais nada.

    Eu julgo que o desfecho terá de ser obviamente uma derrota da Rússia, mas vai-nos custar muito caro, porque andamos décadas a desinvestir.  Ninguém sabe que as ‘batotas’ que se têm feito, e não foi só o PS, mas também o PSD… Nós, em termos de compromissos com a NATO, temos de ter 2% do nosso PIB investido em Defesa – faz parte do acordo da Aliança Atlântica. E isto foi uma das coisas que o Trump exigiu a todos os membros da NATO, ameaçando que os Estados Unidos podiam sair da NATO. E em Portugal, o que se anda a fazer há 40 anos, é integrar nesses 2% todo o orçamento da GNR! Consideram que a GNR se trata de militares, e de facto eles são militares, mas não têm missões de Defesa, têm missões de segurança pública. E mesmo assim, com o orçamento todo da GNR, não chega aos 2%, chega a 1,2%. Porque de Defesa “pura”, é 0,6%! Não pode ser. Depois, há aqui uma questão que estávamos a falar, da estrutura do Estado: nós temos tido ministros de Defesa que vão para lá, pura e simplesmente com as agendas que trazem… Esta actual ministra, a agenda dela é “woke”, fez um doutoramento em igualdade de género… Uma estrutura que tradicionalmente tem regras muito claras, não se pode ter uma ministra que vai pôr uma bandeira arco-íris na janela do gabinete, na Avenida da Ilha da Madeira. Porque isto cria ‘sururu’.

    O conhecido empresário Henrique Neto integrou a Comissão de Honra da candidatura do Nós, Cidadãos nas eleições europeias de 2019. (Foto: D.R./Nós, Cidadãos)

    E perde-se o foco.

    E não só: a liderança tem de ser exercida com um exemplo, com competência.

    E a inclusão pode ser feita de outra forma…

    É o que eu disse há bocadinho: não pode ser imposta. Senão, cria revolta. Infelizmente, tivemos um almirante – não sei se na altura do Cabo Nogueira – que cortou o orçamento da Marinha. E o Almirante sitiou os navios e disse que então não saiam para o mar, porque não havia dinheiro para combustível. E isto, tendo anteriormente falado com todos os chefes da Marinha, para estar “calçado”. O Governo tirou-o de lá, e pôs lá outro. Passados dois meses, estava resolvida a crise. E no Exército e na Força Aérea, é a mesma coisa. Porque infelizmente, as próprias promoções a altos cargos de chefia, normalmente estão ligadas também a correntes políticas vigentes. E nas forças de segurança, a mesma coisa. Aliás, saiu de lá o Magina da Silva como director-nacional da PSP e aquilo estava pacificado, e a seguir foi o descalabro. Porque provavelmente, esta malta não se revê no actual director-nacional. Não tenho a certeza; estou a falar um bocado ‘de cor’.

    Portanto, falta aqui também um bocadinho de ânimo nesse lado.

    Tem de haver sentido de Estado e responsabilidade, e bom senso. E não haver aquela ânsia do “sou, quero, posso e mando” e “não precisamos de tropa nem de Polícia, precisamos é de arco-íris e de passadeiras arco-íris”, e de “o meu filho é presidente da Junta e a seguir vai ser Presidente da Câmara, e depois o meu neto vai para embaixador não sei da onde”… Epá, menos! Sejam decentes!

    Para além daquelas histórias dos submarinos, que é sempre o que os portugueses também se lembram.

    Mas essa história está mal contada. Os “submarinos” é a arma dos pobres. O facto de nós termos submarinos é muito mais dissuasor do que se tivéssemos 10 fragatas ou um porta-aviões. Eu se fosse primeiro-ministro também… Estava num submarino que, quando estávamos a entrar no Estreito de Gibraltar, tinha um comandante maluco que encostou o submarino ao fundo para não ser detectado, e nem os helicópteros, nem os aviões de profundidade variável, nem as fragatas. Passou a escolta toda. E, quando o porta-aviões estava a passar por cima de nós, largámos dois feixes verdes, que é como se o porta-aviões tivesse sido atingido com dois torpedos. E o desgraçado do comandante americano, assim que chegou a Nápoles, foi demitido. Não tinha culpa nenhuma do comandante do submarino português ser maluco. Percebe? O submarino é uma arma terrível. Nós tivemos de ter três forças navais permanentes no bloqueio à Jugoslávia, só porque a Jugoslávia tinha dois submarinos. Nós tínhamos de saber permanentemente onde é que estavam os submarinos deles. Foi uma força da NATO, uma força da União Europeia e uma força multinacional.

    Imagem de campanha do Nós, Cidadãos. (Foto: D.R./Nós Cidadãos)

    E entende que Portugal pode dar um contributo, apesar da sua dimensão, para que haja maior segurança na Europa?

    Portugal, a nível da Aliança Transatlântica, sempre teve muito boas prestações. E a nível das forças internacionais – quer de imposição, quer de controlo da paz –, as forças portuguesas sempre foram muito boas, muito bem cotadas e muito reconhecidas. Mesmo nas forças europeias ou, por exemplo, uma força naval, em que também os nossos militares sempre foram muito bons, porque sempre conseguimos manter o treino e o desempenho. Até mesmo os nossos fuzileiros, paraquedistas… Todos.

    E temos o mar, que é algo que não falámos aqui, mas que também está muito presente no vosso programa.

    Devia ser obrigatório na escola uma cadeira sobre mar. Porque as crianças são educadas desde pequeninas que mar é praia, e o resto não se vê. E o mar português é de facto infindável, felizmente, ainda se mantêm. As nossas áreas de responsabilidade passam a Sul de Cabo Verde, nomeadamente nas áreas de busca e salvamento. É uma área muito vasta. E agora com a expansão da plataforma continental, ainda mais vasta vai ficar.

    Portanto, é bom que haja políticas.

    Se calhar. Depois, recomendo-lhe um capítulo que eu escrevi a convite do meu antecessor no Nós, Cidadãos, que foi o Professor Mendo Castro Henriques, que pediu 40 perguntas sobre a pandemia, quando ela apareceu. O livro chama-se “Ressurgir”, e eu escrevi o capítulo sobre Economia Azul.

    Transcrição de Maria Afonso Peixoto


    Pode consultar AQUI a página do Nós, Cidadãos.


  • Principal accionista da Global Media estabeleceu sede numa ‘caixa de correio’ de um ‘cowork’

    Principal accionista da Global Media estabeleceu sede numa ‘caixa de correio’ de um ‘cowork’

    Numa ‘guerra fraticida’ que tem ‘liquidado’ a credibilidade dos títulos da Global Media, os quatro sócios da empresa maioritária, a Páginas Civilizadas – onde ainda se insere o fundo das Bahamas ‘chumbado’ pelo regulador por questões de transparência –, acharam por bem arranjar um local expedito enquanto decorrem as negociações entre Marco Galinha e o World Opportunity Fund para uma saída airosa de um negócio rocambolesco. Não é um ‘vão de escada’; mas é uma ‘caixa de correio’ num espaço de cowork, em open space, no primeiro piso de um prédio no Saldanha. O PÁGINA UM foi visitar o espaço, enquanto se anunciava a nomeação dos novos administradores da Global Media e se retirava da discussão um aumento de capital de cinco milhões de euros. Perspectiva-se assim um rápido desmembramento do grupo de media, restando saber quem fica com a dívida de 7,5 milhões de euros ao Estado e com o Diário de Notícias, que vende menos de 1200 exemplares em banca.


    No epicentro de uma ‘guerra’ de accionistas sobre a gestão da Global Media, a accionista maioritária – a Páginas Civilizadas, ainda controlada pela World Opportuny Fund, em negociações com o Marco Galinha para a sua saída desta empresa – está remetida não para uma sede de ‘vão de escada’, mas quase.

    Depois da demissão no final de Janeiro de José Paulo Fafe de CEO da Global Media, cargo para o qual tinha sido indicado pelo fundo das Bahamas, os sócios da Páginas Civilizadas – WOF (51%), Grupo Bel (10,21%), Norma Erudita (28,57%) e Palavras de Prestígio (10,22%) – não encontraram melhor solução do que meter a sede social no primeiro andar do número 6 da Avenida da República, em Lisboa, saindo do Taguspark.

    Nova sede da Páginas Civilizadas, accionista maioritária da Global Media, no número 6 da Avenida da República, num ‘cowork’, que lhe serve apenas para receber correspondência.

    A localização parece bastante central, tem mesmo uma saída do metro do Saldanha literalmente à porta, mas trata-se de um movimentado cowork gerido pela Avila Spaces, com um open space e algumas salas de reunião para entre cinco e 10 pessoas. Mas o uso que a Páginas Civilizadas tem neste cowork, segundo apurou o PÁGINA UM, que visitou o local esta tarde, será apenas o de escritório virtual, um serviço que custa entre 60 e 87 euros por mês. O valor mínimo permite a recepção de correspondência e o uso de morada para efeitos de sede social. Foi no passado dia 9 que os sócios da Páginas Civilizadas – que tem um capital social de cerca de 2,8 milhões de euros – passaram a assumir o cowork da Avila Spaces como sede social.

    Recorde-se que, conforme o PÁGINA UM revelou em investigação feita em Outubro do ano passado, a Páginas Civilizadas – a principal accionista da Global Media (50,25%) e que detém 22,35% da Agência Lusa, maioritariamente estatal – tem apenas dois funcionários desde a sua criação em Setembro de 2020, começando por ter a sua sede no mesmo edifício do Grupo Bel. Aliás, serviu desde sempre como veículo financeiro para Marco Galinha estar na Global Media. Ao contrário de Kevin Ho e João Pedro Soeiro – os outros dois accionistas de referência –, Marco Galinha nunca quis ser accionista directo da Global Media, metendo o dedo através da Páginas Civilizadas, permitindo assim uma contabilidade ‘paralela’.

    Tanto assim que, apesar de não lhe ser conhecida actividade concreta, a Páginas Civilizadas apresentou uma facturação de mais de 6,2 milhões de euros no ano passado. Mas para essa facturação, os dois funcionários tiveram de tratar de gastos superiores a 5,7 milhões de euros, o que, para além de outras despesas, entre as quais pagamentos de juros de quase 290 mil euros, deu para ter um lucro de 29 mil euros.

    Localização da sede da Páginas Civilizadas é excelente: tem à porta, literalmente, uma saída (e entrada) para o metropolitano do Saldanha.

    A entrada do WOF em Setembro do ano passado trouxe apenas uma redefinição da estrutura accionista da Páginas Civilizadas, que dois meses antes, em 21 de Julho,  já sofrera alterações indirectas, por via da compra por Marco Galinha das participações detidas na Palavras de Prestígio pela Parsoc e Ilíria.

    Estas duas empresas, curiosamente, colocam-se agora como a solução para a crise da Global Media, integrando o ‘consórcio’ de interessados na compra do Jornal de Notícias, O Jogo, Revistas JN História, Notícias Magazine, Evasões e Volta ao Mundo. As duas últimas revistas são já, actualmente, propriedade da Palavras de Prestígio, no seguimente do acordo em Setembro passado com a WOF.

    Certo é que a situação financeira da Páginas Civilizadas estará agora em piores condições do que no final de 2022, meses antes da aquisição da maioria do capital pelo WOF, que agora estará a tentar desfazer-se do investimento depois da decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em lhe retirar os direitos de voto por causa da Lei da Transparência dos Media. Em 2022, o passivo da Páginas Civilizadas era de 6,1 milhões de euros.

    Marco Galinha fundou a Páginas Civilizadas em 2020, e em 2022 já ia com um passivo de mais de seis milhões de euros. A empresa começou por estar sediada no edifício do Grupo Bel, passou depois para o Taguspark (com a compra da quota maioritária pelo fundo das Bahamas) e agora acaba de se ‘estabelecer’ num movimentado cowork em pleno Saldanha.

    A nomeação de uma nova administração da Global Media – onde pontifica como CEO o ex-padre Vítor Coutinho, antigo vice-reitor do Santuário de Fátima – deixa mais dúvidas do que certezas quanto ao destino da Global Media como grupo íntegro, sobretudo porque caiu, na ordem de trabalhos da assembleia geral de hoje, um aumento de capital de cinco milhões de euros para atenuar mais um ano de prejuízos.

    Ganha assim força um desmembramento a curto prazo da Global Media, com a venda dos títulos que, do ponto de vista da contabilidade analítica, ainda dão lucro, com o Jornal de Notícias á cabeça. Isso pode significar, se as autoridades de regulação o permitirem, que a Global Media fique apenas com os títulos com prejuízo e economicamente inviáveis, como o Diário de Notícias (que vende menos de 1200 exemplares diários em banca), me ainda grande parte do passivo, entre o qual se encontra uma dívida assumida de 7,5 milhões ao Estado e mais 647 mil euros de serviços à Lusa não pagos.


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  • Câmara de Cascais vai a tribunal justificar razões para esconder ‘estranhos gastos’ no apoio aos refugiados

    Câmara de Cascais vai a tribunal justificar razões para esconder ‘estranhos gastos’ no apoio aos refugiados

    Desde 2022, o município de Cascais destaca-se por ser a entidade pública que mais gastou em apoiar os refugiados ucranianos após a invasão da Rússia. Mas gastar mais – e foram 1,6 milhões de euros, 73% do total de todos os gastos por entidades públicas –, não significa gastar bem. Depois do terceiro contrato de aquisição de refeições e ainda de um ajuste directo com preços hiper-inflacionados ao Modelo Continente, o PÁGINA UM insistiu nos últimos meses, junto da autarquia liderada por Carlos Carreiras, para aceder a documentos operacionais e contabilísticos. Recebeu o silêncio como resposta. Uma intimação apresentada esta semana no Tribunal Administrativo de Sintra vai, para já, obrigar a câmara social-democrata a justificar-se. E espera-se, no fim, que seja mesmo obrigada a ceder os documentos que deverão esclarecer, por exemplo, como produtos no valor de 14 mil euros resultaram num ajuste directo de cerca de 180 mil euros.


    A Câmara Municipal de Cascais, liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras, vai ter de justificar ao Tribunal Administrativo de Sintra, e bem, os motivos legais para não disponibilizar ao PÁGINA UM os documentos operacionais e contabilísticos de dois contratos por ajuste directo para alimentação a refugiados ucranianos. A intimação foi apresentada esta semana depois de meses de recusas por parte do município em esclarecer compras absurdas de bens alimentais e de higiene ao Modelo Continente e a aquisição de serviços de catering à empresa ICA.

    No primeiro caso, como noticiado pelo PÁGINA UM em Outubro passado, trata-se de um ajuste directo no valor de 166.124,88 (sem IVA) para a entrega em períodos mensais, durante um ano – a acabar em Junho próximo –, de cerca de uma centena de produtos. O ‘problema’ deste contrato estava sobretudo no facto de as quantidades constantes no caderno de encargos, aos preços unitários então praticados pelos supermercados do Grupo Sonae, deverem totalizar pouco mais de 14 mil euros. Ou seja, o valor dos bens previstos no contrato era mais de 10 vezes superior ao valor de mercado desses produtos, havendo uma diferença de mais de 160 mil euros, se se considerar o IVA.

    Quanto ao segundo caso, também noticiado pelo PÁGINA UM, mas em Setembro passado, tratou-se de mais uma aquisição de serviços à empresa ICA para fornecimento de refeições aos centros de refugiados em Cascais. Esse contrato, por ajuste directo, era o terceiro assinado em menos de dois anos, cada um com um custo de 250 mil euros. A autarquia sempre se recusou a permitir uma visita aos centros nem sequer indicou quantas pessoas estariam a ser alimentadas, de modo a conferir se a aquisição de serviços, que já totalizavam os 750 mil euros entregues à ICA.

    O interesse do PÁGINA UM sobre estes contratos deveu-se às indicações de haver excesso de compras para as necessidades reais. Saliente-se que o município de Cascais foi, de muito longe, a entidade pública com maiores gastos para suposto apoio à Ucrânia e sobretudo aos refugiados provenientes daquele país invadido pela Rússia.

    Com efeito, num levantamento realizado ao Portal Base em finais de Setembro do ano passado, o município de Cascais já gastara 1,6 milhões de euros para diversos fins relacionados com a Ucrânia, incluindo transporte, alimentação e mesmo obras públicas, dos quais quase 1,2 milhões de euros em 2022. Neste lote constavam duas empreitadas de obras públicas por ajuste directo com vista à remodelação de edifícios camarários. A autarquia também sempre recusou acesso aos locais e aos cadernos de encargos das obras entregues à Ediperfil (157.275 euros) e à Valente & Carreira (321.053 euros).

    Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais. Receber os louros pelos apoios, sempre quis; mostrar contas, nunca quis.

    Os montantes gastos pela autarquia de Cascais eram então, e continuam a ser, incomensuravelmente superiores aos das demais entidades públicas. Por exemplo, o segundo município que mais gastara, até Setembro, em apoio aos refugiados ucranianos era o de Ourém, com apenas 166 mil euros. A terceira entidade pública com maiores apoios era a Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional, com um pouco menos de 80 mil euros. O município liderado por Carlos Carreiras, segundo as contas do PÁGINA UM com base em contratos no Portal Base, totalizava 73% dos gastos públicos em apoio aos refugiados da Ucrânia, mas sempre sem haver possibilidades de ser, até agora, conferida a adequada aplicação das verbas.

    Algo que poderá agora mudar com o pedido de intimação agora feito no Tribunal Administrativo de Sintra do PÁGINA UM – o 20º processo que visa o acesso a documentos, através do FUNDO JURÍDICO, financiado pelos leitores. Nessa intimação, com carácter de urgência, solicita-se que a Câmara Municipal de Cascais seja obrigada a disponibilizar os contratos integrais (sem rasuras de nomes, como sucede no Portal Base), as requisições de produtos, as guias de remessa, facturas e outros elementos operacionais e contabilísticos relativos aos ajustes directos com a Modelo Continente e a ICA.


    N. D. O FUNDO JURÍDICO tem sido, através de donativos específicos dos leitores, a única forma que o PÁGINA UM tem de suportar os encargos com honorários e taxas de justiça, que, por regra, numa primeira fase, atingem sempre valores acima de 500 euros, acrescidos de mais gastos se houver recursos. Aliás, convém recordar que o PÁGINA UM tem mais de uma dezena de processos ainda em cursos, alguns deles com estranha morosidade, dois dos quais em fase de execução de sentença, ou seja, mesmo depois de sentenças favoráveis no tribunal administrativos as entidades mantiveram a recusa em ceder os documentos.


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  • Pintar (de forma artística) um muro de 123 metros custa 100 mil euros

    Pintar (de forma artística) um muro de 123 metros custa 100 mil euros


    É mais um caso com enquadramento legal, mas de ética questionável: a Câmara Municipal de Almada decidiu contratar, sem qualquer concurso público ou prévio concurso de ideias, um artista plástico daquele concelho para uma “intervenção artística” num muro de 123 metros, pagando-lhe, com IVA, um total de 99.726 euros. A dita intervenção artística será feita na denominada Quinta do Almaraz, nas cercanias do castelo de Almada, sendo considerado um dos mais importantes sítios arqueológicos do primeiro milénio anterior à era cristã em território nacional.

    O contrato por ajuste directo foi celebrado no passado dia 5, e ontem publicado no Portal Base, tendo sido assinado pelo vereador das Obras Municipais, José Pedro Ribeiro, e os sócios da Coruja Lunática. A empresa foi criada apenas em Maio do ano passado, tendo como um dos sócios Tiago Vasco Proença, um artista de Almada que usa o nome artístico de Tiago Hesp.

    Embora o caderno de encargos não esteja inserido no Portal Base, apesar de se referir no contrato que o integra, e de não ter sido satisfeito um pedido do PÁGINA UM para ser enviado, o departamento de comunicação da Câmara Municipal de Almada adianta que, como a Quinta do Almaraz, “não se encontra aberta ao público, pretende-se, através de uma intervenção artística no muro, que [seja] transmit[d]a, a quem percorre a rua, o interesse, as descobertas e os trabalhos arqueológicos desenvolvidos neste local, e assim comunicar a importância histórica” deste local arqueológico.

    O referido muro tem uma extensão de 123 metros lineares, e uma área de aproximadamente 500 metros quadrados, ou seja, possui uma altura média de quatro metros, prevendo-se, como trabalhos, a desenvolver por Tiago Hesp, “a execução da criação artística e registo gráfico da transformação”, no contexto de um projecto de turismo sustentável daquele município.

    A autarquia de Almada defende que “a contratação do artista Tiago Hesp para a intervenção de recuperação e decoração do ‘Muro de Almaraz’, se deveu ao facto de “se reconhecer ao mesmo a capacidade criativa e a respetiva qualidade para a produção/execução do projeto”. Salientando-se que a escolha de artistas para a execução de obras pode ser feita por ajuste directo, sem concurso público, a autarquia de Almada não diz quem fez o ‘reconhecimento’ da capacidade criativa de Tiago Hesp, nem quais os critérios para a ‘eleição’ de alguém que, de forma artística, sem sequer se conhecer a ideia, vai pintar um muro por 100 mil euros.

    Tiago Hesp, nome arístico de Tiago Vasco Proença, criou a empresa Coruja Lunática em Maio do ano passado.

    Saliente-se, no entanto, que esta prática não é ilegal, estando enqudrada no Código dos Contratos Públicos, mas um ajuste directo para a criação de Arte, por ser uma escolha pessoal, acaba por constituir uma limitação ao surgimento de novas ideias e conceitos, bem como a novos artistas.

    O contrato entre a Câmara Municipal de Almada e a empresa Coruja Lunática integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no 5 de Fevereiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV


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    Ontem, dia 14 de Fevereiro, no Portal Base foram divulgados 785 contratos públicos, com preços entre os 31,11 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, ao abrigo de acordo-quadro – e os 2.630.731,00 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Centro Hospitalar São João, através de ajuste directo.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 12 contratos, dos quais sete por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro, quatro por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 14 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Centro Hospitalar de São João (com a Sanofi, no valor de 2.630.731,00 euros); Fundação para a Ciência e a Tecnologia (com a IP Telecom – Serviços de Telecomunicações, no valor de 1.542.800,00 euros); Unidade Local de Saúde de São João (com a Euromex – Facility Services, no valor de 966.205,29 euros); três do Estado Maior da Força Aérea (um com a General Dynamics, no valor de 527.472,00 euros, outro com a OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, no valor de 402.088,12 euros, e outro com a Leonardo MW LTD, no valor de 382.809,00 euros); dois do Município de Coimbra (um com a JMC Cleaning Services, no valor de 240.000,00 euros, e outro com a Interlimpe – Facility Services, no valor de 107.656,4 euros); Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia – Espinho (com a Ronsegur – Rondas e Segurança, no valor de 222.449,94 euros); Autoridade Nacional de Comunicações (com a INDRA – Sistemas Portugal, no valor de 184.595,45 euros); Munícipio de Fafe (com a CTT – Soluções Empresariais, no valor de 180.757,06 euros); Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (com a Werfen Portugal, no valor de 162.620,00 euros); Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (com a Stomacare – Entregas Médicas, no valor de 134.304,00 euros); e o Estado-Maior-General das Forças Armadas (com a CSL Behring, no valor de 110.000,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 14 de Fevereiro

    1Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar de São João

    Adjudicatário: Sanofi – Produtos Farmacêuticos

    Preço contratual: 2.630.731,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    2Empreitada de adaptação e reabilitação de edifício para instalação da Residência de Estudantes do Centro Histórico de Tomar

    Adjudicante: Instituto Politécnico de Tomar

    Adjudicatário: Luzecon – Sociedade de Construção e Restauro

    Preço contratual: 1.977.080,66 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de direitos de passagem de cabo de fibra óptica entre Lisboa e Braga

    Adjudicante: Fundação para a Ciência e a Tecnologia

    Adjudicatário: IP Telecom, Serviços de Telecomunicações

    Preço contratual: 1.542.800,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    4Aquisição de serviços de limpeza – 1º trimestre de 2024

    Adjudicante: Unidade Local de Saúde de São João

    Adjudicatário: Euromex – Facility Services

    Preço contratual: 966.205,29 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    5Aquisição de equipamentos informáticos

    Adjudicante: Banco de Portugal

    Adjudicatário: BASEDOIS – Informática e Telecomunicações

    Preço contratual: 874.850,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 14 de Fevereiro

    1 Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar de São João

    Adjudicatário: Sanofi – Produtos Farmacêuticos

    Preço contratual: 2.630.731,00 euros


    2Aquisição de direitos de passagem de cabo de fibra óptica entre Lisboa e Braga

    Adjudicante: Fundação para a Ciência e a Tecnologia

    Adjudicatário: IP Telecom, Serviços de Telecomunicações

    Preço contratual: 1.542.800,00 euros


    3Aquisição de serviços de limpeza – 1º trimestre de 2024

    Adjudicante: Unidade Local de Saúde de São João

    Adjudicatário: Euromex – Facility Services

    Preço contratual: 966.205,29 euros


    4Aquisição de componentes essenciais à modernização das aeronaves P-3C

    Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea

    Adjudicatário: General Dynamics    

    Preço contratual: 527.472,00 euros


    5Trabalhos de reparação na aeronave P-3C N/C 14808

    Adjudicante: Estado Maior da Força Aérea

    Adjudicatário: OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal

    Preço contratual: 402.088,12 euros


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  • Lucros da CP: ‘Milagre’ de 9,2 milhões de euros precisou de ‘injecções’ do Estado de 2,3 mil milhões de euros

    Lucros da CP: ‘Milagre’ de 9,2 milhões de euros precisou de ‘injecções’ do Estado de 2,3 mil milhões de euros

    Pedro Nuno Santos vangloriou-se de ter deixado a CP com lucro em 2022, a primeira vez em meio século. Mas é mesmo isso: vã glória, porque para esse ‘sucesso’ houve necessidade de ‘injectar’ mais de 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos, que nem sequer serviram para tirar a empresa pública da falência técnica, que ainda está com capitais próprios negativos de quase 1,9 mil milhões de euros. Numa primeira fase, entre 2015 e 2018, a opção do Estado foi fazer aumentos de capital para diminuir a dívida e reduzir lentamente os juros pagos, mas com a tutela de Pedro Nuno Santos a opção do Governo mudou. Assim, passou a atribuir subsídios à exploração, que funcionam como rendimentos, e influenciam directamente os resultados líquidos. Entre 2019 e 2022 foram enviados para a CP, só por essa via, 334 milhões de euros, que se somam aos 1,96 mil milhões de euros em aumentos de capital desde 2015. Deu para fazer uma festa: um lucro de 9,2 milhões em 2022.


    Foi preciso injectar quase 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos entre 2015 e 2022 para que a CP – Comboios de Portugal conseguisse finalmente, neste último ano, apresentar um lucro de 9 milhões de euros neste último ano. Aumentos de capital – sobretudo nos anos de 2015, 2016 e 2017 – e subsídios à exploração, em especial no período sob tutela governamental de Pedro Nuno Santos, acabaram por ser determinantes para mascarar uma situação que, sem engenharia financeira, manter-se-ia calamitosa.

    Uma análise detalhada do PÁGINA UM aos relatórios e contas entre 2015 e 2022 conseguem explicar o aparente ‘milagre’ de uma empresa pública que, há um ano, ainda se encontrava em falência técnica (com capitais próprios negativos de quase 1,9 mil milhões de euros) e um passivo de financiamento de cerca de 2,2 mil milhões de euros, e vendas que ainda não tinham recuperado os níveis pré-pandemia.

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    Com efeito, numa primeira fase, a partir de 2015, perante resultados negativos de mais de 161 milhões de euros, a opção do Governo (ainda de Passos Coelho até Novembro) foi de ‘tapar o buraco financeiro’ da CP com aumentos de capital. Foram, só em 2015, quase 683,5 milhões de euros. Este extraordinário esforço dos contribuintes teve resultados pífios: esse dinheiro esfumou-se em redução de dívidas de financiamento sobretudo de longo prazo, mas os resultados líquidos de 2015 mostraram-se catastróficos: prejuízos próximos de 279 milhões de euros.

    A receita para 2016 e 2017 foi a mesma: novos aumentos de capital, respectivamente de 655 milhões e 516 milhões de euros. E sempre com similar reflexo: prejuízos de 144 milhões e 111 milhões, respectivamente. Assim, em três anos (2015 a 2017), apesar da injecção estatal de mais de 1,8 mil milhões de euros, a CP apresentou prejuízos acumulados neste triénio de 533,7 milhões de euros.

    Mesmo assim, neste período (2015-2017), de entre os indicadores financeiros e de desempenho operacional mais revelantes, houve alguns sinais de ‘desanuviamento’ sobretudo na dívida de financiamento, com repercussões no serviço da dívida, e também nos custos de pessoal, apesar das vendas ficarem aquém dos valores contabilizados em 2014.

    Total de fundos públicos injectados na CP por aumento de capital e subsídios à exploração (em mihões de euros) entre 2015 e 2022. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas)

    Comparando com a situação de 2014, no final de 2017 as dívidas de financiamento de curto e longo prazo da CP tinham descido quase 1,6 mil milhões de euros, o que teve efeitos significativos na redução dos juros e de uma diminuição das taxas cobradas pelas instituições financeiras. Com efeito, se em 2014 a empresa teve de pagar mais de 207 milhões de euros aos bancos – um valor que representava muito mais do que os custos com pessoal (148 milhões de euros) e 71% das vendas desse ano –, três anos depois ‘apenas’ teve de desembolsar um pouco menos de 77 milhões de euros. Se tivesse de pagar os mesmos montantes de juros de 2014, o ano de 2017 teria fechado as contas com um prejuízo de 242 milhões de euros, em vez de um prejuízo de 111 milhões de euros.

    Convém, contudo, ter sempre presente que essa ‘melhoria’ (ou situação menos gravosa) resultou da tal injecção, sob a forma de aumentos de capital, de mais de 1,8 mil milhões de euros. Estes montantes serviram sobretudo para reduzir a escandalosa dívida financeira da CP que se situava próximo dos 4,2 mil milhões de euros em 2014, e que diminuiu, quatro anos depois, para os 2,6 mil milhões de euros. Uma redução de quase 1,8 mil milhões de euros. Mas isso mudou a gestão de uma empresa anormalmente deficitária.

    Na análise possível, a partir dos relatórios e contas, entre 2015 e 2017, os resultados operacionais nunca apresentaram melhorias relevantes, sobretudo porque as vendas em qualquer dos anos deste triénio nunca superaram o valor de 2014. É certo que houve uma redução dos custos com pessoal – que passou a representar 44% das vendas em 2017, quando em 2015 chegou a 57% –, mas a rubrica de outros rendimentos registou uma significativa redução.

    Pedro Nuno Santos foi ministro das Infra-estruras e da Habitação entre Fevereiro de 2019 e início de Janeiro de 2023.

    Em 2018, o Governo ainda fez um aumento de capital, mas muito mais moderado: ‘apenas’ 81 milhões de euros, que se ‘esfumou’ em quase nada, uma vez que as dívidas de financiamento praticamente se mantiveram estáveis face ao ano anterior, e os juros pagos apenas diminuíram oito milhões de euros, passando para os 68 milhões. Por esse motivo, sem surpresa, num negócio pouco ‘elástico’, e mesmo com as vendas a aproximarem-se dos 300 milhões de euros, o ano de 2018 fechou com um prejuízo de 106 milhões de euros.

    E foi a partir de 2019, e com a entrada em funções em Fevereiro de Pedro Nuno Santos na pasta de ministro das Infraestruturas e das Habitação, a estratégia financeira na CP mudou-se radicalmente, passando para medidas que tivessem um reflexo imediato nos resultados operacionais e, cumulativamente, nos resultados líquidos de cada exercício.

    Assim, com Pedro Nuno Santos, o Governo abandonou o financiamento da CP através de aumentos de capital, mas passou a sustentá-la com fortíssimos subsídios de exploração, uma prática praticamente inexistente entre 2015 e 2018. Nesse quadriénio, os subsídios à exploração somente atingiram os 54 mil euros. De acordo com os relatórios e contas da empresa pública, a CP recebeu do Estado, como subsídios à exploração, 40 milhões de euros em 2019, mais 88 milhões em 2020, mais 89 milhões de euros em 2021 e, por fim, mais 116 milhões de euros em 2022.

    E foi esta injecção, e apenas por esta via, que a CP passou a ter lucro – que se diria completamente artificial – em 2022, conseguindo o ‘milagre’ aproveitado por Pedro Nuno Santos para relevar o suposto marco históricos dos lucros desta empresa pela primeira vez em 50 anos.

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    Com efeito, apesar dos montantes dos subsídios à exploração terem sido, entre 2019 e 2022, muito inferiores aos aumentos de capital entre 2015 e 2018 (334 milhões de euros vs. 1.9 mil milhões de euros), o impacte na demonstração de resultados é bastante diferente.

    Estes aumentos de capital serviram sobretudo para amenizar a situação deficitária de uma empresa pública em falência técnica e o seu efeito nos resultados de cada ano reflectem-se de forma indirecta e a longo prazo. No caso do aumento de capital se destinar a pagar dívidas a instituições financeiras, o efeito nos resultados líquidos provém apenas na redução dos juros, o que se mostra limitado. Ou seja, basicamente, os aumentos de capital não entram como rendimento e os eventuais efeitos, e de uma forma muito limitada, observam-se a jusante dos resultados operacionais.

    Ao contrário, os subsídios à exploração afectam de forma imediata os resultados operacionais, funcionando como se fossem vendas ou serviços prestados. Na verdade, estes subsídios à exploração, enquadrados no Contrato de Serviço Público, funcionam, na prática, como uma prestação de serviços: os contribuintes pagam, através do Estado, a disponibilidade de algo que, não sendo economicamente sustentável com o actual modelo de gestão, precisa de ajuda pública para se manter. No limite, os subsídios à exploração podem ‘entrar’ às 23 horas e 59 minutos de 31 de Dezembro e influenciam, de imediato, as contas do ano no seu exacto montante. Ou seja, servem para ‘mascarar’ os resultados operacionais ‘apagando’ uma eventual má gestão ou um negócio ruinoso.

    Evolução da dívida financeira da CP (curto e longo prazo) entre 2014 e 2018, em milhões de euros. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas). Análise: PÁGINA UM.

    Assim, em 2019 – ano que, mesmo assim, ainda contou com um aumento de capital da ordem dos 28 milhões de euros por parte do Estado –, a CP reduziu os seus prejuízos para os 52,5 milhões de euros, mas foi graças a vários factores não-operacionais: por um lado, os 40 milhões de euros em subsídios à exploração concedido por Pedro Nuno Santos, com o dinheiro dos contribuintes, e a um cenário macroeconómico mais favorável, que fez com que os juros descessem oito milhões de euros face ao ano transacto. Sem essa ‘ajuda’ os prejuízos de 2019 teriam sido quase similares aos de 2018.

    Nos dois primeiros anos de pandemia, os prejuízos da CP foram ainda mais amenizados pela via dos subsídios à exploração atribuídos por Pedro Nuno Santos. Em 2020, com as restrições, as vendas reduziram-se em 43% face ao ano anterior, mantendo-se os custos com pessoal, pelo que se não fossem os 88 milhões de euros em subsídios à exploração, o ano teria sido catastrófico. Foi de prejuízos (quase 96 milhões de euros), mas sem o ‘truque’ dos subsídios teria ultrapassado os 180 milhões de euros.

    No ano de 2021, apesar de um ligeiro aumento nas vendas, estas ainda se situaram a 64% do nível de 2019, pelo que foi, mais uma vez, a ‘injecção’ de dinheiros públicos chamada subsídios à exploração que amenizaram os prejuízos. Foram de 65,5 milhões de euros, mas teriam ficado acima dos 150 milhões de euros se não fosse o subsídio à exploração. Ou mais ainda se a taxas de juro não tivessem baixado significativamente, resultando numa remuneração média do passivo de apenas 1,1% em 2021, quando estava acima dos 2% antes da pandemia.

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    Esta variação pode parecer pequena, mas com dívidas de financiamento, como as da CP, acima dos 4 mil milhões de euros, isso reflecte-se em muitos milhões de euros a mais ou a menos. Por exemplo, em 2019, com uma remuneração média do passivo de 2,2%, a CP pagou 56 milhões de euros em juros, enquanto em 2021, com uma dívida de longo prazo quase inalterada, desembolsou 23 milhões de euros.

    Por fim, em 2022 – o tal ano do ‘milagre’ dos lucros da CP de 9,2 milhões de euros –, sendo certo que as vendas aumentaram face aos dois anos anteriores, ainda ficaram aquém dos melhores anos pré-pandemia. Com efeito, as vendas de 2022 totalizaram 277 milhões de euros, ainda bem abaixo dos 304 milhões de euros em 2019.

    Com os custos de pessoal em 2022 a ultrapassarem até qualquer um dos anos do período 2016-2021, o ‘milagre’ do lucro da CP explica-se de uma forma muito simples: nesse ano, Pedro Nuno Santos autorizou uma transferência total, a título de subsídios à exploração, de 116,2 milhões de euros, ou seja, mais 27 milhões de euros do que o valor injectado em 2021.

    Resultados líquidos consolidados (à esquerda) e resultados expurgados dos subsídios à exploração e dos juros pagos (à direita), em milhões de euros, entre 2015 e 2022. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas). Análise: PÁGINA UM.

    Sem este subsídio à exploração, em vez de lucro de 9,2 milhões de euros haveria prejuízos de 107 milhões de euros. Se o subsídio de 2022 tivesse sido similar aos de 2020 e 2021 (próximo dos 90 milhões de euros em cada ano), o lucro esfumava-se e transformava-se num prejuízo em redor dos 17 milhões de euros. E isto mesmo com um aumento considerável das vendas, que passaram de 195 milhões de euros em 2021 para 277 milhões em 2022.

    Fácil se mostra assim concluir que, em anos seguintes, incluindo o exercício de 2023, está encontrada a fórmula para a CP apresentar lucros: fazer variar os subsídios à exploração, aumentando artificialmente os rendimentos, e com isso se apresentarão, voilà, sempre resultados positivos, lucros e até, se calhar um dia, distribuição de umas migalhas de dividendos. E os contribuintes, assim, até batem palmas aos gestores, esquecendo que, enfim, tudo isto se faz por um ‘passe de mágica’ do Governo, que ‘desvia’ dinheiro dos impostos transformando-os em subsídios à exploração.


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  • 10,4 milhões: Santiago Calatrava ‘saca’ segundo ajuste directo para ampliação da Gare do Oriente

    10,4 milhões: Santiago Calatrava ‘saca’ segundo ajuste directo para ampliação da Gare do Oriente

    São mais 10,4 milhões de euros a cair no bolso de Santiago Calatrava, o arquitecto valenciano que concebeu a Gare do Oriente, uma belíssima ‘peça de arte’ concebida para a Expo 98 mas de funcionalidade questionável, por ser inóspita para os passageiros ferroviários. Por razões de direitos de autor, e por um projecto de execução concluído tem 2012 ter expirado, a Infraestruturas de Portugal viu-se agora obrigada a pagar um segundo contrato para se avançar para a ampliação de oito para 11 linhas desta estação do Parque das Nações no âmbito do projecto da Alta Velocidade. O contrato foi assinado na sexta-feira e divulgado hoje no Portal Base.


    A Infraestruturas de Portugal celebrou na sexta-feira passada um contrato por ajuste directo com o arquitecto espanhol Santiago Calatrava com vista à execução da ampliação da Gare do Oriente e do viaduto ferroviário que será inserido no projecto da Linha de Alta Velocidade.

    O contrato está avaliado em 10,4 milhões de euros, com IVA incluído, e foi entregue ao arquitecto espanhol, residente na Suíça, por estar em causa a alteração de uma obra com direitos autorais, protegida por lei, embora seja questionável se o projecto de execução do túnel ferroviário não pudesse ser alvo de concurso público. Além disso, será a segunda vez que Calatrava era planear, nas duas últimas décadas, a ampliação desta estação no Parque das Nações, em Lisboa.

    aerial photograph of railroad

    Recorde-se que a Gare do Oriente – construída praticamente no mesmo local da demolida Estação dos Olivais e com custos da ordem dos 30 milhões de euros – foi inaugurada em 18 de Maio de 1999, no âmbito da Expo 98, surgindo mais como ‘peça de arte’, uma espécie de ícone da renovação urbanística então em curso, mas que foi ganhando estatuto no contexto rodoferroviário de Lisboa.

    Porém, sempre apresentou gravíssimas deficiências funcionais, sobretudo por ser um espaço demasiado amplo e aberto, quase inóspito no Inverno e em dias de chuva. Do ponto de vista arquitectónico foi considerada obra arrojada, tendo mesmo sido distinguida na categoria Arquitectura dos Brunel Awards em 1998.

    Em todo o caso, como o local será uma peça importante no contexto da Alta Velocidade, Calatrava teve assim direito a um ‘brinde’ para executar o novo projecto num prazo de 465 dias, pois nenhum outro arquitecto, de acordo com o Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, que inclui obras de arquitectura, pode ‘mexer’ em obra de arquitecto vivo, sob risco de pagamento de indemnizações.

    Santiago Calatrava nasceu em Valência em 1951. Tinha 47 anos quando foi inaugurada a Gare do Oriente.

    Actualmente, a Estação do Oriente dispõe de oito linhas para o serviço convencional, pelo que, de acordo com estudos da extinta Rede Ferroviária de Alta Velocidade (RAVE), serão necessárias mais três linhas para o serviço de Alta Velocidade desde o Porto e desde Madrid. Essa ampliação vai implicar que a actual estação imjplica o alargamento para poente, posicionando-a sobre a estação do metropolitano. E é porque “a sua viabilidade impõe o necessário respeito pela solução da estrutura atual, replicando-a sob as novas plataformas”, que teve de ser contratado o valenciano Santiago Calatrava.

    Excepto o preço do contrato, este desfecho não é necessariamente uma surpresa agora que o Governo quis garantir o avanço da LAV para aproveitar fundos comunitários. Porém, de acordo com documentos da Infraestruturas de Portugal, Santiago Calatrava vai fazer sensivelmente o mesmo que fez quando foi contratado em 2008 pela RAVE para a “prestação de serviços de arquitectura e engenharia relativos à ampliação da Estação do Oriente e sua adaptação à Alta Velocidade”.

    O PÁGINA UM não consegui ainda apurar qual o valor pago pela RAVE ao arquitecto espanhol, mas sabe que, apesar do projecto de execução ter sido entregue em 2011, já não pode ser agora usado, porque, “como não chegou à fase de obra (…), o respectivo contrato que lhe deu origem [foi] extinto”.

    Ou seja, basicamente, com o contrato de 10,4 milhões de euros, a Infraestruturas de Portugal confessa que “pretende, agora, que o projeto desenvolvido pela ex-RAVE em 2011 seja revisto e atualizadoi, de acordo com o normativo legal em vigor e com os novos requisitos técnicos e funcionais do projecto AV [Alta Velocidade] e, complementarmente à ampliação, que seja desenvolvido o projecto de reabilitação da estação atual”.

    No registo do Portal Base deste contrato, publicado hoje, refere-se que a avaliação custo-benefício deixou de ser aplicável aos procedimentos de formação de contratos que se destinem à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus. Ou seja, é gastar sem saber se vale o investimento.


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  • Artigo científico com ‘peer review’ diz que vacinas contra a covid-19 matam 14 vezes mais do que salvam

    Artigo científico com ‘peer review’ diz que vacinas contra a covid-19 matam 14 vezes mais do que salvam

    Apesar de integrar, como co-autores, duas pessoas com posições polémicas durante a pandemia (Steve Kirsch e Peter A. McCullough), um artigo científico que passou a revisão por pares (‘peer review’), publicado na revista Cureus, revela números aterradores sobre as vacinas contra a covid-19. Na análise de 38 páginas – que está a desencadear um elevado interesse na comunidade científica (com quase 250 mil leituras) – critica-se a falta de controlo da segurança das vacinas mRNA e a subavaliação dos números reais dos efeitos adversos. Pedindo uma moratória, os sete autores, que incluem uma investigadora do Massachusetts Institute of Technology (MIT), asseguram que a eficácia das vacinas foi exagerada, e que para se salvarem vidas pela diminuição da mortalidade por covid-19 se está a causar 14 vezes mais mortes por causa de efeitos adversos. Aplicado o factor de risco em Portugal, onde foram administradas mais de 28,3 milhões de doses, a mortalidade causada por reacções adversas superaria os 7.600 óbitos.


    Um artigo científico revisto pelos pares (peer review) da conceituada revista Cureus – editado pela Springer Nature –, publicado no final do mês passado, recomenda fortemente uma moratória (suspensão) dos reforços vacinais contra a covid-19. Os autores desse artigo – que integram epidemiologistas, bioestatísticos, cientistas computacionais e cardiologistas, mas também Steve Kirsch, um polémico filantropo –, além de tecerem várias críticas ao processo demasiado apressado de autorização, apontam um balanço aterrador entre as vantagens das vacinas com tecnologia mRNA para salvar vidas contra a covid-19 e os seus efeitos adversos. O artigo foi sujeito a verificação científica (peer review) para validação antes da publicação, um processo que demorou cerca de dois meses.

    Na extensa análise de 38 páginas, os autores do artigo, intitulado “COVID-19 mRNA Vaccines: Lessons Learned from the Registrational Trials and Global Vaccination Campaign“, destacam que, para “uma estimativa generosa”, a vacina da Pfizer (BNT162b2) conseguiria salvar duas vidas por cada 100.000 doses, mas que “dadas as evidências de má conduta no julgamento e problemas de integridade de dados” durante os ensaios, “o verdadeiro benefício será provavelmente muito menor”.

    3 clear glass bottles on table

    Os investigadores dizem que, considerando falsos positivos e as subnotificações dos efeitos adversos, as vacinas com essa tecnologia apresentam “um risco de 27 mortes por 100.000 doses de BNT162b2”, concluindo que “aplicando estes pressupostos razoáveis ​​e conservadores, os danos estimados das vacinas de mRNA contra a covid-19 superam em muito os benefícios”, ou seja, “para cada vida salva, houve quase 14 vezes mais mortes causadas pelas injeções de mRNA”.

    Aplicando estes números ao território nacional – até Setembro do ano passado foram administradas 28,3 milhões de doses –, as vacinas contra a covid-19 teriam salvado 566 portugueses de morreram pela infecção causada pelo SARS-CoV-2; mas, em contrapartida negativa, provocaram 7.641 mortes por efeitos adversos.

    Esta é a primeira vez que um artigo publicado numa revista científica internacional com peer review – que integra um conselho editorial de 39 especialistas de ciências médicas – detalha um vasto conjunto de falhas nos ensaios das farmacêuticas que permitiram uma autorização acelerada num ritmo sem precedentes. “Antes do rápido processo de autorização, nenhuma vacina tinha sido autorizada para lançamento no mercado sem passar por um período de testes de pelo menos quatro anos, o recorde estabelecido pela Merck & Co. […] em 1967 com o desenvolvimento da primeira vacina do Mundo contra papeira”, referem os autores, que salientam ter “a vacina da Pfizer (BNT162b2) complet[ado] o processo em sete meses”.

    Trecho do artigo científico (pg. 5) que destaca o elevado risco de morte por reacções adversas face às vidas salvas pela vacina contra a covid-19.

    O prazo normal de avaliação da segurança de uma vacina, para garantir a inexistência de problemas relevantes a médio e longo prazo, costuma ser entre os 10 e os 15 anos. E, por esse motivo, indicam que “com as vacinas contra a covid-19, a segurança nunca foi avaliada de uma forma compatível com os padrões científicos previamente estabelecidos, uma vez que numerosos testes de segurança e protocolos toxicológicos normalmente seguidos pela FDA [Food & Drugs Administration] foram evitados”. Os autores apontam também “os interesses políticos e financeiros” para as vacinas avançarem.

    Com efeito, de acordo com o artigo científico – que já conta com quase 250 mil leituras –, “o financiamento público [norte-americano] fornecido para o desenvolvimento das vacinas através da Operação Warp Speed ​​superou os investimentos em qualquer iniciativa pública anterior”: assim que a pandemia começou, em 2020, foram disponibilizados 29,2 mil milhões de dólares (92% dos quais provenientes de fundos públicos) para a compra de vacinas, outros 2,2 mil milhões para ensaios clínicos e 108 milhões de dólares para a produção e investigação básica. Por outro lado, o Biomedical Advanced Research and Development Authority (BARDA) gastou 40 mil milhões de dólares só em 2021.

    Além de apontarem erros e enviesamentos nos ensaios, que terão diminuído o número de efeitos adversos, os investigadores apontam como excessiva a alegada eficácia de 95%, mesmo assim um valor mais baixo do que a resposta imunitária obtida após uma infecção natural. Refira-se que, a nível mundial, incluindo Portugal, e em especial com a variante Omicron, não há praticamente ninguém, desde 2020, sem ter tido contacto com o SARS-CoV-2 pelo menos uma vez.

    assorted chess piece

    No caso dos efeitos adversos, não são apontadas ‘culpas’ à tecnologia mRNA, mas também ao processo de produção que terá implicado, pelo menos numa primeira fase, uma “contaminação” com plasmídeos de DNA residuais com implicações na saúde, nomeadamente no aumento de cancros, mutações e defeitos congénitos.

    No entanto, de acordo com os autores do artigo científico, a vacina concedeu uma “ilusão de segurança”, citando dois estudos do Cleveland Clinic Health System, sobretudo com o surgimento das variantes Omicron e XBB. Na verdade, constataram mesmo que “o risco de [nova] infecção foi significativamente maior entre aqueles que antes tinham sido vacinados”, observando-se também “que uma maior frequência de vacinações [boosters] resultou num maior risco de covid-19”.

    Sobre as reacções adversas, os autores do artigo da Cureus salientam que os efeitos adversos estão associados, em grande parte, ao facto de “as vacinas de mRNA oferece[re]m mecanismos únicos de activação imunológica que são bastante distintos da resposta a uma infecção viral”, afectando de forma maior “tecidos como o músculo cardíaco e os tecidos neuronais”. Mas indicam, de igual modo, alguns componentes das vacinas, que incluem lípidos catiólicos ionizáveis, polietilenoglicol e diversas impurezas.

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    Os investigadores também defendem, com base em literatura científica – são feitas citações de 294 artigos em revistas científicas – que são os reforços [boosters] que estão, “de forma irónica […], a perpetuar o surgimento de novas variantes”, uma vez que, além da evolução viral natural, existe uma “pressão selectiva induzida pela vacina sobre o sistema imunitário”.

    Ora, para os autores são as inoculações em massa de mRNA que causam uma “seleção natural de variantes altamente infecciosas do SARS-CoV-2 – que evitam o sistema imunológico, e que contornam com sucesso a imunidade induzida pela vacina, levando a um aumento dramático na prevalência dessas variantes”. Por todos esses motivos, e pelas reacções adversas, consideram ser necessária uma moratória até avaliação correcta desta nova tecnologia vacinal.


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  • IPO de Lisboa: empresa que impugnou concurso público ‘premiada’ com 12 ajustes directos sucessivos

    IPO de Lisboa: empresa que impugnou concurso público ‘premiada’ com 12 ajustes directos sucessivos

    A direcção do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, liderada por Eva Falcão, anda desde 2022 a lançar concursos públicos para serviços de limpeza e consumíveis de casa de banho (como papel higiénico), sempre com problemas. Só um resultou em adjudicação, mas mesmo assim com uma duração irrisória: apenas um mês. Este contrato ‘efémero’ foi o que bastou à empresa vencedora, a Sá Limpa, para ‘assentar arraiais”: num novo concurso em 2023, que perdeu para concorrência, apresentou impugnação. Enquanto a resposta não veio, o IPO de Lisboa deu-lhe sucessivos ajustes directos mensais. Desde Janeiro de 2023 já se contam 12, e este ano já são dois, totalizando tudo 2,6 milhões de euros. Entretanto, a vigência do contrato impugnado expirou e, enquanto não há decisão do novo concurso público, a Sá Limpa continua a limpar e a receber quase 200 mil euros por mês. Quando houver decisão para o concurso em análise, a história pode repetir-se, porque a unidade hospitalar alega conveniência logística e “urgência imperiosa”, um critério material que tem justificado ajustes directos sem limite de tempo e de preço.


    O Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, presidida por Eva Falcão – ex-chefe de gabinete da antiga ministra da Saúde Marta Temido –, celebrou este mês o 12º ajuste directo sucessivo com a mesma empresa de limpeza, a Sá Limpa. Os contratos, com uma periodicidade quase sempre mensal, e apesar de serem para banais serviços de limpeza e de fornecimento de consumíveis de casa de banho, como papel higiénico, têm sido justificados sempre com uma falácia: “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”.

    Ou seja, os 12 contratos de ‘mão beijada’, que já totalizam os 2,6 milhões de euros, invocam uma norma que, aplicando ao caso concreto, significa que Eva Falcão e os seus colegas da administração têm estado, mês após mês, a serem surpreendidos com uma “urgência imperiosa” – limpar o chão e fornecer papel higiénico e sabão – que resultou em acontecimentos imprevisíveis – a sujidade do chão e a ida à casa de banho por parte dos utentes e visitantes.

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    No entanto, o mais absurdo desta sequência perfeitamente anormal está no facto de estes 12 contratos sucederam ao término de um estranho contrato resultante de um concurso público que acabou por ter uma vigência de apenas um mês e meio. Isso mesmo: contrariando aquilo que se mostra habitual em aquisição de serviços de limpeza – contratos após concurso público para uma duração de, pelo menos, um ano, até por razões de eficiência logística e burocrática –, o IPO de Lisboa decidiu ‘inovar’. E assim lançou um concurso público em 18 de Julho de 2022, tendo como preço base cerca de 613 mil euros para um prazo de apenas quatro meses.

    O IPO justificou ao PÁGINA UM que essa decisão se deveu ao facto de um concurso público anterior – anunciado em 21 de Março daquele ano, para oito meses, e um preço base de 1,23 milhões de euros –, não ter sido concluído “e se extinguiu, por circunstâncias imprevistas que obrigavam à alteração de aspectos fundamentais das peças do procedimento”. A instituição não explicou as razões dessas “circunstâncias imprevistas” nem os motivos para que o concurso público de 18 de Julho ter sido lançado apenas para quatro meses.

    Mas nem esse concurso público para quatro meses correu bem, porque só ficou concluído em Novembro de 2022 e somente pôde, de acordo com o IPO de Lisboa, “e só pôde “ter efeitos até final desse mesmo ano, em concordância com a autorização para a realização da respetiva despesa”. Resultado: num concurso que até registou um interesse do sector, com oito empresas concorrentes (PreZero, Operandus, Servilimpe, Clece, Iberlim, Euromex, Derichebourg e Sá Limpa), o IPO acabou por entregar um contrato público à vencedora – a empresa Sá Limpa – por apenas um mês e meio. Esse contrato decorrente do concurso público foi celebrado em 14 de Novembro de 2022, mas teve apenas uma vigência até ao final desse ano (49 dias), apesar de no Portal Base surgir a referência a um prazo de execução de 31 dias, pelo que o preço contratual foi de 153.074 euros.

    E foi a partir desse contrato de um mês (ou mês e meio) que começaram os sucessivos ajustes directos que, aparentemente, não têm um fim à vista. Sem contrato para manter a limpeza a partir de 1 de Janeiro de 2023, a direcção liderada por Eva Falcão celebrou nesse mesmo dia, mesmo se feriado, um ajuste directo com a Sá Limpa por dois meses com um preço contratual de 306.148 euros. E preparou novo concurso público para o período de Março a Dezembro de 2023, que foi lançado em 9 de Janeiro, com um preço base de 1,69 milhões de euros.

    E é aqui que começaram os verdadeiros problemas com decisões do IPO de Lisboa que deixam no ar muitas questões éticas e até legais. Com efeito, esse concurso de Janeiro de 2023, apurou o PÁGINA UM, foi ganho pela empresa Iberlim, que assim deveria substituir a Sá Limpa, mas esta segunda decidiu impugnar a decisão do IPO de Lisboa. E a instituição hospitalar, em vez de uma ‘solução salonómica’ – por exemplo, lançar uma consulta prévia ou um ajuste directo a uma terceira empresa – manteve a Sá Limpa em funções, passando a oferecer-lhe sucessivos ajustes directos mensais, usando o critério material do Códigos dos Contratos Públicos, mesmo se usando o falacioso argumento de “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.

    E assim, com duração mensal e preço contratual variando entre os 159.111 e os 165.014 euros por contrato, a Sá Limpa foi ‘coleccionando’ ajustes directos ao longo de 2023: em 15 de Março, em 4 de Abril, em 11 de Maio, em 3 de Julho (dois contratos), em 8 de Agosto, em 24 de Agosto, em 27 de Setembro e em 30 de Outubro. Isto porque não houve resposta do Tribunal Administrativo. E mesmo que venha ainda já não vale a pena, porque entretanto o ano de 2023 terminou.

    Entretanto, começou nova saga, e uma provável repetição do sucedido em 2023, porque o IPO lançou novo anúncio de concurso público no passado mês de Outubro para aquisição de serviços de limpeza para o ano de 2024. Ora, estando a ainda em curso a análise deste novo concurso público, o IPO continuou a fazer ajustes directos com a Sá Limpa.

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    Em 25 de Janeiro foi celebrado mais um, com o preço de 182.653 euros – que nem sequer teve contrato escrito, alegadamente por causa da urgência (mas que indicia ter sido para ocultar pagamentos por serviços já executados sem suporte contratual), e o segundo ocorreu na semana passado, no dia 1. Pelo histórico nada garante que, havendo decisão desfavorável à Sá Limpa, a empresa repita a estratégia: impugna nos tribunais, e continua a beneficiar de mais ajustes directos.

    O IPO de Lisboa defende que “a celebração de contratos decorrentes dos sucessivos procedimentos de ajuste direto sempre com a mesma empresa [Sá Limpa] sustentou-se em duas questões essenciais: esta era a empresa contratada em 2022 (prestadora do serviço ao IPO Lisboa no final desse ano) e a mudança de prestador na área em causa viria a implicar um elevado esforço logístico, com impacto no normal funcionamento dos serviços e sem ganhos económicos que, de alguma forma, o compensassem ou justificassem”.

    Este argumento, saliente-se, constitui uma autêntica ‘carta branca’ para estratégias ardilosas que, aparentemente, pululam neste sector das limpezas. Conforme o PÁGINA UM tem destacado por várias vezes, a par com os serviços de alimentação e de segurança, no sector das limpezas a prevalências de ajuste directo é elevadíssimo, com empresas a conseguir acumular contratos de ‘mão beijada’ uns atrás dos outros com a maior das facilidades… e impunidades.


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  • Governo na CGD: Contrato de arquitectura (de 940 mil euros) sob risco de ‘chumbo’ pelo Tribunal de Contas

    Governo na CGD: Contrato de arquitectura (de 940 mil euros) sob risco de ‘chumbo’ pelo Tribunal de Contas

    O Tribunal de Contas ainda está a avaliar a legalidade de dois ajustes directos integrados no plano de mudança dos Ministérios para o edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas, pelos antecedentes, a probabilidade de ‘chumbo’ do contrato de arquitectura celebrado com o atelier de Diogo Lima Mayer é extremamente elevado. Num passado recente, mesmo quando foram apresentados nomes sonantes da arquitectura mundial, como Souto Moura e Siza Vieira, o Tribunal de Contas considerou ilegal e lesivo do interesse público a celebração de ajustes directos. Um (muito) previsível ‘chumbo’ deste ajuste directo de cerca de 940 mil euros acarretará um atraso no avanço das obras de reabilitação, uma vez que a intenção seria que Diogo Lima Mayer apresentasse, entre outros planos, um projecto de arquitectura de interiores para nove pisos.


    O Tribunal de Contas ainda não terminou a análise dos dois polémicos contratos por ajuste directo integrados no programa de remodelação da Caixa Geral de Depósitos (CGD) para receber gabinetes ministeriais, mas a recusa de visto será a decisão mais provável, sobretudo no caso do projecto de arquitectura entregue de ‘mão beijada’, e com o valor de 760.885 euros (cerca de 940 mil euros com IVA), ao atelier de Diogo Lima Mayer, também proprietário da Coudelaria do Monte Velho. O outro contrato, como o PÁGINA UM revelou na sexta-feira passada, beneficiou a Siemens, escolhida sem concurso público para, por cerca de 1,2 milhões de euros (com IVA), renovar o sistema de climatização do sétimo piso, aquele que onde se prevê instalar os primeiros ministérios, já na próxima legislatura.

    O PÁGINA UM apurou que, ao contrário das informações que foram sendo transmitidas a partir de Novembro, o Tribunal de Contas não validou a totalidade das obras previstas para aproveitar parte do edifício sede da CGD, com um orçamento previsto de 40 milhões de euros. Na verdade, segundo fonte da instituição de controlo financeiro do Estado liderado por José Tavares, apenas foi concedido visto “em 9 de Novembro de 2023,  [a]o contrato relativo à reabilitação do sétimo piso [do edifício-sede da CGD], no valor de 2.922.883,20 euros”, estando “neste momento, […] em análise dois processos sobre o mesmo processo de transferência”, ou seja, o da Siemens e os da Intergaup.

    António Costa, primeiro-ministro de Portugal. A Presidência do Conselho de Ministros achou por bem ‘passar um atestado de incompetência’ aos gabinetes de arquitectura e às empresas de climatização.

    Mas se o visto para o contrato com visto em Novembro foi pacífico – tratou-se de uma empreitada ganha pela empresa Ecociaf, antecedido de anúncio público, tendo concorrido quatro empresas –, o mesmo não sucede com os contratos da Siemens e da Intergaup, onde o Governo, apesar da existência de concorrência, tanto na climatização de edifício como em projectos de arquitectura, decidiu-se pelo ajuste directo, ou seja, arredando eventuais interessados.

    Esta opção, sobretudo no caso do projecto de arquitectura entregue ao atelier de Diogo Lima Mayer, tem ‘condições’ para não conseguir um visto favorável por parte do Tribunal de Contas. Apesar de não adiantar quaisquer indicações sobre este caso em concreto, certo é que já houve pelo menos dois contratos de projectos de arquitectura ‘chumbados’ pelo Tribunal, mesmo quando os arquitectos escolhidos eram nomes sonantes.

    Em Abril de 2017, o Tribunal de Contas recusou o visto a um contrato celebrado pela autarquia de Matosinhos, considerando ilegal o ajuste directo para a elaboração do projecto de arquitectura do Núcleo Museológico Cais da Língua e das Migrações, que beneficiara o atelier do arquitecto Souto Moura valor de 412.992,00 euros, acrescido de IVA. O acórdão determinou que “a adjudicação por ajuste directo não era legalmente possível, impondo-se que o contrato tivesse sido precedido da realização de um concurso público ou limitado por prévia qualificação”.

    Segundo a interpretação dos juízes, “o ajuste directo só pode ser utilizado para contratações de valor inferior a 75 mil euros”, e que a alegação de se tratar de “domínio artístico” não colhe, por ser algo do “domínio da arquitectura”. O Tribunal de Contas concluiu que a adjudicação por ajuste direto só seria possível se antecidida da realização de um concurso público ou limitado por prévia qualificação, eventualmente na modalidade de concurso de concepção. Ou seja, teria de haver primeiro a escolha de uma ‘ideia’ ou ‘plano’ aberta a outros candidatos.

    O segundo caso de ‘chumbo’ atingiu também outro nome conceituado da arquitectura portuguesa. (CCP): Siza Vieira. Em 2019, a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim celebrou um contrato por ajuste directo com a empresa Álvaro Siza 1 – Arquitecto para a elaboração do projecto de arquitetura do Fórum Cultural Eça de Queirós. O preço contratual era de 550.000 euros, e o visto também foi recusado pelos mesmos motivos. O acórdão diz mesmo que “a intenção de adjudicação do projeto de arquitetura com natureza intuitus personae a arquiteto de elevado prestígio nacional e internacional não encontra fundamento legal, pois não são válidos os argumentos utilizados pelo Município para justificar que a elaboração do projeto de conceção apenas pode ser confiada àquele arquiteto”.

    E os juízes salientaram também que “a escolha de uma única entidade a convidar – para além do impacto direto na (restrição da) concorrência – produziu ainda um outro efeito na fixação do preço base do procedimento, uma vez que este foi determinado tout court pelo único concorrente convidado, o que é censurável por representar a total ausência de espírito crítico por parte da entidade adjudicante”. Ou seja, o preço foi determinado pelo arquitecto e não regido pelo interesse público.

    No caso do contrato com o atelier de Diogo Lima Mayer, a Presidência do Conselho de Ministros, embora invocando critérios materiais similares, não invocou a via artística – até por se tratar sobretudo de projecto de arquitectura de interiores –, mas seguiu uma outra via ainda mais temerária: considera que não existe concorrência “por motivos técnicos”, embora não haja qualquer análise ou documento que prove tal, até por ser uma intervenção acessível à generalidade dos ateliers.

    No contrato com o atelier de Lima Mayer que consta no Portal Base, celebrado em 21 de Dezembro do ano passado, com um prazo de execução de três anos, o Governo é extremamente omisso, como geralmente sucede, na definição em concreto do objecto, remetendo para um caderno de encargos, que não se encontra naquela plataforma da contratação públicas.

    O PÁGINA UM pediu, contudo, esse caderno de encargos à Presidência do Conselho de Ministros que acabou por enviar alguns elementos, mas não todos, alegando necessidade de “expurgo dos dados pessoais” e retirar “alguns aspectos relacionados com as especificações técnicas que possa, de alguma forma pôr em causa alguns requisitos de segurança”.

    Mas mesmo perante a falta de alguns elementos essenciais, nada no caderno de encargos e sobretudo na memória descritiva e justificativa, parece, passe o pleonasmo, justificar a escolha da Intergraup através de um contrato de mão-beijada, afastando a concorrência – que haveria se fosse lançado um concurso público.

    white round ceiling with light

    De facto, em causa estão apenas intervenções, sem elevada complexidade ou necessidade de ‘criação artística’ ao nível de design de interiores, incluindo instalações sanitárias, reparação de tectos, execução de paredes divisórias para salas de trabalho e de videochamada, reformulações na circulação, e definição de gabinetes em nove pisos, um dos quais, o oitavo, com 197 postos de trabalho e 25 gabinetes afectos ao Primeiro-Ministro. Contabilizado, para já, está a integração de mais de 4400 trabalhadores ligados ao Governo e Administração Pública.

    Na listagem das tarefas a executar pelo gabinete de arquitectura encontra-se também a elaboração de um plano de manutenção e intervenção em fachadas e coberturas, a mudança da identidade exterior do edifício após a saída da CGD e um projecto de reformulação dos espaços exteriores e das áreas desportivas. Nada que centenas de gabinetes de arquitectura não podem almejar conseguir apresentar, mas que não será já possível porque a Presidência do Conselho de Ministro garante que o arquitecto dono da Coudelaria do Monte Velho é o único capaz, não existindo concorrência por motivos técnicos. Aliás, a somar a isto não fica absolutamente nada claro como foi definido o preço do contrato.


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