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  • Açores: SATA gasta 1,8 milhões de euros em ajuste directo de segurança ‘escondido’ durante três anos

    Açores: SATA gasta 1,8 milhões de euros em ajuste directo de segurança ‘escondido’ durante três anos


    [Nota 17:08 de 21/03/2024: por lapso, no cálculo do valor global do contrato, considerou-se o IVA de 23%; na verdade, nos Açores o IVA dos serviços é de 16%, pelo que, sendo o contrato sem IVA de 1.470.714 euros, o valor global foi de 1.7096.028,24 euros, ou seja, cerca de 1,7 milhões de euros, e não cerca de 1,8 milhões de euros (que seria com IVA a 23%. O mesmo sucede com o valor do contrato de 2017. Alteraram-se os valores no corpo do texto, que não têm relevância significativa, mas manteve-se o título por uma questão de ‘integridade’ da notícia]


    A subsidiária do Grupo STA que gere as pistas do arquipélago dos Açores escondeu, durante mais de três anos, a divulgação de um ajuste directo de 1,7 milhões de euros para serviços de segurança dos aeródromos das ilhas do Pico, São Jorge, Graciosa e Corvo. Os serviços englobavam segurança privada no âmbito aeroportuário, para os postos de controlo, de acessos de pessoas, de viaturas, de bagagens, de carga e correio e de artigos transportados, com vista à proteção de pessoas e bens, assim como à prevenção da prática de atos ilícitos contra a aviação civil.

    De acordo com o Portal Base, a SATA – Gestão de Aeroportos somente ontem, dia 19 de Março, inseriu o registo do contrato com a empresa açoriana Provise que foi celebrado em 1 de Fevereiro de 2021 – ou seja, há mais de 37 meses. Como o ajuste directo tinha a duração de 36 meses, significa que a empresa pública somente divulgou o contrato um mês depois daquele ter terminado. O Código dos Contratos Público estipula que as entidades públicas adjudicantes têm a obrigação de inserir a informação dos contratos por ajuste directo no prazo máximo de 20 dias úteis.

    white and blue airplane on airport during daytime

    Além deste atraso, e porque a administração do Grupo SATA não respondeu aos pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, ignora-se as razões para ter sido a Provise a escolhida para os serviços de segurança, uma vez que tal ocorreu após todas as candidaturas apresentadas num concurso público lançado no início de 2020 terem sido excluídas, conforme consta na fundamentação do ajuste directo de 2021.

    Saliente-se que a Provise – que também terá sido excluída do concurso público em 2020 – foi a empresa contratada por concurso público em 2017 – divulgado, neste caso, e curiosamente, apenas três dias depois da assinatura do contrato – por um prazo também de três anos, mas por um valor substancialmente mais baixo: cerca de 1,01 milhões de euros, com IVA incluído. Ou seja, o ajuste directo teve um custo de 68% superior ao do contrato de 2017, que terminou no início de 2020.

    A SATA – Gestão de Aeródromos, é uma das três subsidiárias do Grupo SATA, sendo, tal como a holding, fortemente deficitária. Em 2022 registou um prejuízo de 511 mil euros, por uma razão de ‘mercearia’: os serviços prestados nos aeroportos e aeródromos açorianos renderam uma receita de um pouco menos de 3,5 milhões de euros, mas para tal gastou-se quase 1,2 milhões de euros e mais 3,2 milhões de euros em fornecimentos e serviços externos. No ano anterior, o prejuízo foi de apenas 10.494 euros, mas por via de um subsídio à exploração de 547.117 euros do Governo Regional, que não se repetiu em 2022.

    A situação do Grupo SATA, porém, é muito pior em termos de resultados consolidados. Em 2021 e 2022 registaram um prejuízo acumulado de quase 95 milhões de euros, mas mesmo assim ‘maquilhados’ com subsídios à exploração próximos de 89,6 milhões de euros, uma parte por via do contrato de serviço público (para compensar a Tarifa Açores, que beneficia os passageiros com residência fiscal nos Açores), que só em 2022 atingiu os 28 milhões de euros, e outra grande parte por via do contrato de concessão com o Governo Regional dos Açores. Em suma, sem ajudas estatais, a transportadora aérea dos Açores apresentaria um prejuízo, em apenas dois anos, de quase 185 milhões de euros. Nesse ‘oceano’ de prejuízos, um estranho ajuste directo de 1,8 milhões esquecido durante três anos é, na verdade, uma ‘gota de água’.

    O contrato celebrado pela SATA e a Provise integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no dia 19 de Março de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV


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    Ontem, dia 19 de Março, no Portal Base foram divulgados 1015 contratos públicos, com preços entre os 3,40 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital da Senhora da Oliveira Guimarães, ao abrigo de acordo-quadro – e os 139.000.000,00 euros – para fornecimento, instalação, montagem e entrada em exploração de cabo de fibra ótica submarino de telecomunicações, pela Infraestruturas de Portugal, através de consulta prévia.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 20 contratos, dos quais 12 por concurso público, quatro ao abrigo de acordo-quadro, um por consulta prévia e três por ajuste-directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 25 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: SATA – Gestão de Aeródromos (com  a Provise, S.A., no valor de 1.470.714,00 euros); 11 do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (dois com a Novo Nordisk, um no valor de 606.765,60 euros, e outro no valor de 405.135,96 euros, dois com a Uniself – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, um no valor de 526.224,00 euros, e outro no valor de 323.266,14 euros, seis com a Regina – Lavandarias Industrial, um no valor de 436.506,75 euros, outro no valor de 247.924,50 euros, outro no valor de 232.417,77 euros, outro no valor de 166.956,50 euros, outro no valor de 135.539,50 euros, e outro no valor de 132.077,40 euros, e outro com a Sá Limpa – Facility Services, no valor de 197.656,26 euros); Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (com a Vantive, Lda., no valor de 492.731,25 euros); Município de Elvas (com a Fidelidade – Companhia de Seguros, no valor de 418.137,68 euros); Município de Vila Nova de Gaia (com a Toyota Caetano Portugal, no valor de 399.920,00 euros); Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil (com a Gilead Sciences, no valor de 360.000,00 euros); Câmara Municipal de Serpa (com a Monumenta – Reabilitação do Edificado e Conservação do Património, no valor de 299.413,00 euros); Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (com a Getinge Group Portugal, no valor de 215.500,00 euros); dois do Município de Cascais (um com a OG Solutions, Consultoria de Gestão, no valor de 198.750,00 euros, e outro com a Deloitte Tax – Economistas Especialistas em Fiscalidade, no valor de 123.000,00 euros); Unidade Local de Saúde de São José (com a Regina – Lavandarias Industrial, no valor de 171.480,00 euros); dois do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira (um com a Daiichi Sankyo Portugal, no valor de 134.400,00 euros, e outro com a Biogen Portugal, no valor de 126.023,66 euros); Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (com a Fresenius Kabi Pharma Portugal, no valor de 103.080,00 euros); e o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (com a Transalpino – Viagens e Turismo, no valor de 100.000,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 19 de Março

    1Empreitada de construção, instalação e entrada em exploração de cabo de fibra ótica submarino

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Alcatel Submarine Networks

    Preço contratual: 139.000.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Consulta prévia


    2Empreitada de dragagens de manutenção nos canais, bacias e docas de recreio do Porto de Lisboa

    Adjudicante: APL – Administração do Porto de Lisboa

    Adjudicatário: Dravo, S.A.

    Preço contratual: 7.816.600,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Empreitada de reabilitação de 33 habitações

    Adjudicante: Município de Coimbra

    Adjudicatário: M. Kairos – Engenharia e Construção

    Preço contratual: 4.890.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Unidade Local de Saúde de Santa Maria

    Adjudicatário: Astrazeneca – Produtos Farmacêuticos

    Preço contratual: 4.079.942,17 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    5Construção de edifício destinado a Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, Centro de Dia e Serviços de Apoio Domiciliário

    Adjudicante: São Pedro – Centro Social da Sobreira

    Adjudicatário: Tree Civil, Lda.

    Preço contratual: 1.996.101,19 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 19 de Março

    1 Aquisição de serviços de segurança da aviação civil nos aeródromos das Ilhas do Pico, São Jorge, Graciosa e Corvo

    Adjudicante: SATA – Gestão de Aeródromos

    Adjudicatário: Provise, S.A.

    Preço contratual: 1.470.714,00 euros


    2Aquisição de medicamentos e outros produtos farmacêuticos

    Adjudicante: Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Novo Nordisk – Comércio de Produtos Farmacêuticos

    Preço contratual: 606.765,60 euros


    3Prestação de serviços de fornecimento de alimentação

    Adjudicante: Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Uniself – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados

    Preço contratual: 526.224,00 euros


    4Prestação de serviços de programa de diálise peritoneal

    Adjudicante: Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira

    Adjudicatário: Vantive, Lda.

    Preço contratual: 492.731,25 euros


    5Prestação de serviços de lavagem e tratamento de roupa hospitalar e fardamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central

    Adjudicatário: Regina – Lavandarias Industrial

    Preço contratual: 436.506,75 euros


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  • Negrita: um café no coração de Lisboa

    Negrita: um café no coração de Lisboa

    Na rubrica FOI VOCÊ QUE PEDIU… UM CAFÉ?, Bruno Cecílio juntou-se a Ruy Otero para documentar uma torrefacção no coração do bairro lisboeta dos Anjos que este mês, no dia 24, vai celebrar os 100 anos de existência. Conheça a história e a vida da Cafés Negrita, e veja como o ‘wokismo’ e a pandemia quase ‘torravam’ uma empresa (bem) segura pela mão de Helena Pina, uma engenheira do ambiente que, por paixão, manteve um negócio familiar.

    Numa feliz parceria com o colectivo de artistas POGO, este será o primeiro documentário no PÁGINA UM sobre ofícios ‘especiais’…

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    Brinquedo da Costa do Marfim. Foto: Bruno Cecílio.

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  • Novo Governo & dinheiros públicos & cartão de cidadão

    Novo Governo & dinheiros públicos & cartão de cidadão


    Pedro Almeida Vieira e Luís Gomes reencontram-se, após algumas semanas de ‘afastamento’, para o 28º episódio de Os economistas do diabo. A conversa começou com a rubrica Memórias de elefante, desta vez sobre a ‘lembrança’ quase afastada das eleições dos efeitos da gestão da pandemia, agora que o Chega quer forçar um inquérito parlamentar.

    A seguir, partiu-se para o debate sobre três centrais, com ‘derivações’: o futuro (económico e não só) do Governo de Montenegro; mais escândalos com o uso de dinheiros públicos e fundos comunitários, tendo como contexto a Operação Maestro; e os perigos das novas funcionalidades do cartão de cidadão.

    Também se fizeram umas notas finais sobre a quase certa não eleição de Augusto Santos Silva, presidente cessante da Assembleia da República.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • Regulador confirma perda de controlo da World Opportunity Fund na Global Media

    Regulador confirma perda de controlo da World Opportunity Fund na Global Media

    Já tinha sido antecipado pelo PÁGINA UM, mas formalizou-se hoje: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) suspendeu os direitos de voto e os direitos patrimoniais ao World Opportunity Fund, que assim deixa de poder gerir, através da Páginas Civilizadas, os periódicos da Global Media, entre os quais o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias. Esta é a primeira vez que o regulador toma uma decisão desta natureza com base na Lei da Transparência, abrindo assim as portas ao anunciado desmembramento do grupo de media. Resta saber quem vai pagar, no processo, as avultadas dívidas fiscais do grupo que regressa de novo às mãos de Marco Galinha.


    Faltava o formalismo, veio hoje em reunião da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O regulador dos media deu como verificada a falta de transparência do World Opportunity Fund, Ltd. (WOF), confirmando o projeto de deliberação aprovado no passado 15 de Fevereiro que formaliza a perda de direitos de voto do fundo das Bahamas sobre a participação de 51% do capital social da Páginas Civilizadas, que detém uma participação indireta de 25,628% na Global Notícias, mas que, na prática, a controlava.

    Em comunicado, a ERC salienta que “perante a ausência de elementos ou medidas tomadas pelos interessados que pudessem pôr fim à situação identificada [a recusa do fundo em identificar os seus investidores], o Conselho Regulador deliberou prosseguir com a publicitação da falta de transparência” no seu site, implicando de imediato a suspensão do exercício dos direitos de voto e dos direitos patrimoniais” do World Opportunity Fund tanto na Páginas Civilizadas como na Global Notícias.

    O regulador destaca que a sua deliberação “do Conselho Regulador “não restringe a possibilidade de transmissão da participação” do fundo das Bahamas, “desde que, sob prova bastante […] resulte uma inequívoca sanação da situação de falta de transparência identificada. Em concreto, significa que o empresário Marco Galinha, um dos sócios minoritários da Páginas Civilizadas – e que foi o responsável por introduzir o fundo das Bahamas no negócios do Grupo Global Media, inclusive concordando com a contratação de João Paulo Fafe antes da concretização da transacção em Setembro do ano passado – tem agora ‘carta branca’ para negociar ainda melhor a recuperação do que vendeu.

    Por outro lado, saído o fundo das Bahamas – que está longe de ter criado uma situação financeira grave, já que em 2022 a Global Media terminou o exercício com prejuízos acumulados de 42 milhões de euros desde 2017 e uma dívida ao Estado que aumentou 7 milhões de euros em apenas um ano -, Marco Galinha pode agora concretizar, com despedimentos colectivos à mistura, o desmembramento dos diversos órgãos comunicação social. Resta saber quem vai ficar com a dívida ao Estado, porque nesse processo de desmembramento, se as autoridades tributárias e a ERC permitir, pode bem suceder que o Jornal de Notícias, um título ainda apetecível, fique ‘limpo’ de dívidas, ficando todo o ‘calote’ à Autoridade Tributária em títulos que, mais tarde ou mais cedo, o mercado tratará de falir, excepto, claro, se o Estado intervir para o sanear


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  • ‘Doce centenário’: sem concurso público, Portimão paga quase um milhão para programa cultural

    ‘Doce centenário’: sem concurso público, Portimão paga quase um milhão para programa cultural

    A socialista Isilda Gomes quis, o município sonhou e as comemorações do centenário da cidade de Portimão estão a avançar com um custo de 910 mil euros. Tudo sem concurso público, e atropelando as mais elementares normas de transparência e de livre concorrência no criativo e competitivo mundo cultural. Alegando ser a única entidade capaz de executar a programação para os 100 anos da cidade, a autarquia de Portimão celebrou um contrato por ajuste directo com a cooperativa algarvia Lavrar o Mar, fundada e liderada pelo italiano Giacomo Scalisi, e para contornar a abertura de um concurso público invocou uma norma de excepção do Código dos Contratos Públicos apenas usada para a compra de uma obra de arte ou a aquisição de um simples espectáculo. Além disso, a edilidade acaba por confessar que Giacomo Scalisi já está a prestar serviços desde Outubro do ano passado, embora o contrato só tenha sido celebrado quatro meses depois.


    Um chorudo ajuste directo, sem concorrência, de mão-beijada. Para programar eventos culturais do primeiro centenário da cidade de Portimão, a autarquia local contratou a cooperativa algarvia Lavrar o Mar, presidida pelo encenador italiano Giacomo Scalisi, por um valor de 740 mil euros, que ascende a 910 mil euros com IVA incluído. O contrato celebrado no final de Fevereiro, e divulgado no início da semana passada, invoca um falso argumento previsto pelo Código dos Contratos Públicos, para um ajuste directo desta natureza, porque equipara a programação e gestão de 38 eventos culturais e festivos – que se iniciaram no passado mês, e se prolongam até ao final do presente ano – à aquisição (compra) de obra de arte, contratação de um artista ou de um espectáculo.

    De acordo com o registo inserido no Portal Base – que omite a proposta da Lavrar o Mar, apesar de se salientar “fazer parte integrante deste contrato” –, a decisão de contratar por ajuste directo a cooperativa sediada em Aljezur, e criada em 2014 por Giacomo Scalisi e Madalena Victorino, ocorreu em 6 de Dezembro do ano passado, invocando-se critérios materiais para contornar a abertura de um concurso público, ademais tendo em conta o elevado montante em causa.

    A socialista Isilda Gomes é presidente da Câmara Municipal de Portimão desde 2013. (Foto: D.R./PS)

    O uso de ajustes directos para a “criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico” costuma ser uma prática banal e legal, embora discutível, mas aquilo que, no caso do centenário da cidade de Portimão, está em causa não é a mera aquisição de espectáculos ou a contratação de artistas, mas sim a “criação e execução de projecto artístico” com a duração de 397 dias.

    De acordo com o programa já disponível, apenas dois dos espectáculos são produzidos pela Lavrar o Mar: o primeiro, em Outubro, é de Scalisi; e o outro será um espectáculo que combina dança e música da autoria da bailarina e coreógrafa Madalena Victorino, co-diectora artística da cooperativa. Dos restantes eventos, que decorrem entre Fevereiro e Dezembro de 2024, encontram-se concertos, espectáculos circenses, exposições e outros eventos com a produção executiva ou organização por outras entidades, que foram programados pela cooperativa a partir do ajuste directo.

    Em respostas a questões colocadas pelo PÁGINA UM, o município liderado por Isilda Gomes, que dirige a autarquia há mais de uma década, limitou-se basicamente a reafirmar a fundamentação invocada no contrato bem como o objecto do concurso: “o desenho e operacionalização de um programa de comemorações” do centenário da cidade.

    Na verdade, ninguém parece esconder que a função da Lavrar o Mar nos eventos associados às comemorações é a de programação. Ainda hoje, o diariOnline Região Sul, anunciava “o primeiro espetáculo da programação artística criada e apresentada pela Lavrar o Mar Cooperativa Cultural para assinalar esta importante efeméride [centenário da cidade], com diversos momentos a decorrer até ao final do ano, numa parceria estabelecida com o Município de Portimão”. O espectáculo nada tem a ver com a cooperativa, uma vez que tem “a produção executiva da Unnica Arts”, conforme revela o jornal algarvio. E, obviamente, não se trata de uma parceria, mas sim de uma prestação de serviços.

    Madalena Victorino e Giacomo Scalisi, da cooperativa Lavrar o Mar.
    (Foto: Captura de imagem a partir de entrevista no YouTube)

    O próprio município não esconde ao PÁGINA UM que a Lavrar o Mar tem funções de programador e de gestor, e que tudo foi antecipadamente negociado com o director artístico Giacomo Scalisi, o que imediatamente deveria retirar a possibilidade de se invocar o ajuste directo por critério material para justificar um ajuste directo de 910 mil euros.

    Segundo a autarquia de Portimão, “todos os encargos inerentes à execução do projecto que venha a ser aprovado serão da responsabilidade da entidade a contratar”, sendo acompanhadas pelo município através de reuniões regulares com o diretor artístico da Lavrar o Mar, e pela “apresentação de relatórios e memorandos escritos”. Ou seja, uma mera prestação de serviços que dificilmente se enquadra nos critérios materiais de criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico.

    A autarquia de Portimão defende que a escolha da Lavrar do Mar teve como pressupostos “o desenho e operacionalização de um programa de comemorações [que] exige que o mesmo seja acompanhado artisticamente por uma entidade de reconhecida competência no domínio da programação artística, visando assegurar a articulação entre os vários setores da produção e o acompanhamento de públicos em coerência com o programa artístico a conceber”, e também a necessidade de que a entidade escolhida possuísse “um conhecimento profundo não só de programação, mas também das companhias e artistas que possam vir a integrar o programa das Comemorações do centenário da Cidade de forma a potenciarem as interações artísticas e formativas entre os artistas e os públicos”.

    Mesmo estando em causa a eventual violação do Código dos Contratos Públicos – e a eventual fiscalização do ajuste directo pelo Tribunal de Conta pode vir a declarar mesmo ilegalidades e nulidades –, o município de Portimão insiste ter sido esta a melhor opção, embora tal seja difícil de provar quando se trata de um adjudicatário escolhido a dedo, sem concorrência.

    Fonte oficial do município disse ainda ao PÁGINA UM que “considerando que Giácomo Scalisi aceitou pensar connosco o passado e desenhar num programa artístico, o futuro cultural para a cidade, através das festividades do seu centenário (…), afigura-se-nos que a [única] entidade que poderá colaborar, com valor acrescentado, face a outras eventuais opções, na conceção e operacionalização do projecto artístico de comemorações declinando-o através de um planeamento adequado num conjunto de tarefas de conceção, pré-produção e produção que lhe caberá, depois, coordenar, será a entidade Lavrar o Mar”, concluindo que, desse modo, o “serviço pretendido apenas pode ser confiado a esta entidade”.

    A autarquia liderada por Isilda Gomes até admite que a Lavrar o Mar começou a desenvolver o projecto artístico para as comemorações em Outubro do ano passado, ou seja, quatro meses antes da assinatura do contrato por ajuste directo, algo que constitui uma outra evidente ilegalidade.

    (Foto: Captura de imagem de reportagem da TVI)

    Antes deste ‘jackpot‘ de 910 mil euros, o contrato com entidade pública de valor mais elevado que a cooperativa Lavrar o Mar tinha obtido foi um do município de Odemira, em 2018, no valor de cerca de 112 mil euros (IVA incluído), relativo à “aquisição de serviço de espectáculos e workshops pedagógicos”.

    Para o município de Portimão, este ajuste directo corresponde ao quarto maior contrato de sempre feito sem concurso. O maior ajuste directo foi adjudicado em 2011 para a construção da nova escola EB 2,3 na zona da Bemposta, no valor de quase cinco milhões de euros. O segundo maior, efectuado em 2010, no valor de 4,3 milhões de euros, destinou-se à “Ampliação e beneficiação do Centro Escolar do Pontal”. O terceiro maior ajuste directo, em 2018, foi efectuado com a EDP, para o “fornecimento de energia eléctrica para as instalações alimentadas em MT, BTE, BTN e BTN – Iluminação Pública”, no montante de 756 mil euros.


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  • Banco Português de Fomento: da Católica a Montenegro, gasta muito e ganha pouco

    Banco Português de Fomento: da Católica a Montenegro, gasta muito e ganha pouco

    Foi uma ‘invenção’ do Governo socialista. Em vez de se aproveitar o know-know e as sinergias da Caixa Geral de Depósitos (CGD), criou-se em 2020 o Banco Português de Fomento (BPF), um micro-banco que, na verdade, sendo um ‘pigmeu financeiro’, gasta que se farta. Se a CGD despende 690 euros em serviços administrativos e com pessoal para obter 1.000 euros de lucro, já o BPF precisa de gastar 5.367 euros para alcançar o mesmo objectivo. Mas se o BPF – que teve apenas lucros de 3 milhões de euros em 2022 com 16,1 milhões de euros em gastos de funcionamento – aparenta ser um péssimo negócio para os contribuintes, há quem não terá, por certo, a mesma opinião. São os casos de grandes consultoras financeiras, empresas tecnológicas, seguradoras, empresas de leasing automóvel e sociedades de advogados, onde se inclui a de Luís Montenegro e a de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Presidente da República. A avença do escritório do futuro primeiro-ministro terminou em Dezembro passado.


    Ao fim de menos de três anos de funcionamento, o Banco Português de Fomento – uma instituição bancária autónoma criada pelo Estado quando já detinha um banco estável, a Caixa Geral de Depósitos – mostra ter sido uma opção vantajosa para muitos, mas não para os contribuintes.  

    Criado em finais de 2020 como um banco promocional de desenvolvimento – isto é, para facilitar a concessão de crédito  proveniente sobretudo do Programa de Recuperação e Resiliência –, o BPF foi constituída pela fusão de diversas pequenas entidades financeiras públicas que não estavam sob alçada da Caixa Geral de Depósitos (CGD), nomeadamente da PME Investimento (uma sociedade pública de investimentos), a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) e a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM). A estratégia política do Governo agora cessante foi, na verdade, criar um novo banco de investimento, mas à margem de toda a estrutura já consolidada da CGD.

    Na verdade, olhando para as demonstrações contabilísticas das duas instituições bancárias públicas, o BFE é um autêntico pigmeu perante a CGD, o que leva a questionar a razão para não se ter criado um departamento autónomo na instituição liderada por Paulo Macedo aproveitando know-how e sinergias. Mas o BFE é um pigmeu mas com uma grande gula.

    Em 2022, o BPF apresentava apenas 848 milhões de euros em activos, que representam apenas menos de 9% dos activos da CGD no ano passado, de acordo com os resultados hoje apresentados. No entanto, enquanto os activos da CGD contribuíram para um lucro (recorde) de quase 1,3 mil milhões de euros, a que acresce de 529 milhões de euros impostos ao Estado, o BPF conseguiu em 2022 – ainda não apresentou resultados do ano passado – apenas um lucro de 3 milhões de euros. Apesar disso, para ter lucros de 3 milhões de euros, o BPF teve de gastar quase 10 milhões de euros com pessoal e 6,2 milhões de euros em gastos administrativos, que inclui serviços externos. Assim, se por cada 1.000 euros de lucro a CGD registou gastos administrativos e com pessoal de 690 euros, já o ‘esfomeado’ BPF teve de ‘comer’ 5.367 euros em gastos administrativos e com pessoal por cada 1.000 euros de lucro. Saliente-se que os gastos com pessoal subiram cerca de 18% entre 2021 e 2022. Ainda não foram apresentados os resultados de 2023.

    Esta absurda estrutura de custos do BPF tem uma explicação: criar um banco, independentemente da sua dimensão, implica um ‘custo fixo’ em termos de encargos com serviços financeiros (incluindo compliance e contabilidade), com assessoria jurídica e com tecnologias de informação, tanto de hardware como de software. E as duas administrações que já passaram por esta instituição bancária agora presidida por Ana Carvalho – e que acabou de celebrar um contrato de 700 mil euros com a Universidade Católica para serviços ainda não completamente conhecidos – têm sido pródigas em gastos, e generosas na sua distribuição.

    O Banco Português de Fomento foi uma ‘invenção’ do Governo socialista, que permitiu que muitas sociedades de advogados facturassem serviços. A sociedade de Luís Montenegro recebeu 100 mil euros numa avença que terminou em Dezembro passado.

    Ontem, a pretexto do contrato com a Universidade Católica, fonte do BPF referiu ao PÁGINA UM que, como o plano de actividades e orçamento de 2023 foi aprovado apenas em finais de Julho, apenas nos últimos meses do ano passado se concretizou “uma parte expressiva do início dos processos de contratações públicas”, salientando que foram desencadeados “456 procedimentos de contratação pública, com um investimento total de 4,21 milhões de euros”, dos quais 405 procedimentos, envolvendo 311.988 euros por ajuste directo simplificado e mais 34 por ajuste directo no valor de 1,1 milhões de euros. Em paralelo, o BPF efetuou quatro concursos públicos internacionais e nove nacionais, totalizando, respetivamente, 1,58 milhões e 962 mil euros.

    Mas a estes somam-me muitos mais nos anos recentes. Incluindo período anterior à criação do BFP em 2020 por fusão de outras entidades – o banco ‘herdou’ o número de pessoa colectiva da Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua –, já foram registados 268 contratos no Portal Base, dos quais 238 já como instituição bancárias.

    Num agrupamento por tipologia feita pelo PÁGINA UM, de um total de 21,15 milhões de euros, os maiores gastos foram para equipamentos e serviços associados a tecnologia de informação, com cerca de 6,8 milhões de euros (32% do total), destacando-se os ganhos da Glintt (1,4 milhões de euros), a Hydra IT (quase 1,2 milhões de euros), a IDW (650 mil euros), a TCSI (418 mil euros) e a Divultec (358 mil euros).

    Top 20 das entidades com maior valor de contratos celebrados com o Banco Português de Fomento. Antes de 2020, incluindo procedimentos para a criação do BPF, os contratos foram celebrados pela Sociedade Portuguesa da Garantia Mútua. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.

    A segunda maior tipologia de gastos foi para contratação de externa de serviços de assessoria financeira. Neste grupo destacam-se os contratos das consultoras Oliver Wyman (com 2,84 milhões de euros), Deloitte Risk Advisory (2,05 milhões de euros), KPMG (659 mil euros), Deloitte Consultores (334 mil euros) e ainda da Universidade Católica Portuguesa (720 mil euros, que inclui um pequeno ajuste directo de 20 mil euros em 2018).

    No terceiro grupo de serviços mais gastadores estão as assessorias jurídicas, pagas sempre a peso de ouro e escolhidas invariavelmente a dedo. A vários dedos. E os beneficiários são sonantes, para repartir um ‘bolo’ que já vai em cerca de 4,2 milhões de euros, a começar pelo futuro primeiro-ministro, Luís Montenegro.

    Em Janeiro de 2022, a sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro beneficiou de uma avença mensal que terminou em Dezembro do ano passado, amealhando 100 mil euros, a que acresceu o IVA. Também Pedro Rebelo de Sousa, o irmão do Presidente da República, já viu a cor do dinheiro saído do BPF. Por duas vezes, a Sociedade Rebelo de Sousa & Associados recebeu ajustes directos desta instituição bancária: primeiro em 2020, no valor de 79.560 euros, e no ano passado entraram mais 32.650 euros.

    Valores dos contratos celebrados pelo Banco Português de Fomento (inclui valores gastos entre 2016 e 2019 pela Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua). Fonte: Portal Base. Agrupamento e análise: PÁGINA UM.

    Mas Luís Montenegro e Pedro Rebelo de Sousa nem foram os advogados que mais receberam do BPF. Na lista de prestadores de serviços jurídicos, com contratos de mão-beijada, sem se saber ao certo aquilo que fizeram, estão conceituados escritórios de advogados como a Sérvulo & Associados (571 mil euros), a Cabeçais de Carvalho & Associados (270 mil euros), a Vieira de Almeida & Associados (254 mil euros), a Abreu & Associados (241 mil euros), a Santos Carvalho & Associados (179 mil euros), a Oliveira, Reis & Associados (168 mil euros) e a Andrade de Matos & Associados (120 mil euros).

    Também com gastos relevantes estão os diversos seguros contratados, que já totalizam quase 1,4 milhões de euros, bem como as prestações de serviços de contabilidade, que se aproximam dos 824 mil euros. Para serviços de leasing de automóveis e transporte, a factura assumida pelo BPF ascende já aos 550 mil euros. E o marketing, sempre necessário, atinge, por agora, os 265 mil euros.


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  • Ajuste milionário à Católica: Banco Português de Fomento diz que afinal consultou outras universidades, mas não apresenta provas

    Ajuste milionário à Católica: Banco Português de Fomento diz que afinal consultou outras universidades, mas não apresenta provas

    Deveria ter sido apenas mais um ‘banal’ contrato de consultadoria externa pelo Banco Português de Fomento, disfarçado no meio de muitos outros, mas o ajuste directo de 700 mil euros entregue no mês passado à Universidade Católica Portuguesa chamou a atenção ao PÁGINA UM: afinal, não é todos os dias que uma assessoria financeira é justificada como se estivesse em causa a segurança pública ou de bens, uma vez que, para evitar a abertura de um concurso público, foi alegada “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”, para uma tarefa que durará três anos. Agora, o banco presidido por Ana Carvalho, uma antiga aluna da Católica, diz que afinal consultou “várias instituições académicas de renome”, mas isso implicaria a existência de um procedimento de consulta prévia, o que comprovadamente não sucedeu. Quanto à Universidade Católica, preferiu, através da sua porta-voz – que foi assessora de João Galamba até à sua demissão de ministro das Infraestruras em Novembro – criticar aspectos deontológicos do trabalho do PÁGINA UM.


    Afinal, quais os serviços em concreto previstos no misterioso contrato de 700 mil euros adjudicado por ajuste directo ao Banco Português de Fomento (BPF) à Universidade Católica, noticiado anteontem pelo PÁGINA UM? E qual a razão para uma minúscula mas gastadora instituição financeira estatal – ao fim de dois anos de existência, nas contas consolidadas de 2022 apresentou um passivo de 284 milhões de euros com gastos de quase 10 milhões e um lucro de uns meros 3 milhões de euros – ter de fazer sucessivos contratos de consultadoria financeira e jurídica que não páram de se acumular?

    Estas questões continuam sem uma resposta cabal, porque o BPF, apesar de aditar alguns esclarecimentos, continuou sem endereçar, apesar das insistências do PÁGINA UM, o caderno de encargos e um anexo ao contrato, inexistentes no Portal Base, que, em princípio definirá as tarefas a executar pelo Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da Universidade do Porto. Saliente-se que a instituição bancária tem sede na Cidade Invicta e a sua presidente do Conselho de Administração, Ana Carvalho fez toda a sua formação universitária naquela instituição privada de ensino superior.

    Ana Carvalho, CEO do Banco Português de Fomento. A Universidade Católica Portuguesa recebe 700 mil euros da instituição bancária liderada por uma sua ex-aluna.

    Com efeito, sem remeter quaisquer dos documentos em falta no Portal Base – e que virão agora a ser solicitados formalmente pelo PÁGINA UM ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos com eventual remessa para o Tribunal Administrativo em caso de nova recusa no prazo de 10 dias –, fonte oficial do BPF diz que este ajuste directo se enquadra nas suas funções “de gestor do Fundo de Capitalização e Resiliência (FdCR)”, em que se mostrou necessário “reforçar o acompanhamento na gestão dos investimentos diretos efetuados” por este programa.

    Deste modo, acrescenta a mesma fonte, “com a perspetiva de assegurar um escrutínio prudente e neutro, o BPF decidiu pela designação [indicação] de ‘Observadores’ independentes, profissionais de elevada especialização, que terão assento nos Conselhos de Administração (CA) das Participadas do FdCR”. Esses ‘Observadores’, de acordo com o BPF, “como um elemento independente” têm como função “uma apreciação crítica sobre os temas de negócio e de gestão discutidos e as decisões tomadas, alertando para riscos e preocupações que sejam relevantes”, para além de terem um “papel de colaboração na preparação das intervenções do BPF nas Assembleias Gerais das Participadas”.

    Sobre a razão de não ter sido, em caso de comprovada ausência de meios humanos próprio, lançado um concurso público, a fonte da instituição bancária liderada por Ana Carvalho diz que foram consultadas “várias instituições académicas de renome”, que não identifica, acrescentando que “a Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto [foi], até então, a única que atendeu plenamente aos requisitos especificados pelo BPF e no prazo proposto”.

    Saliente-se que este argumento de consulta agora aditado pelo BPF é estranho e contraditório mesmo com o expresso no contrato conhecido, porque uma consulta como a referida, com “requisitos especificados”, consubstanciria uma consulta prévia, com procedimentos contratuais próiprios, o que formalmente não foi feita, Na realidade, o BPF fez um ajuste directo – ou seja, entregou um contrato de 700 mil euros de mão-beijada à Universidade Católica, escolhida a dedo – alegando uma norma de excepção que permite o ajuste directo, mas apenas “na medida do estritamente necessário”, se se verificarem “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [em que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.

    Como pode estar aqui em causa falsas declarações, a forma que o PÁGINA UM tem de esclarecer esta situação é solicitar agora ao BPF, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, não apenas os ofícios que foram supostamente remetidos para  as “várias instituições académicas de renome” como também os documentos que fundamentam os “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” que impediram a realização de um concurso público aberto e transparente. Obviamente, o Tribunal de Contas também terá, se assim desejar, os meios próprios de fiscalização deste contrato público.

    Também foram pedidos esclarecimentos à Universidade Católica sobre o ajuste directo de 700 mil euros, incluindo se houve alguma proposta prévia, para complementar os factos noticiados pelo PÁGINA UM com base nos registos inseridos no Portal Base pelo BPF e validados pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC). Em resposta, a porta-voz para a imprensa da instituição universitário, Rita Penela – ex-jornalista do Observador e assessora até Novembro passado do antigo ministro João Galamba – disse que “na sequência das questões dirigidas ontem, dia 11 de março, às 22h41 à Universidade Católica Portuguesa, vimos lamentar que não tenha sido respeitado o tempo de resposta por vós concedido e que tenham avançado com a publicação do artigo” – que, repita-se, se baseia em factos inseridos numa base de dados pública.

    A mesma fonte da Universidade Católica – que ministra uma licenciatura em Comunicação Social e Cultural – acrescentou ainda que “tal conduta desrespeita o direito ao contraditório previsto no Código Deontológico do Jornalista”, apesar de nada constar no dito código sobre um alegado ‘direito de contraditório’ –, concluindo que “a Universidade Católica Portuguesa não se revê na abordagem referida e muito lamenta que a _’Página Um’_ [sic] desrespeite o Código pelo qual devia pautar-se”.

    Instado, novamente, a comentar e conceder mais esclarecimento sobre o contrato de 700 mil euros – o maior contrato público por si obtido (de forma isolada), ainda mais este, por ajuste directo, sem os ‘incómodos’ da concorrência –, a Universidade Católica nada mais acrescentou.


    Nota: A fonte oficial do BPF também remeteu outras informações sobre os montantes das consultadorias, mas essa informação será, em breve, integrada num trabalho do PÁGINA UM sobre o universo dos contratos públicos desta instituição financeira.


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  • A aldeia do fim do mundo

    A aldeia do fim do mundo


    Encosta do Lapão.

    Freguesia de Montalvão. Alto Alentejo.

    A nossa história começa agora neste caminho estreito. Podia ter sido há 50, 60 ou até 80 anos porque nestes montes ásperos e desolados as coisas medram devagar…

    Na vereda só os passos lestos e regulares falam agora.

    Montalvão não pode morrer.
    (Foto: Rui Araújo)

    Primeiro encontro. Fernando Castelo. Vai fazer 80 anos. Tem 25 de Guarda Fiscal. Era do Posto de Montalvão no tempo da vida pobre. Fiscalizava a fronteira, a menos de uma légua daqui do caminho…

    —  Iam à Espanha quando podiam e vinham, pronto, e era assim. Tinham filhos. Tinham que ganhar algum tostãozito para lhes matar a fome, não é? Era assim o contrabando dantes. Não era aquelas grandes quantidades de mercadoria, não é, porque aqui não podiam transitar em carros nem nada. Era a pé! Não é… Depois, lá traziam… os homens traziam uma saquita em ar de mochila. Elas traziam lá a tal trouxa à cabeça. Era assim… 

    Escuto, intrigado.

    — O contrabando aqui era mais baseado, é pá, coisas, vamos lá: calçado, bolachas, rebuçados, pratos de Pyrex… Elas levavam daqui café para lá. Era assim. E a gente, geralmente, o café, como havia cá muito café, não é, a gente raramente olhávamos para isso. Às vezes, lá coiso… E elas lá levavam o cafezito, não é, era a sobrevivência delas. Elas vendiam o café lá bem vendido aos espanhóis naquela altura e depois a gente, às vezes, deixava-as ir, mas, às vezes, avisávamos-as: Vocês têm, pronto, levem lá o café e tal ou voltem lá para trás. E tal.

    A travessia ilegal da fronteira dava direito a multa de 500 mil réis… uma fortuna naqueles tempos.

    No silêncio da fraga damos com um abrigo de xisto dos contrabandistas.

    Fernando Castelo, a memória destas veredas…
    (Foto: Captura a partir de imagem de Rui Pereira/TVI)

    Era neste buraco sombrio e desconsolado que se refugiavam quando já não tinham ânimo para seguir caminho por causa  da geada ou da neve ou da Guarda Fiscal.

    Uma coisa, porém, é certa. O contrabando não se apaga na lembrança de Montalvão mesmo se o tempo dos arrepios e das orações já pertence irremediavelmente ao passado…

    Metemos pelo caminho tosco – encosta abaixo.

    Rio da Nogueira.

    Ver para crer…

    O rio é um lodaçal infecto e gorduroso, para não dizer ensebado.

    O verdor é das algas tóxicas, dos fetos e das plantas aquáticas (como a azola, que vem dos trópicos).

    O rio está poluído, mas ninguém sabe de nada…
    (Foto: Rui Araújo)

    A concentração de fósforo, nitratos e outros poluentes é uma explicação. A incúria ou a apatia cúmplice do Governo português em relação à poluição é outra…

    A GNR não tem em curso (25 de Novembro de 2021) qualquer investigação referente a crimes ambientais no rio Sever.

    É tempo de regressarmos sem mais delongas a Montalvão pelos mesmos caminhos ermos.

    É que a partir daqui não se pode ir mais para norte.

    E a fronteira, aqui tão perto, só está aberta ao fim-de-semana…

    A convivência era outra antigamente…
    (Foto: Rui Araújo)

    Depois de a manhã romper, Montalvão, vista de longe, é mais uma aldeia do Alto Alentejo debruçada sobre uma colina que corre o horizonte e é um gosto vê-la.

    Montalvão é uma terra de gente humilde, trabalhadora e honrada, que vivia da enxada e do gado e, quando era mesmo preciso, do contrabando.

    É, hoje, mais um povo da raia que está a definhar. E de que maneira…

    Em 2011, viviam, aqui, 442 fregueses.

    Em 2021, restam 290.

    Feitas as contas, a povoação perdeu 34,4% da população no espaço de 10 anos.

    E em 1940 havia 2.672 habitantes, ou seja, 9 vezes e tal mais do que hoje.

    Desde então a população não parou de diminuir. Os dados do INE são peremptórios. E, como se não bastasse, a maioria tem, hoje, mais de 70 anos de idade…

    Encontro (in)esperado com Tchá Jaquina do Possidónio na Casa do Povo.

    — É uma solidão muito grande. É, sim senhora. Uma solidão muito grande. É. O meu marido foi para o lar. E tenho sentido muita falta dele porque já somos casados há 60 e tal anos. 64 anos. Já fez no dia 13 de Maio… de Outubro. E, então, eu sinto aquela solidão.

    Mudo de conversa. 

    A solidão imposta é terrível. E sem família, vizinhos e amigos é a morte social garantida.

    — Como é que isto era antigamente?

    — Ai… muito… quer dizer, havia muita gente. Mas eu passava… Nós passáramos muito mal porque o meu pai que Deus tem era contrabandista.

    Dias difíceis, acrescento. É uma desculpa de mau pagador.  Eu não tenho respostas.

    — Havia fome. Nós passámos fome. Não tenho coiso nenhum de dizer isto porque o meu pai não tinha o trabalho como já contei.

    — E o seu pai era contrabandista!

    — Era contrabandista. Apanhava umas coisas e nem sequer o contrabando era nosso. Ele era alugado. A pessoa pagava, não sei se era 15 escudos, para o meu pai levar uma mala. Ainda chegou a estar preso… Quando lá passo, vamos para a ginástica, lembra-me aquelas muralhas ali e que era a cadeia…

    Dantes as casas eram todas habitadas. Hoje, muitos prédios estão vazios. E há ruas desertas de gente…

    Tchá Jaquina do Possidónio.
    (Foto: Captura a partir de imagem de Rui Pereira/TVI)

    Montalvão tinha câmara municipal, hospital, escola, três postos da Guarda Fiscal e um da GNR, cadeia, matadouro, seis salsicharias, quatro talhos, quatro alfaiates, barbeiro, sapateiro, costureira, ferreiro, armeiro, latoeiro e 12 tabernas… Mais a ervanária do senhor Domingos Paixão que curou meio mundo…

    Só na rua Direita havia quatro mercearias (Ti Zé Ramalhete, Tchá Hermínia, Sozé da Loja, Tchá Efigénia), sem contar com o estabelecimento do Ti João Cabreira, do Ti Possidónio Relojoeiro (que «morreu de velho»), mais o centro comercial do senhor Joaquim Morujo, que vendia fazenda, materiais de construção e bicicletas.

    Havia… porque, hoje em dia, já só há a mercearia.

    Montalvão é, hoje, mais um território economicamente deprimido a somar a tantos outros da raia…

    Tem três cafés, um lagar, uma farmácia que depende da de Gavião e um mercado que abre 3 dias por semana.

    Mas não vamos antecipar as agruras.

    Os locais de convívio são escassos.
    (Foto: Rui Araújo)

    A escola primária de Montalvão está fechada desde 1998. Chegou a ter 4 professores. Cada turma tinha 36 ou 37 alunos. Muitos pais não mandavam as cachopas para a escola. Não tinham posses para mandar estudar os filhos todos. É uma explicação.
    A escola é agora o museu da terra.

    Regresso ao passado.

    Encontro António Pires Lopes no primeiro piso do edifício austero.

    Foi professor, aqui, durante 28 longos anos. Cumpriu 85 anos.

    — As aulas começavam às 9 da manhã. Havia um pequeno intervalo. Um intervalo aí de 1/4 de hora para os que queriam brincar, correr, fazerem os jogos tradicionais daquela época. São muito diferentes do que é hoje. Hoje, uma criança passa o tempo com o telemóvel. E naquele tempo jogava o peão, jogava macaca, jogavam à cabra-cega. As meninas tinham outros jogos. Até tinham um… Havia um jogo que era atirar à malha, que era feito na Primavera. As crianças divertiam-se muito…

    —  E os professores? — pergunto ou insinuo.

    — Eu jogava peão com eles. E eu conseguia atirar o peão, o peão não ia ao chão e eu apanhava-o a rodar na palma da mão. E eles procuravam fazer o mesmo…

    — E a disciplina? Como é que era?

    — Eu nunca castiguei severamente um aluno com zanga. A régua trabalhava, mas era muitas vezes trazida para a escola pelos pais dos alunos. Quando a régua se estragava, o pai do aluno trazia uma régua para a escola. Portanto, os pais não estavam contra uma reguada. (Ri-se) É assim.

    António Pires Lopes
    (Foto: Captura a partir de imagem de Rui Pereira/TVI)

    E nós não pedimos contas!

    Ficaram os móveis e as fotos baças que ajudam a preservar a lembrança de um saudoso passado ou tão simplesmente da juventude.

    António Pires Lopes é bom homem. E devia ser bom professor.

    — Muita saudade desse tempo. Muita saudade…

    — As coisas, hoje, são diferentes.

    — O que mudou foi o êxodo da população para os grandes centros urbanos. Os campos deixaram de ter trabalhadores. Os campos deixaram de ser semeados, cultivados. E aqui se produzia tanto trigo, tanto centeio, aveia e cevada e tanto linho. Tanto linho daqui saía para fazer os mais diversos tecidos. E actualmente já não se semeia. E é pena que isso aconteça. E o que se passa aqui passa-se por esse Alentejo fora…

    Percorremos ruelas asseadas condenadas a um silêncio que mete impressão. Dá vontade de abalar…

    A padaria está fechada, mas lá dentro damos com Sérgio Pereira a amassar o pão.

    Hoje, é homem para fazer 100 pães de trigo mais uma data de bolos de azeite e de «guleimas», os bolinhos de canela cá da terra.

    Só há pão branco, é o que os freguezes preferem…
    (Foto: Rui Araújo)

    O forno é de lenha: eucalipto e xara (esteva), como manda a tradição.

    Lá ao fundo, Tchá Nazaré, 85 anos, observa o filho com candura.

    É o momento da oração e do sinal da cruz na massa.

    «Deus te acrescente agora e sempre.»

    Ela (mais o marido, que Deus tem) eram padeiros no burgo.

    E não lhes faltou freguesia durante longos 52 anos.

    — Faço sempre a reza. Sempre. Eu sou muito religiosa. Vossemecês não são… (Ri-se)

    É preciso ter fé. Ela comeu o pão que o Diabo amassou. Tal como os seus pais…

    — O meu pai era moleiro e ia moer ao rio Sever. E… e depois levava os talegos, chamavam-se os talegos, levava o trigo das pessoas que tinham o trigo para moer. E a minha mãe com as maquias, chamava-se as maquias, com as maquias que o meu pai trazia de moer o trigo fazia o pão.

    Esta gente simples e comunitária vivia da terra.

    Memórias gastas e amarelecidas…
    (Foto: D.R.)

    As coisas mudaram.

    E relembrar no papel as horas passadas é – como se costuma dizer – viver outra vez.  

    — Morreu o meu marido já há ano e meio. Eu estava sozinha. E estava aqui um pouco coisa… Para distrair, vou… a ver se sou capaz de escrever o livrinho da minha vida.

    Diz-se que escrever é viver duas vezes…

    — O meu livro começa assim: «Vou contar as minhas memórias da minha vida. Primeiro, são os meus pais…»

    Tchá Nazaré só estudou até à 4ª classe, mas sempre gostou muito de ler e de escrever.

    — Já não tenho mãe nem pai nem… nem sogros. Os meus sogros também eram muito bons. Não tenho nada. O meu sogro foi à guerra da… da… da…

    O sogro, António Pereira, foi um dos 24 homens de Montalvão que combateram na Grande Guerra.

    Embarcou para França no dia 23 de Março de 1917.

    A presença portuguesa na Grande Guerra: carne para canhão.
    (Foto: D.R.)

    Era o soldado maqueiro número 290.

    Integrava o 3º Grupo de Companhias de Saúde – Companhia Automóvel de Transporte de Feridos.

    Esteve várias vezes internado, mas acabou por regressar a casa depois do conflito. Mais precisamente a 19 de Maio de 1919.

    O facto de ter ido encomendar-se a Nossa Senhora dos Remédios na ermida do outro lado de Montalvão é uma coincidência (ou talvez não).

    A devoção à Senhora dos Remédios ainda é uma realidade apesar de a padroeira da terra ser Nossa Senhora da Graça.

    Ao cimo da rua Tchá Mourata.

    93 anos cheios de alento.

    É dia de ir buscar os remédios ao posto (ao lado de mais uma casa à venda), que depende da farmácia de Gavião.

    A caminhada a passos vagarosos é uma forma de enganar o tempo e as agruras do presente.

    Tchá Mourata cumpriu-se sem lamúrias. Já perdeu o marido e 3 filhos.

    A memória viva de Montalvão.
    (Foto: Captura a partir de imagem de Rui Pereira/TVI)

    — Não há mas é aqui quase ninguém. É uma terra boa e nós somos da geração maior que cá há. Dos Zabumbas, que é a geração do meu primo. Sabe… tudo gente boa. Está-me a filmar…

    A velhota sorri. Um sorriso franco e jovial.

    — É uma terra boa para os velhos? — ouso perguntar, maneira de meter conversa.

    — É, sim senhor. A nossa terra é saudável, a nossa vila.

    — E o que é que falta?

    — O que é que falta? Falta-nos aqui muita coisa. Não temos cá um transporte. Não temos cá nada!

    — Antigamente havia mais gente aqui. Na nossa vila não havia casas que chegassem. Agora, está tudo de sobra…

    O poder central — em vez de alargar os horizontes, que continuam a definhar — esqueceu-se, ignorou a raia…

    Montalvão é uma povoação excomungada. Mais uma…

    No espaço de meio século deixou de haver progresso e crescimento demográfico por estas bandas.

    Montalvão é um território envelhecido e economicamente deprimido…

    Empregos, aqui, só os do lar da Santa Casa (o costume!), da junta de freguesia e da exploração agrícola.

    Rogério Belo tomou posse há pouco tempo como presidente da Junta.

    Rogério Belo
    (Foto: Captura a partir de imagem de Rui Pereira/TVI)

    É um homem da terra decidido a combater o isolamento e o desconsolo. E a morte programada…

    — A prioridade, hoje, como presidente da Junta de Freguesia de Montalvão é tentar inverter o sentido do envelhecimento populacional. Montalvão tem perdido população. Já não é de hoje. É de há vários tempos. Temos de dar dignidade aos mais velhos e tentar puxar os mais novos para a aldeia.

    Puxar os mais novos para a aldeia para cuidarem dos mais velhos.

    Pode ser essa a solução para Montalvão não morrer. É preciso encontrar respostas políticas e técnicas, começando pelo acesso às comunicações.

    O presidente da junta, por exemplo, tem de ir para o meio da rua para poder usar o telemóvel.

    A construção da ponte sobre o rio Sever (entre Montalvão e Cedillo, em Espanha) – um investimento de 9 milhões de euros, cujo contrato de financiamento foi assinado este ano, – não só aproximará o Alentejo da vizinha Extremadura, mas terá ainda impactos económicos e sociais em toda a raia.  

    A fronteira que existe só está aberta ao fim-de-semana. É a única fronteira privada da Europa, aliás. Ver para crer…

    A eléctrica espanhola Iberdrola decide quando e como os cidadãos podem passar. E decide ainda qual é o caudal do rio…

    A única fronteira privada da Europa!
    (Foto: Captura a partir de imagem de Rui Pereira/TVI)

    Tchá Graça.

    80 anos.

    O seu destino, esta tarde é o Chão da Porta de Baixo.

    — Venho aqui para a horta para não estar todo o dia lá em casa. E, assim, corto… Se eu me levantasse e não saísse de casa chegava a pontos que… que sei lá o que eu era. E, assim, não…

    A horta é um paraíso que requer muita labuta, mas ela quer lá saber…

    Tchá Graça não vai em mexericos!

    — Gosto de mexer na terra. Gosto de ver as coisas a nascer. Gosto de as colher quando elas são bonitas. Gosto. (Ri-se) É assim: gosto!

    A horta é remédio santo para matar a solidão, esquecer os desenganos e os sonhos de antanho ou nem por isso…

    Tchá Graça
    (Foto: Captura a partir de imagem de Rui Pereira/TVI)

    — A gente dantes não tinha, se calhar, nem sonhávamos… Sonhávamos logo com o que tinhamos de ser porque eu até podia ter ido para a estudar, que a minha professora foi pedir ao meu pai que me levava para casa dela para eu estudar lá e que não me levava nada de pensão. Mas eu tinha dois irmãos mais velhos. Que não podia estudar, não podia. O meu pai disse logo que não podia fazer isso porque tinha lá dois filhos homens e não tinham ido a estudar. Não podia mandar a filha. E, pronto, fiquei assim…

    As quimeras da adolescência resistem ao tempo.

    — E levou muitas reguadas?

    — Ai, não…

    — Tem cara disso…

    — Não. Não. Não. (Esboça um sorriso) Não levei. (Ri-se) Era uma menina muito bem comportadinha! (Ri-se muito) E ainda hoje sei muitas lições de cor. (Ri-se)

    — A primeira do livro da 4ª classe: «Olha, lá vai o Gonçalo.» Quer mais? (Desata a rir)

    Quero mais.

    — Olhem: lá vai o Gonçalo caminho da Escola… além… Vamos depressa apanhá-lo, vamos com ele também. Tem sido meu companheiro da primeira à quarta classe: pontual como o primeiro, nunca vi que ele faltasse! É bondoso e aplicado cortês e respeitador; por isso é tão estimado pelo nosso professor. Não é tolo nem se gaba de saber sempre as lições; conforme começa, acaba, modesto, em pretensões. Lá vai: nunca se demora no caminho a conversar, chega sempre antes da hora: — é um aluno exemplar! Rapazes! vamos a ver se sabemos imitá-lo!… se podemos proceder em tudo como o Gonçalo.

    A instrução primária de antigamente…
    (Foto: Rui Araújo)

    Santo André.

    A manhã vai alta.

    Tónho Foguete.

    Tem 74 anos.

    Foi pescador, funcionário público, lavrador e contrabandista.

    — Agora é para eu falar, não é? Ah… Apanhávamos aqui 30 quilos de café e íamos… apanhávamos depois do sol posto. E depois chegávamos a Cedillo à meia-noite. Tomávamos uma sandes de cavala e uma cervejinha e vou de carga em cima: galletas ou garrafas de cognac ou uísque. Quando era galletas, a gente vinha bem. Ou alpargaitas ou isso, vinha bem. Agora quando era  garrafas de cognac a gente via-se à rasca para… para chegar cá. Chegávamos aqui à volta das 5 da manhã… (Ri-se) e o meu pai andava já pelo rio…

    Escuto o meu entrevistado bonacheirão e assaz divertido.

    — Ele já andava burrico (significa“zangado”). Tinha muito medo da Guarda Fiscal. (Ri-se) E… E depois, ele um dia de manhã caçou-me. Bom, então tu andas nesta vida? Que eu andava no contrabando… (Ri-se) Untou-me quase o pêlo. E depois ficámos amigos outra vez. É assim a vida!

    É mesmo…

    Passavam pela cascata da Marineta, atravessavam o rio a pé e depois calcorreavam as veredas espanholas até Cedillo, o destino.

    —Uma vez, quando a minha irmã tinha 12 anos, fomos ali mais a minha mãe a Cedillo e depois aconteceu uma coisa. A minha mãe trazia uns sapatinhos para a minha irmã, tinha ela 12 ou 13 anos. Trazia uns sapatinhos… Ah… Um Guarda tanto esteve ali, coiso, Ah, a Senhora leva qualquer coisa na barriga. E a… minha mãe chegou lá atrás. Tome lá os sapatos que era para a minha gaiata. Para a minha gaiata… Pronto. Eu depois digo assim: Eu não deixo que tu caias da mota. E ao fim de pouco tempo caiu da motorizada. (Ri-se) Seria eu que lhe roguei a praga?

    Por mais que a gente não acredite, sempre há coisas…

    Tónho Foguete.
    (Foto: Captura a partir de imagem de Rui pereira/TVI)

    Por precaução, torno ao presente.

    — E agora? Como é que é a sua vida? Já não é contrabandista…

    — Não. Já estou reformado. (Ri-se muito)

    O que importa é viver. E viver bem de preferência.

    Montalvão é uma aldeia no fim do mundo, mas é sobretudo uma dessas terras de Portugal onde pegamos de estaca.


    NOTA:

    Reportagem emitida originalmente na TVI, em Dezembro de 2021 [VER AQUI].


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  • Europeias: com os votos das legislativas, Chega terá quatro deputados, enquanto comunistas e PAN desaparecem

    Europeias: com os votos das legislativas, Chega terá quatro deputados, enquanto comunistas e PAN desaparecem

    Nenhuma eleição é igual a outra, mas com a proximidade das Europeias a distribuição dos votos do passado domingo servirão como referência, pelo menos psicológica. O PÁGINA UM foi ver como ficariam distribuídos os mandatos para eurodeputados se as percentagem das eleições de Junho fossem exactamente semelhantes às do passado domingo. Há duas ‘expulsões’ quase certas e duas estreias garantidas, uma delas fulgurante. Conheça também algumas estórias sobre os sufrágios que se iniciaram em 1987, e que não parecem muito estimulante para os portugueses, que os ‘brindam’ com taxas de abstenção que já suplantam os 60%.


    Daqui a cerca de três meses os portuguesas serão chamados de novo às urnas. Pela nona vez desde a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia – que evoluiu até à actual União Europeia –, apresta-se a mais uma dança de cadeiras para eleger 21 representantes portugueses para integrar 705 deputados no Parlamento em Bruxelas (e Estrasburgo e Luxemburgo). E, embora as comparações com sufrágios internos possam ser falíveis, não será muito provável, devida à estreita proximidade temporal, que haja grandes diferenças entre os resultados das recentes eleições legislativas – que quebraram, pela segunda vez em democracia, o bipartidarismo clássico – e as eleições para o Parlamento Europeu. Excepto, claro, como disse certo dia Marcelo Rebelo de Sousa, se Cristo descer à Terra.

    Nas eleições do parlamento europeu não se aplica os círculos distritais – que, claramente prejudicam os partidos mais pequenos –, entrando todos os votos para o ‘bolo nacional’, mas existe um óbvio obstáculo: como agora são apenas eleitos 21 deputados – já chegaram a ser 25, em 1994 –, mostra-se necessário, em princípio, pelo menos, uma votação a rondar os 3,7% para garantir um eurodeputado.

    view of stadium interior

    Porém, esse valor mínimo depende de outros factores, entre os quais a própria distribuição dos votos, por via do uso do método de Hondt, e que beneficia sobretudo os maiores partidos. Até agora, somente em 1987 – as primeiras eleições europeias em Portugal – houve três partidos a ultrapassarem os 15%, sabendo que os dois maiores (PS e PSD) costumam, mesmo nos maus sufrágios estar acima dos 20% e nos bons acima dos 30%.

    No sufrágio de estreia para a Europa, Francisco Lucas Pires, encabeçou a lista de um ainda pujante CDS e conseguiu 15,4%, ficando a cerca de sete pontos percentuais do PS (com Maria de Lourdes Pintasilgo como cabeça de lista), numas eleições ganhas pelo PSD (com Pedro Santana Lopes a liderar a lista), que obteve 37,45%.

    Apesar disso, e estando então em jogo 24 eurodeputados, o CDS somente conseguiu quatro mandatos (razão de 3,85% por deputado), ficando o PS com seis (razão de 3,75% por deputado) e o PSD com 10 (razão 3,75% por deputado). Neste sufrágio, a CDU conseguiu 11,5% e elegeu três eurodeputados (razão 3,83% por deputado), enquanto o PRD, já em ‘queda’, ainda elegeu um eurodeputado (Medeiros Ferreira) com 4,5% dos votos.

    Saliente-se que estas eleições para o Parlamento Europeu – que elegeram deputados por apenas dois anos, e não cinco como habitualmente, por via da adesão recente de Portugal à CEE – tiveram uma ‘proximidade absoluta’ com as legislativas antecipadas desse ano, por via da queda do Governo minoritário de Cavaco Silva em resultado de uma moção de censura do PRD. Coincidiram na data. E os resultados não foram exactamente semelhantes porque as circunstâncias e os protagonistas eram muito especiais.

    Com efeito, nas legislativas de 1987, Cavaco Silva arrecadaria a sua primeira maioria absoluta, com uns estrondosos 50,2%, e a grande diferença com o sufrágio para o Parlamento Europeu surgiu da capacidade dos sociais-democratas de ‘capitalizarem’ nas urnas para a Assembleia da República os votos dos centristas. O então líder do CDS, Adriano Moreira, somente conseguiu 4,44%, ou seja, cerca de menos 11 pontos percentuais do que o seu ‘camarada’ Lucas Pires nas europeias, enquanto Cavaco Silva suplantou em quase 13 pontos percentuais a votação de Pedro Santana Lopes. O actual presidente da autarquia da Figueira da Foz referiu, mais tarde, que a estratégia do PSD foi de priorizar as legislativas, mesmo do ponto de vista de materiais de campanha eleitoral. Nos restantes partidos que então elegeram eurodeputados (PS, CDU e PRD), as diferenças entre os dois sufrágios foram mínimas.

    Denotando, este exemplo de 1987, a importância dos cabeças-de-lista apresentados pelos diversos partidos, certo é que nunca, como em 2024, houve um quadro político em vésperas de eleições europeias em claro ‘tripartidarismo’. Hoje, a situação apresenta algumas similitudes com aquela saída das eleições de 1985 – com o PRD próximo dos 20% e PSD e PS então também abaixo dos 30% –, mas as Europeias realizaram-se dois anos depois, em 1987, quando o PRD cometera um ‘harakiri’ político ao fazer cair o Governo minoritária de Cavaco Silva.

    Pedro Santana Lopes, aos 31 anos, foi o primeiro vencedor das primeiras eleições para o Parlamento Europeu em Portugal, no ano de 1987, obtendo 37,45%. Mas a sua vitória foi ofuscada por coincidir com as eleições legislativas, onde Cavaco Silva ‘cilindrou’ a oposição, conseguindo uma maioria absoluta com 50,2%. Imgem: RTP Arquivo (debate contra Maria de Lourdes Pintasilgo)

    Por esse motivo, mostra-se interessante olhar como será a distribuição dos 21 mandatos no Parlamento Europeu nas eleições do próximo dia 9 de Março com as exactas percentagens obtidas pelos partidos nas recentes eleições legislativas. Assim, se no domingo as notícias não foram nada favoráveis aos comunistas, então para as Europeias afiguram-se dramáticas. Com efeito, contas feitas, com a distribuição dos outros partidos, os 3,3% da CDU no passado domingo serão insuficientes para eleger um eurodeputado. Se se mantivesse a abstenção nos 33,7% registada no domingo – nas Europeias a abstenção tem ultrapassado os 60% –, os comunistas necessitariam de mais cerca de 20 mil votos para ‘sacar’ um mandato. Saliente-se que os comunistas (em coligação com o PEV) têm actualmente dois eurodeputados e representação no Parlamento Europeu desde 1987.

    Obviamente, se a CDU conseguir Governo os 202 mil votantes do domingo passado e só forem votar os 3,3 milhões de eleitores das Europeias de 2019, então ficará com cerca de 6% do total, garantindo facilmente um mandato. Mesmo assim muito longe dos históricos 14,4% de Carlos Carvalhas em 1989, que permitiu a eleição de quatro deputados, incluindo um (Maria Santos) do Partido Ecologista Os Verdes, parceiro habitual dos comunistas.

    Porém, neste exercício de projectar as percentagens das recentes legislativas para o universo das próximas Europeias, a CDU não será o único partido com assento parlamentar em Portugal a não ter representação no Parlamento Europeu. Também o Livre – cujo co-líder, Rui Tavares, foi já eurodeputado pelas listas do Bloco de Esquerda em 2009, desvinculando-se depois em 2011 – não conseguirá qualquer mandato europeu se mantiver os 3,26% do domingo passado. E quanto ao PAN mais difícil ainda se torna: os 1,93% em Europeias valem nada. Perspectiva-se assim a perda do seu único eurodeputado eleito em 2019 com 5,08%.

    Quanto ao Bloco de Esquerda – que desde 2004 está no Parlamento Europeu, tendo chegado mesmo a eleger três deputados em 2009 –, manter-se-á em Bruxelas se obtiver nas Europeias os 4,46% das Legislativas do passado domingo. Porém, reduzido a um representante.

    Francisco Lucas Pires em 1987, como cabeça-de-lista do CDS en , foi quem maior percentagem de votos alcançou em eleições europeias (15,4%) a seguir aos ‘dois grandes’. Será esta faquia ultrapassada nas eleições de Junho?

    Quem também perderá deputados, caso tenha a mesma percentagem das Legislativas, será o Partido Socialista. Em 2019, os 33,38% resultaram em nove deputados, mas os 28,66% de agora darão apenas para sete. A perda de dois deputados dever-se-á sobretudo aos acertos finais para distribuição dos últimos mandatos.

    Já a Aliança Democrática, com os 29,49% de domingo passado, ficará com oito deputados, o que se traduz num ganho líquido de apenas um eurodeputado se considerarmos o somatório dos mandatos saídos das eleições europeias de 2019, onde PSD conseguiu seis deputados e o CDS apenas um. Aliás, é neste caso que se mostra a vantagem das coligações (se não forem ‘tóxicas’) em termos de optimização da distribuição dos mandatos pelo método de Hondt: em 2019, se se somarem os votos individualizados de PSD (21,94%) e CDS (6,19%), a razão percentagem por deputado fica em 4,0%, enquanto com os 29,49% – que dariam para oito deputados – essa razão passa para 3,7%.

    No caso da simulação do PÁGINA UM, esta união mostra-se mais relevante: mesmo com perda de influência eleitoral do CDS – que regressou à Assembleia da República à boleia da AD –, com a distribuição de votos nas Legislativas de domingo passado, o 21º deputado nas Europeia seria ‘entregue’ à Aliança Democrática por uma diferença de cerca de 20 mil votos. Ou seja, sem os centristas – que valem certamente mais de 20 mil votos –, o PSD elegeria sete eurodeputados, tantos como o PS.

    Simulação da distribuição dos eurodeputados pelo método de Hondt se os diversos partidos tivessem os mesmos votos das legislativas (ou, obviamente, as mesmas percentagens). Análise: PÁGINA UM, a partir do simulador do Ministério da Administração Interna.

    Quem entrará seguramente no Parlamento Europeu se mantiverem as percentagens das Legislativas serão a Iniciativa Liberal e o Chega. No caso dos liberais – que em 2019 tiveram apenas 0,88% nas Europeias, com Ricardo Arroja –, os 5,08% são largamente suficientes para recolher um mandato, embora muito longe de um segundo.

    Quanto ao Chega, a estreia vai ser bastante auspiciosa: os 18,06% de domingo darão para quatro mandatos, o que constitui, descontada a eleição de 1987, a estreia mais fulgurante de um partido português no Parlamento Europeu. Com efeito, estas serão as primeiras eleições europeias para o Chega, embora André Ventura tenha sido candidato em 2019 na coligação Basta!, criada antes do final do processo de legalização do seu partido, e que integrava o Partido Popular Monárquico (PPM), o Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC) e ainda o movimento Democracia 21. Os 49.496 votos então obtidos por André Ventura deram apenas 1,49%, deixando-o muito longe de Bruxelas e sem a chama actual. Nas Europeias de 2019, Ventura destacou-se por ter faltado a um debate ‘à molhada’ na RTP com os candidatos dos pequenos partidos, optando por ir fazer comentário sobre futebol na CMTV.

    Em todo o caso – e como já referido nas eleições de 1987 para os desempenhos Cavaco Silva & Santana Lopes e Adriano Moreira & Lucas Pires –, muito vai depender não apenas da capacidade de segurar eleitores das Legislativas para as Europeias mas também dos cabeças-de-lista, embora não se esteja a ver que qualquer partidos consiga encontrar um ‘coelho’ para tirar da cartola e entusiasmar o eleitorado a seu favor.

    André Ventura concorreu em 2019 para as eleições parlamentares integrado na coligação Basta!, antes mesmo da legalização do Chega no Tribunal Constitucional. Agora, se mantiver a fasquia alcançada nas recentes legislativas, o Chega elegerá quatro eurodeputados.

    Mesmo se se mostra mais difícil em eleger um deputado para Bruxelas, em comparação com a eleição para a Assembleia da República, as Europeias têm sido palco de algumas surpresas e quase-surpresas, o que não será provável nas próximas. A maior surpresa ocorreu em 2014 quando o antigo bastonário da Ordem dos Advogados Marinho e Pinto aproveitou o seu mediatismo para integrar o Movimento Partido da Terra, conseguindo dois eurodeputados com 7,14%. Acabaria tudo em ‘divórcio’, e Marinho e Pinto criaria, um ano mais tarde, o Partido Democrático Republicano que nunca teve sucesso eleitoral interno, ‘evoluindo’ para a actual Alternativa Democrática Nacional (ADN).

    A maior quase-surpresa foi protagonizada por Miguel Esteves Cardoso (MEC) em 1987 – um ano antes de ter fundado, com Paulo Portas, o semanário O Independente, que tantas dores de cabeça daria a Cavaco Silva. Aos 31 anos, MEC foi candidato pelo Partido Popular Monárquico e obteve 2,77%, fazendo uma campanha eleitoral marcante. Dois anos mais tarde – numa altura em que o MDP-CDE (um histórico pequeno partido que depois acabaria fundido no Bloco de Esquerda) procurou surpreender com a candidatura do maestro António Victorino d’Almeida –, MEC fez nova tentativa, mas conseguiu somente 2,07%.

    Desconhecendo-se ainda, com excepção da Iniciativa Liberal, quem serão os cabeças-de-lista das próximas Europeias, convém salientar que, ao longo das diversas eleições, por lá passaram personalidades que acabariam mais tarde como primeiros-ministros, como Pedro Santana Lopes e António Costa. Ou então mesmo ex-primeiros-ministros, como foram o caso de Maria de Lourdes Pintassilgo e de Mário Soares (que foi também Presidente da República). No caso de Soares, a sua candidatura em 1999 enquadrava-se numa estratégia socialista, defraudada, de o colocar como presidente do Parlamento Europeu.

    António Costa detém, como cabeça-de-lista, a maior vitória nas eleições europeias. Em 2004 conseguiu 44,5%, superando por pouco o recorde de Mário Soares em 1999 (43,1%).

    O peso do socialista Mário Soares viu-se nessas eleições, obtendo, até então, a vitória mais expressiva em eleições europeias, com 43,07%, um valor que, em legislativas, daria para ‘sacar’ a maioria na Assembleia da República. Porém, como os mandatos das Europeias são atribuídos para todo o território, o melhor que o PS conseguiu foram 12 mandatos, metade daqueles a que Portugal tinha então direito.

    Acrescente-se que essas eleições de 1999, em pleno guterrismo, tiveram um ‘cartaz de luxo’: Mário Soares pelo PS, Pacheco Pereira pelo PSD  e Paulo Portas, pelo CDS, que ainda teve como antagonista (não eleito) o seu irmão mais velho, Miguel Portas, que não foi então eleito – seria quatro anos mais tarde.

    Cinco anos mais tarde, com António Costa a liderar a lista socialista, o recorde de Soares seria batido: o ainda actual primeiro-ministro conseguiu 44,57% nas eleições europeias de Junho de 2004, beneficiando da insatisfação popular ao Governo de Durão Barroso, que se demitiria no mês seguinte para ocupar o cargo de presidente da Comissão Europeia. Foi a última vez que qualquer partido superou a fasquia dos 40% – aliás, a partir dessas eleições nunca mais ninguém ultrapassou os 34%. E, provavelmente, se se mantiver a linha das eleições legislativas deste mês, pode suceder que nenhum partido utrapassse nas Europeias a fasquia dos 30%.


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  • TAP investiga ‘voo rasante’ sobre Nice

    TAP investiga ‘voo rasante’ sobre Nice

    Um voo da Portugália Airlines, que pertence ao grupo TAP, registou um incidente na sua descolagem de Nice, no passado Sábado. Num voo com destino a Lisboa, a aeronave, um Embraer, sobrevoou aquela cidade francesa a uma altitude demasiado baixa, de apenas 2.500 pés, ou seja, 762 metros. Também a trajectória do voo não foi usual. Fonte oficial da TAP revelou ao PÁGINA UM que a companhia está a investigar o incidente em “estreita colaboração com as autoridades francesas”. Mas a TAP garante que este incidente não está relacionado com um outro, recente, que envolveu um Airbus numa aterragem em Madrid, cujo caso também levou a uma investigação.


    Um voo da Portugália Airlines, do grupo TAP, fez uma razia sobre a cidade de Nice, no passado sábado, dia 9 de Março, voando a uma altitude demasiado baixa, numa rota não autorizada, o que levou à abertura de uma investigação por parte da TAP e das autoridades francesas.

    O incidente envolveu uma aeronave da Embraer, E190, e ocorreu logo após a descolagem de Nice, num voo com destino a Lisboa.

    Segundo o site de rastreio de voos Flightradar24 – o qual pode ser impreciso –, o voo TAP483 de Nice para Lisboa estaria apenas a 2.500 pés de altitude (762 metros) quando começou a sobrevoar o centro da cidade de Nice. A trajectória do voo aparenta também ter sido algo errática.

    Um Embraer E190 (Foto: TAP)

    O aparelho terá feito uma volta à esquerda após a descolagem, numa manobra não autorizada. Circulou sobre o centro de Nice, alarmando alguns residentes, antes de retomar ao seu plano de voo normal e autorizado.

    O incidente foi reportado pela France 3 Côte d’Azur que indica que o procedimento de descolagem do aeroporto de Nice aponta que uma aeronave, “a menos que autorizada de outra forma pelo ATC (Controle de Tráfego Aéreo), não sobrevoe a terra abaixo de 5000 pés (1500 metros)”.

    Fonte oficial da TAP afirmou ao PÁGINA UM que a companhia “já desencadeou um processo de investigação relativamente ao alegado incidente em questão e que envolve um voo da PGA, no sábado, dia 09MAR (TP483), à descolagem de Nice”. Segundo a mesma fonte, “o referido processo está a ser conduzido em estreita colaboração com as autoridades francesas”.

    Trajectória do voo TP483 sobre Nice, com uma manobra não autorizada e a baixa altitude.
    (Foto: Captura de imagem no site Flightradar24)

    A Autoridade de Aviação Civil (DGAC) francesa está também a investigar o incidente, disse Nicolas Boulay, director de navegação aérea da DGAC Sud-Est, ao Nice Matin, confirmando também que os pilotos não tinham autorização para efectuar a manobra sobre a cidade, tendo sido uma escolha do piloto ou erro do piloto.

    “Fomos imediatamente notificados. Essa trajetória está longe de ser compatível (com o plano de voo normal). O piloto teve que fazer a opção de não cumprir as obrigações por causa de problemas com as condições de voo, talvez o clima, como uma massa de nuvens, mas ainda não tivemos resposta”, disse a mesma fonte, citada pelo Nice Matin. “É muito cedo para dizer. Essa descolagem está a ser analisada e vamos ter conversas com a empresa para tentar entender o que aconteceu”, sublinhou.

    O incidente sobre Nice gerou relatos de algum espanto e alarme por parte de residentes, incluindo nas redes sociais. Um utilizador partilhou na rede X (antigo Twitter) uma imagem da manobra do voo da PGA no Flight Radar com a nota: “Que avião comercial é este [?] que passou a baixa altitude de oeste para leste sobre as colinas?”.

    Questionada sobre se este caso pode estar ligado a um outro, recente, que envolveu um Airbus A321LR, numa aterragem em Madrid no dia 3 de Setembro de 2023, a fonte oficial da TAP garantiu ao PÁGINA UM que “este alegado incidente não tem relação com qualquer outro”.


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