Etiqueta: Destaque Editorial

  • Gouveia e Melo, um almirante das casernas com um pensamento das cavernas

    Gouveia e Melo, um almirante das casernas com um pensamento das cavernas


    Cerca de três anos após sair da coordenação da task force do processo de vacinação contra a covid-19, depois de integrar, durante alguns meses, uma equipa chefiada por um político pouco talhado para a função e uma escassez inicial de doses, Gouveia e Melo continua a ser um putativo candidato a Belém, transportado num andor sobretudo pela imprensa.

    Ajudou, claro, a sua nomeação para o cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada, e também muito uma espécie de salvo-conduto que lhe permite não sair beliscado em contratações públicas esquisitas – sendo mesmo ‘abençoado pelo Tribunal de Contas – ou em poder botar faladura até em assuntos políticos, violando leis e decência, como se verificou na recente entrevista à RTP, onde surgiu fardado a preceito. Aliás, e não por acaso, com a imaculada brancura da farda da Marinha, e não com o ‘braçal’ camuflado dos tempos da task force.

    Para quem conhece o funcionamento da comunicação social – recordemos as palavras de Emídio Rangel, em 1997, que defendia a capacidade da SIC em vender tanto sabonetes como presidentes da República -, talvez não seja surpreendente que Gouveia e Melo se mantenha em boa posição para ocupar a cadeira de Belém, porque se continua numa lengalenga de endeusamento da sua persona.

    Em abono da verdade, Gouveia e Melo destacou-se com um bom operacional de logística, mas de menor valia do que um director dos frescos da cadeia do Pingo (porque ele tinha um só produto a escoar, já “vendido”, enquanto o homem da Jerónimo Martins tem muitos fornecedores, muitos produtos perecíveis a distribuir por muitas lojas, e sem garantias de vendas). Mas o mérito de Gouveia e Melo foi saber surfar logo a onda do populismo, quando, por exemplo, desbloqueou, sem ter competências para tal, e contra uma norma da DGS, a vacinação dos médicos não-prioritários, e nada fez quando o então bastonário da Ordem dos Médicos, o actual deputado social-democrata Miguel Guimarães, lhe comunicou que um político tinha sido vacinado sem estar na lista por “necessidade e oportunidade“. Uma imoralidade e sobretudo uma ilegalidade a que Gouveia e Melo jamais poderia fechar os olhos. Mas fechou por lhe ter sido conveniente: foi recebendo elogios e ‘prebendas’ públicas.

    O PÁGINA UM revelou muitas destas situações, depois de uma luta que envolveu o Tribunal Administrativo de Lisboa, mas o mais que se conseguiu foi o silêncio de uma imprensa cúmplice (e criadora de um herói) e um processo judicial do agora almirante por difamação.

    Gouveia e Melo, um militar submarinista de quem jamais se saberia da sua existência física por nada se conhecer de relevante e edificante em termos da sua existência mental, teve, em todo o caso, o mérito de ser, além de bom operador de logística de um só produto, um especialista em marketing – ou, pelo menos, com bons ‘assessores’, alguns dos quais se encontram na imprensa, no activo, e/ ou em agências de comunicação.

    Num país decente, com democracia amadurecida, um militar com funções civis jamais se deveria apresentar como um militar nem sequer ambicionar cargos políticos. Não por uma questão de legalidade, mas de decência. É de um servilismo ofensivo achar-se, como Gouveia e Melo acha, que um país só se endireita perante uma farda – é exactamente o contrário: a ‘desmilitarização’ das sociedades constitui um sinal de evolução civilizacional, de elevada democraticidade e de estabilidade social. Um militar decente deve perceber isso quando entra na carreira militar e, sobretudo, quando vai subindo até chegar à reforma em lugares de topo da hierarquia.

    Mas Gouveia e Melo não mostra decência porque até usou intencionalmente uma farda militar para se aformar numa tarefa civil, mas não uma farda qualquer. Quando esteve na task force, usou um camuflado, que nem é propriamente a indumentária que se associa à Marinha. Quando esteve na televisão, na entrevista à RTP, usou indumentária branca com todas as insígnias e mais algumas.

    A postura messiânica de Gouveia e Melo, auto-alimentada – e que teve o seu ‘momento Mário Soares‘ em Odivelas, numa versão soft, no decurso de uma estúpida e contraproducente manifestação contra a vacinação das crianças (não pelo sentido, mas porque assim o transformaram num mártir) – mostra-se bem patente numa entrevista em Junho de 2021 ao jornal Sol. É aqui que o agora putativo candidato a Belém melhor se dá a conhecer, e também onde consegue revelar o pior que tem, que é muito para o pouco que dá.

    Disse ele que aceitou as funções de coordenador “porque o país precisava e eu tenho ‘skills’ que podiam ser úteis”, relembrando que considerava ser “serôdio” o letreiro nos submarinos que dizia: “A Pátria honrai que a Pátria vos contempla”. E é mais do que serôdio nos tempos que correm, é patético; mas Gouveia e Melo dizia na entrevista que evoluíra, e que como era militar, se fosse “necessário defender o meu país, não posso falhar”. Os ‘civis’ devem pensar o contrário, quando têm defronte de si tarefas civis, certo?

    Aliás, no que toca à pandemia, somente um país obtuso poderia achar que questões de Epidemiologia e gestão de uma crise sanitária estava ao nível de uma guerra. Numa época em que se exigia racionalidade e Ciência sem peritos comprometidos, tivemos um vice-almirante a ditar bitates.

    Veja-se este trecho sempre na primeira pessoa, como se fosse um John Ioannidis saído de um submarino: “Estou a fazer gráficos em que vejo a taxa de vacinação por concelho e a incidência por concelho. E olhando para os dados das últimas três semanas, a média acumulada em 14 dias por cem mil habitantes e a média acumulada da semana passada estão exatamente com o mesmo comportamento relativamente à percentagem de vacinação. Ou seja, a variante propaga-se mais mas é igualmente contida pela vacinação. Pelo menos, por enquanto não estou a notar isso. O que noto, à data de hoje e com os dados que tenho, é que em termos de mortalidade as vacinas continuam a proteger a população. O que acontece é que há pessoas que estão a apanhar porque só têm uma dose e uma dose protege pouco, sobretudo com a dose da AstraZeneca, e é isso que eu estou a acelerar agora a processo. E quando digo que protege pouco, é relativo. Protege muito, deixa é escapar alguns. Se tiverem as duas doses não deixa escapar nenhum.”

    Ou este trecho, ainda: “Tenho concelhos com 70 por cento de vacinação já feita, concelhos muito pequeninos, e olhando para eles a incidência está a baixar imenso, está abaixo de 60. Quando olho para os 308 concelhos e vejo uns com maior incidência, vou  ver os dados e têm pouca vacinação. A maior incidência é nos concelhos mais populosos porque não há vacinas para avançar com o ritmo como desejávamos. De qualquer forma, estamos a 50 por cento de segundas doses. Metade da população portuguesa já recebeu uma dose. E 30 por cento, duas doses. Agora eu gostaria de poder acelerar mais. Aliás eu gostaria de ter podido acelerar mais atrás. Porque como foram adiando a entrega das vacinas, e isto foi constante, fez-me perder tempo para trás. Se me tivessem dado aquelas vacinas na altura que me estavam prometidas eu já estaria em 60 ou 65 por cento de vacinação”.

    Visto à distância, um militar submarinista sem formação neste sector falar desta forma mostra-se tristemente anedótico; e somente comparável à patetice de termos tido uma directora-geral da Saúde, Graça Freitas, que parvamente se orgulhava de não saber trabalhar com computadores, e daí com conhecimentos zero em Epidemiologia e sem arcaboiço sequer para se assumir como Autoridade Nacional de Saúde durante uma crise sanitária de três anos.

    Mas nessa entrevista, Gouveia e Melo lança mais pérolas sobre o seu pensamento, assumindo que olhava para a tarefa como se fosse “um submarino”, o que não deixa de ser uma excelente mas triste imagem da realidade, porquanto, de facto, ficámos reféns daquilo que foi dissertando, imiscuindo-se em temas que não controlava nem deveria controlar, promovendo a perseguição de quem optava por não se vacinar, não cuidando da prudência quando a AstraZeneca começou a dar problemas e até incentivando pais a vacinar filhos e a Direcção-Geral da Saúde a dar autorizações, pois o que ele queria era vacinar, vacinar, vacinar. O seu objectivo eram números.

    Mas há afirmações e ‘teses’ ainda mais graves na entrevista ao Sol, e que revelam a sua faceta verdadeira, incompatível com um Chefe de Estado, mesmo se as funções presidenciais são já quase simbólicas. Com efeito, Gouveia e Melo chega a dar uma explicação verdadeiramente marialva e até misógina sobre o seu alegado sucesso na task force: “Por exemplo: eu sou alto, visto uniforme, tenho voz de comando e sou assertivo. Só essas quatro coisas ajudam logo o processo. Depois, tenho ideias, desenvolvo-as e sou obsessivo. Faço o que tiver de fazer e sou impiedoso com os malandros. Sou super piedoso para as pessoas que fazem bem, erram, mas deram tudo.” Presume-se assim que um homem baixo e sem uniforme, não terá hipóteses de ser líder, mesmo que tenha voz de trovão e discurso assertórico. Quanto às mulheres, enfim, presume-se que não entrem no ‘clube’ de Gouveia e Melo, homem cheio de “ideias”, mesmo que não saibamos quais são, excepto quanto à peregrina ideia de reinstalar o Serviço Militar Obrigatório para enfrentar a ameaça russa e o desemprego.

    A entrevista de Gouveia e Melo ao jornal Sol em Junho de 2021 é antológica sobre quem é e o que pensa o putativo candidato a Belém.

    Porém, a ‘melhor’ parte da entrevista ao Sol para percebermos a sua mentalidade é quando Gouveia e Melo fala no “snobismo” dos ingleses, nos franceses “chauvinistas” e mostra a pouca simpatia que nutre aos alemães porque tem “família judaica”. Pergunto ao ChatGPT como classifica alguém com este discurso. Respondeu-me prontamente a ‘inteligência artificial’:

    A pessoa que fez essa declaração pode ser classificada como alguém com uma visão estereotipada e preconceituosa em relação a diferentes nacionalidades. A fala demonstra generalizações negativas e julgamentos sobre grupos inteiros com base em nacionalidade, associando características como ‘snobismo’, ‘chauvinismo’ e uma atitude punitiva contra alemães por causa de uma conexão pessoal com o passado histórico do povo judeu.

    Esse tipo de discurso reflete xenofobia, que é a aversão ou preconceito contra pessoas de outras nacionalidades, e pode também revelar traços de etnocentrismo, que é a tendência de julgar outras culturas ou nações com base em padrões e valores próprios, colocando-os como inferiores. Além disso, a menção de vingança contra alemães pela história familiar judaica pode estar relacionada ao trauma histórico, mas o uso dessa justifica[ção] para generalizar uma atitude hostil a um povo também perpetua ciclos de ódio.

    Em resumo, a fala revela um preconceito nacionalista e uma dificuldade de ver as pessoas como indivíduos, em vez de como representantes de estereótipos nacionais”.

    Não querendo dizer mais, concluo que se o putativo candidato Gouveia e Melo, metido na liderança das sondagens (que sabe Deus como são feitas), surfando o populismo montado numa ‘imprensa favorável’, vier a suceder a Marcelo Rebelo de Sousa, garantido está que teremos um ‘presidente das casernas’ com um pensamento das cavernas.


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  • Esse fogo que arde e que se vê

    Esse fogo que arde e que se vê


    Manhã quente e sombria, aquela em que se desperta para uma paisagem cinzenta, morta e quebrada. O ar é de guerra, de fumo e cinza negra que entranha no cabelo, na pele, nas narinas. Na alma.

    Perco já a conta aos Verões a ler e a escrever sobre fogos, incêndios, vidas perdidas, vidas destruídas. As notícias sobre bombeiros cercados. Os contactos com a Protecção Civil. As forças policiais. Os diferentes Ministérios. As notícias sobre o que se pode ir fazer junto das seguradoras. A ausência de seguros. Os interesses económicos que se escutam aqui e ali. Porque tudo é negócio. Até nas desgraças, há sempre quem tenha lucro.

    Se ao menos as florestas e o mato fossem petróleo, ouro ou minas de diamantes… Haveria talvez outro cuidado, outro tipo de vigilância, outra estratégia de protecção. Mas não são. São silvas, ervas, eucalipto, pinheiros. São hortas, campos cultivados. São casas onde vive gente. São galinheiros, coelheiras. São fábricas onde trabalha gente. São caminhos antigos amigos de pastores. São ovelhas, patos e porcos, gado…

    Há falta de civismo. Há falta de meios. Há falta de cuidados. Há negligência. Há falta de dinheiro para pagar a guardas e vigias. Para mais carros, aviões e helicópteros para apagar os fogos quando ainda se vai a tempo de salvar o que importa. E há crimes.

    Mas há, sobretudo, falta de amor. Falta de amor pelos campos, pelas florestas. Pelos rios e nascentes subterrâneas. Pelas gentes. Pelas cidades, vilas e aldeias. Pelas fábricas que empregam gente. Pelas escolas que ainda têm alunos, professores e auxiliares. Pelos hospitais. Pelos quartéis e pelos bombeiros. Pelos postos de GNR e os agentes. Falta de amor pelas estradas e caminhos. Pelos animais. Pela natureza.

    Porque, quando se ama, quando há amor de verdade… há carinho e há cuidado. Amamos e cuidamos. E cuidamos do que amamos. Se não, não é amor. Pode ser interesse. Pode ser dependência.

    O amor nota-se e é evidente. Vê-se exteriormente. Nas acções.

    Como se repete o inferno todos os anos? Como é que ainda se morre a combater fogos na era dos drones, dos aviões sem piloto, dos satélites, da inteligência artificial? Como?

    Como é que se deixa ainda terra ao abandono, à sua sorte e à mercê das desgraças?

    Os seguros não pagam o que se perde. Não recuperam o que se perdeu. Não se recuperam as vidas perdidas a defender casas, floresta, animais e gente. A defender o país.

    Esta é uma guerra. Mas não é só uma guerra contra o fogo, que mata e destrói. Mas uma guerra contra nós próprios. Porque dói, mas a verdade é que temos sido cúmplices destes incêndios malditos. Porquê? Porque fechamos os olhos à negligência, aos interesses. Toleramos a falta de civismo e o abandono das terras, das casas, da floresta.  Porque calamos quando se soltam criminosos e permitimos que a Justiça seja branda com o crime. Por que só nos interessamos pelo nosso quintal. Porque aceitamos que se gaste dinheiro público em merdas. Sim, em merdas. É só olhar para os milhões que se esvaem para empresas falidas, mas que pagam bons salários a gestores amigos dos partidos no poder. Para os milhões em almoços, jantares, festas e banquetes e recepções. Em carros topo de gama e carrões para autarcas e governantes passearem em contínua campanha eleitoral. Os milhões enterrados em bancos e para tapar buracos abertos por créditos a amigos do poder. É só consultar o Portal Base e perceber que há dinheiro. O que não há é amor suficiente. Pegue-se no dinheiro disponível e numas migalhas de amor e as notícias nos Verões passarão a ser diferentes.  

    Porque esta guerra não se vence só com mais canhões de água, bombeiros e aviões. Há que almejar protegermos e mantermos vivo tudo o que amamos. Prevenir, proteger, cuidar. E desejar, verdadeiramente, sem populismos e sem mais merdas, a Paz.

    Porque o amor é um ‘fogo’ que arde e que se vê. Todos os dias. Nos cuidados e no carinho que demonstramos pelo que (e quem) mais amamos.

         


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  • Unanimismos e maniqueísmos, ou o colapso das democracias

    Unanimismos e maniqueísmos, ou o colapso das democracias


    Há assuntos onde proliferam estranhos unanimismos na imprensa (inter)nacional, que se iniciaram nos tenebrosos tempos da pandemia, quando se ausentaram as divergências de opinião e os argumentos dissonantes, que servem, as mais das vezes, para consolidar ou mudar opiniões.

    Veja-se o recente caso do ‘confronto’ entre Elon Musk, dono da rede social X, e Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil, que rapidamente redundou numa guerra ideológica maniqueísta de contornos absurdos numa democracia. Ou não assim tão absurdos, porquanto em 2020 e 2021 se viram os mais violentos atropelos da Constituição da República Portuguesa, mesmo sob a bênção do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, por triste ironia, um dos mais conceituados constitucionalistas.

    A forma enviesada como se tem vindo a debater o caso X vs. Brasil é, em todo o caso, paradigmática da cegueira e do desnorte da imprensa, que nem consegue disfarçar o ódio pela rede social de Elon Musk, que decidiu, porque pode, fazer um ‘manguito’ aos poderes do ‘quero, posso e mando’ – poderes esses muitos lestos em brandir a ‘extrema-direita’ como um vírus da democracia, quando, na verdade, têm atitudes que denotam tiques fascizantes com a censura à cabeça.

    Para ilustrar o viés da comunicação social em território nacional – que olha para o Brasil com uma simplicidade confrangedora (Bolsonaro é um diabo; Lula um santo) –, pegue-se numa peça no Público do jornalista João Ruela Ribeiro – e destaco: jornalista – sugestivamente intitulada “Suspensão do X no Brasil aprofunda debate sobre o poder das big techs”, onde salienta que “o Brasil não é o primeiro país a proibir as actividades de uma rede social, mas é a primeira grande democracia mundial a fazê-lo por incumprimento de sentenças”.

    Portanto, e sem sequer clarificar a tipologia destas sentenças (atípicas num país democrático), para este jornalista (e muitos outros), o Brasil destaca-se como o bêbedo na auto-estrada que ruma na pista errada: ele está certo e a culpa nem é dos outros, que insistem em rumar contra ele; é sim do Governo que não indicou aos outros condutores qual deve ser a via correcta. Quando só um país democrático faz o mesmo que ditaduras, basta o bom senso para se concluir não ser ele o único país democrático certo, não acham?

    Por outro lado, causa-me estranheza que, para este jornalista do Público (e muitos outros), a suspensão do X aprofunde o debate do poder das big techs, mas não a do poder incontrolado das Autoridades Políticas e Judiciais. O Público (e muitos outros) achou bem que as big techs censurassem em nome de Governos desde 2020, mesmo calando as violações da liberdade de expressão e de outros direitos fundamentais. E só agora acham que há desmesurado poder das big techs por haver uma rede social que faz agora finca-pé, porque em teoria há a possibilidade de, num país em regime democrático, fazer prevalecer direitos, liberdades e garantias. Convém dizer que fazer finca-pé perante uma ditadura é bem diferente; simplesmente se perde na ‘secretaria’, por isso uma ditadura é uma ditadura, não uma democracia.

    Alexandre de Moraes. Foto: DR

    Aliás, lendo a notícia do Público fica-se pasmado pelo facto de o jornalista (e muitos outros) achar normal que um juiz possa decretar a suspensão de contas de pessoas suspeitas de um determinado crime. Repito: suspeitas. São apenas suspeitas e já há um veredicto de um juiz para uma limitação futura de um direito fundamental como a liberdade de expressão? Acham bem só por se estar a falar de adeptos do Bolsonaro? Se assim for, vamos ter uma democracia onde os nossos antagonistas podem ser vencidos apenas calando-os, limitando-lhes os movimentos. E o que nos sucederá se um dia eles tomarem o poder? Podem usar o mesmo expediente? Podem fazer pior? Onde estará o limite se supostos democratas abrem a Caixa de Pandora? Ou afinal já estaremos numa ditadura e ninguém nos avisou?

    Chateia-me, aliás, cada vez mais no debate sobre direitos fundamentais, as associações ideológicas imediatas e acríticas com rótulos à mistura. Subjacente à questão Brasil vs. X, e seguindo a linha de muitos outros meios de comunicação social, o jornalista do Público diz que “no Brasil, a suspensão do X foi aplaudida pela generalidade da esquerda e condenada pela extrema-direita afecta a Bolsonaro, recorrendo aos mesmos argumentos usados por Musk”.

    Portanto, Musk – que até 2002 tinha concedido donativos de 574.500 dólares para os republicanos e 542.000 dólares para os democratas – passou a ser catalogado de extrema-direita [e reparem: na notícia do Público (e muitos outros) deixou de haver direita, incluindo conservadores, e já nem há centro nem liberais; é um “mundo” maniqueísta] por considerar que não cabe a um juiz decretar a suspensão do acesso a uma rede social mundial. Além disso, a notícia do Público (e de muitos outros) subliminarmente mete, sem pestanejar nem necessitar de justificação, um rótulo maléfico (anti-democrático, supõe-se) a quem, sendo ideologicamente de esquerda, questiona esta medida estapafúrdia numa democracia.

    Elon Musk. Foto: DR

    Aliás, nem sei o que é “a generalidade da esquerda”, aquela que concorda com a medida censória de Alexandre de Moraes, mas tendo eu muitos amigos brasileiros de esquerda, e não tendo feito ainda qualquer sondagem digna desse nome, rezo para que a “generalidade” não ande a bater palmas a um juiz caprichoso.

    Em suma, com este tipo de postura da imprensa, as democracias não se perdem apenas através de golpes de Estado, mas sobretudo por corrosão e corrupção moral. Achar que a liberdade do outro pode ser condicionada porque é nosso inimigo, usando para tal condicionamento do poder político, judicial e mediático, e achar que se continua a ser uma democracia é o mesmo que considerar apropriado e coerente que a Coreia do Norte se chame República Popular Democrática da Coreia.


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  • O Estado quer salvar a imprensa? Seja então mais transparente e reforce a protecção dos jornalistas

    O Estado quer salvar a imprensa? Seja então mais transparente e reforce a protecção dos jornalistas


    “Numa altura em que é vital focarmo-nos na defesa do jornalismo sério e independente como pilar estruturante da democracia, importa pensar como o Estado pode ressarcir os media dos seus erros e do viés das suas políticas públicas”. Esta é uma das frases de um artigo de opinião de Francisco Rui Cádima, investigador do ICNOVA – Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa publicado na semana passada no jornal Público. Nem de propósito, ou muito a propósito, esta opinião surge num jornal que apresentou, no ano passado, prejuízos de 4,5 milhões de euros e o seu ‘mecenas’, o Grupo Sonae, já se cansa de encaixar resultados líquidos negativos desde 2017 da ordem dos 24 milhões de euros.

    A tónica de Francisco Rui Cádima apenas faz eco de um coro cada vez mais crescente da generalidade dos grupos de media, e mais os seus defensores, em reivindicar apoios ao Estado, ao mesmo tempo que se estabeleceu um forrobodó de práticas censuráveis. No sector privado dos media, com a excepção da Medialivre, assistimos a um absurdo de gestão financeira e de recursos, com jornalistas genericamente mal pagos, mas directores principescamente pagos, que republicam as mesmas notícias, os mesmos temas, as mesmas abordagens, numa cansativa e única perspectiva, não se destacando na mediocridade uma das outras. E no mercado, o público é soberano, e até as empresas, que de início apreciavam a promiscuidade das parcerias comerciais, olham agora com desconfiança para um ‘chão que já só dá para vinagre’.

    Sou defensor do jornalismo como um bem público, no conceito económico do termo, que, por trazer mais vantagens à sociedade do que o seu valor de mercado (concedido pelos seus clientes), merece apoio público. Mas cabe também ao Estado – e à sociedade – a capacidade de separar o trigo do joio, para que não cometa o viés de trazer vantagens às negociatas que se fazem através dos media. E, por esse motivo, sou e serei um opositor ferrenho de ‘salvar o jornalismo’ despejando dinheiro em mau jornalismo.

    A crise no sector dos media está longe de se dever ‘apenas’ à não-valorização do seu papel pelos consumidores, mas sim a uma crise de credibilidade. Quem acredita estarem a ser as redes sociais a causar a morte do jornalismo, estará a enganar-se a si próprio. A proliferação rápida de (suposta) desinformação pelas redes sociais surge porque a imprensa deixou de ser um ‘porto seguro’ de credibilidade. Se antes se podia ‘emprenhar pelos ouvidos’ num café entre amigos, mas o que se se ouvia nesses ‘mentideros’ caía numa consulta dos jornais; agora, tal deixou de ser uma garantia. Actualmente, num misto de ignorância e de notícias ideologicamente enviesadas, temos necessidade de recorrer à fonte para saber se uma determinada ‘informação’ que nos chega é verdadeira ou falsa, quer seja transmitida por um post viral ou por uma ‘notícia’ da imprensa mainstream. Este é o drama; esta é a causa da crise.

    E essa é a crise – e não se resolve despejando ‘dinheiro público’, sobretudo quando o ‘leitmotiv’ aparenta ser uma «boia de salvação’ de grupos de media em dificuldades, alguns dos quais, com a Trust in News e a Global Notícias à cabeça, deveriam até já ter desaparecido literalmente, por uma questão de sustentabilidade ética do mercado, de integridade do jornalismo e de abertura de espaço para novos players.

    Marcelo Rebelo de Sousa, no V Congresso dos Jornalistas. O evento, que foi patrocinado e ‘apoiado’ por mais de uma dúzia de entidades públicas e privadas, incluindo empresas e bancos, exigia o pagamento de entrada a jornalistas interessados apenas em cobrir o congresso, o qual teve ainda o ‘Alto Patrocínio’ da Presidência da República. Foto: D.R.

    De entre as soluções de apoios do Estado sugeridas, concordo com duas: tornar gratuito, mas apenas para os pequenos órgãos de comunicação social, o acesso ao material fotográfico da Agência Lusa; e permitir que os cidadãos possam decidir, através de uma espécie de ‘voucher imprensa’, quem, de entre os diversos órgãos de comunicação social, merece receber os apoios estatais. Só assim se corrigirão erros e vieses de um bem público como é a imprensa. Se a opção for burocrática e política, com o Governo a distribuir dinheiro e prebendas pelos ‘suspeitos do costume’, a tal correcção das ‘falhas de mercado’ será um embuste, apenas agravando o problema da qualidade e credibilidade da imprensa, até ao dia em que acordarmos com uma imprensa não lida, não ouvida e não vista, existindo somente como receptáculo de uma fonte de despejos de dinheiro chamado Estado.

    Infelizmente, na esfera da discussão dos apoios à imprensa e do papel do Estado, não tem entrado neste debate – e não será por esquecimento – o papel do Governo (e do Parlamento) num assunto fundamental para o trabalho da imprensa: a transparência da Administração Pública e o acesso à informação dos jornalistas, que são ‘instrumentos’ essenciais para a prática do (bom) jornalismo.

    Mostra-se crucial, para termos um jornalismo ao serviço da sociedade (e não da política e dos negócios), que a imprensa regresse às suas origens mais nobres, à sua função de ‘watchdog’ incisivo, e que deixe de ser o ‘pet dog’ fofinho que se anda a mostrar, agora de mão e língua estendidas. E, para isso, não é aceitável que a Administração mantenha uma postura de obscurantismo, como se tem mostrado evidente em diversos casos denunciados pelo PÁGINA UM, obrigando mesmo ao recurso aos tribunais administrativos para aceder a informação pública, demorando isso dinheiro e tempo. A Administração Pública portuguesa está cada vez mais obscura e fechada; não respondem a perguntas incómodas de jornalistas; cedem informações manipuladas a jornalistas de ‘confiança’ que lhes dêem garantias de notícias favoráveis. E isso tem de terminar. Mesmo quando surgem decisões dos tribunais favoráveis ao acesso, a Administração Pública mantém expedientes dilatórios.

    Por exemplo, corre há mais de um ano no Tribunal Administrativo de Lisboa [corre é um eufemismo, porque o juiz tem o caso parado há meses] um processo de execução de sentença contra a Administração Central do Sistema de Saúde para aceder a uma base de dados por parte do PÁGINA UM, cujo direito já foi decretado até pelo Supremo Tribunal Administrativo, depois de uma sentença e de um acórdão.

    Se o Estado (Governo e Parlamento) quer a existência de um jornalismo como pilar da democracia, então faça-se o favor de melhorar a lei do acesso aos documentos administrativos, tornando vinculativos os pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e decretando multas (ou mesmo a demissão) aos dirigentes da Administração Pública que não os acatem integralmente.

    a microphone that is sitting on a stand

    Em complemento, é essencial, se se quer mesmo apoiar o jornalismo, garantir efectivamente a liberdade e independência dos jornalistas, sobretudo dos incómodos, consagrada na Constituição da República. Não basta bater no peito e clamar por um jornalismo independente e incómodo – dois adjectivos que deveriam ser redundantes quando falamos da imprensa – e depois ver-se que não existem, na prática, mecanismos de protecção, permitindo que fiquem submetidos a práticas abusivas.

    Seja através de sucessivas queixas na Entidade Reguladora para a Comunicação Social e na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista – duas entidades anacrónicas, pelo facto de os seus membros não entenderem as suas funções –; seja através de ameaças mais ou menos veladas de processos judiciais se uma notícia for publicada; seja mesmo através de processos judiciais, sobretudo quando os gastos em advogados não são pagos pelos queixosos. Veja-se, aliás, que pendem sobre mim, neste momento, três processos judiciais, onde claramente o Ministério Público nem sequer se deu ao trabalho de fazer uma adequada investigação, limitando-se a acompanhar as queixas por difamação, sem se ter dado ao trabalho de apurar se aquilo que escrevi é verdade ou mentira. Deduzo que haja mais a surgir.

    Transparência da Administração Pública e reforço da protecção dos jornalistas são, por isso, para mim, aspectos tanto ou mais importantes do que o apoio financeiro às empresas de media. Redireccionemos, portanto, o debate sobre aquilo que o Estado pode fazer, sobretudo porque se existirem mecanismos para haver bom jornalismo, por certo a sociedade o valorizará. Focar a crise da imprensa na sua crise financeira é um erro; querer debater o futuro do jornalismo com o fito de somente salvar de imediato empresas de media (mal geridas) da bancarrota, para assim suportar artificialmente o sustento de 5.300 jornalistas, apenas adiará uma inevitável queda no abismo.

    Nota final: Foi ontem publicada em Diário da República uma Resolução do Conselho de Ministros que visa criar uma enigmática Estrutura de Missão para a Comunicação Social. Tremo, só ao ler o preâmbulo. Diz-se que “o Governo assumiu a opção política de contribuir para ajudar a inverter uma perigosa tendência de desvalorização social e cívica da função do jornalista e da informação rigorosa, livre, plural e credível”, acrescentando que “o crescente fenómeno de difusão massiva de notícias falsas, designadamente através de plataformas digitais, de desinformação e de manipulação dos factos, cada vez mais simples e acessível, por exemplo, através de ferramentas de inteligência artificial de fácil acesso, exige uma resposta mais eficaz tendo em vista a defesa da democracia e de liberdade”.

    Paternalmente, anuncia-se que “neste contexto, torna-se necessário e urgente que o Governo disponha de uma estrutura que, recorrendo às capacidades de recursos humanos e outras, já existentes no âmbito da atual Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, possa ser um suporte para a execução das políticas públicas para o sector da comunicação social, designadamente no período em que o Governo executará o seu Plano de Ação para os Media”, concluindo que “um dos objetivos cometidos à estrutura de missão agora criada é a elaboração de um novo plano nacional para a literacia mediática, a aprovar pelo Conselho de Ministros”. Já se sabe no que isto vai dar: num Governo a insinuar-se para que o tratem bem em troca de uns milhões para uma imprensa ávida de se salvar, mesmo que se mate o verdadeiro jornalismo. Este Governo não quer dar mais liberdade à imprensa; quer apenas controlá-la (ainda) mais e ver os administradores dos grupos de media a agradecer-lhes os apoios financeiros.


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  • PÁGINA UM vs. ‘carteiristas da Artilharia Um’

    PÁGINA UM vs. ‘carteiristas da Artilharia Um’


    Hoje é uma espécie de renascimento do PÁGINA UM, não propriamente uma redenção, embora sintamos que nos apresentamos, perante os leitores, com um redobrado respeito e admiração. Mantivemos durante 30 meses, ininterruptamente, todos os dias, uma ‘renovação’ noticiosa, sempre cumprindo de forma escrupulosa os princípios iniciais: jornalismo independente, incómodo e irreverente. Porém, sentimos que esse esforço se tornava esgotante – e propusemos um novo modelo que tem os seus riscos: uma edição quinzenal, com a renovação integral das notícias, crónicas e artigos de opinião, conteúdos culturais e mesmo entrevistas (e logo quatro). Para que não sentissem em demasia a nossa falta – ou que pensassem que tínhamos desistido, prometemos no início deste mês, e cumprimos, sair com a primeira edição esta quinta-feira, dia 8. Foi um esforço suplementar. Estamos aqui para que nos avaliem, sentindo, porém, que teremos necessariamente que crescer para conseguir melhorar a frequência, nestes moldes, para semanal.

    Mas mesmo que nos mantenhamos com a periodicidade quinzenal, prometemos lutar por um jornalismo isento, mas inflexível contra os abusos. E nesses abusos estão sobretudo incluídos aqueles que surgem, travestidos de carneiro, mas mostrando-se vorazes nos actos e traiçoeiros nos gestos.

    white jellyfish in body of water

    Estou a falar, em concreto, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) que, constituída somente por jornalistas com carteira (que não merecem), sequestraram a essência e pureza do jornalismo. Como tem sido notório, esta entidade tem servido basicamente para manter tudo como está, dando uma aparência de pureza. Mas são, na verdade, um pobres déspotas, que, na sua ânsia e sofreguidão em decepar um jornal (PÁGINA Um) e um jornalista (eu), não olharam sequer a meios, e assim cegos nem sequer se aperceberam da vergonha que cometeram a instruir um processo disciplinar que me intentaram para gáudio de um putativo candidato a Presidente da República, alcandorado a herói nacional por uma imprensa acéfala durante um período de atropelos indescritíveis aos nossos direitos, liberdades e garantias.

    A leitura do parecer que amavelmente o Professor José Melo Alexandrino – um dos grandes especialistas nacionais em Direito Constitucional e Direito Comparado – se dispôs a elaborar, como análise crítica à ‘instrução’ do processo disciplinar da Secção Disciplinar da CCPJ, é de leitura obrigatória. Pelo menos para juristas e para jornalistas. Para os primeiros será útil para perceberem o que nunca se deve fazer; para os segundos será útil para, com vergonha alheia, perceberem como a canalhice e a ignorância se podem irmanar.

    Escreve o Professor José Melo Alexandrino, no final do seu parecer [negritos da minha autoria], que “são de tal modo graves, diversos, desvaliosos e incompreensíveis os erros técnico-jurídicos [da ‘instrução’ que sugere uma repreensão escrita], bem como as questões prévias analisadas que, no seu conjunto, constituem motivo mais do que bastante para a imediata declaração, por parte do órgão competente, da nulidade de todos os actos praticados no procedimento, com exclusão da participação disciplinar, além de serem, eles próprios, passíveis de gerarem responsabilidade civil, por violação grosseira da esfera jurídica do arguido, bem como responsabilização interna dos membros do Secretariado, da Secção Disciplinar e dos agentes ao serviço da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, dada a negligência grosseira patenteada“.

    Dá vergonha ler isto assim. E se lerem todo o parecer vão ficar pasmos, de tão risível se tornam os erros e ignorâncias desta comissão que tem uma suposta “jurista de mérito”…

    man in white dress shirt wearing black framed eyeglasses

    [e, aliás, nem sequer a CCPJ pode, como entidade, colocar em causa [seria redobrada vergonha] a idoneidade do Professor José Melo Alexandrino, sabendo-se que ele até já fez um parecer a pedido da CCPJ em 2021 sobre a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.]

    Por tudo isto, e pela forma enviesada e canina como a CCPJ me tem perseguido, por aquilo que representa o jornalismo do PÁGINA UM (e por causa dos podres que temos revelados; e hoje mostramos mais aqui), eu acrescento: só a demissão conjunta de Licínia Girão (CP 1327), de Jacinto Godinho (CP 772), de Anabela Natário (CP 326), de Miguel Alexandre Ganhão (CP 1552), de Isabel Magalhães (CP 102), de Cláudia Maia (CP 2578), de Paulo Ribeiro (CP 1027), de Luís Mendonça (CP 1407) e de Pedro Pinheiro  (CP1440) pode restituir alguma dignidade a um organismo que deixou de se dar ao respeito. Enquanto se mantiverem naqueles cargos, não são mais do que uns simples ‘carteiristas’ atirados para a Artilharia Um.


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  • Gouveia e Melo, os lacaios e o Jornalismo castrado numa bandeja

    Gouveia e Melo, os lacaios e o Jornalismo castrado numa bandeja


    Desde 2008, nos registos da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – que inclui a actual época, da maior promiscuidade entre jornalismo e negócios, de deontologia amoral e de atropelos de ética –, apenas se contabiliza uma repreensão escrita contra um jornalista, neste caso uma jornalista de uma rádio alentejana, por reiterado plágio de trabalhos de colegas da concorrência.

    Provavelmente, pela canina vontade dos membros da CCPJ – a começar pelo Secretariada e a acabar na Secção de Disciplina – haverá um segundo nome, e logo primário, apesar de décadas de carreira no jornalismo, incluindo periódicos então no topo: EU.

    clear wine glass

    Claro está que muita água passará por debaixo da ponte – e o caso, agora em fase de acusação, que demorou ao relator um ano, deve seguir para o tribunal administrativo se as mesmas pessoas que agora me acusarem me quiserem aplicar uma sanção, uma vez que a CCPJ se rege por normas do Direito Administrativo, mesmo se os seus membros considerem que ali podem fazer o mesmo que (e bem ou mal, nesse caso não me interessa) fazem nas suas respectivas casinhas, apartamentos, moradias ou vivendas.

    Confesso – não qualquer culpa ou falha – que não lhes facilitei a vida. Desde o meu regresso ao jornalismo em 2021, depois de um longo interregno, que, através do PÁGINA UM, tenho causado arrelias aos senhores e senhoras jornalistas que sempre estiveram ali na CCPJ a fazer pela vidinha e a fazer de conta que há regulação, mas que fecham olhos aos fortes, e arregaçam a dentadura aos que eles consideram fracos. Obter informação sobre o quotidiano e a acção da CCPJ tem sido uma travessia que tem levado o PÁGINA UM a intentar queixas na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e ao tribunal administrativo. Uma vergonha quando uma das entidades mais obscuras da Administração Pública é uma entidade exclusivamente liderada por jornalistas.

    Também fiz questão – ‘crime de lesa-majestade’ – de colocar em causa os méritos, que eram legalmente necessários para o cargo, da actual presidente da CCPJ, que pode ser senhora simpática e esforçada, mas que chegou ao cargo como estagiária de advocacia, sem currículo académico nem técnico, e um colossal ‘chumbo’ no acesso à magistratura. A senhora tem movido mundos e fundos para me castigar – e no caso dos fundos, dizem-me duas fontes credíveis, que ela quer (ou quis) que os trabalhos de um advogado que contratou fossem pagos pela própria CCPJ… E não são montantes baixos, que os honorários de ‘advogados à seria’, que não é o caso da Doutora Licínia Girão, se fazem pagar bem.

    Miguel Alexandre Ganhão, editor do Correio da Manhã e da CMTV, foi o relator da acusação. Notem: um dos responsáveis editoriais de órgãos de comunicação social que foram denunciados por práticas de promiscuidade (aqui e aqui) foi quem instruiu o meu processo de acusação, e vai agora ‘julgar-me’.

    De igual modo, estou agora nestes preparos de uma repreensão por escrito, porque recusei uma saída airosa: o Papa veio cá de visita à terrinha no Verão passado, para abençoar o povo, e a CCPJ ‘ofereceu-me’ um brinde para o meu processo disciplinar então em fase de instrução: amnistia. Houve 15 jornalistas que aceitaram esse brinde. Eu não, porque não se anda no jornalismo para receber bênção do Papa nem de ninguém. E nem agradeci: pelo contrário, mandei publicamente que metessem a amnistia ‘onde o sol não brilha’. Parece que, diz agora a acusação, que nem sequer poderia fazer isso, porque era uma oferta secreta, tudo é secreto. Estou-me a recordar de uma instituição secular onde o secretismo dos processos era sagrado: a Inquisição!

    Mas, afinal, vamos ao motivo – ou crime – para a minha iminente ‘condenação’ – que seria pelos ‘meus pares’ se aquele grupo que ‘infecta’ a CCPJ fosse por mim reconhecido – a uma repreensão escrita com averbamento, ficando assim às portas de uma eventual suspensão da carteira profissional (imagino os Moet & Chandon ou Barca Velha que se abririam, se se avançasse depois para esse patamar).

    Tudo começou – que raio de ideia a minha, ? –, porque decidi pedir documentos administrativos à Ordem dos Médicos sobre uma campanha de solidariedade em tempos de pandemia que envolveu 1,4 milhões de euros e que me ‘cheirava a esturro’.

    Depois, não me sendo concedidos, apresentei queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    Como mesmo assim não me deram acesso aos documentos, recorri ao Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Enfim, fui arranjando ‘lenha para me queimar’: fiz três coisas que um verdadeiro jornalista deve fazer, embora a esmagadora maioria dos jornalistas já nem faça a primeira: pedir formalmente documentos administrativos em moldes que anuncia que haverá passos seguintes se não houver resposta satisfatória.

    Tudo tem valido para ‘apagar’ o impacte e denegrir uma investigação jornalística que se baseou em documento apenas obtidos depois de intervenção do Tribunal Administrativo. ‘Queimar’ o mensageiro tem sido uma acção concertada.

    Após o acesso aos documentos que a Ordem dos Médicos – então liderada pelo actual deputado do PSD Miguel Guimarães – e a Ordem dos Farmacêuticos – então liderada pela actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins – foram obrigados a me facultar, analisei e interpretei essa informação, e fiz aquilo que poucos jornalistas fazem: revelei, sempre com base em documentos que permitiam escrever o que escrevi, entre muitas outras coisas, uma combinação entre o então líder da task force da vacinação contra a covid-19 e o bastonário da Ordem dos Médicos para se administrarem doses a médicos não-prioritários, contrariando as normas da DGS, sem autorizações superiores, e envolvendo o pagamento de cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas. Recorde-se que Gouveia e Melo tinha então funções atribuídas no Estado-Maior das Forças Armadas. E esta ‘ajudinha’ à Ordem dos Médicos foi convenientemente compensada com elogios e prémios.

    Para a escrita dos artigos, ouvi quem considerava dever ouvir, mas como comentários, e não como contraditórios (documentos oficiais não têm ‘contraditório’), mesmo tendo em conta que a esta notícia, tal como outras neste dossier de investigação, se baseava em documentos administrativos. O Ministério da Saúde – que era o responsável máximo do processo de vacinação, até porque à data dos eventos em causa a task force nem sequer tinha competência para aquele tipo de autorizações – decidiu nem sequer responder a dois pedidos de comentários.

    No decurso desta notícia, a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) decidiu em Janeiro de 2023 abrir um processo de esclarecimento. Mais de um ano depois, em vésperas de prescrição (a IGAS aprecia estes procedimentos quando quer) concluiu não haver qualquer anormalidade, mesmo não tendo investigado quem foi mesmo vacinado, enganou-se convenientemente na data de uma norma para aparentar legalidade no processo de vacinação e fechou mesmo os olhos a uma ‘confissão’, em e-mail de Miguel Guimarães, de que um político foi vacinado à boleia. Mesmo assim, a IGAS enviou todo o processo relativo ao pagamento ao Hospital das Forças Armadas, numa prestação de serviços que nem sequer foi registada no Portal Base, a plataforma da contratação pública.

    Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Para a estratégia de ‘limpar’ a sua intervenção num caso revelado pelo PÁGINA UM tem tido outro aliado: a (até agora) inacção do Ministério Público em esclarecer as ilegalidades e irregularidades de uma campanha de suposta solidariedade, com dinheiros de farmacêuticas, liderada por Miguel Guimarães e Ana Paula Martins.

    Como resposta, Gouveia e Melo, então já Chefe de Estado-Maior da Armada, decidiu atacar em várias frentes contra mim: queixa judicial (que seguirá agora para julgamento, porque decidi não pedir abertura de instrução), queixa à ERC e queixa à CCPJ.

    O Ministério Público acompanhou a queixa judicial sem sequer, aparentemente, mexer uma palha sobre os factos relatados por mim: desde Maio do ano passado, perguntei por várias vezes ao Gabinete de Imprensa da Procuradoria-Geral da República se houve qualquer diligência sobre essa matéria. Nunca houve resposta. No mês passado, fiz formalmente uma denúncia de toda o processo. Não soube ainda nada.

    No caso da ERC, como seria de esperar, houve um ‘puxão de orelhas’, numa deliberação inqualificável em Março do ano passado, ‘cozinhada’ em tempo recorde, que mereceu a minha devida resposta.

    Faltava completar o ramalhete, e compor mais um ‘favorzinho’ ao Almirante – e limpar um caso de ilegalidades e irregularidades que também mancham a ministra da Saúde e um deputado do PSD –, surgem ‘jornalistas’ que venderam a essência do Jornalismo por menos de ’30 moedas’, e querem-me meter no pelourinho.

    Sem pudor nem pejo, a CCPJ quer castrar – mesmo sem aspas – o melhor que o Jornalismo sempre deve possuir para se honrar: a independência para jamais proteger, nem por preguiça ou negligência, interesses instalados; o arrojo de enfrentar os poderes; a coragem de lutar pela liberdade de informação até ao limite (e neste caso até nos tribunais); a persistência na busca da verdade e da justiça. O Jornalismo não é um tribunal nem tem os meios de investigação de uma polícia, mas tem o dever de, com os meios possíveis, revelar casos que devem merecer a crítica e investigação. Tem o dever social de não calar, de ousar pela escrita, pelo som e pela imagem, de causar impacte. Mudança, e não estagnação. É sempre isso que me tem norteado: não deixar, através da escrita, revelar o que está mal e evitar que, nem que seja por adormecimento, nos retirem direitos democráticos aos pedaços.

    a man's hand with a handcuffs and a glass of water

    Na verdade, não me vejo como herói nem tão-pouco como um eventual herói injustiçado e difamado – até porque uma eventual ‘condenação’ da CCPJ valer-lhes-á mais como vendetta, servindo para lançar um labéu contra o PÁGINA UM, que tem mostrado também os podres da imprensa portuguesa, como foram os casos das revelações feitas em primeira mão sobre as dívidas (incluindo ao Estado) da Trust in News e da Global Media, ou as promiscuidades e gestão amoral em outros grupos, como o Expresso, o Público, a Medialivre e a TVI, apenas para citar alguns.

    Vejo-me sim apenas como um jornalista num cenário anacrónico, onde na cúpula da regulação, na CCPJ, estão apenas uns lacaios. Ia escrever uns ‘reles lacaios ao serviço do Almirante Gouveia e Melo’, mas será melhor retirar a parte “ao serviço’ do dito, não vá ele aplica mais um processo com os meios da Armada, até porque, ‘mentes maldosas’ podem associar lacaio a contrapartidas, que estes sempre aguardam – diz-se…


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  • Das forças e das fraquezas da imprensa mastodôntica

    Das forças e das fraquezas da imprensa mastodôntica


    A grande força da imprensa sempre esteve nas pessoas que alcança, e com a credibilidade da informação que lhes transmite e as induz a reagir perante um evento. Pode esse evento ser político, e daí que tenha surgido, no século XIX, por Thomas Carlyle, o conceito de Quarto Poder, ou seja, o Jornalismo como entidade próxima do povo, que por ele vigia e controla os outros três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

    Em teoria, a grande virtude e vantagem do Quarto Poder – um poder de facto – é a sua independência perante os outros três poderes, que são de jure. Nestas circunstâncias, o Jornalismo só se justifica se for independente – e, por isso, um dos lemas do PÁGINA UM teria de soar a uma lapalissada ridícula se, efectivamente, não vivêssemos tempos de crise de valores na imprensa nacional e internacional.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Numa contínua fuga para o abismo, onde o próprio regulador se mostra complacente com as maiores tropelias das direcções editoriais e de marketing, o modelo de negócio da endividada e desnorteada imprensa portuguesa transformou meios de comunicação social tradicionalmente assente em jornalismo credível em máquinas de fabricação de branded contents – conteúdos para promoção de marcas, que podem ir até ao marketing político e pessoal. E, nessa linha, mais do que dar notícias favoráveis ou fofinhas – ou incisivas contra os ‘inimigos’ –, o Jornalismo de hoje também se ‘mede’ pelas notícias de que não dá.

    Hoje, com honrosas excepções, não há quase nenhum jornalismo de investigação em Portugal, porque, por inerência, a investigação causa rupturas – e a pouca que há encontra-se enviesadamente direccionada para a dita extrema-direita, eleita em Portugal como o principal perigo para a democracia. Na verdade,se a extrema-direira cresce, mais pela via do populismo, deve-se ao fracasso das políticas dos partidos ditos democráticos. E sobretudo à esquerda.

    Em resultado da pouquíssima investigação rareiam as notícias sobre casos de corrupção. E quando falo de corrupção não estou aqui a referir-me a ‘malas de dinheiro’ – isso já não se faz assim, ou quem faz assim é por ser tolo. Hoje, a corrupção é do jaez da que se revelou no caso das gémeas luso-brasileiras – que, hélas, surgiu de uma das poucas jornalistas de investigação em Portugal com ‘alguma’ liberdade, a Sandra Felgueiras. Quem diz que não há corrupção em Portugal é como garantir que não haveria transgressões do Código da Estrada se não houvesse fiscalização policial. E se não há mais ‘casos’ de corrupção detectados é exactamente por a Imprensa mainstream em Portugal, completamente dependente dos humores financeiros do Estado e do mundo dos negócios, achar agora por bem não inquietar o status quo. E o mal de uma sociedade democrático começa a ruir pelo Quarto Poder.

    black video camera

    Nos últimos anos, apesar das evidências de corrupção na sociedade política e empresarial, a Imprensa mainstream aceitou os mais deboches antidemocráticos, a começar com as negociatas em redor da pandemia. Os acordos secretos da Comissão Europeia – que se transformou numa entidade antidemocrática e que nos está a impor uma Economia de Guerra – são um ultraje aos princípios que que herdámos dos pais da Comunidade Económica Europeia. A perda de valores em Portugal veio por arrasto: em duas décadas, a Administração Pública ficou completamente obscura, e hoje um jornalista pedir informação ou requerer documentos é visto como uma ofensa.

    Recordem que é na perda de princípios éticos que reside a corrupção e aí cresce – e vejam como o bispo de Leiria veio ‘benzer’ os envolvidos no caso das gémeas luso-brasileiras, argumentando que “cunhas que salvam crianças não fazem mal a ninguém”, como se os quatro milhões de euros que se gastaram num caso absurdo (as crianças estavam em tratamento no Brasil com outro fármaco) não viessem a salvar outras vidas.

    A corrupção de valores é a antecâmara de todas as corrupções. Da simpatia se passa para o favorzinho, do favorzinho se passa para o favorecimento, do favorecimento se passa para a camaradagem, da camaradagem se passa para o compadrio, do compadrio se passa para a compensação, sob a forma de prebendas, sinecuras ou vil metal, sempre a receber a prazo. Quem dá hoje, por estar no poder, recebe amanhã, de quem beneficiou. A Imprensa deve estar atenta para, algures, evitar que os elos para a corrupção se liguem. É essa uma das suas funções primordiais do Jornalismo – a mais nobre. O resto é Comunicação, função nobre, mas que pode ser feita por meros comunicadores.

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    A perda de valores éticos não grassa nem desgraça somente os três Poderes tradicionais – tem vindo a desgraçar o Quarto Poder. Hoje, a corrupção medra, ou tem condições de medrar, quase sem ‘policiamento’ jornalístico. Basta verificar como, com pouquíssimos meios, o PÁGINA UM já revelou um sem-número de casos  suspeitos em contratos públicos. Não há mais jornalistas com capacidade de fazer o mesmo, ou até muito melhor, nem que seja por mais meios e potenciais fontes? Claro que há. E então como é possível que a pouca-vergonha da campanha solidária ‘Todos por Quem Cuida’, sobre os quais ontem recuperámos apresentando mais evidências, tenham um eco nulo na Imprensa mainstream.

    Sou jornalista desde 1995, passei pelo Expresso e pela Grande Reportagem, e por outros periódicos sobretudo até ao final da primeira década deste século. Sei o que é jornalismo de investigação, sei o que são casos suficientemente graves para fazer cair um governante. Aliás, em dois ou três meses, na transição de 2022 para 2023, tendo querido, o Correio da Manhã causou uma ‘razia’ no Governo de António Costa.

    Mas sei sobretudo, porque também já não caminho para novo, que o grau de exigência da Imprensa mainstream se modificou. Os timings, neste momento, são tudo. Há políticos que podem estar nas graças, porque sim; outros ficaram sempre nas desgraças, porque sim. Perdeu-se, repito, em muitos jornalistas a noção daquilo que são os seus deveres. E um deles, como watchdog, é estar atentento aos poderosos; nunca ser amigo, ou cultivar uma amizade, de alguém que está no Poder.

    Close-up of Weak Flames

    Por isso, como jornalista, sei quais deveriam ser, em circunstâncias normais, as implicações de pessoas como Ana Paula Martins, ministra da Saúde, e o agora deputado social-democrata Miguel Guimarães depois das evidências sobre o atropelamento de tantas normas éticas e legais a pretexto de uma suposta campanha de ‘bondade’ numa pandemia onde algo que nunca faltou foi dinheiro.

    Nem quero aqui reflectior sobre a postura de líderes de duas ordens profissionais, como a dos Médicos e dos Farmacêuticos, que se predispuseram a receber mais de 1,3 milhões de euros da indústria farmacêutica para se promoverem como pessoas de bem durante uma desgraça. Mas, por tutatis, eles não receberam apenas dinheiro de farmacêuticas – um dos sectores que, com o beneplácito do Infarmed, mais tem financiado a Imprensa mainstream. A camoanha que eles orquestraram registou casos de evasão fiscal, de contabilidade paralela, de facturas falsas de quase um milhão de euros (entrada de facturas sem saída de dinheiro da Ordem dos Médicos) e ainda centenas de declarações falsas de IPSS, associações e até hospitais públicos para que as farmacêuticas tivessem indevidos benefícios fiscais. Porém, ninguém do Quarto Poder reagiu às notícias do PÁGINA UM. Porquê?

    Bem sei que os directores (e muitos jornalistas) encontrarão argumentos, para descanso das suas consciências, que justifiquem ignorar a investigação do PÁGINA UM – uma investigação que já me obrigou a apresentar (e ganhar) duas intimações no Tribunal Administrativo de Lisboa, mas recebendo em troca ‘censuras’ absurdas de um ‘regulador fantoche’ (ERC), um processo disciplinar da CCPJ (cujos membros já deveriam ter-se demitido por ‘triste figura’) e processos judiciais (em curso), um dos quais do almirante Gouveia e Melo, cujo julgamento anseio para que se revele a verdade.

    Grayscale of a Horse Lying on the Field

    Mas também bem sei que, apesar dos incómodos que estas notícias do PÁGINA UM lhes causam, Ana Paula Martins e Miguel Guimarães estarão confiantes de que a Imprensa mainstream os continuará a proteger, não fazendo eco das suas tropelias passadas. Pedra no assunto. E tudo assim lhes parecerá bem, porque, neste momento, o Quarto Poder em Portugal mostra-se mais pelo que não escreve, pelo que não revela, do que pelo que escreve, pelo que denuncia.

    Os tempos, contudo, são de mudança, mas não muito favoráveis para quem atraiçoou os princípios do Jornalismo. Já nas recentes eleições se confirmou a tendência de perda de influência da Imprensa mainstream; e se esta continuar a ignorar intencionalmente casos de patente corrupção e/ ou perda de valores éticos – e foi sobretudo isso que sucedeu na queda do Governo de António Costa, de má memória (oito anos de estagnação e compadrio) –, se esta continuar a intencionalmente desinvestir na investigação; e se esta continuar a ostracizar projectos de jornalismo independente, bem podem almejar pouco mais do que sobreviver à conta de branded contents e de endividamentos, incluindo ao Estado.

    Continuando assim, como até agora, e pior ainda com soberba, o seu modelo de negócio se finará, porque até os promotores de branded contents se cansarão de dar dinheiro a quem nem sequer lhes dará retorno. E quanto ao Poder, sobre o qual a Imprensa mainstream deixou ser o watchdog ao serviço do povo, também fraco préstimo lhes dará à medida que constarem a perda de influência.

    Por isso, talvez para consolo do PÁGINA UM – e meu também, que cada vez mais desiludido estou com a Imprensa mainstream, que eu julgava ter tido apenas uma ‘má fase’ durante a pandemia –, cada vez mais os canais alternativa de difusão de informação estão a dominar. A Imprensa mainstream está a tornar-se irrelevante. Aliás, nesta medida, basta verificar, por exemplo, o eco que a notícia do PÁGINA UM sobre o caso da ministra da Saúde, ignorada pela totalidade da imprensa nacional, teve na rede social X. Em apenas 24 horas contabiliza mais de 54 mil visualizações. Por exemplo, Expresso – que é o Expresso, que conta com 643.86 seguidores (o PÁGINA UM tem um pouco menos de 10 mil) – não conseguiu em qualquer uma das dezenas de notícias e artigos de opinião de hoje ultrapassar essa fasquia.

    A fraqueza da Imprensa mastodôntica é pensar que a sua força será eterna, faça o que fizer. Não é. E já agora, por favor, quando as falências estiverem iminentes, não sigam o caminho mais fácil: não peçam dinheiro ao Estado, porque esse dinheiro é dos contribuintes, esses que, como leitores, vos abandonaram por fraca qualidade.


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  • Chega, ou quem tem medo de saber a verdade sobre a pandemia?

    Chega, ou quem tem medo de saber a verdade sobre a pandemia?


    Não sei quantas vezes já confessei – começo a concluir ser um lamento – que sou ideologicamente de esquerda, por acreditar na bondade do Estado Social e no papel de um Estado solidário com os desfavorecidos e promotor da igualdade de oportunidades numa lógica distributiva e equitativa. O mercado tem falhas, e aceito a existência de uma entidade ‘suprema’ que nos preste esse serviço a troco de impostos ou da produção de bens.

    Mas também já me vejo, vezes de mais, em demasia, frustrado com uma certa Esquerda que, tendo tido oportunidade de aplicar esses princípios do Estado Social, criou uma rede clientelar, promíscua e corrupta (moral e material), e acha agora, com um despudorado desplante, que os cidadãos são obrigados, agradecidos por cinco décadas de ’25 de Abril’, a continuar a gritar loas à Democracia que se deixou apodrecer, e ameaça que nos tornaremos todos fascistas, xenófobos, estúpidos e burros se olharmos para os apelos e acenos de partidos populistas.

    grayscale photo of man wearing goggles

    Saibamos que o crescimento dos partidos populistas – mais do que um sinal de uma direita verdadeiramente xenófoba (que a há, e deve ser atacada por via legal) – pode advir de uma falsa, ou fátua, luz de esperança que surge perante mentes influenciáveis. Porventura, e permitam o dichote, políticos como Ventura e partidos como o Chega serão uma desilusão, mas hoje tornam-se, em muitos aspectos da vida em sociedade, a nossa única esperança (em castelhano, esperança diz-se ilusión), porque antes deles, tivemos todos os partidos ‘tradicionais’ que nos foram iludindo, e nos acabaram por meter num país de desilusões, e de desiludidos deprimidos.

    No âmbito da pandemia, como cidadão e jornalista, através do PÁGINA UM, tenho procurado, não sozinho mas com pouquíssimo meios – porque a independência em Portugal não granjeia mecenas com milhões para apostar numa imprensa verdadeiramente livre –, confrontar os poderes instalados, o status quo, e abrir brechas em instituições públicas e privadas, denunciando irregularidades, ilegalidades e promiscuidades. Não com escritos populistas, nem com manipulações nem com as famigeradas fake news. Mas com artigos baseados em dados científicos, e sobretudo em pedidos incessantes que, em diversos casos, foi até onde se pode quando a Administração Pública é obscura e defende interesses não-públicos: os tribunais administrativos.

    Valeu-me isso, além de uma corja de haters – que agora até já gastam minutos a usar o ChatGPT para compor supostos enredos de minhas caricaturas –, já três processos em tribunal a aguardar julgamento, dois processos disciplinares na amoral Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e umas quatro abjectas deliberações censórias da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Ossos do ofício. Até porque apesar de isto se fazer, ao velho e conhecido método SLAPP, tudo está bem para a a imprensa mainstream, que nada diz – até acho que acha bem, porque não morre de amores pelo PÁGINA UM, por mor das denúncias das suas promiscuidades e comprometimentos bem aceites pela ERC e pela CCPJ, apesar das aparências.

    André Ventura, líder do Chega, anunciou que, com a nova bancada reforçada na Assembleia da República, irá forçar a criação de uma comissão de inquérito à gestão da pandemia em Portugal.

    Este Editorial vem, assim, a propósito de uma minha derradeira esperança (ou ilusão) que deposito – e custa-me imenso admitir – no anúncio de André Ventura e do Chega em lançar, na próxima legislatura, um inquérito parlamentar à gestão da pandemia, tanto do ponto de vista da Saúde Pública como da Economia (um pleonasmo, porque não há Saúde sem meios financeiros). É bom recordar que o Chega já tentara a formação dessa comissão parlamentar no final do ano passado, mas ‘chumbada’ pela generalidade dos partidos (excepção à Iniciativa Liberal, porque, segundo a então maioritária bancada socialista “a sua aprovação apenas contribuirá para minar a credibilidade das instituições parlamentares”, defendendo que o Governo gastou “o dinheiro que foi preciso para salvar vidas”. Também convém recordar – e também não esquecer a ideia obtusa e racista de Ventura em criar uma ‘cerca sanitária’ às comunidades ciganas em Maio de 2020, no início da pandemia – que o Chega assumiu a intenção de criar uma comissão de inquérito, agora reforçada, em Janeiro passado, em plena campanha eleitoral.

    Sinceramente, sobre a verdade na pandemia, não me interessam ideologias – pelo contrário, causam viés –, mas sim as intenções. Quero recordar que a pandemia da covid-19 foi a maior crise sanitária – e não apenas por causa do vírus – e a maior crise social das últimas décadas, que desencadeou uma galopante inflação (se bem que ‘detonando’ a partir sobretudo de 2022). E não pode ser esquecida para que volte tudo a repetir-se, e em pior grau se avançarem as regras do novo Tratado Pandémico, que pretende transferir soberanias para uma obscura Organização Mundial de Saúde (sequestrada por interesses farmacêuticos e fundações ‘cheias de boas intenções’) num sistema similar ao modelo chinês, onde o bem do formigueiro, ditado por uma elite, se sobrepõe sem pestanejar ao direito da formiga.

    Mais do que uma gestão de uma crise sanitária, a pandemia abriu um mundo de oportunidades de dinheiro fácil e sem controlo. A alegada urgência e a especulação alimentada por ‘peritos’ comprometidos permitiu negociatas e promiscuidades – de que, aliás, o PÁGINA UM tem tratado -, um sem-número de atropelos constitucionais às liberdades e garantias, e pior do que tudo isto, criou-se um manto de silêncio, promovido por uma vergonhosa imprensa – prostituída (é esse o termo) aos dinheiros das farmacêuticas (as provas são tantas, porque se faz sem pudor) -, por uma Administração Pública de gestores sem ética (que escondem e manipulam informação, de forma hipócrita) e por uma Justiça com problemas de independência. Depois de se andar a contar ao minuto as mortes supostamente causadas pelo SARS-CoV-2 – nem sequer causando espanto que em Janeiro de 2021 se tivesse atribuído cerca de 40% das mortes totais à covid-19, um evidente exagero face ao histórico da doença –, a ausência de respostas sobre um excesso de mortalidade pós-covid, e a ausência de perguntas da imprensa, é uma vergonha para uma Democracia. Faz lembrar as cheias de 1967 durante o Estado Novo, quando nem se soube ao certo o número de vítimas.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde durante os anos da pandemia, foi o maior obstáculo ao acesso à informação.

    Confesso, e isto depois de dois anos de trabalho com sete intimações nos tribunais administrativos: sinto-me, como cidadão e jornalista sedento de informação e de verdade, cansado de remar, não contra a maré, mas contra uma parede quase inquebrantável – e, por isso, o inquérito parlamentar anunciado pelo Chega parece-me um bálsamo, uma esperança – a minha ilusión.

    Faço esta declaração com um grande pesar (até ideológico), porque, ao longo dos últimos dois anos, eu e o PÁGINA UM – contra ataques soezes e a passividade absoluta e comprometida da generalidade da imprensa mainstream – procurámos exercer, dentro dos direitos e instrumentos de cidadania que uma Democracia nos fornece, uma das funções elementares do Jornalismo: obter informação em bruto sobre a pandemia para a analisar e fazer notícias. Não é para isto que serve a Imprensa?

    Batemos às portas de instituições, sempre fechadas, e mesmo da Justiça – e, até agora, em sete processos de intimação associados directa ou indirectamente com a pandemia, mesmo com supostas vitórias em tribunal, tudo englobado temos apenas uma ‘mão-cheia de (quase) nada’.

    Uma ‘mão-cheia de (quase) nada’ no meio de processos supostamente urgentes, mas que se prolongam por dois anos nos tribunais administrativos, fruto de subterfúgios e mentiras da Administração e perante, em alguns casos, juízes que aparentam estar tecnicamente impreparados sobre o que são bases de dados e sobre a própria aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados, que hoje constituiu o mais apetecível álibi da Administração Pública para se esconder informações sensíveis.

    Vejam, em baixo, uma pequena resenha daquilo que o PÁGINA UM tem feito – e o muito pouco que tem conseguido, mesmo se gastámos – com o advogado Rui Amores, que tem intervindo em dezenas de requerimentos – e do que tem conseguido. Por isso, o inquérito parlamentar do Chega é, na verdade, de uma importância vital, até para obrigar os restantes partidos a esclarecerem-nos se a verdade, e a sua busca, é coisa de somenos importância numa Democracia plena.

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    Portugal foi um dos poucos países europeus que intencionalmente escondeu informação sobre a efectiva situação dos lares de idosos, ignorando-se quantas pessoas aí morreram de covid-19 e de outras doenças.

    1 – Em 20 de Abril de 2022, o PÁGINA UM intentou uma intimação para acesso ao Portal RAM, uma base de dados sobre reacções adversas de medicamentos gerida pelo Infarmed para aceder à informação sobre as vacinas contra a covid-19 e o antiviral remdesivir. Num rocambolesco processo no Tribunal Administrativo, onde a juíza chegou a recusar aceitar documentos que provavam as mentiras do Infarmed e a anonimização dos dados, o recuso à sentença (saída no dia 8 de Março de 2023), anda a marinar no Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) há mais de um ano. De acordo com o registo da distribuição dos processos, apenas em 26 de Fevereiro passado, o recurso foi distribuído à desembargadora Joana Matos Lopes Costa e Nora. Os processos de intimação são considerados urgentes, mas este caso percorre tribunais administrativos há 23 meses.

    2 – Em 27 de Maio de 2022, o PÁGINA UM interpôs uma intimação contra a Direcção-Geral da Saúde para acesso a duas bases de dados – o Sistema de Informação de Certificados de Óbito (SICO) e o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) –, e a diversa informação epidemiológica associada à pandemia, entre as quais incidência e mortalidade nos lares de idosos, taxas de letalidades em função das variantes, infecções nosocomiais em unidades hospitalares, pareceres e actas das reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19. Num processo rocambolesco, a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa indeferiu a generalidade dos pedidos, considerando em alguns casos que a informação tinha sido dada (quando claramente não foi), noutros que a informação detinha demasiados dados nominativos (sem explicar o que é demasiado, quando os dados até são anonimizados), noutros assumiu que os processos estavam ainda em curso. O único pedido deferido foi o acesso às actas da CTVC, mas a DGS assumiu que estas, afinal, não existiam, o que constitui uma ilegalidade de funcionamento. O PÁGINA UM apresentou um recurso da sentença saída em 30 de Setembro de 2022, mas este apenas foi distribuído no TCAS à desembargadora Marta Cação Rodrigues Cavaleira este ano, no passado dia 17 de Janeiro. Se descontarmos o tempo do primeiro pedido do PÁGINA UM, ainda antes do seu nascimento formal em Dezembro de 2021 e mesmo o período de emissão de pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, decorreram quase 22 meses a decidir um processo considerado urgente.

    hospital bed near couch
    Portugal possui uma das melhores bases de dados mundiais (o SICO) para apurar as causas de morte, em tempo real, que permitiria identificar rapidamente os desvios e situações anómalas. Apesar de possibilitar a anonimização, o Ministério da Saúde nunca disponibilizou os dados em bruto a entidades independentes para se investigar o excesso de mortalidade em algumas faixas etárias.

    3 – Em 4 de Junho de 2022, o PÁGINA UM solicitou ao Ministério da Saúde acesso a documentos relacionados com a pandemia trocados entre esta entidade e diversas entidades nacionais e internacionais, listadas no requerimento, nomeadamente a Direcção-geral da Saúde, o Infarmed, as Administrações Regionais de Saúde, a Presidência da República, empresas farmacêuticas, a Comissão Europeia e a Agência Europeia do Medicamento. Em suma, pretendia-se analisar os arquivos da pandemia. A intimação foi indeferida, considerando que o pedido era manifestamente excessivo, abusivo e inexequível.

    4 – O processo de intimação sobre a Administração Central do Sistema de Saúde é o caso mais absurdo. Começou após esta entidade ter retirado do Portal da Transparência do SNS a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar em Agosto de 2022, logo após o PÁGINA UM ter escrito um conjunto de artigos de investigação sobre os internamentos e a gestão das unidades de saúde durante a pandemia. O PÁGINA UM requereu não apenas a reposição dessa base de dados como também o acesso a uma base de dados fundamental para a aferir os internamentos hospitalares: a base de dados dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH) – e teve de recorrer a uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa em 19 de Agosto de 2022. Em 24 de Novembro desse ano, uma sentença deste tribunal deu razão ao PÁGINA UM. A ACSS recorreu e perdeu no TCAS em acórdão de 4 de Janeiro de 2023. A ACSS voltou a recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, que manteve a decisão favorável ao PÁGINA UM em acórdão de 1 de Junho de 2023. Mesmo assim a ACSS foi procrastinando o acesso alegando a necessidade de anonimizar uma base de dados que não contém, per si, dados nominativos por estarem anonimizados. E tem procurado todos os subterfúgios em sede de execução de sentença (intentada pelo PÁGINA UM em 20 de Julho do ano passado) para evitar o cumprimento de uma sentença e dois acórdãos, suscitando uma infindável argumentário para levar a crer ao tribunal administrativo que pode manipular e mutilar uma base de dados de sorte a torná-la inútil. O mais recente episódio desta ‘novela’ surgiu em finais de Fevereiro deste ano, quando o novo juiz do processo, em substituição da anterior – que subiu para o TCAS – solicitou que o PÁGINA UM o informasse, apesar de estar tudo no processo, se a ACSS tinha cumprido a sentença e os dois acórdãos. Este caso é exemplar da atitude da Administração Pública: uma sentença e dois acórdãos depois, e transcorridos 19 meses, não se cumpre o determinado pelos tribunais, esperando-se uma desistência (por cansaço) ou a decisão de um juiz mais ‘simpático’.

    Marta Temido (ex-ministra da Saúde) e Victor Herdeiro (presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, ACSS), terceiro e quarto a contar da esquerda. Não foram apenas companheiros durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares; também fizeram um dueto em esconder e manipular informação durante a pandemia. A ACSS, mesmo depois de uma sentença e dois acórdãos desfavoráveis, mantém a recusa em fornecer acesso a uma base de dados anonimizada dos internamentos hospitalares.

    5 – Em 1 de Setembro de 2022, após a recusa do presidente do Instituto Superior Técnico (IST) em ceder os relatórios de previsão sobre a evolução epidemiológica, claramente alarmistas e de cientificidade muito duvidosa, o PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Por sentença de 27 de Janeiro de 2023, a juíza deu razão ao PÁGINA UM, mas em vez de se debruçar sobre todos os relatórios, conforme solicitado, apenas se pronunciou sobre o último relatório do IST, o que suscitou recurso de ambas as partes. O processo apenas subiu para o TCAS em Maio de 2023, mas depois esteve a marinar mais uns meses: apenas foi distribuído ao desembargador Marcelo da Silva Mendonça no passado dia 26 de Fevereiro. Apesar de ser um processo considerado urgente, esta intimação corre nos tribunais administrativos há já mais de 18 meses.

    6 – No último dia do ano de 2022, o PÁGINA UM apresentou uma intimação contra o Ministério da Saúde para acesso à totalidade dos contratos entre a DGS e as farmacêuticas para a compra de vacinas contra a covid-19. Quatro desses contratos encontravam-se inseridos no Portal Base, mas foram retirados depois da intimação do PÁGINA UM por ordens do Ministério da Saúde. No decurso do processo, o Ministério da Saúde, após ter, de forma patente, mentido ao Tribunal Administrativo de Lisboa, acabou por suscitar a eventual incompetência do direito nacional em dirimir esta questão, alegando que os contratos de compra pela DGS se encontram inseridos nos acordos secretos entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas. A decisão em primeira instância pela juíza do processo ainda não foi tomada mais de 12 meses depois do início, mesmo se as intimações desta natureza são consideradas urgentes.

    7 – Em 18 de Dezembro de 2023, o PÁGINA UM intentou uma intimação contra a Ordem dos Médicos para, entre outros documentos, o acesso a dois pareceres do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos de Agosto e Outubro de 2021 relacionados com a vacinação contra a covid-19 em menores de idades, que tinham sido ocultados pelo anterior bastonário Miguel Guimarães, eleito agora deputado pelo PSD. Uma sentença de 21 de Fevereiro deste ano determinou que a Ordem dos Médicos teria de facultar o acesso aos pareceres, mas até agora o actual bastonário, Carlos Cortes, não cumpriu a sentença.

    Vejamos se, com o inquérito parlamentar do Chega – e espero que com o apoio da generalidade dos deputados dos diversos quadrantes políticos e ideológicos –, estes impasses informativos se dissolvem, porque será essencial para o apuramento de uma verdade necessária para a Democracia. O silêncio e o encobrimento nunca enobrecem uma Democracia. E se o Chega está mesmo com boas intenções – a intenção de saber a verdade – e não quer ser um mero partido populista (que implode num próximo processo eleitoral), tem aqui um belo teste para a sua renovada bancada. Estejamos atentos, e esperançosos de que não sairemos desiludidos. E atento ao resto das suas políticas, na mesma linha de ‘fiscalização’ que merecem os demais.


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  • Segurança das vacinas contra a covid-19: Froes & ERC em ‘indecentes e más figuras’

    Segurança das vacinas contra a covid-19: Froes & ERC em ‘indecentes e más figuras’


    Em Janeiro passado, a revista científica ESC Heart Failure, pertencente à Sociedade Europeia de Cardiologia, publicou um artigo intitulado “Autopsy findings in cases of fatal COVID-19 vaccine-induced myocarditis“, que constitui “uma revisão sistemática de todos os relatórios de autópsia publicados envolvendo miocardite induzida pela vacinação contra a covid-19 até 3 de Julho de 2023”. Há largos meses que, nos meios científicos, o tema da segurança das vacinas contra a covid-19 deixou de ser tabu. Pelo contrário.

    Por exemplo, na conceituada revista científica Vaccines, actualmente, todos os 10 artigos mais lidos são sobre a vacina contra a covid-19, sendo que oito investigam efeitos adversos ou questões de segurança. Em 26 de Junho de 2021 – ou seja, em pleno programa de vacinação – não havia nenhum artigo científico sobre as vacinas contra a covid-19 nos mais lidos da Vaccines, nem sobre segurança nem sobre outra qualquer questão. Nessa altura, em 2021, e até 2023, essas vacinas eram ‘endeusadas’ e seria uma ‘blasfémia’ questionar aspectos de segurança ou apelar a avaliações estratificadas de benefício-dano potencial.

    a dimly lit tunnel with a bench in the middle

    Mas vamos ao artigo do ESC Heart Failure. Os autores salientam que, “no momento em que o artigo [científico] foi escrito, uma pesquisa no PubMed [base de dados do National Library of Medicine, nos Estados Unidos], usando os termos “miocardite” e “vacinação contra a covid-19” forneceu 994 resultados, indicando amplo interesse entre os pesquisadores na miocardite induzida pela vacina contra a covid-19”. Salientam também que “até 16 de Junho de 2023, o Sistema de Notificação [norte-americano] de Eventos Adversos de Vacinas (VAERS) incluía 1.569.668 notificações de eventos adversos associados às vacinas contra a covid-19, incluindo 35.487 mortes, 27.229 notificações de miocardite e pericardite e 20.184 notificações de ataque cardíaco”, salientando a credibilidade desta base de dados por, antes da pandemia, 86% dos registos serem “preenchidos por pessoal médico ou fabricantes de vacinas e apenas 14% foram feitas pelo paciente ou pela sua família.”

    Citando já vasta bibliografia científica, os autores começam por elencar uma série de potenciais efeitos adversos: “Existe uma alta probabilidade de uma ligação causal entre a vacinação com mRNA contra a covid-19 e a miocardite, a doença neurodegenerativa, a trombocitopenia imunológica, a paralisia de Bell, a doença hepática, a imunidade adaptativa prejudicada, a resposta prejudicada a danos no ADN e a tumorigénese. Além disso, um estudo recente descobriu que a vacinação repetida contra a covid-19 com vacinas baseadas em mRNA leva à produção de concentrações anormalmente elevadas de anticorpos imunoglobulina G4 (IgG4). Estes anticorpos podem não conseguir neutralizar a proteína spike, que demonstrou circular durante pelo menos 28 dias, causar supressão imunitária e promover o desenvolvimento de doenças autoimunes, incluindo miocardite.”

    Passada a histeria pandémica – promovida por governos, imprensa e peritos associados a farmacêuticas –, não há hoje nenhum investigador sério que possa auto-censurar-se ou aceitar censura sobre as vacinas contra a covid-19, que não queira questionar(-se), que não apele à investigação, que prescinda em reclamar a necessidade de se apurar a verdade sem dogmas nem preconceitos, sobretudo se surgirem sinais de preocupação. Há um pouco menos de dois anos, o PÁGINA UM fez uma breve resenha histórica de 10 fármacos concebidos para tratar de doenças, mas que correram mal. Muitos até salvaram vidas, embora tenham sido retirados do mercado por falhas de segurança ou desaconselhados a determinadas pessoas face à relação benefícios-danos potenciais. Em muitos casos, a descoberta de problemas de segurança deve-se ao trabalho meticuloso (e odiado pelos visados) do jornalismo de investigação.

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    Foi sempre essa a minha postura como jornalista e como director do PÁGINA UM face às vacinas contra a covid-19: pesquisar e questionar, procurando o rigor. Sobre as reacções adversas das vacinas, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social português que procurou ter acesso à base de dados das reacções adversas (Portal RAM), não para especular nem para mentir, mas para relatar com verdade. Um jornalista não deve nem endeusar nem diabolizar. Até agora não o conseguimos, porque o Infarmed recusa e o caso está ainda nos tribunais administrativos. Tudo aquilo que tenho escrito como jornalista – mesmo quando opino – baseia-se sempre em artigos ou, como sucedeu já no ano passado, com uma análise (morosa) à base de dados da Eudravigilance, gerida pela Agência Europeia do Medicamento, incorporando artigos científicos, sempre artigos científicos publicados em revistas científicas.

    Ora, mas em Portugal, isso não basta a um jornalista. Se se sair da “linha oficial”, sai a ‘polícia dos costumes’, ou do costume.

    Não basta a um jornalista – se tivermos, como temos, empresários ao serviço das farmacêuticas, como sócio da Terras & Froes, pneumologista a ‘tempo parcial’ no Serviço Nacional de Saúde mas com tempo para  fazer uma queixa a um regulador que, por sua vez, está desejoso de tirar desforço de um órgão de comunicação social independente que, em diversas ocasiões, já provou que esse regulador anda ‘a ver navios’ ou é conivente com a promiscuidade entre media, Estado e empresas.   

    Ora, ontem, para meu espanto, enviaram-me um post no mural do Facebook do Doutor Filipe Froes, onde ele, felicíssimo, “a propósito de duas publicações intituladas ‘Efeitos adversos: este ano há quase nove mortes por dia associadas às vacinas da covid-19 na Europa’, de 5 de maio de 2023, e ‘Mortes súbitas: vacinas contra a covid-19 associadas a 1.241 casos na Europa’, de 11 de agosto de 2023” – ambas da minha autoria –, partilhava as conclusões da Deliberação ERC/2024/80 (CONTJOR-NET), aprovada a 7 de Fevereiro passado – e da qual eu ainda não tivera sequer conhecimento nem formal nem informal.

    Filipe Froes, o queixoso, fez gala da deliberação da ERC antes mesmo de esta ter sido enviada ao PÁGINA UM.

    Diga-se que a queixa foi apresentada ou assumida pela ERC como uma queixa anónima – como convém.

    Ora, só hoje me chegou formalmente, e por ter sido solicitada à ERC – a decência não os levou a enviá-la antes do meu pedido – a dita deliberação. E a conclusão a retirar é que a infâmia dos membros do Conselho Regulador (Helena Sousa, Pedro Correia Gonçalves, Telmo Gonçalves, Carla Martins e Rita Rola) não tem limites e desta vez será resolvida nos bancos dos tribunais. Serão acompanhados pelo Doutor Filipes Froes. Todos por injúria e por difamação.

    Vejamos: a ERC até chega, no ponto 30 da sua infame deliberação, a listar as “fontes de informação” que usei: 1) a base de dados Eudravigilance; o documentário Died Suddenly [o que até é falso; refiro que “as mortes súbitas associadas às vacinas contra a covid-19 não serão certamente tão frequentes como apontou há dois anos o documentário Died Suddenly, mas não são zero. Nem meia dúzia.”, ou seja, está longe de ser uma fonte]; 3) a revista científica Vaccines; 4) um editorial na revista científica Journal of American Physicians and Surgeons do Verão de 2023; 5) o banco de dados PubMed da Biblioteca Nacional de Medicina; e 6) o relatório de farmacovigilância da vacinação contra a covid-19 do Infarmed.

    Convém salientar que ambas as notícias se basearam em pesquisas morosas e detalhadas na Eudravigilance. No caso da segunda notícia foi analisados, durante três dias, os registos individuais de 914.536 reacções adversas expostas no portal do EudraVigilance, tendo-se sido identificados 1.241 registos de mortes súbitas, todas indicadas por farmacêuticas ou reguladores, ou seja, depois de previamente ‘triados’ para apurar uma associação com a vacina.

    Este foi uma das tabelas apresentadas no artigo de 11 de Agosto, através de uma análise exaustiva dos dados da EudraVigilance, onde se conseguiu apurar o número de mortes súbitas associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano).

    Porém, para a ERC eu cometi um crime capital – para além de ter incluído uma fotografia de Tedros Ghebreyesus “a rir para a câmara” e outra uma “avestruz com a cabeça enfiada na terra”, bem como de usar “adjetivação muito marcada”, “substantivos conotados” e uma “expressão em castelhano” sobre a existência de bruxas. E esse erro capital é o seguinte, textualmente: “O ângulo adotado pelo Página Um de que a vacina anti-COVID-19 é a provável causa das mortes súbitas leva à reiteração de que a sua segurança para a saúde pública deve ser investigada pelos governos e autoridades”.

    Isto mesmo: perante o silêncio de um Governo e de um regulador dos fármacos (Infarmed), que escondem informação e não investigam (lembram-se do relatório do excesso de mortalidade prometido por Marta Temido em Agosto de 2022?), a ERC acha inadmissível que um jornalista queira que a questão da segurança das vacinas seja investigada.

    Pior, a ERC diz que cometo uma “falta de rigor informativo, sobretudo pela insuficiência na demonstração de um nexo de causalidade entre a toma das vacinas e as mortes e na ausência de fontes de informação diversificadas, que permitiriam a apresentação de perspetivas contrastantes sobre o tema”. Estamos a falar de membros de um regulador que têm um nível de formação em epidemiologia, em análise de base de dados em Saúde Pública ou em estatística similar à de uma batata. Ou de uma barata.

    Até o uso de uma avestruz numa foto é criticada pela ERC, que diz “indicia[r] uma conduta em que se deixa de lado qualquer dever de isenção”.

    Não deixa, aliás, de ser curiosa esta interpretação da ERC relativamente a “perspectivas contrastantes sobre o tema”. Por exemplo, quando o Doutor Filipe Froes falava profusamente na imprensa sobre os benefícios das vacinas, nunca vi a ERC preocupada por a generalidade dos jornalistas nunca falar sobre os riscos-benefícios (a começar nos menores de idades) nem sobre os seus conflitos de interesse com farmacêuticas. Também agiram contra órgãos de comunicação social que deram eco às opiniões do Doutor Filipe Froes (e outros ‘delegados de propaganda médica’) sobre medicamentos de farmacêuticas onde ele trabalhava, e que mais tarde foram suspensos por ineficazes ou por falhas de segurança? Será que só há falta de rigor quando não se endeusa um fármaco do agrado do Doutor Filipe Froes ou das senhoras e dos senhores da ERC indicados pelo PS e pelo PSD?

    Será que os jornalistas que falaram noutros casos de fármacos com problemas, deveriam sempre ‘equilibrar’ com os benefícios obtidos? Por exemplo, o DDT trouxe benefícios; deve falar-se dos benefícios. Os CFC também; deve enquadrar-se com os benefícios. A talidomida idem; deve falar-se da maioria das grávidas que passaram a gravidez sem enjoos e com filhos perfeitos. Ou até, se falarmos da vacina contra a covid-19 da Astrazeneca (uma farmacêutica cliente do Doutor Froes) que foi suspensa pelas autoridades da Suécia, da Noruega e da Finlândia por razões de segurança em Outubro de 2021, deve-se destacar que, mesmo assim, salvaram vida (e se calhar até muitíssimas mais do que aquelas que mataram)?

    O resto da deliberação da ERC é um chorrilho de tiques da Outra Senhora, onde os ditos infames ‘conselheiros’ acham que devem tecer considerações sobre estilos jornalísticos, focando a alegada “ausência de uma clara demarcação entre factos e opinião”, o que parece ridículo porque conseguem identificar bem, nos meus textos jornalísticos, aquilo que são factos e aquilo que é a interpretação de factos (opinião). Bem sei que o regulador – e os políticos – apreciam um jornalista que não interprete os factos na notícia, mas uma coisa é não apreciarem na sua cabeça; outra é, de forma infame, considerarem isso uma falha jornalística. A ERC não tem um poder regulatório sobre estilos.

    O uso de uma foto pelo PÁGINA UM no artigo de Maio do ano passado também foi criticada pela ERC por “estar a rir para a câmara”.

    Termino com uma citação do artigo da ESC Heart Fail (página 12) e a promessa de que a ERC, o Doutor Filipe Froes e outras ‘indecentes e más figuras’ não me calarão, e os verei em tribunal para defender a minha honra:

    Um excesso de mortes não causadas pela COVID-19 foi identificado em todo o mundo após o início dos programas de vacinação em massa contra a covid-19, indicando a presença de uma nova exposição prejudicial entre as populações. Pantazatos e Seligmann extrapolaram que os relatórios do VAERS são subnotificados por um fator de 20. Quando este factor se aplica à contagem do relatório de óbitos no VAERS de 16 de Junho de 2023, que é de 35.487, o número de mortes nos Estados Unidos e em outros países que usam o sistema VAERS passa a 709.740. Deve ter-se em conta que esta extrapolação é uma estimativa geral e pode não ser precisa. No entanto, se um número considerável de mortes for confirmado, as vacinas contra a covid-19 constituiriam o maior desastre de segurança biológica da História da Humanidade”.

    Não sei se será, mas é a obrigação de um jornalista procurar saber, investigando. Até para que possa sossegar os leitores se não houver afinal qualquer problema relevante. É essa a função do jornalismo.


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  • O lamaçal de António Araújo, colunista do DN e administrador da Fundação Francisco Manuel dos Santos

    O lamaçal de António Araújo, colunista do DN e administrador da Fundação Francisco Manuel dos Santos


    O historiador António Araújo ostenta, como nota curricular de particular destaque, ter sido assessor político de Cavaco Silva e de Marcelo Rebelo de Sousa, algo que lhe deveria conceder o opróbrio dos outros, ou então o recato do próprio, quando se decide a falar dos actos dos demais.

    Ora, mas António Araújo arrojou-se, desde há uns tempos, em chafurdar na intimista vida de figuras públicas, tecendo longos perfis sob a forma de coluna no Diário de Notícias, onde, supostamente com um olhar clínico de historiador, vai dissecando virtudes e polémicas dos visados, mas com a verve bem afiada nos supostos defeitos, nos quais ele, olimpicamente, e no alto da sua cátedra de puro sem mácula, dá as suas bicadas.

    man lying on green grass soaked with mud

    Já eu ficara com olhos de esguelha quando, há uma semanas, António Araújo traçou um perfil de Fernando Nobre, enlameando as posições (legítimas) deste notável médico sobre a pandemia, que contrariavam uma narrativa (corrente) e unanimista (imposta), e que resultou em perseguições de clínicos e muitos outros especialistas, e que deveriam envergonhar uma qualquer democracia.

    Porém, ontem, António Araújo foi ainda mais longe; longe demais. Não apenas por usar o mesmo estilo de bota-abaixo, a conspurcar, no mínimo de forma deselegante, o perfil de mais uma pessoa notável – Clara Pinto Correia – como, à boleia, quis conspurcar o PÁGINA UM.

    Vejamos um trecho desta lamentável prosa de António Araújo:

    Depois, por uma cruel sucessão de desastres, uns próprios, outros alheios, a fama cobriu-se de lama, Clara entrou em perda e em queda, despenhou-se dali abaixo – e hoje é colunista do Página Um”.

    Eu sei que gente como António Araújo vive numa bolha, onde todos se consideram a melhor bolacha do pacote. Mas… que coisa é esta: a “fama” de Clara Pinto Correia “cobriu-se de lama” e “despenhou-se dali abaixo” e a tal ponto que “hoje é colunista do Página Um”?! Não ficava António Araújo satisfeito em atirar ‘apenas’ lama a uma pessoa, ao melhor estilo misógino, e quis meter ainda no seu lamaçal um projecto como o PÁGINA UM a mim e a mais uns quantos bons punhados de pessoas muito válidas –, que trouxe uma lufada de ar fresco à putrefacta lusa imprensa?

    O PÁGINA UM é um modelo daquilo que deveria ser um órgão de comunicação social:  independente, na essência e na prática quotidiana. Vive com o apoio exclusivo dos seus leitores, não tem publicidade nem parcerias comerciais com entidades públicas ou privadas, não tem dívidas ao Estado nem empréstimos bancários. E faz investigações sem complexos; e tem muitos mais processos de intimação, junto dos tribunais administrativos, para obtenção de informação escondida por entidades públicas do que TODA a outra comunicação social.

    Será o PÁGINA UM algo tão baixo para se ser colunista? Ou será o PÁGINA UM, antes, um órgão de comunicação de excelência para, sem falsos puritanismos, aproveitar o melhor que uma cronista da qualidade da Clara Pinto Correia pode dar?

    Mas afinal, quem é hoje António Araújo, e onde é ele colunista?  

    É colunista de um vetusto jornal que, perdida a glória de antanho, vende agora menos de 1.200 exemplares em banca.

    É colunista de um vetusto jornal que integra um grupo ainda dominado por um fundo manhoso das Bahamas, sendo que a sede do accionista maioritário é uma caixa de correio de um cowork no Saldanha.

    É colunista de um vetusto jornal que integra um grupo que deve 7,5 milhões de euros ao Fisco.

    É colunista de um vetusto jornal que integra um grupo com prejuízos de 50 milhões de euros desde 2017.

    É também António Araújo –  além de colunista do Diário de Notícias, onde expele puritanismos de cátedra –  um dos membros executivos do Conselho de Administração de uma fundação que compra jornalistas – ou dá-lhes dinheiro – para elaborarem à peça, para o seu site, supostos artigos noticiosos independentes, supostas entrevistas independentes, supostas moderações de debates independentes e promoção de supostos podcasts independentes, numa promiscuidade inqualificável, nas barbas da ERC e da CCPJ, e que tem contribuído para a degradação da credibilidade da imprensa.

    É também António Araújo –  além de colunista do Diário de Notícias, onde expele puritanismos de cátedra –  um dos membros executivos do Conselho de Administração de uma fundação que olha para a imprensa meramente como um ‘parceiro de negócios’, para si e para o seu ‘patrono’ (a Jerónimo Martins), a tal ponto que tem o descaramento de quantificar, em euros, o produto das notícias (boas, claro) que sobre si são feitas.

    Para não haver dúvidas, citemos o último parágrafo do relatório de actividades de 2022 da dita Fundação – que ainda por cima quer tornar-se um think tank, talvez com a ajuda dos jornalistas e órgãos de comunicação social a quem vai pagando:

    As atividades da Fundação geraram 4.813 notícias, mais 10% do que em 2021, que originaram um AAV (Automatic Advertising Value) de 157 milhões de euros, mais 80% do que no ano anterior. Além deste crescimento, a Fundação atingiu o terceiro lugar no que respeita à notoriedade das Fundações, ultrapassando a Fundação Mário Soares, que ocupava anteriormente esse lugar”.

    Portanto, quando António Araújo voltar a falar em Clara Pinto Correia ou no jornalismo do PÁGINA UM, tenha alguma noção. A começar pela noção do ridículo. A acabar pela noção de humanidade. Clara Pinto Correia não está no fundo; nem estará, certamente, enquanto colaborar no PÁGINA UM. Ao contrário do António Araújo, de quem – e parafraseando Nietzsche, que ele até cita de forma infamemente cruel no vil perfil deste domingo no Diário de Notícias – não se espera qualquer renovação nem que o metam antes em cinzas.

    N.B. Este editorial foi escrito antes sequer de falar com a Clara Pinto Correia sobre este assunto.


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