Etiqueta: Da Varanda da Luz

  • Famalicão 4.0 (seguido de Barcelona 4.5)

    Famalicão 4.0 (seguido de Barcelona 4.5)


    Há derrotas que doem e há derrotas que humilham. E depois há ainda aqueloutras cuja única redenção entronca no olvido. Aquela do Benfica contra o Braga, em tempos hodiernos na cronologia, mas em tempos de antanho na memória, inscreve-se neste último e mui ingrato capítulo. Quem vive de paixões não deve escrever sobre uma ferida ainda aberta, dizem os médicos, tal como não se narra um naufrágio enquanto o submarino não emerge. Mas disso não entendo nada, talvez seja melhor ao Almirante Gouveia e Melo, mesmo arriscando que, estando já na reserva, se tenha esquecido de muita coisa.

    Em todo o caso, no registo filosófico que me cabe nesta crónica, declaro: há momentos em que o silêncio não é apenas um acto de prudência e de sabedoria, mas uma ética de sobrevivência.

    Ora, mas no que concerne – não costumo usar este termo; enfim, fica… – à escrita desta crónica, dois fenómenos se apresentam de natureza complementar – uma espécie de proverbial casamento entre a fome e a vontade de comer. Por um lado, a minha indolência em dissecar o que foi, aos olhos do mundo, aquele descalabro do Glorioso contra os homens de Bracara Augusta. Por outro, a sábia decisão do director desta “casa” – que, por feliz acaso, sou eu – que, em exercício digno de Cícero, ponderou: “É justo perpetuar na memória uma catástrofe que até o mais benfiquista dos benfiquistas prefere esquecer?” Não, caro leitor. Não é justo. Como não foi justo o passe em falso, a defesa em apneia ou… o árbitro – sempre o árbitro, porque o árbitro é, invariavelmente, parte do enredo.

    É bem verdade que um silêncio jornalístico sobre uma tragédia desportiva pode parecer parcialidade. Tanto mais a notícia é o homem a morder o cão, e neste caso notícia seria o Braga vencer o Benfica. Mas já dizia Voltaire – e se não dizia, devia ter dito, porque me dá jeito meter aqui um filósofo para sustentar a minha tese – que não há imparcialidade no amor. E amar o Benfica é, afinal, o destino que se abraça com a mesma intensidade que fez um Romeu à sua Julieta, mesmo que por vezes nos esfaqueie, ou fraqueje, o coração.

    Aliás, muitos leitores do PÁGINA UM me criticam por esta Da Varanda da Luz, dizendo, com razão, ser inconcebível um jornalista que se reputa de isento andar nestas andanças – com pleonasmos à mistura. Mas quem, em futebol, espera uma crónica honesta, imparcial e detalhada? Afinal, cansa ser neutro – e para se ser imparcial nas notícias mostra-se necessário um escape. E qual é o melhor escape que não a bancada de um estádio?

    Aliás, voltando ao silêncio sobre o Braga: a História está repleta de exemplos de momentos em que o silêncio foi estratégico. Vasculhei por aqui, e li que Esparta, após a batalha de Leuctra, optou por não relatar a derrota aos cidadãos, temendo abalar o orgulho nacional. Li também que Roma – não Associazione Sportiva, mas a dos romanos –, quando derrotada por Aníbal Barca em Canas, fez esquecer a humilhação, varrendo a derrota da memória colectiva e focando-se somente na vingança, alcançada pouco mais de uma década depois na Terceira Guerra Púnica.

    Pois bem, partilho o mesmo espírito: por que relatar, com detalhes lancinantes, aquilo que já dói sem narração? Afinal, a dor colectiva já deve ter ficado expressa por mui benfiquistas nos cafés, nas redes sociais e no silêncio constrangido nos lares. Que mais há para dizer, portanto?

    Poderia, claro, aproveitar este espaço para filosofar sobre a decadência do futebol moderno, sobre o preço dos passes milionários ou sobre a fragilidade de uma equipa que se imortalizou nos anos 60, deu uns fogachos nos anos 80, e que custa a levantar voo, apesar das águias. Mas, convenhamos, tal seria um exercício cínico num momento em que a derrota já foi sentida nos ossos. Se já há o fardo da existência, deixemos o peso da derrota para os outros.

    E assim fica completa a crónica que não foi. Ou antes, a justificação para a ausência de crónica que, em si, é uma manifestação de puro benfiquismo: abraça-se a glória, mas vira-se o rosto à humilhação. Não é covardia; é elegância. E nem foi, convenhamos, por falta de tema. Foi falta de ânimo, é certo – mas também uma delicada aliança entre a necessidade de não perpetuar a desgraça e a vontade de avançar para vitórias que certamente me esperam hoje.

    Além disso, e como diz o povo, acumulada por sabedoria de milénios de adversidades e de vinho, muita água faz o tempo correr por baixo da ponte. E, em duas semanas, não só correu água, como, depois da tristeza, já o Benfica levantou um caneco – a Taça da Liga –, à custa do mesmo Braga e também do Sporting. E, portanto, temos hoje Benfica renascido. E, aliás, renascido, e sei isso, porque estando a alinhavar esta crónica, já estão dois encaixados nas redes do Famalicão.

    Já agora: esta crónica também vai ficar diferente, porque não me dá jeito escrever sobre as incidências do jogo. Entrei mais uma vez atrasado, e quando entrei já o Benfica ganhava. Não cheguei para ver o golo inaugural, mas cheguei a tempo de testemunhar uma coisa tão rara quanto fascinante: uma bancada central cheia de lugares vagos. Não resisti à tentação, claro. Em vez de uma colina himalaica que tenho de subir até à Varanda da Luz, fiquei aqui mais por baixo, com a promessa de uma visão privilegiada do relvado e, ao que parece, um festival de palavrões que os sócios mais antigos, e seguramente mais experientes, têm na ponta da língua… e com a qual vão mimando o árbitro, apesar de estarmos a vencer.

    Sentar-me na bancada central, embora impossibilite escrever confortavelmente, foi uma decisão calculada. Melhor vista? Sim. Mais palavrões? Com certeza. Menos tumulto? Nem por isso. Porque se há uma coisa que aprendi no futebol é não há papas na língua. Um destes dias ainda escrevo uma crónica só com palavrões e dichotes enquanto se assiste aos 90 minutos. Estes são os verdadeiros cronistas, mais ferozes do que qualquer jornalista, mais eloquentes do que qualquer filósofo. De cada vez que o árbitro apita contra o Benfica, lá vem um ensaio oral, misto de tragédia e comédia. Uma falta contra o Benfica, e a mãe do jogador adversário é vilipendiada.

    Com o Benfica em vantagem no marcador, tenho garantida uma noite tranquila. O Famalicão, ao que parece, está disposto a facilitar a vida. Nem um chuto digno de nota. O Trubin daqui a nada adormece.

    Por agora, contento-me com esta bancada central, com os seus cronistas de língua afiada e vista atenta, com a promessa de mais golos e mais emoções. Se a noite acabar em goleada, tanto melhor. Se não, bem… há sempre espaço para mais uma crónica, mais uma análise, mais uma ópera de palavrões. Afinal, na Luz, nunca há dias iguais – só noites cheias de histórias para contar.

    E encerro esta crónica – e vou armar-me em espectador normal. Até vou sair do estádio como adepto normal, num lento magote até ao Colombo. Terça-feira cá estarei: o Barcelona espera-me, ou espera-nos.


    Recepção ao Barcelona. Liga dos Campeões. Não é todos os dias nem para todos. Terceira-feira de dilúvio. Debaixo de chuva, os céus prometeram uma noite épica, e tudo começou com uma ilusão – palavra parecida com o castelhano ilusión, que significa mais entusiasmo ou mesmo alegria –, mas que terminou isto num aguaceiro de frustrações. Desta vez metido numa ala lateral da Varanda da Luz, uma espécie de coxia, porque houve mais jornalistas do que mães para assistir ao jogo, mas aparentemente escolhido para maximizar a irritação: não só pingava – um gotejar rítímico e implacável que, se fosse numa cela medieval, seria tortura reconhecida – como ainda me puseram junto de jornalistas vindos da Catalunha.

    O Benfica, confesso, começou como um furacão, levando-me a acreditar que, finalmente, o colosso catalão seria domado. Percebi a aflição de um jornalista, a meio lado, com sotaque brasileiro. Ao intervalo, tínhamos um 3-1 vistoso e galvanizante. Mas, mas, mas… na Liga dos Campeões, o Benfica é uma espécie de Estoril na nossa Liga que está a ganhar por 3-1 ao intervalo, mas inseguro de alcançar a vitória final.

    Aos 65 minutos, o Benfica esmoreceu e os golos do Barcelona começaram a cair, cada um mais doloroso que o anterior. A última machadada, aos 95 minutos e uns quantos segundos, imediatamente depois de um lance que deveria (pelo menos com o lusitano VAR) dar penálti a nosso favor, pareceu-me castigo divino, como se os céus dissessem: “De que serve sonhar tão alto se não tens guarda-chuva nem defesa sólida?”

    Se a derrota já era difícil de digerir, a cereja no topo foi ter de encontrar uma dose extra de fair play para continuar a sorrir para o simpático jornalista brasileiro, radicado na Catalunha, com quem fui compartilhando as incidências do jogo e os pingos de chuva.

    Não se perdeu tudo: o Lucas, assim se chama, trabalha para o site brasileiro do Barcelona. Fiquei com o contacto dele, prometendo que, numa próxima oportunidade, visitarei o Camp Nou. Assim, pelo menos, com as suas indicações, não passarei pelo que lhe aconteceu aqui em Lisboa: andou às voltas durante uma hora, perdido e irritado, à procura de uma entrada que parecia ter sido escondida de propósito.

    Talvez, numa outra noite, menos molhada e menos caótica, consiga redimir esta frustração – em todo o caso, mais memorável do que a derrota com o Braga. Mas, por agora, fico apenas com a certeza de que, no jogo e na vida, há dias em que os deuses do futebol decidem deixar-nos à chuva. Literalmente.

  • Estoril 3.0

    Estoril 3.0


    Aquele golo sofrido, no fim-de-semana passado, no último lance do jogo contra o AVS – que nem sei bem o que significa – doeu muito. Não tivesse o Trubin despachado tão mal aquele atraso, não houvesse falta, não tivesse a defesa do Benfica andado a ver navios…  Enfim, o prazer faz-se pagar caro, mas, de igual sorte, quanto mais tarde chega, mais saboroso parece ser. E estou confiante, depois de mais um percalço do Sporting, graças ao excelente treinador João Pereira (longa vida lhe desejava eu aos comandos dos lagartos, mas, infelizmente, como o peru, não sobreviveu à quadra), desta vez é que é: vamos mesmo chegar ao Natal em primeiro lugar. Presumo eu, que comeceu esta crónica pouco depois dos primeiros pontapés, ali em baixo.

    Nisto, depois de tudo o que se passou com o Roger Schmidt, prenunciar o Benfica em primeiro lugar é melhor do que aquela filhó que chega à mesa, dourada como o sol deste Inverno, estaladiça na borda e macia no centro, com um aroma subtil de aguardente a aquecer a alma.

    Não há melhor. Nem que fosse uma daquelas rabanadas que se desfazem na boca, banhada em calda de açúcar e canela, húmida e perfumada, como se trouxesse o abraço do Natal num pedaço.

    O Benfica em primeiro no Natal será melhor do que uma fatia generosa de bolo-rei, de brilhantes frutas cristalizadas, de crocantes nozes e amêndoas, daquele que liberta perfume a laranja e vinho do Porto, ou melhor, aquilo é mais do Douro, ou, vá lá, de Vila Nova de Gaia.

    (tudo calmo ali em baixo, já agora… e já agora, poderia o Benfica ofertar uma fatia de bolo-rei que este famigerado farnel merecia melhorias; se melhoraram o treinador, metendo o Lage, não sei a razão para manterem o lanche como está…)

    Enfim, continuemos nestas analogias. Acrescento eu que ver o Benfica no topo da clasificação será mais apetitoso do que qualquer tronco de Natal, mesmo se com aquela textura cremosa de chocolate, laivos de açúcar como neve fresca em decoração, a envolver as papilas num abraço de sabores.

    Nem qualquer sonho se iguala, que sonho já vivem agora os benfiquistas depois do pesadelo alemão – e mesmo que fosse um daqueles sonhos que parecem flutuar, leves como uma nuvem, por terem sido fritos até à perfeição, com a superfície caramelizada e polvilhada de açúcar.

    E metam também os pudins de ovos em calda de caramelo, ou as broas-de-mel em farinha de trigo ou as tartes de amêndoa de crosta dourada – tudo perde no confronto com o Benfica em gloriosa posição.

    (é goloooooooo; golooooooooooooo… já está. O nosso PAVlidis a dar-nos melhor música do que o Vangelis!)

    E digo mais agora, que o primeiro lugar me parece garantido: nem todo o ouro, nem todo o incenso, nem toda a mirra valem mais do que este momento. Exagero? Talvez. Acho que exagero mesmo. Quer dizer, pelo ouro de todo o Mundo eu até prescindia – que não sou doido –, mas só para que pudesse guardar uma pequena porção. Para quê? Ora, para alguns reforços cirúrgicos na ‘janela de Janeiro’, claro, que o assalto final à época não se faz com romantismos, mas com pragmatismo. E, além disso, temos a Champions, e eu não quero mais ver derrotas desta varanda.

    Em todo o caso, sendo certo que o ouro pode comprar jogadores, não compra o espírito. Não compra o grito da multidão, o abraço colectivo nos golos, nem o sabor desta vitória. Aquilo que desejo vincar é que o Benfica no topo, antes deste Natal, transcende qualquer presente material. É um presente que se sente, que nos percorre as veias e nos aquece melhor do que qualquer lareira da casa das nossas avós.

    O prazer de ver este nosso Glorioso no cume da tabela não é só estatística; é a chegada de triunfo que, como dizia Nietzsche, só se torna verdadeiramente glorioso depois de superados os obstáculos. E superámo-los: os percalços com o Roger Schmidt, o renascimento com Bruno Lage, e até os deslizes que pareciam comprometer o destino.

    (chega o intervalo, e o Benfica, na verdade, não deslumbra, mas mostra-se competente, mas tem de marcar mais golos para nos sossegar)

    Enquanto isto, filosofo mais, enquanto os guerreiros descansam, sobre esta reconfortante sensação que é o prazer, e que, desde tempos imemoriais, tem sido um tema central da Filosofia – e que me parece ter nesta Da Varanda da Luz o local ideal para uma competente dissertação.

    Sabemos que o prazer para os antigos gregos, mesmo sem saberem nada das artes da ludopédia, não era apenas uma questão de experiência, mas de equilíbrio e significado. Epicuro, frequentemente mal compreendido como hedonista, defendia que o verdadeiro prazer residia na ausência de dor, tanto no corpo quanto na alma. Para ele, a gratificação era maior quando obtida com moderação, ponderação e, sobretudo, depois de se ultrapassarem grandes dificuldades.

    (e recomeça o jogo; força Benfica!)

    Por outro lado, Aristóteles via o prazer como um complemento da virtude; era bom, mas nunca deveria ser o objectivo em si. Para ele, o esforço e a excelência eram a chave para uma vida bem vivida, e o prazer surgia como uma consequência natural desse caminho. Talvez devessem mesmo experenciar a dor de ter um treinador como o Roger Schmidt no início da temporada… – ou, para quem é do sportinguista, ver o João Pereira a desbaratar um início perfeito do Ruben Amorim, que, aliás, quis ir sofrer para Manchester.

    Passando agora dos antigos para os modernos. Sobre o prazer, podemos sempre recorrer ao útil Nietzsche, que desafiou o ideal da busca pelo conforto. A sua ideia de amor fati, ou o amor ao destino, sublinha que é no confronto com as adversidades que se encontra o verdadeiro sentido da existência. Não sei ainda bem se isto se aplica ao futebol. Aplica-se?

    (ai ai ai!, desgraça! Penalti contra o Benfica. Grande porcaria… espera… espera… o VAR ‘anulou’, ou melhor, o árbitro reverteu a decisão depois de ir ver o VAR. Alivio! Depois da dor pela antecipação de uma desfeita, foi como se viesse o prazer depois de uma dor percebida)

    Suspiro, aliviado. Tréguas para continuar a filosofar nesta Varanda da Luz. E respondo à pergunta. Claro que sim. Se o amor fati nos ensina a abraçar o destino, com todas as suas adversidades, então aplica-se, sim, ao futebol. E porquê? Porque o futebol, como a vida, não é uma sucessão de vitórias fáceis e momentos perfeitos; antes sim, é feito de frustrações, de reviravoltas, de lesões inesperadas, de golos sofridos no último minuto – como aquele contra o AVS, que ainda me dói só de lembrar. O amor fati é isso: aceitar que a dor faz parte do jogo da vida, e é precisamente essa dor que torna as vitórias mais doces.

    Quando pensamos na travessia inicial desta época, com Roger Schmidt a transformar-se numa fonte de frustração, ou quando olhamos para o Sporting – cujo início parecia prometer glórias, apenas para que o João Pereira desmoronasse tudo como um castelo de cartas –, percebemos que o futebol é um microcosmo da existência humana. É a luta contra as probabilidades, o confronto com a imperfeição, que dá significado ao jogo. Nietzsche diria, se vivesse agora, que, ao amar essas adversidades, ao encontrar beleza nas derrotas e nos momentos de dúvida, crescemos enquanto adeptos – e enquanto seres humanos.

    (goloooooooooo!!!! Benfica! Zeki Amdouni, acabadinho de entrar, e logo a marcar. Alívio. E o Natal está a 17 minutos de chegar, mais os descontos)

    E veja-se: se não fosse pelo sofrimento inicial, e até o sofrimento deste jogo, que houve, onde encontraria eu o sabor pleno do momento actual? O Benfica em primeiro lugar antes do Natal é um presente que só faz sentido porque passámos por altos e baixos. Se a vitória fosse certa, constante, garantida, perderia o seu valor. O futebol seria uma monotonia, sem emoção, sem intensidade. A glória de PAVlidis a marcar hoje, como se fosse o outro Vangelis a compor uma sinfonia em campo, mostra-se arrebatadora porque é fruto de esforço, de trabalho, e, sim, de dor superada… Acho que estou a exagerar, mas, enfim, quem não…

    Talvez seja isso que Nietzsche, mesmo antes do futebol ser inventado como o conhecemos, nos ensina: não há prazer genuíno sem luta, não há glória sem adversidade. Por isso, amar o destino, com as suas curvas e tropeços, constitui uma declaração de amor ao futebol em toda a sua imprevisibilidade. Por isso, sim, o amor fati aplica-se ao futebol – e talvez o futebol, no fundo, seja um dos maiores exercícios de amor fati na vida moderna. Afinal, que outra paixão nos leva a sofrer tanto e, ainda assim, a amar cada instante?

    No coração de cada adepto, sinto agora nestes benfiquistas, um pouco mais de 60 mil aqui no estádio, reside um ethos semelhante ao dos filósofos: o prazer supremo destas últimas semanas, e de hoje em particular, esteve inextricavelmente ligado à paciência, sobretudo com o alemão, ao esforço, à espera e, muitas vezes, à dor de suportar derrotas e empates. Não é o sabor mais ou menos fácil das vitórias sucessivas com o Bruno Lage que agora cativa; é o momento glorioso que chega após uma sequência de desafios superados.

    (e golooooooooooo… 3-0; novamente o suíço com o nome esquisito, que me parece que está a ficar melhor do que o Seferovic)

    Termino, como termina o jogo, em glória, afirmando que o Gloriosa, nesta temporada, será é o exemplo perfeito desta Filosofia da Ludopédia aplicada à vida. Qualquer adepto já saberia que as conquistas mais satisfatrórias são aquelas que surgem depois de períodos de frustração. E agora, basta seguir o caminho. Alvalade será o próximo bastião a quebrar: dizem-me que já sem o João Pereira… Agora, até podiam contratar o Pep Guardiola…


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  • Guimarães 1.0 (seguido de Bolonha 0.0)

    Guimarães 1.0 (seguido de Bolonha 0.0)


    A delícia do futebol é, na verdade, ser um reflexo da vida, e esta constatação vai muito além do cliché que se repete nas bancadas ou em mesas de café. É o teatro do improvável, a vida ou o futebol, uma peça onde o destino brinca com o esperado para introduzir o inesperado, transformando as certezas irrefutáveis em poeira no primeiro sopro de surpresa.

    Se a vida é uma luta constante entre a ordem e o caos em cima de uma bola chamada Terra, o futebol é a sua recriação mais fiel mas curta, em 90 minutos, de drama humano condensado em passes, golos, falhanços e, claro, nesta imprevisibilidade esperada que nos faz voltar, semana após semana, para ver como o capítulo seguinte será escrito.

    (e cheguei atrasado ao estádio, o que não é, certamente inesperado; salva-se que, no meio disto, esgotaram-se as doses de farnel, donde resultou que me desenrascaram apenas um pacotinho de batatas fritas, uma água e, vá lá, uma bifana verdadeira)

    Continuemos. Vejamos o exemplo do Glorioso e do seu arqui-adversário da Segunda Circular. Ainda há pouco mais de um mês, a Liga portuguesa arriscava ser um imerso marasmo. O Sporting de Amorim limpava tudo com uma surpreendente facilidade, cabazadas a eito, e o Benfica em estado de letargia tão desinspirada que já nem a mais fervorosa das águias acreditava numa reviravolta.

    Sob a direção de Roger Schmidt, nem um pingo de pressão, muito menos de criatividade, parecia ter perdido o fôlego, arrastando-se por uma sequência de exibições que fazia os adeptos suspirarem pela próxima época como a única salvação possível. Mas, como no futebol e na vida, as coisas nunca são tão simples nem tão lineares. E eis que assim se Schmidt, e o Sporting viu o seu treinador de sucesso rumar ao Manchester United – e num picar de olhos, a realidade altera-se. O Benfica feito carta fora do baralho, já está em posição de líder virtual, ‘bastando-lhe’ sair vitorioso deste Vitória e do jogo em atraso contra o Nacional, se os nevoeiros se escafederem em nova visita, que o ex-benfiquista João Pereira tratou de escavacar os lagartos depois da debandada de Ruben Amorim para a Velha Albion.

    (e gooooooooooloooooooooooo!!! Benfica… Aktürkoğlu, ao minuto 29, a desbloquear o nulo; isto estav a difícil, com as ofensivas muito afuniladas; venham mais agora, que já temos luz verde para a vitória)

    De facto, há algo profundamente filosófico neste jogo de incertezas. Heraclito dizia que “tudo flui”, que nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. No futebol, é certo que nunca se joga duas vezes o mesmo jogo, mesmo quando o adversário é o mesmo e as equipas tenham as mesmas caras. O golo inesperado, o erro do árbitro (ou do VAR), o ressalto fortuito – tudo contribui para esta dança do imprevisível que transmuta o futebol num espelho tão claro da existência humana. E é nesse fluxo constante, nessa impossibilidade de prever o que vem a seguir, que encontramos o fascínio deste desporto.

    Mas não é só a filosofia que encontra eco no futebol. Também a História, com as suas vitórias e derrotas inesperadas, parece partilhar da mesma lógica. O futebol, nesta imprevisibilidade que tanto o define, reflecte o melhor e o pior da vida. A narrativa do Benfica encontra – exagero, claro! – paralelos históricos que mostram como os momentos de maior adversidade podem ser os precursores de vitórias inesperadas.

    (intervalo, e espero que o descanso dê mais alento ao Benfica, que me parece ago inquieto com este atrevido Guimarães)

    Enquanto o descanso dos guerreiros decorre, um pouco de História: lembremo-nos do desembarque de Dunquerque, durante a Segunda Guerra Mundial. Em Maio de 1940, as tropas britânicas e aliadas estavam cercadas pelas forças alemãs na costa francesa, e a situação era desesperante, e a derrota inevitável na apoarência. Mas, num acto de coragem e engenho, a Operação Dínamo mobilizou civis e militares para uma das mais extraordinárias evacuações da História. Mais de 300 mil soldados foram salvos, um feito que, embora não fosse uma vitória no sentido convencional, representou uma viragem moral e estratégica que mudou o curso da guerra. Foi um exemplo claro de como a resiliência, a esperança e a acção coletiva preparam aquilo que seria uma derrota iminente num triunfo inesperado.

    (e começa a segunda parte)

    Continuemos… e isto para, evitando mais exemplos bélicos, não introduzir aqui em detalhe a Batalha de Inglaterra, que se seguiu a Dunquerque. A Royal Air Force, em inferioridade numérica face à Luftwaffe, conseguiu defender os céus britânicos dos contra-ataques devastadores, demonstrando que a determinação e a coragem podem superar probabilidades aparentemente intransponíveis. O futebol, tal como a História, está, pois, repleto destes momentos em que o improvável se torna possível, em que as narrativas são subitamente invertidas, mudando o desespero em esperança e a fraqueza em força.

    Por isso, quando o Sporting decidiu apostar num treinador novato como João Pereira, muitos riram-se da ousadia ou da ingenuidade. E, no entanto, essa decisão, aparentemente inocente, foi o catalisador para que o Benfica encontrasse espaço para se reerguer. O futebol, como a vida, tem destas ironias deliciosas. Pequenos gestos, pequenos desvios, podem gerar mudanças monumentais. É a teoria do caos em acção: o bater de asas de uma borboleta em Manchester pode mesmo gerar um cataclismo em Lisboa.

    (ui… o Florentino a inventar, bola a ressaltar para o Guimarães, e nem sei como não foi golo nem sei, mesmo com repetição na televisão, se o corte do Otamendi, in extremis, pode ter sido feita sem as mãos; o VAR é soberano!)

    Mas o futebol nem é só isto que eu estava aqui a dizer. É também uma celebração do presente, uma pausa na lógica e na racionalidade do dia-a-dia para vivermos o agora em toda a sua intensidade. Quando estou no estádio, entre cânticos e gritos, embora eu seja bastante comedido na Varanda da Luz, ou os leitores e leitoras em frente à televisão a sofrer pelo golo que tarda em chegar, não há ontem nem amanhã. Há apenas aquele instante, aquele momento de esperança, de angústia ou de êxtase puro. É por isso que o futebol, mais do que um desporto, é uma experiência existencial. É, como diria Camus – não sei bem se disse, ouvi dizer –, o lugar onde “aprendemos que uma bola nunca vem para nós como esperamos”.

    E o Benfica, nesta temporada, mostra-nos como o futebol e a vida se entrelaçam. Não há finais garantidos, não há glória sem risco, não há narrativa que não possa ser reescrita. É a incerteza que dá sabor às vitórias e torna as derrotas suportáveis. Ser líder virtual não é ser campeão, e os próximos meses serão uma montanha-russa emocional onde tudo pode acontecer. Mas, para já, o Benfica é a prova viva de que, no futebol como na vida, nunca se deve subestimar o poder do improvável.

    E é isso que faz do futebol uma delícia. Porque, no final, o que nos prende ao jogo não é a previsibilidade, mas a promessa do inesperado. O golo que surge contra todas as probabilidades, o passe mágico que desarma a defesa, o falhanço que nos faz rir e chorar ao mesmo tempo. É no futebol que encontramos a essência da vida – essa mistura de caos e beleza, onde cada segundo é uma oportunidade de redenção. E, no fundo, é isso que nos mantém vivos. E a sonhar.

    (lá em baixo, o jogo anda vivo, mas eu gostava que estivesse morno, porque o Guimarães me parece mais próximo do empate do que o Benfica de marcar mais um)

    Não desejo cantar já vitória, mas a trajetória do Benfica nesta temporada ganhará, se vencermos, uma dimensão quase épica. Há poucos meses, os adeptos pareciam estar num estado de luto antecipado. Num piscar de olhos, a lógica foi subvertida, e o caos organizou-se em algo que parece agora uma caminhada rumo à glória. A liderança virtual não é ainda o título, mas é uma lembrança poderosa de que no futebol, tal como na vida, a única constante é a mudança.

    Mas continuemos a filosofar, enquanto ali o jogo caminha para o final, com alguns estrebuches do Vitória que me estão a pôr nervoso. O futebol é, por outro lado, também uma celebração do presente, algo que o distingue de quase todas as outras áreas da vida. Quando um golo é marcado no último minuto, nada mais importa. Não há passado nem futuro, apenas aquele momento puro de emoção. É por isso que este desporto, além de ser um reflexo da vida, é também uma lição sobre como viver. Na Varanda da Luz, ou em frente à televisão, os adeptos não pensam no amanhã; vivem o agora com uma intensidade que transcende o racional.

    (eu já só quero que isto acabe, porque não há crónica do que aquela que nasce com o rei na barriga, ou seja, com a vitória antecipada e, depois, redunda num desastre, e eu quero mesmo ir a Alvalade, com o Carlos, no dia 29, com o Benfica à frente do campeonato)

    Esta será a maior delícia do futebol: a sua capacidade de nos lembrar que a vida é feita de momentos. Momentos que, como o desembarque de Dunquerque ou a Batalha de Inglaterra, nos mostram que nem tudo está perdido, mesmo quando tudo parece estar contra nós. O Benfica, nesta temporada, é mais do que uma equipa de futebol; é um símbolo da resiliência e da força do improvável. Porque, no fundo, no futebol como na vida, nunca se deve subestimar o poder da surpresa – é nela que reside a verdadeira magia.

    E o jogo acabou e eu estou aliviado… Acho que quarta-feira só aqui venho, para assistir ao jogo contra o Bolonha, apenas para descontrair. Até porque ainda estou a lembrar-me daquela desgraça que foi contra o Feyenoord.


    E sobre o jogo contra o Bolonha, não há muito a dizer. Foi uma nulidade. Um nulo, de que pouco ou nada se deve dizer.


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  • Porto 4.1

    Porto 4.1


    Cheiinho de razão estava o espanhol Ortega y Gasset, que, apesar do nome, era um só: “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim”. De facto, também eu sou a interdependência entre mim e o ambiente que me rodeia. Por muito que me jugue capaz, eu, tal como os demais, sou moldado, condicionado e influenciado pelas circunstâncias em que vivo, ou seja, pelo contexto social, histórico, cultural e material em que me insiro. Isto, no geral; porque, no particular, sou mais moldado, condicionado e influenciado por pequenos acasos, pequenas circunstâncias, pequenos condicionalismos, pequenos nadas.

    Por exemplo, se por natureza tenho uma inclinação, que muito me prejudica, em andar a correr atrás do tempo – isto é, a lutar in extremis para não chegar atrasado –, hoje está cheguei bem cedo aqui à Varanda da Luz, mas por razões circunstanciais associadas, hélas, a um atraso. Quer dizer: na perspectiva do Benfica, cujos (simpáticos) serviços consideraram que eu me atrasara no envio no pedido de acreditação, e na troca de e-mails do dá ou não dá, e investido do Estatuto de Jornalista na mão, como um Camões de manuscrito de ‘Os Lusíadas’ na mão, decidi vir para os lados de Benfica para, se necessário fosse, tirar desforço. Não valeu a pena, porque, enfim, me enviaram, entretanto, mensagem electrónica confirmando a acreditação, donde se conclui que, por força de um (alegado) meu atraso, as circunstâncias precipitaram uma chegada antecipada. E mesmo assim dando tempo – ou seja, aproveitando o tempo, para não o perder noutra circunstância – de ir antes do jogo à Estrada de Benfica por mor de uma investigação em curso… sairá na próxima edição, assim espero.

    Por esta (afinal) feliz circunstância de chegar mais cedo (uma hora), garantido está que não vou perder, em princípio, qualquer golo, como amiúde sucede quando me agacho para meter a ficha do computador na tomada, já no decurso do jogo. Já perdi dois golos, pelo menos, à conta disso… Hoje, já está tudo a carregar bem carregado… Também estou com fé por ter entrado, desta vez, pela via do Colombo, e não pelo Alto dos Moinh. Pelo menos, a ‘paisagem’ foi diferente.

    (… e, entretanto, começou o jogo…)

    Por falar em dois golos: como é possível o Sporting de Braga ter estado a ganhar por dois golos a zero, e depois levantar quatro ‘secos’ do Sporting na segunda parte? Credo! Ainda bem que o Ruben Amorim vai para as terras de Manchester! E já vai tarde…

    E por falar em dois golos e no Sporting…

    (goloooooooo. Benficaaaaa: Alvaro Carreras, o espanhol, com um belo remate, antecedido de um passe de trivela, estranho pela posição, de Tomás Araújo; assim já can um!)

    Isto já está a animar. Mas continuemos…

    Estava eu a falar – ou, melhor dizendo, a escrever – sobre golos desperdiçados e sobre o Sporting, e isto é um déjà vu: há dias, enfim, fui até Alvalade, esperando ser presenteado com uma sandes de leitão de Negrais, enquanto assistia a uma cabazada fornecida aos lagartos por Bernardo Silva & Ca., para assim me rir na cara do Carlos Enes, mas tudo se esfumou por obra e graça de Santo Amorim’. Não, a sandes, que essa, afinal, nunca chegou. Aquilo que se esfumou foi a possibilidade de assistir in loco, a uma reviravolta épica sob a batuta de um benfiquista. E tudo porque não houve sandes de leitão, coisíssima nenhuma, nem uma bolachita de água e sal.

    Aliás, aqui me penitencio, desde já, por andar, há muito, a ironizar, com sarcasmo, em redor do famigerado farnel do futebol (FFF), ofertado pelo Benfica aos jornalistas, e que, de ordinário (no sentido, de ser vulgar ou comum), consiste numa sande de conteúdo interior (relativo ao panificado) nem sempre identificável, em uma singela peça de fruta (hoje foi maçã), de uns acepipes (hoje saiu batata frita em pacote pequenino) e garrafinha de água (de pH básico, próximo da lixívia).

    (chiça! Mas o Otamendi agora lembra-se que jogou no Porto, e faz mais uma fífia de tudo o tamanho; e sai um golo para os tripeiros)

    E chega o intervalo, e continuemos…

    Ora, aqui, com o FFF, não corro, digo já, o risco aqui no Estádio da Luz de ter de sair para comprar umas asas de frango a um qualquer McDonald’s, como sucedeu com o Carlos Enes. Resultado: perdemos dois golos, porque não deu para fazer todo o percurso antes do início da segunda parte. Hoje, não vou perder nenhum. Mas tenho esperança de que o resultado seja similar: 4-1, depois estar também 1-1 ao intervalo.

    (e recomeça o jogo)

     … E estou aqui a ver que não vamos repetir o feito do Amorim. Já passaram quase 10 minutos, e nada…

    (… e golooooooo. Angel Di Maria!!! Já está!!!)

    E eu hoje, estou como estive noutros jogos, com pouca vontade de escrever e com mais vontade para assistir… Vou ver se isto agora vai encarreirar…

    (… e encarreirou!!! Bastaram seis minutos, e já entrou mais um; nem sei se foi golo do Benfica ou auto-golo do Porto; pouco interessa: já está 3-1)

    Deixa-me ver se encontro no WhatsApp o especialista do PÁGINA UM também em comentário desportivo, sobretudo do Benfica, corrosivo quando correm mal: Tiago Franco…

    Estou já a meter-lhe uma cunha…

    … e está garantido um textinho, a ser metido aqui nesta crónica. Posso então meter o computador no saco… Ou não. Tenho de meter aqui o próximo golo do Benfica, para meter o treinador do Porto com o ‘melão’ do Pep Guiardiola em Alvalade…

    (e é penalty para o Benfica… Di Maria para marcar e… marca: 4-1. Caramba, espero ainda mais!)

    Mas não houve mais, embora pudesse haver. Uma noite perfeita, muito similar aos quatro ‘secos’ metidos ao Atlético de Madrid, não fosse a fífia do Otamendi.

    Concedamos, então, agora, o merecido espaço à análise do Tiago Franco, que percebe da poda muitíssimo mais do que eu, o que não seria difícil, uma vez que eu percebo zero… Por isso mesmo, disfarço com estas crónicas…

    Esta era a noite do primeiro grande teste a Bruno Lage. A Liga dos Campeões permite alguns fogachos aos clubes portuguese, que, na melhor das hipóteses, terminam nos quartos de final. Portanto, é no campeonato e, em especial, contra o maior rival deste século, que se vê o que se pode esperar desta equipa.

    Vítor Bruno deu uma ajuda a Bruno Lage, deixando Pêpê no banco, e apresentando um 11 onde o perigo se resumia a Samu e Galeno. O Benfica apareceu com o seu melhor 11 e dominou do princípio ao fim, ficando a dever a si próprio a possibilidade de uma goleada histórica. O golo de Samu surge de um erro de Otamendi, e depois de uma pausa de jogo forçada, num momento em que o Benfica carregava na área do Porto…

    Aqueles adeptos especiais, que lançam tochas, quando a sua equipa está por cima do jogo, deveriam ter direito a um subsídio do Governo para a compra de capacetes e esponja de parede.

    Falando em gente especial: sempre que vejo este miúdo Carreras a correr, driblar adversários, marcar golos e iniciar jogadas de ataque, lembro-me de tempos não muito distantes em que ele se sentava naquele banquinho, ali ao lado, a ver o Morato a chutar contra os adversários. Bruno Lage não é o meu treinador de eleição, mas é um treinador, algo que já não havia na Luz há dois anos. Tem um plano de jogo, estuda os adversários, mexe a partir do banco. Passou o teste, era este o teste.

    Vítor Bruno com um plantel fraco, tal como Sérgio Conceição, não mostra a mesma arte deste em meter aquela gente a espumar da boca mal avistam o Colombo. O Porto joga pouco, as soluções não abundam. O Benfica também não enche o olho, convenhamos, mas tem uma equipa consideravelmente melhor e, parece-me, mais competência no banco.

    Di Maria é, na realidade portuguesa, ainda um extraordinário jogador.  O trio de meio-campo é este, com Florentino na recuperação e Kökçü e Aursnes na saída. Não é preciso inventar, basta meter os 11 melhores. Foi o que Bruno Lage fez, mas com uma chamada de atenção a Otamendi: está a precisar de banco, e o Benfica está mesmo a pedir aqueles dois miúdos no centro da defesa.

    Uma nota final para dizer que, embora o Porto seja o tradicional rival neste século e portanto, a vitória é saborosa, a competição este ano será contra o Sporting. E esses, até ver, estão uns furos acima de Benfica e Porto. Rezemos pelo fim do efeito Ruben. Sem acento.

    E em Dezembro há mais.


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  • Feyenoord 1.3 (seguido de Rio Ave 5.0)

    Feyenoord 1.3 (seguido de Rio Ave 5.0)


    No Benfica aplica-se a máxima: “quem se se levanta primeiro, calça os chinelos”, de sorte que, enfim, remetido fui hoje, por via da acrescida procura, para a ala esquerda, já algo de esguelha, da Varanda da Luz, que aparentemente é para onde ‘exilam’ os jornalistas estrangeiros – digo eu, pois, aqui ao derredor, vejo ‘olheiros’ da polaca Telewizia Polska, da alemã Sportbild Hamburg e da norte-americana ESPN.

    Bem sei que cheguei ‘resvés Campo de Ourique’, com o apito do árbitro a apanhar ainda a meio da escadaria de mochila às costas e o famigerado farnel do futebol (FFF) na mão, mas sempre poderia o Benfica proceder como os ‘lagartos’ do outro lado da Segunda Circular: reservar posições fixas. Ah, já agora, fornecer uma sandes de leitão de Negrais: dei agora mesmo uma trinca nesta espécie de carcaça e consegui identificar um ligeiro sabor a carne na fatia posta – e não colocada [estás a ver, Manuel Monteiro?] – no pão aberto.

    Enfim, culpem-me também por esta minha pouca inclinação para a pontualidade britânica – e não por considerar os ingleses snobs, que mereçam ser maltratados, como opina o ‘nosso’ almirante Gouveia e Melo –, mas a vida não anda fácil quando, no mesmo dia, se tem de lidar com as bicicletas disfuncionais da EMEL, com umas consultas de processos na ERC, com reclamações na Decathlon por uma encomenda não entregue e já paga [o que valeu uma devolução e um cliente perdido]. No meio disto, restou pouco tempo para avançar com a edição. E como podem, deste modo, aperceber-se, não estou hoje particularmente bem disposto…

    (Golo do Feyenoord, grande porcaria! Isto não estava previsto; logo aos 11 minutos, com uma facilidade enorme)

    Agora ainda menos… TSe calhar, mais valia ter-me atrasado ainda mais. O raio do tempo, esse tirano invisível que insiste em reger a nossa existência, mesmo, ou sobretudo, no futebol, que tudo se passa em noventa minutos mais os descontos. Para alguns, o relógio é uma bússola moral, um farol que os guia entre os perigos do caos, para outros uma imoralidade. O Kant, por exemplo, via a pontualidade como uma virtude, quase uma obrigação moral, um acto de respeito pela humanidade, uma espécie de imperativo categórico de quem entende que o tempo do outro também tem valor. Eu sei, e flagelo-me tanto, pelos meus atrasos.

    (ena, c’um caraças, segundo golo do Feyenoord, e isto depois de um outro golo ter sido anulado; está lindo hoje)

    Até porque nunca sequer usufruo da deliciosa arte de se chegar atrasado. E, se as há: as vantagens! Quem disse que o mundo é feito apenas para os que respeitam o relógio? Nietzsche defendeu, dizem-me, porque confesso que nunca li qualquer passagem a esse respeito, que a obediência cega ao tempo era uma das formas mais subtis de opressão. A liberdade verdadeira, essa sim, é a de quem chega quando bem entende. Chegar atrasado, sejamos sinceros, é uma afirmação de poder, uma espécie de grito silencioso contra a rigidez da vida moderna, sendo, contudo, que tenho dúvidas se a UEFA autorizaria que este jogo somente começasse quando eu chegasse…

    Se eu tivesse chegado apenas às 22 horas, como dono do meu próprio tempo, senhor do meu destino, livre das correntes invisíveis que prendem os outros, não estaria agora impaciente, roendo as unhas, zangado por esta péssima primeira parte; ao invés, no desconhecimento e ignorância estaria a gozar de uma serenidade aristocrática, como se o universo simplesmente tivesse ajustado a sua cadência para se alinhar apenas para não me causar qualquer dano.

    Chega o intervalo, entretanto, e nem sequer vale muito a pena fazer balanços. Foi mau em demasia. Avancemos para o intervalo…

    E que já passou. Veremos como corre esta segunda parte. Vou estar um pouco mais atento nestes próximos minutos… Aliás, só vou escrevere novamente quando o Benfica marcar…

    Isso estou eu agora a dizer porque neste momento sinto-me um existencialista, como Sartre, porque a liberdade de quem não se prende ao relógio pode rapidamente virar angústia. Estás tão livre, tão fora de qualquer compromisso temporal, que de repente percebes que a vida, sem as amarras do tempo, pode parecer um vasto vazio, onde até o prazer perde o gosto. Agora, na verdade, estarei nesta segunda parte agarrado ao relógio para saber se ainda vamos, hélas, a tempo de corrigir na segunda parte do tempo de jogo o mal que se fez na primeira.

    Nisto, meto Epicuro: nem tanto ao mar, nem tanto à terra – o ideal será o equilíbrio. Obviamente, chegar sempre atrasado pode fazer-nos sentir uma espécie de semi-deus – por exemplo, eu poderia nem vir ver o jogo –, mas deste modo não aproveitaria o prazer, que por agora é pouco, de estar aqui. Já aquele que vivem agarrados ao relógio podem acabar sem ter vivido, sempre correndo de um compromisso para o outro, sem parar para sentir o prazer do momento.

    (Goloooooo! Goloooooo! É do Benfica!)

    E agora a pressa…

    Ah, agora a pressa, essa fiel companheira da esperança e dos desesperados. Não há nada como o apelo dramático da sofreguidão quando tudo está prestes a desabar, mas há ainda uma réstia, um lampejo de ventura, que nos possa debelar o sofrimento, Schopenhauer já advertia que a vida é essencialmente sofrimento e se o sofrimento ainda se tornará maior depois de esgotado o tempo de jogo, porque aí a eventual derrota se mostrará irreversível, então o relógio mostra-nos como a esperança se escapa pelos dedos ao som de um tiquetaque, ainda mais quando, lá em baixo, não se anda sequer em correrias desenfreadas.

    Em todo o caso, a pressa e a sofreguidão também nunca foram boas conselheiras nestes momentos, e nem seria desejável que agora, lá em baixo, os jogadores do Benfica se portassem como aqueles trabalhadores de olhos esbugalhados e cabelos desgrenhados, correndo de uma tarefa para outra com a sofreguidão de quem acredita piamente que a pressa resolverá tudo. A pressa, na verdade, nunca se deve confundir nem ser um sinal de desespero. Para Nietzsche, a pressa era mais uma manifestação, uma revolta contra a falta de controlo que temos sobre o mundo. No caso, deste jogo, a pressa advém de, para se pontuar, pelo menos, o Benfica precisa de marcar mais um golo sem sofrer qualquer outro (válido) antes do árbitro apitar pela derradeira vez.

    Aliás, precisamos de um pensamento cartesiano, racional, um “penso, logo existo’ aplicado à bola. E não é um “corro, logo existo’ nem um ‘chuto, logo existo’, mas sim um «penso, logo ganho’. Um jogador perdido em campo, sem direcção, ou a passar para trás, como o João Mário, não ‘existe’ de todo. Mas se apenas pensa, e não corre nem chuta que está ali a fazer? Nada. Na melhor das hipóteses, melhor estaria a escrever crónicas, sem préstimo, ou pouco.

    Enfim, como se anunciam agora seis minutos de desconto, já pouco me importam as congeminações filosóficas: cada passe, cada decisão táctica, pode ser cartesiana ou raquidiana; interessa sim que o Benfica marque…

    Com os seis minutos de desconto, já pouco me importam reflexões: cada passe, racional ou instintivo, que resulte em golo!

    (… mas é o Feyenoord que marca)

    Pronto, guardemos a guitarra. Pela primeira vez desde que subo à Varanda da Luz, vejo o Benfica perder. Aceitemos o amor fati: tanto o sucesso como a derrota são etapas da vida. Nietzsche diria que são necessárias para o espírito. Mas eu só penso no tempo que perdi com esta derrota.

    O ritmo moderno parece pedir-nos pressa a todo o custo, esquecendo a importância de parar e pensar. Agimos por impulso, sempre contra o relógio. A pressa tem sua utilidade, mas é um remédio de efeito breve. Corremos porque acreditamos que isso resolverá tudo, mas, no final, acabamos exaustos, como num labirinto sem saída.


    Felizmente, o meu regresso à Varanda da Luz, quatro dias depois, foi mais feliz. Fiz gazeta apenas para apreciar o jogo, tirar umas fotos e, enfim, vingar-me do Provedor do Adepto do Rio Ave, o ex-presidente de infausta memória do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas… Cinco ‘secos’. Agora, o regresso aqui à Luz, depois das visitas ao Algarve e a Munique (ai Jesus), será com o Porto! Carrega, Benfica! Ou não.


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  • Atlético de Madrid 4.0

    Atlético de Madrid 4.0


    Há sempre uma primeira vez. Hoje, por exemplo, foi a primeira vez que vi uma pomba no metro, neste caso no átrio da estação do Marquês, cheio de ‘águias’. As verdadeiras águias, a Vitória e a Gloriosa, chamar-lhe-iam um figo, o que talvez não seja uma metáfora feliz, porquanto não consta que os indivíduos da espécie Haliaeetus leucocephalus sejam frugívoros. Em todo o caso, mesmo carnívoros, duvido que a Vitória ou a Gloriosa [por acaso, não sei se são machos ou fêmeas) metessem o dente – força de expressão – à sande de panado que tenho defronte de mim, a primeira que integra o mais famigerado farnel do futebol (FFF), que não sendo de deitar fora, ainda fica aquém daquela rechonchuda sandocha de leitão de Negrais que degluti, com bom proveito, no ‘estádio dos lagartos’.

    Por falar em primeira vez, também é a primeira vez, desde que nasceu este Da Varanda da Luz, que venho assistir a um jogo da Liga dos Campeões, que se deve, sobretudo, por ter faltado, hélas, pela primeira vez a um jogo da Liga Portuguesa, uma vez que estava em Roma no sábado passado, pelo que perdi uma vitória retumbante do Benfica, mesmo se com entrada em falso. Daí a razão para esta crónica não se chamar Gil Vicente 5.1, embora não desdenhe que se venha a titular Atético de Madrid 5.1. Veremos…

    (entretanto, deixei o jogo iniciar-se sem avisar, e o Oblak, meu grande traidor, salvou ao minuto 8 o Atlético de Madrid de sofrer o primeiro golo com uma defesa com a classe que se lhe reconhece desde que vestiu de vermelho; bom cabeceamento do meu ‘alter-grego’ PAVlidis)

    Estando na Cidade Eterna, como adiantei, ainda tentei substituir a crónica de sábado, não com uma visita ao Papa, mas com uma passagem no Estádio Olímpico, aproveitando o jogo entre o AS Roma e o Veneza para o Calcio. O Roma, que já foi de Mourinho e Rui Patrício – e agora é apenas de Svilar e de Cristante, que já foram ‘águias’ sem grandes voos – está como o Benfica esteve nos tempos daquele alemão de triste memória: a jogar mal. Não sei como jogou no sábado passado, porque me andaram a ‘emperrar’ a acreditação, até que não me deram, o que resultou na minha ‘represália’ sob a forma de bruxedo, que não foi assim tão forte, pois, apesar da AS Roma ter estado a perder, deu a volta ao resultado, terminando a ganhar à rasca por 2-1.

    (gooooooooolooooooooo!!!! Benfica!!! Com ascendente nos últimos minutos, marca o turco do duplo diacrítico, Aktürkoğlu, depois de uma excelente desmarcação, a passe do Aursnes)

    Enfim, e por falar mais uma vez na primeira vez: não foi a primeira vez que perdi um golo do Benfica enquanto estou na Varanda da Luz a tentar meter, por debaixo da mesa, a ficha no raio de tomadas muito mal colocadas. Ainda mais, fiz aqui uma distensão muscular na perna direito, porque por aqui está tudo cheio de jornalistas e tive de fazer alguma ginástica… e a idade já não perdoa a falta de alongamentos.  Vejamos se não fiz aqui uma daquelas microrroturas à futebolistas.

    (caraças!, bola na trave da baliza do Trubin; sem saber nem escrever, o Atlético de Madrid quase empatava)

    Também é a primeira vez que estou a assistir a um jogo ao lado da equipa de relatadores da TSF, que não conheço, mas que são tipos de boa visão e de boa técnica vocal. Enfim, só estreias e ineditismos…

    (e o Benfica quase marcava por PAVlidis, com a bola quase a roçar, do lado de fora, o poste esquerdo da baliza de Oblak, que espero vir a ter hoje uma noite infeliz)

    Entretanto chega o intervalo, e o Benfica fez, pela primeira vez desde há muito tempo [como se sabe uma primeira vez pode ser sempre um evento que se segue ao último, que assim deixa de ser o último], uma belíssima primeira parte.

    Estou esperançoso de uma segunda parte ao estilo do melhor Benfica. Sente-se nas bancadas uma euforia muito boa saudável boa onda, uma noite europeia e, se me permitem pela primeira vez não vou escrever mais nada nesta crónica especial Da Varanda da Luz, a não ser apontar os, espero, (muitos) mais golos do Benfica.

    (goloooooooo… minuto 52: 2-0, marca Di Maria de penalti, depois de o VAR ter alertado o árbitro para um pisão sobre PAVlidis)

    (goooolllooooo!!!! Mais um, ao minuto 75, marca Bah, de cabeça, ou coisa parecida, nio seguimento de um canto)

    Eu previa, pela primeira vez, que assistiria, como há muito não se via, pela primeira vez, talvez, na curta história deste Da Varanda da Luz, a uma daquelas épicas noites europeias. Pelo menos, não me recordo de um jogo em que todos os jogadores, sem excepção, tiveram prestações tão boas. Que grande Benfica se tem agora… sem o João Mário e o Roger Schmidt. E o Kökçü está um senhor jogador…

    Ao minuto 79, grita-se olé a cada passe dos jogadores do Benfica, depois de uma bela sequência de passes sem que os madrilenos tenham sequer o sonho de cheirar a chicha uma vez que seja… Respira-se uma gloriosa noite europeia e grita-se “só mais um!”

    (e… goloooooooooooo… de Kökçü, a concretizar a marcação de uma grande penalidade a punir falta sobre o suíço Amdouni. Minuto 84. ‘Granda’ cabazada!)

    Caramba, não cumpri o prometido: ainda pincelei a segunda parte com uns breves comentários, e saio daqui eufórico. Pela primeira vez, de facto, constato ser impossível escrever uma crónica isenta e independente sobre um clube do nosso coração quando este pratica bom futebol. Mas não regresses, Schmidt! Afinal, este Da Varanda da Luz nunca quis ser independente nem isento…

    Ah, e acho que a pomba do Marquês deu sorte!


    Comentário especial de Tiago Franco (a pedido expresso e escrito ‘a quente’)

    Praticamente com os mesmos jogadores que Robert Schmidt tinha à disposicão, Bruno Lage optou por aquilo que os brasileiros designam por “feijão com arroz”, ou seja, 11 jogadores nas suas posicões. Juntou-lhe uma pitada de motivação, substituições com sentido, leitura do jogo a partir do banco e, voilà, o básico para uma equipa profissional de futebol funcionar voltou a aparecer na Luz.

    A partir daí, foi deixar que os artistas fizessem o resto. Turcos, argentinos, ucranianos, espanhóis e nórdicos, numa mistura de talento imigrante que até o Ventura aprovaria, soltaram-se e voltaram a ter alegria de jogar. O Atlético de Madrid era, até agora, o desafio mais exigente da era Bruno Lage, e para quem, como eu, tinha algumas duvidas, ficaram dissipadas quando percebi como Carreras enchia o antigo corredor de Morato (lembram-se?) com a confianca de quem nunca ali tinha nascido.

    Num relvado com seis campeões do Mundo, foram os do Benfica que deram mais nas vistas. O Atlético ameaçou apenas no final da primeira parte, mas Simeone fez o favor de estragar tudo ao intervalo, tirando os melhores do meio-campo. A segunda parte foi de varridela total, acabando o jogo com 11 remates enquadrados contra ZERO dos espanhóis. Uma exibicão quase perfeita e que há dois meses seria absolutamente impensável. Que bom ver Kökçü no centro, Carreras na linha, um avançado (Pavlidis) em vez de um pino (Tengsted), um trinco (Florentino) com Aursnes ali por perto, e extremos que não passam apenas para trás. Em resumo, que bom ter a equipa de volta, um treinador no banco e 62 mil alegres almas na Catedral. Noite de Gala, finalmente.


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  • Santa Clara 4.1

    Santa Clara 4.1


    Na vida, como no futebol, há um antes e um depois…

    (golo do Santa Clara, uma chapelada logo a abrir, aos 20 segundos, antecedida de um pontapé na atmosfera do Otamendi; vamos fazer de conta que este jogo começa com um handicap a favor do Santa Clara apenas para ser mais emocionante)

    … e o depois é estarmos já a perder, apesar de nos termos livrado do alemão, do qual nem me recordo do nome [será Alzheimer?], de termos contratado mais um jogador turco de exóticos diacríticos no nome [Aktürkoğlu] e de o regressado Bruno Lage ter mudado meia-equipa, sendo que, mesmo assim, receio não fazer, com isso, uma equipa inteira.

    E, portanto, estamos aqui, na Varanda da Luz, como estivemos há umas semanas: na esperança que isto seja somente um pesadelo, o que parece ser mesmo, mas interminável. Até porque na semana que agora se finda ainda apanhámos mais a notícia de prejuízos de 31,36 milhões de euros na época transacta [até me mete medo analisar oi relatório e contas da SAD], e uma ‘aparição’ de Luís Filipe Vieira na CMTV a chorar-se de lhe terem estragado a dívida [acho que o BES não lhe deu os créditos que ele jugaria merecedor].

    (goloooooooooo…. marca o turco dos dois diacríticos, o Aktürkoğlu; quer dizer, o Kökçü tem duas tremas, mas apenas um diacrítico… enfim, o que conta é o golo de belo efeito, logo na estreia)

    Esperemos que entrada de sendeiro do novo Benfica à Lage tenha sido uma espécie de canto do cisne ao contrário, para assistirmos, no mesmo jogo, à redenção depois da perdição. Ou então a culpa foi da Vitória, que esta noite estava destrambelhada, e andou a cruzar os ares, antes do apito inicial, para pousar onde não devia: o no relvado, bem longe do tratador.

    (goloooooooo… boa, boa!, eis a reviravolta! Florentino, o único jogador anteriormente treinado por Lage, marca de cabeça, após uma assistência pelos ares de Otamendi)

    Agora sim. Finalmente, aos 34 minutos depois do apito inicial, posso então dissertar melhor sobre o antes e o depois, que não diz respeito somente ao despedimento do Robert Schmidt, que garante certamente mais um ano de prejuízos…

    (credooooooo…. remate ao poste direito da baliza do Trubin… isto não anda, de facto, nada fácil)

    Bem, continuamos. Quando comecei, com essa estória do antes e do depois, estava também a lembrar-me [como poderia esquecer] a minha ‘visita de trabalho’ ao estádio de Alvalade para ‘supervisionar’ o Carlos Enes. E… caramba! Como é possível que o Sporting não apenas tenha concedido uma recepção VIP ao PÁGINA UM (com lugar marcado com identificação a preceito) como, de forma retumbante, mete a sandes do farnel do Benfica num bolso. Uma bela e bem apetrechada sandes de leitão de Negrais? Rui Costa: por amor da santa! A partir de agora, só direi bem do ‘farnel da Luz’ quando me presentearam, e me apresentarem, uma sandes de leitão à Bairrada! Não menos…

    (intervalo… descansemos…)

    Enfim, mas bem sei quais as armas do ‘demo’, especialista em tentações – querem que eu vá de novo ao estádio do Sporting só por causa da sandocha de leitão de Negrais. Já não lhe bastava, ao demo, me ter ‘oferecido’ um jogo onde, hélas, se viu um belíssimo jogo.

    (entretanto, recomeça a segunda parte)

    Porém, estou esperançoso que hoje haja mesmo uma redenção, e após a entrada em falso no primeiro lance, se saía daqui com uma exibição de encher olho [a segunda metade da primeira parte mostrou-se já interessante) que ‘enterre’ mesmo o alemão…

    (golooooooo. 3-1: caramba, bela entrada… marca António Silva, na cobrança de um canto do turco do duplo diacrítico, o Kökçü)

    Entretanto, por desfastio, enquanto lá em baixo rola a bola em bom ritmo, e se ouvem cantorias e palmas [há muito tal não se ouviam com esta frequência e entusiasmo], desafio o Chat GPT para me compor o resto da crónica, ‘instruindo-o’ para incluir as referências a eventuais golos. O ‘homem’ entusiasma-se [ainda dizem que a inteligência artificial não tem emoções], metendo-me o Benfica a ganhar por 6-1, sem contar com um (inventado por ele) golo anulado, e somente com pequenos ‘lapsos’ como sejam os golos de Rafa e de João Neves.  

    (goloooooo! E este é real! Di Maria, com uma bela chapelada para facturar)

    Numa ‘coisa’ o Chat GPT parece já ter antecipado, ao escrever-me nessa ‘falsa crónica’ que as manchetes de amanhã dos jornais destacarão “Benfica avassalador” e ainda “Lage traz nova era”, embora caia na real, seguindo o meu estado de espírito: “Palavras fortes que, quem sabe, poderão ser apagadas se na próxima semana voltarmos a tropeçar, mas hoje… hoje tudo parece possível”.

    E parece que sim: ainda faltam 25 minutos, e o 6-1 previsto pelo meu ‘companheiro’ Chat GPT está aqui à mão de semear. Paremos aqui um pouco a crónica para assistir, de forma descontraída, a alguns minutos de jogo, até para ver se o suíço Zeki Amdouni é bom ou não.

    (tudo muito calmo lá em baixo; a única nota de relevo foi o anúncio da presença de 60.145 espectadores nas bancadas, portanto acima dos 60 mil, o que me parece ser a primeira vez que sucede esta época…)

    Como não me parece que haja muito mais para avançar nesta crónica, sucedendo-se as substituições no lado do Benfica, faltando nove minutos para terminar o jogo, já agora, vou fazer outro teste com o ChatGPT: estando o jogo com o Santa Clara em 4-1 aos 81 minutos, qual a probabilidade em percentagem de haver alteração do marcador.

    Responde-me que “considerando o estilo de jogo, a motivação dos jogadores e o desgaste do adversário, a probabilidade de o Benfica marcar mais um golo nos últimos 9 minutos pode ser estimada em 30%.”

    (e bola ao poste, achou eu, a remate de… não sei, estava a escrever…)

    Já o Benfica marcar ainda dois golos, o Chat GPT atira-me com 10% [acho que está a inventar já] e três golos entre 2% e 3%.

    (e grande perdida de… não reparei quem foi, estava a olhar não sei bem para onde)

    Bom, na verdade, pelo que fez o Benfica nos últimos minutos já podiam ter entrado dois…

    (três… grande livre de Amdouni, com a bola a embater com estrondo na barra; seria um grande golo)

    Na verdade, pode não entrar mais nenhum, mas acho que os benfiquistas fizeram hoje as pazes com a equipa. Bem-vindo, Bruno Lage! O futebol tem destas coisas: do desãnimo ao ânimo. Quando é que jogamos com o Sporting para lhe fazermos engolir duas ou três sandes de leitão de Negrais?


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  • Estrela da Amadora 1.0

    Estrela da Amadora 1.0


    No futebol, que não é o modelo para se levar pela vida, exponho-me como um ferrenho, no sentido de fé inquebrantável, dos presságios. Prefiro os bons, embora as mais das vezes se tornem maus, apesar de, com elevadíssima probabilidade, os supostos sinais antecipatórios sejam sempre tão relevantes como a francesa Linha Maginot foi para conter o Blitzkrieg da Alemanha Nazi.

    Porém, dizei-me, cépticos, incréus e demais descrentes: como ignorar, ao fim de 24 anos de sócio, que a águia Vitória (acho que, na verdade, era a Gloriosa) finalmente se cruza comigo? Isto é, a menos de um metro: eu a subir o elevador para a Varanda da Luz; ela, com o tratador, a sair do relvado… É certo que ela me pareceu um pouco alheia à minha presença, enquanto subíamos, e eu entabulava uma curta conversa com o seu tratador, sobre o desempenho (eventualmente) distinto das duas águias, mas, enfim, nem sempre os momentos históricos são apercebíveis por águias nem tão solenes como os do Anjo Gabriel e a Virgem Maria.

    (visto está, porque me cruzei com a Gloriosa [acho eu], que me atrasei, pelo que, somando o tempo do elevador, a ‘apanha’ do farnel e a subia a penantes da escadaria, cada vez mais íngreme, cheguei à Varanda da Luz já com cerca de cinco minutos de jogo)

    Além disso, talvez também por não me ter cruzado com tanta gente, que quase tudo estava dentro estádio, pareceu-me que hoje não havia tanta camisa negra, abrenúncio, que só o vermelho do Manto Sagrado, mesmo se por vezes sangrado, deveria merecer franquia de acesso.

    Enfim, avancemos. Convencido estou que, depois deste encontro, muito curto, surgirá uma vitória gloriosa, ou uma gloriosa vitória, várias, muitas, todas, até ao final da época, pelos séculos dos séculos; talvez sempre superiores, em bolas entradas, aos seis que o Sporting já mandou na Madeira, e, claro, dos cinco em Faro. Certo será que na hora em que lerem esta crónica, sabido já estará se foi o Sporting ou o Porto que não conseguiu a quarta vitória consecutiva, ou ambos, porquanto haverá ‘derby’ na próxima semana – que já será passado para quem agora me está a ler)

    Desconfio que mais provável seja, neste jogo e em muitos, que os cruzamentos da linha de golo sejam em menor número, sendo satisfatório que seja pelo menos e na da baliza adversária.

    (como habitual, lá em baixo, um jogo morno, sem intensidade)

    Mas, claro, quem precisa de intensidade quando temos a sublime arte de esperar por um milagre? A esperança é a última que morre, como se costuma dizer, mas cá entre nós, ela tem um jeito especial de se arrastar como o Schmidt lá em baixo, mão nos bolsos, numa noite de sábado.

    A fé no futebol é uma forma de optimismo que só rivaliza com as promessas de campanha dos políticos de que, no Verão, os planos de emergência em saúde vão fazer os obstetras suspirarem para que lhes cheguem mais grávidas, que as há poucas no Verão…

    (goloooooo… já estamos, finalmente, encaminhados: depois de dois remates fracos à baliza, lá temos o turco Kökçü lá acerta no fundo das redes, sob a forma de ‘franginho’ servido à la Brígido, o guarda do Estrela da Amadora)

    Continuemos a filosofar. Não sendo ateu, o futebol começa a ocupar agora, pelo menos para mim, e para mal dos meus pecados, a função da missa dominical da minha adolescência: ia por obrigação paterna (agora tem sido profissional), embora me esgueirasse depois, antes da comunhão, para o cemitério ver campas (agora vejo vídeos com momentos de glória).

    Convenhamos que, com o Schmidt, esta nossa Catedral está, daqui a nada, a parecer mais um necrotério do que local de celebração: raramente temos gritos, aplausos e a veneração. Bom, pelo menos não há muitos assobios hoje, porque o João Mário aparentemente já não jogará mais por aqui. Quer dizer, há pouco houve, por causa de um amarelo por protestos do Kökçü.

    (e termina a primeira parte sem chama, tirando o ‘frango’)

    Em todo o caso, sempre se mostrará mais sensato, mesmo numa época a começar mal, ter fé em ser campeão do que acreditar na política fiscal eficaz do Governo ou de que o plano de emergência para a saúde resolva o que quer que seja, excepto engrossar os bolsos de alguns com dinheiros públicos.

    Mas sigamos que, também ali em baixo, pouco se anda a fazer para resolver os ‘problemas’ dos benfiquistas, a saber: não conseguem assistir a um ‘jogo de gala’, de se tirar o chapéu, há muito tempo.

    (recomeça o jogo; renova-se a esperança similar à possibilidade de Cristo descer à Terra)

    Interessante que, confrontando-o com a religião e a própria política, o futebol acaba por ser, com toda a sua bagagem de tradições e rituais, o último bastião da superstição moderna. Entre o ‘penteado da sorte’, o ‘ritual do chuto para o lado direito’ e o ‘cruzamento com a águia no elevador’, a crença nos presságios é a única maneira de manter a esperança viva, apesar dos dados frios da realidade.

    Na verdade, a águia (Vitória ou Gloriosa, pouco importa) é o símbolo de sonhos frustrados, uma metáfora voadora da Esperança, porque se tudo estivesse a correr bem não iria acreditar que será uma rapina a alinhar o universo para uma vitória benfiquista.

    (e acho que também, pela amostra, não será o Renato Sanches, que entra, e que mais parece o Elijah Price, do filme O Protegido, realizado pelo M. Night Shyamalan)

    Enfim, já me estou aqui a arrastar em filosofias baratas, de encher chouriços, cada vez mais irritado, e desanimado, porque o meu ‘encontro’ com a água, mesmo se por breves momentos, merecia noite mais gloriosa. Espero, e já rezo, vejam lá, para que, pelo menos, não ‘voe’ a vitória (pouco gloriosa) que se surgiu de um ‘frango’.

    Com a aproximação do fim deste pobre jogo, garantido fica que a tendência para se forçar um significado aos encontros fortuitos, com águias ou com o que quer que seja (talvez com excepção de Deus), é tanto uma maneira de enfrentar o absurdo da existência como do absurdo de um segundo campeonato pelas mãos do Roger Schmidt.

    (e terminou isto, sem qualquer jogada digna desse nome durante toda a segunda parte, de parte a parte, Benfica e Estrela da Amadora; há pelejas de casados contra solteiros mais animadas)

    Conclui-se assim, acabando ‘isto’ num ‘Estrela da Amadora 1.0’ (ainda pior do que na época transacta), que um jogo morno nos pode ensinar algo: contentemo-nos com o que temos, sobretudo se o Rui Costa ainda precisa de mais para abrir os cordões à bolsa e ‘despechar’ o alemão…

    P.S. Esta crónica, acredite-se ou não, foi escrita antes do jogo contra o Moreirense, e o consequente ‘despedimento’ de Roger Schmidt. Entretanto, também houve um jogo, convenientemente ‘analisado’ pelo Carlos Enes, e com a minha ‘supervisão’, enquanto me deliciava com um ‘farnel’ na Varanda do Varandas que deveria envergonhar o Benfica. Mas esse ‘ajuste de contas’ fica para a próxima crónica…


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  • Casa Pia 3.0

    Casa Pia 3.0


    Ano novo – época nova – e problemas renovados, alguns agravados, talvez da idade, que me fez chegar ao estádio a pensar que o jogo começava às 20, quando era meia hora depois. Pior, à conta deste meu desacerto, julgando haver debandada geral, enviei uma foto das bancadas quase vazias a um lagarto que se estava deleitando pelo cristalino facto de o Sporting ter já despachado seis ‘secos’ ao Nacional da Madeira.

    Homem sem fé, assim me vejo. A ‘coisa’ – leia-se, bancadas – lá se compôs, não é ‘casa cheia’, enfim, mas não envergonha, apesar de subsistir um problema ‘velho’: houve novo tropeção na primeira jornada. E mais assobios ao Roger Schmidt, depois das palmas aos jogadores anunciados pelos altifalantes. Quer dizer, não estive com grande atenção, pelo que não posso confirmar que o nome do João Mário recebeu aplausos.

    (coloquemos aqui o início do jogo, embora se na época passada houve dúvidas sobre a veracidade da escrita em directo, agora ainda mais, não sendo a crónica publicada imediatamente a seguir ao apito final)

    Não é novidade para o Benfica começar um campeonato com uma derrota; são logo três pontos que à vida seguem, e geralmente nas competições cá do burgo um desaire é logo um terço dos desaires aceitáveis para se ser campeão. Excepto, claro, se se for o Giovanni Trapattoni, que nos devolveu as faixas onze anos depois no campeonato de 2004/2005, mesmo tendo ‘chupado’ oito empates e sete derrotas. Sim, foi nesse campeonato, o do cabeceamento do Luisão que, ou foi um ‘frango’ do Ricardo, ou foi falta de jeito do Ricardo – coisas de antanho, antes do VAR.

    Objectivamente, a 20 anos de distância, e comigo a poucos metros de distância (estava atrás da baliza), posso garantir que foi um belíssimo cruzamento do Petit, na sequência de um livre, logo ele que, por norma, marcava cantos sem conseguir levantar a bola, estranho nele que corria que nem pitbull. Enfim, bons tempos, que aquele campeonato soube a mel, depois de tão longo jejum com Vale e Azevedo à mistura.

    (e lá em baixo, andamos a pastar agora; tirando um remate do Casa Pia, para boa defesa do Trubin, nada de relevante, ou seja, uma pasmaceira)

    Acho que vou começar a fazer contas à vida, que, no meu caso, significa analisar as probabilidades de sermos campões. A jogarmos assim, zero. Tenho de começar a ter uma mentalidade britânica, que mesmo nos clubes da quinta divisão no fundo da tabela gritam amor até ao fim dos tempos. Se calhar não é uma honra, mas sim uma maldição ser benfiquista: contentamo-nos apenas com muito, e o pouco parece nada.

    (e nada saiu desta primeira parte)

    Enquanto anda ali uma confusão no topo sul, acho que na claque dos No Name Boys, estou aqui a pesquisar se uma derrota na primeira jornada é mesmo determinante. Ainda recorro ao ChatGPT, mas este ‘tipo’ não me parece de confiança na determinação do número de campeonatos em que o Benfica foi campeão mesmo perdendo na primeira jornada. Dá-me valores com ‘pinta’ de serem inventados.

    Uma coisa sei, sem ser necessário inteligência artificial: o jogo do Bessa, no ano passado, não augurou ‘coisa’ boa, pese embora tenha sido ao intervalo dessa partida, que assistia ali na Graça, que me lembrei, não sei se para bem ou mal dos meus pecados, de criar este Da Varanda da Luz. Enfim, o mal está feito, e arrepia-me a ideia de uma segunda época a ‘pão e água’, mesmo se acompanhado pelo já famoso farnel do Benfica que, pelo menos nesta jornada, surgiu com uma novidade: pãozinho tipo ‘bolo do caco’, besuntado de uma pasta de carne, em vez da sensaborona e ‘insuflável’ baguete.

    (e lá vamos para a segunda parte, que é sempre de esperança neste estádio, o que é mau prenúncio, porque significa que precisamos de melhorar, pois esta primeira metade não foi ‘grande espingarda’)

    Além de tudo isto, a caminho do estádio, talvez impressão somente minha, pairavam ares de ambiente fúnebre ou funesto, tantos eram os adeptos do Benfica trajando o equipamento alternativo, mais de pendor negro, em vez do glorioso encarnado. Enfim, pelo menos, os jogadores ali em baixo seguem com a tradicional camisola vermelha e calções brancos – e deveriam ser proibidas outras cores para não se manchar o simbolismo deste ‘sacrossanto manto’. Já nos bastou aquela época em que se meteram em ‘mariquices’ [posso agora usar essa expressão?!] com uma camisola cor-de-rosa: acho que foi no campeonato de 2007/2008, em que ficámos em quarto, atrás mesmo do Vitória de Guimarães, com quatro derrotas e 13 empates.

    Confesso também que, não sendo a confiança muita – e comungando o estado de espírito de qualquer benfiquista, entre o medo de mais um desaire e o pânico de continuarmos com o Roger Schmidt –, há o factor Casa Pia, de má memória para esta, mesmo assim, invicta crónica. Sim! Parecendo impossível, e mesmo com a transacta desgraça, como só escrevi Da Varanda da Luz para os jogos da Liga, nunca assisti ainda a qualquer derrota, e somente a dois empates, um dos quais com este mesmo Casa Pia.

    (começo a exasperar-me com a pobreza franciscana lá por baixo; e eu que me estava a preparar para glorificar o Pavlidis, com um trocadilho com as minhas iniciais, e o grego nada… haja fé com as substituições agora feitas, com uma vaia ao João Mário)

    Entretanto, como tive tempo, porque nada de relevo se passa, encontrei um campeonato épico onde começamos em desgraça e terminámos em apoteose. Época de 1976/1977, já eu nascido, e talvez já benfiquista, com o inglês John Mortimore aos comandos. Primeira jornada: derrota contra o Sporting, três ‘secos’ sem resposta. Segunda jornada: empate em casa, com o Braga, a dois golos…

    (golooooooooooooooooooooo… finalmente! O miúdo Tiago Gouveia com um grande cruzamento e o grego PAVlidis a facturar… caramba, haja esperança!)

    Bem, se ganharmos, então estaremos melhor do que na tal época do Mortimore, que à terceira jornada, no antigo Estádio da Luz, permitiu novo empate, dessa vez com o modesto Estoril, a uma bola. A primeira vitória só à quarta jornada, e bem magrinha foi (1-0), contra a Académica. No final, fomos campeões com nove pontos à frente do Sporting e deixámos o Porto a 10.

    A memória é boa para nos reconfortar, nas desgraças do presente, com as glórias do passado…

    (golooooooooooooooo… já está; aliviemo-nos. Depois de um susto, desconfiando eu que Nossa Senhora ajudou a deslocar a cabeça de um casapiano, de sorte a falhar a baliza, o nosso Tiago Gouveia [como é mesmo o nome daquele que foi para o PSG?!] garante, ai Jesus, assim espero, a nossa primeira vitória)

    Parece-me isto salvo. Já me deveria a experiência precaver que isto de escrever crónicas apaixonadas em directo não é fácil para um escriba, porquanto, convenhamos, esta minha paixão exige retribuição no amor, ou seja, golos, para a chama se manter acesa.

    Despachado isto está. O Marcos Leonardo, que entrou com o Tiago Gouveia, quase fazia o gostinho ao pé, mas fiquemos satisfeitos, porquanto, na verdade, com este resultado mostramos até mais força do que na época passada, considerando que então empatámos aqui com este Casa Pia e perdemos em Famalicão, por sinal também por 2-0…

    (e é goloooooooooooooo… bolas, acordaram na segunda metade da derradeira parte; se isto fosse como no basquetebol, com quatro partes, isto ainda ia parar num quimérico 15 a zero)

    Acabemos a crónica aqui. O árbitro acaba de apitar para o fim do jogo. Finalizemos o texto; hoje nem sequer tive de meter já o texto e as fotos, e assim regresso mais cedo ao lar, doce lar, apesar de lá viver uma portista…


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  • Um benfiquista com nove dobradinhas foi ver um sportinguista perder uma

    Um benfiquista com nove dobradinhas foi ver um sportinguista perder uma


    Daqui da bancada de imprensa do Estádio do Jamor, venho, desde já, anunciar – que digo: proclamo –, por ex scientia et experientia incontrovertibilis, que a ‘sportinguite’ não é transmissível. Sem uso de fogueiras em ruas, sem salvas de artilharia, sem música estridente, porque as vibrações afastam o ar corrupto, sem caixas pendentes no nariz com soluções de vinagre, e sem máscaras de Froes, tenho passado incólume por turbas de ‘lagartos’, aos montes, de todas as idades e feitios, mais esguios e mais rechonchudos. Isto depois do sucedido na semana passada, onde, com intrépida valentia me arremessei pelo Estádio de Alvalade, invadindo um lugar da bancada central para retirar a alegria dos festejos de um sportinguista.

    Mantendo-me, garanto-vos, benfiquista saudável, de língua rosácea, narinas desentupidas, garganta suave, bons fígados, melhores rins e sem bílis negra. E bom palato. Tanto assim que posso também confirmar que, enfim, a qualidade dos farnéis fornecidos pelos organizadores de jogos da lusitana Ludopédia têm um nível de progressão tão elevado como a Turquia no mercado de trabalho… isto, claro, se consideramos que a Turquia, afinal, é o 49º país (ou território) na produtividade do trabalho, e não o CR7 do mercado de trabalho, como pensa a esquerda partidária cá do burgo.

    O sportinguista Carlos Enes, ao lado de Pedro Almeida Vieira, que perdeu o campeonato depois de andar a gastar o tempo a escrever 17 crónicas da Varanda da Luz. Por motivos de ‘indisposição’ momentânea, a sua crónica deste jogo será publicada apenas amanhã… se possível.

    Um destes dias ainda me meto a fazer uma crítica gastronómica sobre lanches futebolísticos por esse mundo fora. Mas, pela amostra – apenas dois locais, convenhamos –, deve ser tudo corrido a sandes, uma peça de fruta, um sumo ou água, e um ou outro acepipe. Desde já, a quantidade fornecida pela Federação Portuguesa de Futebol é mais folgada. Pau (pão duro) com chouriço, que parece ter sido insuflado, mais uma baguete de presunto com queijo, em aparente similar condição, uma banana, um pacotinho de batatas fritas, e ainda uma barra contendo 27% de chocolate de leite recheado de caramelo e 32% de leite maltado, ignorando, por não constar na ‘ficha técnica’, que mixórdias estão nos restantes 41% deste Mars.

    Avancemos, porque convém também assinalar que esta é a minha estreia absoluta em jogos no Jamor, também não há muitos – mas nunca antes me deu para vir, e desta deu-me, porque acedi ao desafio do Carlos Enes, e vai daí fiz-me de VIP, pedidos de acreditação, com direito a parque, e siga, que foi num pulinho que aqui chegámos, apesar de um acidente perto da saída – ou entrada – de Queijas.

    Entrámos pela ala norte, só se viam verdes: árvores e lagartos, sendo que estes últimos até um porco estavam a assar. A festa, presumo, terá começado cedo, com comes e muitos bebes, música pimba, ou parecida. Nem dragões nem tripeiros nas imediações. Presumi, para em seguida confirmar no estádio, que aqui não há lugar a misturas; os portistas ficaram todos no topo sul, em menor número com portas de acesso e diversões noutra ala.

    O estádio é catita – é mesmo catita, e agora percebo a razão de se mantê-lo, mais de 50 anos depois do fim do Estado Novo, como cenário da festa da Taça de Portugal. Rodeado de verde, encaixado numa encosta, somente com uma bancada central completa, num enquadramento paisagístico deslumbrante. Nem sequer compreendo assim a razão de se falar tanto no estádio do Braga concebido pelo Souto Moura.

    Este vetusto estádio, que no próximo mês perfaz 80 anos, teve dois ‘pais’ dos melhores: o arquitecto Jacobetty Rosa e o arquitecto paisagista Francisco Caldeira Cabral. As cerimónias ante-jogo também têm o seu-não-sei-quê de Estado Novo com muita juventude, muito bem organizada com uma encenação a raiar a Mocidade Portuguesa. Também se apela, nos altifalantes, a que toda a gente de levante enquanto se entoa A Portuguesa. Mantenho-me traiçoeiramente sentado, antevendo o que se segue depois deste acto de patriotismo bacoco: música saindo dos altifalantes em altos berros … em língua estrangeira.

    Confesso que aquilo que menos me interessa é o jogo. Não está cá o Benfica – nem o Leixões ou o Anadia, que são os meus clubes secundários, e portanto é-me indiferente o que saía daqui, embora sempre que o Porto perde, mesmo se a feijões, há sempre uma, pelo menos, alegria sádica só de imaginar a cabeça do Sérgio Conceição. Se não tivesse vindo cá, para uma inusitada crónica, ao lado do por certo descendente do cronista Gomes E(a)nes de Zurara, provavelmente nem sequer estaria a ver este jogo na televisão. Provavelmente, estaria a escrever uma investigação para publicar hoje no PÁGINA UM… e ver depois sair como manchete plagiada no Correio da Manhã daqui a 13 dias… Como sucedeu hoje

    Avancemos.

    Em todo o caso, não me arrependo desta demanda. O jogo saiu animado, logo aos primeiros minutos houve ocasiões de ambas as partes, o ritmo amainou um pouco, houve depois, um golo para cada lado, e a seguir o momento ‘Big Brother’ em que foi expulso um central holandês chamado Saint Juste, que, segundo me diz o Carlos Enes, não foi justa.

    A segunda parte foi praticamente de sentido único, com o Porto a atacar e o Sporting a fazer contas à vida, e a contar os minutos para aguentar a igualdade. Interiormente, já me queixo, porque o Carlos Enes está aqui ao meu lado de fraco ânimo, dizendo-se pouco inspirado. Pudera: já deve estar a sentir-se o Pep Guardiola que viu o seu City perder ontem por 2-1 com os toscos do United do ten Hag no duelo dos dois Manchester na Taça da Inglaterra.

    Terminaram os 90 minutos. Mais 30 minutos. O Carlos Enes queixa-se do frio – eu nem tanto, porque ele me emprestou uma camisola, por sinal, verde. Já me diz que, se calhar, acaba a crónica no quentinho da casa. A minha sai assim…

    (… e sai também um penalty para o Porto, uma saída em falso do miúdo Diogo Pinto, guarda-redes do Sporting, que estava a ser um ‘esteio’ na baliza, e acaba a dar um murro no Eavanilson; azares, o miúdo arriscava-se a ser o man of the match…)

    E marca o Porto, e o Sérgio Conceição, talvez para não festejar em campo o golo do Taremi, faz-se expulsar pelo árbitro. Certamente mais uma injustiça… Deve já estar próximo das 30 cartões vermelhos em toda a carreira de treinador – de jogador não deve ter ficado longe. Faço pesquisa rápida: o homem tem menos cinco anos do que eu, por certo vai suplantar o Miguel Herrera, um treinador mexicano de 56 anos que, ‘diz-me’ o ChatGPT, detém o recorde de treinador de futebol mais expulso do Mundo, com 46 cartões vermelhos. Não consegui confirmar em local idóneo, mas é garantido que o ‘nosso’ Sérgio Conceição, fique ou não no Porto, vai ultrapassar o mexicano.

    Caminha, entretanto, o prolongamento para o final. Canta-se “Campões! Campeões! Nós somos Campeões” na bancada do Sporting, como para suavizar esta derrota inglória. Os portistas devem estar nas suas sete quintas: afinal, sempre conseguem ganhar troféus sem o Pinto da Costa.

    E pronto, factum est! Termina o jogo, faz já um ventinho desagradável, o mau perder do Carlos Enes já exige uma saída rápida antes da entrega da taça, deduzo que já não vai haver comezaina do ‘Grupo da Garagem’, e assim sendo levo para casa as duas chouriças para assar que trouxe no carro.

    Em conclusão, ficamos assim como estávamos no que diz respeito a ‘dobradinhas’ de campeonato-taça: Benfica tem nove, o Sporting manteve as seis e o Porto anda com três.

    Publique-se, portanto.


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