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  • ‘Taxa de promiscuidade’: coima por publicidade escondida em 16 artigos jornalísticos custa apenas 0,8% do valor dos contratos

    ‘Taxa de promiscuidade’: coima por publicidade escondida em 16 artigos jornalísticos custa apenas 0,8% do valor dos contratos

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) acaba de confirmar, com mais de três anos de atraso, aquilo que o PÁGINA UM denunciou desde Maio de 2022: o grupo Trust in News (TIN), detentor da Visão, Visão Júnior e Jornal de Letras, veiculou pelo menos 16 conteúdos publicitários sob a aparência de jornalismo, sem qualquer identificação como tal, violando a Lei de Imprensa.

    Mas a ‘condenação’ hoje revelada através de deliberação não só surge tarde como peca por manifesta brandura — e consagra, na prática, a instituição de uma espécie de “taxa de promiscuidade jornalística” de valor simbólico. Com efeito, cada infracção — isto é, cada acto publicitário disfarçado de notícia jornalística — foi sancionada com a módica coima de mil euros. No total, seriam 16 mil euros. Mas mesmo assim a Trust in News ainda beneficiou de um ‘desconto de grupo‘ por parte da ERC, ficando a coima final em apenas 2.000 euros.

    A gravidade do caso não se resume à tímida reacção do regulador. Segundo os dados então recolhidos pelo PÁGINA UM e agora confirmados pela própria ERC, só os contratos celebrados entre a TIN Publicidade (empresa do grupo) e o grupo Águas de Portugal — no âmbito dos chamados Prémios Verdes VISÃO + AdPascenderam a 120 mil euros, pagos para assegurar conteúdos promocionais com roupagem jornalística. Mais escandaloso ainda é o caso do Instituto Camões, que assinou contratos de publicidade no valor de 124 mil euros com o grupo de media entre 2020 e 2022, garantindo páginas inteiras de propaganda institucional na revista JL – Jornal de Letras, mascaradas de suplemento editorial. Numa das edições inclui-se mesmo a ‘notícia’ da tomada de posse em 2020 como presidente do Instituto Camões de João Ribeiro Cardoso, que actualmente é o embaixador português na Índia.

    Por regra, e supostamente para dar credibilidade aos conteúdos, levando a crer tratarem-se de artigos idóneos e independentes, os textos eram redigidos por jornalistas com carteira profissional activa, entre os quais se destaca Luís Ribeiro. Este jornalista da Visão desde 1999, que coordena a secção de Ambiente da revista detida por Luís Delgado, e que exerce funções como comentador de assuntos internacionais da SIC, é um dos nome recorrentes na deliberação da ERC.

    A sua assinatura consta como autor de cinco artigos pagos no âmbito de um contrato celebrado com a Águas de Portugal, com “alto patrocínio” do Presidente da República. Os artigos exaltavam intervenções de ministros, do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, e de académicos seleccionados como premiados. E ainda um artigo sobre alterações climáticas. Tudo apresentado sob um formato de notícia normal, sem qualquer indicação visível de que se tratava de publicidade paga.

    A própria ERC reconhece, com linguagem jurídica contida mas inequívoca, que estes textos “consubstanciam publicidade”, tendo sido publicados sem serem identificados como tal, podendo assim “ser facilmente confundidos com um texto de cariz jornalístico, pelo seu estilo de mensagem, organização e tratamento gráfico”. Mais: a deliberação destaca que a Trust in News actuou de “forma livre e consciente”, tendo obtido “benefício económico” directo com a prática ilícita — e que, apesar de alertada e notificada, “não revelou arrependimento”.

    Luís Ribeiro, coordenador da secção de Ambiente da Visão e comentador da SIC fez conteúdos publicitários para execução de um contrato de prestação de serviços da empresa pública Águas de Portugal.

    Mas apesar deste reconhecimento, os efeitos práticos são próximos de nulos. A coima aplicada, de dois mil euros no total, equivale a 0,8% do valor obtido nos contratos acima referidos. A mensagem que resulta é clara: o ‘crime’ compensa, como já começou a ser evidente em situações similares com a Impresa e o Público. Pagar alguns milhares de euros ao regulador sai assim mais barato do que fazer campanhas publicitárias declaradas com custos transparentes — e permite alcançar os leitores com muito maior impacto, explorando a suposta credibilidade do jornalismo.

    Mais grave, ainda, é o facto de esta condenação nada alterar para os jornalistas implicados. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), já contactada pelo PÁGINA UM para situações similares, assume que não pode aplicar sanções de natureza deontológica ou disciplinar passados mais de 12 meses sobre a data dos factos. Ou seja, nenhum dos jornalistas que assinou conteúdos publicitários sem identificação — incluindo Luís Ribeiro, a quem o PÁGINA UM solicitou entretanto um comentário — poderá ser responsabilizado, podendo continuar a exercer funções sem qualquer impedimento, como se nada tivesse acontecido. A profissão de jornalista, nestes casos, tornou-se mercadoria com prazo de validade ético limitado a um ano.

    Este episódio põe em causa a própria integridade do sistema de regulação dos media. A ERC, ao aplicar uma multa simbólica, reconhece a violação da lei, mas não propõe qualquer mecanismo de prevenção, nem exige medidas correctivas às publicações envolvidas. Os conteúdos não foram retratados, os leitores não foram informados de que leram publicidade disfarçada, e os jornalistas implicados não foram suspensos ou admoestados. O sistema tolera, normaliza e, no limite, recompensa a promiscuidade.

    Deliberação da ERC identifica os artigos publicitários, cinco dos quais da autoria do jornalista Luís Ribeiro, cuja acção, apesar de ilegal, ficará impune porque já presceveu,

    É por isso legítimo afirmar que se consolidou, em Portugal, uma prática de jornalismo a recibo verde institucional, em que reportagens são vendidas por contrato e redigidas por profissionais credenciados, com a conivência tácita das entidades públicas financiadoras, dos grupos de media e do próprio regulador. A chamada “taxa de promiscuidade” — agora quantificada em mil euros por notícia disfarçada — aparenta ser agora o preço a pagar para transformar a imprensa em boletim oficial ao serviço de quem paga melhor. E com desconto.

    No fim, resta apenas uma conclusão: enquanto os jornalistas continuam a mercadejar a profissão, e os reguladores a fingir que punem, a confiança do público na imprensa esvai-se sem remédio. E talvez seja esse o preço mais alto de todos — embora, esse sim, ninguém o queira pagar.

  • Portugal terminou o ano passado com 3.282 centenários

    Portugal terminou o ano passado com 3.282 centenários

    Nascer em Portugal em 1924 era, à luz dos padrões actuais, quase um acto de heroísmo biológico. Ou, no mínimo, um compromisso com a precariedade. Nesse ano, há precisamente um século, vieram ao mundo 207.440 crianças em território nacional. Mas o berro inaugural de cada uma delas não significava uma entrada garantida no mundo dos vivos. A taxa de mortalidade infantil era então um verdadeiro flagelo: mais de 15% dos nascidos morriam antes de completar um ano. Para se ter uma ideia da brutalidade, essa percentagem é quase 50 vezes superior à actual — e não, não é erro de impressão: a taxa de mortalidade infantil ronda agora os 3 por mil nascimentos, ou seja, 0,3%.

    A vida há um século era breve, rústica, sem antibióticos nem ecografias, com mais rezas do que diagnósticos. Morria-se de qualquer maleita, e as doenças infecciosas grassavam entre camadas sociais e faixas etárias com uma imparcialidade assassina. Chegar à velhice era excepção e não destino: a esperança média de vida rondava então os 40 anos. Alguns contrariavam esse destino, mas eram poucos. No início da década de 20 do século passado, a população portuguesa com mais de 75 anos era residual, inferior a 2%. O envelhecimento demográfico era uma impossibilidade estatística.

    Mas houvesse que conseguisse contrariar esse destino, mesmo que poucos. Entre os mais de duzentos mil nascidos em 1924, houve quem tenha resistido à tuberculose, às disenterias, à guerra, à fome, à ditadura, às gripes, aos internamentos, às quedas no quintal e, seguramente, à pandemia da covid-19, que deixou idosos sem consultas e diagnósticos durante dois anos. E houve quem tenha apagado — nem que fosse com sopro simbólico — as cem velas em 2024.

    Segundo dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de centenários em Portugal aumentou, entre 2023 e 2024, de 3.149 para 3.282, ou seja, mais 133 resistentes. Mas esse é o número líquidos, considerando o balanço entre quem chegou aos 100 anos e aqueles que se finaram com mais do que essa idade, porque a partir daí a taxa de mortalidade é extremante elevada. Ora, considerando as denominadas tábuas de mortalidade, como a taxa de sobrevivência de uma mulher com 99 anos chegar aos 100 anos é de apenas 57% e a de um homem nas mesmas condições é de 52%, significa que quase 1.200 pessoas em 2024 conseguiram alcançar as 100 ‘primaveras’.

    Certo é que, segundo os dados do INE, de entre 3.282 centenários que chegaram ao final do ano de 2024, cerca de 80% são mulheres: 2.686, para sermos precisos. Os homens — apenas 596 — continuam a confirmar que a masculinidade é biologicamente menos duradoura, e que a questão do ‘sexo forte’ não encontra solidez na longevidade.

    Não se conhece, por razões de sigilo estatístico, o concelho exacto onde residem as criaturas de espantosa longevidade. Mas sabe-se onde se concentram proporcionalmente: o Alentejo e o Centro lideram, com 5,0 e 4,5 centenários por cada 10 mil habitantes, respectivamente. O rácio médio nacional é de 3,1. No outro extremo, temos os Açores, com 1,9, e a Grande Lisboa, com 2,3, cujos residentes, talvez demasiado ocupada com trânsito e stress, não têm grandes chances de longos e tranquilos envelhecimentos.

    Número de residentes em Portugal com 90 e m ais anos no final de 2024. Fonte: INE.

    Se os centenários são as estrelas da longevidade, os seus irmãos mais “novos” formam um exército ainda mais crescente: os superidosos, aqueles que navegam entre os 90 e os 99 anos, e que, salvo desastre, alimentam estatisticamente o clube dos centenários do futuro. Em 2024, o INE identificava 26.612 pessoas entre os 95 e os 99 anos, e mais 108.239 entre os 90 e os 94. Ou seja, 137.733 portugueses tinham mais de 90 anos, correspondendo a 1,3% da população total. Aqui, também, as mulheres são dominantes: sete em cada dez nonagenários e centenários são do sexo feminino.

    Este grupo etário tem crescido de forma notável: mais 11 mil pessoas em relação a 2021, que confirma que a longevidade, que durante séculos foi um acaso, é hoje uma probabilidade crescente. E, para confirmar essa tendência, basta recuar algumas décadas. Em 1970, Portugal tinha menos de 8,7 milhões de habitantes e apenas 43.981 pessoas com mais de 85 anos — isto é, menos de 0,6% da população. Foram precisos 23 anos para que esse grupo passasse a representar mais de 1% do total populacional, em 1993, quando se ultrapassaram os 100 mil indivíduos com mais de 85 anos.

    A barreira dos 200 mil foi vencida em 2009, e os números continuaram a subir com determinação. Em 2023, o INE contabilizava 379.366 pessoas com mais de 85 anos, e em 2024 esse número subiu para 388.556, representando 3,6% da população portuguesa. Ou seja, em pouco mais de meio século, o número de pessoas com mais de 85 anos multiplicou-se por nove em termos absolutos, e por sete em termos relativos.

    Evolução da população em Portugal com mais de 85 anos desde 1970 até 2024. Fonte: INE.

    Um dado curioso: nem a pandemia da covid-19, que teve impacto significativo nas faixas etárias mais avançadas, travou este crescimento. Entre 2019 e 2023, os números subiram todos os anos: de 343.512 em 2019, para 352.726 em 2020, depois para 362.327 em 2021, 368.507 em 2022, e 379.366 em 2023. Se a tendência se mantiver, é altamente provável que em 2025 o número de pessoas com mais de 85 anos ultrapasse os 400 mil.

    Estes dados não são apenas matéria para estatísticos e demógrafos. Representam um desafio político, económico e cultural de primeira ordem. Um país com quase 400 mil pessoas com mais de 85 anos — e com mais de 130 mil acima dos 90 — não pode continuar a tratar a velhice como uma nota de rodapé nos orçamentos de Estado. A longevidade deixou de ser excepção: tornou-se estrutura demográfica.

    E essa estrutura exige respostas. A começar pela redefinição das políticas de saúde, de habitação, de mobilidade e de apoio social, considerando que a população com maiores necessidades (acima dos 65 anos) já representa mais de 25% da população portuguesa. Neste momento, essa faixa ultrapassa já os 2,7 milhões de habitantes. As instituições, os hospitais, os transportes públicos, os serviços de proximidade não estão ainda preparados para um país que está a envelhecer não apenas em média, mas nos seus extremos. Porque envelhecer não é só viver mais anos — é também poder vivê-los com dignidade, autonomia e significado.

    Evolução da representatividade dos maiores de 85 anos na população portuguesa (número por 10.000 habitantes) desde 1970 até 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Há quem continue a ver os velhos como um problema, uma despesa, um fardo. Mas talvez seja tempo de rever essa ideia. Os centenários não são peso — são testemunho. Cada um deles carrega um século inteiro de história vivida, de resistência biológica e social. Representam o triunfo da vida sobre a precariedade, da ciência sobre a mortalidade, da persistência sobre o acaso.

    E se houve quem, nascido em 1924, tenha conseguido alcançar 2024 com lucidez, apetite e alguma ironia, talvez mereça mais do que uma estatística do INE. Talvez mereça que o país — este mesmo que insiste em falar de futuro com os olhos postos no presente — aprenda finalmente a honrar quem já viu tudo, sobreviveu a quase tudo, e ainda cá está para contar. Até porque, quem nascer hoje, terá ainda mais chances do que os seus pais de ser bisavó ou bisavô, e de ser até trisavó ou trisavô quando fizer 100 anos em 2125.

  • ‘Tirem-nos deste filme’: Anúncio de emprego para o ‘Doclisboa’ recebe más críticas

    ‘Tirem-nos deste filme’: Anúncio de emprego para o ‘Doclisboa’ recebe más críticas

    Quem envereda profissionalmente pelo mundo das artes e da cultura arrisca poder passar por dificuldades financeiras. Mas a Apordoc-Associação pelo Documentário, que é responsável pela organização do evento Doclisboa, elevou a precariedade laboral no mundo das artes e do cinema a um novo nível.

    Num anúncio de emprego que a associação publicou no dia 11 de Junho, a Apordoc surpreendeu o sector pela negativa levando potenciais candidatos a desabafar: “tirem-nos deste filme!” Em causa está um anúncio de recrutamento para a vaga de ‘coordenador’ para o Doclisboa25. Além do salário baixo para a função, no montante de 1.200 euros, com IVA incluído — o que resulta num rendimento líquido de 924 euros —, o cargo será desempenhado na modalidade de recibos verdes.

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    Foto: D.R.

    Isto apesar de a acção de recrutamento indicar que irá existir um evidente vínculo laboral, com cumprimento de horário fixo de trabalho e o exercício das funções em local físico fixo. O ‘coordenador’ terá ainda de levar o seu PC pessoal, pois não terá nenhum disponível na organização.

    Para se ter um termo de comparação, o valor bruto oferecido pela Apordoc para o cargo de ‘coordenador’ está abaixo do oferecido, por exemplo, pela retalhista Mercadona, em Portugal, aos seus trabalhadores base, os quais beneficiam ainda de vínculo permanente. Por outro lado, o valor pago pela Apordoc iguala o rendimento de entrada oferecido pela sueca IKEA aos novos trabalhadores em Portugal, sendo que 90% dos postos na empresa retalhista são de vínculo permanente.

    Mas, em concreto, o que terá de fazer o ‘coordenador’? No anúncio pode ler-se que a Apordoc “procura um(a) profissional com experiência em produção e coordenação de eventos da indústria cinematográfica para integrar a equipa do Doclisboa 2025”. Aponta que “este cargo envolve a gestão operacional de actividades relacionadas com a indústria, sob a supervisão da Direção de Indústria e Desenvolvimento, com uma visão abrangente das actividades do Nebulae [projecto de indústria e espaço de networking do DocLisboa], alinhadas à estratégia global do festival”.

    Uma das principais responsabilidades será a “coordenação e produção das actividades do Nebulae, gerindo os aspetos técnicos e logísticos em articulação com a equipa de produção do Festival”. Também terá de “acompanhar e garantir a execução do calendário das actividades da indústria, em diálogo com as diferentes equipas do Festival, assegurando a sua implementação conforme o planeamento definido pela Direção”. Cumpre ainda ao coordenador “elaborar o mapa de necessidades técnicas para os espaços de eventos e sessões Nebulae”.

    a black and white photo of a light in the dark
    Foto: D.R.

    O coordenador terá ainda de “atuar como responsável pela comunicação directa com project holders, convidados/as e participantes das actividades Nebulae, assegurando fluidez e clareza na troca de informações”. Cabe-lhe também as tarefas de “recolher e organizar conteúdos para o catálogo da indústria e documentos de imprensa, em colaboração com a equipa de Comunicação” e “coordenar com a equipa de Guest Office as necessidades de viagem, alojamento e hospitalidade dos convidados da Indústria”.

    Outra das suas funções será a de “acompanhar a implementação das contrapartidas para patrocinadores (banners, materiais gráficos, menções, etc.), sob orientação da área de Desenvolvimento e Parcerias”. Por fim, terá a ser cargo a “coordenação directa da equipa de voluntários/as da Indústria, incluindo atribuição de tarefas, orientação e supervisão durante o Festival”, além do “acompanhamento e gestão das actividades da Indústria ao longo dos dias de Festival”.

    O recrutamento será apenas para o período que vai de 04 de Agosto de 2025 até 31 de Outubro de 2025 e o horário dura das 10H00 às 19H00. O local de trabalho será no “escritório da Apordoc em Lisboa (Casa do Cinema, Rua da Rosa, 277, 2º) ou outros espaços a ser utilizados para efeito de escritório para o desenvolvimento deste trabalho”. O coordenador contratado “deverá dispor de computador portátil próprio para o desenvolvimento do trabalho”.

    Anúncio da Apordoc para recrutamento de um coordenador do festival DocLisboa.

    O anúncio da Apordoc tem gerado reacções negativas dentro e fora das redes sociais. Numa publicação sobre a vaga na conta da associação no Instagram, um dos utilizadores escreveu um comentário negativo “Oferta de emprego vergonhosa. Trabalho precário com exigências de relação laboral com vínculo efectivo. Continuamos a brincar com as pessoas, que na verdade são o principal activo de qualquer organização que se preze.”

    Uma outra utilizadora desta rede social questionou: “porquê recibos verdes?” Em resposta a esta pergunta, a Apordoc indicou que “esta é uma vaga para a equipa temporária que o festival contrata a cada edição, dezenas de pessoas que, pela natureza do projecto, trabalham connosco apenas durante uns alguns meses por ano”. “Acrescentou que “todas as pessoas que fazem parte da equipa permanente do Doclisboa têm contrato de trabalho e tentamos dar as melhores condições possíveis à nossa equipa”.

    Além das condições precárias oferecidas para o cargo, no anúncio da Apordoc pode ainda ler-se uma nota que serve de aviso aos interessados com alguma limitação de locomoção: “o escritório da Apordoc ainda não dispõe de acesso para pessoas com mobilidade reduzida”. Ou seja, as pessoas com mobilidade reduzida não poderão concorrer ao cargo. E assim, além das condições precárias de contratação, também se enterra o lema da inclusão.

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    Foto: D.R.

    O PÁGINA UM colocou questões à Apordoc por e-mail, na semana passada, mas até ao momento ainda não obteve respostas.

    O anúncio da Apordoc não só desiludiu alguns profissionais do sector, pela patente precariedade e ausência de inclusão, como deixou uma má impressão sobre a organizadora do festival. Mas, havendo quem no sector esteja com dificuldades para pagar as contas ao fim do mês, certamente haverá candidatos para a função, aceitando as baixas condições. Sempre servirá para adicionar mais uns ‘créditos’ ao curriculum. Mesmo que os bolsos já cheguem vazios ao meio do mês.

  • Polígrafo mentiu para garantir que Rui Tavares só dizia verdades

    Polígrafo mentiu para garantir que Rui Tavares só dizia verdades

    O Polígrafo – o órgão de comunicação social dedicado ao fact-checking e que se arvora de “guardiã da verdade”, distribuindo selos, incluindo “pimenta na língua” – foi apanhado a martelar factos, classificando como verdadeira uma afirmação falsa de Rui Tavares, co-líder e deputado do Livre.

    Numa deliberação ontem divulgada, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) reconheceu formalmente que o Polígrafo violou o dever de rigor informativo ao validar, sem a devida contextualização, uma afirmação de Rui Tavares durante o debate televisivo para as recentes eleições legislativas, no qual confrontou André Ventura, presidente do Chega.

    a wooden statue with a white hat on top of it

    Para apurar quem faltara mais à verdade no frente-a-frente, o Polígrafo escolheu cinco afirmações dos dois políticos, tendo “sentenciado” que Ventura mentiu em duas, enquanto Tavares teria dito cinco verdades. Só que não. Tavares afirmou no debate que, durante o mandato de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, “até roubo de jóias houve”. Ora, o Polígrafo classificou tal afirmação como “verdadeira”, justificando-se com investigações em curso no Brasil relativas a jóias recebidas por Bolsonaro durante o exercício da presidência, para além da condenação de inelegibilidade por oito anos. Contudo, como se depreende da própria ERC, quem mentiu foi o Polígrafo.

    De acordo com a deliberação do regulador, é certo que “em Julho de 2024 foi tornado público e profusamente noticiado que a Polícia Federal [do Brasil] denunciara Jair Bolsonaro por apropriação indevida de jóias que recebera enquanto chefe de Estado, considerando que se trata de património público”.

    Porém, “o caso levou a uma decisão do Tribunal de Contas do Brasil (TCU), de Março de 2025, que considerou que presentes de uso pessoal, recebidos por presidentes e vice-presidentes, não são património público, podendo mantê-los ao saírem do cargo”, acrescentando ainda que se “aguarda, entretanto, parecer da Procuradoria-Geral da República que pode seguir diversas vias: denúncia ao Supremo Tribunal Federal – cuja decisão não é influenciada pela posição adoptada pelo TCU –, pedido de novas diligências ou arquivamento”.

    Aliás, nessa decisão de Março passado, acabou por fazer uma equivalência das ofertas recebidas por Bolsonaro ao que Lula da Silva tinha feito em 2005, quando ficou com um relógio oferecido enquanto líder do Estado brasileiro.

    Nada disso é referido na análise do Polígrafo. Ao invés, para fundamentar a classificação de “Verdadeiro” à frase de Rui Tavares, o Polígrafo escreveu: “Bolsonaro deveria ter entregue [sic] essas jóias ao Estado brasileiro assim que deixou o poder, uma vez que estas foram uma oferta institucional. De acordo com as investigações, porém, Jair Bolsonaro vendeu algumas dessas jóias através de intermediários.”

    Assim sendo, a ERC conclui ser “forçoso concluir que o Polígrafo incumpr[iu] o dever de rigor informativo na verificação de factos publicada”, embora destaque sobretudo a ausência de “contexto suficiente para que os leitores compreendam os contornos reais” da alegada apropriação e venda de jóias.

    Polígrafo, um verificador de factos que transforma mentiras em verdades.

    Em todo o caso, o regulador reforça a censura ao acto do Polígrafo tendo em conta o facto de este ser um “órgão de comunicação social reconhecido como verificador de factos certificado e assim apresentado aos olhos do público”, pelo que tem “o dever e a responsabilidade de manter os padrões que lhe são impostos, quer pela legislação e pela ética que impendem sobre o exercício da actividade jornalística, quer pelos padrões exigidos pelas organizações certificadoras de verificadores de factos IFCN – International Fact-Checking Network – e EFCSN – European Fact-Checking Standards Network”. Recorde-se que o Polígrafo tem o Facebook – que teve um papel fulcral na limitação da expressão durante a pandemia – como um dos seus principais financiadores.

    Esta deliberação da ERC não impõe sanções, limitando-se a um “alerta” ao Polígrafo. Mas a marca ficou.
    Para os cidadãos atentos, ficou provado que os verificadores também precisam de ser verificados. E que Rui Tavares, afinal, também mente. Aliás, uma outra frase do co-líder do Livre, no calor do debate, também está longe da verdade: por mais defeito que tenha, Bolsonaro não foi condenado (ainda) por corrupção, logo não é verdade que seja “o mais corrupto da América do Sul”.

  • ‘Sonhos de menino’: Tony Carreira deu uma borla a Luís Montenegro

    ‘Sonhos de menino’: Tony Carreira deu uma borla a Luís Montenegro

    A explicação oficial do Governo para o adiamento dos “momentos festivos” das comemorações oficiais do 25 de Abril foi a morte do Papa Francisco, mas, na própria tarde desse anúncio, o gabinete de Luís Montenegro estava já a ultimar as negociações do concerto de Tony Carreira para o dia 1 de Maio, no Palácio de São Belém.

    ‘Negociações’ é um termo lato, porque, na verdade, o Governo de Montenegro conseguiu aquilo que um dos artistas com mais contratos públicos raramente concede: uma borla. Com efeito, segundo documentos a que o PÁGINA UM teve hoje finalmente acesso, após intervenção da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), na tarde de 23 de Abril passado — na mesma altura em que o Governo anunciava o adiamento das festas da Revolução dos Cravos —, a Regiconcerto, empresa de Tony Carreira, confirmava as condições do espectáculo previsto para o dia 1 de Maio.

    Entre essas condições, “na sequência dos contactos mantidos” — conforme refere num e-mail a CEO da Regiconcerto, Filipa Ramires —, estava “a interpretação de, aproximadamente, seis temas”, sendo que “em termos de cachet artístico, e tal como falado, o Tony Carreira abdica do seu próprio cachet”. O acordo foi realizado ao mais alto nível, porque o e-mail da Regiconcerto é enviado directamente para, entre outros, Pedro Pinto, chefe de gabinete de Montenegro, para a assessora de imprensa Cátia Duarte Silva e até para um adjunto do ministro Pedro Duarte.

    Apesar da ‘borla’ de Tony Carreira, no acordo é indicado que deve haver um pagamentos, no valor de 4.700 euros (mais IVA), para os quatro músicos que acompanharam o cantor, três técnicos operadores, motorista e manager. Foi também apresentado um orçamento adicional para a montagem e desmontagem do espectáculo, a cargo de cinco elementos, mas essa documentação não foi ainda remetida pela Secretaria-Geral do Governo.

    Sem o adiamento das festividades do 25 de Abril, teria sido impossível a Luís Montenegro contar — e cantar o em dueto ‘Sonhos de menino’ — com Tony Carreira no Palácio de São Bento, em vésperas de eleições legislativas, criando-lhe um momento especial de visibilidade pública. No dito concerto — ou showcase —, o primeiro-ministro chegou mesmo a participar num dueto na canção “Sonho de Menino”.

    Acordo para o concerto de Tony Carreira foi feito no dia do anúncio do adiamento das comemorações do 25 de Abril, alegadamente por causa da morte do Papa Francisco. Nota: O PÁGINA UM rasurou os endereços de e-mail.

    Com efeito, a agenda de Tony Carreira encontrava-se já bastante preenchida há vários meses para os dias em torno das comemorações da Revolução dos Cravos. No dia 24 de Abril, o cantor actuou no Barreiro, ao abrigo de um contrato celebrado no dia 8 desse mês com a autarquia local, à qual cobrou 72.570 euros (com IVA). No dia seguinte, deu espectáculo no município norte-alentejano de Alter do Chão, que pagou 46.125 euros para cumprir um contrato assinado em 21 de Março.

    Não existe ilegalidade alguma num artista actuar gratuitamente num evento para agradar ao primeiro-ministro de um Governo em funções, mesmo em contexto de pré-campanha eleitoral. Porém, do ponto de vista formal, mesmo sem cachet artístico, a empresa de Tony Carreira celebrou um contrato oneroso sujeito às regras do Código dos Contratos Públicos (CCP), uma vez que houve prestações acessórias pagas a músicos, técnicos e outros profissionais, com valores que, somados, configuram inequivocamente uma prestação de serviços financiada por dinheiros públicos.

    Mais ainda, de acordo com os documentos obtidos, essa prestação foi objecto de contactos prévios e de uma confirmação formal de condições por parte da empresa Regiconcerto, em nome de Tony Carreira, na tarde de 23 de Abril. Ou seja, houve um contrato, ainda que não redigido por escrito.

    Agenda de Tony Carreira estava cheia para a noite de 24 de Abril, no Barreiro, e no dia 25 de Abril (na foto), em Alter do Chão.

    A consequência jurídica deste acto é evidente: tratando-se de um contrato de serviços com valor económico, impunha-se o seu registo no Portal BASE no prazo de 20 dias. Ora, tal registo ainda não foi efectuado, em clara violação do princípio da transparência.

    Na verdade, não fosse a insistência do PÁGINA UM junto da CADA, jamais teriam vindo a público quaisquer detalhes sobre os contornos deste contrato, do qual Montenegro colheu claros dividendos simbólicos e mediáticos. Acresce que a gratuitidade, numa situação desta natureza envolvendo o Governo, suscita inevitavelmente dúvidas quanto a eventuais benefícios futuros — tanto mais quando se sabe que, por regra, os espectáculos musicais de Tony Carreira estão longe de ser baratos, rondando, em média, os 50 mil euros, já com logística e montagem de palco.

    De acordo com o Portal BASE, desde Janeiro, Tony Carreira foi contratado por 16 autarquias, envolvendo montantes totais próximos dos 900 mil euros com IVA. Em 11 desses contratos, a entidade contratada foi a própria Regiconcerto, empresa do artista. Importa também sublinhar que, à luz desta amostra — e pelo menos por agora —, Tony Carreira revela-se um artista claramente mais requisitado por autarcas socialistas do que por sociais-democratas.

    Luís Montenegro, ‘quebrando a barreira de segurança’ no dia 1 de Maio para ir cantar um dueto com Tony Carreira, que lhe deu uma ‘borla’.

    Apesar de o PS liderar actualmente 48% das autarquias (149 em 308) e o PSD 37% (114), a distribuição dos contratos evidencia um claro enviesamento político: dos 16 contratos, 11 (ou seja, 69%) foram celebrados com câmaras municipais lideradas pelo PS — nomeadamente Chaves, Marco de Canaveses, Loures, Vila Velha de Ródão, Barreiro, Mértola, Estremoz, Vila Nova de Gaia, Tábua, Olhão e Vinhais —, enquanto apenas três envolveram autarquias do PSD (Ponta Delgada, Alter do Chão e Arganil) e um foi celebrado com uma autarquia independente (Oeiras).

    Ou seja, a “borla” pode muito bem ter funcionado como uma operação de charme de Tony Carreira para abrir caminho também junto dos executivos sociais-democratas. Porém, aparentemente, o ‘coração’ do artista aparenta bater ainda para o lado socialista, o particularmente para o novo líder do PS. Em Dezembro de 2023, o cantor romântico, cujo nome de nascimento é António Antunes, chegou a gravar um vídeo de apoio a José Luís Carneiro — aquando da corrida à liderança contra Pedro Nuno Santos —, considerando-o “uma pessoa com princípios muito bons, com os quais me identifico”.

  • Lagos: meio milhão de euros em três esculturas ‘voam’ em nove dias por ajuste directo

    Lagos: meio milhão de euros em três esculturas ‘voam’ em nove dias por ajuste directo

    Hoje, a escritora e conselheira de Estado Lídia Jorge, na sua intervenção oficial do Dia de Portugal na cidade algarvia de Lagos, lançou uma reflexão que bem poderia ter sido moldada em granito: “O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra é disputada. E os cidadãos são apenas público que assiste a espectáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas.”

    A frase talvez pretendesse tocar a consciência cívica, mas involuntariamente poderia também ter sido inspirada pela realidade lacobrigense — gentílico erudito de Lagos, que remonta à antiga Lacobriga romana —, onde o cidadão paga e assiste. E onde o ídolo, invariavelmente, é de pedra, ferro ou bronze.

    Hugo Pereira, presidente socialista da autarquia de Lagos: 500 mil euros em Arte de Rotunda em nove dias. Tudo por três ajustes directo, em dois casos a ‘artistas da casa’. Foto: CML.

    De facto, Lagos, a cidade algarvia onde as rotundas florescem em bronze, ferro ou pedra e o orçamento municipal se curva com frequência ao apelo da (es)cultura popular, resolveu, em apenas nove dias do final de Abril passado, ‘investir’ mais meio milhão de euros em arte pública — ou, mais rigorosamente, em Arte de Rotunda.

    A decisão foi tomada através de três contratos sucessivos por ajuste directo, sem consulta pública e com escassa informação disponível. Sabe-se apenas que dois dos felizes contemplados têm ligações a Lagos, ou por aí terem nascido ou por aí residirem.

    A autarquia, liderada pelo socialista Hugo Pereira, ainda não prestou esclarecimentos ao PÁGINA UM sobre os critérios das encomendas nem sobre as razões das escolhas a dedo nem sobre o conteúdo das obras. Mas há criatividade garantida e também ironia — pelo menos na denominação de duas das empresas beneficiadas.

    A icónica e polémica estátua de José Cutileiro em Lagos, que necessita de legenda para se saber quem evoca. Foto: DR.

    Um dos contratos, no valor de 209.100 euros (IVA incluído), foi assinado com a empresa Poeiras Ajuizadas, criada apenas em Março deste ano, sendo este o seu primeiro contrato público. Logo por ajuste directo. Com um capital social de 500 euros, a sócia única desta novel empresa é Rita Mendes Pereira, aparentando que o seu melhor atributo para a escolha seja ser natural de Lagos, para além de possuir um mestrado em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. A peça será instalada na rotunda junto ao Centro de Saúde, na entrada poente da cidade.

    O segundo contrato, ainda mais generoso, fixou-se nos 246.000 euros (com IVA) e foi adjudicado à empresa Palavra Mental, nascida em Agosto de 2024, em Chilreira, no concelho de Sintra, também com 500 euros de capital social. A firma pertence ao escultor Rui Matos, que conta com um extenso percurso artístico, tendo iniciado carreira nos anos 80. O seu currículo expositivo é denso e variado, com obras em ardósia, gesso, bronze, pedra e ferro.

    Nas últimas semanas, o trânsito na conhecido Rotunda de São Gonçalo esteve congestionado para ser colocado o suporte para a peça escultória de Rui Matos, tendo as obras previsivelmente terminado no final da semana passada, conforme informação da autarquia, que não revelou aos munícipes o custo da obra. Não se conseguiu ainda apurar quando a escultura será colocada, mas da cabeça e mãos do dono da Palavra Mental sabe-se o que essa mente já concebeu antes.

    Rotunda de São Gonçalo vai receber escultura que custou 246 mil euros.

    Por exemplo, numa das suas exposições recentes, a obra de Rui Matos é descrita como a de um escultor que, “tal como um músico, gera no processo da linguagem uma estrutura compositiva aberta entre o resultado sonoro/visual e a performance compositiva. Nestas narrativas, desenvolvem-se tensões a serem resolvidas estruturalmente em torno da busca da abstracção na essência da natureza.” E mais: “Operando numa semelhante abstracção intrínseca à natureza, cuja ‘gramática’ se revela particularmente universal, o escultor interliga dois sistemas, o do geométrico-matemático com o da linguagem primordial.”

    Enfim, um discurso estético de múltiplas literacias visuais — e, aparentemente, agora com uma generosa fonte de financiamento público. São raríssimas as obras de escultura acima dos 200 mil euros adjudicadas por autarquias.

    O terceiro contrato, de menor valor mas não menos digno de menção, foi celebrado com António Pedro Serrano de Sousa Correia, artista plástico nascido em Angola em 1961, que usa o nome artístico A. Pedro Correia. Residente em Lagos, dedica-se à escultura, à criação de objectos tridimensionais e à instalação multidisciplinar.

    O contrato, no valor de 44 mil euros — sem IVA, por ser artista em nome individual — visa a criação de uma escultura a instalar na entrada norte da cidade, no entroncamento da EN120 com a Avenida de Alcácer Quibir. Na sua página do Facebook, datada do início de Maio, já é possível ver fotografias da obra em fase avançada de execução numa zona lateral à rotunda defronte à esquadra da PSP. Um espaço onde, aliás, caberiam mais algumas esculturas — e talvez umas centenas de milhares de euros adicionais em futuros ajustes directos.

    Importa lembrar que Lagos é uma cidade que, segundo o seu próprio site institucional, conta já com 27 monumentos e esculturas espalhados pelo espaço público. Incluem-se homenagens ao Infante D. Henrique, a Salgueiro Maia, a São Gonçalo, a Júlio Dantas e, naturalmente, ao rei D. Sebastião, cuja escultura emblemática de José Cutileiro, instalada nos anos 70, continua a despertar perplexidade entre os visitantes menos informados: o monarca surge com expressão adolescente e ‘capacete de motorizada’, exigindo leitura prévia para identificação.

    Com este novo impulso escultórico, Lagos confirma o seu estatuto de capital nacional da estátua por rotunda, caminhando para um rácio de uma peça escultória em espaço público por cada mil habitantes. Se um dia se decidir celebrar o próprio conceito de homenagem urbana, já haverá espaço — e verba — para mais uma figura de bronze, talvez com Lídia Jorge em pedestal, e a inscrição lapidar: “os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores.”

  • Habitação: já não se viam tantos licenciamentos desde 2008

    Habitação: já não se viam tantos licenciamentos desde 2008

    Não há fome que não dê em fartura – e essa fartura pode vir a dar, a prazo, outros tantos problemas tão ou mais complexos do que a fome original. Depois de anos de estagnação do licenciamento de habitação – no decurso da crise do subprime em 2007 –, Portugal está agora a assistir a um súbito festim de projectos aprovados — mas, como em toda a fartura precipitada, o risco de indigestão urbanística é real e iminente.

    Os dados dos licenciamentos urbanísticos de Abril de 2025, hoje divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que o sector do licenciamento de novos fogos entrou numa fase de completa euforia, mas olhando para o detalhe identificam-se excessos passados e velhos erros.

    a man standing on top of a metal structure

    Uma análise de investigação e de estatística à série de dados mensais dos licenciamentos desde Janeiro de 2007 feita pelo PÁGINA UMuma actividade jornalística considerada menor (como “jornalismo-tainha”) pelo director editorial do Correio da Manhã –, permite antever que o presente ano deverá ultrapassar, com grande margem, todos os valores registados desde 2008.

    Com efeito, entre Janeiro e Abril do presente ano foram licenciados 13.467 novos fogos, o que, considerando os ritmos de licenciamento ao longo dos meses, permite estimar que 2025 chegará a um total próximo dos 46 mil fogos. Tem de se recuar a 2008 para encontrar valor similar.

    O crescimento relativo dos primeiros quatro meses de 2025 face ao quinquénio anterior (2020-2024), que registou uma média anual de 10.217 fogos, é extraordinariamente elevado: 31,8%, o que representa uma mudança brusca no comportamento do mercado e, acima de tudo, das entidades licenciadoras. Contudo, esta dinâmica, à primeira vista positiva numa conjuntura de crise habitacional, esconde desequilíbrios preocupantes: tanto na distribuição regional dos licenciamentos como na própria morfologia dos fogos projectados.

    Evolução dos licenciamentos de fogos novos em cada ano desde 2007. O ano de 2025 é uma estimativa em função dos números reais até Abril e considerando o ritmo de licenciamento mensal ocorrido em 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    A análise regional dos dados expõe uma realidade bastante dual. Regiões como as de Coimbra, Lezíria do Tejo, Grande Lisboa, Alto Minho e Tâmega e Sousa apresentam crescimentos superiores a 60% face à média do quinquénio anterior — sendo que Coimbra, com 643 fogos licenciados, mais do que duplicou o valor médio dos cinco anos anteriores.

    A região da Grande Lisboa, com 2.534 novos fogos, regista um aumento de 81,6%, mostrando ser agora o principal motor da retoma na habitação urbana, ultrapassando mesmo a Área Metropolitana do Porto, que mostra estagnação (apenas +20,5%, com 2.813 fogos este ano).

    A euforia é, porém, desigual. Quatro em cada 10 novos fogos licenciados este ano estarão localizados apenas em duas regiões (Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto), ou seja, 39,7% dos novos fogos serão construídos em menos de 6% do território nacional, sendo que estas são já as mais saturadas do ponto de vista urbanístico.

    Evolução dos licenciamentos de fogos novos nos primeiros quatro meses (Janeiro a Abril) de cada ano desde 2007. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Por outro lado, territórios como o Baixo Alentejo (-33,6%), Terras de Trás-os-Montes (-30,8%), Alentejo Central (-28,5%), a Península de Setúbal (-25,1%) e até mesmo o Algarve (-21,8%) e Ave (-5%) apresentam quedas acentuadas. Ou seja, algumas zonas suburbanas, turísticas e do interior, com fraca atractividade económica, continuam a afastar o investimento em habitação, mesmo num contexto de incentivo à construção. Este crescimento reproduz a ‘velha geografia’ da litoralização e da urbanização concentrada, sem qualquer correcção política ou de planeamento estratégico.

    Mas, para além do número bruto de fogos licenciados, a análise do PÁGINA UM aos dados por tipologia revela uma mutação ainda mais significativa e estrutural: a redução progressiva das habitações de maior dimensão e o crescimento acentuado de fogos pequenos, em particular os T0 e T1.

    Nos quatro primeiros meses de 2025, as tipologias T0 e T1 (agregadas nos dados do INE) representam 18,2% do total de fogos licenciados, com 2.448 unidades — uma subida clara face à média de 1.301 unidades por ano no quinquénio anterior. Antes de 2017, raramente esta tipologia ultrapassava os 10% do total. Em termos relativos, trata-se de um aumento de 88,1%, mais do dobro do crescimento geral dos licenciamentos. Este indicador reflecte uma mudança na estratégia dos promotores imobiliários, que apostam agora num mercado da habitação mais compacta — dirigida sobretudo a arrendamento urbano, a residências para estudantes e, em alguns casos, à hotelaria encapotada.

    Licenciamento de fogos novos nos primeiros quatro meses em 2025 e na média do quinquénio 2020-2024, e variação percentual. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    A opção por fogos de pequena dimensão responde, parcialmente, às exigências económicas de um mercado onde o preço por metro quadrado atingiu níveis proibitivos. No entanto, esta tendência pode vir a gerar problemas de saturação urbana, congestionamento de serviços públicos e pressão sobre infra-estruturas já deficitárias. Por outro lado, constitui um reflexo da precarização dos modelos de vida — cada vez mais orientados para a mobilidade, o individualismo e a instabilidade. Ou seja, a construção de casas familiares está em forte queda.

    Com efeito, a tipologia T4 ou superior — ou seja, de habitação familiar com espaço e estabilidade — recuou significativamente. Nos primeiros quatro meses deste ano, apenas 1.716 fogos desta categoria foram licenciados em todo o país, o que representa apenas 12,7% do total, quando em 2007 representavam 16,7% (com 3.723 unidades). Em todo o caso, em termos absolutos, o número de fogos com tipologia T4 ou superior é o maior desde 2010.

    Numa perspectiva urbanística global, este boom de licenciamento exige leitura crítica. Não basta celebrar o número: é preciso questionar onde se constrói, o que se constrói e para quem se constrói — algo que os números do INE não mostram, mas que indiciam. A predominância de tipologias mínimas em zonas mais valorizadas, conjugada com a queda de licenciamentos nas regiões menos atractivas, poderá vir a reforçar assimetrias e criar bolhas de sub-habitação urbana — apartamentos demasiado pequenos para necessidades familiares, com preços desajustados face ao rendimento médio, servidos por infra-estruturas que não acompanham o ritmo de expansão.

    Evolução do licenciamento de fogos novos nos primeiros quatro meses do ano (Janeiro a Abril desde 2007) por tipologia. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM,

    Não menos importante é o impacto deste crescimento sobre os equipamentos urbanos. A construção intensiva, sobretudo nos centros urbanos já saturados, pode comprometer o acesso a transportes, escolas, unidades de saúde, zonas verdes e abastecimento energético — áreas frequentemente ignoradas no frenesim licenciatório. E existe, assim, com esta vontade de licenciar para resolver a ‘crise da habitação’ apenas com mais construção, o risco de se repetir o erro clássico do urbanismo português: permitir que a pressão imobiliária dite a forma da cidade, em vez de se planear a cidade para responder à sua função social.

    Certo é que este processo de nova bolha imobiliária sucede sem que o Estado, central ou local, assuma um papel de verdadeiro regulador estratégico. As autarquias, muitas vezes dependentes de receitas do licenciamento e pressionadas pelos interesses de promotores, não têm dado provas de capacidade para travar ou orientar os surtos construtivos.

    Em muitos casos, a aprovação de projectos acontece sem qualquer avaliação prévia de impacto sobre os equipamentos públicos, licenciando-se porque surgem investidores, porque há pressa — e há pressa porque há investimento, e o investimento, como se sabe, não gosta de esperar nem de ser contrariado.

    Em suma, se o crescimento de 31,8% no licenciamento de fogos em 2025 é também um sinal de recuperação económica, também revela miopia estrutural. O país que passou anos a lamentar a crise da habitação parece agora enredado numa resposta quantitativa, quando os problemas são sobretudo de qualidade — do território, da oferta, do acesso e do planeamento.

    Assim, se a ‘fome’ de habitação é real, a fartura súbita poderá ser indigesta. A história urbanística portuguesa ensina que os excessos se pagam — não com juros financeiros, mas com décadas de má qualidade de vida, desorganização do espaço e oportunidades perdidas.

  • Indústria farmacêutica ‘montou’ feudo no Ministério da Saúde

    Indústria farmacêutica ‘montou’ feudo no Ministério da Saúde

    A indústria farmacêutica reforçou a sua presença no Ministério da Saúde com a nomeação de Francisco Gonçalves para a Secretaria de Estado da Gestão da Saúde. O novo governante salta directamente da Sanofi, onde ocupava desde 2021 o cargo pomposamente denominado Head of Market Access & Public Affairs. Nessas funções, Francisco Gonçalves foi responsável pela definição de estratégias para a obtenção de preços e reembolsos junto das autoridades de saúde, bem como pela articulação com decisores políticos e instituições públicas, assegurando o enquadramento regulatório e institucional favorável à empresa.

    Foi ele que, por exemplo, negociou com o Ministério da Saúde, então liderado por Ana Paula Martins, a introdução do fármaco Beyfortus – marca comercial do nirsevimab, um anticorpo monoclonal para a prevenção do vírus sincicial respiratório –, que é hoje uma das coqueluches da farmacêutica francesa (confirma). Nas contas de 2024, a Sanofi reportou receitas com este fármaco de quase 1,7 mil milhões de dólares, com um crescimento de 208% face ao ano anterior, ocupando já a segunda posição entre as suas marcas, apenas atrás do Dupixent, também um anticorpo monoclonal destinado ao tratamento da asma e da dermatite atópica, e que é um autêntico campeão de vendas devido ao seu elevado preço.

    Apesar de se tratar de uma doença genericamente benigna e de não haver registo em Portugal de mortes em bebés, a Sanofi – apoiada numa intensiva campanha mediática que incluiu parcerias promíscuas com a imprensa mainstream – conseguiu que, em 2024, o Ministério da Saúde adquirisse doses suficientes para inocular cerca de 62 mil bebés nascidos entre 1 de Agosto do ano passado e 31 de Março de 2025.

    De acordo com o Portal Base, a Sanofi conseguiu vender até hoje cerca de 14,6 milhões de euros (IVA incluído) de Beyfortus, mas a factura deverá ainda aumentar substancialmente. Grande parte deste valor deveu-se á administração de doses em cerca de 62 mil crianças”, justificada por um alegado estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), com base em dados de 2023, que apontavam para o internamento hospitalar de 145 crianças até aos dois anos de idade, entre 2 de Outubro e 10 de Dezembro.

    No passado mês de Abril, o Ministério da Saúde, através da Direcção-Geral da Saúde (DGS), decidiu expandir a estratégia de imunização na próxima campanha de vacinação, alargando a sua abrangência a todos os bebés nascidos entre 1 de Junho de 2025 e 31 de Março de 2026. A data ainda não está definida, mas a campanha de administração do anticorpo monoclonal – que não é tecnicamente uma vacina – deverá arrancar a 1 de Outubro e prolongar-se até 31 de Março de 2026.

    O marketing para promover mediaticamente o tema do vírus sincicial respiratório começou no final de 2021 com um evento pago pela AstraZeneca ao Público. A partir do ano passado, os eventos, também em outros media (como o Expresso) começaram a ser promovidos pela Sanofi, que tem a área comercial de um novo fármaco (com a AstraZeneca e a Sobi) aprovado na Europa. As notícias sobre o VSR e o novo fármaco aumentaram substancialmente a partir do ano passado na generalidade da imprensa.

    Apesar de diversos estudos indicarem que o Beyfortus reduz significativamente a hospitalização de bebés com infecções respiratórias por VSR, não são conhecidos estudos públicos sobre o verdadeiro impacto nos hospitais portugueses, sendo certo que, em termos de óbitos, não havia nada a melhorar, por não haver registos de desfechos fatais. Até porque, antes do Beyfortus, já existia um outro anticorpo monoclonal administrado apenas a prematuros e recém-nascidos com comorbilidades graves.

    Apesar disso, os dados da Agência Europeia do Medicamento – actualmente presidida por Rui Santos Ivo, presidente do INFARMED, e que ficará agora sob tutela do ex-Sanofi Francisco Gonçalves – começam a indicar suspeitas de efeitos adversos graves associados à toma de nirsevimab. Ainda que estes dados careçam de confirmação, a sua inclusão no sistema EudraVigilance constitui já um alerta regulatório.

    Desde 2023 até à data, foram reportadas 628 reacções adversas graves, incluindo 21 mortes. Destas, 13 foram reportadas em 2024 e sete já este ano. O mais recente registo de morte associada à nirsevimab é de 29 de Março e ocorreu por morte súbita de um recém-nascido com menos de um mês no próprio dia da toma, de acordo com o registo da EudraVigilance.

    Os efeitos adversos do Beyfortus têm sido detectados sobretudo em França, onde a administração do fármaco é mais intensiva. Actualmente, para além de Portugal e França, o Beyfortus tem sido administrado em Espanha, Alemanha, Itália, Finlândia e Bélgica – embora nem todos os países tenham optado por abranger todas as crianças. O custo por dose ascende a mais de 200 euros, valor considerado exorbitante, o que tem contribuído para o expressivo crescimento das receitas da Sanofi.

    Com a nomeação de Francisco Gonçalves, são agora dois os governantes do Ministério da Saúde com fortes ligações à indústria farmacêutica. Ana Paula Martins esteve durante vários anos ligada à Gilead, uma das farmacêuticas que conseguiu importantes negócios durante a pandemia, sobretudo com o remdesivir, um fármaco que fora um investimento ruinoso contra o vírus do Ébola, mas que miraculosamente foi considerado eficaz contra o SARS-CoV-2.

    Apesar de a covid-19 ser actualmente uma doença praticamente inofensiva, a Gilead conseguiu já vender este ano em Portugal mais 744 mil euros de remdesivir a diversos hospitais, tendo no ano anterior obtido ainda 3,7 milhões de euros. Desde finais de 2020, cerca de 40 milhões de euros deste antiviral foram adquiridos pelo Estado português à antiga empregadora da actual ministra da Saúde.

    Exemplo paradigmático do uso de jornalistas como ‘delegados de propaganda médica”. Clara de Sousa numa acção da indústria farmacêutica, uma empresa de genéricos.

    A indústria farmacêutica vive, na Europa, um período de expansão acentuada dos seus negócios, com cada vez menor vigilância regulatória, fruto das chamadas “portas giratórias” entre o sector e a política. Além disso, ao nível dos media, tem-se vindo a registar aquilo que se poderá denominar – com rigor a definir – “abraços de urso” publicitários, em que parcerias comerciais envolvendo jornalistas alimentam uma cobertura enviesada: os órgãos de comunicação social funcionam agora como novos delegados de propaganda médica.

    Em Portugal, por exemplo, o Expresso, o Público, a CNN, o Observador, o Diário de Notícias, entre outros, têm mantido generosas parcerias com farmacêuticas, o que se traduz numa visível redução de notícias desfavoráveis e num aumento de conteúdos entusiásticos, mesmo relativamente a medicamentos ainda sem provas consolidadas de eficácia ou de segurança.

  • Imparável: após buscas, Nininho Vaz Maia já ganhou mais 200 mil euros em concertos com autarquias

    Imparável: após buscas, Nininho Vaz Maia já ganhou mais 200 mil euros em concertos com autarquias

    Mesmo depois de ser constituído arguido e com rumores da sua ‘expulsão’ de mentor do The Voice, programa de talentos da RTP, a carreira do cantor Nininho Vaz Maia, vai de vento em popa. As buscas de foi alvo, no passado dia 6 de Abril, relacionadas com tráfico de droga e lavagem de dinheiro, não esmoreceram a vontade de autarcas em contratarem o popular cantor, que afirma estar inocente. No espaço de um mês, após as buscas, Nininho ‘assinou’ mais quatro contratos com autarquias num valor global de 205 mil euros para dar concertos ‘grátis’ à população. E há mais a caminho.

    Os quatro municípios que adjudicaram contratos ao cantor, sempre por ajuste directo, foram: Castelo de Paiva, Sertã, Reguengos de Monsaraz e Arouca. Três dos contratos foram efectuados através da Gigs on Mars, que representa o artista, e um foi feito através da empresa unipessoal Iconikourage, segundo a consulta que o PÁGINA UM fez à plataforma de registo dos contratos públicos, o Portal Base.

    A polémica em torno do artista não beliscou o apetite de autarcas em contratar o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional e esgotou duas noites no MEO Arena. A tendência confirma que Nininho Vaz Maia se tornou um fenómeno musical, sendo até imune a polémicas, como o PÁGINA UM antecipou. Além da popularidade, a polémica em torno do cantor surgiu num contexto em que a cena política ‘lucra’ com posições a favor ou contra minorias.

    O município da Sertã liderado pelo socialista Carlos Miranda adjudicou, no dia 21 de Maio, um contrato referente à contratação de um espectáculo do cantor no valor de 43.665 euros. O cantor tem assim presença confirmada no dia 19 de Julho no ‘Festival de Gastronomia do Maranho‘ de 2025, que decorre de 17 a 20 de Julho.

    Seguiu-se um contrato adjudicado à Iconikourage, Unipessoal, no dia 23 de Maio, pelo município de Castelo de Paiva presidido pelo social-democrata José Rocha no montante de 74.722,5 euros referente à aquisição de um “espectáculo, produção e gestão da produção do espetáculo musical de Nininho Vaz Maia – Festas de S. João”. O cantor será o cabeça-de-cartaz das festividades e irá actuar na noite de S. João, a 23 de Junho.

    Na passada terça-feira, dia 3 de Junho, o cantor ganhou mais dois contratos por ajuste directo, assinados pela Gigs on Mars com os municípios de Reguengos de Monsaraz e Arouca.

    Nininho Vaz Maia é o cabeça-de-cartaz das Festas de Santo António em Reguengos de Monsaraz.
    / Foto: D.R.

    No caso do município alentejano, o valor do contrato ficou por 46.125 euros para contratar Nininho Vaz Maia para actuar  nas Festas de Santo António de 2025, que decorrem entre 12 e 15 de Junho. O cantor vai estar em palco às 23 horas no dia 12 de Junho.

    O quarto contrato foi adjudicado pelo município de Arouca, por um valor de 41.364,9 euros. O cantor vai actuar na ‘Feira das Colheitas, Edição 2025’ marcada para entre 25 e 28 de Setembro. O músico vai actuar no dia 26 de Setembro, depois de ter sido “o mais votado no âmbito do inquérito online que a Câmara Municipal lançou para recolha de sugestões de artistas para a 81.ª edição da Feira das Colheitas”, segundo um anúncio da autarquia nas redes sociais, cujo prazo de resposta terminou a 15 de Abril, antes das buscas.

    Curiosamente, este contrato foi adjudicado por uma autarca, a socialista Margarida Belém, que foi condenada em 2023 pelo crime de falsificação de documentos, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por igual período. Em 2024, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso da autarca e confirmou a sentença aplicada na primeira instância.

    Mas a lista de contratos públicos adjudicados a Nininho Vaz Maia não deverá ficar por aqui. É que o artista terá 17 concertos agendados até ao final do ano de Norte a Sul do país, segundo alguns sites com agendas de eventos. Assim, ainda haverá contratos por assinar com autarquias para concertos que serão ‘grátis’ para a população, sendo pagos pelos contribuintes. Por exemplo, Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’, em Agosto, em Vila Real, que celebra este ano o seu centenário.

    Nos últimos dias, surgiram rumores de que Nininho Vaz Maia não irá continuar como ‘Mentor’ no programa de talentos ‘The Voice Portugal’, da RTP, mas não há nenhuma informação oficial sobre o tema. O artista integrou a lista de ‘Mentores’ da última edição do programa, ao lado de de Sónia Tavares, Sara Correia e Fernando Daniel. / Foto: D.R.| RTP

    Ainda hoje foi publicado no Portal Base um contrato no valor de 21.525 euros referente à “aquisição de serviços para o aluguer de som, luz, vídeo, efeitos especiais e material de DJ para o espetáculo do artista Nininho Vaz Maia, inserido na Festa do Emigrante 2025”. De resto, note-se que a despesa com concertos ‘grátis’ contratados pela autarquia de Vila Real em 2025 já iam, no final de Março, perto do meio milhão de euros, segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM. Um custo que ‘sobra’ para os contribuintes e que, em ano de eleições autárquicas, cai que nem ‘mel na sopa’ dos autarcas de todo o país, de ‘olho’ em novo mandato. Nininho é apenas mais um dos artistas com concertos ‘grátis’ que ‘animam’ a festa.

    Na página da Gigs on Mars, agente do artista, constam 11 concertos agendados entre os dias 21 de Junho e 27 de Julho. Já na página oficial do cantor na Internet, a área dedicada a agenda encontra-se vazia, surgindo a mensagem: “de momento não há eventos programados”.

    A agenda recheada do cantor, vem mostrar que a condição de arguido não o afasta dos palcos. Pelo contrário. Recorde-se que, tal como o PÁGINA UM noticiou, no próprio dia em que foi alvo de buscas, o cantor ganhou novo contrato público, com o munícipio de Anadia.

    Actualizando os valores, com os quatro contratos agora ganhos, eleva-se para 697.828 euros a facturação do cantor em 14 contratos com entidades públicas só em 2025. Este valor compara com os 20 contratos ganhos em todo o ano de 2024 e os 12 obtidos em 2023, num valor global 798.940 euros e 326.811 euros, respectivamente.

    Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’ em Vila Real, integrando assim o número de artistas que este ano darão concertos ‘grátis’ à população no âmbito das celebrações do centenário da elevação a cidade. / Foto: D.R.

    No total, desde Janeiro de 2023, quando ganhou o seu primeiro contrato público, o cantor já facturou mais de 1,8 milhões de euros com entidades públicas, incluindo 41 autarquias.

    O cantor tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas e, sobretudo, espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de três meses, esgotou duas noites no MEO Arena, em Lisboa.

  • Com uma bala na mão

    Com uma bala na mão


    Paulo Vero é homem dos sete ofícios


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.